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Elfa - Volume I

Autor(es): elfman

Sinopse
Aventuras espadas & calcinhas com um grupo de matadoras de monstros e caçadoras de tesouros que inclui uma
elfa, uma fada, uma coelhinha ninja e uma humana com a bunda gordinha.

Notas da história
* Escrito com o objetivo de sacanear todos os clichês de mangás, animes, rpgs e histórias de fantasia que
existem, nada se salva e todo elemento possível de se imaginar nesse tipo de história acaba aparecendo uma hora.

* A princípio pode não parecer, mas é uma história bastante complexa e com dezenas de personagens e elas
passam por algumas aventuras bastante pornográficas de vez em quando, então leia por sua conta e risco.

* Não leia a sério.

(Cap. 3) II - A Duquesinha

Notas do capítulo
Que trata da chegada da duquesinha Mychelle Alanturia ao Vilarejo da Cerejeira Sagrada, onde ela mostra para
um estranho mais do que deveria e acaba por dar-se conta de que muitos vão buscar lã e saem tosquiados;
conhecemos alguns dos que estão na vila e outros que nela chegam, e também, entre outras pequenas intrigas, um
inocente é aprisionado por algo que não fez.

Parte II - A Duquesinha

“Que trata da chegada da duquesinha Mychelle Alanturia ao Vilarejo da Cerejeira Sagrada, onde ela
mostra para um estranho mais do que deveria e acaba por dar-se conta de que muitos vão buscar lã e saem
tosquiados; conhecemos alguns dos que estão na vila e outros que nela chegam, e também, entre outras pequenas
intrigas, um inocente é aprisionado por algo que não fez.”
As rodas da carruagem finalmente pararam; estavam desgastadas, sujas e até mesmo rachadas, haviam
percorrido longa distância por trajetos dos mais acidentados e o veículo estava agora diante dos muros altos do
vilarejo da Cerejeira Sagrada: eram feitos de pedra mofada e antiga, coberta por todos variados tipos de vegetação
que prolifera na sombra, pois mesmo quando brilhava o sol – como acontecia naquele momento – vinha a
claridade do lado oposto ao dos portões. A carruagem estava a distância suficiente da sombra para que a luz
penetrasse suas cortinas abertas e aquecesse o braço da duquesinha; ela o tinha recostado sobre o escudo real
pintado na porta e havia retirado a luva para receber melhor tal carícia, se me permitis usar linguagem tão
enfeitada. Há muito não vinha a este lugar, uma das partes da província governada pelo seu pai, o grão-duque.

Logo ouviu gritos de “Abram os portões!” e notou uma grande concentração de pessoas nos arredores,
bem como alguns outros coches, faziam parte provavelmente de uma caravana. Enquanto os portões grossos
rangiam e por detrás deles revelava-se um pequeno grupo de soldados, a duquesinha pôde escutar a conversa de
alguns passantes, a qual deu-se da seguinte forma:

“O que está acontecendo? Por que aquela carruagem está entrando?”

“É uma carruagem do grão-duque de Orqushire e como tal não precisa submeter-se à revista.”

“Mas não é justo, estamos aqui desde o amanhecer!”

“O grão-duque é o organizador deste encontro, bem o sabes...”

“E daí? Vou organizar meu retorno caso isto se prolongue ainda mais! Já não chega termos sido assaltados
por aqueles malditos ogros no trajeto para cá!”

A carruagem entrou vagarosamente enquanto a duquesinha mordia outra daquelas frutas róseas que
estavam ao seu lado no banco e que por algum motivo o obscuro manuscrito desta história se recusa a revelar se
era uma maçã ou o que. Deu-se conta, contrariada, de que era a ultima delas; devorara todas, pois o desgosto do
encontro com a elfa dera-lhe fome. E ouvir mencionarem os ogros agora só servia para irritá-la. Voltou a pôr a
luva ao perceber a serva descendo do carro, esta falou alguma coisa sobre os cavalos e depois veio abrir a porta.

Aproximou-se a menina, colocou-lhe as botas e finalmente disse-lhe:

“Pronto, já podeis sair, milady.”

Daí esticou a mão e, fazendo uma reverência, ajudou a duquesinha a descer os degraus.

Havia uns oito guardas uniformizados em frente à carruagem e ao lado da serva estava Artemísia, a capitã.
Um corpete de couro escuro comprimia-lhe o peito largo, seus braços e pernas firmes, mais para musculosos,
estavam como de costume descobertos, corados pelo sol, e os cabelos escuros estavam presos por uma tiara. Ela
vestia também um saiote curto e, quer me parecer, um tanto quanto estreito, pois deixava de fora bastante dos
músculos da parte de trás dela, inclusive um tantinho onde a pele era mais branca por não costumar ficar tão
exposta ao sol, e também esta parte ela tinha forçuda e de aparência dura, em que muito lembrava garota de povos
bárbaros. Além disso, trazia uma espada não muito leve nas costas e uma adaga longa na cintura. A duquesinha
nunca tinha gostado muito da capitã, era um sentimento mútuo entre as duas, não de todo gratuito, e caso
acompanhemos mais as duas no decorrer desta narrativa tão detalhista quanto legítima, pode ser que descubramos
alguns dos motivos.

Pelas ruas, por entre as pequenas construções, andavam mais pessoas do que a nossa nobre esperava
encontrar e alguns se aproximavam da carruagem com curiosidade. A pouca distância dali duas torres de pedra
erguiam-se por trás dos telhados e, abaixo delas, próximo ao topo das árvores, surgia saliente o cume de um
templo, construído em madeira marcada com símbolos religiosos.

A capitã colocou as mãos na cintura e falou, parecia cansada (e usava luvinhas pretas que deixavam-lhe de
fora os dedos, observou Mychelle):

“Vosso pai não pôde vir vos receber, senhora duquesinha, e por isso ressente-se muito.”

“O que?” a nobre perguntou evitando encarar a capitã. Era mais alta que ela, mesmo com os saltos das
botinas afundados na areia. “Papai não pôde vir? Onde é que ele está?”
“O grão-duque está em uma importante reunião com os representantes da delegação da Turísia, logo virá
vos encontrar.”

A serva da duquesinha tirou o capacete, passou as mãos pelos cabelos suados e colocou-os para trás das
orelhas; eram ainda mais claros do que os de sua mestra, mas lisos.

“E quem são essas pessoas todas na frente da vila, capitã?” perguntou a duquesinha, olhando ao redor.
“Tem tantos soldados aqui.”

“Enviados de outras províncias, senhora minha, vieram para o conclave.”

“Conclave, é? Hm, lembro-me de ter ouvido algo a respeito. Bom, onde é o lugar em que vou ficar durante
minha estada neste vilarejo?”

“Agora mesmo os guardas indicarão tudo a vossa serva, senhora. E já podeis me entregar o convite, para
que possamos deixar tudo acertado conforme as regras e leis,” pediu a capitã.

“Convite? Ah, o convite.” A duquesa cutucou o braço da serva. “Onde está o meu convite, Lourdes-
Maria?”

“Num dos baús,” a menina respondeu baixinho.

“Ih, mas em qual deles? Tem tantos!”

“Ah, não sei, senhora, não foi no das calcinhas? Tomara que não tenha sido naquele baú que...”

“Quieta,” mandou a Duquesinha e pisou no calcanhar da outra. “Pegai meu convite depois!” A
Duquesinha ergueu a voz. “Agora estou muito can­sada, quero ir pro meu quarto. Minhas botas e meu vestido estão
apertados e estou ficando com calor! Serva, descarrega os meus pertences! Vamos!”

“Ai, sim senhora.”

“E não esqueças minha espada! Está dentro da carruagem.”

A capitã Artemísia não parecia sentir-se paciente para discutir, pois apenas fez um sinal indicando aos
guardas que ajudassem a serva e disse “Sendo assim, vou voltar ao meu trabalho, senhora, ainda temos três
caravanas para revistar.” Virou-se e dirigiu-se aos portões, aquelas nádegas deveras firmes dela movendo-se de um
lado para o outro mal cobertas pelo saiote; nelas fixaram-se os olhares dos soldados e também o da duquesinha,
mas este era de desaprovação.

“Olha só, esse paninho a deixa com a bunda toda de fora," cochichou ela. “Mas que coisa ordinária, quem
ela pensa que é com as pernas grossas desse jeito?”

“Hã?” fez a serva. “Ah, não tem nenhuma classe, senhora.”

“E ai de vós se voltardes olhares para o traseiro dessa baranga indecente de novo!” disse a nobre em voz
alta, dirigindo-se aos guardas. “Faço meu pai enviar todos para a guerra no deserto de Daforos!”

A duquesinha desejava sair logo dali para tirar o vestido, pois o dia havia amanhecido frio e com o passar
das horas a temperatura invertera-se, se é que a temperatura pode fazer uma coisa dessas, e agora todos aqueles
tecidos pesados a faziam transpirar. A serva se aproximou, estava com um baú sob um dos braços e parecia fazer
muita força para erguê-lo. Virou o rosto em direção às torres, era como se estivesse apontando para as construções
com seu nariz, e falou “Os soldados disseram-me que vamos ficar naquela torre ali, minha dama, como daquela
outra vez anos atrás.”

“Então vamos ir para lá.”

E assim foram, os saltos da nobre afundavam na areia e a serva levava o baú com dificuldade, de modo
que caminhavam devagar e foram passadas por muitos dos homens que iam transportando o restante da bagagem
retirada da carruagem. Na rua por onde iam, a principal do povoado, com mais construções de dois andares do que
as outras e até mesmo umas casas bem grandes que ela não se lembrava de ter visto das outras vezes em que
estivera ali. Aalgumas portas eram vigiadas por soldados e a duquesinha notou que muitos usavam coletes e
roupas com símbolos diferentes. Alguns destes ela reconhecia como sendo de províncias vizinhas, mas a maioria
deles lhe era estranha.

“De onde é aquele escudo ali, serva?” perguntou e apontou para um vigia distante.

“Ora, da Turísia, milady.”

“Eu sei, quero dizer, aquele outro! Ui, faltei a maioria das aulas de heráldica mesmo.”

“Mas minha ama é bastante culta,” a serva falou, “sem dúvida teve sorte por ter estado na corte da Rainha
e no Castelo de Espelhos.”

“Ah, achei muito chato o castelo. Só gostava das aulas de esgrima e de estratégia. Heheh, lembro bem de
quando arrebentei o narizinho da princesa de Darinária, a ordinária. Ensinei-lhe uma bela lição.”

“No fundo minha senhora duquesinha é uma dama de finos modos, além de inteligente.”

“Sei.”

“Digo, bem no fundo.”

