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Elfa - Volume I

Autor(es): elfman

Sinopse
Aventuras espadas & calcinhas com um grupo de matadoras de monstros e caçadoras de tesouros que inclui uma
elfa, uma fada, uma coelhinha ninja e uma humana com a bunda gordinha.

Notas da história
* Escrito com o objetivo de sacanear todos os clichês de mangás, animes, rpgs e histórias de fantasia que
existem, nada se salva e todo elemento possível de se imaginar nesse tipo de história acaba aparecendo uma hora.

* A princípio pode não parecer, mas é uma história bastante complexa e com dezenas de personagens e elas
passam por algumas aventuras bastante pornográficas de vez em quando, então leia por sua conta e risco.

* Não leia a sério.

(Cap. 12) XI - E Então Ela Estava Morta

Notas do capítulo
Em que se conclui o combate em Orqushire.

Parte XI - E Então Ela Estava Morta

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“Em que se conclui o combate em Orqushire.”

O grão-duque de Orqushire viu mover-se de forma súbita o monge de Dravísios que estava parado há
tanto tempo na entrada da sala; o monge tombou em silêncio, caiu estirado no chão e seu capuz deslizou e
descobriu-lhe os olhos mortos e a testa, e no centro dela estava presa uma estranha arma de metal: era uma espécie
de estrela de ferro cujas várias pontas eram lâminas muito afiadas e uma dessas pontas tinha se enterrado toda no
crânio do monge. A estrela não era maior do que uma palma de mulher e no centro dela, ao redor de um furo
circular, estavam marcadas runas que daquela distância o grão-duque não podia identificar.

O grão-duque estava acorrentado à parede pelos braços, estava naquela mesma sala da masmorra do
templo da Cerejeira Sagrada em que minha tia Pelluria e a coelha Meloine haviam sido chibatadas pela capitã
Artemísia quando estiveram presas. E não por outro motivo Meloine lembrou-se de Artemísia e da aguamarinha
assim que entrou na sala e junto com ela chegaram a duquesinha e Lourdes Maria.

Ao avistar o pai, a duquesa correu até ele, ou mais mancou até ali, e o abraçou e tentou libertá-lo. Lourdes
Maria foi ajudá-la, mas só conseguiram soltá-lo depois que Meloine, ajoelhada ao lado do monge morto para
revistá-lo, jogou para elas uma chave, e nesse ponto entrou Pelluria e vinham atrás dela a fada Alanis e mais uns
quantos soldados de Orqushire.

“Eles estavam presos nas celas,” Pelluria disse e aproximou-se da coelha enquanto o grão-duque e a
duquesinha falavam. Quando descobriu por que motivo o cardeal mantinha prisioneiros esses soldados enquanto
tinham matado tantos outros lá fora, Meloine surpreendeu-se:

“Para comê-los?!”

Que foi o que eles tinham dito e tinham visto o cardeal fazer.

“O cardeal não é humano, mas sim um demônio antropófago,” o grão-duque esclareceu à nossa estupefata
coelhinha. E impressionou-se com o fato de terem matado o transmorfo e assustou-se com todos aqueles
ferimentos de sua filha, e contou que o cardeal estava se refugiando no ultimo andar do templo. Quis persegui-lo
com os soldados e quis que Pelluria e Meloine levassem a duquesinha para fora da vila para esperar por Dom
Mastilhos e pelos reforços do castelo de Loirs, disse que iria recompensá-las por tudo que tinham feito.

“Mas por que eles vieram para Orqushire, esses monges de Dravísios?” perguntou a duquesa ainda
abraçada a seu pai, sem querer que ele partisse. “Donde eles vêm?”

“Vêm de Azumarie,” o grão-duque disse e Azumarie era uma ilha nos perigosos extremos do mar ao leste
do Continente, “e vêm pela jóia que foi da tua mãe, e também por outras e por documentos que revelam as
posições de outras tantas e que o teu primo levou para o castelo.”

“A jóia de minha mãe?”

Pelluria estremeceu ao ouvir isso e ao lembrar-se de onde tinha escondido a esmeralda para que ninguém
pudesse encontrá-la; só muito mais tarde em seus escritos ela revelaria onde ficava tal esconderijo e, porque decidi
manter a fidelidade aos diários originais dela sempre que for possível, apenas no momento que ela julgou
oportuno saberemos do paradeiro da gema. De qualquer modo, depois da duquesa dizer-lhe que a esmeralda devia
estar com sua tia, a rainha Ellenora das lâmias, o grão-duque ainda contou como havia sido enganado pela
promessa dos monges de Dravísios de trazer Lady Amora de volta à vida em troca das jóias e depois partiu com os
soldados; eles recolheram armas noutra sala da masmorra e foram enfrentar os monges e seus soldados
sobrenaturais.

“O que são essas letras?” a fadinha perguntou para Meloine, de pé ao lado da estrela de ferro metida na
testa do monge.

“Significam ‘pertence a Meloine’,” a coelha falou e eram as únicas runas que conhecia. Não pareceu à
minha tia muito esperto usar armas com o seu nome escrito nelas para alguém que estava fugindo do clã de
mulheres-coelho e costumava viajar anônima, mas ela decidiu não comentar nada, e por outro lado as armas da
coelha costumavam desaparecer junto com a mesma por causa da tal maldição que a transformava em humano,
como ficou claro quando a fada voou até o ombro de Meloine, sentou-se e perguntou a ela:

“E tu não vais pegá-la de volta?”

“Não é preciso. Acabará voltando para mim, mais cedo ou mais tarde, quando eu me transformar.”

A duquesinha estava voltada para a parede, as tochas iluminavam as costas dela, as coxas e a traseira e as
meias e botas sujas de areia e sangue, a saia em trapos, o pedaço de flecha cravado na nádega descoberta, as mãos
contraidas. Lourdes Maria estava junto dela.

“Então, alguma chance de irmos embora desse vilarejo agora?” Meloine perguntou olhando para as duas.
“Teu primo e teu pai estão vivos, é melhor deixar que os homens enfrentem esses monstros…”

“O quê? Mas que machista,” começou a fadinha, mas Meloine meteu-a entre os seios e prosseguiu assim:
“Fica quieta! Homens são mais fortes e tem o dever de nos proteger. E então, vamos embora?”

“Não antes de eu matar todos esses monges!” rosnou a duquesinha. “Como se não bastasse o consolo no
c* e esta flecha na bunda, aquele monstro desgraçado que incendiamos ainda tentou fazer tentacle rape comigo!”

