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“Escudos, mantenham esses painéis defensivos! Não deixe nenhuma das bestas
se afastar”, eu rosnei antes de olhar para o misterioso minério preto que eu
recebi a ordem de quebrar quando todos os animais estivessem dentro da
floresta de Elshire. Eu assistia enquanto as centenas de bestas corrompidas
eram conduzidas através das paredes de painéis translúcidos lançadas pelas
equipes de escudos. Era uma visão peculiar conforme monstros que
normalmente não estariam nem perto um do outro caminhavam lado a lado
lentamente. Aranhas do tamanho de cães, lobos grandes e até serpentes com
cabeças em ambas as extremidades ‘marchavam’ juntas, sem saber o que
estava acontecendo.
Vários ‘sem adornos’ tinham a função de proteger cada um dos escudos, caso
alguma das bestas se libertasse. Até os ‘sem adornos’ têm seus propósitos.
Melhor que um deles morra do que um mago. Eu lancei meus olhos nos ‘sem
adornos’ com armaduras de ferro, empunhando armas comuns de aço,
incapazes de fortalecê-las. Deplorável. Eu me virei para a sentinela designada
para minha tropa, um homem magro com franja que cobria seus olhos.
“Você consegue fazer uma leitura dentro da floresta?” Ele pôs suas mãos no
chão antes de clicar sua língua. “Meu alcance é reduzido para um quarto lá
dentro”.
Antes que ele pudesse terminar, agarrei a sentinela pela nuca. “Veja. Eu não
me importo se vocês sentinelas pensam que vocês são importantes por causa
da sua magia voyeurista pervertida. Você estará seguro com meu escudo e
conjurador pessoais.”
“Você ficará bem”, enfatizei, soltando o colarinho dele. “Agora forme o elo
mental comigo e somente comigo. Algo me diz que você não é muito bom em
fazer várias coisas ao mesmo tempo.” A sentinela assentiu, colocando dois
dedos na minha cabeça e se concentrando.
‘Vo-você pode me ouvir?’ Uma voz familiar soou diretamente na minha cabeça.
Como é que você gagueja mesmo dentro da sua cabeça, eu pensei.
‘Só pra você saber, eu só consigo fazer uma linha de comunicação mental
unidirecional, então eu não vou poder receber notícias suas.’
“Ok”, eu disse em voz alta, segurando a vontade de revirar meus olhos. Apesar
de suas falhas, ter uma sentinela era um grande bônus, pois meu escudo e
conjurador não teriam que ficar tão perto de mim e depender do feedback da
sentinela. Voltando minha atenção para a missão em questão, observei
equipes de magos aguardando conforme mais e mais das bestas corrompidas
desapareciam na floresta densa e nebulosa que abrigava os elfos em Dicathen.
Assim que os últimos dos monstros conduzidos do Norte da Clareira das Bestas
estavam bem no fundo da densa variedade de árvores, eu segurei o minério
preto.
“Sem ador- não magos, posições de linha de frente com armas estendidas.
Atacantes, atrás deles com seus escudos e conjuradores perto. Preparem-se
para atacar a qualquer aviso dado!” Eu pedi enquanto todos se embaralhavam
no lugar. Eu não sabia como aquelas bestas corrompidas eram sedadas, mas
os artefatos que me foram confiados pareciam funcionar como uma espécie
de encanto. Assim que eu quebrei o minério, rosnados e rugidos cruéis
irromperam dentro da floresta. Vários sem adornos carregando suprimentos
começaram a distribuir frascos de um líquido rançoso para todo mundo
borrifar em suas roupas. Caro e temporário, mas era a única maneira de as
bestas corrompidas não nos atacarem. Momentos de silêncio tenso se
seguiram enquanto todos esperavam pelo meu sinal. Eu flexionei minhas
mãos, ansioso para entrar em ação com minha crista recém-desbloqueada.
Ainda não tinha passado uma temporada desde que eu treinara minha marca
inicial para formar minha crista – verdadeiramente louvável pra alguém que
tinha acabado de completar 18 anos – ainda assim eu estava sedento por mais.
Assim como meu pai, eu também queria ter o privilégio de entrar no Cofre de
Obsidiana pra esperançosamente obter um emblema. Eu esperava voltar pra
Alacrya. Eu sabia que meu pai sobreviveria aos testes que o Cofre de Obsidiana
dava àqueles que entravam e eu não queria nada mais além de ver com que
tipo de emblema ele sairia de lá. Talvez ele seja abençoado com uma lendária
regalia.
Embora jovem, ele ainda era apenas um mago de nível intermediário afinal –
o mesmo que eu, embora duas vezes a minha idade. Enquanto eu respeitava
sua força e talento, ele ainda era um escudo. Eu me permiti um leve sorriso
que durou apenas um breve segundo quando um estrondo retumbou à
distância. Com meus sentidos básicos aprimorados pela minha crista, eu pude
ouvir os gritos fracos que só poderiam ser dos elfos patrulhando a área.
Olhando para trás para ter certeza de que o artefato de sinalização estava no
lugar para nos guiar de volta para fora da floresta, eu me preparei.
“Atacar!” Eu rugi, revestindo todo meu corpo em mana – outra vantagem da
minha crista recém-adquirida.
Um mago inimigo se destacou. Uma mulher mais velha, com cabelos loiros,
que escorria do capacete. Ela não tinha armas, mas de suas mãos saíam
lâminas mortais de vento capazes de cortar várias bestas de uma só vez.
“Seren, foque escudos em mim e fique longe com Mari. Sentine… Ashton, fique
perto deles e retransmita minha posição, caso eu esteja em perigo”, eu ordenei,
acelerando meu ritmo. Painéis poligonais de mana pairavam ao meu redor,
prontos para se defender contra qualquer projétil enquanto um zumbido fraco
soava por trás, conforme Mari começava a carregar sua magia.
Eu canalizei mana através da minha crista, uma ação que era tão natural
quanto respirar agora. Desembainhando minha espada, fortalecida por um
instalador famoso, eu acendi a arma com um fogo irregular que rasgava e
cauterizava ao invés de queimar.
Eu circulei mais mana pela minha crista e pelo resto do meu corpo para
fortalecer meus membros. O poder correu através de mim enquanto eu corria
para frente da batalha como um verdadeiro atacante. Minha espada vibrou,
brilhando como um farol para minhas tropas quando me aproximei do
primeiro elfo no meu caminho.
O elfo magro, com cabelos curtos e sobrancelhas severas, virou-se para mim,
arregalando os olhos. Sua boca se moveu e o vento começou a se acumular em
torno de suas adagas duplas, mas era tarde demais.
Minha espada rasgou os punhais que ele havia cruzado para se defender antes
de cortar seu torso. Inesperadamente, senti minha espada passar por uma
camada de mana.
Então até magos fracos como ele são capazes de se vestir de mana. Que
estranho.
‘Suas leituras de mana são um pouco diferentes, ma-mas ela deve estar no
nível inferior de um mago de nível intermediário. Sua conjuradora está
preparando o feitiço para alvo único. Prossiga com cautela e informarei
quando sair do caminho. ‘
Então é assim que é ter uma sentinela, mesmo uma mais ou menos. Não é atoa
que eles são considerados valiosos, apesar de não terem uma única forma de
magia ofensiva ou defensiva.
A magia de chamas que tinha sido desbloqueada através da minha marca na
cerimônia de despertar permitiu que minhas chamas assumissem uma
qualidade irregular que arrancava qualquer coisa em seu caminho. Uma rara
marca intermediária. No entanto, depois de ter dominado essa magia a ponto
de evoluí-la para uma crista, consegui utilizá-la de uma maneira totalmente
nova.
A elfa, vestida em uma armadura, soltou outra lâmina de vento, matando mais
duas bestas antes de voltar toda a sua atenção para mim.
Ao contrário do elfo anterior que acabei de matar, sua boca não se mexeu
enquanto ela soltava uma lâmina de vento em mim.
Usando essa oportunidade, pude entrar no alcance para enviar minhas foices
para o meu oponente.
Eu preciso terminar isso rápido. Não quero desperdiçar muita mana em apenas
um único inimigo. A desvantagem de usar a forma completa da minha crista
era que era preciso muita mana para mantê-la. Sem mencionar que cada uma
das três foices pegou mana adicional para se manter – algo que eu precisava
melhorar se quisesse controlar mais foices.
Empurrando com as mãos e os pés, corri em direção à elfa, que estava prestes
a soltar outra lâmina.
Enviei uma única foice nas mãos dela reunidas. Apesar da velocidade do meu
ataque repentino, ela conseguiu se esquivar da foice a tempo de salvar suas
mãos de serem cortadas. No entanto, isso me permitiu enterrar um punho
coberto de chamas diretamente em seu peitoral, quebrando-o e fazendo-a
voar para trás e em uma árvore.
Liberando minha forma revestida de chamas para poupar mana, puxei minha
lâmina para acabar com a elfa quando uma presença aterrorizante se agarrou
a minha própria alma.
Eu tentei me arrastar para longe – isso era tudo que eu conseguia. Eu nem me
importei em manter as aparências. Se eu não saísse daqui, sabia que nem iria
viver para sentir vergonha.
Eu olhei para cima e vi o garoto, seus longos cabelos ruivos amarrados atrás
dele com olhos azuis impressionantes que irradiavam poder. Ele olhou para
mim com um aborrecimento que nem sequer foi direcionado a mim.
Eu era filho de Karnal Vale, herdeiro da Casa dos Vale, mas na frente desse
garoto que não parecia mais velho que eu, eu não era nada.
Caí para frente, incapaz de me levantar. Olhando atrás de mim, eu só podia ver
uma poça de carmesim se espalhando de onde meu braço costumava estar.
Desesperado, eu usei meu único braço bom para tentar rastejar, ainda incapaz
de me levantar. Meus olhos procuraram meus companheiros de equipe,
apenas para ver Seren, Mari e Ashton fugindo.
Minha visão esmaeceu quando me vi no nível dos olhos com as raízes brotando
do chão, meus últimos pensamentos sendo que não era esperado que
acabasse assim.
ARTHUR LEYWIN
“Obrigado, general Arthur, por sua ajuda“, disse a elfa que eu mal havia
salvado, sua voz rouca e com dor.
Meus olhos caíram para os soldados élficos que morreram tentando proteger
seu lar. “Sinto muito por não poder vir mais cedo. Tudo isso poderia ter sido
evitado se eu tivesse chegado antes que os animais fossem reunidos na
floresta.”
A elfa balançou a cabeça. “Por favor, não peça desculpas. O resultado dessa
batalha teria sido muito diferente se você não tivesse chegado. Agora, se você
me dá licença, tenho que ajudar e reunir meus homens.
Isso marcou o primeiro ataque ao território élfico e, mesmo que esse ataque
em particular tivesse falhado, ele havia cumprido sua função.
Até agora, apenas Sapin havia sofrido o impacto do ataque, o que facilitava a
alocação de recursos para um local central, mas agora que nossos inimigos
estão atingindo também outros lugares, como o Conselho escolheria lidar com
isso?
Vou ter que checar a General Aya para ver se ela precisa de ajuda, pensei antes
de olhar para o Alacryano que consegui manter vivo. eu tinha cortado seu
braço dominante, mas de outra forma o manteve capaz. Quanto mais saudável
ele estava agora, mais tempo ele duraria durante a extração de informações.
O jovem elfo olhou para as armas em seus braços antes de perceber que ele
era o único a ser chamado. “S-Sim, general Arthur?”
Havia um olhar de desdém que passou pelo rosto do elfo, mas ele rapidamente
o escondeu e inclinou a cabeça em compreensão.
“Sim, senhor!” ele disse com renovado vigor, sabendo que seu inimigo talvez
tivesse um destino pior que a morte.
Capítulo 196
Interrogatório
Na conversa que tive com Agrona, as coisas pareciam melhorar. Meu núcleo
avançou para o estado branco e a cada momento que meu corpo se
acostumava à mudança, eu me sentia mais forte. As cicatrizes no meu pescoço
e pulso não desapareceram, mas ficaram visivelmente mais leves. Minhas
pernas que sofreram várias lesões consideráveis pareciam mais leves do que
antes. Eu sabia que meu corpo não havia mudado fisicamente. Isso significava
que eu ainda não conseguia usar nenhuma sequência do Mirage Walk,
incluindo o Burst Step, sem acumular danos à minha parte inferior do corpo,
mas o uso de magia orgânica – magia que não tinha um objetivo predisposto
por gestos ou encantamentos – tornou-se infinitamente mais natural, e com
isso, adquiri um método de ficar ainda mais forte.
Sylvie, por outro lado, não teve a vida tão fácil. Enquanto ela parecia mais
jovem que minha irmã em sua nova forma, ela tinha a coordenação de uma
criança pequena. Sua frustração era visível, pois ela frequentemente
tropeçava no próprio pé ou perdia o equilíbrio sem motivo aparente enquanto
estava parada. Talvez até mais divertido do que seus tropeços foram suas
tentativas de usar os polegares recém-adquiridos. Mais de uma vez, uma
empregada teve que limpar pratos quebrados e a decoração da prateleira no
quarto.
Minha irmã havia apontado para mim com um dedo trêmulo, perguntando
quando Tessia e eu tivemos um filho juntos. Embora eu não a tenha culpado
uma vez que Sylvie tem essa qualidade de cor de trigo no cabelo que pode ter
sido resultado de um tom de marrom misturado com prata cinza metálico, eu
respondi como qualquer irmão mais velho faria. Eu bati na parte de trás da
cabeça de Ellie e perguntei como Sylvie poderia ter sido minha filha se ela
parecia apenas alguns anos mais jovem que ela. Com a menção do nome de
Sylvie, minha irmã ficou em êxtase e as duas passaram mais tempo juntas
desde então.
“General Arthur!” uma voz familiar chamou à distância, abrindo meus olhos.
Foi o elfo que eu pedi para carregar o Alacryano. Ele correu na minha direção
habilmente, nunca perdendo o equilíbrio, apesar da irregularidade do solo. “O
Alacryano acordou!”
O elfo apontou para a frente. “Por aqui, general. O Alacryano está na parte
traseira da tenda. Nossa chefe está esperando do lado de fora.”
Ao ver nossa chegada, ela visivelmente relaxou e estendeu a mão. “Eu esqueci
de me apresentar mais cedo. Meu nome é Lenna Aemaris, chefe da unidade
sudeste em Elenoir.”
“Arthur Leywin.” Apertei a mão dela antes de me virar para a tenda. “Ele é capaz
de conversar?”
“Meu braço! Cadê meu braço? Se vocês, animais primitivos, sabem o que é bom
para vocês, vocês vão me desamarrar. Eu sou de sangue Vale, uma família
distinta da-”
Minha mão estalou em seu rosto, empurrando-a de volta com a força do golpe.
O garoto olhou para mim, atordoado. “V-você… Você me deu um tapa! Qual o
seu nome? Eu vou ter você -“
Inclinei-me para frente depois de dar um tapa nele mais uma vez para fixar os
olhos no garoto. “Eu não acho que você realmente entende a gravidade da
situação em que está, então permita-me esclarecê-lo. “
O garoto gritou e se debateu, mas a cadeira à qual ele estava amarrado nunca
vacilou. Eu olhei impassível, enquanto ele lutava para lidar. Alguns momentos
depois, eu podia senti-lo circular mana para o dedo quebrado, tentando curar
e aliviar um pouco da dor.
Apesar de fortalecer seu corpo com mana, eu quebrei outro dos dedos dos pés.
Mais uma vez, um grito estridente saiu da garganta do garoto enquanto seus
olhos lacrimejavam.
Movi meu pé dos dedos dos pés para logo abaixo dos tornozelos, e pisei. Uma
série de rachaduras e estalos ressoou junto com o grito estridente do menino.
“Por favor. Por que você está fazendo isso? O que você quer? Vou te dar
qualquer coisa”, ele murmurou entre soluços enquanto olhava para o pé
esquerdo deformado.
“Por que você precisa saber-“ o garoto soltou outro uivo quando sua fíbula
esquerda se partiu em dois. “Steffan! Steffan Vale. Por favor, não faça mais.”
“Steffan. Mesmo de relance, sei que sua família – ou sangue, como você chama
– é distinta, o que significa que você também é. Ao contrário dos outros
soldados que capturamos até agora, você não fez nenhuma tentativa de se
matar e deseja muito viver. Estou correto até agora?”
“Sim!” ele deixou escapar. Não dando uma desculpa ao seu interrogador para
quebrar outro osso.
Escolhi minhas palavras cuidadosamente antes de falar. “Eu não vou te matar
se você cooperar. Em que condições você voltará para casa, no entanto,
dependerá em quão útil você é e quão verdadeiro é enquanto responde às
minhas perguntas. Você entende?”
Quanto ao Steffan, ele estava tendo dificuldade para respirar, mesmo quando
poucas quantidades de mana circulavam abundantemente por todo o corpo.
Seus olhos vermelhos arregalaram enquanto sua boca ficou boquiaberta como
um peixe fora d’água, até que retirei minha mana de volta.
“Eu-eu entendo… Entendo”, ele gaguejou, incapaz de reunir forças para ficar
envergonhado pelo fedor sujo e ácido que vinha do meio de suas pernas.
“Qual estágio está acima das marcas e cristas?” Eu disse, segurando sua perna
em aviso quando seus olhos começaram a fechar.
Ele balançou sua cabeça. “Meu comandante é um mago de emblema, mas sei
que ele se reporta a um portador de regalia. Não sei os números exatos.”
Eu soltei um suspiro. Esse garoto era muito baixo na hierarquia para ter
alguma utilidade. Pelo que parecia, a Casa dos Vale que ele tão
orgulhosamente proclamou não era mesmo tão alta em Alacrya também.
A última pergunta que fiz foi mais para minha própria curiosidade, mas acabou
sendo o conhecimento mais útil que eu havia adquirido com Steffan.
“Como eu disse. Eu não vou te matar. ” Com essas últimas palavras, deixei a
barraca.
Esperando por mim estava Lenna, a mulher élfica que liderou as tropas aqui.
Observei as vistas do acampamento. Ondas de soldados élficos foram
chegando, alguns carregando aliados ensanguentados, enquanto outros
moviam o que restava dos cadáveres de seus camaradas.
Eu dei um passo à frente, parando ao lado dela. Ela se encolheu quando nossos
olhos se encontraram, mas permaneceu em silêncio, esperando minhas
ordens. Meu olhar permaneceu frio, não querendo que nem um pingo de
emoção atrapalhasse enquanto eu falava.
Capítulo 197
Despedaçado
Nota: É uma visão do passado do nosso querido rei Grey, então senta aí que lá
vem história.
Meus olhos se abriram de uma picada aguda na minha bochecha, apenas para
ver uma luz ofuscante apontada diretamente para o meu rosto.
Imediatamente, meu coração começou a bater forte enquanto minha mente
tentava entender o que estava acontecendo. Tentei me levantar, mas minhas
mãos e pés estavam amarrados à cadeira em que eu estava sentado.
“Grey. Você pode me ouvir?” uma silhueta escura atrás da luz fluorescente
usada nos hospitais perguntou calmamente.
“Qual é a última coisa que você lembra?” uma figura sombria diferente rosnou,
ignorando minhas perguntas. Ele tinha um corpo maior que havia feito a
pergunta anterior, mas não pude distinguir outros detalhes além disso.
“Eu aceitei uma oferta para ser orientado por uma pessoa poderosa”, eu soltei,
esperando que minha ambiguidade não fosse notada.
“Qual é o nome dessa mulher poderosa e qual seu relacionamento com ela?”
o homem perguntou. O fato de que ele sabia que era uma mulher fez eu me
perguntar se ele estava me testando ou se já sabia a verdade.
Puxei o que parecia um grosso fio de metal amarrado em volta dos pulsos.
Vendo que nem minha força reforçada com ki fazia alguma coisa, respondi.
“Eu apenas a conheço como Lady Vera, e acabei de conhecê-la.”
“O que aconteceu depois que você ganhou o torneio, Grey?” ele então
perguntou, sua voz nunca mostrando sinais de emoção.
Eu estremeci, tentando lembrar. “Acho que voltei para o meu dormitório, logo
depois.”
Lady Vera disse antes de nos separarmos que ela entraria em contato comigo
assim que as coisas se acalmassem, mas é melhor não contar a esses homens
mais informações do que eles pediram.
“Mais uma vez, mentiras!” ele disse, seu rosto agora perto o suficiente do meu
para descobrir mais detalhes. Ele tinha cicatrizes no rosto, tornando o rosto já
intimidador ainda mais assustador. “Seria sábio nos contar a Organização que
o enviou para proteger o Legado”.
Organização? Legado?