“Sem-vergonha.”

“Olha como as meninas daqui espiam pelas janelas e se enchem com o desejo de usar vestido tão lindo
quanto o vosso,” disse a serva e usou o nariz para apontar de novo para os lados.

“Bem quero livrar-me dele, bajuladora, pois no momento aquece-me demais o corpo, para não falar deste
cinto de castidade a apertar-me o íntimo.”

“Ô, eu também,” suspirou a serva. “Mal posso esperar para tirar isso, muito me incomoda insinuando-se
de modo tão profundo em meu bumbum. Não é justo obrigar-nos a vestir tal coisa, mas ao menos serviu para
impedir que os ogros nos violassem.”

“Ora, eu teria acabado com eles, não fosse aquela elfinha.”

“Não sei, senhora, pareciam-me um tanto grandes.”

“Exato, de modo que teria acabado com eles de um jeito ou de outro. Queria ver se eram mesmo tão
grandes assim.”

“Ui, eu não poderia com eles, minha senhora sabe.”

“Ei, quanto tempo vamos ficar aqui? De que se trata esse conclave, afinal?” perguntou a duquesinha, pois
nada sabia sobre os motivos pelos quais fora chamada por seu pai para aquele lugar e nem tinha idéia do que ali
sucedia, minha tia decidiu explicar no manuscrito original desta história, caso não estivesse já tudo muito claro
para nossos leitores, mas mais pela duquesa não ter prestado atenção em muita coisa do que por qualquer outro
motivo.

“Não sei quanto tempo vai durar, senhora, ouvi dizer que estão vindo para cá representantes de mais de
sete províncias e até alguns de fora do continente,” foi o que respondeu a serva. “Da mesma forma não sei
exatamente do que se trata, mas deve ter algo a ver com aqueles sacerdotes da tal ordem de Dravísios que
andavam perambulando pelo castelo, pois a ordem aqui tem instalada uma missão, ouvi dizer.”

“Oh, por Sene, mais um culto estranho. Já não me agradam os adoradores de árvores deste vilarejo, foram
escolher logo uma cerejeira para idolatrar...”

“Apesar dos sacerdotes de Dravísios não pertencerem à seita da Cerejeira Sagrada, foi-lhes permitida a
permanência na vila e, algo raro, muito unidas se tornaram as duas religiões. Soube que aqui já estão desde o
inverno passado, querida senhora. Que será que fizeram para atrair tantos nobres a um povoado tão pequeno e
distante quanto este?”

“Oh!” A duquesinha interrompeu a serva. “Dá esse baú aqui!” Para espanto da outra, parou de andar e
arrancou-lhe das mãos o baú. Tinha mais força, por isso levantou-o com facilidade.

“Mas... senhora...”

“Fica quietinha e observa uma mestra em ação. Ei!” gritou e aproximou-se de um homem que vinha
andando em sentido oposto. Ele estava coberto por um manto branco desprovido de símbolos, tinha cabelos claros
e longos.

O homem parou de andar quando finalmente percebeu ser em sua direção que vinha a duquesa. Encarou-a
com olhos cinzentos, bem como com algo que ela não podia distinguir se era curiosidade.

“Com certeza não irás deixar que uma dama carregue todo este peso por si só, não é mesmo? Vamos, pega
aqui!” Nossa nobre empurrou o baú para cima dele e soltou-o de modo que teria caído se o homem não o
agarrasse. “Ajuda-me a levar isso para o meu quarto, sê gentil! (Pelomenosatéláchegarmos!)”

O homem tentou dizer algo, mas foi detido pela duquesinha:

“Ah, é ali na torre, vamos, ajuda-me! Meus braços estão tão cansados!”

“Entendo. Porém, tenho outras coisas para fazer, mulher,” ele disse e quis devolver o baú.

“O que? Não vês que eu estou mandando? Sou a duquesa Mychelle Alanturia! Como te atreves a usar
deste tom comigo? Tens consciência de que por isso poderia mandar prender-te nas masmorras por uns dois
anos?”

“És a duquesinha de Orqushire?”

“Que desaforo! Sabes com quem estás lidando?”

“Posso afirmar que conheço teu nome.”

“Mestra! Mestra!” A serva alcançou-os e apoiou-se no ombro da sua senhora. “Ele não é um dos guardas,
minha dama.”

“Eu bem sei!” A duquesa virou-se para a serva, daí falou apressadamente e em voz tão baixa que quase
não se pôde entender, mas no geral disse algo como: “Agora sê uma mocinha obediente, corre lá na nossa frente e
me prepara um bom banho, viu? Ah, e não te esqueças de deixar a chave do meu cinto de castidade sobre a cama”

A serva piscou um olho e pôs-se a andar mais depressa.

“E vê se trata de achar o meu convite e a jóia! Se os ogros os tiverem levado… Pronto, agora vamos lá.” A
duquesinha colocou as mãos sobre os ombros do homem, virou-o para frente e passou a empurrá-lo.

.oOo.

.oo.

Não muito depois, a duquesinha e o homem que levava o baú dela chegaram na entrada da torre: um
portão com grades de ferro estava elevado e havia dois guardas em frente ao mesmo.

“Pronto, aqui está teu baú, duquesa de Orqushire.”

Ele foi entregar a ela o que carregava, como já deduziram nossos sagazes leitores. Ela, contudo, tinha
outros planos, como também podeis imaginar.
“Espera, como assim? Ajuda-me a levá-lo para cima! Olha lá, são tantos degraus!” Apontou para a
escadaria. “Ah, vamos, por favor, sou só uma donzela frágil e inocente que precisa muuuito de um... uma ajuda.”

A duquesinha subiu as escadas de pedra atrás do homem, elas seguiam em espiral e eram iluminadas por
tochas e raras janelas, as quais distanciavam-se muito umas das outras. A certa altura havia um corredor onde três
mulheres em armaduras leves vigiavam a entrada para uma segunda escadaria, por onde prosseguiram. Após os
muitos degraus de uma subida cansativa, chegaram em um corredor com tapete vermelho, cheio de janelas. Havia
tochas entre uma janela e outra e através delas podia-se ver toda a vila; o templo e a grande árvore que era
considerada sagrada pelos habitantes do povoado ficavam bem mais próximos do solo do que daquele lugar. Sem
deter-se muito diante de uma das janelas, a duquesinha percebeu com os cantos dos olhos que ainda várias pessoas
estavam lá fora e que algumas outras caravanas saíam da floresta densa e paravam diante dos portões.

Duas jovens segurando lanças de aço e trajando malhas de ferro vigiavam uma porta dupla no fim do
corredor. A duquesinha havia retirado as luvas durante a subida, segurava-as em suas mãos no momento em que
aproximava-se dessa porta guardada e pensava em aproveitar ao máximo que pudesse sua estada naquela vila
considerada por ela tediosa. Já imaginava com certa ansiedade o que iria querer experimentar primeiro com aquele
que a acompanhava assim que se livrasse do incômodo cinto de couro sob seu vestido, apertado contra suas tão
puras intimidades. (Era forrado de veludo, mas mesmo assim, apesar de eu nunca ter usado um, creio ser algo
bastante desagradável, inda mais se tiverdes, como nossa duquesa, uma parte de trás tão larga.) Com a quantidade
de visitantes na vila, certamente muitos homens de diferentes terras estariam disponíveis para visitar os seus
aposentos se ela pudesse conduzi-los até lá com discrição.

Todas esses pensamentos ergueram-lhe um canto dos lábios, estes empurraram e ergueram a manchinha ali
na bochecha.

“Oh… Bem-vinda, senhorita duquesinha. É um prazer vos servir novamente!” saudou-a desta forma uma
das vigias. Esta e sua parceira, ao contrário da capitã Artemísia e dos soldados na entrada do vilarejo, não eram
vindas do castelo do grão-duque, mas faziam parte da divisão local do exército de Orqushire.

“Sei. Bom, a minha serva e consorte-de-honra já chegou?”

“Ela está lá dentro, gentil senhora. Disse estarem todos os vossos artefatos arrumados da maneira que a
senhora aprecia. E os soldados acabaram de trazer alguns baús que já as cortesãs levaram para o interior.”

“Então o que estais esperando? Abri logo essa porta.”

“Ah... eu... nnn…”

Uma das guardiãs virou-se para a outra e cochichou algo, ambas estavam nervosas.

“Eu não, dize tu,” a outra cochichou de volta.

“O que houve?” rosnou a nobre, já cansada de esperar. “Vão abrir a porta ou não vão, afinal?”

“Não-podemos-senhora!”

“O quê?”

“Bem, a capitã Artemísia disse que não devemos permitir a entrada de nenhum homem, com exceção do
grão-duque em pessoa, nos aposentos da senhorita!” A vigia hesitou um pouco antes de revelar o resto. “Para... hã,
preservar a pureza da nossa casta senhora.”

“Como é? Ela disse isso, é? Mas que filha da…”

A duquesinha colocou os dedos ao redor dos lábios lembrando-se de que deveria manter a calma.
Aproximou-se das duas vigias e assim prosseguiu: “É vergonhoso. Onde já se viu? O que está a capitã Artemísia
pensando da vida? E vós? Tratais-me como se eu fosse uma vulgar qualquer que está indo com qualquer um para
trás das moitas, coisa que aquela mulher, se é que se pode chamá-la assim, faz e muito, da maneira mais
indiscriminada possível! Como ousais supor tais baixezas? Pois muito me ofendeis! Abre essa porta, mocinha,
este que aqui está é meu convidado! O que estará ele pensando após ouvir tão lastimáveis infâmias?”
“Ai, eu não posso, senhora! Por favor, compreendei, a capitã...”

“Talvez seja melhor deixar o baú aqui mesmo,” o acompanhante da duquesinha disse, mas ela tinha outros
planos, como já foi dito, e de modo algum permitiria que ele se livrasse daquela carga.

“O quê? Não! Eu preciso levá-lo para dentro!” Ela se virou para as duas de novo. “Pois bem, servinha
descortês, estás vendo essa lança aqui na tua mãozinha?”

“Ai, sim, senhora.” A mulher estava olhando para baixo.

“Eu vou pegar essa lança e vou...” falou alguma coisa bem perto das duas, para que apenas elas ouvissem
“...da perua da capitã Artemísia! Já ouvistes falar do que o meu pai mandou fazer com a ultima vadia de armadura
que me contrariou?”

“Gulp! Sim, fui eu, senhora,” disse uma das vigias, enconlhendo-se toda.

“Que, foi em ti que... oh!” A outra calou-se assustada.

“Ah, sim, então foste tu que há um ano te recusaste a entrar naquele buraco para recuperar meu brinco,
não foi?”