“Ô, tentacle rape é baixaria,” observou sagazmente Pelluria e Meloine perguntou de que consolo Mychelle
falava, mas logo foram atrás dos homens, deixaram as masmorras e subiram pelas escadas do templo, cujas portas
e grades eles tinham arrebentado. E quando Pelluria voltou-se para Meloine, viu as pernas da fadinha sacudindo
entre os seios dela, pois a coelha havia metido a pequena entre eles de cabeça para baixo.

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...---...

No ultimo andar, naquela sala ampla onde estavam montados os espelhos, o cardeal de Dravísios estava
diante do maior deles; ao seu lado, curvado no chão, morto, estava o monge cego, as mangas do hábito deixavam
descobertos seus braços finos e cheios de chagas. O altar havia sido derrubado para frente, velas estavam caídas
ao redor dele.

A escuridão dominava tudo, a luz das tochas parecia enfraquecida e prestes a se extinguir quando surgiu
um brilho pálido no fundo do espelho maior, aquele que preenchia quase toda parede. O brilho vinha se
aproximando e agora o espelho parecia uma continuação da sala, um corredor que se aprofundava através da
parede por grande distância. Um vulto de homem vinha no centro do brilho, caminhando, envolto numa capa
negra, vinha como quem cruza um túnel. Aproximou-se até estar diante do corpo do monge cego e então as tochas
voltaram ao normal. Mas o espelho maior não refletia mais nada e nem parecia estar ali, pois era só escuridão ou
uma passagem para a escuridão, como se sempre houvesse existido uma outra sala escura além da parede; o menor
estava todo rachado.

O homem, ainda do outro lado do espelho como se não passasse duma imagem projetada ali, cercado pelo
escuro como que de pé em meio ao nada, parou e tirou o braço do interior da capa. Sua mão muito grande
segurava uma corrente, que descia e ia para trás dele. E foi de trás dele que, bem das proximidades do chão, saiu
um ser que nas sombras parecia um lobo e que tinha presa em seu pescoço a outra extremidade da corrente. Mas
não era um lobo aquilo e sim uma mulher muito magra, de braços finos e costelas salientes, e que, com as costas
cobertas por uma capa e capuz de pêlos de animal, andava apoiada nas mãos e nos joelhos, toda curvada e
encolhida, e mesmo assim se movia de forma ágil.

Atravessando o espelho, essa mulher saltou sobre o corpo do monge cego; passou através do vidro como
vimos fazerem os seres de armadura anteriormente, como se não existisse, e montada nas costas do morto, ergueu
os ombros e o pescoço, e de seus dentes apertados uns contra os outros partiu um chiado arrepiante. Ela abriu os
olhos devagar, eram totalmente brancos e seu peito estava descoberto; sob a capa ela estava toda nua. Não tinha
nenhum pêlo em seu corpo, à exceção dos cabelos negros e curtos, nem mesmo sobrancelhas; e nas pontas rosadas
e bicudas dos seios muito magros, tinha em cada uma enfiado um espinho de metal que atravessava o mamilo e o
perfurava.

A corrente daquela coleira que envolvia o pescoço dela foi puxada e se esticou, e a mulher-lobo disse num
rosnado, enquanto voltava o rosto para aquele que parecia o seu mestre:

“Não está aqui.”


O cardeal recuou alguns passos com seus olhos bem abertos e, pela expressão em seu rosto, parecia lutar
contra um grande terror que se insinuava nele. Todos os cavaleiros de armadura enferrujada que estavam na sala, e
havia agora oito deles, formavam duas fileiras encostadas nas paredes aos lados da porta pela qual tinham subido
Dom Mastilhos e a felina Elmyra na noite anterior.

“A pérola...” gaguejou o cardeal, suando. “E a esmeralda...”

“Silêncio,” interrompeu-o o homem diante do espelho ou dentro do espelho, que era onde parecia estar.
“Não é preciso dizer nada.” Ele era muito alto, beirava os dois metros, e seus cabelos muito compridos eram de
aparência felpuda e totalmente brancos. Mas ele não parecia velho e nem mesmo humano: sua pele era também
toda branca, mas não duma cor natural, e estava toda coberta por pêlos muito curtos e cinzentos. Ele se
assemelhava a uma mistura de homem com animal, da mesma forma que Elmyra da Turísia era mistura de felina
com mulher; os olhos dele eram pequenos e avermelhados e o cardeal, assustado, os evitava, e eles brilhavam
como os de um lobo. De trás dos seus lábios finos, e também pálidos, saíam dois caninos que repousavam sempre
sobre o lábio de baixo. A capa aveludada que vestia prendia-se nos ombros largos e o peito estava descoberto e era
formado de músculos duros e exuberantes e exagerados.

A corrente caiu no chão, a coleira estava solta e a mulher magra aproximou-se do cardeal; ela se ergueu,
sua mão encostou-se no queixo dele. “Tudo que vistes será útil,” falou e seus dedos apertaram-lhe o pescoço.

O cardeal levantou o braço, abriu sua mão e mostrou uma pedra preta e redonda, o ônix de Dravísios. A
mulher tomou a gema e vagarosamente aproximou-a do rosto. Então encostou-a nos lábios e só com um dedo
empurrou-a para dentro deles, e seu pescoço se moveu e ela engoliu a jóia.

Passos apressados ecoaram e quatro monges entraram pela porta principal do salão, no lado oposto ao da
fileira de guerreiros em armaduras.

“Invasores estão subindo!” um deles gritou e a mulher-lobo saltou para o chão, voltou a ficar de quatro
deixando à mostra uma cauda peluda e volumosa que saía do extremo de sua capa e cobria-lhe as coxas, foi até o
seu senhor e escondeu parte do corpo atrás das pernas dele. Era da capa, e não da mulher, a cauda, creio, se tendes
algum interesse neste detalhe.

Os soldados de Orqushire entraram na sala em seguida, com tochas e espadas, e logo os monges estavam
mortos. O cardeal andou o mais depressa que pôde para perto do homem diante do espelho, não se podia dizer se
ele temia mais este ou os invasores. A fileira de armaduras começou a se aproximar lentamente do grão-duque e
dos outros homens, fazendo barulho, e neste ponto chegaram a duquesinha e Pelluria e Meloine e Lourdes Maria,
e todas menos a serva com suas espadas nas mãos. O grão-duque voltou-se gritando para que sua filha fosse
embora, um dos soldados conseguiu se aproximar o suficiente para atacar aquele estranho envolto na capa escura;
sua espada já ia atingir o homem, mas este apenas voltou para ele os olhos e o corpo do soldado saltou para trás
como se tivesse sido arremessado por uma força invisível e toda a pele dele explodiu. O que é algo estranho de se
tentar imaginar e é algo difícil de se descrever, mas sangue voou para todos lados como se cada pedaço da pele
tivesse sido puxado e arrancado numa direção, e quando o soldado caiu, seu rosto parecia ter sido removido e as
roupas que cobriam-lhe o peito estavam escuras e encharcadas. Um dos guerreiros de armadura acertou outro
soldado com seu braço-lâmina e deste ainda se pôde ouvir o grito.

