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Elfa - Volume I

Autor(es): elfman

Sinopse
Aventuras espadas & calcinhas com um grupo de matadoras de monstros e caçadoras de tesouros que inclui uma
elfa, uma fada, uma coelhinha ninja e uma humana com a bunda gordinha.

Notas da história
* Escrito com o objetivo de sacanear todos os clichês de mangás, animes, rpgs e histórias de fantasia que
existem, nada se salva e todo elemento possível de se imaginar nesse tipo de história acaba aparecendo uma hora.

* A princípio pode não parecer, mas é uma história bastante complexa e com dezenas de personagens e elas
passam por algumas aventuras bastante pornográficas de vez em quando, então leia por sua conta e risco.

* Não leia a sério.

(Cap. 11) X - O Combate em Orqushire

Notas do capítulo
Na qual minha tia Pelluria e a duquesinha Mychelle Alanturia de Orqushire, aliadas, enfrentam o exército de
Dravísios.

Parte X - O Combate em Orqushire

“Na qual minha tia Pelluria e a duquesinha Mychelle Alanturia de Orqushire, aliadas, enfrentam o exército
de Dravísios.”

Durante o dia, antes da tempestade cair furiosa sobre o centro de Orqushire, o cardeal de Dravísios
terminou de reunir no templo da vila da Cerejeira Sagrada todo o exército de guerreiros sobrenaturais que
esperava na floresta, e o fez de modo mágico, usando como meio de transporte aquele espelho que fora a capitã
Artemísia obrigada a trazer ao vilarejo: as criaturas entravam numa moldura semelhante, na floresta, e surgiam no
espelho dentro do templo, como se os objetos fossem simples portas ligando uma sala a outra. Havia mais ou
menos cinqüenta dessas criaturas usando armaduras e enquanto iam surgindo um de cada vez, o demônio
transmorfo que assumira a identidade e a forma do grão-duque de Orqushire despedia-se dos ultimos enviados de
outras províncias, pois falava com a voz do grão-duque e em tudo se parecia com ele. Ficaram assim no vilarejo
apenas os que viviam nele e uns poucos soldados de Orqushire, pois muitos do exército do grão-duque haviam
sido assassinados na noite anterior numa armadilha preparada no topo do templo, para onde os atraiu o falso grão-
duque de modo a deixar o lugar desprotegido; foram mortos também o governador do vilarejo e o comandante do
exército, e o verdadeiro grão-duque foi aprisionado pelo cardeal, tudo já conhecido por quem leu os capítulos
anteriores desta tão tenebrosa aventura.

A duquesinha, como vimos, que assim como a maior parte da população do vilarejo nada sabia, continuou
em sua torre na companhia de sua serva pessoal, e o primo da nobre, Dom Mastilhos, havia sido enviado pelo
grão-duque ao castelo de Loirs em busca de ajuda. Mas só chegou lá no fim da tarde e após a chuva começar, e
antes que pudessem enviar soldados, no castelo tiveram que enfrentar uma dezena de guerreiros de Dravísios que
lá secretamente havia entrado por espelho semelhante ao que estava no vilarejo. Tais guerreiros causaram estrago
severo e mataram muitos homens e puseram fogo em diversas casas da cidadela ao redor do castelo, mas foram
derrotados e por sorte a chuva ajudou a conter o incêndio, de modo que o exército de Loirs e Dom Mastilhos e
Laetitia, a mensageira das lâmias que o acompanhava, só saíram de lá depois de terem destruído o espelho e
matado o ultimo dos monges de Dravísios que se refugiava no castelo.

Foi durante a noite que começou o ataque de Dravísios ao vilarejo; os guerreiros de armadura deixaram o
templo onde se escondiam e invadiram casas, derrubaram paredes, puseram fogo e mataram e destruíram tudo o
que viram pela frente; derrubaram os portões das torres e invadiram, como já foi relatado, a da duquesinha. E dois
deles chegaram no topo da construção, onde estavam a duquesinha e Pelluria se enfrentando, e lá mataram muitas
das vigias que protegiam a nobre.

Mas Mychelle Alanturia era mais corajosa ou mais louca do que minha tia poderia supor e, com o peito
descoberto, empunhando um florete leve e fino que manejava com destreza, decidiu ela própria enfrentar os
invasores. Para isso pediu uma trégua à Pelluria e também a ajuda dela.

A duquesinha, então, deixou para trás sua serva e, acompanhada por umas vigias que se inspiraram em sua
coragem, foi lutar com o guerreiro de armadura que estava mais próximo e que já havia matado diversas daquelas
soldadas que a protegiam. Saltava e desviava dos ataques rápidos dele e a ponta do florete batia contra a armadura
sempre buscando sem sucesso por um local vulnerável. Logo o sangue de mais uma das vigias atravessada pelo
braço-lâmina do invasor esparramou-se pelos seios e pelo peito todo da duquesa e furiosa ela tornou-se
descuidada. Era mais louca do que corajosa, minha tia decidiu, pois aproximava-se muito do guerreiro e agora
batia nele com o cabo da espada, e seus dedos, fechados, se cortavam e arrebentavam no metal da armadura contra
a qual investiam.

Depois de livrar-se do corpo da menina morta, a lâmina do inimigo voou acima dos cabelos da
duquesinha, porque ela se jogou no chão a tempo de evitar ser atingida; e mais sangue de outra vigia jorrou. Todas
estavam morrendo! Logo minha tia notou que seria a única sobrevivente ali.

Neste ponto a Duquesinha viu as costas do oponente voltadas para si e saltou na direção delas; montou ali
e subiu, pôs seus braços em volta da cabeça dele e lutou para manter-se presa, pois dessa forma, mesmo que os
metais enferrujados do elmo e da armadura lhe machucassem o corpo, o braço com a lâmina não tinha como
atingi-la. E ela tinha os dentes trincados e fúria em seu rosto e em todo seu corpo que nunca havia parecido mais
do que frágil e claro e delicado para as vigias. Mas agora elas gritavam admiradas para que a senhora tivesse
cuidado e tentavam imitar a coragem dela e a serva Lourdes Maria, encolhida perto da parede, chorava assustada,
a fadinha Alanis mantendo-se no ar pouco acima dela.

O segundo guerreiro de armadura jogou para longe as meninas que enfrentava; Pelluria estava atrás delas,
observando com cuidado em busca de um momento propício para atacar e também combatendo a vontade de fugir
e ir embora dali, pois já tinha o que havia vindo buscar e, como sabemos, não gostava nem um pouco da
duquesinha. Estava desagradavelmente nua, também, da cintura para baixo, apesar da camisa ser comprida o
bastante para cobrir-lhe o íntimo.
O segundo soldado de armadura voltou-se para seu companheiro: este girava em movimentos rápidos
tentando desprender de si a duquesinha e as pernas dela, cobertas por uma saia preta já bem rasgada, voavam de
um lado para o outro e batiam na parede, mas Mychelle Alanturia não se soltava. O segundo guerreiro levantou o
braço, ia atacar a duquesinha para livrar o outro; a lâmina foi veloz na direção das costas dela.

Mas Lucille, a espada pesada de Pelluria, caiu sobre o braço do guerreiro e ouviu-se um estrondo de metal
contra metal: a elfa atacou com toda força; a armadura que cobria o braço do inimigo e que tinha em sua ponta
lâmina desgastada e coberta de sangue e de coisas piores estava amassada e o braço fora jogado para o lado como
se tivesse se quebrado. Pelluria levantou de novo sua espada e desceu-a contra a cabeça do inimigo e só alcançou
o topo dela porque pulou. Ouviu-se outro estrondo ainda maior que o primeiro e Pelluria não quis nem respirar,
acertou de novo o elmo do oponente e de novo e na quarta vez o guerreiro caiu para trás, um grande monte de
ferro despencando e batendo na pedra do chão, seu elmo estava todo retorcido. Pelluria aproximou-se e meteu a
ponta de Lucille no espaço entre o elmo e o restante da armadura, no pescoço do guerreiro, e sentiu o que quer que
houvesse ali dentro ceder facilmente sob o fio da espada, que enfiou ali apoiando-se toda sobre a empunhadura.

E enquanto a elfa lutava dessa forma, a duquesinha batia com o cabo do florete no elmo do guerreiro em
que estava pendurada. Mas o florete, ao contrário da espada de Pelluria, não era nada pesado e o inimigo nada
sentia; bateu-se ele contra a parede, de costas, para tentar de alguma forma acertar a duquesinha. Prensou-a na
pedra com violência e um grito abafado morreu nos lábios dela, e ao mesmo tempo o braço-lâmina partiu o metal
da espada curta da vigia Nagnólia, que tinha se aproximado dele. A menina arremessou o que havia sobrado da
espada contra o elmo do guerreiro e fugiu para longe em busca de outra arma, e a Duquesinha apoiou os saltos da
botinas na parede e empurrou com muita força, jogou todo o peso que tinha contra as costas da armadura e o
inimigo se desequilibrou; ele tombou para frente e a duquesinha caiu junto, ainda sobre as costas da armadura.