“Aquele era o território da rainha do mundo subterrâneo, senhora!”

“E aí? Já estás conseguindo sentar?”

“Ai, só do lado esquerdo, senhora! Por favor, desculpa, vamos deixar a senhora entrar! Foi a capitã
Artemísia que mandou! Estávamos apenas fazendo o que ela disse!”

.oOo.

.oo.

Atrás da porta havia um longo salão construído em formato octogonal, de teto muito alto, cujas três
paredes do lado oposto continham outras entradas. Em uma das duas paredes centrais havia uma janela e na outra
uma lareira com o fogo aceso. Acima desta ultima estava um quadro mostrando uma mulher de cabelos loiros
muito semelhante à própria duquesinha; a dama ali retratada trazia uma jóia verde repousando sobre um vestido
negro que dominava a maior parte da pintura. Abaixo do retrato, talvez presa na borda inferior da moldura,
desenrolava-se uma bandeira.

Espalhados pelo tapete vermelho e por cima de algumas mesas estavam vários baús, a serva da duquesa e
outras duas meninas descalças, estas usando saias leves, retiravam o conteúdo das caixas, em sua maioria
composto por roupas, e o organizavam. Uma outra vigia, sem lança mas com uma espada curta na cintura, estava
em pé próxima à janela, a qual era gradeada. Esqueci-me de mencionar, aliás, o fato de serem gradeadas todas as
janelas da torre, talvez pelo fato do grão-duque temer que algum homem voador viesse violar a tão famosa
castidade da duquesinha.

Ao avistar a nossa duquesa, a serva aproximou-se e disse “O quarto de minha senhora é aquele lá no
fundo, milady!” Agarrou-lhe o ombro e após indicar uma das três portas distantes, seguiu falando em voz baixa:
“O banho está pronto, água aquecida na lareira, e eu coloquei a chave do cinto ao lado da banheira, atrás da
cortina!”

“Oh, bom, bom. Queres participar?”

“Gulp! Sabes que não gosto de... de...”

“Oh, eu sei, esquece. E quanto a esmeralda?”


“Não pude encontrar a jóia e nem o convite. Revistei todo conteúdo da carruagem, com certeza estavam
no baú levado pelosAi!”

Os dedos da duquesinha torceram uma das coxas da serva e a menina parou quieta.

“O que vamos nós fazer agora? Foi meu pai quem pediu-me para trazer a jóia! Que direi a ele?”

“Ai! senhora! senhora! O teu...” A nobre largou a pele da pobre serva, porque na verdade tinha mais pele
do que carne, de tão magrinha. “Ui! O teu...”

“O que estás querendo dizer?”

“O teu homem está fugindo, milady!”

A duquesinha virou-se e notou que seu acompanhante havia deixado o baú sobre uma mesa e aproveitara a
troca de discrições entre as duas para se aproximar da porta da sala, por onde já estava passando. Ela soltou as
luvas, foi correndo atrás dele e, quase num salto, segurou-o pelo manto.

“Espera, não te vás ainda! Nem pude agradecer, que indelicadeza a minha! Não fica bem a uma senhora de
minha fama e modos.”

“Preciso cuidar de alguns assuntos,” ele respondeu.

“Não, não, não, espera,” desesperava-se a nobre, não soltava o homem de modo algum. Quero crer, e que
ela perdoe-me a indiscrição, que nossa pobre duqquesa estava há ainda mais tempo sem atividades românticas, por
assim dizer, do que aquela elfa que apareceu no capítulo anterior desta história. “Faz mal descer aquelas escadas
assim, recém subiste carregando tanto peso!”

A serva passou uma mão pela testa e sacudiu a cabeça, entristecida por ver sua senhora desempenhar tão
deselegante papel.

“Não foi tanto peso assim e não estou cansado.”

“Oh, claro que estás! Bem, se não queres descansar um pouco, pelo menos vem até o meu quarto, vou te
dar um belo suco de manzanares de Loirs!”

A duquesa cruzou o salão trazendo o homem de arrasto, logo fechou a porta que ficara para trás e foram os
dois parar numa pequena sala de ambiente agradável. Era espaçosa e nela havia grande janela, estante com alguns
livros, duas cadeiras e uma pequena mesa sobre a qual estava cesta cheia de frutas. Numa das paredes havia
também outra passagem, mas esta sem porta e fechada apenas por cortina; devia separar a antecâmara, que era
onde estavam, das partes mais privadas dos aposentos, onde devia ficar o quarto propriamente dito.

“Agora um belo suco,” ela disse, pegando o homem pelas mãos.

“Não será necessário.”

“Ora, mas não é nenhum incômodo! E irás adorar, meu suco levanta até morto, de tão gostoso!”

“Realmente não tenho sede, duquesa de Orqushire. Preciso ir.”

“Ah, vamos, bebe só um pouquinho, apenas para fazer-me um agrado! Vou lá dentro pegar, não sai daí!”

Ela atravessou as cortinas, foi para sala onde o chão era de pedra descoberta. Num canto esta pedra
formava dois pequenos degraus conduzindo ao interior de um fosso muito raso: um retângulo cheio de água e com
poucos palmos de profundidade. Tratava-se da banheira, ao lado dela a nobre avistou bela mesa de mármore
coberta por panos e toalhas. Esta era uma mesa de massagens, a duquesa tinha uma semelhante em seu quarto no
castelo de Loirs, sua serva era muito boa em massagens, e no topo dela foi que encontrou a chave pela qual tanto
ansiava. No fundo do recinto, uma abertura deixava ver a ultima e mais espaçosa das três peças dos seus aposentos
pessoais, que era onde estava a cama, iluminada pelo sol.
Nossa duquesa sentou-se na mesa, trouxe uma perna de cada vez para cima dela e tirou as botas o mais
rápido que pôde. Moveus os dedos dos pés e eles estalaram, esticou as meias pretas que cobriam-lhe as pernas,
pois já iam descendo mais do que deviam, e levantou o vestido o suficiente para revelar o cinto incrustado em seu
intimo: fazia uma volta na cintura e desta parte principal partia outra para guardar-lhe o que precisava guardar, não
deixando abertura para que ali entrasse nem um dedo sequer. Terminava atrás, onde, não importando o quanto
fosse forrado com veludo, o aperto era mais incômodo, pois era volume demais a cercar cinto de menos.

Click!

A duquesinha livrou-se dele com um sorriso.

Por cima do vestido, acariciou um pouco a própria traseira por uns instantes, onde o aperto do cinto tinha
deixado a pele meio marcada. Deu ali uns tapinhas, depois desfez um laço, abriu alguns botões nas costas do
vestido, deixou-o frouxo, tirou o colar e, colocando a afobação de lado, retornou à sala. O homem estava virado,
olhava através da janela. Nossa duquesinha pegou uma maçã na cesta, mordeu-a, depois devolveu-a e foi se
aproximando dele.

“Antes que bebas do meu suco,” disse ela “que tal provar uma bela maçã, bem macia e suculenta?”

Colocou os dedos no decote, puxou o vestido para baixo e levou-o até a cintura num único movimento.
Revelaram-se seios claros e redondos e de certo volume, bem como uma barriguinha levemente saliente, mas em
nada desagradável, pois até que era bonita a duquesinha para quem gosta dessas garotas branquinhas e fofinhas e
de bumbum grande. Ela colocou uma mão sob o seio esquerdo e ergueu-o até onde não poderia manter-se sozinho.
Tinha uma cicatriz acima do mamilo, era um corte fino, assemelhava-se ao de uma lâmina e dirigia-se em linha
reta para o meio do tórax, clara e fina, mas comprida. Fora isto, aqueles dois montes arredondados aparentavam
graciosa fragilidade. Esta ultima frase minha tia-avó decidiu incluir para manter a audiência interessada,
certamente.

“Vamos, pega.” A outra mão da duquesinha fechou-se em volta dos dedos do homem, pois ele tinha posto
as mãos nas costas. “Tenho uma maçã bem macia e rosada para te dar.”

Quando voltou-se, ele olhou surpreso para o local até onde havia a duquesinha conduzido-lhe a mão. Ela
tinha o peito umedecido pelo suor e, nos seios, bicos mais rosados que marrons, como creio ser o comum em
garotas loiras, mas não tenho e nem desejo grande experiência em observar humanas nuas.

“Assim, não solta! Podes sentir o quanto este fruto ansiava por teu toque firme?” disse ela ainda, se podeis
acreditar nisso. Imaginais uma garota capaz de dizer com tanta seriedade tal bobagem sem ficar roxa de vergonha?

Passado o espanto, ele manteve a mão ali e seus olhos encontraram os olhos verdes da duquesinha, que
prosseguiu num sussurro:

“Toma-o! Leva-o a boca e dá uma boa dentada! Quero que proves bom pedaço meu!”

“Já deveria ter imaginado o que pretendias, duquesa de Orqushire, pois a gratidão é algo que tua raça
desconhece.”

“A minha raça? Ora, mas...” Então o sorriso desfez-se dos lábios grossos da duquesinha. “Estou pronta
para dar minha gratidão! Isso significa que vais recusá-la?”

“A luxúria e os modos de satisfazê-la, pelo contrário, conheces muito bem.”

“O que estás dizendo?”

“A luxúria impregna tão amplamente teu corpo que ocupa a porção e função do que os demais chamam de
alma.”

Algo estranho acontecia, a duquesinha não podia desviar o olhar por mais que tentasse, era como se os
olhos do estranho estivessem segurando os dela própria. No princípio ficou apreensiva, pois aquilo não podia ser
natural. Forçou o rosto para virá-lo, mas estava paralisada, então o medo ficou cada vez maior. Era um sentimento
com o qual estava desacostumada. Sentiu calor no rosto.
“E a tua dúvida é se tens mesmo uma,” prosseguiu ele falando como se nada de mais estivesse
acontecendo. “Atrás da tua tão aparente segurança, isto te atormenta ainda mais do que o temor que tens de perder
o controle sobre teus impulsos.”

“Pois vou te mostrar!” a duquesinha gritou com força. “ Eu vou...”

“E há raiva. Esta faz parte e é o único comum senso entre as tuas duas naturezas, mulher-demônio.”

“O que...? Como sabes...?”