“Quietos,” o homem da capa falou com uma voz grave e os soldados de Orqushire puseram-se diante do
grão-duque; atrás dele estavam a duquesinha e as outras. “O verdadeiro poder de Dravísios vos será revelado.”

O estranho abriu então a capa, jogou-a para os lados; suas pernas estavam nuas como o peito e o abdome,
e abaixo dos joelhos seus pêlos brancos eram mais compridos e podiam ser vistos mesmo à distância. Tudo o que
ele vestia era um curto pedaço de pano negro a envolver-lhe a intimidade e esta era uma saliência amontoada feito
um punho fechado entre suas coxas. Do topo do pano partiam duas tiras finas, uma subindo para cada lado da
cintura do homem, e eram o que mantinha aquela veste ali. Meloine olhou para esse apertado tecido ou sunga e de
seus lábios saiu um assobio.

“Assanhada,” Pelluria disse para ela e cutucou-a com o cotovelo.

“Ui, parece haver algo muito grosso escondido ali.” a coelha respondeu com malícia. “Ou não percebeste
o... volume?”
“Bom,” Pelluria esperou um pouco e apesar de que minha tia jamais admitiria, havia posto também os
olhos no mesmo lugar em que Meloine deitara os dela. “Nós podemos conferir isso depois de fazê-lo prisioneiro.”

O homem ergueu um braço e disse:

“Contemplai o vosso mestre!”

Veio o som de um espelho se quebrando e no espelho maior, preenchendo ele todo, surgiu o que parecia
ser um olho envolto por pele negra. Foi se abrindo e então ninguém pôde perceber mais nada, pois foi como se
estivessem no meio de um tornado.

Um ruído ensurdecedor que lembrava um enxame de abelhas atordoou Pelluria e ela foi jogada para trás
pelo que sentiu ser uma rajada de vento gelado; mas este vento atravessava o corpo dela feito lâminas, doía como
se ela estivesse sendo atingida por farpas de vidro, ou de um espelho. E ela não caía nunca. Em desespero notou
que não via mais nada ao seu redor, estava flutuando no vazio, e esforçou-se para abrir os olhos, mas eles já
estavam abertos, estava tudo escuro. Então percebeu que não sentia mais Lucille em suas mãos e em vão tentou
encontrar uma mão com a outra, mas era como se tivesse sido arrancada do próprio corpo, e não podia nem
respirar.

Pelluria não saberia dizer quanto tempo passou, pois para ela e também para todos outros pareceu uma
eternidade. Parecia ter deixado de existir, sentia apenas desespero. De repente sentiu suas costas e a nuca caindo
de forma dolorosa contra as pedras do chão. Olhou para cima e viu poucas estrelas e sentiu chuva batendo pesada
contra o rosto; abriu a boca e respirou angustiada, como se tivesse recém saído do fundo de um rio onde quase se
tinha afogado. Daí tentou erguer-se, mas não podia se mover; sentia-se muito pesada, era como a sensação que
tivera quando fora paralisada pela naga no Reino Subterrâneo.

Mychelle Alanturia estava gritando em algum lugar.

O vento gelado aquietou-se de modo abrupto, mas não se foi por completo, nem deixou de ser doloroso.
Pelluria finalmente pôde apoiar os braços no chão; empurrou e desgrudou-se dele com grande esforço, sentou-se,
pesada. Estava no centro de um monte de escombros; pedras e paredes estavam derrubadas por todos lados e não
havia mais teto para deter a chuva. Parecia que o templo tinha caído e que, de alguma forma, ela havia
sobrevivido: podia ver as outras casas do vilarejo em chamas, a cerejeira derrubada e também os soldados de
armadura, alguns no chão, e o homem com a sunga e a mulher-lobo, estes de pé. Atrás deles, no meio do ar, havia
um grande espaço retangular e negro onde nada se enxergava; era um muro de escuridão sólida, flutuando, estava
no mesmo lugar que ocupara o espelho maior quando existia uma parede ali, era tudo o que havia restado da sala
do templo, o resto fora arrancado e voara para longe como a pele daquele soldado.

Minha tia pensou ter visto algo terminar de se mover para dentro desse espaço, manchas pretas, um
líquido ou tentáculos como aqueles de animais marinhos retornando para lá, como tivessem estado fora dali
durante a explosão, como se fossem o que tivesse derrubado as paredes. De lá, do buraco no ar, veio um ruído de
arrastar, algo muito grande ou pesado se movendo depressa, indo embora.

A mão de Pelluria encostou-se sobre o ombro de Meloine: a coelha estava jogada de bruços ao lado de
minha tia, com os olhos fechados, parecia desacordada. Então Pelluria virou-se e viu que o grão-duque e os
soldados de Orqushire estavam de pé, mas estavam todos imóveis; suas roupas não se mexiam com o vento e nem
os cabelos do grão-duque, era como se fossem de pedra. Estavam em posições estranhas, o grão-duque com uma
mão erguida para se proteger de algo, a espada na outra. Pelluria, ainda segurando o ombro de Meloine, virou-se
para o outro lado e viu a duquesinha: estava de joelhos diante de Lourdes Maria, as mãos apoiadas na saia dela, o
rosto erguido e aquela linha preta parecia ser sangue correndo de uma de suas narinas, mas a serva Lourdes Maria,
de pé como os soldados, do mesmo modo que eles e o pai da duquesinha tinha se convertido numa estátua de
pedra branca, ela toda e sua roupa agora eram feitos de mármore sem vida.

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...---...
Shavanah estava escondida atrás de Teresa no segundo andar da estalagem; uma das paredes do quarto
havia caído, por sorte não em cima delas, e uma assustadora fissura no chão deixaria ver o primeiro andar se ele
não estivesse pegando fogo. A cabeceira de uma cama estava metida nessa fissura, inclinada, e por baixo dela
subia grande quantidade de fumaça que tornava incômodo respirar. O som crepitante de labaredas se misturava
com o ranger do assoalho, o piso dava sinais de que não se manteria por muito tempo. A cama desceu mais um
pouco, o chão estalou.

Teresa empurrou a porta do quarto, mas estava bloqueada por escombros e não se abria. “É a Cerejeira
Sagrada,” ela disse.

“O quê?”

“A árvore sagrada caiu no meio da estalagem!”