Logo que a duquesinha pôs-se de joelhos para se erguer, viu descer diante de si a lâmina da espada de
Pelluria, que meteu-se no pescoço do guerreiro caído arrancando faíscas do espaço entre o elmo e o restante da
armadura, perfurando metal e o que havia dentro. A duquesa ficou ajoelhada sobre ele, segurando-se na armadura,
e Pelluria manteve a espada ali até que as duas tivessem certeza de que a coisa não mais levantaria.

Quando viram que seria assim, a duquesinha pôs-se de pé e a serva Lourdes Maria veio correndo para o
lado dela e a abraçou e disse coisas perto do ouvido dela. A duquesinha, ofegante, deitou seu rosto no de Lourdes
e a menina, assustada, percorreu todo o peito da senhora com os olhos; a maior parte do sangue ali não era da
duquesinha, mas ela estava arranhada e machucada.

Pelluria desprendeu o pedaço de pano atado em seu ombro, que cobria o ferimento feito pelo guerreiro que
enfrentara na floresta, e soltou-o sobre a armadura do que estava caído diante dela. Voltou-se para a duquesinha e
Lourdes Maria e a fada veio voando para perto delas, e também se aproximaram todas as vigias que ainda estavam
vivas, que eram apenas três. Nagnólia era uma delas, Pelluria viu, e isto alegrou-a um pouco.

“Podes ficar com a tua espada, camponesa,” a duquesinha disse, ainda respirando depressa.

“Então não desejas mais me enfrentar?” Pelluria perguntou; tinha Lucille diante de si, a ponta dela apoiada
no chão, de forma que a lâmina não deixava que as outras vissem sua pube nua. É verdade que tinha também as
costas perto da parede, para onde, pelo mesmo motivo, mantinha a traseira virada.

“Já há sangue demais aqui,” disse a duquesinha, com razão; e não me agradaria descrever o horror ao
redor delas. Só na espada de Pelluria é que não havia, pois aquelas coisas de armadura não pareciam ter sangue.

A duquesinha arrancou o elmo de um dos guerreiros, o daquele que ela mesma enfrentara, porque o do
outro estava amassado demais, e o rosto que se revelou era de cadáver ressequido, exatamente como o daquele
com que Pelluria lutara na floresta. Os olhos eram totalmente brancos.

“Parece que eles só param se cortamos suas cabeças,” Pelluria disse. A fada veio sentar-se no ombro dela e
falou: “É um morto-vivo! É obra de magia negra!”

“Eu quero saber o que está acontecendo,” a duquesinha falou enquanto se levantava e afastava do morto.
“O que sabes sobre os monges de Dravísios e esses guerreiros?”

Então Pelluria contou muito brevemente à duquesinha tudo o que sabia e pelas janelas elas viram fogo
consumindo casas em vários pontos diferentes do vilarejo. De vez em quando podiam distinguir vultos lutando em
meio à tempestade e podiam ouvir gritos em meio aos trovões e ao ruído do vento.

“Temos que ajudar meu pai,” a duquesinha disse depois para Pelluria. “Tu lutas bem, não és uma ladra
qualquer. Ajuda-me e eu perdôo tuas ofensas e te recompenso com 200.000 guinéis.”

Mas Pelluria respondeu, porque não acreditava que a duquesa dispusesse realmente daquela quantidade de
guinéis ou, ao menos, da vontade de recompensá-la:

“Olha, vamos só sair daqui, tá bom? Se o destino quiser, continuaremos juntas no caminho.” E depois de
olhar para baixo, disse: “Hã... podes emprestar-me uma roupa para eu vestir?”

“Claro. Já roubaste minhas meias e calcinhas alguns dias atrás, uma saia a mais não fará diferença.”

Foram até o quarto da duquesinha, que deu para Pelluria uma saia branca e também um cinto para prendê-
la para que não caísse. E enquanto Pelluria se vestia apoiada na cômoda, a duquesinha olhou para aquela argolinha
no íntimo dela e, tentando sorrir, perguntou:

“O que é isso? Um brinquinho?”

Pelluria nada disse e depois, sentindo-se um pouco mais digna por estar coberta, recuperou a bainha de
Lucille que tinha deixado na sala da banheira. Prendeu-a na cintura, onde guardou a espada.

Depois de dar uma secada nos seios para tirar um pouco do sangue e para cobri-los, a duquesinha vestiu
uma camisa de seda preta bastante larga que ia até a saia; enrolou os dedos da mão direita num lenço, porque
estavam todos machucados, prendeu o florete na cintura e puxou Pelluria pelo ombro antes que ela pudesse deixar
o quarto.

“Tu foste ao Reino Subterrâneo e encontraste as lâmias, pelo que disseste,” falou a duquesinha, olhando
para a outra bem de cima, que era onde colocavam-na seus saltos. “Tu pegaste a minha jóia? A esmeralda?”

A fadinha cutucou o ombro da elfa com a mini-botina. Pelluria esperou um pouco e respondeu, enquanto
se avermelhava o seu rosto:

“A jóia está com a tua tia.”

“Com a minha tia?”

“Sim, a rainha das lâmias. E foi essa fadinha sem vergonha que levou a esmeralda para o Mundo
Subterrâneo,” Pelluria disse, mostrando Alanis, que agora estava guardada dentro de seu bolso como um objeto,
apesar de ter as mãos e a cabeça para fora.

Ao voltar à sala octogonal, a duquesinha encontrou Lourdes Maria segurando uma capa feita de pele de
raposa. A serva, que também tinha posto um vestido para não ficar nua, prendeu a capa nas costas da duquesinha,
ia quase até a cintura dela, e falou baixinho para ela coisas que Pelluria não pôde ouvir.

E Pelluria, por incrível que pareça, ficou bastante impressionada com a mudança de aparência que davam
as roupas à nobre, tornando-a bastante respeitável quando comparadas aquele vestido que ela usava quando se
tinham visto pela primeira vez e principalmente quando se lembrava da outra nua, com a traseira fofinha a saltitar
e sacudir a cada golpe.

A duquesinha juntou duas espadas curtas das vigias mortas, manteve o florete na cintura. “A minha é
menos eficaz contra este tipo de inimigo,” disse e pôs as duas numa única mão, para com a outra segurar a de
Lourdes Maria. “Fica atrás de mim, meu amor,” sussurrou para a serva, “eu te protejo.”

As três vigias que restavam já tinham as suas espadas desembainhadas (Nagnólia tinha pego uma nova) e
foram na frente; entraram no corredor que levava para as escadarias e Pelluria e a duquesinha e Lourdes Maria
seguiram atrás delas. Sobre o tapete havia outras vigias mortas e nas paredes havia sangue, Pelluria não quis olhar
para nada disso.

“Espero que a coelhinha Meloine tenha conseguido fugir do vilarejo” a fada falou para minha tia.
Passaram sob o arco onde se iniciavam as escadas; foi então que ouviram um barulho e pararam, pois as
tochas das escadas estavam todas apagadas e nada podia-se ver adiante. O barulho era um som de metal batendo
contra pedra, repetia-se de tempos em tempos sempre com o mesmo intervalo entre uma batida e outra e sempre
deixando eco; e o som ia ficando mais intenso. Nagnólia retornou à sala octogonal em busca de uma tocha e outra
das vigias ofereceu-se para ir na frente para ver o que havia lá, e assim avançou e logo desapareceu na escuridão.

Quando Nagnólia vinha voltando com a tocha, as que estavam no topo da escadaria ouviram o grito da
vigia que tinha descido e um outro som diferente e rápido que não puderam identificar. Em seguida as batidas
ritmadas reiniciaram e todas chamaram a vigia, mas ela já não respondia mais.

As cinco mulheres (seis, se contarmas a fadinha no bolso de minha tia) recuaram uns degraus. O som
continuava subindo diante deles, chegando mais perto.

Pelluria pegou a tocha e passou a mantê-la diante de si e elas desceram mais novamente uns degraus, não
muitos, em direção ao som. Logo surgiu uns degraus abaixo delas um novo guerreiro de armadura; movia-se
lentamente e os sons de seus passos eram as batidas que ouviam. Quando ele percebeu ou sentiu a luz da tocha,
porque não se pode saber se tal criatura possuía visão, estendeu na direção dela a lâmina que tinha no lugar da
mão direita.