Para atacar o homem, ela quis levantar os braços que agora estavam caídos aos lados da cintura, mas não
podia se mover. O medo tornou-se ira e depois vergonha profunda a invadiu. Sentiu-se exposta e violada. A mão
do estranho queimava no seio, ardia como fogo e ela não podia sequer olhar para baixo. De repente estava também
emudecida, seus gritos, e no momento tinha muitos, sumiam antes de atravessarem a garganta. E era como se os
dedos em seu peito estivessem perfurando a carne e o osso das costelas, aproximando-se cada vez mais do
coração, causando uma dor intensa e profunda. E se tornava pior. Com ânsia enorme e quase sem conseguir
respirar, em verdadeiro pânico, a duquesinha sentiu a mão dele fechar-se ao redor do seu coração como se o
agarrasse, de forma que este batia apertado e com dificuldade e cada batida dolorida deixava-lhe zumbido
ensurdecedor nos tímpanos.

“Não foi o que pediste, mulher-demônio? Que fosse provado pedaço teu?” falou o estranho. “Mas o que há
aqui, além da tua impura natureza? Tantas dores... quem poderia imaginar, mulher-demônio? E agora duvidas da
tua força e te sentes frágil, débil. Posso ver, é o mesmo que sentes quando estás sozinha na tua cama, chorando. O
mesmo que experimentaste há pouco, quando furtaram tua preciosa jóia e nada fizeste para impedir. A esmeralda
era a única coisa que poderia interessar-me aqui. Sem ela, não tens mais nada a oferecer. És só tristeza escondida
em luxúria e ira, uma mistura curiosa, mas nada que eu não tenha visto antes.”

E havia tristeza. Estava no fim, veio depois da torrente de sentimentos fortes e vertiginosos que
atravessaram a duquesinha como se o estranho os escavasse, os arrancasse um atrás do outro de dentro dela e os
jogasse ao chão como bugigangas. Ela experimentou a todos intensamente e em poucos segundos, mas no fim só a
tristeza permanecia. Talvez porque não havia mais o que tirar e não havia mais o que ver. Talvez porque isto não
havia como tirar.

Uma lágrima escorreu quente e furiosa por sobre a bochecha dela, passou pelo sinal no canto do lábio.

“Temes a demônia, que ela se solte. Temes a humana, como odeias a tristeza dela. Mas não conheces a
tristeza verdadeira. E eu posso mostrá-la.”

Caindo de joelhos, a duquesinha pôde sentir que era dona dos próprios movimentos novamente. Mas
apenas cobriu o rosto e chorou, não pôde fazer mais nada.

.oOo.

.oo.

“Ih, e agora?” uma das vigias disse e a outra sugeriu “Vamos fingir que não vimos nada!” quando viu o
grão-duque atravessando o corredor escoltado por uma comitiva de soldados encabeçada pela capitã Artemísia e
também por um sacerdote do culto de Dravísios.

Quando este grupo entrou no saguão octogonal, a serva pessoal da duquesinha assustou-se, abriu a porta
onde até aquele momento apoiava-se e jogou-se com pressa para o interior do quarto de sua senhora, esperando
que ninguém notasse que estivera anteriormente tentando enxergar algo pelo buraco da fechadura.

“Senhora! Senhora!” chamou.

Ajoelhada no chão, sua mestra voltou-se para ela com olhar vago e seios nus, o rosto avermelhado pelo
choro. Era algo bem diferente do que esperava encontrar.
“Senhora?”

Então os outros entraram, reagiram com óbvia surpresa ao que viram e o grão-duque saiu agitado do meio
deles:

“O que significa isso?”

Ao enxergar o rosto de seu pai, a duquesinha recobrou a consciência, cobriu o peito com um dos braços e
com o outro, de forma bastante trêmula, apontou para o estranho. Vergonha e raiva voltaram, enterraram de novo a
tristeza. Ela queria matá-lo pelo que ele viu e mais ainda pelo que a fizera sentir. Teve uma idéia e sua reação foi
rápida, sabia o que dizer:

“Aaah! Socorro! Ele tentou me estuprar!”

“Guardas, prendei esse homem!” o sacerdote gritou.

A serva foi amparar a duquesinha, colocou-lhe as mãos nos ombros enquanto ela acompanhava com o
rosto o olhar do estranho. Este a acusava.

“Infame!” O grão-duque acertou-lhe um soco e, em sua fúria, iria tirar a espada da cintura para matar o
homem ali mesmo se o sacerdote não o detivesse. O estranho nada disse, apenas deixou-se conduzir pelos guardas
para fora do quarto sem reagir.

Vieram todos verificar como estava a duquesinha e a serva acabou por levá-la para a outra peça, disse que
iria ajudá-la a se recompor. Lá chegando, a nobre sentou-se na beira da cama – esta muito larga e confortável – e a
serva cobriu-lhe os seios, começou a abotoar-lhe o vestido. Notou que a senhora nada diria se ela não perguntasse.

“Minha senhora... estás bem?”

“Não! Ele... ele...”

A duquesinha parou de falar sem saber o que dizer.

“Ele tentou mesmo...?”

“Não. Não de verdade.” Estava cabisbaixa. “Mas foi pior. O que eu poderia ter dito?”

A serva sentou-se ao lado da senhora e deitou o rosto sobre o ombro dela, envolveu-lhe a cintura num
abraço.

“Ele... fez alguma coisa. Estou com medo,” disse a duquesa o que nem precisaria ter dito, pois a serva
podia sentir o medo dela apenas mirando-lhe o rosto. Estava trêmula, também.

“Senhora?”

“Ele me tocou... era como se estivesse tocando dentro de mim. Eu não sei explicar, mas era como se ele
estivesse enxergando dentro de mim, no meu mais profundo íntimo. Não era normal, fez-me sentir coisas como se
me manipulasse os sentimentos... Tocou-me aqui, onde tenho a cicatriz do unicórnio!”

A duquesinha puxou o vestido desfazendo novamente o laço e soltando os botões, olhou para o seio e o
tocou como se procurasse por um ferimento grave. Mas não havia nenhum naquela pele bem branca, nada além da
cicatriz antiga.

“Foi como se me furasse o peito,” falou mais para si mesma do que para a serva. “Como quando o
unicórnio... Nunca senti tamanho mal-estar. Parecia que me rasgava o peito.”

“Não há nada, senhora. Apenas a marca do unicórnio.” A menina percorreu a cicatriz no peito da duquesa
com o dorso dos dedos. “Pronto, está tudo bem.”

Amarrou-lhe novamente o vestido enquanto ela falava:


“Ele sabia... sobre mim.”

“A senhora quer dizer...?”

“Ele sabia sobre mim, Lourdes-Maria. Ele me chamou de mulher-demônio! Minha mãe...”

“Mas isso é... Apenas eu e o Grão-Duque sabemos que a senhora...”

“E ele também sabia sobre o roubo da jóia e sobre coisas que só eu, e mais ninguém, sei. É como se
tivesse visto isso tudo dentro de mim, quando me tocou.”

“Não seria melhor contar ao vosso pai, milady?”

Primeiro a duquesinha narrou o ocorrido à serva, contou-lhe como os olhos do estranho a haviam feito
chorar como se ela tivesse presenciado ou sofrido as maiores amarguras deste mundo. Depois a menina foi buscar
o grão-duque, o qual entrou preocupadíssimo.

A duquesinha abraçou-o e contou sobre o estranho da forma que lhe convinha. Primeiro sobre como o
homem a iludira para acompanhá-la até a torre, então contou como se houvesse-lhe arrancado o vestido e disse
que chorava aterrorizada com as ameaças feitas por ele de submetê-la a atos obscenos. Contou também que ele
pretendia roubar-lhe a jóia, sem mencionar que esta já não mais estava em seu poder. Tampouco disse que ele
sabia sobre a sua verdadeira natureza, a qual – se já não percebemos antes, o fazemos agora – não era das mais
comuns.

“...pediu para entrar em meu quarto porque queria uma maçã, mas ao chegar aqui...” ela escondia o rosto
atrás das mãos e a serva apertava-lhe os ombros “ele... ele disse que queria minha virgindade! Disse coisas
horrorosas, não posso repetir!”

“Isso não acontecerá nunca mais! Dei ordens para que a capitã Artemísia te vigie constantemente, irá
acompanhar-te aonde fores e saberá proteger-te!”

O grão-duque coçava a barba branca, tinha no rosto muita amargura.

“A capitãArtemísia?” A duquesinha ergueu os olhos, tinha os lábios bem apertados um contra o outro.
“Mas... bom, eu posso levar uma das vigias comigo, papai, não precisa ser a...”

“Não, já basta de descuidos! És muito especial, minha filha querida, e a capitã Artemísia é guerreira das
mais valiosas e antigas em nosso exército. Não confio em nenhuma outra para encarregar-se da tua segurança.
Mandei que o número de vigilantes da torre fosse triplicado e todos os homens estão proibidos de entrar aqui. Não
poderia suportar se algo acontecesse contigo! Por Sene, tenho estado tão ocupado que deixei de lado a segurança
de minha própria filha... Como me arrependo.”

“O que acontecerá com ele...? O homem?” a duquesinha perguntou e recostou-se na serva.

“O interrogatório o fará revelar o que sabe e quais eram suas intenções aqui. Ainda amanhã decidirei entre
castração ou forca! Ou ambos!”

“Oh, sim, sim, papai! Castração é o que merece!”

“Tudo por essa maldita jóia, que é a causa de tantos males.”

“Papai?”

“A esmeralda que pertenceu a tua mãe e que pedi que trouxesses,” disse o grão-duque. “Ela é importante
para o conclave que acontece aqui no vilarejo. A verdade é que até há pouco eu não tinha idéia do verdadeiro valor
da gema. Se soubesse, jamais teria te deixado viajar sozinha – o que nunca mais vai acontecer, mesmo ficando o
castelo há não mais do que um dia daqui – pois muitos estão atrás da pedra. Será melhor que eu fique com ela, não
quero que corras perigo.”

A serva e a duquesa trocaram olhares. De onde tirariam a jóia agora? era o que pareciam se perguntar.
“Mas,” falou a Duquesinha “bom, eu posso deixá-la aqui no quarto, papai! Não vou sair com ela!”

O grão-duque falou ainda, entre outras coisas, sobre o primo da duquesinha, contou que estava ele doente
e que alegraria-o se a nobre pudesse visitá-lo na torre ao lado. Claro, em companhia da capitã Artemísia, disse de
novo, e repetiu ainda muitas outras recomendações para garantir a segurança da filha.

Num momento o sacerdote de Dravísios entrou no quarto, a serva e a duquesinha ouviram-no dizer ao
grão-duque que o cardeal o aguardava para discutirem assuntos urgentes com o enviado de Blanquearios. O grão-
duque relutou em sair, repetiu ainda mais sobre os cuidados que deveria a duquesinha tomar e partiu dizendo que
voltaria assim que pudesse, não iria dormir sem falar com a filha.

“Estás bem agora?” perguntou a serva ao ver-se sozinha com sua mestra. Segurou-lhe o rosto pelas
bochechas.