Quando voltei à consciência, fui colocado de pé, frente a frente com o homem
mais magro que de alguma forma me assustou mais do que a grande
abominação com cicatrizes.
Ele tinha cabelos curtos e olhos tão curtos quanto, que pareciam mais ocos
que um peixe morto. Um único olhar em seus olhos me fez duvidar que o
homem ainda tivesse emoções a esconder.
Seus olhos permaneceram presos nos meus por uma fração de segundo antes
de seus lábios se curvarem em um sorriso que não alcançava completamente
seus olhos mortos.
Ele se virou e foi embora. “Tire as roupas dele enquanto eu pego o fósforo
branco.”
O homem maior zombou enquanto rasgava a camisa velha que eu usava para
dormir e as calças de pijama com estampa de ganso que a diretora Wilbeck
havia me dado como uma brincadeira no meu aniversário.
“Eu acredito que você tem algumas informações que precisamos. Felizmente
para você, isso significa que precisamos de você vivo por enquanto.” O homem
mais magro voltou, usando luvas. Nas mãos dele havia um pequeno cubo de
metal.
“Se você realmente é quem nós suspeitamos que seja, então você pode ter se
preparado para isso. Se por algum erro, cometemos um erro e tudo o que
consideramos evidência foi simplesmente coincidência, então… Bem… Você
estará experimentando algo que você nunca esquecerá.”
“O quê? Do que você está falando?” Eu disse, ainda tonto pelo recente trauma
na cabeça.
“Isso vai ser fácil”, o homem magro sorriu enquanto mergulhava um dedo
enluvado no cubo de metal. “Eu ainda não vou fazer nenhuma pergunta.”
Ele espalhou uma linha de pasta de prata brilhante logo abaixo das minhas
costelas e pegou um isqueiro.
“Espere. O que você está fazendo? Por favor”, implorei, ainda incapaz de
processar como tudo estava se desenrolando.
O homem não falou. Ele apenas baixou a pequena chama sobre a pasta de
prata. Assim que o fogo tocou a substância, uma dor que eu nem sequer sabia
que existia irrompeu. Um grito saiu da minha garganta quando meu corpo
convulsionou pelo tormento abrasador que permaneceu concentrado no local
onde a pasta estava manchada.
Pareceram horas, pois a dor de alguma forma parecia piorar. Durante esse
tempo, meus gritos ficaram roucos e as lágrimas que inundaram o meu rosto
estavam secas e estavam incrustadas.
Eu não sabia dizer quantas vezes o demônio voltou para mim com aquela sua
miserável pasta de prata, mas desta vez ele ficou parado. Ele não manchou
meu corpo imediatamente com a pasta novamente, mas apenas travou os
olhos comigo. Eu aproveitei essa chance. Se isso significasse que eu estaria
livre da dor, faria qualquer coisa.
“Eu-Eu vou te dizer o que você quiser. Qualquer coisa. Tudo!” Eu implorei, com
minha voz mal reproduzindo um sussurro.
“Isso é melhor”, ele sorriu sinceramente, de alguma forma deixando seu rosto
ainda mais distorcido do que antes.
“Agora, vou lhe contar uma pequena história e você vai me ajudar a preencher
as lacunas. Qualquer tentativa de mentir ou ocultar qualquer verdade vão,
infelizmente, me levar a colocar isso em lugares mais… Sensíveis. Estou sendo
claro?” O demônio magro levantou o recipiente do que ele chamou de fósforo
branco e acenou na minha frente.
Eu assenti novamente.
Franzi minhas sobrancelhas, confuso. “Eu mal terminei meu segundo ano na
Academia Militar de Wittholm. Eu não tive treinamento anterior antes.”
“Então você está me dizendo que conseguiu derrotar dois combatentes de Ki
treinados profissionalmente sem treinamento prévio?” O homem magro
perguntou, sua voz ficando perigosamente baixa.
“Eu tive a ajuda dos meus amigos, mas sim”, eu disse, reunindo o máximo de
confiança que pude.
“E então, você está me dizendo que Olivia Wilbeck, aquela megera calculista,
permitiu que o Legado simplesmente saísse em público com duas crianças que
não tinham treinamento prévio?”
“O que é esse Legado que você continua falando? Eu nunca vi isso na minha
vida!” Eu implorei. O homem magro me olhou em silêncio por um momento.
“Há apenas duas coisas que eu realmente quero saber, Grey. Qual organização
enviou você para proteger o Legado e em que medida o país de Trayden está
prestando assistência a você e ao Legado anunciando publicamente Lady Vera
como sua mentora?”
Minha mente girou por respostas. Eu não tinha ideia de que organização ele
estava falando e o que o país de Trayden tinha a ver com o que quer que fosse
esse legado. Antes que eu pudesse responder, o homem soltou um suspiro. Ele
esfregou a ponta do nariz enquanto caminhava em minha direção.
“P-Por favor. Eu não sei – implorei mais uma vez enquanto novas lágrimas
escorrendo pelo meu rosto mais uma vez. “Eu não sei!”
O fogo do inferno acendeu na carne macia das minhas coxas, o calor chegando
até minha virilha.
Toda vez que ele caminhava em minha direção, eu estava com medo e
esperança. Com medo de que ele induzisse mais dor, e esperançoso de que
esse seria o momento em que finalmente falaria de novo e me aliviaria desse
inferno. O tempo parecia tão estranho para mim. Eu não sabia dizer se estava
passando rápido ou devagar dentro desta sala escura e sem janelas. A luz
brilhante apontada constantemente na minha cara não permitia que meus
olhos percebessem detalhes da sala. Nenhuma distração para me ajudar a
aliviar a dor.
“Que porra é -”
O demônio magro atacou com uma arma que eu não consegui decifrar o que
era, mas foi repentinamente enviado voando de volta. A terceira figura
caminhou em minha direção, apagando a luz. O mundo ficou branco até meus
olhos conseguirem se ajustar.
Ventania passava por mim enquanto eu voava acima das nuvens. Atingir o
núcleo branco vinha com uma abundância de vantagens e manipular a mana
do ambiente com eficácia suficiente para voar era uma delas. Se eu tivesse
tentado fazer algo assim enquanto ainda estivesse no núcleo de prata, eu teria
drenado meu próprio núcleo em minutos em uma jornada.
Mais importante, era aqui que Tess e sua unidade estavam alocadas. Eles
faziam parte da divisão de ataque responsável por se infiltrar nas masmorras
e livrar-se das bestas corrompidas abaixo e destruir os portões de
teletransporte que os Alacryanos tinham plantado para transportar mais
soldados.
Suavizando minha aterrissagem com uma almofada de vento, fui recebido por
uma multidão de soldados ajoelhados.
Desviei o olhar do homem que supus ser o líder e olhei para o garoto cuja
cabeça estava forçada a se curvar. Ele estava tremendo enquanto ele agarrava
seu báculo com força suficiente para embranquecer seus dedos.
Faz um tempo desde que eu fui tratado assim, pensei, parando um momento
para saborear as cabeças inclinadas em respeito e provavelmente medo.
Capítulo 198
Uma Cidade Interior
PONTO DE VISTA DE VIRION ERALITH
Permaneci em silêncio e neutro, como era meu trabalho até que todos os lados
– que neste caso, dois – explicassem seus argumentos.
“Como você pode chamar isso de uma comparação adequada?!” Blaine rugiu,
batendo as palmas das mãos na mesa redonda. “O caminho mais fácil para as
principais cidades de Elenoir é passando pela cordilheira norte das Grandes
Montanhas, a partir de Sapin. Se Sapin cair – até mesmo as cidades exteriores
– os Alacryanos também terão acesso muito mais fácil às suas terras!”
– Cuidado com o seu tom, vereador – retrucou Merial, seus brilhantes olhos
azuis ficando escuros. “Você age como se os elfos estivessem em dívida com
você mesmo tendo enviado muitos magos para ajudar suas tropas a afastar os
Alacryanos de suas águas. Se apenas um quarto desses soldados estivesse
posicionado para proteger as fronteiras da floresta, nem precisaríamos dessa
reunião. “
Alduin esfregou a ponta do nariz, fechando os olhos. Quando ele os abriu, seus
olhos cor de esmeralda se fixaram nos meus. “Tudo o que estamos solicitando
é que enviem alguns de nossos homens de volta para Elenoir para que eles
possam defender sua casa.”
“Não existem seus homens. Você esqueceu? O Conselho foi formado para unir
as três raças porque previmos uma ameaça externa. Nosso trabalho é manter
a imparcialidade e liderar todo o continente a uma vitória sobre os Alacryanos,
e não apenas Elenoir – rebateu Blaine antes de se virar para mim. “Eu imploro
ao comandante Virion que ele permaneça imparcial pelo bem desta guerra.”
“Chega!”
Eu lancei um olhar afiado para todos dentro antes de falar novamente. “Com
base no número de ataques, Sapin continua sendo uma prioridade para os
Alacryanos. Como o vereador Blaine mencionou, o caminho mais fácil para as
principais cidades de Elenoir é atravessando a faixa norte das Grandes
Montanhas desde Sapin, e como houve pequenos ataques perto dessa área,
devemos prosseguir com a suposição de que os Alacryanos também sabem
disso. Nós enviaremos mais tropas para solidificar a defesa dessa área. “
“Oh, droga, eu perdi minha deixa!” uma voz rouca soou do outro lado da sala.
Com um sorriso infantil, sentou-se na cadeira vazia mais próxima dele antes
de se apresentar. “Buhndemog Lonuid. Prazer em conhecê-los.”
O som de ferramentas batendo contra pedra e aço foi realmente abafado pelos
passos de soldados e trabalhadores, que nunca paravam nem por um
momento.
“Embora eu queira receber o crédito, sou bastante novo aqui. O capitão sênior
que eu – junto com alguns outros como minha pessoa – reporto é o único
responsável por todo o sistema e estrutura deste local”, explicou, acenando
para alguns trabalhadores que o saudavam.
“Os andares daqui em diante também são acessíveis para os civis”, explicou
Albanth, exibindo um distintivo para os guardas.
“Está tudo bem”, disse sorrindo, olhando para os soldados. “E uma saudação
é suficiente.”
O outro seguiu seu companheiro. “É uma honra conhecer uma Lança famosa!”
“De certa forma, sim”, disse o capitão suado, puxando o decote do colarinho
da armadura para se refrescar. “Estamos chegando ao nível que contém nossa
forja principal.”
Outro lance de escadas e pude ver toda a glória da forja. A fumaça era
ventilada através das fendas estreitas perto do teto, mas o chão ainda estava
coberto por uma densa nuvem negra. Uma espessa camada de calor
constantemente irradiava das várias forjas espaçadas uniformemente entre as
equipes de ferreiros. Ferramentas ficavam penduradas nas prateleiras,
enquanto dezenas de homens musculosos martelavam suas bigornas.
Quanto mais andávamos, mais pessoas realmente existiam. Além dos soldados
e diferentes tipos de trabalhadores, havia uma boa quantidade de
comerciantes e aventureiros desonestos também.
“Sim, senhor. Eles estão restritos à rota principal de onde vêm os suprimentos
de nossos soldados e também são tributados pesadamente por fazer negócios
aqui, mas eles ainda vêm em massa”, Albanth riu. “Uma ideia bastante
brilhante do capitão sênior, se é que posso dizer. Por isso, a maioria dos
aventureiros que assumem empregos aqui são pagos pelo dinheiro que os
comerciantes pagam para fazer negócios aqui pelos aventureiros!”
Caminhamos por mais alguns minutos até chegarmos a uma área mais
tranquila. Um pavilhão de lona incomumente grande se destacava contra a
montanha com vários magos vigiando. Albanth apontou para a luxuosa tenda
branca. “Esta é a sala que os capitães e líderes usam para realizar reuniões.
Você veio em um bom momento, pois há uma reunião acontecendo agora. Eu
estava prestes a descer pouco antes de você chegar.”
“Engraçado como as coisas funcionam dessa maneira”, ele riu, mostrando seu
distintivo mais uma vez para os guardas. “O capitão sênior Trodius, junto com
o outros capitães e vários líderes estão lá dentro.”
“Dada a natureza da tarefa, isso não tem importância”, disse o homem, sem
demonstrar emoção. “Por favor, sente-se e me permita me apresentar.”
Capítulo 199
O Retorno
“Atualmente, existem cinco unidades nessa região e outras três a Leste, com
base nas últimas transmissões”, o capitão da Divisão Trailblazer relatou,
apontando para as marcações relativas com um dedo estendido.
Jesmiya Cruwer – seu nome me foi dado através de uma breve introdução – era
a capitã da unidade de Tessia. Ela era uma mulher bonita… De uma forma
aterrorizante. Com longos cabelos loiros que caíam sobre os ombros em ondas
e uma figura que sua armadura apertada apenas acentuava, eu só podia
imaginar quantos homens tentaram cortejá-la, uma vez que eles superassem
o medo da rejeição. A capitã sempre tinha uma mão apoiada no cabo do sabre,
como se estivesse sempre pronta para atacar, e sua expressão ranzinza nunca
pareceu amolecer.
Eu imaginava que o capitão que liderava sua divisão nas perigosas florestas
das Clareiras das Feras seria rígido, mas a capitã Jesmiya parecia capaz de
afugentar bestas de mana com apenas um olhar afiado na direção delas.
Trodius desviou o olhar do mapa para uma folha de papel que estava
segurando. “Capitã Jesmiya. As folhas de registro para limpar as masmorras –
quão preciso é esse cronograma?”
A expressão da capitã Jesmiya era ainda mais azeda do que antes, quando ela
voltou ao seu lugar. O musculoso capitão Albanth, por outro lado, tinha toda a
intensidade de um filhote de urso sentado desconfortavelmente de frente com
a mulher loira de cabelos de fogo fervente.
Com o contínuo sucesso da Muralha sob sua orientação direta, Albanth fora
promovido recentemente de sua posição como chefe de unidade.
Trodius ergueu os olhos das anotações. “E qual é o progresso nas novas rotas
para a nossa Divisão Trailblazer?”
O capitão sênior voltou-se para a capitã Jesmiya. “Há novas atualizações sobre
a procura de portões de teletransporte?”
“Sim”, respondeu Trodius, seus olhos rubros se voltando para mim. “Com os
constantes ataques à Muralha, a melhor maneira de nossos soldados
acessarem a Clareira das Bestas é através dos nossos canais subterrâneos. No
entanto, com o novo modo de transporte que está sendo construído para
conectar a Muralha à cidade de Blackbend – um “trem” é o que eu acho que
eles estão chamando – teríamos um acesso muito melhor ao portão de
teletransporte da cidade. Se conseguirmos localizar e conectar esse portão a
qualquer portão das Clareiras das Feras, as tropas não precisarão perder horas
marchando através de túneis subterrâneos.”
Meus olhos focaram no mapa. “Como você tem certeza de que existem portais
de teletransporte nas Clareiras das Feras?”
“Não temos”, respondeu ele com naturalidade. “É por isso que limitei os
recursos para encontrá-los. Muitos dos textos antigos que temos nos portões
apontam que alguns estão escondidos nas Clareiras das Feras, mas se é
verdade ou não, permanece um mistério.”
Os arcos de pedra gravados com runas indecifráveis pareciam tão simples, mas
cidades inteiras foram construídas em torno deles e contaram com eles como
meios de transporte. Atualmente, os artífices apenas descobriram como
conectar portas de teletransporte e mudar seus destinos. Quanto a realmente
construir um, era um sonho distante.
Não importa, pensei. Uma perda de tempo, considerando que pode até não
haver portões.
“Será melhor para eles ouvirem isso também”, afirmei, ainda no meu lugar.
“Intrigante”, Trodius refletiu. “General. Você diz que os magos Alacryanos têm
uma forma muito limitada e especializada de manipulação mágica, mas o que
está impedindo um “atacante”, por exemplo, de explodir sua mana em um
ataque à distância?”
“Não direi que você esteja totalmente confiante nessas informações. Melhor
ainda, não conte às suas tropas ou apenas informe os chefes e peça que eles
observem. Nossos inimigos usam a magia de maneira muito diferente de nós,
mas isso nem sempre significa que é melhor. Estude e explore as falhas”
afirmei. “O Conselho estará esperando relatórios com base nas informações
que estou fornecendo a você agora. “
O Conselho não estava realmente ciente dessas informações ainda, mas ele
estaria em breve e, sem dúvida, iria querer mais relatórios.
Contei aos presentes na reunião o resto do que sabia sobre as marcas, brasões,
emblemas e regalias.
Crescendo com a filha dele ajudando tanto a minha família quanto a mim, não
pude deixar de me ressentir da família Flamesworth depois de ouvir em
primeira mão por Jasmine como ela foi descartada por eles.
Não muito tempo depois que eu saí da tenda, meu ambiente havia se tornado
alto e ocupado. O chão não estava pavimentado, então uma camada de areia
e poeira constantemente subia no ar a partir dos inúmeros passos.
Trabalhadores, cobertos de sujeira e fuligem, misturavam-se entre
comerciantes e aventureiros, alguns ainda segurando suas pás ou picaretas
depois de terem sido liberados recentemente de seu turno. Barracas e
carrinhos de vários fornecedores que percorreram um longo caminho gritavam
seus produtos enquanto artistas se apresentavam nos cruzamentos em
plataformas com uma caixa de instrumentos ou um chapéu virado para a
frente para coletar dinheiro.
“Olá! Rapaz! Seus sapatos parecem muito finos para alguém nessas partes –
gritou um homem corpulento de avental de couro. “Quem sabe você possa se
interessar em um par de botas de couro nobre para seus pobres pés?”
Foi divertido passear pelas ruas movimentadas da fortaleza. Vestida com nada
além de uma túnica solta com decorações mínimas e sem arma, a maioria me
considerava o filho de um comerciante.
Quando o sol começou a se pôr, pensei em talvez passar uma noite em uma
pousada que atendia aos visitantes da Muralha, quando uma buzina soou à
distância.
Virando o meu olhar, vi um grande portão de metal com cerca de seis metros
de altura, de onde a buzina tinha saído.
Eu dei um passo à frente para ver melhor quando, pelo canto dos olhos, vi meu
pai.
Capítulo 200
Responsabilidades
Eu sabia que era possível encontrá-los quando eu chegasse aqui, eu até
antecipei isso até certo ponto. Mas quando vi meu pai ajudar minha mãe a sair
da carruagem, eu congelei. Por alguma razão, meus pés permaneceram
ancorados no chão conforme eu via mais rostos familiares aparecerem ao lado
deles. Jasmine, Helen, Durden, e Angela, um após o outro. A equipe inteira
ainda parecia a mesma – exceto que faltava Adam.
O guarda olhou para trás do homem magro com quem estava falando, estudou
as carruagens e soltou um suspiro agudo. “Depois que as carruagens forem
descarregadas e seus homens contados, venha para a tenda principal. Você
precisará fazer um balanço completo. “
O fato do chefe desta expedição falar em ser atacado como se fosse uma
ocorrência comum enviou uma dor aguda no meu peito. Sem outro
pensamento, abri caminho entre a multidão, afastando homens com o dobro
da minha altura e peso com facilidade antes de parar bem na frente dos meus
pais. Fiquei com medo por uma fração de segundo quando meus olhos se
fixaram nos deles. Nós nos reconciliamos, mas meu relacionamento com eles
não era mais tão inocente como era antes.
A boca de minha mãe se abriu de surpresa e ela parecia estar prestes a dizer
algo, mas seu rosto desgastado se derreteu em um sorriso suave.
“Arthur!” Meu pai chamou, largando o saco que ele havia jogado por cima do
ombro.
Meu pai passou os braços grossos em volta de mim, me levantando. Minha mãe
esperou pacientemente meu pai liberar seu abraço antes que ela me puxasse
para um abraço.
“É bom ver que você está indo bem”, ela sussurrou, com o rosto contra o meu
peito.
“Tem certeza de que você não foi quem ficou menor?” Eu provoquei, puxando
minha antiga professora e amiga para um abraço.
A grande casa decrépita que teve a audácia de colocar uma placa que
anunciava que era a estalagem mais popular por quilômetros ficava a poucos
quarteirões de distância. Como a pousada também servia de restaurante e bar,
estava lotada de trabalhadores e soldados que se reabasteciam e se
afastavam do frio cortante que piorava à medida que a noite caía.
“É-é uma Lança em carne e osso! Aqui na minha pousada! Oh, meu Deus.” O
dono da pousada que estava trabalhando na recepção com uma jovem que
obviamente parecia desconfortável se contorceu como um filhote de cachorro
enquanto ele tentava apertar minha mão, assinar nossos formulários e chamar
um garçom por uma mesa ao mesmo tempo.
“Estou apenas procurando um jantar tranquilo e um quarto para minha família
e amigos”, eu disse com um sorriso.