“Temos que sair daqui antes que tudo pegue fogo,” Shavanah falou entre uma tossida e outra. Labaredas
começavam a surgir entre as frestas na madeira da porta quando Teresa afastou-se dali e o chão estava ficando
muito quente; ela foi apoiar-se na beira da fissura, segurando a respiração, meteu a cabeça por ela. “Tem fogo nas
escadas,” disse depois de respirar um pouco e erguer o rosto, os olhos ardidos e cheios de lágrimas. “O teto
desabou do outro lado.”

“E aqui não vai aguentar muito tempo! Dá para alcançar a porta?” Shavanah perguntou abraçando o
próprio peito nu; vestia apenas um saiote de cetim e tinha umas manchas de cinzas no corpo. A essa altura os
olhos estavam tão rosados pela fumaça quanto os de Teresa.

“Não sei, não dá para ver a porta daqui, só o corredor,” foi o que Teresa respondeu. “Temos que fugir
logo!”

“Se pularmos, não vamos conseguir voltar, então espero que haja uma saída por aí. Mas e se encontrarmos
outros daqueles homens com armaduras na rua?”

“Fugimos deles de novo,” Teresa disse. “Não podemos ficar aqui, o corredor está pegando fogo, logo vai
chegar aqui!”

“Então vai na frente.”

“Por que eu?”

Shavanah ajoelhou-se perto de Teresa, onde o chão ainda parecia firme, e disse “Porque sou uma cortesã,
tu que és do exército do grão-duque estás mais acostumada a coisas desse tipo.”

Teresa não quis discutir, pois o chão desceu mais um pouco; sentou-se na beira da fissura com as pernas
para dentro dela e foi descendo, mantendo-se segura pelas beiradas. Depois soltou-se e sumiu, Shavanah ouviu o
estrondo dela batendo no chão.

“Estás bem?”

“Ai... Claro,” veio de baixo a resposta de Teresa. “Vem, vamos logo!”

Shavanah meteu-se na fissura, ficou dependurada nela, suas pernas balançando no meio da fumaça. “Não
consigo ver nada,” gritou com medo de se machucar. “Isso é muito alto?”

“Eu te pego, posso tocar o teu pé, olha. Pula!”

A tábua onde ela se segurava desprendeu-se e acabou com a relutância de Shavanah, fez com que caísse e
batesse contra Teresa, e ainda quebrou uma de suas unhas.

A sala estava muito escura e cheia de fumaça, tudo que se via com esforço e com olhos lacrimejantes era o
fogo consumindo escadas de madeira a muitos metros dali, mas não a distância suficiente para deixar de esquentar
o ar ao redor delas. Shavanah meteu a unha na boca, olhou ao redor e disse: “Aah, o que vamos fazer agora? Aqui
é ainda pior que lá em cima, vamos morrer sufocadas!”
“Fica calma, vem junto comigo!” Teresa pegou a mão de Shavanah e avançou alguns passos com ela. Com
a outra mão, cobria a boca e o nariz. “Tem uma porta aqui no canto,” disse e parou perto de uma parede. “Acho
que está trancada.” Shavannah não enxergava nada, temia se perder se soltasse a outra.

“A entrada não ficava para lá?” Shavanah perguntou. Daí elas ouviram um rangido vindo de cima, que foi
ficando mais intenso, e Shavanah sentiu pedrinhas finas feito areia caindo em sua cabeça e escorrendo pelos
cabelos. “Hã? O que é isso?” ela perguntou e passou a mão pela testa.

As paredes começaram a vibrar.

“Ah, não.”

“O que é?” Shavana gritou. “O que tá acontecendo?”

Teresa jogou seu corpo contra a porta que estava a sua frente e que se partiu com um estrondo; daí virou-
se e puxou Shavanah para dentro através da madeira arrebentada e em seguida as duas ouviram o som de algo
caindo, parecia que a estalagem toda estava desmoronando. Quando tudo se aquietou de novo havia um monte de
pedras e um armário inteiro do lado de fora da porta, impedindo a volta delas.

“Acabou?” Shavanah suspirou; estava de joelhos no chão e olhando ao redor viu uma pilha de sacos. Uma
janela deixava entrar um pouco de luz, por ela podiam ver a rua. “Já sei onde estamos, essa é a despensa da
estalagem!” disse, que pode ser que já tivesse exercido suas atividades profissionais no local algumas vezes.

Teresa pegou um dos sacos, era grande e pesado e estava cheio de grãos; jogou-o através do vidro na
janela. Saíram por ela para uma rua vazia num dos cantos da estalagem, todo o topo da construção estava em
chamas, e também a frente dela, paredes tinham desmoronado por todos lados. Gotas grossas de chuva caíam bem
devagar, as luas finalmente se mostravam no céu e era bom respirar ali fora.

Tossiram por algum tempo e foram em direção ao muro, Teresa desembainhou sua espada curta e
Shavanah começou a tremer de frio. A tempestade tinha deixado a noite fria.

“Tu achas que devíamos procurar por ela?” perguntou Shavanah em voz baixa, com os braços cruzados
sobre o peito pelado.

“Hã?”

“A minha prima.”

“Eu não sei, Shavanah.” Teresa parou de andar. “Ela estava na torre da duquesinha. Se ainda estiver lá
dentro estará segura, porque tem muitas vigias e os portões ficam fechados, ela estava no andar de cima. Se
formos até lá não poderemos entrar.”

“Estou preocupada com ela.”

“Eu também estou,” Teresa disse. “Ela é minha melhor amiga. Mas não acho que devemos ir para lá.”

Andaram para o norte, que era o lado dos portões do vilarejo e que era onde estava mais claro. Perto dos
postos de vigia ouviram sons de luta e viram passar uns guerreiros de Dravísios, e então pararam num canto onde
a parede de madeira de uma casa tinha sido destruída; pelo grande buraco que restara podiam ver umas cadeiras e
uma mesa comprida e umas panelas penduradas em um canto. Fumaça subia do outro lado da rua.

Teresa entrou na casa abandonada e empurrou a mesa para fora; com a ajuda de Shavanah apoiou o móvel
no muro, os quatro pés dele afundaram no lodo. Depois Teresa trouxe uma das cadeiras e colocou sobre a mesa,
daí subiu nisso tudo e viu que não poderia alcançar ainda o topo. Trouxe outras cadeiras, colocou uma ao lado da
que já estava em cima da mesa e depois pôs a terceira apoiada sobre as outras duas e fez assim uns degraus. Subiu
enquanto Shavanah mantinha a mesa firme, e com os pés no encosto da terceira cadeira, Teresa firmou seus dedos
no topo do muro e puxou-se para cima dele. Levou suas pernas lá para cima, onde sentou-se e chamou Shavanah.