“Claro, Lourdes. Já passou.”

“Que bom. Fiquei tão assustada quando te vi de joelhos daquele jeito.” A serva deu um beijo no queixo da
senhora e neste momento chegou a capitã Artemísia; parecia bastante contrariada quando disse que estaria no
corredor para o que a duquesinha precisasse. A serva levou-a para fora e fechou a porta.

“Agora fui ficar presa logo com essa capitão Artemísia arrombada,” disse a duquesinha, acomodando-se
deitada na cama e colocando os pés no colo da serva, que sentara-se novamente numa das beiradas.

“Mas por que a odeias tanto, afinal, minha senhora?” a menina perguntou.

“Ela vive a desdenhar de mim, disse que eu não preciso de uma espada porque nobres não lutam, caçoou
de meu talento em esgrima.”

“Mal sabe ela que a minha senhora foi treinada pelos maiores mestres do castelo da rainha e que, num
duelo, em pouco tempo meter-lhe-ia a espada entre as tripas.”

“E o pior de tudo foi o ocorrido há três anos,” contou a duquesinha. “Foi na época em que estavas em
treinamento no feudo de Tchuma-Enthofa. Naquele tempo meu querido primo havia completado 15 anos e, como
sabes, os rapazinhos dessa idade – o que infelizmente não ocorre conosco, meninas decentes (a não ser na corte de
Tchuma-Enthofa, lógico) – eles costumam ser... bem, eles costumam ter alguma experiência inicial com alguma
mulher mais velha.”

“Ah, eu entendo, milady,” a serva disse um pouco depois.

“Pretendia eu ser a primeira mulher na vida de meu primo, pois...”

“Que absurdo, não é correto fazer isso entre primos!”

“Mas ele é muito bonitinho e… Bem, já tivemos as duas oportunidade de vê-lo no banho quando era
menor, não é? E como previ acuradamente naquela época, ele cresceu e desenvolveu-se de modo um tanto
quanto… magnífico, eu diria, em termos de... bom, em termos daquilo que sabes que eu aprecio nos homens.”

A serva ficou com as bochechas um pouco coradas e cochichou “Ui, ele era muito grande, nunca vi nada
como aquilo! Não que eu costume ver esse tipo de coisa…”

“Oh, nem me fales, Lourdes. Uma vez espiava pela janela quando a capitã deixou o quarto dele e meu
primo julgava estar sozinho. Ele abaixou as calças e tirou para fora aquele membro tão grande e grosso…”

“Ui! Que sem-vergonha, ainda tens coragem de contar uma coisa dessas?”

“Estava tão incrivelmente duro, mal cabia na mão dele e chegava a pulsar, como que latejando. Mal pude
me segurar vendo ele acariciar aquilo. E no fim ele ejaculou uma quantidade tão volumosa de…”

“Ai, que nojo!”


“Não parava mais de sair, foi impressionante o modo como aquilo jorrava...”

“Mas agora entendo. Querias ter o mesmo efeito que a capitã Artmísia sobre ele, não é?”

“E o pior é que os jovenzinhos tendem a criar um certo apego, um vínculo forte como um débito com
aquelas que foram suas professoras nesta área, o que faz com que queiram sempre com a mesma mestra repetir o
que aprenderam para aperfeiçoarem-se cada vez mais, e jamais encontrarão noutra o mesmo ardor que tiveram
pela primeira. Infelizmente meu pai contratou aquela arrombada para dar-lhe as primeiras lições desse tipo.”

“Tens certeza disso? De modo que ele a possuiu?”

“Numa noite em que pude finalmente escapar da vigilância, no momento em que abri a porta do quarto
dele para pôr em prática meu plano, lá estava aquela meretriz – pois não pode por outro nome ser designada
mulher que faz tais coisas com dinheiro no lugar do desejo – montada em cima dele, afogando-o entre aquelas
coxas descomunalmente moles com a graça e a desenvoltura de quem cavalga uma mula, pois nem isso sabe fazer
direito.”

“Até que ela tem as coxas inteirinhas, senhora.”

A duquesinha levantou a perna e o dedão do seu pé foi empurrar a bochecha da serva. A menina segurou o
calcanhar dela, levantou-o com força e colocou os dentes em volta dele.

“Ai, pára com isso, sua maluca!”

“Por quê?” Riu a serva e deu um beijo na sola do pé da duquesinha antes de deixá-lo de novo no colo.

“Deixa-me constrangida.”

“Oh, tu ficas constrangida? Com o que?”

“Bom, não gosto que me beijes os pés. Onde já se viu?”

“És a minha senhora. Que há de errado em beijar-te os pés?”

“Vai beijar os da capitã, atrevida! Claro que daí seriam dois, pois a vadia já tem o meu primo para fazer-
lhe isso.”

“É tão grande assim a devoção dele pela capitã, senhora?”

“Pelos motivos que explicitei, o maldito só tem olhos para a megera. Posso sentar-me diante dele com as
pernas em posição tal que a saia venha a revelar-lhe meus sentimentos mais secretos e ele simplesmente desvia o
olhar.”

“Mas com certeza não faz por mal, deve ele abaixar os olhos para evitar pensamentos pecaminosos com a
prima, que é das mulheres mais bonitas.”

“Garanto que se eu tivesse obtido sucesso naquela época não estaria agora nesta situação ingrata. Afinal
aquele maldito bastardo mágico que achamos na rua resolveu olhar para minha alma ou algo assim ao invés de pro
meu corpo. O que há de errado? Só comigo acontecem tais coisas. Vai ver se as outras damas nobres têm esse tipo
de problema! Não têm, garanto que a Rainha do Palácio de Arai não passa por tais experiências místicas quando
está a fim de dar para um plebeu.”

“Mm. Não seria a castração uma punição excessiva, tendo em vista que o objetivo de minha senhora com
ele não era outro que não…?” A serva ergueu os ombros. “Vosso pai ficou irritado comigo por eu ter permitido
que a senhora ficasse sozinha com um homem. Agradeço a Sene por estar ocupado demais para mandar me darem
chibatadas.”

“Mm, bem lembrado, eu estou te devendo umas chibatadas, não é mesmo? Por teres deixado os ogros
levarem a esmeralda.”
“A senhora quer que eu me dispa?”

Já ia se levantando a menina.

“Estou brincando, pervertida. O que vamos fazer quanto à jóia? Meu pai precisa dela, deve ter algum valor
para esse encontro com os governantes de outras províncias. E se voltassemos até aquele lugar para recuperá-la
dos ogros? Tu sabes onde é, não é mesmo? Seguimos apenas o caminho pela estrada, pelo que me lembro.”

“Não podemos fazer isso, os ogros nos matam e ficamos sem a esmeralda ou até algo pior, que, pelo
tamanho deles, devem ser mais brutos que o teu primo. É melhor contarmos tudo ao teu pai o quanto antes, ele vai
mandar alguns soldados até lá para recuperar a jóia. E não é melhor ir ver o teu primo, como sugeriu o grão-
duque?”

“Vou ir até meu primo, mas antes…” A duquesinha se ergueu e disse “quero ver o estranho na prisão!”

“Senhora!?” espantou-se a serva.

“Preciso interrogá-lo para descobrir como sabia sobre a jóia e o que pretendia com a mesma.”

“Este não é trabalho para os soldados? Pode ser perigoso!”

“Boba, eles não têm idéia de que a jóia foi roubada. Preciso descobrir como ele sabia tanto sobre mim.
Vamos arranjar para vê-lo agora mesmo e tu vais comigo. Caso ele tente alguma coisa estranha, tu chamas os
guardas.”

“Insisto que contes a verdade ao grão-duque,” falou a serva.

“Ainda não! Papai confiou em mim para que trouxesse a esmeralda. Todos dizem-me que as nobres não
sabem lutar e que devo passar os dias estudando dança ou... por Sene, pintura. Estou cansada de aprender sobre
essas bobagens, não quero que ele saiba que falhei em algo realmente importante.”

“Mas senhora querida, a culpa foi minha por não vos ter ouvido e retornado em busca do baú. Contai a
verdade e deixai que ele me puna.”

“Não, eu sou a única que te pune por aqui. Mas pensei numa coisa. Lembras de quando éramos pequenas e
passamos um inverno neste vilarejo? Naquela época estavas juntando algumas economias e por fim vieste me
presentear com uma jóia de vidro.”

“Oh, a senhora ainda se lembra?”

“Sim, tenho a bijuteria até hoje, tu sabes.”

“Se pudesse teria dado algo com maior valor para a minha dama. É que minha senhora tinha me dado
pouco antes uma... uma jóia vermelha...”

“Com formato de coração, é claro, eu lembro. Ainda a tens? Pois bem, o que importa é que a pedra ficou
bastante decente,” disse a duquesinha. “Poderia se passar por verdadeira se não fosse examinada por
conhecedores. Façamos o seguinte: mais tarde tu vais ao encontro de um vidreiro – quem sabe ainda existe a
oficina daquele no qual fizeste meu presente? – e encomendarás para mim uma imitação da esmeralda. Já
conheces bem as dimensões e formato da jóia.”

“Mm...”

“Mas claro, deves fazê-lo em segredo. Dize ao vidreiro que é uma missão secreta ou algo assim e não
deixes que ninguém te veja, principalmente a capitã arrombada. Com uma réplica poderemos fingir que ainda
tenho a jóia em meu poder e será como se nada tivesse acontecido!”

“Como a minha senhora quiser,” a serva falou baixinho, “apesar de eu achar que seria melhor revelar logo
a verdade. As mentiras ficam cada vez mais complexas e acabam por enganar até seus autores.”
“Cala-te e me obedece. Vamos fazer como eu disse, pelo menos por enquanto.”

“Sim, senhora.”