Fomos levados a um lance de escadas em espiral até uma varanda que ficava
longe da Muralha. Não havia nada além de planícies ao longe, mas ainda era
uma bela vista. Havia um fogo crepitando em um forno de metal ao lado da
mesa para aquecer e já tinha um prato de pão quente e um caldo para
começarmos a refeição.
“Como você tem passado, Arthur?”, minha mãe perguntou depois de nos
acomodarmos em volta da mesa.
“Eu tenho estado bem”, eu menti. Não era tão simples assim. Tantas coisas
aconteceram no período que não nos vimos, mas olhando para a minha mãe e
pai, eu não queria dar a eles mais nada para se preocupar.
Minha mãe tinha envelhecido significativamente desde a última vez que nos
encontramos. Comparado com a vida confortável que ela teve em Xyrus, estar
na estrada com uma possível ameaça de morte aparecendo em cada esquina
significava que beleza e autocuidado não eram exatamente considerados uma
prioridade.
Meu pai ainda aparava o cabelo curto, mas agora também usava uma barba
grossa que cobria a maior parte do rosto abaixo do nariz. Havia olheiras
escuras sob seus olhos, mas meu pai ainda tinha uma expressão animada.
“Eu não consigo mais sentir seu núcleo, Arthur”, meu pai acrescentou. “Quão
forte você ficou?”
“Eu avancei pro núcleo branco não faz muito tempo”, sorri.
Acontece que meus pais ainda mantinham contato com Ellie. Não era tão
frequente quanto eles queriam, mas todas as viagens à Muralha e de volta à
Cidade de Blackbend, eles se esforçavam para enviar uma transmissão ao
castelo.
“Sua irmã está em seu estágio rebelde”, meu pai suspirou, enfiando um pão
ensopado na boca.
“Ela apenas responde com ‘eu estou bem’ ou ‘eu estou viva’ a maior parte do
tempo”, minha mãe acrescentou, com preocupação em sua voz. “Ela está bem,
certo? Ela está comendo bem? Ela está fazendo amigos?”
Coloquei meu garfo. “Se você está tão preocupada, por que não visita o
castelo? Tenho certeza de que é isso que Ellie quer. “
“Eu posso te levar. Sylvie não está comigo, mas podemos ir para Blackbend e
obter autorização para pular para o castelo”, respondi, esperançoso.
Meus pais se entreolharam por um momento antes de olhar para mim. Minha
mãe falou em um tom tranquilizador. “Um novo meio de transporte vai ser
construído no subsolo. Uma vez feito isso, poderemos visitar você e Ellie com
muito mais frequência. “
“Isso é bom e tudo mais, mas ouvi relatos de que a jornada aqui de Blackbend
está ficando cada vez mais perigosa. Ellie se preocupa com vocês, gente. Eu
me preocupo com vocês!”
Minha mãe assentiu. “Eu sei, e não culpo vocês se pensam que somos pais
ruins por fazer isso, mas temos nossos deveres aqui. Pessoas que precisam da
nossa ajuda. “
“Não é um fardo só de vocês. Existem outros soldados que podem tomar o seu
lugar.” Minha voz saiu mais nítida do que eu pretendia.
Um olhar de confusão passou pelo rosto da líder antes que ela percebesse o
que Angela estava fazendo. “Sim, sim. Vamos pegá-los antes que sejam
roubados. Vamos lá, pessoal.”
As duas arrastaram Durden e Jasmine com eles. Angela olhou para trás e me
deu um olhar significativo antes de desaparecer.
Se a feiticeira quis evitar a tensão colocada nesta mesa ou apenas dar
privacidade à nossa família, eu não sabia. Minha mãe interrompeu, sua voz
séria.
“Todo mundo está em perigo durante a guerra. Você também, Arthur”, minha
mãe respondeu implacavelmente.
Meu sangue ferveu e eu tive que me concentrar em conter minha mana. “Sim,
mas eu posso lidar com isso.”
Meu pai bateu seus utensílios na mesa, desenhando meu olhar. “Você percebe
o quão hipócrita você está sendo? Então você está dizendo que é bom para
você se colocar em perigo, desde que Ellie, Alice e eu fiquemos trancados em
algum lugar seguro? Abandonando nossas responsabilidades com o nosso
reino? Estou lutando nessa guerra para proteger todos vocês, mas não posso
estar ao lado de vocês o tempo todo. E se algo acontecer com você ou sua mãe
enquanto eu estou em uma missão? Até Ellie… Ela está tão interessada em
treinar porque quer se juntar a vocês! E se ela morrer também, como Adam?!”
Meu pai saiu aborrecido e minha mãe o seguiu. Ela olhou para mim
solenemente, mas não disse nada enquanto eu me sentava sozinho em
silêncio.
Minha mente estava inundada de emoções, voei alto o suficiente para olhar
para a Muralha e sentei-me na beira da montanha adjacente à fortaleza. Eu
deixei os ventos afiados penetrarem na minha pele, suportando a leve dor
como punição pelas minhas palavras anteriores.
Fiz tudo o que pude para evitar repensar minha conversa mais cedo na
estalagem. Eu queria abater algumas bestas corrompidas, mas infelizmente a
noite estava tranquila. Comecei a contar as tochas ao longo da Muralha e o
número de arqueiros e magos alocados. Eu até vi um par de soldados atrás de
um pilar de madeira passando a noite um pouco mais “apaixonadamente”,
sem esperar que alguém olhasse para o andar mais alto da Muralha por cima.
Depois que fiquei sem coisas para contar, ampliei minha visão o máximo que
pude, tentando sentir quaisquer bestas de mana indo em direção à Muralha
através da espessa noite. Não senti nenhuma fera de mana, mas senti alguém
se aproximando de mim por baixo.
“Aí…está…você”, uma voz soou abaixo alguns minutos depois. Uma mão
apareceu, agarrando a borda em que eu estava sentada.
Eu sabia que Jasmine estava tentando o seu melhor para ser alegre. Eu sorri.
“Me desculpe por isso. Como você me achou, afinal?
Jasmine bufou orgulhosamente, o que parecia mais um chiado desde que ela
ainda estava se recuperando. “Não subestime sua mentora.”
Nós dois ficamos em silêncio por um tempo, observando a noite ficar mais
escura.
Enrolei-nos em uma camada de mana imbuída de fogo para nos aquecer antes
de responder. “Apenas algumas horas antes de vocês chegarem.”
Jasmine balançou a cabeça. “Nem uma vez, apesar das muitas viagens para lá
e para cá. Parece que nós dois temos problemas de família agora.”
“Não vou perguntar o que aconteceu na pousada. Apenas saiba que seus pais
se importam com você e Ellie. Sempre que seu pai conhece alguém novo, ele
sempre diz a eles como seu filho é uma Lança.”
“Eu sei”, eu bufei. “Foi por isso que pensei que eles ficariam no castelo até o
fim da guerra, e não se jogariam em terras perigosas.”
Jasmine colocou a mão no meu braço. “Não tenho certeza se isso faz sentido,
mas acho que o que eles estão fazendo agora para contribuir com esta guerra
é tanto para eles como para você e Ellie. Eles estão tentando superar os erros
e medos do passado para poderem se tornar pais melhores para vocês dois.”
“Eu sei que também estava sendo egoísta”, admiti. “Mas acho que nós três
precisamos de algum tempo.”
“Apenas não deixe que seu relacionamento com seus pais se torne como o da
minha família comigo”, disse ela brevemente. “Tenho certeza de que houve um
tempo em que poderíamos ter reconciliado, mas eu escolhi continuar
correndo, e o orgulho de meu pai o impediu de estender a mão.”
Eu me virei para Jasmine, que estava sentada, abraçando seus joelhos. Ela não
parecia ter envelhecido um único dia desde quando eu a conheci, exceto que
seus olhos, que brilhavam mais profundamente com um senso de maturidade.
“Obrigado, Jasmine.”
“É melhor você estar agradecido mesmo. Meu queixo está dolorido por falar
tanto.”
Ela balançou a cabeça. “Está tudo bem. Descer é a parte mais fácil, e parece
que você precisa de mais tempo sozinho.”
Capítulo 201
Alocação
O castelo apareceu no alto de um céu cinza sólido. A chuva ainda tinha que se
formar dentro das nuvens espessas, mas eu podia sentir a umidade na minha
pele e roupas e a densa mana de água à minha volta quando me aproximei da
base da estrutura voadora.
Ellie estava alta, com olhos castanhos brilhando com confiança. Seu cabelo
castanho acinzentado que passava por seus ombros era um lembrete doloroso
de nosso pai, com quem eu acabara de encontrar e discutir ferozmente.
Ao lado de minha irmã havia uma garota mais única. Ela parecia um pouco
mais jovem que Ellie, mas seus brilhantes olhos amarelos irradiavam uma
sensação de maturidade. Uma cortina de cabelos claros cor de trigo caía sobre
sua figura esbelta, envolta em um vestido preto brilhando como uma
obsidiana fina. Combinando com o traje dela estavam dois chifres irregulares
que se projetavam do lado de sua cabecinha. O que a tornou única não foi o
fato de ela ter chifres, mas o fato que ela era na verdade uma Asura, um dragão
e – o mais importante – meu vínculo.
Minha irmã acenou antes de trotar alegremente em minha direção com Sylvie
sendo rebocada por ela. Meu vínculo deu passos hesitantes, mas seus
movimentos se tornaram muito mais fluidos nos poucos dias em que
estivemos separados.
“Bem-vindo de volta”, minha irmã cumprimentou. “Vendo como seu corpo todo
está encharcado, vamos fingir que nos abraçamos”.
“Eu não sou de fingir”, eu disse desonestamente antes de puxar minha irmã
em meus braços.
“Gah! Acabei de tomar banho!” ela protestou, lutando contra o meu abraço.
“Então, como foi sua missão? Eu quero ouvir tudo sobre ela”, minha irmã
perguntou, seus olhos brilhando de emoção.
Depois de conjurar uma simples onda de calor para me secar, nós três saímos
da sala lotada que ficara desconfortavelmente silenciosa devido à minha
presença.
“Eu entrei no estágio vermelho claro enquanto você estava fora”, minha irmã
declarou orgulhosa. “Isso, e meu regime diário de treinamento com Boo,
provavelmente me faz uma maga bastante competente para a minha idade.
Até o comandante Virion elogiou minhas habilidades, dizendo que eu poderia
até pular o treinamento obrigatório para os soldados.”
“Você sabe, a princesa Kathyln também ajudou muito. Ela está brigando
comigo e me ajudando com alguns truques de manipulação de mana”, minha
irmã conversou, avançando e virando para trás para me encarar enquanto ela
falava.
“Sério? Você sabe que eu sempre posso ajudar no ensino de magia quando
estou livre”, respondi. “Eu era um professor oficial da Academia Xyrus, afinal.”
“Por… Um semestre”, minha irmã falou com um sorriso.
“Obrigado pela oferta, mas eu sinto que aprender com você me desencorajará
mais”, ela riu.
“Eu sei que temos apenas 5 anos de diferença, mas ainda compartilhamos o
mesmo sangue”, ela respondeu, virando-se de costas para mim enquanto
caminhava corretamente.
Meu vínculo levantou uma sobrancelha para mim antes de caminhar para
acompanhar o ritmo da minha irmã. Sylvie deu um tapinha no ombro de Ellie.
“Está bem. O talento do seu irmão é considerado uma anomalia, mesmo entre
os Asuras. Não se compare com uma aberração como ele.
Minha irmã olhou por cima do ombro com um sorriso. “Não, não, acho que
‘aberração’ descreve você perfeitamente a respeito disso.”
“Sente-se”, ele fez um gesto, olhando para o lado com um sorriso no rosto
desgastado.
Eu me virei para ver o que ele estava olhando para ver o resto do Conselho e
um rosto familiar que eu não esperava.
“Vejo que as reuniões estão afetando você”, respondi com um sorriso que
espelhava o de Virion.
“Minha bunda nunca esteve tão dolorida desde os dias em que fui açoitado
por minha mãe quando criança”, ele gemeu, esticando seu corpo robusto.
“Vou ter que concordar com o vereador Blaine sobre isso”, acrescentou Alduin.
“Acho que essa é uma fraqueza clara das táticas de luta deles”.
“Não acho que seja tão simples assim”, argumentou Buhnd, esfregando a
barba em pensamentos.
Buhnd falou de novo, com um tom de excitação no rosto. “Este sou eu apenas
especulando neste momento, mas com o sistema de marcas e cristas e outros
adornos, os magos de Alacrya parecem hiper focados em um feitiço e suas
alterações e evoluções. Isso significa que, enquanto magos de Dicathen focam
em vários feitiços de seu elemento de afinidade, ou elementos ” – ele olhou
em minha direção – “esses magos Alacryanos passam a vida aprimorando um
único feitiço e construindo em cima dele. “
“O que o Élder Buhnd diz, soma ao que vi em campo”, acrescentei. “Um dos
‘atacantes’ contra quem eu batalhei usava apenas um feitiço, mas desde o
tempo de conjuração até a durabilidade e potência da magia em combate, eu
o confundi como um mago em torno do nível de um núcleo amarelo. E o fato
desses magos especializados trabalharem em pequenas equipes que negam
suas fraquezas, eu diria que apenas nossos magos veteranos de núcleo
amarelo claro e superior podem realmente explorar suas ‘limitações’.”
“Duelos são uma coisa; nas frentes de guerra, magos versáteis não são tão
úteis quanto soldados especializados que são muito bons em uma coisa”,
Buhnd concluiu sombriamente.
“Muito bem. Agora vamos discutir planos sobre a melhor maneira de espalhar
nossas forças “, disse Virion pesadamente. “Eu originalmente queria discutir
com lorde Aldir sobre isso, mas como ele e o resto dos Asuras deixaram de
entrar em contato conosco, precisamos seguir por conta própria por
enquanto.”
Fiel às minhas expectativas, mesmo sem jogar a bomba, ‘os deuses não estão
mais conosco‘, a reunião logo se transformou em uma grande discussão,
conforme os membros do Conselho discutiam entre si onde se fortalecer mais
fortemente com soldados e magos. O principal problema era que havia terreno
demais para cobrir.
O que Agrona e os Alacryanos fizeram bem – tanto quanto eu odiava admitir –
foi manter seus objetivos quase ilegíveis. Desde as batalhas até agora,
sabíamos que os Alacryanos estavam gastando bastante recursos para
atravessar a Muralha, para que os animais corrompidos tivessem liberdade
para todo o reino pelas fronteiras orientais de Sapin.
Tínhamos pensado que o objetivo deles era marchar para o sul e se juntar aos
aliados vindos das costas ocidentais, mas com esses últimos ataques
direcionados no rumo do território élfico vindo das Clareiras das Feras, as
tropas Alacryanas no Norte poderiam realmente estar mirando para leste em
direção a Elenoir.
“É por isso que eu queria esperar até lorde Aldir estar aqui!” Blaine bufou de
frustração. “Ele saberá que é tolice espalhar nossas forças mais do que já
estão.”
“Comandante Virion, você mencionou que o Ancião Camus voltou para Elenoir
depois que meu treinamento com ele terminou”, falei, ignorando o antigo rei
de Sapin.
“Ele foi informado, é claro”, disse ele, entendendo para onde eu estava indo.
“Talvez seja do interesse dele e de nosso interesse se ele ajudar a inspecionar
o Sul quanto a qualquer movimento suspeito”.
Blaine parecia que estava prestes a dizer algo, mas Priscilla interveio. “Está
bem.”
“Terá que ser uma solução temporária”, enfatizou Alduin depois que Virion
voltou o olhar para ele e sua esposa. “Se os ataques aumentarem em direção
a Elenoir, precisamos enviar tropas capazes de navegar pela floresta de volta
para se defender. “
“Não cubra com açúcar. Apenas diga que você pegará os elfos de volta porque
defender Elenoir é mais importante do que defender todos os cidadãos de
Dicathen”, disparou Blaine de volta.
“Basta!” Virion estalou, lançando um olhar mortal para ambas as partes. “Se
isso é tudo, encerraremos a reunião aqui-“
Olhei para Sylvie uma última vez e ela encontrou meu olhar com uma
expressão resoluta. Respirando fundo, comecei: “É sobre a ausência de Aldir e
os Asuras…”
Capítulo 202
Pedido do traidor
Fazer a minha conversa com Agrona parecer mais uma declaração unilateral
do líder Vritra para nos rendermos, permitiu-me contar a todos os presentes
na sala sobre como os Asuras tentaram usar nossa guerra para atacar os Vritra
em Alacrya… E acabaram fracassando.
“Pelo menos, isso explica por que ainda não vimos mais Foices e Retentores,
além dos que já enfrentamos”, Buhnd falou.
O anão ancião foi o menos abalado pelas minhas notícias desde que ele nunca
conheceu os Asuras em primeiro lugar. “Agrona deve ter mantido suas usinas
em Alacrya junto com os membros reais de seu clã Vritra, caso algo assim
acontecesse.”
“Tenho certeza de que essa batalha entre Epheotus e Alacrya não foi tão
unilateral quanto Agrona levou Arthur – e todos nós – a acreditar”, respondeu
Alduin.
“Isso é tudo sol e pêssegos, mas pela minha experiência, nada de bom
acontece em esperar o melhor em situações como essa”, acrescentou Buhnd,
sombrio.
“Ele está certo”, eu concordei. “Deveríamos fazer várias contingências supondo
que Retentores e Foices estão vindo para cá agora.”
“De acordo com os relatórios do capitão Trodius, não foi visto nenhum portão
de teletransporte depois de meses que o último foi destruído”, respondeu
Priscilla. “Pelo que pude constatar, as construções eram de péssimo design e
fracassaram depois que algumas tropas de Alacryano conseguiram passar, e
havia até um relatório em que um soldado testemunhou apenas metade de
um mago de Alacrya saindo pelo portal antes de quebrar. Aquele mago morreu
em segundos. No momento, a divisão Trailblazer está acabando com os
animais corrompidos e seus controladores antes que eles consigam chegar à
superfície.”
“Isso se soma ao que eu vi”, murmurei, lembrando como até a Foice que me
salvou de Uto havia chegado pelos portões de teletransporte através do Reino
de Darv antes de viajar por terra através de Sapin.
“Só temos que esperar que isso seja verdade”, Virion soltou um suspiro, ainda
andando.
“Então devemos esperar que eles cheguem da costa oeste de navio?” Blaine
perguntou, seu rosto pálido. “Se for esse o caso, nenhuma construção de
muros vai resistir a um ataque deles”.
“Embora tenhamos muito em que pensar, sugiro que tomemos um tempo para
descansar. Alguns de nós estão aqui há mais de um dia, e não adianta ter
mentes lentas,” – disse Virion em tom derrotado. “Vamos nos encontrar aqui
ao nascer do sol.”
Olhei pela janela para ver que a noite havia caído e comecei a calcular quanto
tempo eu tinha para finalmente descansar.
O simples vestido preto que ela estava usando a rodeava como se estivesse
vivo. As mangas recuaram enquanto o vestido se alongava, passando pelos
joelhos até que seu traje se transformou em uma camisola.
“Eu posso moldar minhas escamas em roupas nessa forma”, disse ela
calmamente, modelando a metade inferior do vestido em calças para provar
seu ponto de vista.
“Mas sou capaz de dissipar uma grande quantidade de minha mana de uma só
vez.”
De repente, mana começou a se reunir em sua palma aberta, lançando uma luz
brilhante por toda a sala. Os artefatos de luz pendurados nas paredes e o teto
cintilaram e escureceram.
O rosto estoico do meu vínculo abriu um sorriso quando ela olhou para mim.
“Seus chifres irregulares meio que negam tudo que você tem de feminino”, eu
disse, inquieto, enquanto fugia para o meu lugar enquanto a esfera carregada
de mana começou a pulsar com poder. “Mas seriamente. Você ainda tropeça
nos seus próprios pés, Sylv. Não vamos pôr em perigo todos neste castelo. “
“Bem, você ainda está se acostumando com sua forma humana”, eu consolava.
“Pelo menos poderemos contar um com o outro”, ela respondeu com um olhar
determinado. “Depois de ter obtido um melhor controle dessa forma, sinto que
nós dois derrotarmos uma Foice não é impossível. “
“Não é impossível”, ecoei com uma risada. “Não é a melhor das probabilidades,
mas muito melhor do que antes.”
“Talvez tenhamos algum tempo para treinar antes de iniciar uma missão”,
disse Sylvie, esperançosa. “Gostaria de testar a extensão do meu controle
sobre o éter nesta forma.”
‘Não tenho tanta certeza disso, Arthur. Ellie está ansiosa por tê-lo de volta… Por
mais brevemente que seja.’