“Não vou conseguir,” a cortesã disse, olhando assustada para a pilha de objetos que Teresa tinha feito.
“És mais alta do que eu, vai ser muito mais fácil. Vem logo.”

Tremendo, Shavanah pôde subir só até a primeira cadeira, a mesa e tudo mais sacudindo. Daí Teresa
esticou o braço e puxou-a para cima, e a pedra áspera machucou e sujou a pele dela.

“Agora temos que pular para o outro lado.”

“Tá louca, é? É muito alto.”

“Preferes ficar aqui em cima até que nos achem?” Teresa falou enquanto seu corpo descia ao lado do
muro, as mãos segurando-se ainda no topo. “Faz como eu, te solta devagarinho.” E então os dedos dela se abriram
e pela segunda vez naquela noite Shavanah ouviu o som de Teresa batendo no chão. Mas não pôde ver onde ela foi
parar, que do lado de fora dos muros estava mais escuro do que no interior do vilarejo, havia diversas árvores ao
redor.

“Onde estás? Espera!”

Shavanah soltou-se do mesmo modo que Teresa e a queda bem mais alta do que a da estalagem fê-la
arrepender-se de ter pulado. Mas o chão também era mais macio que o da estalagem, porque era só barro e
cogumelos e arbustos nas proximidades do muro, e Shavanah caiu sentada sobre isso tudo.

“Ai! Que nojo!” disse e levantou-se logo; foi se afastando até seus pés pisarem em grama. “Fiquei com a
bunda cheia de lama!” Pôs o saiote para um dos lados e começou a esfregar as nádegas com pressa para tirar delas
toda aquele lodo com que estavam lambuzadas, mas parou de repente para procurar ao seu redor por Teresa,
porque ainda não a tinha visto.

“Teresa? Ai, onde ela foi parar?”

E então, a uns passos dali, entre duas árvores estava Teresa, num lugar que as luas iluminavam bem; atrás
dela havia outra mulher, muito mais alta, e Shavanah notou que a mulher apertava uma de suas mãos contra a boca
de Teresa para mantê-la quieta. Na outra mão, que tinha à frente de Teresa, a mulher segurava uma cimitarra, e seu
braço musculoso estava coberto de argolas de ferro no formato de pequenas cobras.

Shavanah ficou estática, um calafrio a dominou.

“Que fazeis aqui, meninas?” a mulher perguntou. “Fugis do vilarejo, medrosas? Fugi, então.” Ela
empurrou Teresa para frente e assim Shavanah pôde perceber que a mulher era na verdade uma lâmia, pois a partir
da cintura tinha uma enorme cauda de serpente.

Tropeçando, Teresa correu até Shavanah, pegou a mão dela e as duas, sem pensar, fizeram o que mandava
a lâmia: fugiram pelo meio do mato, só pararam atrás de umas árvores porque viram à frente muita claridade:
várias outras lâmias entre as árvores, empunhando tochas e espadas, combatiam guerreiros daqueles de armadura,
e parecia que chovia mulheres-cobra em cima deles, pois vinham caudas de todos lados e até de cima das árvores
para pegá-los.

À distância, por uma estradinha de terra que havia diante dos muros do vilarejo, vinham deslizando mais
de doze lâmias; seguravam deitado entre elas um tronco de árvore pronto para ser usado como aríete e era em
direção aos portões e aos soldados de armadura na frente dele que iam.

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...---...

O homem da capa ou demônio ou o que quer que fosse ele segurava novamente a coleira da mulher-lobo:
ela estava de joelhos ao seu lado, as mãos e o rosto deitados numa das coxas dele, esfregando-se ali como uma
gata entre as pernas do dono; do outro lado dele estava o cardeal de Dravísios e entre eles e nossas heroínas,
diversos daquelas coisas de armadura.

Pelluria notou que a duquesa, empunhando seu florete, tinha dificuldade em manter-se de pé; viu-a
avançar relutante, as coxas trêmulas e manchadas, sangue descia de novo do ferimento em sua traseira, as botas
afundando e escorregando pelo chão enlameado. Com expressão enraivecida ela ia aos inimigos, cega pela fúria ia
em busca de uma luta que não tinha como vencer.

Pelluria, ainda tonta, procurou ao seu redor por Lucille e a encontrou jogada uns passos atrás de si, perto
dos pés de Meloine. Pegou-a e se levantou, suas pernas também estavam fracas, dormentes e pesadas como as de
quem caminhou sem parar o dia todo; o ataque mágico do demônio com a pele coberta por pêlos brancos as havia
deixado assim e havia transformado em estátuas de pedra o grão-duque, todos soldados de Orqushire e a serva da
duquesinha. Mas por algum motivo a duquesa, minha tia e Meloine ainda estavam vivas, apesar da coelha ter
desmaiado.

O demônio veio na direção da duquesa quando ela chegou na metade do caminho que a separava dele, e
veio puxando pela coleira aquela mulher com capa de lobo, as armaduras abrindo passagem para eles. Mychelle o
atacou, a ponta do florete bateu-se sem causar dano contra o braço que ele ergueu, e o outro braço dele foi veloz
até o pescoço da duquesa. Os dedos longos do homem envolveram a frente e os lados do pescoço dela, ergueram e
fizeram com que a duquesinha ficasse nas pontas dos pés como se não pesasse nada. A mulher-lobo, com um
golpe, arrancou o florete das mãos dela e jogou-o longe.

“Pegai a elfa,” o demônio disse, virando o rosto para o cardeal e ignorando as unhas da duquesinha que
tentavam se enfiar em seu punho; eram ineficazes onde nem o florete pôde penetrar.

“Nós?” o cardeal, assustado, pareceu querer dizer bem mais do que isso, mas calou-se e foi devagar na
direção de Pelluria, que agora estava diante da estátua de pedra que era o grão-duque. E ela não sabia se ainda
estava ali por vontade de ajudar a duquesa e a coelha ou se por suas pernas estarem doloridas demais para correr,
que não pareciam capazes de levá-la para muito longe.

Os guerreiros de armadura avançaram ao redor dela.

“Abaixa tua espada, elfinha,” o cardeal disse, com os braços abertos.

“Tá, pode deixar,” Pelluria respondeu e o cardeal já estava perto o bastante. Ela moveu a espada, ouviu o
som abrupto dela cortando e a cabeça do cardeal, gorda e pesada, girou para o lado e ficou pendurada num ombro
antes do corpo dele despencar como uma montanha de carne. Pouco sangue muito escuro foi o que Lucille
arrancou do cardeal junto com a cabeça; como todos outros de Dravísios, o cardeal não era humano. Os guerreiros
de armadura continuavam vindo; Pelluria sabia que não tinha forças para enfrentar nem um deles sozinho, quanto
mais todos, então foi recuando passo a passo, era o único caminho livre, seus olhos pulando de uma lâmina a
outra, pois todos aqueles braços de metal apontavam para ela.