Em seguida a serva despiu a duquesinha cuidadosamente e ajudou sua senhora a vestir uma pequena peça
branca de seda que cobria-lhe a intimidade, mas que por ser semi-transparente deixava enxergar, ao menos na
claridade do dia, aquele montinho onde brotavam uns pelinhos dourados e encaracolados que nossa duquesa tinha
aparados no formato dum retângulo, e pelo mesmo motivo a peça deixava ver o formato de seus assentos e até o
fato dela ter um sinalzinho na pele na metade direita de um deles, próximo daquela reentrancia que dividia os dois,
redondo e preto e muito parecido com o que ela tinha no canto da boca. Por serem um tanto polpudas essas
bochechas, a peça não as cobria por completo, e apalpando-lhe uma delas ou mais dando um tapinha com certa
liberdade que podeis achar estranha, como também achei, a serva convidou nossa duquesa a deitar oferecendo-lhe
uma massagem para relaxá-la, pois devia estar cansada depois de tantos acontecimentos, além de que logo
escureceria, mas a duquesinha recusou-a insistindo na urgência que tinha em ver o prisioneiro. Daí a serva vestiu-
a com um corpete, também de seda, que prendia-se ao redor do pescoço e abria-se nas costas, e quando a dama
perguntou, disse-lhe que o mesmo erguia-lhe os seios fazendo-os aparentar maior firmeza. Nestes o pano não era
tão transparente quando a peça ali embaixo, embora se pudesse ver o formato deles e a saliência dos bicos pelo
fato do corpete ficar tão apegado ao peito. A nobre colocou ainda um vestido leve e fechou-o com um cinto,
terminando por vestir sapatos de pano que a serva demorou para prender com laços delicados. Então a duquesinha
pegou sua espada, um florete mais pesado que os comuns e bastante longo e fino, e prendeu-o no cinto pela
bainha.

Ao deixarem o quarto, a duquesa e a serva notaram que a capitã Artemísia soltava uma tira de couro e as
duas vigias que anteriormente guardavam o corredor de entrada se afastavam esfregando as próprias nádegas, uma
delas com lágrimas nos olhos e a outra resmungando palavras de vingança para a capitã.

Foi um pouco custoso para a duquesinha convencer a capitã de que deveria levá-la ao prisioneiro, mas sua
insistência acabou por aguçar a curiosidade de Artemísia. Seguiram as três até o templo da Cerejeira Sagrada e lá
os soldados acabaram por deixar que fossem às masmorras. A nobre ordenou que Artemísia ficasse do lado de fora
da sala de prisioneiros e fechou ela própria a pesada porta de ferro; ficou sozinha com a serva e o homem, ele
estava do outro lado das grades de uma das três celas separadas entre si por paredes de pedra no extremo da sala.

Na frente das grades estavam dispostos vários instrumentos de tortura – o ecúleo, a donzela de ferro, um
braseiro, dentre inúmeros outros – pois conforme a lei, no primeiro dia de cativeiro devia-se apenas mostrar os
artefatos ao prisioneiro para destruir-lhe o espírito e prepará-lo ao que estava por vir. A serva olhava assustada
para tais instrumentos e a duquesinha se aproximava da cela, que com a exceção do preso sentado no centro dela,
estava completamente vazia. Algumas tochas pendiam da parede atrás das duas mulheres e o lugar era mais escuro
e úmido que qualquer outra coisa.

“Vês o que te espera? Até amanhã à noite, após a tortura, com certeza estarás morto!” disse a nobre, com
raiva daquele que há pouco metera-lhe tanto medo. E espirrou, também, por causa da umidade. Passou o dedo no
nariz.

Lá fora a capitã Artemísia mandou que o vigia saísse da antecâmara; em seguida colocou um banquinho
na frente da porta de ferro e, para observar através da fresta no topo da mesma, subiu nele. A voz da duquesinha
vinha do outro lado muito abafada e a capitã precisava se esforçar para distinguir as palavras; notou que a nobre
estava fazendo ameaças como essa:

“A única coisa que pode te salvar é o meu perdão.” Mas o homem nada respondia. “Onde estão teus
truques de mágica agora? Por que não fazes uso dos mesmos para escapar daqui? Vamos, conta-me como sabias
sobre a jóia! Como sabias sobre mim? Conta-me e eu te perdôo! Fala!”

Perturbada, a duquesinha bateu o punho contra as grades.

“Fala ou, por Sene, eu juro que estarei aqui para garantir que tua dor atinja proporções cósmicas!” A
duquesinha mostrou ao preso uma pequena foice de ponta enferrujada, tentou alcançá-lo através das grades,
seguiu ameaçando-o e a capitã, não podendo deixar de rir do modo com eram feitas as ameaças, notou que a nobre
mencionava seguidamente a esmeralda.
Quando a duquesinha parecia abatida e prestes a sair, de modo que a própria capitã preparava-se para
descer de seu apoio, o estranho falou:

“Sei só o que mostraste.”

A duquesa voltou-se para a cela mordendo o canto do lábio.

“Como sabes sobre a jóia?” disse.

“Sei só o que vi em teus olhos. E vi que a elfa e os ogros roubaram tua preciosa jóia, como agora vejo teu
desespero por tê-lo permitido.”

“Cala a boca! Onde está a jóia? Onde está a elfa?”

“Sei só o que mostraste, sei só o que viste.”

“E o que vieste fazer aqui? Por que estás neste vilarejo?”

“Vim para ver.”

“Ver? O que?”

“O que vai acontecer nos próximos dias. Apesar de tudo o que poderias ser, és como os outros, tola e
assustada. Não tens noção de quem são teus verdadeiros inimigos e nem do que está acontecendo, como não
tinhas noção daquilo que possuías. Vamos ver o que vai acontecer agora, se seguires dessa forma não durarás
muito. Quanto a mim, estou mais seguro aqui do que estás aí fora.”

“Pois eu te digo o que vai acontecer, babaca pedante, ou tu começas a falar coisas que façam sentido agora
mesmo ou estarei aqui para para rir quando enfiarem a faca nas tuas...!”

O homem calou-se definitivamente e a duquesa saiu ainda mais irritada e curiosa sobre aquela jóia que a
havia acompanhado durante toda sua vida, e envergonhada por tê-la perdido. Foi com a capitã e a serva até a torre
onde seu primo estava; na entrada da mesma falou ao ouvido da menina, ordenou-lhe que fosse ajeitar tudo com o
vidreiro para o mais depressa possível. A serva partiu então e a duquesinha subiu com Artemísia, que não demorou
a alfinetá-la:

“O interrogatório provou-se útil, milady?”

“”

“Talvez devesseis realizá-lo em companhia apropriada, um inquisidor treinado poderia fazê-lo falar.”

“Calaboca, não sabes de nada,” disse a duquesinha, acelarando seu passo. “Não passas de uma
soldadinha.”

“Perdão, senhora. Com certeza ver teu primo te deixará mais calma,” sorriu a capitã.

“És apenas a minha escolta, tua tarefa é abrir e fechar portas para mim. Lacaias brutas de saiote de couro
servem só para uma coisa quando se trata de meninos nobres e esta função já desempenhaste quando foi
necessário!”

Vigias abriram a porta e a dama entrou no quarto de seu primo. A capitã ficou do lado de fora e disse em
seguida “Alguns meninos nobres preferem brutas em saiotes de couro a brutas escondidas dentro de vestidos.”

Para que não nos cansemos de falar sobre a duquesinha, apesar do título deste capítulo e apesar dela gostar
de ser o assunto principal, vamos acompanhar, agora que o sol já vai se pondo, um pouco do andamento das
revistas e recepções aos visitantes do vilarejo, de forma a conhecermos melhor dois deles.

.oOo.

.oo.
.

“Nome?”

O oficial estava sentado e diante dele, sobre a mesa, tinha vários papéis. Estava também cansado.

“Rouge de Tora-Kura, em Trimaris,” respondeu a mulher que recém havia entrado no posto de vigia
próximo dos portões da vila.

“Profissão?”

“Mestra herborista,” disse ela e tinha a voz grave.

“Quais teus propósitos nesta vila?”

“Trago poções, ervas e infusos, úteis contra os males do corpo e do espírito.”

“Terás que deixar o arco e as pontas de metal aqui,” disse um soldado, referindo-se à arma nas mãos dela.

“Com certeza não será necessário caçar dentro destes portões.”

Neste ponto interveio outro oficial:

“Sabe que nestes tempos seria proibida a tua entrada sem um convite. Mas faz-nos falta um bom
herborista neste vilarejo, pois o sobrinho do nosso lorde, o grão-duque de Orqushire, chegado há pouco de
viagem, está sofrendo de uma terrível moléstia. Se puderes ajudá-lo – o que com certeza faz parte de teus deveres,
pois no vilarejo da Cerejeira Sagrada se está desfrutando da hospitalidade do grão-duque e de outra forma estar-
se-ia caindo em ingratidão – com certeza haverá uma recompensa a tua espera.”

“Entendo. Não poderia ser de outra forma. Levai-me até aquele que precisa e farei o que puder.”

“Acompanha o mensageiro, ele te conduzirá ao nosso senhor, o grão-duque. Que entre o próximo!”

A mulher deixou a sala, seus trajes coloridos esvoaçaram com a brisa do lado de fora, e entrou outro
homem.

“Hã? Eu?”

“Compreendo que não foi encontrada arma alguma em teus pertences.”

“Hã, não, senhor.”

“Nome?”

“Gustaff Olafson.”

“E entendo que vens como enviado da rainha Tchuma-Enthofa, do feudo de mesmo nome, possuindo desta
forma o convite que a mesma recebeu.”

“E aqui está o selo da rainha Enthofa,” disse o homem e deixou uma moeda de bronze sobre a mesa; o
oficial pegou-a, inspecionou-a contra a luz e mordeu a peça. Aprovou-a e outro oficial pegou um pedaço de papel
e começou a ler: “Porquanto de vossa parte, Gustaff Olafson, Nós ouvemos por bem outorgarvos a honra e direito
de representar o Feudo Sagrado da Rainha Tchuma-Enthofa, por tempo e espaço em que durar o conclave a se
realizar no vilarejo da Cerejeira Sagrada de Loirs em Orqushire, estando vós incumbido com os encargos de ser
Nosso observador e mensageiro. Assim sendo, e não de outro modo, é o vosso dever reportar a Nós dos
acontecimentos e procedimentos tomados durante o conclave para que possamos decidir sobre Nosso
envolvimento nos assuntos ali tratados. E mandamos aos de Nosso conselho que se cumpra esta Nossa
determinação e o que nela se contém. Dado no castelo de Valdevinos, aos vinte e seis dias do Maravedi do ano de
mil duzentos e quatro do calendário do Sagrado Feudo de Tchuma-Enthofa. Eu, a Rainha. Por mandado da
Rainha, nossa senhora, etc.”
“Dizem que a rainha Enthofa tem 1204 anos,” falou um soldado que escutava de pé a tudo aquilo, “mas
ela pareceu-me bem conservada quando a vi na Turísia!”

“São vários os rumores sobre aquele feudo. Pode prosseguir o enviado de Tchuma-Enthofa, pois neste
vilarejo encontrará estalagem de qualidade e desfrutará da hospitalidade do grão-duque de Orqushire!”

.oOo.

.oo.

Nisso, lá estava a duquesinha sentada em uma cama ao lado de seu primo, a mão na testa dele para
verificar que estava mesmo febril. Quando a ama que dele tomava conta teve que sair, aproveitou a duquesinha
para deitar-se ao seu lado, mas sobre os lençóis e de bruços, as duas pernas dobradas, os pés apontando para o
teto.