Elas voltaram a subir, o guerreiro de armadura continuou avançando no mesmo passo.

“Sobe com dificuldade,” Pelluria disse, subindo de costas.

“Não tem equilíbrio,” falou a duquesinha. “Vamos aproveitar.”

Soltou então a mão de Lourdes Maria a muito custo, porque a serva não queria deixar que ela se
arriscasse, e segurando uma espada curta em cada mão, correu na direção do guerreiro. E minha tia não soube
dizer se ela não tropeçou com aqueles saltos por sorte ou por habilidade ou pelo costume de usá-los; a duquesinha
enfiou um deles e toda a bota no peito da armadura do inimigo e ouviu-se um estrondo: ele caiu para trás e
despencou por diversos degraus fazendo som que lembrava umas panelas batendo e antes que terminasse sua
queda, Pelluria veio com a tocha e com Lucille.

Aproximaram-se as duas da armadura caída e, do mais longe que pôde, Pelluria enfiou a espada no
pescoço do guerreiro, o espaço ali estava ainda mais exposto que nos inimigos anteriores, pois a queda havia
quase arrancado o elmo. Vieram as outras e passaram cuidadosas pela armadura; Lourdes Maria, indo para o lado
da Duquesinha, meteu suas mãos sob a capa dela e abraçou-lhe a cintura.

“Não devias te arriscar assim, minha senhora,” disse Lourdes Maria e as outras vigias disseram que ela
tinha razão e quiseram ir na frente.

Desceram pela escadaria, passaram por diversas portas, umas fechadas e outras destruídas, mas não se
aproximaram delas, pois pretendiam descer e sair da torre. Lá fora seria mais fácil fugir daquelas criaturas pesadas
e de movimentos lentos. Pelluria e a fada queriam ir embora do vilarejo, a duquesinha queria encontrar seu pai e
seu primo, porque nada sabia do destino de nenhum deles. E de vez em quando Pelluria pensava na esmeralda e
sentia um pouco de culpa por ter mentido a respeito dela, porque agora, depois de tudo o que acontecera, achava
que talvez já estivessem vingadas as chibatadas que tomara por culpa da duquesa, e a coragem da nobre a
impressionara, bem como a ferocidade com que lutava; mas tais pensamentos não persistiam muito, eram
afastados pelas lembranças dos perigos que Pelluria tivera que enfrentar ela própria para pegar a jóia; no mais,
seria tolice sair duma aventura tão perigosa sem alguns tesouros.

—***-

Elmyra, a felina da Turísia, estava toda enrolada num cobertor pesado e comprido e estava amontoada
sobre o colchão do andar inferior de um beliche; muitos outros cobertores e lençóis se esparramavam ao redor
dela, e entre as costas dela e a parede de madeira havia um travesseiro.

Estava tudo escuro e úmido, a única luz vinha de uma lamparina pendurada na parede oposta, diante do
beliche, mas era fraca e sacudia bastante, e a madeira no chão e no teto e em todos os lados rangia. E no espaço
muito estreito entre o beliche e a parede estava uma mesa de madeira apodrecida e descascada.

Um saco de ouro que continha algumas das moedas que Elmyra estivera contando repousava apoiado num
baú aberto em um canto e mais umas moedas estavam soltas na mesa. Sob o cobertor, a felina estava nua, pois
suas roupas – a sunga e as tiras de pano que serviam para cobrir o peito – estavam penduradas numa corda atada
entre a cama de cima do beliche e uma das paredes; ela usava uma coleira, porém, uma fina tira de couro que
envolvia seu pescoço e se fechava atrás dele, e na frente da coleira fixava-se uma letra moldada em metal
prateado, que era a inicial da princesa de Darinária, que se não me engano se chamava Mirabella.

Elmyra ouvia, entre os rangidos da madeira, o som da tempestade; ergueu e descobriu o rosto – pois tinha
toda a cabeça coberta – quando notou a porta se abrindo: a elfa sombria entrou e sentou-se num banquinho diante
da mesa, com os cabelos brancos molhados. Desprendeu sua capa e deixou que caísse ao redor de si, por onde
também se espalhou água; era musculosa e de coxas largas, suas nádegas de aparência dura, achatadas contra o
banquinho, estavam praticamente nuas e pareciam mais quadradas que redondas, exceto atrás, lembrou-se Elmyra,
quando a elfa ficava de pé; a pouca luz da lamparina refletia-se nos cumes delas e era como se brilhassem, porque
eram muito lisas e lustrosas, pareciam duas bolotas feitas de pedra bem polida. Uma veste esquisita feita com uma
mão de esqueleto cobria o íntimo da elfa, três dedos fixavam-se nos pêlos curtos dela, na frente, tapavam debaixo
deles, e um quarto, que parecia um polegar, partia para o lado oposto dos outros, para trás, e desaparecia entre as
metades da traseira, metia-se entre elas de uma maneira que só podia ser visto se se olhasse para a elfa de costas e
se ela estivesse abaixada ou sentada ou de um outro modo que lhe deixasse com as nádegas apartadas; e quando
ela ficava assim aquele dedo de osso tapava-lhe a abertura que sem ele se mostraria. Não se pode dizer como
prendia-se toda aquela mão de esqueleto no corpo cinzento da elfa; talvez pela pressão que faziam os dedos da
frente contra o de trás, e apenas pela qualidade exótica da vestimenta a descrevo tão detalhadamente. Elfas negras
não são comuns neste continente nem nos dias de hoje, naquela época eram ainda mais raras, ainda mais com esta
aparência de bárbara. Um corpete preto, dum pano grosso, cobria o peito e erguia os seios da elfa, umas pedrinhas
de vidro colorido, amarelas, engastadas entre eles e debaixo deles.

Elmyra miou e olhou para a elfa, que tinha apoiado os cotovelos na mesa, para ver o que queria. “Eu disse
que uma tempestade se aproximava,” a elfa falou. “Se tivéssemos partido, nossa viagem teria sido arriscada
demais, a tempestade nos pegaria em alto mar e, com nossa pequena tripulação, talvez nem chegássemos em tua
terra.”

“Oh, não digas essas coisas, que me deixas nervosa,” respondeu Elmyra. Tinha uma mão metida entre as
pernas, e também a cauda. “O dia foi tão quente, achei que tivesses te enganado. Mas vejo que conheces mesmo
os céus, agora tudo mudou e eu estou com frio. Está ventando tanto, posso sentir o navio balançando, detesto
tempestades!”

A elfa empurrou para longe de si um pequeno prato com um resto de leite.

“E detestas também o mar, não é? Não há problema enquanto estivermos ancoradas,” ela disse, “não
precisas te assustar. Eu gostaria que houvesse algo para beber aqui, além de leite e água.”

“Eu ficaria mais segura se estivesses deitada aqui comigo,” Elmyra disse e sorriu. Afastou o cobertor e,
assim descobrindo o peito, deixou aparecerem seus seios, que eram quatro saliências bem redondas e de cor pouco
menos escura que a da pele da elfa; cada uma das esferas tinha um pequeno montinho marrom no centro e cada
um deles parecia ter sido puxado para cima pela ponta, pois dobravam-se todos nessa direção. E por não serem
muito grandes, não caíam os dois seios de cima nos de baixo e mantinham-se bem afastados deles. “Podias me
aquecer um pouco, és tão forte e grande.”

A elfa não respondeu, mas voltou os cantos dos olhos para a cama, e estavam os dois bem apertados; viu
Elmyra passar a ponta de um dos dedos pelo nariz.

“Aposto que o leite fica mais saboroso se eu o beber da tua pele,” Elmyra disse.

A elfa então falou “Se continuares sugerindo tolices, vou acabar te machucando.”
Uma das garras de Elmyra saltou da ponta do dedo, foi apoiar-se sobre a coleira que ela usava. “Também
sei machucar,” ela disse. “Há tantos lugares onde poderia deixar uns belos arranhões em teu corpo. No teu
bumbum, por exemplo; é tão gracioso e duro.”

A elfa recolheu a capa e enrolou-a na cintura, cobriu as coxas. Parou de olhar para Elmyra e perguntou
para ela:

“Tua senhora sabe que és assim, felina? Por que não vais até os ciclopes em busca do que queres? Ou será
que eles não têm aquilo de que gostas e neste navio apenas eu tenho?”