“Pára, elfa mestiça,” a mulher-lobo gritou de longe com satisfação em sua voz. “Se te moveres, estás
morta.”

Daí Pelluria sentiu um fincão nas costas e seu coração saltou. Havia outra armadura atrás dela, tinha se
aproximado ela não sabia de onde. Com medo de ser atravessada por aquela lâmina, minha tia não pôde se mexer,
então os outros todos fecharam o cerco vagarosamente, puseram-se em volta dela sem deixar qualquer caminho
para que fugisse.

“Agora larga tua espada.”

Pelluria fez o que a mulher mandava; presa entre as armaduras, viu o demônio soltar a duquesinha: ela
caiu de joelhos sufocada, chorando, e o demônio empurrou o peito dela com o pé, derrubou-a por completo, e ela
gritou, rouca, deitada sobre seu ferimento cada vez mais aberto e dolorido. O homem abaixou-se montado nela,
pôs um joelho de cada lado do corpo da duquesa e por mais que ela se debatesse e chutasse e mordesse, pegou os
punhos dela e apertou-os contra o chão.

“Onde está a tua jóia?” a duquesinha ouviu-o perguntar e sentiu o peso dele em suas costelas, tinha a visão
terrivelmente nublada.
“O tempo está passando,” a mulher-lobo murmurou acocorada ao lado do demônio, com seu olhar fixo
naquela muralha de escuridão que flutuava atrás deles, um retângulo negro no ar, donde parecia vir frio. “Vai
acabar logo.”

“Revista as outras,” ele disse e a mulher pôs-se de pé; ela foi até Meloine, virou-a para cima, passou suas
mãos pelas vestes dela, pelo peito, e alcançou a gola que a coelha tinha transformado em decote. Puxou com força
até rasgar e expor o sulco entre os seios redondos de Meloine e mais um tanto deles, e viu a fadinha inconsciente
entre os dois.

“O que é isso?” pegou a pequena e a ergueu, aproximou do rosto.

Alanis acordou-se com algo pegajoso e mole sob suas pernas; saiu voando da boca da mulher-lobo pouco
antes dos dentes dela se fecharem, fez algumas voltas no ar para entender onde estava e, depois de ver a situação
das outras, desapareceu, que não era burra de ficar ali.

Sem se importar muito, a mulher-lobo voltou a pôr suas mãos no corpo de Meloine, afastou-lhe os seios,
tocou-a toda.

“Ela tem muitas armas e uma fada e mais nada,” disse com os dedos fechados ao redor da cauda no topo
das nádegas da coelhinha, pois a tinha virado de bruços. “Talvez a elfa selvagem saiba de algo.”

Um grito agonizante da duquesinha chamou a atenção de Pelluria, fez com que parasse de olhar para a
mulher-lobo.

Enquanto isso, a fada Alanis fazia a volta nuns escombros que sobraram de uma das paredes do templo;
viu uma mulher escondida ali atrás, segurando um arco armado e apontado para o demônio e a duquesinha: era
Rouge e a flecha no arco dela era igual à que ferira antes o braço da duquesa, tinha ponta de metal.

“Lourdes... minha Lourdes...” nossa duquesa gemia com os dentes apertados. Uma adaga fina e longa
atravessava a palma da mão direita dela, a ponta se enfiava no chão e o demônio segurava o cabo e o empurrava
cada vez mais para baixo.

“Onde está a jóia?” ele perguntou para a duquesa e, pegando-a pelos cabelos, ergueu o rosto dela e deu
nele um tapa. “Tu tens a jóia, elfa?” Voltou-se para Pelluria e ela não soube o que dizer.

“Não fales nada,” a duquesinha disse, tentando fechar os dedos e puxar, sua palma cravada ao chão, os
cabelos e uma bochecha cobetos de lodo. O demônio a ignorou, continuou observando Pelluria, deixou que a nuca
da duquesa voltasse a cair no chão.

Usando forças que ela achou que não tivesse mais, a duquesinha arrancou a adaga da própria mão num
movimento brusco e tentou atacar o demônio com ela; atacou-o na verdade, mas a ponta bateu-se contra os
músculos do peito dele como se estivesse se chocando numa armadura, a ponta da lâmina chegou a entortar. Com
a mão fechada, o demônio acertou a duquesinha no rosto.

“É inútil,” ele disse. “Tu não serves mais. É hora de morrer.”

Pelluria viu-o pôr uma das mãos dentro da capa, nas costas, e de lá ele tirou outra adaga. A mulher-lobo,
que tinha se aproximado, colocou o pé sobre o pescoço da duquesinha e o demônio puxou a camisa dela pela gola
até que os panos se rasgassem e os seios da Duquesa caíssem nus um para cada lado. Ele segurou o esquerdo com
toda a mão, deixou só o topo descoberto, e espremeu-o; encostou a ponta da adaga no mamilo dela.

“Não!” Pelluria gritou. “Eu tenho a jóia! Está aqui!” Tirou do pescoço e de dentro da camisa aquela
imitação de vidro que tinha pego na torre da duquesinha. “Deixa ela em paz e eu entrego!”

O demônio soltou o peito da duquesinha e ergueu-se. A pele no seio dela, branca, foi ficando rosada;
sangue se amontoava em toda a palma da mão que ela tinha jogada ao seu lado, onde caía a água da chuva.

“A gordota ainda está bem viva,” a mulher-lobo falou e empurrou a bochecha da duquesa com a ponta do
pé: a respiração jogava gotas de sangue para fora dos lábios grossos de Mychelle Alanturia, o de baixo estava
cortado. “Vês? Entrega a jóia.”
“Antes me deixa sair daqui,” Pelluria gritou.

O demônio foi se aproximando de minha tia e das armaduras que a cercavam; a duquesinha tentou segurá-
lo, pegou a capa dele com a mão que ainda tinha inteira, mas a mulher-lobo chutou o braço da nobre com o pé e
disse:

“Entrega a jóia, elfa. Pouco nos interessa vossas vidas.”

“P***nha de m****,” Pelluria ouviu a duquesinha gemer isso. Toda dolorida, a duquesa tentava levantar-
se apoiada no braço bom; o outro tinha puxado contra o peito, o sangue da mão manchando a pele descoberta dela.
Os olhos estavam rodeados pelos cabelos enlameados e tentavam encontrar o rosto de minha tia. “Estava contigo
o tempo todo, elfa mentirosa.”