“Hm Há quanto tempo eu não via meu priminho? Mas como está grandinho, já tem o corpo de um
homem!”

“Prima, é melhor não ficares muito perto, não quero contagiar-te.”

“Ora, mas estou aqui para te confortar. Vamos, não tenhas vergonha, quando eras pequeno quantas vezes
já não te vi nu assim como estás hoje?”

Ela começou a erguer o lençol dele e levantou o rosto para espiar ali debaixo, mas foi novamente detida:

“Prima, por favor, meu corpo dói. E a ama logo estará aqui!”

A Duquesinha sentou-se e cruzou os braços, um amontoado de cabelo loiro foi cobrir metade de sua face.
“Eu só estava com saudades, não precisas ficar assim comigo.”

“Eu sei, prima, não estou irritado.”

“Não? Heheh” Ela virou o rosto e ficou olhando para o lençol, em direção à cintura dele. Então, com
súbito estrondo, a porta se abriu. A Duquesinha virou-se rapidamente para ver quem dera-lhe tamanho susto; era a
capitã Artemísia, que colocava metade de seu corpo para dentro do quarto.

“Hã? A capitã Artemísia está aqui,” sorriu o primo da duquesinha, o rosto pareceu iluminar-se.

“Estava! Estava!” Vermelha de raiva, nossa dama levantou-se e empurrou apressadamente a outra para
fora. “Meu primo está muito doente e precisa descansar, sua retardada!” gritou ela. “O que pensas estar fazendo
aqui?”

“Senhora duquesinha, com a sua licença, a senhora pretende ficar aqui por muito tempo?” perguntou a
capitã.

“O que te interessa, insolente?”

A duquesinha balançou as mãos fazendo sinal para que Artemísia se fosse, mas a capitã ficou onde estava
e disse ainda “É que eu preciso descer um pouquinho, senhora.”

“O quê? Mas meu pai não ordenou que me acompanhasses? Onde pretendes ir?”

“Eu... hã... tenho que ir lá embaixo, senhora!”

“Pra quê?”

“Mm... fazer xixi,” disse Artemísia timidamente.

“Era só o que faltava! Tá bom, podes ir.”


“Mas por favor, não deixeis este lugar. Eu não demoro mais do que quinze minutos!”

Aliviada com a partida da capitã, que bem podia ficar mais do que quinze minutos sem ela, a duquesinha
voltou para dentro e tornou a sentar-se na cama. Seu primo perguntou-lhe:

“Já encontraste o grão-duque, prima?”

“Ah, já.” A duquesinha encostou o queixo nos dedos. “Mas ele está envolvido demais com este encontro e
não pudemos falar.”

“É idéia dos sacerdotes de Dravísios,” disse o primo da duquesinha. “De alguma forma conquistaram-lhe a
confiança e ele faz sem discutir tudo o que pedem, por mais absurdas que sejam suas exigências. Algo não está
certo.”

“Hm? De que se trata este encontro, primo? Ninguém soube dizer-me, só sei que estão aqui representantes
de várias províncias.”

“Tudo começou com as expedições,” ele respondeu. “Os sacerdotes incentivaram o teu pai a organizar
expedições em busca de antigos escritos que diziam sagrados e numa destas viagens retornaram com uma estranha
jóia.”

“Uma... jóia? Verdade?” a nobre perguntou e se levantou. Foi até um canto, onde apoiou-se num armário e
começou a sentir um desconforto dentro de si. Veio a sua mente a imagem do rosto da elfa na floresta e depois a
do estranho atrás das grades. “Uma jóia de que tipo?” ela perguntou quase num sussurro.

“Redonda e escura, totalmente preta, eles a chamam de ônix de Dravísios e só a vi uma vez. Dão-lhe
grande importância e valor e, pelo que sei, este conclave tem como finalidade localizar e reunir jóias de mesma
natureza, seja qual for a natureza desta pedra.”

“Outras pedras?”

Nem é preciso dizer que ela lembrou-se da esmeralda.

“Mas não pude descobrir o verdadeiro valor das gemas, nem se o têm por serem relíquias ou por algum
outro motivo,” seguiu dizendo o primo da duquesinha. “O grão-duque ordenou que não me envolvesse nisso e
antes que pudesse examinar como pretendia os mapas e pergaminhos mantidos no templo, caí enfermo e não mais
me deixam sair daqui, nem nos momentos em que estou me sentindo melhor.”

“Entendo,” a duquesinha falou. “E estou curiosa, vou ver se posso descobrir algo mais.”

“Se descobrires, vem me dizer. E quanto àquela jóia que tens...”

“A esmeralda de minha mãe?” a nobre sentiu um frio na espinha.

“Sim, guarda ela bem. Estes sacerdotes planejam algo e o grão-duque confia demais neles. Não duvidaria
de que tentassem furtá-la.”

“Sim, também não gosto deles,” disse a duquesinha. “Voltarei em outro momento para ver-te, espero que a
mundana da capitã Abertísia já tenha retornado. Tu... ainda gostas dela, não é?” perguntou desanimada e foi-se
sem esperar resposta, deixou a sala no momento em que a ama chegava.

Mas lá fora não encontrou nem sinal da capitã, que agora estava numa pequena cripta atrás do altar do
templo da Cerejeira Sagrada, contando ao cardeal tudo o que havia visto:

“Tens certeza do que nos estás dizendo?”

“Sim, ouvi a duquesinha perguntar ao prisioneiro sobre a jóia,” relatava Artemísia. “E quase posso afirmar
que a ouvi dizer que a mesma pedra foi-lhe furtada. Mencionaram uma elfa, como afirmei, e ogros.”
“Mas isto é muito sério.” Havia algo de inquietante na voz do cardeal, no tom dela, embora minha tia não
tenha especificado bem o que no manuscrito original desta história tão cheia de detalhes. “É algo que devemos
verificar imediatamente.”

A cripta era iluminada por inúmeras velas e espalhadas por todos cantos estavam diversas relíquias
religiosas. O cardeal repousava as duas mãos cheias de anéis sobre um ventre muito largo, ele era baixo e seu
corpo tinha pelo menos três vezes a largura do da capitã; parecia precisar de muito esforço para manter-se de pé
por tempo prolongado. Talvez essa dificuldade se refletisse em sua voz e fosse o que desse a caracteristica
inquietante à ela, quem sabe. Ele havia retirado há pouco um pendente de uma caixa de madeira oculta no fundo
duma estante, era um círculo de ferro negro preso em uma fina corrente da mesma cor.

“Toma, usa isto. Amanhã, antes do anoitecer, deverás ir às proximidades do Reino Subterrâneo e lá
encontrarás um...” O cardeal parou de falar e, após dar o pingente à capitã, sentou-se em uma poltrona que mal
podia acomodá-lo, mesmo sendo larga. “Um cavaleiro. Um enviado de Dravísios, que te entregará um objeto, um
item sagrado. Deverás então trazê-lo a nós. É um item de certo tamanho...”

“Mas, senhor,” disse a capitã “o Grão-Duque em pessoa ordenou que me mantivesse ao lado da
duquesinha de Orqushire para protegê-la. Deveria estar com ela neste momento, apenas vim porque vossa
santidade disse-me que trouxesse com urgência qualquer notícia que fosse sobre a jóia.”

“Ah, sim, sim. Fizeste bem. Mas ninguém pode ver-te entrando aqui.”

“Eu fui cuidadosa. Agora o senhor poderia... poderia...”

“Ah, não te preocupes, não te preocupes, estamos rezando para aliviar o sofrimento daqueles com quem te
importas,” disse o cardeal. “Os dois já não estão melhorando? Já não acabaste de ter prova disso? Não te
preocupes com o que te foi ordenado hoje, amanhã faremos com que o próprio grão-duque te envie para o local
em que desejamos que estejas. Apenas faze como foi dito, sem esquecer de usar o pingente, pois o enviado tem
ordens de fazer sua entrega apenas a quem portar tal símbolo. E não tenhas dúvidas disso, sem a corrente tua vida
estaria em perigo.”

A capitã guardou a corrente dentro do corpete, junto com seus músculos mui desenvolvidos e os seios
apertados entre eles e o couro, e para sua angústia, pois queria voltar logo à torre, o cardeal prosseguiu com sua
voz monótona e estranha:

“Não penses em fazer o que não mandamos, pois tal atitude seria desdenhar de toda graça que te foi
concedida e só não serias perseguida como herege porque te acometeria o mesmo mal que se abateu sobre os dois
com quem estás preocupada e não terias para onde fugir. Somos bondosos, cumprimos nossas promessas e, se
obedeceres, eles estarão bem em dez dias.”

“Dez dias...? Sim, senhor, eu vou fazer.”

“Agora vai e que ninguém te veja. Mantém o nosso segredo.”

A capitã saiu do templo por uma das portas secundárias e, com pressa, retornou à torre, onde no
manuscrito original desta história é relatado, em próvavel episódio apócrifo, que encontrou nossa duquesinha no
alojamento dos guardas com o encorpado bumbum não só de fora, como empinado e com as duas metades de
laterais mais quadradas do que redondas sacudindo por inteiras, um tremorizinho as percorrendo feito uma onda
cada vez que, ali adiante, curvada, ela movimentava a cabeça num sobe e desce, de modo que pareciam mesmo
feitas de leite aquelas nádegas, ou pelo menos de duas geléias daquelas que atacam os grupos de aventureiros de
níveis iniciante no começo de suas aventuras nas florestas. É possível que estivessem rosadas, também, como se
tivesse levado uns tapas ou umas apalpadas das mais fortes nelas. Quanto ao fato de estar movimentando a cabeça
do modo como foi dito, creio que era porque havia um soldado diante dela, com as mãos em seus cabelos, e dos
lábios da duquesa vinha um ruído de quem suga algo com vigor e vontade, e mais não digo não apenas para não
escandalizar nossos leitores como também para não ofender a honra dela, que bem pode ter sido tudo isso
inventado pela capitã apenas porque não gostava de nossa duquesinha, embora, por outro lado, a nobre tivesse
todas caracteristicas de ser aquilo que podemos chamar de um tanto safadinha, de modo que deixo este parágrafo
por aqui.
Do que não há dúvida é de que, depois de subir as escadas até lá, por algum motivo a capitã não encontrou
a duquesinha no quarto onde a havia abandonado. Batera na porta, cansada pelos tantos degraus, e o próprio primo
da nobre veio abri-la, um cobertor enrolado em sua cintura cobria-lhe as pernas.

“Capitã Artemísia!”