“Oh. Eles não têm,” Elmyra disse e voltou a enrolar-se toda no cobertor. “São eunucos! Não fosse isso, eu
não estaria dizendo essas coisas para ti.” Encolheu-se escondida na cama, apenas os olhos e a cauda saíam de
baixo do cobertor. “Também não precisas ficar irritada, eu não quis dizer machucar com maldade. Rrr. Uns
arranhões de carinho, tu sabes. Eu devia é ter aproveitado ontem à noite, quando estive com o sobrinho do grão-
duque de Orqushire. Estive montada em cima dele, sabe? Pude sentir o pinto dele aqui entre minhas pernas,
pertinho de mim; e aposto que estava duro, pois ele não tirava os olhos de meu peito. Mmm, sim, eu o teria pego
dentro das calças e estaria bem quentinho e grande, e eu o massagearia assim e teria que pegá-lo com as duas
mãos, porque não caberia numa só, ouvi dizer que é muito grande, e ele arrancaria minha roupa toda, me poria no
colo e meteria todo aqui dentro, não iria mais parar e me faria gemer tanto que eu nem me importaria em chamar a
atenção dos guardas; de fato eles viriam, e me veriam ali montada nele, com ele todo dentro de mim, arregaçando-
me, e um deles viria por trás, porque eu estaria com o rabinho arrebitado assim, e desavisadamente pegaria-me
pela cauda e me penetraria aqui no bumbum mesmo, ui, e me faria gritar de dor, eu sentiria os dois dentro de mim,
rasgando-me toda, e o outro viria pela frente e enfiaria o dele fundo na minha boca, me pegaria pelos cabelos,
faria eu me afogar com seu leite e nesse momento viriam mais três vigias e eles estariam todos pelados e bateriam
nas minhas costas com seus... mmm.”

Elmyra miou e procurou pela elfa sombria; mas ela já havia partido, depois de olhar com desgosto para o
amontoado que era a felina enrolada nos cobertores; então ela riu.

—***-

Quando chegaram naquele corredor no meio da torre que conectava as duas escadarias principais, Pelluria
e a duquesinha e as servas que as acompanhavam encontraram um novo guerreiro de armadura; estava parado bem
no centro do corredor e era diferente dos outros: era pouco mais alto e tinha duas lâminas ao invés de uma só, cada
uma num braço.

Aqui as tochas nas paredes estavam acesas, mas não havia brilho no metal enferrujado da armadura,
apenas manchas e ferro retorcido e descascado. Pelluria e a duquesinha ergueram suas espadas, a serva Lourdes
Maria pediu chorando que sua senhora não lutasse e a fada Alanis saiu do bolso de minha tia para ficar longe do
perigo. O inimigo ocupava quase toda largura do corredor, não havia como passar por ele sem o enfrentar.

Pelluria estava assustada, não gostava da freqüência com que vinha tendo que combater inimigos
monstruosos, e via no rosto da duquesinha a ânsia dela para atacar logo e acabar com aquilo de qualquer maneira;
apesar de boa lutadora, a duquesa parecia daquelas descuidadas que já tinha visto morrer no exército de Teilane-
Soreaya. Foram se aproximando e a poucos passos da armadura, de repente saltou para um dos lados o elmo do
inimigo, com a cabeça e tudo, como se tivesse sido cortado do resto da armadura ou como se algo explodisse
dentro dela, e bateu forte contra a parede, tudo isso em silêncio e muito rápido, e de forma tão inesperada que a
duquesinha e Pelluria gritaram juntas. Atrás delas, a fada e as servas gritaram também, como não poderia deixar
de ser. Em seguida notaram a armadura tombando e recuaram para não ser atingidas por ela; e quando por fim o
inimigo caiu, nas costas dele viram ajoelhada a coelha Meloine, segurando-se ali com uma das mãos; com a outra,
terminava de guardar sua própria espada na bainha que trazia atrás de si.

“Finalmente te encontrei,” Meloine disse depois que Pelluria se juntou a ela. “Já matei uns 500 desses.”
“500?”

“É, mais ou menos. Não são páreo para minha técnica ninja.”

As outras, à exceção da fada, olhavam Meloine um pouco espantadas, porque apesar de a terem visto na
ocasião em que caíra nua do topo da Cerejeira Sagrada, não estavam acostumadas com sua aparência e com suas
roupas, e estranhavam suas orelhas de coelho, a cauda felpuda e também as enormes bolotas que eram os seios
estufados diante do peito dela. Ela estava com os cabelos e roupas bem molhados e Pelluria explicou às demais
que Meloine era sua aliada. E também contou à Meloine a maioria das coisas que tinham acontecido desde que
haviam se separado, exceto, é claro, o fato de ter violado o fiofó de nossa duquesa com um falo de marfim, bem
como de mesmo modo ninguém mencionou o incidente da árvore sagrada apesar disso ter passado pela cabeça de
todas, principalmente pela da duquesinha, que ainda tinha bem vívida a imagem da traseira da coelhinha entrando
e saindo das folhas no topo da cerejeira.

Prosseguiram então pela escadaria, andando com cautela, e enquanto desciam Pelluria, que estava com
Meloine uns passos atrás das outras, disse à coelha que pensava que ela já tinha fugido do vilarejo desde o início
daquela invasão de soldados de armadura.

“Não pretendo fugir enquanto não cumprires tua promessa,” Meloine respondeu. “Ou já esqueceste dela?
Afinal tua espada já recuperaste.”

“Oh. Vou te ajudar a recuperar a aguamarinha, já disse,” Pelluria falou em voz baixa para que as outras
não escutassem.

Nagnólia e a outra vigia iam na frente com a tocha e no centro iam abraçadas Lourdes Maria e a
duquesinha, e a fada voava acima delas. A duquesinha, nervosa, mandou que se apressassem um pouco; Lourdes
acariciou a cintura dela.

“E quanto à esmeralda?” Meloine perguntou, também em voz baixa, para minha tia. “Tu devolveste
paðAi!” A coelha nem pôde terminar de falar, porque Pelluria segurou a cauda dela e torceu. “Ficaste louca, é?
Isso dói!” E dessa forma Meloine soube que Pelluria ainda tinha a jóia da duquesinha.

Por fim chegaram no andar inferior da torre. Os portões estavam escancarados, tochas estavam jogadas
pela pedra do chão junto com sangue e soldadas mortas e horror, partes delas grudadas nas paredes, e a chuva
ainda caía forte. Podiam ver que estava tudo brilhando lá fora em meio às nuvens feitas pela água, pois havia
chamas por todos lados e os telhados da maioria das casas à frente da torre pegavam fogo, e a própria Cerejeira
Sagrada estava sendo consumida.

“E então, achas que o vilarejo está sendo destruído como castigo por teres mijado na Cerejeira Sagrada?”
Meloine perguntou para minha tia.

“Engraçadinha. Acho que os deuses se desagradaram mais com o fato de teres f***** os galhos da
árvore.”

A duquesinha, que estava na frente delas e não lhes dava ouvidos, segurou uma espada curta com cada
mão e correu para fora, mas parou assim que suas botas afundaram no lodo; então soltou os braços aos lados do
corpo e havia espanto em seu rosto.

As outras correram para junto da duquesa e pararam também; sete homens montados em cavalos cercavam
a entrada da torre. Seis estavam trajados nos hábitos dos monges de Dravísios, seus capuzes levantados, e
enquanto dois seguravam archotes acesos, outros quatro apontavam arcos com flechas de madeira para as
mulheres; o cavaleiro restante, segurando uma espada longa, era o grão-duque. E mais para trás desses havia pelo
menos dez guerreiros de armadura alinhados, todos estáticos, obviamente a pé, pois não vejo como poderiam subir
em cavalos com aquelas armaduras e com seus movimentos desajeitados. Além deles pouco se via, mas às vezes
se escutava som de luta à distância e paredes desabando, e as chamas que envolviam a cerejeira rugiam furiosas
com o vento, o fogo lutando contra a chuva.

“Papai?” sussurrou a duquesinha enquanto o grão-duque descia do cavalo; e ela parecia ignorar os arcos
dos outros e também o fato do grão-duque estar segurando a espada com a mão direita, porque como ela própria,
costumava segurar a arma com a esquerda.
Lourdes Maria abraçou-se às costas da duquesinha; sentia, como todas outras, que estavam em perigo.
Então o grão-duque estendeu o braço e chamou a duquesinha. Meloine, ao lado de Pelluria, pôs devagar a mão na
gola de sua malha, e depois dentro dela, e de lá tirou três pontas de metal afiadas, segurava uma entre cada dedo,
eram triangulares.

A duquesinha estava relutante, olhava ao redor e não sabia o que dizer ou fazer, não entendia nada.