“General Arthur?”
A última figura bem na frente da porta era um homem corpulento, com uma
cabeça mais alta que Blaine e duas vezes mais larga. Levei um momento para
lembrar que ele era o assistente do velho encarregado de interrogar os
prisioneiros.
“Eu chamei todos vocês porque esse homem” – Virion voltou a encarar o
assistente de Gentry – “Qual era o seu nome mesmo?”
“Porque Duve disse que Gentry finalmente conseguiu que um dos prisioneiros
falasse”, concluiu Virion.
“Não tenho certeza”, respondeu Virion, lançando outro olhar para o homem
corpulento.
“Então, por que motivo você encontrou a necessidade de nos puxar para cá
nesta hora esquecida por Deus?” Merial brincou, seus olhos se estreitaram.
“Vamos lá, cadáver falante!” Buhnd estalou, falando pela primeira vez. “Pare
de falar em enigmas e fale de uma vez.”
“Corpo falan-“
Capítulo 203
Um poema
O corredor estava quieto, enquanto o olhar de todos seguia o longo dedo torto
para mim.
Minha mente girou, tentando pensar por que Rahdeas iria querer falar comigo
e o que ele poderia me dizer nessa situação.
“Depois de basicamente dividir todo o reino dos anões e me fazer limpar essa
cagada, quem é ele para exigir com quem irá falar?” Buhnd rosnou.
“Você acha que ele está tentando fazer algum tipo de acordo com o General
Arthur?” Blaine perguntou.
“Eu duvido. Se ele quisesse fazer um acordo, teria uma chance muito melhor
de fazê-lo com o Comandante Virion ou qualquer outra pessoa no Conselho.”
Merial respondeu.
“Talvez seja por causa de seus laços com Elijah?” Virion se perguntou.
No meio da discussão, Gentry soltou uma tosse para chamar nossa atenção.
“Membros do Conselho e Lança. Seria um eufemismo dizer que tem sido difícil
para mim, conseguir que o traidor fale. Talvez seja melhor aproveitarmos essa
conquista e conversarmos com ele enquanto ele ainda é capaz?”
“Estarei esperando do lado de fora da porta, General Arthur. Tenho certeza que
você já sabe, mas evite tocar em qualquer outra coisa.” Gentry avisou antes de
se afastar quando ele abriu a porta da cela.
Esperei até o velho sair antes de mudar meu olhar para o homem ajoelhado
algemado. “Rahdeas.”
A voz de Rahdeas ficou mais profunda, mais escura. “Isto é, até o dia chegar,
“Então eles pegaram suas malas e desejaram boa sorte à pequena cidade.”
Rahdeas deixou escapar um suspiro. “Mas aí, como todas as histórias, a
tragédia aconteceu.”
Rahdeas olhou para a fraca luz trêmula acima de nós. “Infelizmente, toda luz
precisa de uma sombra,
Eu olhei para baixo, sem realmente saber como reagir enquanto o guardião de
Elijah continuava segurando minha mão.
“Hmm. Eu tinha esquecido o quão quente uma pessoa poderia ser.” Seu olhar
permaneceu longe enquanto ele acariciava minha mão como se fosse um
animal de estimação.
Afastei minha mão de suas mãos. “Parece que o tempo que você passou aqui
te tornou… Desequilibrado.”
“Prefiro não perder meu tempo com palestras sobre minha escolha de
palavras, especialmente de alguém ‘desequilibrado’.” Enfatizei, estreitando os
olhos.
“Bem, eu pensei que uma conversa de coração para coração seria um pouco
chata. E embora eu não seja muito versado na arte da poesia, eu tive que fazer
algo para passar o tempo aqui.” Rahdeas respondeu seriamente por um
segundo, até que seus olhos brilharam. “Ou… Você sabe, isso pode ser apenas
a divagação de um homem ‘desequilibrado’.”
“Seja honesto, no entanto. Minha rima pode ter sido um pouco elementar, mas
era cativante, não era?” Ele sorriu, rugas revestindo sua pele medonha.
Virei-me para sair, frustrado e sem palavras, quando meu olhar pousou em
outra cela – uma ainda menor que a de Rahdeas. Apesar da inibição da mana
do material misterioso do qual a cela era feita, uma aura sinistra
constantemente vazava.
Por mais bobo que parecesse, especialmente porque ele estava amarrado e
severamente enfraquecido, me peguei caminhando em direção à prisão de
Uto.
“Visto que nada de substancial foi revelado ainda, que tal discutirmos mais
sobre isso em nossa próxima reunião?” Alduin sugeriu.
“Eu apoio isso.” Buhnd resmungou. “Podemos escolher decifrar o seu poema…
Uma vez que tenhamos dormido um pouco.”
Voltei para o meu quarto e, apesar do meu corpo implorar por descanso,
estava bem acordado. A falta de sono me deixou irritado na frente do anão,
mas eu queria acreditar que suas palavras ainda tinham algum mérito.
Embora minha memória não estivesse perfeita, pude escrever muito no papel
com a ajuda das rimas e da estrutura simples do poema.
A principal mensagem que recebi deste poema foi sobre um herói… Isso é
verdade, mas havia algo mais do que isso.
Sob a suposição de que Rahdeas não estava louco, ele disse explicitamente
que o poema era o que ele queria me dizer. Isso me levou a pensar que talvez
esse ‘herói’ tenha algo a ver comigo.
Eu tinha certeza de que o poema começou com algo sobre um rapaz de origens
pobres, e como ele estava embrulhado em um pano… Ou talvez uma
toalha. Mas eu não conseguia lembrar o que ele costumava rimar com toalha.
Provavelmente não era muito difícil para Rahdeas fazer uma verificação de
antecedentes comigo usando seus recursos enquanto ele ainda fazia parte do
Conselho, mas mesmo assim, tudo isso não parecia bem.
A segunda metade do poema foi um pouco mais ambígua, pois começou a soar
cada vez mais como uma profecia exagerada predita em quase todas as
histórias de heróis que li ao longo das minhas vidas.
Linhas como ‘quanto mais brilhante a luz, mais escura a noite’ provavelmente
tinham algo a ver com o meu inimigo ficar mais poderoso quanto mais forte
eu me tornava… Como se eu escolhesse meus inimigos por sua força em
relação à minha.
Passei pelo poema incompleto por mais meia hora antes de desistir.
Capítulo 204
Palavras perdidas
Eu dei um passo para trás quando Lady Vera posicionou sua vara de metal fina
que ela chamou de ‘folha’ para um balanço horizontal. Ainda assim, de alguma
forma, a folha conseguiu dar um tapa no meu braço esquerdo.
“Como?” Eu chiei, esfregando a ferida fresca. “Eu pensei que tinha me
esquivado disso.”
– Você está muito focado na minha arma”, respondeu Lady Vera, mantendo o
corpo imóvel. “Sua visão deve abranger seu inimigo – ou inimigos – como um
todo. O que você vê de diferente agora?
Isso me rendeu outro golpe com a arma dela. “Não banque o esperto comigo,
garoto.”
“Está bem, está bem!” Eu gritei. “E eu tenho um nome, você sabe.” “Estou ciente
de que você recebeu o nome de uma cor bastante chata”,
Com medo de ser acertado de novo, examinei a mulher alta. Ela usava uma
camisa escura e calças pretas justas, o que só enfatizava seus longos cabelos
ruivos encaracolados.
“Bom”, ela assentiu em aprovação. “Embora, se você não fosse capaz de ver
isso na pista no chão…”
“Sim, sim. Então eu não mereceria ser seu aluno”, concluí. “Agora, como eu fico
melhor?”
Meu mentor murmurou algo baixinho antes de caminhar para o lago artificial
que ela tinha em seu quintal. Todo o ‘campo de treinamento’ que nós
estávamos, que se estendia por cinquenta metros quadrados, era seu quintal.
O simples fato de ela ainda ter um quintal em uma cidade onde edifícios altos
ocupavam todos os lotes de terra disponíveis falava muito sobre sua riqueza
e poder. Além do fato de todo o seu quintal – que parecia algo saído de uma
antiga revista de natureza – também ser bloqueado do mundo exterior por
uma parede de seis metros me fez pensar que tipo de posição ela realmente
ocupava na Academia Wittholm, a academia militar em que eu ainda estava
matriculado.
Quando chegamos ao lago claro que continha peixes – peixes vivos reais –
, Lady Vera se sentou na beira e fez um sinal para eu me juntar a ela. “Tente
pegar um peixe com as mãos”, disse ela. “Sem usar ki.”
“O quê? Eles não vão morrer se saírem da água? Acho que não posso me dar
ao luxo de substituir um peixe vivo como esse.”
Ela me deu um sorriso raro. “Não se preocupe com isso e apenas tente.”
Olhando com cautela para os animais aquáticos que eu só tinha visto de forma
congelada e processada, estendi a mão e tentei pegar um. Assim que meus
dedos mal tocaram a água, no entanto, o peixe dourado e preto disparou para
o outro extremo do lago.
“Tão rápido!” Eu exclamei, maravilhado com sua velocidade. Ela estalou o dedo
para chamar minha atenção. “Novamente.”
Foram necessárias apenas mais uma dúzia de tentativas para perceber que
havia uma mensagem que eu deveria estar recebendo de tudo isso. Frustrado
e molhado, eu passei a mão sem me importar se machucaria o peixe ou não,
apenas para escorregar na pedra molhada e cair na água.
Inclinando-se para a frente, Lady Vera esperou com a mão perto da superfície.
Quando outro peixe estava prestes a nadar, ela mergulhou a mão lentamente
na água. Como eu esperava, o peixe disparou para frente. Mas com o menor
movimento de sua mão, o peixe quase se aninhou em suas mãos.
“Eu não entendo. Você fez isso tão devagar…” – murmurei. “Espera! Você
treinou esses peixes para que fossem para sua mão?”
“Pareço alguém que gasta tempo fazendo algo tão inútil quanto isso?” Minha
mentora olhou para mim, inexpressiva.
Cocei minha cabeça. “Acho que não… Mas ainda não entendo a razão disso, a
menos que seja para você apenas se exibir.”
Minha mentora jogou água no meu rosto com a minha observação. “Fiz isso
para mostrar que você e esses peixes – aqueles que foram capazes de te fazer
de bobo – são similares.”
“Eu não entendo. O que você quer dizer com ‘dominada’?” eu perguntei.
“Você pode não estar ciente disso, mas, por meio dessa ‘habilidade’,
no momento em que os braços de seu oponente flexionam para dar um soco,
seu cérebro já enviou um sinal ao seu corpo para reagir. Agora, se seus
oponentes estão no nível de estudantes daqui, você tem uma grande vantagem
sobre eles. No entanto, se for deixado assim, oponentes mais fortes podem
prever facilmente como você vai se esquivar, assim como eu previ que o peixe
tentaria esquivar quando agarrei.”
Pensei por um momento e percebi que o que Lady Vera disse precisamente
correto. “Então, como domino essa capacidade?”
“Tem um carro esperando você voltar para a escola”, disse Lady Vera enquanto
me afastava. “Agora vá embora.”
Enquanto a volta para a escola levava menos de uma hora, eu ainda consegui
cair em um sono profundo o suficiente para que o motorista tivesse que me
acordar depois de chegar.
Respirei fundo ao sair do elegante veículo preto, preparado para os olhares
afiados dos meus colegas, com o simples luxo de poder andar de carro
particular. No entanto, o pátio externo, que geralmente estava cheio de
estudantes matando aula, estavam reunidos em torno da entrada do prédio
da administração, à esquerda. Bloqueando o perímetro havia várias vans
fortificadas que pareciam um pouco diferentes da força habitual da polícia da
cidade.
Guardas blindados de preto, com seus sabres retos costurados nos quadris,
impediam todos os estudantes curiosos de se aproximarem das portas do
prédio. Esses não eram policiais normais; eles eram executores.
Peguei o aluno mais próximo. “O que aconteceu? Por que os executores estão
aqui? Houve um arrombamento ou um ataque?
Qual era o tamanho de uma explosão para os executores terem que vir? Eu me
perguntava, olhando para os soldados vestidos com finos uniformes blindados
que foram projetados para fortalecer quando imbuídos de ki.
Não pude deixar de lembrar como Nico continuara falando sobre o quão
revolucionário era o material de que esses uniformes eram feitos… ‘fibra de
veia’ era o nome. Ele também mencionou o quanto a fibra de veia era cara, e
foi por isso que elas eram fornecidas apenas a reis e soldados de elite, seja
para a operação especial de soldados que realizavam missões internacionais
ou para executores dos esquadrões antiterroristas.
Falando em Nico, se alguém soubesse o que estava acontecendo,
provavelmente seria ele, pensei, meus olhos percorrendo a multidão na
esperança de encontrar a ele ou Cecilia.
Incapaz de ter uma boa visão, eu me virei e subi em um dos postes de luz até
encontrar um familiar garoto de cabelos escuros. Ele estava bem na frente, um
pouco além do perímetro que os policiais haviam estabelecido, mas eu não
tinha certeza se era Nico. Eu estreitei meus olhos, focando nele até que ele
finalmente se virou.
“Aí está você.” Eu pulei e fiz o meu caminho através da multidão de estudantes.
Depois de bater nos ombros e lutar durante dez minutos, consegui me
espremer e chegar à frente.
“Nico!” Eu chamei.
Meu amigo se virou e a primeira coisa que notei foi a trilha de sangue
escorrendo por seus lábios. Isso nunca foi um bom sinal.
“Eu não sei o que aconteceu. O limitador de ki deve estar com defeito. Mas eu
verifiquei apenas alguns dias atrás e estava tudo bem. Não sei o que
aconteceu! É tudo culpa minha!” ele disse, mordendo os lábios novamente em
preocupação.
Abri os olhos, deixando escapar um suspiro profundo. Faz apenas alguns dias
desde o meu último “sonho” e este foi particularmente ruim. Foi uma memória
que eu nunca esqueceria, sonho ou não. Juntamente com a morte do diretor
Wilbeck, foi nesse dia que minha vida se desenrolou do jeito que aconteceu.
Olhei pela janela para ver que o sol ainda não nascera completamente, o que
significava que eu tinha tido no máximo apenas duas ou três horas de sono.
Com um gemido, saí da cama e me lavei, esperando que a água fria ajudasse a
lavar o cansaço que parecia ter feito um lar permanente no meu corpo.
“Sim. Acho que não consigo adormecer de qualquer maneira. Quer se juntar a
mim em uma esticada matinal lá fora?”
“Por mais atraente que pareça, infelizmente, isso exige que eu saia da cama”,
ela respondeu puxando as cobertas sobre a cabeça.
‘Essa resposta imatura fala muito sobre quem realmente é a criança entre nós’,
ela respondeu casualmente.
Depois de vestir uma camisa larga e calça escura, saí, passando pela minha
mesa. Olhando para o papel bagunçado, cheio de pedaços do poema que
tentei lembrar, mudei de planos.
Pensando bem, darei a Rahdeas uma breve visita. Espero que ele esteha
funcional o suficiente para repetir o poema ou me dar uma explicação direta.
Andando pelo longo corredor mal iluminado que levava à entrada do primeiro
andar, vi um rosto familiar guardando a porta… Usando o termo ‘guardar’
muito vagamente.
Albold, o elfo da família Chaffer que Virion havia introduzido estava cochilando
para dormir enquanto estava parado ao lado da grande porta de metal.
Eu facilmente peguei as duas lâminas com as mãos, mas ainda estava surpreso.
“Ah… Eu fui pego.” Albold coçou a cabeça de vergonha. “Por favor, não conte
ao comandante Virion. Eu mal tenho alguns dias fazendo serviço de guarda!
Não posso mais ficar aqui!”
“Relaxe, fiquei impressionado”, eu ri. “Virion estava certo, seus sentidos são
bons.”
“Haha, salvaram minha bunda mais de duas vezes na minha vida”, respondeu
Albold. “Então, o que posso fazer por você, general?”
Depois de alguns cliques, Gentry fez sinal para Albold ajudar, e os dois abriram
as portas.
Imediatamente imbuí mana ao meu redor, temendo que Uto pulasse em nós,
mas o Retentor estava completamente quieto e silencioso – nenhum sinal de
vida em seus olhos brilhantes. Ele sorria. Albold soltou um suspiro agudo
quando ele fortaleceu seu corpo também e sacou suas espadas.
“Ele-Ele está morto”, eu murmurei, olhos focados apenas em Uto. Por causa de
seu corpo negro, eu não notei os espigões perfurados em seu peito e estômago
também com sangue ainda vazando.
Capítulo 205
Território Inimigo I
Eu levantei dois dedos, voltando o foco para a árvore à minha frente. A crista
nas minhas costas brilhava enquanto eu cerrava os dentes para manter meus
poderes sob controle, enquanto mana passava por meus braços e na própria
árvore.
“Minha barreira de disfarce não vai durar muito mais tempo em uma faixa tão
ampla”, Cole murmurou entredentes, suor emaranhando seus longos cabelos
castanhos no rosto.
“Você vê alguém, Circe?” Fane perguntou pela quinta vez, suas feições afiadas
se contorceram em um olhar furioso.
Eu joguei minha cabeça para trás e atirei-lhe um olhar. “Eu disse que vou
te avisar, caso eu veja algo fora do comum.” Ele estreitou os olhos,
descontente, mas não disse mais nada.
Após cerca de uma hora, praticamente rastejando pela floresta carregada de
neblina, sinalizei para que todos parassem. “Precisamos colocar outra matriz.”
Todo mundo ficou em posição. Maeve pulou em uma árvore próxima com as
mãos prontas para atirar. Cole ficou ao meu lado e envolveu a área em um véu
para ajudar a mascarar as flutuações de mana enquanto eu trabalhava. Fane
circulou o perímetro com olhos cautelosos como nossa primeira linha de
defesa.
Ativando minha crista mais uma vez, comecei a configurar a primeira parte da
matriz de três pontos. Com meu controle como sentinela de nível
intermediário, não foi difícil configurá-la. A parte complicada foi garantir que
tudo não fosse detectável até que eu finalmente a ativasse. Não poderia haver
vestígios, nem vazamentos de mana ou os elfos à espreita em torno da floresta
sentiriam isso. Se qualquer uma das matrizes que eu fizesse fosse descoberta,
todo o plano seria arruinado.
Afastando o fardo que pesava sobre mim, eu controlei a mana coalescida nas
pontas dos meus dedos, quando ela começou a penetrar na primeira árvore.
Um farfalhar soou à minha esquerda e eu estremeci.
Quando virei minha cabeça na direção do som, Fane já estava lá. Ele balançou
a cabeça, segurando um roedor cujo pescoço estava quebrado.
Voltando meu foco para a velha árvore, controlei a passagem da minha mana
instilada, até que ela se enterrou profundamente no núcleo da árvore. Depois
de instalada, tive que cobrir os rastros e a flutuação de mana no local da
“ferida”.
Nesse momento, minha atenção tinha que estar concentrada. Eu não podia me
dar ao luxo de espalhar meus sentidos ao nosso redor, caso um elfo se
aproximasse.
Feito, falei com meus colegas de equipe antes de passar para o próximo ponto.
Depois que essa matriz de três pontos foi concluída, estávamos novamente em
movimento. Felizmente, a barreira de disfarce de Cole não deixou flutuações
de mana. Nem a magia de Fane ou Maeve.
Minha única fonte de conforto era que não éramos a única equipe.
Talvez uma das outras equipes já tenha conseguido garantir uma rota, eu
esperava, sabendo o quão improvável era. De todas as outras equipes, eu sabia
que era mais provável que tivéssemos sucesso… por causa do meu emblema
recém-adquirido.
Seus olhos cor de âmbar se fixaram em mim quando ela apontou para baixo.
Escondido embaixo da neblina havia uma pequena vala com espinhos de
madeira.
“Teremos que encontrar outra rota”, disse Fane por trás, coçando a cabeça
raspada em frustração.
“Então teremos que parar um pouco para explorar outra rota”, respondi
desanimada.
Cole passou tiras de carne seca salgada e uma raiz cristalizada para cada um
de nós, me dando um sorriso gentil quando notei que minhas peças eram
maiores que as demais.
Como um fantasma flutuando no céu, inabalável, estreitei meu True Sense para
focar em um único elemento. Minha cabeça, figurativamente falando, uma vez
que meu corpo real estava sentado, quase em coma, abaixo de um galho de
árvore, latejava terrivelmente.
Eu li que o verdadeiro domínio dessa habilidade virá quando minha mente for
capaz de ver todas as quatro partículas elementares de mana na atmosfera.
Se for esse o caso, ainda tenho um longo caminho a percorrer.