A mulher-lobo moveu sua perna, ia pisar nas costas da duquesa, mas um sopro muito frio e forte partiu
nesse momento do interior daquele espaço retangular completamente escuro no ar. Pelluria sentiu seu corpo arder
por uns instantes e a mulher-lobo, deixando a duquesinha, andou até o espelho menor, que ainda estava solto
diante do vazio, e o tomou entre as duas mãos. Um estilhaço de vidro saltou dele.

“O tempo está no fim,” rosnou a mulher.

“Pega o cardeal e vai embora,” o homem respondeu. “Agora,” acrescentou ainda e Pelluria notou pressa
em suas palavras. A mulher trouxe o espelho até ele e o entregou; o demônio pegou-o com uma das mãos e
manteve seus olhos vermelhos e assustadores em minha tia, que a essa altura considerava-se perdida e estava
pronta para se jogar no chão assim que qualquer uma daquelas lâminas se movesso, exceto que não podia enxergar
todas ao mesmo tempo.

Arrastando sua coleira, a mulher-lobo foi até o corpo do cardeal, que estava caído de costas, o grande
ventre formando um monte alto; abaixou-se e, fazendo força, foi erguendo a cabeça do cardeal, arrancando-a da
pele onde estava pendurada. Mas antes que terminasse de levantá-la, ouviu-se um zumbido e um som de estocada
e uma flecha perfurou um dos olhos mortos daquela cabeça.

“Vai embora!” o demônio gritou num rugido animalesco.

Sua serva hesitou:

“Mas...”

“Vai!”

Pelluria jogou-se no chão e por sorte nenhum lâmina matou-a instantaneamente, uma elfa menos corajosa
teria feito xixi nesse momento.

Outra flecha veio e esta acertou a mulher no peito. Ela gritou e correu em direção ao escuro, entrou
naquela janela vazia para o nada e logo que fez isso desapareceu levando consigo a cabeça do cardeal. A
herborista Rouge estava agora perto desse espaço escuro, apoiada num joelho, outra flecha em seu arco e a arma
apontada para o demônio; Alanis voava pouco acima dela.

“Dá-me a jóia, Pelluria,” Alanis gritou e, subindo alto, voou para cima de onde estavam minha tia e as
armaduras. “Joga a esmeralda para mim e ele nunca mais a terá!”

“É o que farei,” Pelluria disse, ajoelhada, levantando o braço com a jóia e olhando para o demônio, “se
não deixares que eu me afaste! A fada pode pegá-la antes que teus guerreiros me atinjam!”

Apesar do demônio não ter dito nada, as armaduras ao redor de Pelluria não fizeram nada enquanto ela
rastejava por entre as pernas deles, e ela não pôde mais se fixar nos olhos vermelhos, porque algo furioso partia
deles e subia pelas pernas de minha tia; era uma força invisível rastejando feito insetos pelas coxas dela e entrando
gelada sob a saia e a camisa, subindo até o pescoço, onde parecia querer explodir. Ela perdeu a voz por uns
instantes e rolou, pôs-se de pé e correu para longe das armaduras e do demônio, foi na direção de Rouge; suas
pernas não estavam mais tão pesadas.
“Entrega a jóia e irei embora,” o demônio disse. “Do contrário violarei teu corpo e o da duquesa de
Orqushire muitas vezes antes de estares morta.”

“Eu vou violar o teu corpo se tu deres a jóia para ele, elfa p***!” a duquesinha gritou de joelhos, cuspindo
seu próprio sangue.

“Não chegues perto,” Pelluria disse para o demônio ao ver que ele tinha começado a caminhar; esticou a
jóia na direção de Alanis, que voava acima dela.

A duquesinha, tremendo muito, conseguiu se levantar, os braços soltos diante do corpo. “Isso é meu,
vagabunda,” disse enquanto Pelluria ia até ela. A duquesinha abraçou-se no corpo de minha tia para não cair,
estava tonta, fechou sua mão cheia de sangue na camisa dela e falou baixo: “Não entrega para ele, sua p***. Eu
imploro.”

“Cala a boca e deixa que eu cuido disso,” Pelluria disse e envolveu com um dos braços a duquesa para
mantê-la de pé. “Eu vou me afastar com ela para que fique segura e depois te entrego a jóia,” disse ao demônio;
foi arrastando a outra para o lado o mais rápido que pôde, até estarem a uns dez passos dele. Atrás delas a
estalagem pegava fogo. A chuva estava parando.

Quando notou, Pelluria não podia mais encontrar a herborista, Rouge tinha sumido. E atrás das armaduras,
onde caíra Meloine, agora estava jogado Gustaff Olafson, inconsciente, pois a coelha tinha voltado a se
transformar nele. Mas todos os demais tinham seus interesses voltados em minha tia e na duquesa.

Pelluria estendeu a jóia, Alanis continuava perto dela e o demônio estava impaciente.

“Não te atrevas, elfa,” a duquesinha disse tentando alcançar a jóia, mas mal podia erguer o braço. Pelluria
jogou-a na direção do demônio e nesse ponto ouviu-se um estrondo distante: eram os portões do vilarejo que
cediam às lâmias.

O demônio fechou sua mão em volta da jóia; depois caminhou com calma até a escuridão, seu corpo
penetrou e desapareceu nela e por último se foram a capa e o braço que segurava o espelho menor: este ficou do
lado de fora, caiu no chão e de súbito explodiu em inúmeros pedaços de vidro que saltaram para todos lados por
algum efeito sobrenatural, que o chão naquele ponto era apenas lama e um impacto com ela não causaria esses
estilhaços. Restou só a moldura afundada no barro e no mesmo momento o bloco de escuridão sólida desapareceu
por completo deixando visíveis os escombros do templo atrás de onde ele estivera e era como se nunca tivesse
existido.

Algum tempo depois surgiram muitas lâmias vindo pelas ruas ao redor da estalagem incendiada;
carregavam tochas e cimitarras e escudos. Em menos de um minuto as primeiras chegaram ao templo, no ponto
onde estavam apoiadas uma na outra Pelluria e a Duquesa, e se detiveram.

Os guerreiros de armadura estavam parados, haviam sido abandonados pela força que os animava, nossas
heroínas notaram depois, quando uma lâmia cutucou uma das armaduras e ela caiu. As lâmias agruparam-se ali
falando umas com as outras e Altisidora, que as liderava, aproximou-se de Pelluria; tinha o peito coberto por uma
cota de malha e um saiote também de malha de ferro tapava a parte inicial de sua cauda; braceletes com formato
de serpentes envolviam seus músculos como da ultima vez que minha tia a havia visto.