“É uma armadilha!” Lourdes Maria gritou e colocou-se na frente da duquesa. Imediatamente uma flecha
voou e cravou-se no ombro esquerdo da serva, ela gritou de dor e bateu as costas em Mychelle. A duquesinha
gritou ainda mais alto, como se fosse no coração dela que a seta tivesse se enfiado; deixou cair as espadas,
abraçou Lourdes Maria e virou-a para a entrada da torre para protegê-la, e fazendo isso deu as costas aos
cavaleiros e ao falso grão-duque.

Outras flechas voaram e ao mesmo tempo Meloine ergueu o braço, as pontas de metal não estavam mais
entre seus dedos, que ela tinha abertos. A flecha disparada por um dos monges acertou a duquesinha abaixo da
capa, numa das nádegas, a esquerda; a duquesinha sentiu a perna fraquejar e abafou um grito entre os dentes
apertados, seu joelho dobrou. Voltou o rosto e viu dois monges caindo, atingidos pelas setas de Meloine bem nas
testas: um foi para o chão e o outro ficou pendurado sobre o cavalo. Em seguida, um terceiro caiu para trás,
segurando o peito.

“A duquesa deve ser capturada com vida,” gritou o grão-duque numa voz que a duquesinha não
reconhecia. Hesitante, ela tentava virar-se e tocar a própria nádega dolorida, a dor quase derrubando-a cada vez
que esticava a perna. “O que foste fazer?” disse a Lourdes Maria. “Fica atrás de mim, tola, tu estás ferida!”

Logo que terminou de falar, a duquesinha sentiu um aperto no pescoço; algo enrolou-se nele e puxou-a
para trás de forma sufocante, parecia uma mão, mas era pegajosa. Era o braço do grão-duque, mas estava esticado
de maneira impossível e onde antes havia a mão agora estava um único tentáculo fazendo a volta no pescoço da
duquesa como uma corda banhada nalgum tipo de óleo. Pelluria e Meloine e uma das vigias correram na direção
dele para atacá-lo e uns monges vieram defendê-lo; a espada do grão-duque enfiou-se no abdome da vigia, saiu do
outro lado, Pelluria desviou o archote de um dos monges e num movimento rápido a espada de Meloine
atravessou o pescoço daquele monstro que tinha a forma do grão-duque. A cabeça dele girou no ar e caiu e do
pescoço saltou um líquido viscoso e transparente que não era sangue; o corpo dele curvou-se para frente puxando
o tentáculo que prendia a duquesa, fez com que ela se ajoelhasse sem conseguir respirar, expressão agoniada no
rosto, não sei se pela coisa no pescoço ou pela dor da flecha cravada bem ali na traseira. Lourdes Maria
desembainhou o florete da cintura da senhora e, segurando-o com as duas mãos, furou o tentáculo e puxou e
cortou até que ele perdesse a força e a duquesinha conseguisse desgrudá-lo de si.

Mychelle ergueu-se apoiada em Lourdes Maria e Pelluria puxou-a para cima por um dos braços. Neste
ponto, enquanto os monges restantes recarregavam seus arcos, veio se aproximando um grupo de soldados de
Orqushire que começou a combater os guerreiros de armadura. Meloine olhou para baixo e viu movimentos
dentro das roupas do monstro que era o grão duque; a carne sacudia e as roupas subiam e desciam como que
pulsando preenchidas por vários corações. Revoltada com aqueles movimentos repulsivos e sobrenaturais,
Meloine enfiou sua espada ali e estocou uma quantas vezes antes de juntar-se às outras.

“Podes correr?” Pelluria perguntou à duquesinha.

“Claro,” ela mentiu. “Vamos sair daqui, vamos para a mansão do governador!” apontou com o florete que
a serva tinha lhe devolvido.

Partiram então pelo lado que havia ficado desprotegido enquanto os soldados enfrentavam os guerreiros de
Dravísios; Meloine derrubou do cavalou outro monge que vinha atrás delas enquanto corriam e arrastou-o por
quase cinco metros antes de soltá-lo com um corte no peito. “Espera,” ouviu a fadinha gritando atrás dela. “Me
ajuda! Me ajuda!”

Com um movimento rápido, Meloine guardou a espada nas costas; depois pegou a fada, puxou sua malha
preta e enfiou a pequena para dentro dela, meteu-a no espaço entre os seios, donde já removou outros dardos.
Quando olhou para trás quase parou espantada; viu um vulto erguer-se contra o fogo no lugar onde estava caído o
monstro que tinha a forma do grão-duque, mas não era um vulto humano, parecia um monte de roupas de onde
saíam diversos tentáculos para combater os soldados de Orqushire, movendo-se sem parar e de forma grotesca.
Vinda não se pode saber de onde, uma flecha voou ao lado de Meloine; ela ouviu a duquesinha gritar, a
nobre corria com dificuldade poucos passos à frente da coelha, guiando as outras, arrastada pela serva, e agora
uma flecha longa estava atravessada no braço direito dela, acima do cotovelo.

“Covardes!” a duquesinha gritou e cambaleou e se deteve. “Enfrentai-me de frente!” apontou para trás o
florete.

E veio outra flecha, mas dessa vez pelo outro lado de Meloine. A gurda do florete da duquesinha bateu de
cima para baixo no corpo da flecha, que caiu partida aos seus pés. Pelluria pegou a duquesa pela cintura, puxou-a,
pois não lhe parecia boa idéia ficar parada servindo de alvo, e continuaram correndo, a nobre com dificuldade,
como não poderia deixar de ser. Um monte de sangue escorria do braço dela e, atrás, a saia só não estava
manchada porque era preta.

Fizeram a volta na torre, não tendes ideia do quanto é demorado e difícil correr de noite em chuva cerrada
com aquela, com o ar cheio de fumaça e o chão encharcado, e entraram numa rua escura atrás da torre. Estava
tudo deserto e ainda mais escuro diante da mansão do governador. Contudo, a porta estava aberta. A duquesinha
não disse para as outras, mas as havia conduzido até lá porque era onde tinha esperança de encontrar seu
verdadeiro pai e seu primo.

Nagnólia entrou na frente; depois as demais seguiram-na pelo salão escuro que havia além da porta.
Estava abandonada, a casa, mas os relâmpagos deixavam ver inúmeros homens mortos no chão, e os pés delas
batiam neles e elas pisavam em sangue e em móveis e objetos derrubados e coisas piores.

As seis esconderam-se num quarto espaçoso no fundo da casa, no primeiro andar, onde havia uma cama e
um armário e também uma grande janela por onde poderiam fugir para a rua caso isso fosse necessário. Logo se
acostumaram com a penumbra.

“Está tudo vazio,” disse Meloine. “Eles já passaram por aqui. O que vamos fazer?”

“Vamos esperar para ver se não vem atrás de nós,” respondeu Pelluria.

“Meu amor,” a duquesinha dizia para Lourdes Maria e segurou-a com o braço que não estava ferido. As
duas estavam chorando, embora a duquesinha tentasse conter suas lágrimas; ela beijou o rosto de Lourdes, e os
lábios, e a essa altura Meloine foi a única que estranhou aquilo. “Meu amor, fiquei tão preocupada. Por que foste
para minha frente? Está doendo?”

A duquesinha destapou o ombro ferido da serva e tocou-o com cuidado. Mas Pelluria perguntou para ela:

“E tu? Teu braço...”

“É só um arranhão,” a duquesinha disse como se não tivesse uma flecha atravessada nele e sacudiu a
cabeça jogando para trás de si os cabelos que cobriam uma de suas bochechas.

A única vigia restante, Nagnólia, acendeu uma vela que tinha encontrado num canto. Olhou ao redor, o
lugar não parecia ter sido palco de combate como o restante da casa. Pelluria disse-lhe para não ficar perto da
janela, para não atrair a atenção de ninguém com a luz.

“Um arranhão?” Meloine se aproximou e a duquesinha, um pouco relutante, deixou que a coelha
examinasse seu braço. A ponta da flecha, que tinha saído pelo lado da frente dele, era de metal. Meloine
reconheceu-a e lembrou-se com raiva de Rouge, mas não disse nada. Será que a flecha era mesmo para a
duquesinha ou era para ela? A assassina tinha dito que...

“Por favor, cuida da minha serva primeiro,” a duquesinha pediu. Meloine então foi ver o ferimento de
Lourdes Maria e pediu que Nagnólia trouxesse água, o que ela fez juntando pela janela com seu elmo um pouco
da água da chuva que já caía mais fraca.