Imediatamente, minha forma não-física foi sugada de volta ao meu corpo, que
ficou ancorado pelo poderoso emblema. O último brilho verde sumiu da minha
visão quando retornei ao meu rosto físico com um suspiro.
Meu corpo ainda estava frio, como se eu tivesse entrado em um novo conjunto
de lençóis, mas meus lábios se curvaram em um sorriso. “O reino ainda está
muito longe, mas consegui encontrar uma área maior de flutuações de mana
com a viagem de quase um dia daqui”.
“Maior?” Maeve ecoou com um brilho nos olhos. “Isso significa que é um
assentamento maior, ou talvez até uma cidade.”
Cole passou a mão pelo cabelo comprido enquanto soltava um suspiro. “Pelo
menos estamos seguindo o caminho certo. É bom saber que tudo isso até
agora não foi à toa.”
Mal devo ter fechado os olhos quando já fui sacudida por Maeve.
“Já se passaram duas horas”, ela sussurrou, sinalizando para eu assumir antes
de acordar Fane.
Elfos!
Eu bati minha cabeça e troquei olhares com Fane. Antes que eu pronunciasse
a palavra, ele parecia saber que algo estava errado com a minha expressão.
eles suspeitarem de algo próximo de nós, levarei Circe enquanto Maeve e Cole
os seguram.” Fane declarou.
Cole esfregou o queixo. “Mesmo se ficarmos e lutarmos, teremos que fazer isso
com magia, que deixará vestígios. É muito arriscado. “
“Você sabe o que aconteceu com o outro time que tentou isso”, Fane
interrompeu severamente, seus olhos afiados me perfurando.
Eu assenti. O elfo capturado havia se matado e a equipe foi rastreada por seus
irmãos.
Nós quatro paramos de sussurrar, com medo de que os elfos pudessem nos
ouvir, mesmo com a barreira de duas camadas ao nosso redor.
Quando os passos abaixo de nós eram audíveis aos nossos ouvidos, estávamos
prendendo a respiração. Fechei minha boca com as mãos, rezando para que
eles continuassem andando.
Capítulo 206
Consentimento de irmão
Gentry, Albold e eu, todos nós tivemos que ser interrogados pelo Conselho, já
que éramos os presentes no local.
Por causa dos espinhos negros deixados nos três cadáveres quase como
cartões postais, era óbvio que não poderia ter sido feito por nenhum de nós.
Ainda assim, a maior parte do meu dia foi ocupada por isso. Eventualmente,
Gentry ficou de luto por seu assistente, com o qual ele aparentemente se
importava muito, e Albold, aliviado de seu dever de guarda, foi enviado de
volta à Floresta de Elshire para ajudar como soldado.
Não dentro do nosso lado, mas dentro dos corpos de Rahdeas e Uto.
Assim como Cynthia, que tinha uma poderosa maldição embutida dentro dela,
fazia sentido para Rahdeas e até um retentor a terem também, no caso de
serem pegos. Como os espinhos negros pareciam quase “florescer” nos corpos
de Rahdeas e Uto, senti que a maldição deles havia sido ativada.
Quanto a Shester, o infeliz assistente de Gentry, parecia que, pelos espetos
aleatórios alojados não apenas em seu corpo, mas também em suas
extremidades, ele acabara de ser pego na explosão de espinhos que
disparavam de dentro dos dois prisioneiros.
Agrona havia deixado claro que o objetivo dessa guerra era dominar o
continente com o mínimo de baixas possível, para que ele pudesse conquistar
e utilizar os recursos — vivos e não vivos — disponíveis aqui, para fortalecer
seu poder e se tornar uma ameaça grande o suficiente para atacar Epheotus.
Dicathen era apenas um trampolim para ele, por isso não faria sentido matar
apenas os prisioneiros se ele tivesse o poder de enviar alguém para dentro do
castelo.
Isso significa que o que Rahdeas disse era algo importante? Foi muita
coincidência que ele morreu logo depois de me contar aquele poema. Isso me
levou a pensar se Rahdeas o comunicava propositalmente na forma de um
poema para tentar contornar a maldição. Lembrei-me de Cynthia tendo uma
maldição na qual ela estava restrita a revelar ou até pensar em revelar algo
relevante.
“As coisas estão muito calmas”, eu terminei. “Concordo. Mesmo com a morte
de Uto e Rahdeas, sinto que algo grande está prestes a acontecer. Só não tenho
certeza do quê.”
“Sim. A General Aya está atualmente alocada em Elenoir, a General Mica está
ajudando nas investigações do grupo radical em Darv, a General Varay está
ajudando na fortificação das principais cidades ao longo da costa oeste e o
General Bairon, acredito, está explorando as cordilheiras do norte das Grandes
Montanhas para qualquer sinal de retentores ou foices, já que havia aquela
base que removemos nas proximidades”, relatei. Eu queria ajudar, mas como
os alacryanos têm estado bem calmos, apesar do ataque aparentemente
aleatório nos arredores da Floresta de Elshire, não havia nada que
necessitasse de minha atenção.
“Certo. Por enquanto, fique no castelo e se acostume com seu novo núcleo.
Você será enviado imediatamente se alguma das cidades relatar algo
incomum, então eu preciso que você esteja nas melhores condições”, declarou
Virion.
Eu me virei para sair, quando a voz de Virion chamou por trás. “Ah, e Arthur?”
Ele sorriu. “Eu sei que você não se importa com esse tipo de coisa, mas como
lança, você não acha que deveria sair por aí vestido um pouco mais
apropriadamente?”
Olhando para baixo e vendo a camisa larga e a calça escura que eu usava,
soltei uma risada. “Talvez eu devesse.”
Sylvie deve ter dito a ela que eu estava aqui, porque minha irmã parou de falar.
Abrindo a porta, fui recebido por Ellie e meu vínculo, que estavam sentadas no
sofá. Boo, que estava deitado no chão com a cabeça gigante apoiada em cima
da minha cama como um travesseiro, reconheceu minha presença com um
bufo antes de fechar os olhos.
“Olá, irmão”, minha irmã sorriu fracamente. Sylvie deu um simples aceno de
mão.
“Enfim, o que aconteceu para você ficar longe por tanto tempo?”, minha irmã
perguntou, um pouco chateada por eu não ter tido a chance de realmente
passar um tempo com ela desde que voltei.
“Apenas mais reuniões que eu tive que assistir”, eu disse vagamente. “De
qualquer forma, estou livre agora.”
Ellie levantou uma sobrancelha. “Isso significa que você finalmente passará
algum tempo com sua preciosa irmã?”
“Claro que está tudo bem. Isso é exatamente o que eu estava prestes a
sugerir!”, minha irmã exclamou, agarrando o arco que estava encostado na
parede ao lado dela.
Antes de sairmos, mudei para um traje mais ‘socialmente apropriado’, que era
apenas uma túnica militar de colarinho alto que cobria as cicatrizes vermelhas
no meu pescoço e um par de calças mais justas. Comparado com o resto das
lanças, eu estava vestido casualmente, mas pelo menos não parecia o filho de
um fazendeiro.
“Seu cabelo está quase tão longo quanto o meu. Quando você vai cortar?” Ellie
perguntou com desagrado enquanto eu amarrava meus cabelos nas costas.
Por causa do poder absoluto que poderia ser gerado a partir de um mago de
núcleo branco, na maioria das vezes, a sala de treinamento estava
completamente vazia e as paredes eram adicionalmente fortalecidas quando
uma lança entrava.
“Não há necessidade. A pessoa que vai treinar não sou eu”, informei,
caminhando atrás da minha irmã animada. Sylvie e Boo a seguiram quando
entramos no terreno de terra solta.
A grande sala era animada com vários nobres em roupas e túnicas bem
adornadas em torno da idade de minha irmã ou um pouco mais velhos,
enquanto guardiões supervisionavam e davam dicas aos alunos. Os que
treinavam aqui eram todos com privilégios que se estendiam dos membros da
família que eram de alto escalão dentro do exército. Ser capaz de viver e
treinar no castelo significava que eles estavam seguros, um luxo que apenas
as principais casas e famílias de capitães possuíam.
Uma mulher que parecia alguns anos mais velha que minha mãe veio até mim
com um sorriso amável. “É uma honra ver uma lança como você. Se você está
aqui para treinar, levarei meu filho e seus amigos para outro lugar para
aprender.”
“Está tudo bem”, eu sorri de volta. “Só estou aqui para me alongar um pouco.
Não se importe conosco.”
“Se você me dá licença…” Eu segui minha irmã com Sylvie e Boo arrastados.
“Sua irmã realmente quer impressionar você”, disse Sylvie com um sorriso.
“Não seja muito duro com ela.”
“Aww, isso não é divertido”, eu sorri antes de voltar meu olhar para o meu
vínculo. “Prepare-se para se ‘esticar’ também. Quero ver o que você pode fazer
antes de entrarmos em uma batalha real.”
“Está tudo bem, mesmo com todas essas pessoas aqui?” ela perguntou.
“Vamos diminuir um pouco. Se realmente quiséssemos dar tudo de nós,
teríamos que encontrar um grande vale em algum lugar. “
Meu vínculo riu. “Verdade. Muito bem, também estou curiosa para ver como
me adaptei a esse novo corpo”.
“Lá vai—” Parei meu aviso quando três flechas de mana se alojaram na placa.
Ellie virou a cabeça para mim com um sorriso. “Você terá que fazer melhor que
isso, irmão.”
“Parece que eu posso não ter a chance de pegar pesado com ela”, eu ri.
Alguns desses feitiços não eram muito aplicáveis nas batalhas, mas, como um
atleta profissional aprendendo a fazer malabarismos com uma bola, isso me
ajudou metaforicamente a esticar minhas habilidades e ver o que eu poderia
ou não fazer em um determinado período de tempo.
Tentei criar soldados de terra como Olfred foi capaz de fazer, mas depois de
levantar cerca de três simples golens humanoides, meu controle sobre eles
vacilou na medida em que começaram a imitar os movimentos um do outro.
Memórias do meu tempo com Wren surgiram. Ele foi capaz de controlar seus
golens ao ponto de agirem como seres sencientes. Até Olfred foi capaz de
conjurar e controlar um exército de golens, embora não tão precisamente
quanto o asura.
Um que traz vergonha é proibido de ajudar enquanto o outro está… morto. Não
que ambos teriam se oferecido para ajudar se estivessem aqui. Pensar neles
me deixou com um gosto ruim na minha boca.
Boo, que estava assistindo ao meu lado, inclinou a cabeça em curiosidade para
a fera flamejante que espelhava sua forma.
“Seu ataque é bom, Ellie, mas o que acontece quando um feitiço que você não
pode abater com flechas chega até você?” Eu chamei.
Pouco antes de ela soltar a corda, no entanto, uma leve ondulação agitou-
se através do eixo da flecha de mana.
Coloquei a bainha da Ballad Dawn que estava usando para treinar com Ellie de
perto dentro do meu anel. “Você aprendeu combate corpo a corpo com Helen
também?”
Minha irmã caiu no chão, suando e ofegando. “Sim… eu também li alguns livros
que ajudaram, embora não houvessem tantos.”
“A maioria dos arqueiros carrega uma adaga ou mesmo uma espada leve para
combate corpo a corpo”, informei. “Mas como o seu arco e flecha não depende
de você tirar uma flecha da aljava e prendê-la no arco antes de dispará-la,
aprender a se defender de alguns ataques para se dar espaço para um tiro
rápido foi a decisão certa.”
“Seus elogios parecem… um pouco chatos”, minha irmã disse entre as suas
respirações.
“Porque isso não foi um elogio. Não fique cheia de si”, eu sorri. “Estamos nos
exercitando há apenas algumas horas. Sua resistência precisa melhorar.”
“O que seu irmão quer dizer é que ele está muito orgulhoso do seu
crescimento”, Sylvie confortou com um sorriso.
“Uma lança deve ser capaz de fazer pelo menos isso, certo?”
Minha irmã estreitou os olhos, descontente com a minha resposta. “Você nem
sequer suou.”
Ellie olhou para Sylvie antes de olhar para mim. “Falando em obter experiência
suficiente, eu queria saber se talvez eu possa… você sabe…”
Eu levantei uma sobrancelha. “Eu sei… o quê?” “N-não importa”, minha irmã
murmurou.
“Isso tem algo a ver com o que vocês estavam falando antes de eu entrar na
sala?” Eu perguntei.
“Você mesmo disse, ou melhor, você mesmo pensou, que eu era muito melhor”,
continuou minha irmã quando eu não respondi. “Estou confiante de que sou
melhor do que muitos soldados designados para esquadrões. Eu estou bem
em estar nas reservas e, como sou uma arqueira, estaria na linha de trás de
qualquer forma, então — “
Com um aceno de minha mão, uma barreira de vento nos cercou. Não me
sentia à vontade em ter outras pessoas ouvindo conversas em família.
“Não estou dizendo não, mas não tenho certeza se estou autorizado a tomar
essa decisão por você. Mamãe ou papai não estão aqui e, para ser sincero, não
estamos exatamente no mesmo caminho atualmente”, falei.
“Vocês ainda não fizeram as pazes, desde antes de sair para ir treinar?” minha
irmã perguntou, preocupação em sua voz.
“Você sabia?”
“Eu sou jovem, não sou burra”, minha irmã franziu a testa. “Certo. Desculpa.”
Eu dei um sorriso para Sylvie antes de me levantar. “De qualquer forma, já que
isso está fora do caminho. Sylvie, é a sua vez.”
Capítulo 207
Coordenação
Apesar do meu vínculo ter a aparência de uma garotinha mais nova que minha
irmã (se você desconsiderar os dois chifres saindo de sua cabeça), ela
continuava sendo uma Asura.
Depois que os guardas evacuaram a pequena plateia que não tinha a intenção
de continuar seu treinamento, comecei a drenar minha mana para o grande
cristal de mana, responsável por ser a fonte de energia dos mecanismos
defensivos do campo de treinamento. Um pequeno som ressoou em resposta,
as paredes da caverna e o teto arredondado brilhavam vagamente. Emily não
estava aqui para ligar os sensores em formatos de discos, que ela havia
instalado anteriormente no meu treinamento, portanto, a única
funcionalidade disponível era a da barreira.
Minha irmã era a única outra pessoa que ainda estava dentro da sala de
treinamento, mas eu pedi pra ela ficar na entrada atrás do Boo, no raro caso
de um dos feitiços acabar acidentalmente acertando ela.
“Eu realmente tenho que ficar tão longe quando vocês dois estão praticando?
Eu mal posso ver vocês, mesmo com a visão melhorada com mana!” Ellie fez
uma queixa gritando quando ela espiou com a cabeça por trás do seu vínculo.
“Considerando que mal posso usar esse corpo para funções diárias básicas,
estou um pouco hesitante em tentar mais alguma coisa.” Respondeu Sylvie,
franzindo a testa levemente.
Meu vínculo tentou espelhar minha pose, apenas para tropeçar. Depois de
mais alguns minutos violentamente balançando os braços para tentar manter
o equilíbrio enquanto passávamos por uma série de alongamentos,
começamos o treinamento.
“Então, como você quer fazer isso?” Eu perguntei. Tendo visto apenas ela usar
seu corpo superior para lutar ao meu lado ou usar o vivum para me curar, eu
não tinha ideia de como ela planejava lutar em sua forma humanoide.
“Uma flecha de mana?” Eu olhei para o corte raso no lado da minha palma.
Apesar de o feitiço ser semelhante às flechas de mana de Ellie, seu ataque foi
muito mais denso – quase sólido.
“O uso de mana sem elemento por Ellie me forneceu algumas ideias sobre
como tirar proveito das minhas características.” Respondeu ela, enviando
outra flecha de mana em meu caminho após um momento de preparação.
Desta vez, a ‘flecha’ — ou, mais precisamente, o arpão, a julgar pelo tamanho
do projétil brilhante — disparou em um leve arco em minha direção, e não em
uma linha reta como a anterior.
A velocidade do feitiço dela puxou meu braço para trás, mas eu segurei
firmemente. Eu esperava que ela se dispersasse imediatamente, mas ela
permaneceu na minha mão, mesmo enquanto eu a agarrava com uma força
suficiente para quebrar uma pedra.
O poder bruto do ataque dela não é tão alto, mas para acumular tanta mana
tão densamente nessa forma, tão rapidamente…
“Se você não levar em conta a capacidade da minha raça de manipular o éter,
sim.” Disse Sylvie. “Embora haja algo a mais…”
“Eu não tenho muita certeza. Depois de estar nesta forma, consegui entender
melhor meu núcleo, mas há uma parte dele que não consigo acessar.” Ela
respondeu.
“Talvez você possa acessá-lo assim que ficar mais forte.” Eu disse. “Por
enquanto, vamos ver o quão versátil é o seu controle sobre a mana pura.”
Lancei uma dúzia de flechas de fogo com um movimento do braço. As flechas
de fogo se espalharam antes de convergir de volta para um único alvo
direcionado ao meu vínculo.
Antes do meu ataque, uma barreira de luz cintilante envolveu Sylvie, cobrindo-
a de fogo e poeira do chão ao seu redor.
Embora Sylvie tenha segurado seu sorriso, eu podia dizer através de nosso
vínculo como ela estava orgulhosa.
“Ainda assim, não acho que seus ataques sejam fortes o suficiente para
ameaçar Retentores e Foices.” Continuei. “O que mais você notou sobre essa
forma, em comparação com a sua forma dracônica?”
Sylvie pensou por um momento. “Minhas defesas inatas são um pouco mais
fracas nessa forma. Você se segurou naquele ataque, mas se você tivesse me
atacado seriamente com a Ballad Dawn, eu perderia um membro.”
“Meu controle sobre mana é melhor nessa forma, mas minha forma de dragão
me permite utilizar mais de minha mana em uma única respiração — embora
em uma forma mais grosseira”, explicou meu vínculo, girando várias esferas
de mana em torno de sua mão como se quisesse enfatizar seu argumento.
“Entendo.” Murmurei, dando alguns passos para trás. “Há mais algumas coisas
que quero testar, Sylvie. Você pode conjurar um painel quadrado na minha
frente?”
Eu podia sentir a curiosidade dela, mas escondi minhas intenções do meu
vínculo. Com um movimento do pulso, as esferas de mana que orbitavam sua
mão dispararam e convergiram para uma esfera maior antes de se achatarem
em um quadrado plano.
Eu dei outra ordem. “Traga de volta, mude a forma dele em uma flecha.”
Quatro dias se passaram num piscar de olhos. Passei a maior parte do dia nos
campos de treinamento, treinando com Ellie e Sylvie até que as duas
estivessem mental e fisicamente esgotadas. Foi uma grande mudança de ritmo
para mim também e senti meu controle sobre meu núcleo branco melhorar
constantemente.
“A mana pura só pode ser utilizada usando seu núcleo de mana, que como
você sabe por experiência, costuma consumir bastante para se reunir e
purificar. A magia elementar também usa mana do seu núcleo, porém, ela
também usa a mana ao seu redor que consiste em todos os elementos.”
Expliquei.
Eu olhei para ela com uma expressão inexpressiva. Sylvie riu ao meu lado
enquanto jogava um sanduíche no vínculo babão de Ellie.
“Um mago usando magia elementar faria primeiro uma bola de neve com as
mãos, mas em vez de apenas jogá-la, ele a rolaria morro abaixo, para que a
bola captasse mais neve do chão. Quando ela acertar você, diremos que a bola
de neve se transformou no tamanho de Boo.” Continuei.
Boo soltou um grunhido ao ouvir seu nome, mas rapidamente voltou sua
atenção para Sylvie, que era a única a alimentá-lo.
“Agora, um mago que usa um feitiço de mana puro com o mesmo ‘poder’, terá
que fazer a bola de neve e empacotá-la com mais e mais neve até que seja do
tamanho de Boo antes de jogá-la em você. Vê a diferença?”
“Parece muito trabalhoso.” Admitiu Ellie. “Tá bom, quais são as outras razões?”
“É mais difícil controlar efetivamente a mana pura depois que ela sai do seu
corpo e,” – decidindo que seria mais fácil mostrar a ela a última razão, desejei
que um campo de espinhos de pedra saísse do chão a algumas dezenas de
metros de onde estávamos – “ao contrário do que fiz agora, os feitiços de mana
puros devem se originar do lançador.”
Só de olhar para minha irmã, pude ver que a luz proverbial parecia ter
acendido em sua cabeça.
“De qualquer forma, já que fizemos uma pausa, por que não continuar um
pouco mais?” Eu sugeri, levantando-me.
“Sim!” Ellie concordou, se levantando também. “Ei Sylvie, você pode fazer o
que fez anteriormente e fazer esses painéis móveis? Eu quero tentar acertá-
los!”