“Oh! Dom Mastilhos!” Os olhos da capitã não sabiam onde se fixar, pareciam ter vergonha de olhar para
ele. Mas isto só por alguns instantes, logo ela voltou ao normal e já aparentava a segurança e rigidez pelas quais
era famosa. “O meu senhor está de pé? Sente-se melhor?”

“Sim. Mas a dor aparece e desaparece quando menos espero.”

“Pois devias estar deitado.”

“Já estou cansado de ficar deitado,” disse o primo da duquesinha. “Se bem que esta dor surge geralmente
quando vou deixar o quarto. É estranho.”

“Eu... bem, vim buscar tua prima, meu senhor.”

“Mychelle? Ela não está mais aqui, já há algum tempo desceu.”

“O quê? Mas... oh, não!” assustou-se muito a capitã, lembrando-se de que a duquesa havia acabado de ser
atacada por um estranho. Se algo acontecesse... “Eu pedi que esperasse por mim, ela está sob meus cuidados!”

Nisso vinha se aproximando a serva Lourdes-Maria. Juntou-se à capitã e perguntou também por sua
mestra, ao que o primo desta respondeu “Disse-me que iria esperar pela capitã no primeiro andar, na entrada da
torre.”

“Vamos! Não devemos deixar minha senhora sozinha!”

A serva partiu correndo, mas a capitã foi detida, pois o primo da duquesinha pegou-a pela mão e disse
“Espera! Artemísia...”

“Meu senhor, tenho que ir!”

“Mas, Artemísia... há tanto tempo não vens me ver.”

“Meu senhor...” A capitã abaixou os olhos, parecia nervosa de novo. Ele nunca a havia visto dessa forma.
“Tenho estado tão ocupada com as caravanas. E agora mesmo com tua prima...”

“Pareces tão diferente, capitã Artemísia. Não queres mais me ver? Se for isso, pelo menos deixa-me saber
para que eu não tenha mais esperanças.”

“Não! Não se trata disso!” Ela fechou a mão ao redor da dele com força. “Não digas isso, quero muito te
ver. Tenho estado tão preocupada contigo, meu amor. Mas... eu não posso!”

“Por que não?”

“Não agora. Sabes que, apesar de tudo, o grão-duque não aprova mais nossos encontros. E não ouviste
sobre o que aconteceu com a duquesinha há pouco? Sobre o homem capturado no quarto dela?”

“Sim, eu soube. Mas há algo estranho nisso, minha prima sabe lutar muito bem, não é nenhuma menina
indefesa.”

“Aquela tua prima, meu senhor, pode saber erguer uma espada, mas prefere erguer outras coisas por aí, tu
sabes! E esta é a fraqueza dela, basta mostrar-lhe um... bem, um homem, para que abandone tudo e corra atrás
dele, motivo pelo qual é muito estranho ter feito aquela acusação contra ele. E é por temor de que se aproveitem
disso que deveria eu estar agora vigiando ela.”

“Mas algo mais te preocupa? Pareces tão nervosa... “


“E estou. Se o grão-duque descobrir que deixei a duquesinha sair pela vila, não sei o que fará comigo.
Estou cansada, tenho tantos afazeres...” Artemísia tocou-lhe o rosto, a capitã era uma garota alta, tão alta quanto
ele, embora nossa duquesa fosse mais alta que os dois. “Queria estar aí dentro, cuidando de ti e não daquela tua
prima. Mas virei assim que puder, prometo. Agora preciso encontrar a duquesinha.”

A capitã certificou-se de que ninguém estava olhando antes de beijar as duas mãos do primo da
duquesinha, depois abraçou-o por alguns segundos nos quais fechou os olhos, apertou-o contra seu corpo e
desejou sinceramente poder ficar ali e não mais precisar preocupar-se com as questões que a atormentavam. Mas
logo correu em direção às escadas. Achou a duquesa e sua serva próximas ao alojamento dos guardas e elas
tinham, pelo que Artemísia pôde perceber, aparência de agitadas e de quem guarda um segredo, não que a própria
capitã não guardasse um, como acabamos de ver.

Agora as três prosseguiam para a torre da duquesinha, o céu já escuro, ou ao menos o mais escuro que
ficaria com a presença das luas, pois era o nllal’t, o mês em que apareciam juntas.

“Já é noite, senhora,” a capitã vinha fazendo reclamações. “Por Shagrath, onde havia se metido? Poderia
ter acontecido algo!”

“Que acontecido algo o que? Já disse que deu-me sede e eu apenas fui até a cozinha para beber um copo
de... hã, de leitinho morno.”

A serva olhou encabulada para a senhora e quando já estavam dentro dos portões da torre deteve-a sob a
luz de uma tocha num dos corredores:

“Ih, senhora, ficou um pouco de leite a manchar teus bigodes!”

“E eu lá tenho bigodes?”

“Deixa-me ajudá-la.” Esfregou-lhe o canto da boca com o dedo. “Pronto.”

Os portões foram fechados atrás delas e a capitã falou, enquanto subiam as escadas:

“Por hoje chega de andar por aí. Já é tarde e uma nobre pura como a senhora não deveria deixar mais seus
aposentos!”

“Ai, eu nem quero, estou cansada,” disse a duquesinha. “Vamos logo, por que te amarras tanto, capitã?”

“A senhora vai me perdoar, mas sabe quantas vezes subi e desci aqueles degraus hoje para procurá-la?”

“Com certeza bem menos do que sobes e desces tuas calças por aí.”

“Perdão, mas eu não entendi, senhora!”

“Eu disse que não precisas mais me acompanhar por hoje! Estamos isoladas aqui dentro da torre, garanto
que não há perigo com tantas vigias e grades. Podes ficar lá embaixo descansando.”

“Hm. Eu vou comer um pouco então, senhora,” a capitã resolveu concordar, estava irritada com as
implicâncias da duquesinha. “Mas subirei em seguida e estarei no quarto ao lado do seu, onde o grão-duque
indicou que eu deveria passar a noite. Qualquer coisa de que precise, basta me chamar. E não vá aprontar!”

“Oh, podes deixar... Não imaginas o quanto me faz feliz saber que estaremos tão perto uma da outra,
minha virtude estará bem protegida. Ao menos dormir acho que é algo que posso fazer sem tua vigilância.”

“Desde que seja sozinha.”

Os olhos da capitã grudaram nos da duquesinha. A serva colocou os braços ao redor da cintura da senhora,
disse-lhe perto do ouvido “Pronto, pronto, senhora minha, vamos subir.”

Ficaram as duas, a serva e a senhora, olhando a capitã se afastar e depois avançaram mais alguns degraus
em silêncio. A duquesinha parou num ponto onde havia uma janela, olhou para fora e respirou fundo. Via as luas,
os portões já fechados e os muros e casas iluminados por tochas. Três músicos tocavam na frente da Cerejeira
Sagrada e as ruas estavam cheias de gente como se fosse dia de festival de Contos e Bravura.

A serva continuava abraçada à cintura da duquesinha, que colocou-lhe também uma mão nas costas e com
a outra agarrou firme uma das barras de ferro das que formavam a grade da janela. Permaneceram quietas até a
serva notar o olhar triste da senhora, quando resolveu falar com ela:

“Minha senhora está com o corpo tenso.”

“Hm?”

“Tens os músculos contraídos.” Com os dedos percorreu as costas da duquesinha, da cintura ao pescoço.
Então deitou o rosto no ombro dela, que era onde alcançava. “Deves relaxar um pouco.”

“Lourdes, querida,” a duquesinha disse e continuou olhando para fora. “Odeio a capitã Artemísia e todas
essas vadias lá embaixo que podem estar ali sem que as estejam vigiando e seguindo.”

“Mas minha duquesinha não pode porque é melhor que todas elas,” a serva falou.

“Ah, tive um dia terrível. Primeiro os ogros e aquela elfinha irritante levam-me a jóia e o convite. E
quando tento distrair-me um pouco... Acho que mais nada pode sair errado. Por Sene, acabar com a arrombada da
capitã Artemísia grudada em mim.”

“Estás exagerando,” disse a serva e deu um tapa entre os assentos da duquesa.

“Oh!”

“A senhora do meu coração é uma mulher muito forte e muito bonita. Por isso a capitã e tantos outros a
invejam, no fundo sabem o quanto minha duquesinha é maravilhosa. Dá-me orgulho servi-la, de verdade. Agora
pára com isso.”

“Dizes isso para me agradar, como sempre,” foi o que a duquesinha respondeu àquilo tudo. “Sei que não
sou mesmo bonita, tudo que tenho é um pouco do que os homens gostam de olhar.”

“Não só os... Não só isso, minha dama. A senhora tem o rosto tão bonito. E o corpo está ficando mais
esguio, o regime está funcionando!”

“Ai, por que foste me lembrar?” Dessa vez a duquesinha foi quem acertou um tapa entre as nádegas da
serva, e tão forte que chegou a empurrá-la para frente, mas continuaram abraçadas. “Agora deu-me fome.”

“Vamos, vou te dar um bom banho agora mesmo, bem quente e relaxante, para depois jantarmos.”

Voltaram a subir as escadas.

“Mas fizeste o que mandei? Sobre a jóia?”

“Sim, sim, amanhã estará pronta. Ele tinha uma parecida, de vidro verde, não vai dar muito trabalho.”

“Bom.”

“Mas o que estavas fazendo na sala dos guardas, senhora?”

“Eu pensei em pedir para alguns deles irem até a floresta em busca da jóia.”

“Mas se o fizeres, teu pai ficará sabendo.”

“Eu ia pedir que mantivessem segredo. O que achas? Podia prometer-lhes uma recompensa.”

“Ouro?”

“É claro.”
“Ou,” disse a serva e, com uma risadinha, fechou a mão entre as nádegas da duquesa, “teu bumbum?”

“Ai! Pára, safada, se alguém vê isso o que vai pensar?”

“Por ela, eu faria o que pedisses, se fosse homem.”

“Sem-vergonha.”

Um pouco depois de andarem em silêncio, nossa duquesa disse “Mm, mas não é má ideia.”

“O quê?”

“Eu poderia oferecer para eles. Minha bunda. Em troca da jóia. O que achas?”

“Ei, eu estava só brincando!”

“Ficarias com ciúmes? Imagina, uns quantos deles, aquelas mãos másculas segurando-me pela cintura...”

E assim é melhor deixarmos por aqui este capítulo, pois já chegou aos portões do vilarejo a minha tia
Pelluria, aquela elfa da madeira que deveria ser a protagonista desta história.

Todas as histórias são de responsabilidade de seus respectivos autores. Não nos responsabilizamos pelo
material postado.
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