“Agora isso não deve doer muito,” Meloine disse e mexeu no ferimento de Lourdes por vários segundos,
apesar de ninguém poder ver o que ela estava fazendo, e nem ela mesma, pois usava naquele momento mais os
dedos do que os olhos. E por fim a menina gemeu um pouquinho e Meloine jogou a flecha inteira no chão. “Tinha
entrado de lado, mas não foi fundo porque bateu em tua clavícula. E essas pontas de madeira não são muito
afiadas, então acho que ficarás bem.”

Meloine cortou um pedaço de lençol na cama e enrolou sobre o ferimento da serva. A duquesinha beijou
de novo Lourdes-Maria e Meloine disse, segurando o braço da nobre:

“Tu podes mexer a mão?”

A duquesinha disse que podia, abriu e fechou os dedos, mas formigavam e disse que a flecha presa em sua
traseira, no canto da bunda, era a que mais incomodava, pois doía e ficava batendo contra tudo ao seu redor.
Meloine, usando sua espada, cortou e partiu a ponta da flecha no braço da duquesinha, que já estava para fora, e
puxou a outra metade dela para trás rapidamente, arrancando-a dali. A duquesinha nada disse e nem fez som
algum, apenas cobriu com a mão o ferimento, porque sangrava dos dois lados. Pode ser que estivesse pálida, mas
estava escuro e era branca demais para saber.

Quando Meloine foi atar uma tira de lençol ali, a fadinha Alanis então falou, sua voz veio do peito da
coelha, e quando minha tia viu-a ali com parte do corpo metido dentro das roupas de Meloine e perdido entre
aquelas esferas tão grandes, surpreendeu-se, pois pensava que a pequena tivesse se separado delas. E o que falou a
fada foi que trazia em seus pertences um pouco de um pó feito com ervas vermelhas que servia para curar
ferimentos. A duquesinha deixou que Alanis o espalhasse em seu braço, e apesar dele continuar doendo, logo
parou de sangrar; Meloine envolveu o braço de Mychelle com a atadura cortada do lençol e Lourde Maria tirou
uma de suas meias e a amarrou ali em cima.

Meloine, sentada na cama, foi ver o outro ferimento da duquesinha; cortou a metade esquerda da saia dela,
atrás, que a flecha tinha perfurado. A ponta e mais um pouco da seta estava metida na nádega da duquesinha onde
ela era mais carnuda, estava mais para a lateral do que para o centro da traseira dela, no cantinho. Sangue tinha
escorrido dali e manchava a perna esquerda toda da duquesa e até tinha entrado pela bota. Meloine tocou na flecha
e tentou tirá-la, e só Lourdes-Maria viu no rosto da duquesinha o sofrimento que isso causou. Mychelle apoiou-se
na cama e quase caiu de bruços.

“Está muito profunda, não posso removê-la sem ferir-te ainda mais.”

“Então deixa aí, mais tarde damos um jeito,” a duquesa disse.

“Por sorte és bem fofinha e pegou nesse canto, senão não andarias mais.” Meloine deu um tapa na outra
metade da traseira da duquesa. “É uma das vantagens de ter a bunda grande!”

“Ai! Ei, minha bunda não é tão…”

“Espera, fica quieta que eu vou prender ela aqui para não ficar te cortando, é um lugar bem perigoso.”

Mychelle gemeu e apoiu-se no joelho direito, que pôs sobre a cama, e nos ombros de Lourdes. A coelha
cortou grande parte da metade de trás da flecha para que não ficasse se chocando com as coisas e machucando a
duquesinha e colocou um pouco do pó da fada no ferimento, mas a ponta continuou presa ali.

Depois pegou mais um tanto de lençol, olhou para a bunda de Mychelle, viu que não era o suficiente,
esticou um pouco mais e ela e Lourdes Maria fizeram uma atadura, envolveram, na diagonal, a traseira de nossa
duquesa com umas tiras de pano, deixando o que restava da flecha, agora fixa, saindo por entre as tiras.

“Vamos ficar aqui?” a fadinha perguntou então.

“É o melhor, aquele demônio que tinha a forma do grão-duque ergueu-se enquanto vínhamos para cá,”
Pelluria falou.

“Então meus olhos não me enganaram,” Meloine disse.

“Sim. Ele estava atrás da duquesa, não duvido de que a esteja procurando neste momento.”

“O que são essas coisas?” Lourdes Maria perguntou. “O que eles querem?”
“Será que podemos alcançar os portões?” perguntou Meloine. “Não devem mais estar sendo vigiados,
apesar de que estavam ainda fechados quando o ataque começou. Talvez possamos fugir antes que amanheça e
essas coisas venham nos procurar ou ponho fogo no resto do vilarejo.”

“Vamos fugir para o castelo de Loirs, senhora,” Nagnólia disse.

“Eu não me importo com os portões,” a duquesinha respondeu, tentando prender de alguma forma os
cabelos atrás de si enquanto falava. “Não pretendo fugir do vilarejo.”

Lourdes Maria tentou convencê-la a ir, Pelluria e Meloine contaram a ela da saída que havia sob a
Cerejeira Sagrada e que talvez pudessem se a chuva apagasse o fogo, mas a duquesinha pediu que a ajudassem a
procurar seu pai e prometeu recompensas a elas. Minha tia não disse nada, mas imaginou que q essa altura já
estivessem todos mortos lá fora.

“As criaturas de armadura saíram do templo,” Meloine contou às outras, “é de lá que eles vêm. Talvez
possamos encontrar lá o líder deles, pois certamente tais criaturas precisam de alguém que os comande, já que são
fruto de magia.”

“O líder dos monges de Dravísios é o cardeal e ele bem pode estar no templo,” a duquesinha falou. “É
gordo demais para andar por aí.” Agora estava abraçada e apoiada em Lourdes Maria e seu florete estava de novo
guardado na cintura. “Mas o templo é bem maior do que aparenta e depois do que acabei de ver, não posso dizer
que tipo de criatura se encontra lá. De qualquer forma, é para lá que estou decidida a ir. Peço que me
acompanheis, sois as duas guerreiras muito valorosas.”

“Oh, que ótimo,” Pelluria disse. “E só nós cinco enfrentaremos eles todos?”

“Seis,” gritou a fadinha do meio das tetas de Meloine. “Não que eu ache uma boa ideia, tu nem podes
andar direito,” disse para a duquesa.

“Claro que posso!”

“Estás com medo?” Meloine perguntou para Pelluria. “As lâmias me pareciam bem mais perigosas, apesar
de serem traiçoeiros estes monstros de armadura. E estou gostando de usar minha espada do jeito normal, pra
variar.” Empurrando a fadinha, tirou umas setas de metal do meio dos seios.

“Era só o que faltava. Desde quando tu também és maluca?” Pelluria perguntou para a coelha,
esquecendo-se do incidente com a Cerejeira Sagrada e também de todas outras coisas que já tinha visto ela fazer.
“E tu estás ferida,” disse para a duquesinha. “Mal podes caminhar com esse negócio cravado em tua bunda!”

“Foi o que eu disse,” a fada falou.

“Mm. Obrigada pela súbita preocupação, elfa, mas só tenho uns arranhões, já disse,” respondeu a duquesa
e tinha também um hematoma bem roxo sobre um dos olhos, que ganhara quando estivera pendurada num dos
inimigos. “Estou bem. E só fui ferida porque me distraí, senão teria cortado aquelas flechas antes que pudessem
me acertar.”

“Tudo bem, mas e o demônio?” Pelluria perguntou. “Essas coisas não são normais! O que faremos com
ele se estiver mesmo de pé? Como poderemos derrotá-lo se ele se levanta mesmo tendo sido cortada sua cabeça?”

“Só há cinco maneiras de derrotar um demônio,” a coelha Meloine falou então, com os braços cruzados e
num tom muito sério. “Ou seriam sete?”

“Como sabes disso?”

“Antes de abandonar a ilha de Xexeres e de me tornar uma ninja, aprendi todas as técnicas de assassinato
& pompoarismo da escola Cúd’leihte, é claro.”

“Hã? C* de leite?”
“Hum rum. Fui uma das melhores alunas de Xeróvya Cúd’leihte, também conhecida como Xeróvya, a
ruiva, que aliás é minha tia, e foi a primeira coelha a deixar Xexeres e a se tornar mílite da rainha de Arai, e que é
também uma das três discípulas da lendária mestra pompoarista Bellória Lábiosfortes.”

“E como matamos um demônio, então?” Pelluria perguntou.

“Bem... hã... a primeira maneira, com água, não me parece ser o caso, porque aquele demônio não estava
enfraquecido pela chuva. Isso nos deixa o fogo como alternativa.”

“Não é má idéia,” Pelluria disse. “Pois como poderá voltar a vida se tiver o corpo reduzido a cinzas? Mas
quais são as outras maneiras de derrotar um demônio, por via das dúvidas?”