“Claro.” Meu vínculo sorriu. “Atire algumas flechas de mana fora do curso para
que eu possa praticar reagindo também!”
Capítulo 208
Território Inimigo II
Alacryana.
Com a fadiga deixando meu corpo mais pesado, Maeve me levantou, enquanto
Cole mal conseguia se erguer no galho mais baixo. A árdua tarefa de subir alto
o suficiente na árvore para permanecermos escondidos levou mais de meia
hora.
Quanto a mim, eu sabia o que tinha que fazer, mas não consegui fazê-lo. Em
vez disso, virei para onde Cole e Maeve estavam e perguntei, hesitante. “Vocês
acham que Fane conseguiu sair?”
Maeve abriu um olho — apenas um olho — mas a raiva que exalava daquele
olho me fez estremecer. Cole se arrastou e sentou-se entre Maeve e eu, para
que não estivéssemos em contato visual direto uma com a outra. “Circe.
Concentre-se na missão. Você já pode usar o True Sense?”
A voz de Cole era suave e gentil, mas sua expressão endureceu a um ponto em
que ele parecia uma pessoa diferente em comparação com quando eu o
conheci em Alacrya.
Tremi por mais razões na minha cabeça. O riacho por onde passamos ficava a
menos de cem metros de onde estávamos escondidos. Eu verifiquei duas —
não, três — vezes usando minha crista para garantir que não houvesse
ninguém dentro do meu alcance aumentado de consciência. Ao longo de nossa
jornada, todo o nosso grupo tomou precauções extras para ocultar nossa
trilha. Até cavamos buracos no chão toda vez que realizamos nosso ‘negócio’
e o cobrimos com terra e folhagem.
Se eu não mantivesse minha crista ativa, levaria os elfos direto para onde o
resto do grupo estava escondido.
Eu pensei que estava livre depois de despistá-los. Eu corri por mais de uma
hora na direção oposta antes de voltar para onde Fane, Maeve e Cole estavam.
Ainda assim, pela expressão no rosto de todos depois que eu contei o que
aconteceu, eu sabia que não era tão simples assim.
Eu não sabia o que estava acontecendo naquela época. Foi apenas Fane que
me deu um sorriso gentil e se despediu. O mesmo Fane que teve a
personalidade de uma cobra intrometida, despenteou meu cabelo e disse a
Maeve e Cole para me protegerem. Colocando minha túnica sobre seus
ombros, ele caiu da árvore em que estávamos escondidos e fugiu.
Confusa, eu quase gritei pelo atacante veterano da nossa equipe, apenas para
Maeve cobrir minha boca com a mão. ‘Não podemos ter elfos suspeitando que
alguém está lá fora. Você entende? É por isso que Fane tem que fingir ser você’,
Maeve chiou no meu ouvido.
Voltei à realidade quando senti uma mão no meu ombro. Cole deu um sorriso
e murmurou para eu me apressar.
Incapaz de manter o True Sense ativo por muito mais tempo, liberei o feitiço e
soltei um suspiro profundo. Abrindo lentamente os olhos, vi Cole e Maeve me
encarando intensamente.
Eu? Eu mal havia me formado antes de ser recrutada para esta missão.
Algumas semanas atrás, antes de entrar naquele portal altamente instável
para este continente, eu ainda estava guardando meus pertences na minha
escola, para poder voltar para casa com minha família.
Repeti essas palavras em minha mente como um mantra. O grande Vritra seria
capaz de salvar meu irmão e abençoá-lo com magia, para que ele pudesse
levar uma vida próspera, se eu tivesse sucesso na missão.
Um anel mental que me notificava sempre que uma nova presença entrava no
meu alcance de percepções me tirou do meu devaneio. Eu parei no meu
caminho e estendi um braço com dois dedos para parar Maeve e Cole também.
Minha cabeça bateu no tronco com um baque surdo que soou como uma
explosão dentro dessa floresta tranquila. Eu nem me importei com a dor. O
enorme erro que eu tinha causado fez meu coração cair.
Grande Vritra, essa foi por pouco! Eu respirei, fazendo uma anotação mental
para agradecer a Cole pela boa defesa.
Maeve já havia subido alguns metros mais altos. Eu segui de perto, usando os
mesmos apoios de mão e apoios de pés que ela usara para subir na árvore
enquanto Cole seguia atrás.
Nós três tivemos que ter um cuidado extra ao atravessarmos a árvore gigante.
Ir rápido demais significava que poderíamos sacudir as folhas dos galhos que
poderiam revelar nossa posição.
Meus braços doíam e minhas pernas tremiam, meio por causa da fadiga e meio
por causa do medo. Eu queria desesperadamente que minha marca tivesse
permitido algum tipo de aprimoramento corporal, mas eu sabia que esperar
por isso agora era estúpido.
Cole, que estava prestes a reforçar sua barreira, parou no meu sinal.
Mordi meus lábios, mas um sorriso ainda conseguiu escapar. Ele está vivo!
Afastando-me das percepções do meu brasão, virei-me para Cole e assenti. Ele
acenou com a cabeça e apertou a barreira de disfarce para mal abranger nós
três. O aperto da área de efeito fortaleceu sua magia e permitiu que a mana
sobressalente acrescentasse mais duas camadas de barreiras.
Acendi meu brasão mais uma vez e concentrei toda a minha magia nos dois
elfos que se aproximavam. Eles estavam a menos de quinze metros de
distância agora.
Limpei o suor que escorria pelo meu rosto a cada segundo, com medo de que
as gotas pudessem cair e molhar o chão.
Prendi a respiração também. Eu sabia que não era necessário. Eu sabia que a
barreira mascararia a maioria dos barulhos feitos, mas mesmo Cole e Maeve
estavam tão imóveis quanto a árvore em que estávamos grudados.
Segurando minhas duas mãos, eu murmurei ‘três metros’ para meus colegas
de equipe. Cole engoliu em seco e a expressão de Maeve ficou ainda mais feroz.
Olhei para a base da árvore, esperando — orando para que não aparecessem.
O estalar de um galho por perto me fez enrijecer. Olhei para Cole e Maeve, mas
os dois estavam focados intensamente no chão abaixo de nós.
O último diminuiu o passo, a cabeça ainda baixa como se tivesse perdido uma
moeda no chão.
Por favor.
Mais precisamente, ele estava olhando o musgo na raiz. O musgo em que pisei
e escorreguei.
Por favor.
O elfo de cabelos curtos parou de andar e sua cabeça virou até que eu pude
ver seu rosto… e seus olhos… que pareciam estar olhando diretamente para
mim.
Capítulo 209
Implantado
Sylvie já tinha lido o que eu queria dizer, mas ela ficou quieta ao meu lado.
‘Entendo seu dilema, mas esta é uma boa oportunidade’, afirmou Sylvie. ‘Estarei
com ela também e atirar flechas do topo da Muralha é pouco mais do que
prática de tiro para ela.’
‘Eu sei que você não deixará isso acontecer’, ela respondeu com uma suave
onda de confiança.
Olhando por cima do ombro, chamei minha irmã. “O que você está fazendo?
Vamos lá.”
Eu olhei de volta para Ellie. “Uma dúzia de bestas de mana da classe S. E o fato
de estarem corrompidos significa que serão ainda mais fortes e ferozes.”
O rosto de Ellie empalideceu, mas sua expressão permaneceu firme. “Eu ficarei
bem.”
Minha irmã decidida, talentosa e protegida nunca tinha visto uma besta de
mana além dos vínculos domesticados em Xyrus. Eu duvidava que ela pudesse
imaginar o quão assustador era um animal da classe S, mas aqui estava eu,
levando-a direto a não apenas um, mas uma dúzia… junto com vários milhares
de outras bestas
“Nenhum”, ele respondeu confiante. “Foi por isso que o comandante Virion
considerou que apenas era necessário enviar uma única lança.”
“Certo. Quantos dias temos até que a horda chegue à Muralha?” Eu perguntei.
“No ritmo em que estão marchando, esperamos que cheguem em não mais de
dois dias”, respondeu ele antes de dar uma olhada onde Sylvie e minha irmã
estavam. Eu poderia dizer que ele estava prestes a dizer algo, mas ele segurou
a língua.
“Tenho certeza de que o oficial Julor informou você da situação, então deixe-
me apresentá-lo rapidamente aos dois magos que escolhi para apoiá-lo na
Muralha. Este é Callum Hembril. Ele é jovem, mal saiu dos trinta, mas já é um
conjurador de fogo aperfeiçoado no estágio central amarelo sólido.”
O mago de cabelos castanhos deu um passo à frente, sua longa franja enrolada
cobrindo a testa. Ele tinha um olhar curioso que rapidamente cobriu com um
sorriso amável. “Callum, como apresentado pelo comandante. Prazer.”
Virion apontou o polegar para uma figura alguns metros atrás de Callum. “Esse
grandalhão aqui é um aumentador de núcleo amarelo-escuro, mas ele esteve
na Clareira das Feras por mais de quarenta anos.”
O homem de peito de barril que era quase um pé mais alto que eu e duas vezes
minha largura estava coberto do pescoço para baixo em uma pesada armadura
prateada que brilhava sombriamente. Ele tinha cabelos curtos e a face inferior
estava escura com barba por fazer. Com um olhar penetrante que parecia estar
avaliando cada centímetro do meu corpo, ele estendeu a mão em minha
direção. “Gavik Lund.”
Apertei sua mão, que parecia quase tão larga quanto as patas de Boo, antes
de voltar para Virion. “Então, qual é o plano? Vendo aquelas montarias se
preparando, estou assumindo que vamos viajar pelo ar? “
Eu me virei para o meu vínculo. “Eu posso voar sozinho. Você acha que poderá
carregar Ellie enquanto segura Boo?”
“Se a viagem não for muito longa, eu vou conseguir”, respondeu Sylvie,
ignorando o vínculo gigante da minha irmã.
“Ela é uma conjuradora hábil que será valiosa ter alocada na Muralha”,
interrompi. “E desde quando estava tudo bem referir-se à irmã de um general
como uma ‘criança pequena’?”
“Minhas… desculpas”, ele murmurou. “Não sabia que ela era sua irmã, general
Arthur.”
A expressão de Virion estava preocupada, mas ele não comentou sobre Ellie ir
comigo. Em vez disso, ele acenou para os criados que estavam atrás dele. Eles
subiram, carregando um grande baú de madeira com runas gravadas em toda
a superfície. “De qualquer forma, antes de você sair, eu preparei um pouco.
Não é muito, mas acho que usar algo um pouco mais atraente pode ajudar com
o nível do moral na muralha.”
Eu deveria cortar meu cabelo logo, notei mentalmente. Meu cabelo ficou
comprido o suficiente para passar dos meus ombros. Se não fosse a minha
altura e ombros relativamente largos, eu poderia facilmente ter sido
confundido com uma garota por trás.
Assim que meu cabelo foi domado, eles começaram a trabalhar na roupa. Eu
usava uma camisa preta de colarinho alto que cobria convenientemente as
marcas de queimadura no meu pescoço, que eu obtive do primeiro retentor
contra o qual lutei. Calças que pareciam surpreendentemente grossas, apesar
da leveza, caíam bem abaixo dos meus joelhos, que foram projetadas
intencionalmente para que as finas caneleiras cinza-escuras pudessem
deslizar confortavelmente sobre minhas canelas.
“Onde meu irmão foi?” minha irmã brincou enquanto olhava ao redor da sala.
“Esse manto é uma roupa antiga que eu usava quando era mais jovem”, disse
Virion, seus olhos ficando mais macios como se ele estivesse relembrando o
passado. “Embora não pareça tão bom em você quanto em mim, deixarei você
ficar com ela.”
Ele sorriu com afeto. “Obrigado por impedir que a Muralha caia.”
“Pode deixar.”
Eu gostei da bela vista do céu abaixo de nós. “Às vezes eu esqueço o quão alto
o castelo está no céu!”
“Pois é! Pelo menos não podemos ver o quão alto estamos por causa das
nuvens abaixo”, gritou minha irmã sobre o som do vento.
Eu soltei uma risada. “Só não se esqueça de segurar Sylvie com força!”
Eu assisti o dragão obsidiano navegar acima das nuvens com Ellie nas costas
e Boo nas mãos com garras.
Usando o som dos gritos de Ellie como sugestão, pulei da borda também,
seguindo o resto.
Como você está indo? Eu perguntei ao meu vínculo, cuja velocidade parecia
estar ficando mais lenta.
‘Parece que estamos quase lá. Você poderá descansar assim que aterrissarmos’,
transmiti ao meu vínculo antes de seguir Callum e Gavik.
O manto de vento que eu lançara sobre meu corpo mantinha toda a umidade
das nuvens longe de mim, mas Ellie não teve a mesma sorte. Enquanto eu
observava Sylvie descer através da espessa camada de vapor d’água, não pude
deixar de rir ao ver minha irmã acordada, pingando e irritada.
Eu atirei um sorriso para minha irmã, mas seu olhar estava colado abaixo, a
mandíbula aberta.
‘Arthur. Olhe para baixo’, Sylvie enviou junto com uma onda de preocupação.
Eu olhei para baixo, a camada de névoa era fina o suficiente para eu finalmente
ver através. E o que eu vi foi realmente uma visão de se contemplar.
Capítulo 210
Esperando a Horda I
“Ahh-oof!” minha irmã soltou, quando caiu em meus braços. “Você não poderia
usar a magia do vento para tipo… eu não sei… gentilmente me flutuar até o
chão?”
Eu olhei para ela com um sorriso. “Eu pensei que todas as meninas queriam
ser carregadas dessa maneira em um ponto de suas vidas.”
“Nojento”, Ellie gemeu, quando saiu dos meus braços, pousando habilmente
com seus pés. Enquanto se espanava, ela olhou em volta pela primeira vez,
apenas para começar a corar enquanto seus olhos examinavam o nosso redor.
Desviei o olhar da minha irmã para perceber que havia uma multidão se
formando, silenciosa e com expectativa. Callum e Gavik já haviam entregado
suas montarias aos guardas e estavam aguardando ordens.
“General Arthur”, uma voz familiar chamou. Eu me virei para ver o capitão
Trodius Flamesworth com Albanth e Jesmiya de cada lado dele. Ao fazer
contato visual, os três inclinaram a cabeça respeitosamente. Em vez de falar
primeiro com os capitães, passei o olhar para a multidão. A maior parte das
pessoas parecia ser de comerciantes ou trabalhadores que trabalhavam na
Muralha, e não soldados.
‘Eles estão olhando para você, não para mim’, respondeu meu vínculo com um
leve sorriso.
Houve suspiros que podiam ser ouvidos, mesmo de onde eu estava, e muitas
pessoas na multidão se curvaram, incapazes de suportar a pressão da minha
aura — mesmo que eu estivesse me segurando.
“Embora minha presença nesta fortaleza possa ser desnecessária, meu único
desejo é acelerar nossa vitória com o mínimo de perda possível de nossas
forças”, eu afirmei com minha cabeça erguida.
“Capitão Trodius Flamesworth.” Estendi uma mão enluvada. “Eu não achei que
teria o prazer de encontrá-lo novamente tão cedo.”
Albanth removeu sua luva blindada e apertou minha mão. “General Arthur.
Prazer em tê-lo aqui.”
“Eu não preciso de uma babá, você sabe”, minha irmã reclamou, caminhando
até mim. “Eu ainda tenho o pingente que você deu a mim e à mamãe, lembra?”
Ellie pegou o pingente de Phoenix Wyrm que eu tinha dado a ela e a nossa mãe
no décimo segundo aniversário de Ellie.
“Eu deixei você vir nesta missão como prometi, mas você não tem permissão
para dizer nada sobre eu tomar precauções extras”, repreendi. “Esse pingente
funciona apenas uma vez e não é algo que eu possa adquirir facilmente
novamente.”
“Eleanor Leywin. Ela é uma arqueira mágica capaz, que eu deixarei sob seus
cuidados diretos”, ordenou o capitão da Divisão de Bulwark. “Verifique se ela
está devidamente equipada antes de levá-la ao nível superior.”
“Por favor. Apenas Eleanor, ou mesmo soldado, está bem.” Minha irmã coçou
a cabeça em frustração enquanto seguia Stella.
“Minhas desculpas por ter um de seus soldados guardando minha irmã assim.
Ela era bastante inflexível quanto a servir e achei que a Muralha seria um lugar
seguro para começar.
Jesmiya usou sua espada embainhada para mover em torno de alguns pedaços
menores no território da Clareira das Feras. “Uma das minhas unidades de
observação voltou alguns minutos antes da chegada do general Arthur. O líder
se juntará a nós em breve para relatar.”
Embora eu sentisse pouca afeição pelo homem que jogara sua própria filha de
lado como um brinquedo quebrado, tive que admitir que a natureza eficiente
e insensível de Trodius se adaptou bem à sua posição de poder.
A premissa básica de seu plano era matar o maior número possível de animais
corrompidos antes que eles chegassem à Muralha. Isso significava que haveria
várias unidades enviadas como bucha de canhão fora do alcance dos magos
alocados na Muralha. Trodius continuou com seu plano, movendo peças ao
redor do mapa para indicar quatro unidades que teriam um caminho mais
indireto em sua abordagem em direção à horda de bestas.
‘Embora a vida dos soldados enviados não seja barata, esse plano parece
bastante razoável’, retrucou Sylvie, encarando o mapa também.
“Hã?” Eu olhei para cima para ver todos os três capitães, bem como os magos
que vieram comigo, olhando para mim.
“Seu dedo.” O capitão sênior apontou para a minha mão direita. Sem saber, eu
estava batendo o dedo na mesa.
A testa de Trodius se contraiu. “Se você está insatisfeito com o plano que eu
ofereci…”
“Não, não é isso”, eu interrompi, levantando minha mão. “Se essa é uma
estratégia boa ou ruim, ainda não tenho certeza. No entanto, eu sinto que este
ataque provavelmente será o último nesta frente de batalha. “
“Com o quão perigosas são as terras lá, eles estariam ocupados apenas
tentando sobreviver quando ficassem sem suprimentos, e muito menos teriam
tempo para planejar um ataque”, falou Gavik.
“É por isso que sinto que eles podem dedicar tudo o que têm nesse último
ataque”, terminei, meus olhos estudando o mapa com as sobrancelhas
franzidas.
“Não que eu não concorde com você, general Arthur, mas como isso muda
nossa situação atual?” Trodius perguntou, seu tom impaciente.
Eu circulei nossa localização atual no mapa com o dedo. “Isso significa que
talvez tenhamos que repensar nosso plano de sacrificar soldados para manter
a Muralha totalmente intacta.”
Albanth falou. “Se isso significa não ter que enviar meus soldados em fila única
para a morte deles, sou todo ouvidos, general Arthur.”
“Um momento, por favor”, afirmou Trodius sem rodeios. “Embora eu seja a
favor da preservação do maior número possível de homens, gostaria de um
plano que não se baseie em ‘pressentimento’ ou ‘palpite’.”
Capítulo 211
Esperando a Horda II
A espada longa afiada caiu no chão quando o jovem soldado apertou sua mão
blindada com uma careta. “Obrigado pelo conselho.”
Em vez de me esquivar, parei, desviando sua espada para cima, o que abriu
sua defesa o suficiente para eu encaixar uma palma aberta em seu peito. A
mulher foi rápida o suficiente para erguer o escudo a tempo de bloquear meu
ataque, mas ainda assim tropeçou alguns passos para trás.
Eu soltei um suspiro. “Se você já está hesitando, esta partida acabou.” “Não sei
bem o que você quer dizer, general. Consegui bloquear seu
“Não importa. Mesmo se você tivesse me dado esse golpe inicial, ele mal
arranharia um aumentador ou uma besta de mana.”
Antecipando sua pergunta, continuei. “Por quê? Porque seu peso já estava na
perna de trás antes mesmo de você balançar.”
“Novamente.”
Ela se aproximou de mim mais uma vez, desta vez com passos cuidadosos. Com
um golpe repentino de seus pés, ela avançou com uma investida, estendendo
o alcance de sua lâmina mais uma vez.
Deixando toda a força do seu escudo bater no meu braço e me levantar, tentei
ver o que ela faria, mas, em vez de continuar seu ataque, ela recuou e levantou
a guarda.
A soldada ficou quieta por um momento antes de falar com confiança. “Eu
estava desconfiada de que você estava se preparando para um contra-
ataque.”
“Se eu quisesse contra-atacar, teria feito isso antes de você me bater com seu
escudo, não depois”, respondi. “Seu equipamento e seu estilo de luta são
opostos totais um do outro. Seu trabalho de pés, ataques, movimentos e
simulações apontam para um aumentador de velocidade, mas sua armadura,
escudo e até espada dizem o contrário. Não tenho certeza se você está fazendo
isso para confundir seus inimigos ou se confundir, mas escolha um lado,
porque você vai se cansar muito rápido na batalha se tentar lutar do jeito que
está com tudo isso em você. Próximo!”