“Fico contente por estardes vivas,” ela disse; havia preocupação em seu rosto. “Onde ele está?” perguntou
em seguida. Pelluria apontou para trás das estátuas de pedra em que se haviam convertido os homens de
Orqushire, apontou para Gustaff Olafson. Altisidora soltou sua cimitarra e rastejou com pressa para lá.

“Ajuda-me a ir até o meu pai, por favor,” a duquesinha pediu e Pelluria avançou com ela, uma das pernas
de Mychelle arrastando. Pararam diante do grão-duque e a duquesa ergueu o rosto; a chuva tornava cor-de-rosa o
sangue no queixo dela e seus olhos se fecharam por muito tempo.

Altisidora virou Gustaff Olafson para cima e sorriu e o ergueu quando viu que estava respirando. Então
pegou-o no colo com os dois braços, passou por Pelluria e foi levando-o em direção a outras três lâmias que se
aproximavam.
“A Rainha Ellenora estava vindo pela floresta e encontrou-se com soldados do castelo de Loirs a pouca
distância daqui,” Pelluria ouviu as outras relatando esse fato para Altisidora e depois explicou às lâmias o que
havia acontecido com o grão-duque. As lâmias partiram ao encontro de sua rainha, levaram Gustaff Olafson, mas
antes Altisidora disse ainda para minha tia que a veria em breve.

A duquesinha soltou-se de Pelluria e andou bem devagar até Lourdes Maria, mancando, sem dúvida; caiu
de joelhos diante dela, encostou a testa na saia que agora era de mármore. Lá longe as lâmias organizaram-se e a
maior parte delas começou a explorar as ruas do vilarejo, afastando-se daquele ponto.

“Eu...” a duquesinha esperou um pouco e recomeçou a falar. “Eu tinha esperança de que voltasses ao
normal quando os demônios se fossem. Lourdes... não me deixes...”

Não disse mais nada.

Pelluria recuperou sua espada. Alguns minutos depois elas estavam sozinhas ali, minha tia, a duquesa e a
fada sentada num dos ombros de estátua de Lourdes.

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...---...

Pelluria estendeu a mão e a duquesinha voltou-se para ela; viu seu próprio sangue na camisa da elfa.

“Ela está morta?” perguntou. “Minha Lourdes?”

“Eu não sei,” Pelluria respondeu. “Levanta,” disse depois. “Estás ferida, precisamos cuidar disso.”

“Não quero cuidar disso,” a duquesinha disse e ergueu-se sem ajuda; tirou os trapos da camisa rasgada e
esfregou-a no rosto para limpar as lágrimas e o sangue e o lodo. Ainda tinha atada no braço a meia de Lourdes
Maria, manchada também, sobre o lugar onde tinha sido flechada.

Pelluria pôs as mãos na cintura. Então a Duquesinha abriu as dela, depois de limpar o ferimento na palma
direita, que era um furo, e soltou a camisa no chão. As últimas gotas de chuva caíram e tudo ficou quieto. Os
dentes da duquesinha cobriram o lábio de baixo, o que estava cortado, e puxaram ele para dentro da boca e sangue
escorreu para fora dela.

“P***,” ela disse baixinho, mal se pôde entender, ainda prendendo o lábio entre os dentes e sangrando e
bateu no rosto de Pelluria com a mão furada, sem força. “Tu deste a minha jóia para eles, mentirosa, deixaste que
eles vencessem depois do que fizeram ao meu pai e à minha Lourdes.”

“Quer parar com isso? Estás me sujando toda!” Pelluria limpou de sua bochecha o sangue da duquesa. “Eu
salvei a tua vida, eles iam te matar! Agora não sejas ingrata!”

A duquesinha esperou muito tempo e, quase sem voz, disse:

“Eu sei.”

Os olhos dela foram se enchendo de lágrimas, os dentes soltaram o lábio devagar. Ela se segurou com
muita força, mas o choro acabou escorrendo pelas bochechas dela e a duquesinha tentou engolir um gemido de
tristeza e de dor que era grande demais para passar pela garganta. Caiu de joelhos, com os ombros curvados, o
rosto coberto pelos cabelos.

Pelluria abaixou-se diante dela; disse “Olha... a tua tia transforma pessoas em pedra. Talvez ela saiba um
modo ou possa fazer algo e... e...”
A duquesinha ergueu um pouco o rosto. Abraçou minha tia de repente e deitou o queixo no ombro dela;
apertou as costas de Pelluria e Pelluria pôs os dedos no cabelo da duquesa, segurou-lhe a nuca e a ouviu gemer
baixinho. A duquesinha estava tentando parar de chorar e de sentir dor; tremia e se apertava mais e mais. Por fim
ficou quieta e respirou bem fundo.

Pelluria, hesitando, disse:

“A tua jóia, na verdade...”

“O que tem a minha jóia? Tu deste ela praquele demônio, sua p***.”

“Ó, eu sei que estás machucada e tudo, mas se me chamares de p*** de novo eu vou...”

Nesse momento Alanis, ainda no ombro de Lourdes, gritou para que as outras vissem o que acontecia com
o cardeal de Dravísios: o ventre dele se movia e esticava, era como se algo se contorcesse dentro de suas roupas. E
foi se esticando cada vez mais, até que os panos se rasgaram e um pequeno braço saltou de dentro dele, ou melhor,
da barriga dele, jogando para cima um líquido escuro e pegajoso que era o mesmo tipo de sangue que havia saído
da cabeça quando Lucille a arrancara do cardeal. Outro braço fino subiu, também coberto de sangue preto, e
apenas três dedos tubulares se abriram em cada uma daquelas mãos, que eram tudo que elas tinham, e nas pontas
deles prendiam-se umas presas tortas e negras feito garras de aves de rapina; essas presas estraçalharam o que
restava das roupas e do cardeal e uma criatura estranha e pequena, com o corpo similar ao de uma criança em
estatura, foi se erguendo e deixando o interior daquele ventre destroçado. Outra criatura igual saiu de trás da
primeira, havia dois deles, seus olhos eram bolotas pretas muito grandes e no lugar do nariz tinham pequenos
buracos; no das orelhas não tinham nada.

Pelluria tirou Lucille da bainha e a duquesinha apoiou suas costas em Lourdes, esforçando-se para não cair
sentada. Os dois diabretes abriram suas bocas muito retas e mostraram várias fileiras com dezenas de pequenos
dentes triangulares, e deles veio um gorgolejar que era mistura de rosnado com riso. Livraram-se do que pareciam
tripas do cardeal e avançaram.

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