“Bem, havia uma envolvendo lágrimas de uma virgem, se não me engano,” Meloine disse, “mas é
complicado demais e tinha que misturar com folhas de rabaça. Ou eram gotas de sangue de uma virgem? Eu não
lembro bem.” Então Pelluria olhou para a coelha, que continuou assim: “Ora, nunca pensei que enfrentaria um
demônio! Achei que essa parte fosse ensinada apenas para manter a tradição!”

“Vamos queimá-lo,” a duquesinha falou, cansada da discussão. Então removeu sua capa de pele de raposa,
que se fosse um pouco mais comprida poderia ter-lhe poupado o bumbum da flechada, e disse que, peluda e um
tanto pesada como era, poderiam usá-la para prender e inflamar o monstro, e que deviam fazer umas tochas.

“Mm, não está molhada?” perguntou Pelluria.

“Vamos pôr óleo nela,” disse Nagnólia, “assim pega fogo mais fácil.”

“Tudo bem, jogamos a capa nele e colocamos fogo, como se isso fosse fácil; eu vou procurar umas
tochas,” Pelluria falou e subiu na cama para apoiar-se na janela. “E vós procurais por óleo ou algo assim.”
Entregou a capa da duquesa para Meloine.

“Eu vou junto,” a duquesinha falou e tentou acompanhar Pelluria, mas minha tia lhe disse: “Não, tu estás
ferida. Descansa um pouco.”

“Descansar como, se nem sentar posso?”

“Espera aqui. Não te preocupes, se eu quisesse ir embora, te avisaria, pois não te devo nada.”

“Pois eu acho que deves,” a duquesinha disse então.

“O quê?”

“A esmeralda. Se não fosse por ti, ela ainda estaria comigo.”

“Já disse que a jóia está com tua tia lâmia,” Pelluria mentiu de novo.

“Bem, se assim for, minha tia seguramente devolverá o que é meu.”

Pelluria saltou pela janela junto com Meloine, com a esperança de já estar ‘longe do que sobrasse do
vilarejo quando a duquesinha encontrasse a rainha das lâmias, isso se sobrevivessem; mas em seu interior temia
jamais sair dali e não lhe parecia uma boa idéia enfrentar aqueles inimigos capazes de controlar monstros e forças
tão incomuns, ainda mais com um demônio entre eles.

Tanto a serva quanto Nagnólia ficaram no quarto com Mychelle e, do lado de fora, mal se podia ver a luz
da vela, que tinha posto no chão.

“É estranho o modo como a duquesinha cuida de sua serva e a acaricia,” Meloine disse para Pelluria na
rua. “Podia jurar que a vi beijando a menina na boca.”

“E nós vimos as duas tríbades se beijando em muitos outros lugares,” a fadinha disse, “e vai demorar
muito tempo para eu me esquecer de todas nojeiras que as vi fazendo!”
“Heh. E eu que ouvi tantas coisas a respeito da duquesinha e dos soldados do grão-duque,” Pelluria falou.
“No fim ela gostava mesmo era de mulheres!”

“Bom, de repente ela gosta das duas coisas,” Meloine disse. “Que nem aquelas espadas que cortam dos
dois lados, né?”

“Sei, que nem tu, né, sua tarada?” Pelluria cutucou o peito da coelha e um dos seios dela sacudiu e a fada
voltou a se equilibrar entre os dois. “Ou já esqueceste as patifarias que me propuseste na estalagem?”

“Eeei! Isso não conta! Qual é? Eu tava enfeitiçada, não gosto de mulher, já falei mil vezes! Não vais
esquecer isso nunca, é? Que saco!”

“Tudo bem, agora deixa de besteiras e vai procurar óleo para jogar nessa capa!”

“Mas onde vou encontrar óleo aqui?”

“Que tal na cozinha de alguma casa, esperta? Agora anda!”

—***-

“Lourdes” a duquesinha chamou sua serva depois de Meloine e Pelluria saírem. “Meu amor, fiquei tão
assustada.” E então, quando viu que elas estavam abraçadas e se acariciando, Nagnólia disse que ia pegar uns
pedaços de madeira para fazer umas tochas na sala na entrada da mansão e deixou o quarto. “O que deu em ti,
para te expores daquela forma?”

“É meu dever proteger tua vida, minha senhora,” a serva falou. “E pela tua vida eu não pensaria duas
vezes antes de dar a minha.”

Daí a duquesinha fez carinho com o polegar nos lábios de Lourdes Maria e disse em voz baixa:

“De que adiantaria estar viva se eu não tivesse aquela que mais amo? Estou com medo, Lourdes, está tudo
acontecendo como nos meus pesadelos. Será que meu pai…?”

“Ai, senhora. Estás tão machucada,” Lourdes disse e teve que limpar as lágrimas que escorriam por suas
bochechas enquanto falava. “Devíamos fugir daqui.”

Toda dura, a duquesinha levou a serva até a cama e fez com que sentasse ali; como não podia sentar ela
mesma, apoiou no colchão o joelho da perna machucada e segurou o rosto de Lourdes e disse para ela:

“Tenho que descobrir se meu pai e meu primo estão vivos. Basta que fiques atrás de mim, meu amor, e eu
não deixarei que nada te atinja. Não quero que tentes me proteger daquela forma, quero que fiques viva.”

“Ai, minha senhora, eu te amo tanto.”

Lourdes ergueu seus braços para alcançar a duquesinha e levantou para beijá-la, e enquanto estavam assim
abraçadas, ouviram voz de mulher vinda da porta:

“Mataria o grão-duque de desgosto, ver sua filha entregue assim a uma serva.”

Era Nagnólia que estava voltando, mas parecia maior; tinha a voz mais grave e um brilho estranho no
olhar. Continuou falando, com um sorriso que parecia grnade demais para sua boca:

“E o que diria a demônia lady Amora se visse sua herdeira nos braços doutra mulher?”

A duquesinha virou-se de um salto, pôs-se na frente de Lourdes e gritou para ela: “Sai daqui! Foge!”
“Mas senhora...”

“Vai! Estou mandando!” a duquesinha empurrou Lourdes e a menina pulou pela janela; a nobre, já
desembainhando o florete, subiu de costas na cama para alcançar também a saída, mas sua perna fraquejou, ela
gemeu e o demônio, que tinha assumido a forma de Nagnólia, lançou seus dois braços para frente e eles se
esticaram e enrolaram feito cobras, como se não tivessem ossos, um na cintura da duquesinha e outro em uma de
suas botas, e o pior foi que enrolou-se na esquerda, que era a perna machuda; e puxaram e a duquesinha caiu
sentada no chão, sobre aquele ferimento que tanto a machucava, sem nem conseguir gritar, a batida terminando de
enterrar o pouco que restava da seta na traseira dela. Só abriu a boca sem fazer som nenhum.

Ignorando os pontos brancos brilhantes que a dor causava em sua visão, Mychelle cortou com um único
golpe o tentáculo que apertava sua cintura e tentava esmagá-la; a ponta daquele pedaço decepado, apesar de
enfraquecido, ainda enrolado nela, debatia-se com velocidade para todos lados espalhando um jorro transparente e
viscoso e nauseando a duquesinha.

O monstro gritou com voz que não era de homem nem de mulher e do peito dele, de onde estavam as
roupas, saltou um outro tentáculo, e era como se as suas próprias roupas tivessem se transformado nesse novo
membro. Ele englobou a mão da duquesinha que empunhava o florete e apertou os dedos dela até que ela não
podia mais abri-los.

Presa daquele modo por um dos pés e pela mão, a duquesinha foi arrastada para perto do monstro, urrando
pela dor que lhe provocava a flecha enterrada em sua nádega. A criatura, à exceção das pernas e da cabeça, já não
tinha forma humana, pois era só um amontoado grotesco de carnes flácidas de onde saíam os membros e de todas
partes dele começavam a brotar protuberâncias que pareciam novos tentáculos querendo saltar de sua pele, uns
mais finos e outros mais grossos, todos pulsantes, crescento, cobertos por aquele líquido gelatinoso.

A duquesinha se debatia em desespero e pavor, era repulsivo o contato com aquelas expansões que
originavam-se do monstro e agora procuravam envolver cada uma das mãos e pés dela; eram úmidos os
tentáculos, e enrugados, e fixavam-se na pele dela como se tivessem ventosas e fossem venenosos, porque davam
grande ardência. Mychelle acabou imobilizada e quando o monstro aproximou-se ainda mais, ela viu seu próprio
rosto no dele; o demônio estava tomando a forma dela, cabelos dourados brotavam nele e cresciam e se iam
encaracolando, e os lábios engrossavam e, quando ficaram como os dela, sorriram; uma manchinha redonda
surgiu no canto da boca, como que para mostrar que a coisa podia copiá-la nos mínimos detalhes, e seios
começaram a se encher na parte que ainda era um peito, primeiro devagar e subindo como duas bolotas se
inflando, até que se soltaram e caíram dependurados ali, e outras bolinhas menores brotaram do centro deles para
formar seus bicos e foram ficando rosadas.