Muitos soldados que haviam sido libertados de seus postos para fazer uma
pausa haviam se alinhado para lutar contra mim. Uma pequena multidão de
comerciantes e pessoas que atualmente não se preparavam para a horda de
feras se reuniu também, animadamente se perguntando se algum deles me
acertaria, apesar de todas as limitações que eu me impus.
Até agora, eu mal havia trocado dois ou três movimentos antes de parar minha
lâmina com um golpe fatal e dar alguns conselhos irrelevantes aos soldados
prestes a enfrentarem a horda de bestas corrompidas. Assim que um novo
soldado entrou no anel de pedra que eu conjurei, a voz de Sylvie entrou na
minha cabeça. ‘Pensei que você tivesse dito que tentaria descansar um pouco
antes de sair?’
Olhei para trás e a vi descendo as escadas com Gavik e Callum de cada lado
dela. ‘Eu não conseguia adormecer, então pensei em aquecer meu corpo e
treinar alguns soldados enquanto estou nisso. Como foi sua viagem até o topo
da Muralha? Ellie está bem?’
Eu levantei uma sobrancelha. “Sem ofensa para você ou Callum, mas você está
confiante em lutar ao nosso lado sem que eu precise me preocupar em
realmente matá-lo?”
Gavik olhou de volta para o mago de cabelos encaracolados atrás dele antes
de se virar para mim. Tanto ele como Callum ergueram o olhar e assentiram.
“Sim.”
Eu podia ouvir Gavik cerrar os dentes, mesmo de onde eu estava, mas os dois
se viraram e saíram, misturando-se entre os magos e os trabalhadores das
escavadeiras, todos enchendo as passagens subterrâneas.
“Poderíamos ter usado a ajuda deles”, disse Sylvie depois que os dois
aventureiros foram embora. “E eles pareciam realmente determinados a ir
conosco.”
Fiz um gesto para o soldado do outro lado do ringue e segurei minha espada
embotada. ‘Gavik tem uma filha que parecia ter mais ou menos a minha idade
ou mesmo mais nova, se a foto daquele pingente for recente. Eu o vi dando um
beijo depois da reunião’, afirmei a Sylvie enquanto redirecionava o impulso do
meu oponente.
Eu podia ouvir meu vínculo soltando uma risada abafada por trás, antes que
ela respondesse telepaticamente. ‘E aqui estava eu começando a pensar em
como meu vínculo tem sido frio com esses pobres soldados. Parece que você
está melhorando em impedir que seus pensamentos vazem para os meus.’
‘Um homem tem que ser capaz de guardar alguns segredos’, brinquei,
enquanto meu sabre passava a pressionar a nuca do meu oponente. “Se não
estou errado, você sofreu uma grande lesão do lado direito no passado, o que
faz com que você concentre todas as suas defesas nesse lado. Você está
deixando seu lado esquerdo muito aberto por causa disso. Próximo.”
“Se importa se eu for a seguir?”, uma voz familiar chamou à minha esquerda.
Sylvie e eu nos viramos para a fonte da voz e pude sentir uma inundação de
alegria saindo do meu vínculo, quando ela saiu correndo. Com cabelos
grisalhos, um tom mais escuro e ainda pingando água, e brilhantes olhos azul-
turquesa que pareciam quase brilhar por conta própria, vi minha amiga de
infância acenando em nossa direção.
Eu sorri, vendo as duas. Embora Tess não tivesse mudado muito fisicamente
desde a última vez em que nos encontramos, pude ver de relance que ela havia
crescido devido à ocupação nos campos de batalha.
“Não há mais lutas por hoje!” Gritei para a multidão de soldados e aventureiros
que esperavam na fila com as armas em suas mãos antes de fazer o meu
caminho em direção à minha amiga de infância.
Por um tempo, fiquei em silêncio e ouvi Tess e Sylvie conversando. Meu vínculo
sempre teve um profundo carinho por Tess, até a chamando de ‘mamãe’ em
um ponto de sua vida. Eu poderia dizer que Tess ainda estava tentando
entender como o dragão e a raposa com quem ela se abraçara como um animal
de estimação estava em pé na frente dela como humana.
Da conversa que ouvi, Tess e sua equipe haviam voltado uma hora atrás,
depois de receberem ordens de um mensageiro enviado pela capitã Jesmiya e
foram direto para a pousada para se lavar e descansar. Assim como eu, minha
amiga de infância não conseguiu dormir e decidiu andar pela área de mercado
da Muralha, quando me encontrou.
Eu deixei as duas colocarem os assuntos em dia, andando alguns passos atrás,
quando Tess olhou por cima do ombro e levantou uma sobrancelha. “O que é
tão engraçado?”
“Hã? Ah, eu nem percebi que estava sorrindo”, respondi, tocando minha boca.
“Parece que as emoções de Sylvie estão influenciando as minhas.”
“Hmm, se eu entendi errado, parece que você está dizendo que não está feliz
em me ver”, brincou Tess.
“Eu concordo, mas estou feliz por poder ver vocês dois antes de partir. Você
parece muito mais carismático nessa nova roupa elegante, General Arthur, mas
Sylvie! Não consigo superar quão fofa e bonita você é!” Tess confortou.
O peito do meu vínculo inchou com o elogio quando ela respondeu: “Quando
estávamos em Epheotus, minha avó me disse que eu cresceria para ser um
dragão muito fofo”.
“Não tenho certeza se você descreveria um dragão preto de seis metros com
punhais amarelos brilhantes nos olhos como ‘fofo’”, respondi de volta com um
sorriso.
“É assim que vocês dois sempre conversam dentro de suas cabeças?” Tessia
perguntou com uma risada.
“Estávamos nos dando muito bem até que você veio, Tessia”, respondeu meu
vínculo. “Sua presença deve estar afetando Arthur.”
Sylvie simplesmente deu de ombros enquanto nós três andávamos sem rumo
pelos níveis inferiores da Muralha. Trabalhadores, ferreiros, artífices e
soldados se esforçaram para cumprimentar Tess quando passamos por eles.
“Você está mais bonita do que nunca, princesa! Uma visão para os olhos
doloridos nessas partes! um ferreiro careca gritou enquanto acenava em nossa
direção com uma pinça que ele estava segurando.
“Vou contar à sua esposa que você disse isso”, respondeu Tess com um sorriso
travesso.
O rosto de Tess ficou visivelmente iluminado por suas palavras. “Oh! Diga a
Senyir que vou visitá-la hoje à noite! Obrigada pela mensagem, Nat.”
“Como faço parte da Divisão Trailblazer, não passo tanto tempo aqui quanto
gostaria, mas ainda conheço algumas pessoas aqui e ali”, explicou minha
amiga enquanto continuávamos.
Sylvie seguiu ao seu lado. “Ainda assim, eles te tratam tão gentilmente. A
maioria das pessoas que encontramos reagem a Arthur com reverência ou
medo.”
“Bem, ver o chefe de uma unidade é uma coisa. Ver uma lança tão jovem
“Ainda assim”, Sylvie suspirou. “Ele pode se contentar com algumas melhorias
em suas habilidades interpessoais.”
“Você sabe que eu estou andando logo atrás de vocês duas, certo?” Eu cortei.
Tess riu e, pela sensação de calor que crescia dentro de mim, eu percebi que
Sylvie estava se divertindo tanto quanto nossa amiga de infância.
Capítulo 212
A Promessa
Abraçando Tess mais uma vez, meu vínculo subiu a Muralha enquanto
acenávamos para ela. Os guardas a deixaram passar pelo portão para os níveis
superiores, e ela desapareceu de vista.
‘Não pense em outras coisas e tente se divertir enquanto estiver com ela,
Arthur’, enviou Sylvie.
“Esses chifres são bem adoráveis. Mas de qualquer maneira” — Tess apontou
na direção da área de comércio e me deu um sorriso caloroso — “devemos ir
também?”
Era uma sensação rara em que, ao lado dessa garota com quem eu havia
passado tantos anos nesta vida, pensamentos de minhas responsabilidades
como lança e general em tempos de guerra não eram prioridades.
“Estar longe de mim por tanto tempo finalmente fez você perceber o quão
bonita é sua amiga de infância?” Tess brincou, tirando-me dos meus
pensamentos.
Não esperando esse tipo de resposta, Tess corou até as pontas dos ouvidos.
“Entendo. Bem, é bom que você saiba agora”, ela disse com uma tosse, seu
olhar me evitando.
Antes que eu pudesse perguntar o que poderia justificar a espera em uma fila
tão longa, um cheiro de fumaça subiu pelas minhas narinas. Meu estômago
ficou quase tão impaciente quanto minha boca salivante, enquanto a espessa
mistura de ervas e especiarias junto do aroma saboroso de carne grelhada
continuava bombardeando meus sentidos.
Eu assenti. “Se tem um gosto tão bom quanto cheira, talvez eu deva fazer seu
avô contratá-lo como chef dentro do castelo.”
“Tentador, mas me sinto mal por todas as pessoas que estão ansiosas para
comer aqui”, respondeu ela.
Finalmente, um homem uma cabeça mais baixo que Tess apareceu no mar de
pessoas à nossa frente. Ele estava carregando uma pequena tigela de papel
cheia de um ensopado de carne e legumes em cada mão.
Olhando fixamente para Tess e depois para mim, o homem robusto levantou
as tigelas em nossa direção. “Não é muito, mas aqui. Mesmo uma lança não
deve lutar com o estômago vazio. “
O dono do estande levantou seu polegar para apontar para a fila. “Não
demorou muito para que as notícias chegassem até a frente da fila”.
“Parece que vir com você tem suas vantagens”, disse Tess enquanto usava uma
palheta de madeira para espetar uma das carnes carbonizadas pingando
molho.
“Esse lugar é sempre tão ocupado, que até os capitães daqui não recebem esse
tipo de tratamento.”
Depois de dar uma mordida, seus olhos se fecharam e um sorriso puxou seus
lábios. “Mmm, tão bom!”
‘Espero que você tenha guardado o suficiente para mim’, ela enviou com um
toque de curiosidade em sua voz.
‘Desculpe, acho que não posso prometer isso’, respondi enquanto dava outra
mordida.
Tirei o prato do alcance dela, assim como o espeto na mão dela tentou pescar
um dos poucos cubos de carne restantes que eu estava guardando.
“Vai sonhando.”
Espetando um cubo de carne com a palheta na mão, estendi para Tess. “Aqui.”
“O que há de errado?” ela disse. “Você está meio vermelho. Você está com
febre?”
“Não é nada!” Eu disse, me virando rapidamente. “Meu corpo não está nas
melhores condições atualmente.”
Andamos em silêncio por um tempo. Tess parecia um pouco culpada por causa
do que eu disse, mesmo que eu apenas dissesse para encobrir uma mentira.
Na esperança de melhorar seu humor, apontei para uma confeitaria onde
várias sobremesas coloridas parecidas com massas eram exibidas. Enquanto
a fila não era longa, havia muitas pessoas segurando ou comendo a massa por
perto. “Parece uma barraca popular. Você quer algo de lá?”
“Oh! Essa é uma barraca de sobremesa bastante popular”, disse ela. “Eu estou
bem, mas Caria ama isso. Eu vou sozinha, apenas espere aqui, tá?”
“Tá bom.”
Suspeitando que demoraria um pouco mais, fui até um estande menor a alguns
metros de distância.
“Estou apenas dando uma olhadinha”, respondi, sem tirar os olhos da exibição
de bugigangas e acessórios dispostos em cima do pano branco. “Na verdade,
posso comprar isso?”
“Claro! Vai acabar sendo uma prat-ai!”, o garoto gritou, olhando para trás. “O
que foi, mãe?”
“O que você pensa que está fazendo?” uma mulher mais velha bufando. Ela
olhou para mim se desculpando. “Sinto muito, general. Meu garoto aqui é um
pouco ignorante do mundo.”
“General? Você?” o garoto disse, estupefato. “Mas você tem a mesma idade do
meu irmão!”
Isso lhe rendeu outro tapa da mãe antes que ela me entregasse o item que eu
queria comprar. “Por favor, tome isso como um pedido de desculpas pelo
comportamento rude do meu filho. Mais uma vez, sinto muito.”
Eu soltei uma risada. “Não há problema algum, e por favor, deixe-me pagar.”
Ela acenou com a mão em despedida. “Ah não! Por favor, como posso tirar
dinheiro de uma lança!”
Rindo, joguei uma moeda para o garoto e agradeci aos dois, antes de voltar
para Tess.
A senhora olhou para mim por um segundo, atordoada, antes de se curvar. “O-
obrigada.”
Fui até a banca de sobremesas bem a tempo de ver Tess devorando algum tipo
de massa elástica em uma mordida. Ela olhou para mim com uma expressão
de culpa antes de estender uma para mim também. “Ooh, voxê quer shum
também?”
“O que aconteceu com apenas comprá-lo para Caria?” Eu a provoquei com uma
risada.
“Quando você parte para a sua próxima missão?” Eu perguntei, quase com
medo da resposta.
“Mais tarde esta noite”, ela respondeu com os olhos abatidos.
“Quero te mostrar um lugar antes de você ir. Está tudo bem?” Eu perguntei com
um sorriso.
Tess soltou um suspiro quando viu a vista ao nosso redor. Nós tínhamos
escalado para o local no penhasco — o mesmo lugar que eu tinha ido depois
de brigar com meus pais. Com o sol a centímetros de distância do horizonte,
uma luz quente se espalhava por toda a Clareira das Feras.
“A vista aqui é ainda melhor do que a do castelo”, disse ela com outro suspiro.
Deve ter sido a maneira como o sol vermelho se misturou com seus cabelos
grisalhos brilhantes ou como ela estava inclinando a cabeça levemente para
que a nuca fosse exposta, porque meu coração parecia que estava prestes a
sair do meu peito.
Incapaz de encontrar seus olhos por mais tempo, eu me afastei. “Para onde
você está indo na sua próxima missão?”
Você liderou um país em sua vida anterior e até nesta vida, Arthur. Você não
tem motivos para gaguejar ao lado de Tess. Eu continuei me repreendendo até
ela responder.
“Minha unidade, juntamente com alguns outros elfos da Divisão Trailblazer, irá
para Elenoir hoje à noite”, respondeu ela.
“Sim. Temos recebido relatos das tropas vigiadas em toda a floresta, de que
houve alguns avistamentos recentes de retardatários Alacryanos. Não parecia
muito sério, mas eles estão pedindo apoio há um tempo e a capitã Jesmiya
finalmente cedeu”, explicou ela, apoiando o queixo nos joelhos.
“Deve ter sido uma escolha difícil, especialmente com a horda de bestas se
aproximando”, eu disse. “Embora eu esteja feliz por você não estar aqui para
esta batalha.”
Tess levantou uma sobrancelha. “Embora eu não seja páreo para uma lança,
recentemente cheguei ao estágio de prata.”
Eu nunca pensei em verificar seus níveis de mana então suas palavras me
pegaram de surpresa. “Parabéns. Verdadeiramente.”
“Você pode se cuidar. Sinto muito se minhas palavras saíram pelo caminho
errado, mas eu realmente acredito nisso. Passar um tempo com você hoje me
fez perceber o quanto você ficou mais velha”, eu rapidamente arrumei o que
disse.
Tess me olhou com uma expressão sem graça. “Devo tomar isso como um
elogio?”
“Uhh.” Cocei meu queixo. “O que eu quis dizer foi que você emite uma aura
diferente agora. Não estou falando de mana, embora seu núcleo tenha
melhorado, mas mais parecido com—”
“Eu fiquei mais madura?” Tess completou com um sorriso. Soltei um gemido
suave. “Sim, isso…”
Lembranças da última vez que conversei com Tess me vieram à mente. Não faz
muito tempo, mas ela parecia tão diferente agora — mais madura, como ela
disse.
Enfiei a mão no bolso interno do meu manto, onde mantinha o ornamento que
havia comprado anteriormente, com uma percepção em mente:
Eu gostava de Tess.
Se não fosse pelo fato de eu ter nascido com lembranças da minha vida
anterior como adulto, talvez eu já tivesse me confessado a ela muito antes.
Mas quais seriam os sentimentos dela por mim se soubesse meu segredo? Ela
reagiria da mesma maneira que meus pais? Será que ela se sentiria enojada
como eu, quando percebi que gostava dela?
“Era realmente o mesmo para mim, também”, eu admiti, minha mão ainda
segurando o ornamento. “Embora eu ame a vista daqui, este lugar está ligado
a uma memória ruim, então eu pensei que vir aqui com você melhoraria.”
“Sim”, eu disse enquanto finalmente reunia coragem para puxar a joia. Era um
simples ornamento prateado de duas folhas colocadas uma sobre a outra para
formar um coração. “Eu comprei isso para você.”
“É tão bonito!” ela disse, segurando o presente na mão. “Isso é, talvez, pelo
ótimo serviço de turismo que eu te dei hoje?”
“Eu gosto de você, Tess”, completei com mais convicção, afastando a dúvida
que ainda crescia dentro de mim.
Tess se levantou. “O que você quer dizer com ‘gostar’? Eu juro, Arthur, se você
diz que gosta de mim como amigo ou como irmã, eu vou…”
“E-eu não sei”, disse ela, com a cabeça baixa. “Simplesmente, imaginei as
coisas indo de maneira diferente.”
“Diferente, como?”
“Que eu teria que ficar mais forte, mais bonita e mais velha para impressionar
você e desmaiá-lo de pé”, disse ela, me batendo no braço.
Eu ri. “Ainda posso esperar por você me desmaiar?”
“Não é engraçado!” ela retrucou, finalmente olhando para que eu pudesse ver
seus dois olhos cheios de lágrimas me encarando. Ela levantou o pingente de
folha no meu rosto. “Coloque isso para mim.”
Tess olhou para baixo quando seus dedos apertaram a única folha de prata
pendurada logo acima do peito. Ela então puxou uma longa corda de couro
que havia sido enrolada em seu braço e pegou minha folha de prata.
Ela colocou o novo colar de couro em volta do meu pescoço e amarrou-o para
que a folha pendesse frouxamente sobre o meu peito. Antes que eu pudesse
me virar, no entanto, senti os braços de Tess em volta da minha cintura quando
ela me abraçou por trás.
“Eu também gosto de você, idiota. Mas estamos em guerra. Nós dois temos
responsabilidades e pessoas que precisam de nós”, ela disse em um sussurro
solene.
“Eu sei. E tenho coisas que quero lhe contar também, então que tal fazermos
uma promessa?”
Seus braços tremiam, mas ela respondeu com firmeza. “Eu prometo.” Tess
afastou os braços, mas eu não me virei. Olhei para a Clareira das
Capítulo 213
Território Inimigo III
Alacryana.
Eu corri. Parecia que tudo o que eu vinha fazendo hoje em dia era correr por
essa floresta amaldiçoada. Galhos baixos arranhavam minhas bochechas e
braços enquanto arbustos espinhosos rasgavam minhas roupas e pernas. Eu
corri na direção em que minha magia me guiou. Sem ela, eu era cega. Mesmo
se houvesse uma lua hoje à noite, duvidava que seus raios pálidos fossem
capazes de penetrar no denso dossel e no nevoeiro acima.
‘Maeve. Cole. Por favor, saiam em segurança’, orei a Vritra sem interromper o
passo.
Correndo até os flashes mágicos da batalha quase não serem visíveis, eu parei
e me agachei ao lado de um arbusto espesso. Os espinhos e as folhas
espinhosas pressionando contra mim me deram conforto ao ar livre. Eu cobri
minha boca enquanto ofegava, com medo de ser ouvida.
‘Você está bem, Circe. Você está indo bem.’ Limpei o fluxo de lágrimas que não
paravam de cair.
‘Eu tenho que sobreviver. Para meu irmão. Para Seth.’ Eu recitei isso
repetidamente. Foi o meu mantra. Era o que estava me fazendo continuar.
Depois de finalmente recuperar o fôlego, acendi minha crista. Imediatamente,
pude sentir a localização da matriz de três pontos mais próxima que eu havia
formado.
Cavando um pequeno buraco no chão macio com a mão, mordi meu polegar
até o sangue sair. Cuidadosamente, deixei meu sangue escorrer para o buraco
enquanto instilava a mana da minha crista.
Foi por pura sorte que eu descobri que usar meu sangue como meio para mana
amplificaria os efeitos da matriz. Talvez descobrindo por que um dia eu
poderia transformar minha crista em emblema.
Depois que meu sangue infundido com mana penetrou no pequeno buraco
que eu fiz, eu o cobri e me mudei para uma árvore próxima.