E nesse momento, já com seus músculos todos doendo pela força que fazia sempre tentando se soltar, a
duquesinha foi arremessada para o lado, e todas aquelas coisas que a seguravam viraram-na de bruços e a
apertaram contra o chão. Ela gritava com horror e tentava fechar suas pernas, que eram mantidas cada vez mais
afastadas, e um daqueles tentáculos viscosos tateava e serpenteava entre suas coxas, levantando o que restava de
sua saia e subindo, e por fim jogou-se pesado sobre as nádegas dela, foi como se Mychelle tivesse levado um tapa,
e deitada entre as duas, a coisa recuou e meteu-se sob a atadura envolvendo a traseira de Mychelle, forçou o
espaço entre as nádegas querendo afastá-las e introduzir-se entre elas, que a duquesinha as mantinha bem
apertadas, aterrorizada com a possibilidade de que aquela monstruosidade quisesse mesmo penetrá-la ali por trás
como um homem. De olhos arregalados, urrando por socorro, ela puxava as pernas e tentava livrar-se das botas
para escapar, mas eram muito apertadas, e sentia aquele toque repulsivo explorando seu íntimo, porque aquela
monstruosidade viscosa tocava nela como se tivesse prazer em envergonhá-la e machucá-la e por fim a
duquesinha sentiu as tiras da atadura se romperem e percebeu que era algo parecido com uma mão humana que
estava fechada em sua bunda, porque era nisto que havia se convertido o tentáculo. Então a mão esta segurou e
apertou a nádega ferida dela e foi fechar-se em volta da flecha metida ali.

“Deixa-me ouvir teus gritos, duquesa,” ela ouviu sua própria voz vindo de suas costas. “Quero saborear
teu sofrimento.”

A criatura torceu e empurrou a flecha, encheu a duquesinha de dor e ódio e ela viu tudo ficar vermelho e
não conseguiu mais pensar em nada. E ela puxou o braço que não estava ferido com tanta força que conseguiu
trazer o pulso para perto da boca e daí mordeu e arrancou dali um pedaço daquele tentáculo que a apertava, o
gosto dele fez com que sua língua ardesse e com que ela quase vomitasse.
Então um clarão sucedeu e os tentáculos fraquejaram e libertaram a duquesinha; e ela virou-se e o
demônio estava com seus cabelos em chamas e atrás dele estava Lourdes Maria segurando uma tocha, golpeando-
lhe as costa e fazendo saltar faíscas delas. O monstro gritava e se debatia e golpeava o chão, as paredes e a própria
duquesinha, que erguendo-se, pegou o florete e correu para fora dali com a serva. Atravessaram a sala, a tocha
ficou na cama, que já pegava fogo, e na rua, depois duns passos, a duquesa fraquejou e caiu de joelhos na lama.
Lourdes Maria parou ao lado dela, pegou-lhe a mão e nisso vinha saindo pela janela o demônio com seus cabelos
chamuscados, fumaça esvoaçando da cabeça, e com o corpo nu de um homem comum. Eis que, atrás dele,
ergueram-se uns tentaculos cobertos de chamas, sacudindo-se e tremendo e ondulando para apagar o fogo.

A duquesinha, ainda de joelhos, com as pernas enterradas na lama e sangue escorrendo por sua coxa
branca, apontou o florete para o monstro, estremecendo de dor.

Lourdes pôs as mãos sob os ombros da senhora, e de pé atrás dela, tentava levantá-la e dizia “Vamos,
senhora, vem!”

A criatura mostrou seus dentes, parecia estar rindo; quando deu o primeiro passo na direção delas, caíram
em cima dele a capa da duquesa e a coelha Meloine, que estavam penduradas na sacada do segundo andar. O peso
de Meloine derrubou-o no chão e fez voar água e lodo que se ajuntavam numa poça no meio da areia e em seguida
veio um grande jorro de vinho tinto caindo feito cascata para banhar a capa e a coelha e tudo que elas seguravam:
do segundo andar minha tia derramava o conteúdo de um barril dessa bebida. Logo que a coelha saltou para o
lado, Pelluria jogou uma tocha na capa e a peça se incendiou.

A criatura se debatia e lançava tentáculos para todas direções para tentar fugir. Lourdes afastava a
duquesinha do monstro quando viu-o vindo para cima delas, quase que arrastando-a por não poder Mychelle andar
direito. Aproximando-se agora pelo lado oposto da casa, Pelluria jogou ainda mais vinho nele e Meloine,
retomando a tocha e com sua espada numa das mãos, cortava e queimava todas as partes dele que alcançava.
Quando o monstro parou de se mover e o cheiro de carne queimada enchia todo ar, fora um outro, azedo e que
lembrava Mychelle do gosto do tentáculo, Meloine e Pelluria pegaram o que sobrou da criatura e jogaram para
dentro da janela que já estava quase toda consumida pelas chamas. E agora a casa toda pegava fogo, bem como
muitas outras ao redor, e a árvore sagrada tinha caído com grande estrondo sobre a parede de trás da estalagem e
havia quase derrubado a habitação por completo.

Nagnólia estava morta, Pelluria e Meloine encontraram-na na sala da mansão do governador quando
haviam entrado para alcançar o segundo andar.

A chuva estava fraquinha agora. Mychelle tinha o rosto cheio de lágrimas e as pernas cheias de lodo e
sangue. A fada Alanis veio voando de algum lugar e parou no ombro de Meloine; segurou-se nos cabelos
molhados dela, donde escorriam gotas rosadas e adocicadas e disse “Que horror, estás com cheiro de vinho
barato!”

Meloine não disse nada, mas não parecia ter apreciado o banho que Pelluria lhe dera; passou os dedos pela
franja melada e deixou-a toda erguida.

“Pelo menos encontramos uma utilidade para o vinho dos tempos de crise,” Pelluria falou para a coelha.

“Bem, há muitos corpos de soldados mortos daqui ao templo,” Alanis disse, “e uns poucos desses seres de
armadura dentro dele, mas claro que só olhei no primeiro andar. Outros estão diante do portão do vilarejo, mas
todos se movem devagar e com a chuva não parecem capazes de me perceber. Tem alguns homens normais desses
monges também, será que mais algum deles é como esse demônio?”

A duquesinha apertou uma das mãos contra a traseira dolorida, queria poder arrancar dali aquela flecha
que ardia e dava a sensação de que sua perna ia cair. Notou que ainda tinha o florete na mão esquerda fechada,
apoiada no ombro de Lourdes. Sua saia se tinha convertido num saiote, era só um trapinho rasgado amontoado
entre as coxas, na frente.

“Vamos para o templo,” ela disse, erguendo a mão e vendo o sangue em seus dedos. “Vamos matar até o
ultimo deles.”

Pelluria olhou para a duquesa e pensou em dizer algo que a fizesse desistir e pensou também em ir até o
portão e sair do vilarejo. “Tu és temerária e não corajosa,” falou então. Mas, com grande desgosto, enxergou
muito do que havia dentro de si mesma nos olhos verdes da duquesinha. “Vamos acabar logo com isso.”

—***-

“Fogo,” gritou o monge cego no topo do templo da Cerejeira Sagrada. Estava de joelhos diante de um
pequeno altar que o separava do espelho pelo qual os guerreiros de armadura haviam chegado ao vilarejo, seu
corpo estava esquálido. “Fogo! O senhor das formas está morto! O movimento no Reino Subterrâneo é mais
intenso e o exército de Loirs está vindo! Mas a esmeralda também está se aproximando, é vossa ultima
oportunidade de a possuir!”

A parede atrás dele estava toda coberta por outro espelho muito maior, que tinha sido montado por cima da
pedra e, como notava-se quando se via de perto, era formado por muitos outros espelhos menores. Este refletia
toda a sala, inúmeras vezes replicava a imagem do espelho menor, de forma que tudo entre eles parecia perdido
num túnel escuro. E os vidros do qual era feito o espelho só podiam ter sido trazidos não se sabe de que lugar
através do espelho menor, da mesma forma que os soldados.

“Termina a evocação,” o cardeal de Dravísios falou, aproximando-se da porta da sala. Estava entre quatro
guerreiros de armadura. “Não há mais tempo.”

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