Tudo o que eu queria era me enrolar e chorar, mas infelizmente não tinha tanto
luxo. Não se eu quisesse viver.
Eu sabia que o barulho havia sido causado por um animal, mas não conseguia
me concentrar. Eu estava perdendo tempo, mas por algum motivo estranho,
eu realmente não queria que alguém me matasse por trás. Era estranho
pensar, mas preferiria olhar para o meu assassino enquanto eu morria.
‘Se alguém estivesse aqui, eles já teriam me matado’, eu disse a mim mesma.
Não era um pensamento muito reconfortante, mas era verdade.
Depois que o segundo ponto foi concluído, mudei para a árvore final para
finalizar a matriz de três pontos. Eu sabia que o uso de sangue como meio para
a matriz teria seu preço, mas ainda estava surpresa com o quão fraca me senti
depois que o ponto final foi concluído. Apesar do ar frio do inverno que parecia
ainda mais frio sob a neblina, eu estava suando e meus joelhos estavam quase
cedendo.
‘Tenho que me mexer. Quase lá’, eu disse para minhas pernas. Sem me
preocupar em mascarar minha trilha de mana, passei para o próximo ponto.
Consegui dar meia corrida enquanto ofegava. Não achei que fosse possível,
mas a floresta parecia estar ficando ainda mais escura. Os galhos baixos
pendiam nas minhas roupas esfarrapadas. Sem forças para simplesmente
ignorá-los, tive que parar e arrancar os galhos, custando-me um tempo
precioso.
Tropecei mais vezes do que podia contar com as raízes e galhos de árvores que
pareciam estar crescendo mais em número, mas finalmente consegui.
“Você pode correr?” ele perguntou, me colocando de pé. Seus olhos ainda
estavam examinando nosso entorno, procurando por algo.
“Eu acho que sim”, eu gaguejei, meu olhar se deslocando para uma flecha
cintilante enterrada no chão… exatamente onde eu estava.
Fane acendeu seu emblema. Seu corpo inteiro brilhava e rajadas de vento
visíveis o cercavam, fazendo-o levitar. Na mão dele havia uma lança, seu
comprimento era aproximadamente o dobro da minha altura, com uma ponta
afiada que girava como uma broca, enviando ventos ao nosso redor. “Então
corra. Vou segurá-los.”
Não demorou muito para que eu pudesse ouvir os ecos da batalha atrás de
mim. O chão tremeu e as árvores pareciam tremer de tristeza e dor por seus
irmãos apanhados na luta. Mais de uma vez, quase fui surpreendida pelos
vendavais, mas mesmo assim resisti à tentação de olhar para trás. Eu só podia
rezar para Vritra que Fane ficaria bem.
Mais uma vez eu corri. Continuei a correr nesta floresta abandonada até
minhas pernas parecerem chumbo. Cada passo parecia cada vez mais difícil,
como se eu estivesse caminhando em uma piscina de alcatrão.
Caí para frente e logo provei a sujeira e a folhagem da floresta na minha boca.
O peitoral de prata de Fane me manteve no chão como uma âncora. Desistindo
do pensamento de voltar, rolei para o lado e acendi minha crista. Com a
distância que eu percorri, sabia que era mais seguro fortalecer a matriz com
sangue.
O que meu cérebro enlouquecido e privado de sono concebeu como “feliz” foi
o fato de que a queda no meu rosto rasgou uma ferida no meu lábio. Talvez a
ação mais desagradável que eu tenha realizado em toda a minha vida, cuspi
um bocado de sangue no chão e mergulhei meus dedos nele para imbuir mana.
Se não posso correr, é melhor criar mais uma marca para o exército que está
esperando. Talvez isso seja próximo o suficiente para eles. Talvez eles ainda
salvem Seth.
“Idiota! Eu não disse para você continuar correndo?”, eu nunca pensei que a
voz áspera de Fane soaria tão agradável, mas eu estava errada.
Eu tinha tantas perguntas para Fane, mas agora não era a hora. Apontando na
direção que o True Sense havia me mostrado, direcionei o atacante veterano
pela floresta infestada de névoa.
Felizmente, o sol estava voltando. Estávamos correndo sem parar a noite toda
e era evidente que Fane estava quase desmoronando. Ele havia concentrado
grande parte de sua mana no toco onde costumava estar o braço esquerdo
para impedir que o sangue derramasse. O resto de sua mana foi gasto em
maximizar nossa velocidade.
“Só mais um pouco, e você precisa focar tudo o que tem na matriz de três
pontos. Faça isso e nossa missão será um sucesso”, Fane bufou. “Você pode
fazer isso?”
“Eu posso.”
Nós paramos e Fane me jogou no chão. Eu assumi que o atacante queria que
eu iniciasse a matriz — eu estava apenas meio certa.
Eu podia ver o emblema de Fane brilhando sob sua camisa enquanto ele
estava na minha frente. A lança mais uma vez se formou na mão de Fane,
quando ele a apontou para o elfo que se aproximava lentamente de nós.
Mesmo à primeira vista, eu sabia quem ele era. Foi o mesmo elfo que nos viu
na árvore. Era o mesmo elfo que Maeve e Cole tinham ficado para trás para
lutar contra.
Ouvi um apito fraco, mas antes que meu cérebro pudesse processar o que
aquele barulho significava, a lança de vento de Fane já havia se movido. A
flecha que deveria tirar minha vida estava no chão.
Mesmo com a força que reuni enquanto Fane me segurava em seu braço, eu só
conseguia controlar uma cambalhota embaraçosa. Fane continuou a me
empurrar em direção à abertura na floresta, em direção ao que eu supunha
ser uma das entradas do reino élfico.
Eu ficava tensa toda vez que ouvia um apito agudo, mas pelo fato de nenhuma
das flechas ter conseguido me acertar, eu sabia que Fane estava fazendo seu
trabalho.
Fane se elevou sobre mim apenas alguns passos atrás com cabos de múltiplas
flechas saindo de seu corpo. Um rastro de sangue vazou pelo canto da boca.
Tentei imbuir mais mana, mas, pelo canto do olho, pude ver as árvores ao
nosso redor balançando.
Outro grunhido de dor ressoou por trás, mas não era a voz de Fane.
A dor aguda que irradiava da minha crista tornou-se cada vez mais
insuportável quando eu mergulhei mais mana na pequena poça de sangue que
havia se acumulado no chão à minha frente.
Ouvi outro assovio, mas quase imediatamente depois, fui derrubada quando
uma dor atingiu meu braço como fogo. Minha cabeça explodiu com um branco
cegante. Eu mal podia ficar de joelhos, a tontura me dominando.
Apesar de meu cérebro gritar para não o fazer, olhei para o meu braço
machucado. Foi mutilado além do reconhecimento.
Eu sabia que não demoraria muito até que eu morresse. Eu quase queria
morrer, mas nesse estado quase morto, não pude deixar de pensar em Seth.
Ele estava esperando em Alacrya em uma cama de hospital.
Ele também estava quase morto. Mesmo que eu não pudesse viver, ele não
poderia?
“Espero que você possa perdoar sua irmã… por não conseguir voltar para
casa”, murmurei.
Dei um passo para o lado, criando uma trilha com meu sangue. A dor estava
começando a diminuir um pouco quando meu braço ficou dormente, o que foi
bom.
Fane apareceu, mas ele mal estava de pé também. Ele estava pingando quase
tanto sangue quanto eu.
Com nenhum de nós dois capaz de reunir uma palavra, Fane continuou a me
proteger enquanto eu fazia a matriz, fortalecendo-o com a enorme quantidade
de sangue que eu estava derramando.
Dei outro passo, mas devo ter perdido a consciência por um momento, porque
encontrei o mundo de lado. Fane ainda estava de pé, afastando Albold e outro
elfo.
‘Quase lá.’
Capítulo 214
Presente de boas-vindas
Agarrei seu pulso. “Vou avisar a todos. Você precisa buscar seus colegas
“Essa horda de bestas está mais de um dia adiantada, Art! As pessoas aqui não
estão preparadas para isso. Eu deveria ficar e…”
“É para isso que estou aqui, Tess”, cortei com firmeza. — Você tem ordens da
sua capitã em comando. Não vou pedir que você vá embora, mas se as coisas
estiverem ruins aqui, suspeito que as tropas que pedem apoio em Elenoir
possam estar piorando.”
“Era isso que eu queria dizer, bobo”, disse ela antes de me agarrar pela nuca
do meu manto e me puxar para um beijo.
Tess sorriu para mim, suas bochechas coradas traindo seu movimento ousado.
Puxando a corrente do seu amuleto de folha, ela me encarou. “Lembre-se da
promessa.”
Apesar da bomba lançada, o povo da Muralha lidou bem com as notícias. Isso
não significava que não entraram em pânico, mas com a liderança rígida e o
fato de a maioria das pessoas presentes serem soldados treinados ou
aventureiros veteranos, eles se adaptaram rapidamente.
A Divisão Bulwark, composta por um pouco menos de dois mil soldados, tinha
total confiança em seu capitão. Talvez fosse porque estávamos na defesa e
tínhamos uma Muralha maciça para nos proteger, mas mesmo sabendo que
estavam em menor número, estavam prontos para marchar além da Muralha
sem hesitar.
Quanto a mim, esperei dentro da tenda de reunião com Sylvie. Trodius estava
enterrado atrás de várias pilhas de papel em sua mesa, deixando-me com um
agradável momento de paz enquanto eu verificava o conteúdo do meu anel de
dimensão. A única coisa útil que eu tinha era a Ballad Dawn, rachada e
quebrada, mas ainda melhor do que qualquer outra arma que eu havia usado.
Eu realmente gostaria que essa maldita arma dentro da minha mão já tivesse
se manifestado, eu xinguei na minha cabeça.
‘Agora seria uma boa hora’, concordou Sylvie.
“Não estou rebaixando vocês dois, mas as chances de algo acontecer comigo
e Sylvie só aumentam se vocês vierem conosco”, afirmei, sem tirar os olhos da
Ballad Dawn.
“Por favor, desculpe a intrusão. Pai, eu trouxe as armas que você pediu”, uma
voz clara soou.
Eu olhei para cima e vi uma mulher alta com olhos vermelhos brilhantes e pele
escura que parecia ainda mais escura com as manchas de fuligem. Em seus
braços tonificados havia duas espadas, uma mais longa que a outra.
“Ah! Entre, Senyir.” Trodius acenou para a mulher, com um sorriso raro no
rosto. “Arthur, esta é Senyir Flamesworth. Minha filha e a mestra ferreira da
Muralha.”
***
“Senyir aqui, é uma das melhores ferreiras de Sapin, a par dos ferreiros
mestres de Darv, devido ao seu excelente controle e implementação da magia
do fogo durante o processo de forjamento”, gabou-se Trodius.
“Sua raiva está vazando para mim”, Sylvie transmitiu gentilmente. Eu não
consigo evitar.
“Ouvi de Tessia que você prefere lâminas mais finas”, disse Senyir enquanto
me entregava a mais longa das duas espadas. “Tenho certeza de que não está
nem perto do mesmo nível da sua arma, mas meu pai me informou que você
estará em batalha por um longo período de tempo. Ter várias armas de
precaução não fará mal a você.”
A fina espada zumbia, quando fogo, vento, água e terra começaram a girar em
torno da lâmina em harmonia. Continuei injetando mana na espada até ver a
lâmina começar a se deteriorar.
Colocando a espada mais longa no meu anel e prendendo a mais curta no meu
quadril ao lado da Ballad Dawn, virei-me para Trodius. “Tenha as tropas
terrestres prontas para avançar assim que eu sair.”
Sem outra palavra, passei por Senyir Flamesworth e saí da tenda, apenas para
ser recebido com um estrondo estridente. Ao nosso redor havia soldados,
comerciantes e aventureiros aplaudindo e rugindo meu nome.
“Sua presença é o que mantém esta Muralha inteira, general”, disse Trodius
quando se aproximou de mim.
Foi esmagador, para dizer o mínimo. Mas, em vez de sentir alegria ou orgulho
por ser o centro das atenções, fui tomado de horror, porque no meio da
multidão, vi meu pai.
Ele não deveria estar aqui. Se eles estavam aqui embaixo, isso significava que
o resto dos Chifres Gêmeos também estavam em algum lugar por aqui.
Eu não me importei. Eu queria correr para meu pai agora mesmo e dizer-lhe
para ir embora — ir embora com a mamãe e os chifres gêmeos que certamente
estavam aqui.
Mas não consegui. Um olhar de meu pai me parou.
Ele tinha uma expressão tão determinada que, mesmo como general, eu não
ousava detê-lo. Eu temia que se eu o parasse e a todos aqui, eles nunca me
perdoariam.
Tudo bem, Arthur. Se tudo correr como planejado, a maioria desses soldados
conseguirá sair vivo e seu pai é um dos mais fortes deles, eu disse para mim
mesmo, esperando me acalmar.
Ele saudou de volta e, apesar da briga que não faz muito tempo, ele sorriu para
mim.
Troquei olhares com Sylvie e, com um aceno de cabeça, ela mudou para sua
forma dracônica. Isso provocou outra onda de aplausos, assim que montei
nela.
‘Você não está sozinho, Arthur’, disse Sylvie enquanto abria as asas de
obsidiana. ‘Nada mudou desde que você tomou a decisão de trazer Ellie.’
Foi por causa da promessa que fiz com Tess? O pingente pendurado no meu
pescoço parecia pesar sobre mim, mas não era só isso. O momento de tudo
acontecer parecia… estranho.
‘Você está pronto?’, perguntou Sylvie, sua emoção me inundando. ‘Não tão
pronto quanto você’, eu enviei de volta com uma risada.
O riso de Sylvie ecoou na minha cabeça antes que o mundo ao nosso redor se
transformasse em um borrão. Com seu selo liberado, cada centímetro de seu
corpo estava transbordando de poder. Cada golpe de suas asas fazia ventos
atrás de nós, até que logo estávamos nos aproximando do exército de bestas.
A esfera explodiu em um raio de pura mana. Não houve som no ataque, apenas
pura destruição quando o golpe marcou o início da batalha.
Capítulo 215
Dois vs Um exército
Apesar da devastação causada pela explosão, qualquer sinal dos danos logo
se dissipou. Sylvie lançou outra rajada de mana, mas desta vez vários escudos
se formaram, levando o peso do ataque antes de quebrar camada por camada.
‘Nós ficaríamos sem mana muito antes mesmo de fazer um estrago’, respondeu
Sylvie.
‘Depois de você’, ela transmitiu, me dando um sorriso cheio de dentes.
Com uma gargalhada, pulei para fora da cratera e em cima de uma besta de
mana reptiliana com três caudas. Antes que a fera pudesse emitir um som, sua
cabeça já estava separada do corpo e eu fui para a fera seguinte.
Desorientados e furiosos com a nossa chegada, as bestas de mana se
amontoaram, enquanto todos tentavam colocar suas garras, presas ou patas
em mim. Eu constantemente usava a magia do vento para criar espaço para
brandir minha espada.
‘Esses parecem ter cérebro’, pensei. Era óbvio pelas peles sombrias e negras
que os lobos haviam sido corrompidos, mas, ao contrário das outras bestas
que marchavam sem pensar em direção à Muralha, esses permaneceram
alertas e mantiveram sua formação.
O líder da alcateia — um lobo maior com uma juba e chifre mais espetados —
soltou um latido e, instantaneamente, os outros doze atacaram-me com um
trovão crepitante brilhando ao redor.
Mais irritado do que com dor, dei de ombros para a ferida que havia sido
bloqueada pela minha aura e apunhalei o lobo.
A voz de Sylvie tocou em minha mente. ‘Arthur. Essas bestas parecem ter algo
de errado. A maioria nem sequer retalia e continua marchando em direção à
Muralha. Apenas alguns dos mais fortes e seus grupos estão lutando.’
‘Eu também sinto isso. Não tenho certeza do que os Alacryanos fizeram. Eles
devem estar controlando os animais para chegarem à Muralha, não importa o
quê’, respondi, continuando a matar tantas bestas de mana quanto eu podia.
Dando aos meus membros — pesados de cortar os couros e exoesqueletos
duros das bestas de mana — algum alívio, comecei a lançar mais feitiços.
Esferas de fogo, água e raios orbitaram ao meu redor, queimando, cortando e
eletrocutando bestas que chegavam perto o suficiente enquanto eu lançava
feitiço após feitiço.
Seria fácil dizer que foi isso que a guerra fez com todos. Parte disso era
verdade — lutar contra inúmeras bestas lentamente me transformou em uma
fera. No entanto, outra parte disso foi que eu gostei.
Estar cercado pela morte, mas nunca ser capaz de me matar livremente,
poderia ter algo a ver com isso. Os inúmeros duelos que lutei na minha vida
anterior foram todos supervisionados e restringidos por regras e leis. Aqui, era
diferente.
Foi quando eu senti o próximo. Antes que eu pudesse ver ou ouvir, eu senti.
Mesmo entre o zumbido de inúmeras bestas de mana marchando, os passos
da besta de mana em particular sacudiram a terra.
Não demorou muito para eu ver a monstruosidade imponente que pisoteava
outros animais feridos como se fossem insetos.
Mesmo com quatro patas, tinha cerca de três andares e cada centímetro de
seu corpo estava coberto por uma pele metálica. Espinhos brotaram ao longo
de sua coluna vertebral e no final do focinho, como um tronco, havia uma
esfera de metal amassada do tamanho da cabeça de Sylvie.
Lancei um arco de relâmpago para a besta, mas ela nem sequer vacilou
enquanto continuava avançando em minha direção. Ele balançou o focinho
como um mangual, espancando bestas de mana à direita e à esquerda. As
bestas de mana que tiveram a sorte de escapar do focinho foram logo
pisoteados por seus cascos grossos, enquanto corria em minha direção. Foi
quando eu o vi, um humano.
O mago Alacryano, que andava entre dois dos espinhos nas costas da fera de
classe S, estava desesperadamente segurando sua vida. A essa distância, era
fácil dizer que isso não fazia parte do plano.
Foi quando tive a ideia. As bestas de mana mais fracas parecendo quase
sedadas e principalmente ignorando Sylvie e eu, mesmo quando as matamos,
as bestas de mana de nível superior aparentemente possuindo sua própria
vontade, mesmo contra os grandes esforços dos Alacryanos.
O fogo parecia funcionar melhor para irritar a besta, mas quando eu lancei
outro feitiço, um escudo translúcido cintilou em seu caminho, bloqueando
meu feitiço antes que pudesse acertá-la.
‘Preciso da sua ajuda agora, Sylvie’, enviei sem pressa enquanto levava a fera
para onde eu podia sentir que Sylvie estava lutando.
‘Uau, como você ficou com tanta raiva?’ Ela falou, pulando no ar com um bater
de asas.
Com uma confirmação mental, Sylvie voou para o céu antes de voltar a
mergulhar de cabeça em direção à besta.
‘Mantenha-a firme!’ Ela transmitiu, mostrando o alcance geral que ela poderia
pousar.
A meu pedido, o chão logo abaixo dos pés da frente do animal se lascou,
fazendo com que o animal caísse no chão. No entanto, com a velocidade que
havia aumentado, seu impulso continuou carregando a besta e o mago
andando de costas em minha direção.
Percorrendo todas as paredes de terra que conjurei em seu caminho até que
estivesse a poucos metros de distância, eu xinguei de frustração.
Preparando minha mente e corpo para o preço que eu teria que pagar, esperei
até pouco antes de o animal estar perto o suficiente antes de ativar o Static
Void.
Com meu controle sobre o éter e a mana dando trancos e barrancos durante
minha subida ao estágio do núcleo branco, confinei a arte da mana de parar o
tempo, apenas à besta e ao mago.
Mesmo com o alcance reduzido, o tamanho da fera fez meu núcleo de mana
protestar. No entanto, eu persisti, ganhando tempo até Sylvie estar prestes a
colidir com a fera.
Sem tempo para descansar, corri em direção à fera gigantesca que estava
atordoada, mas ainda viva e lutando para sair do alcance de Sylvie.
‘Não estou confiante de que posso. A pele dele não é tão forte quanto às minhas
escamas, mas é muito mais espessa.’
A pedra negra retangular caiu de suas mãos. Depois de pegá-la, formei uma
ponta de gelo na minha mão e a enfiei na coxa do mago.
O Alacryano, surpreso a princípio por estar acordado e me vendo, rapidamente
sucumbiu à dor lancinante que irradiava de sua coxa sangrando. Antes que ele
pudesse falar, eu segurei a pedra negra em seu rosto. “Isso controla as bestas
de mana?”
Ele soltou outro grito, e os animais de mana que cheiravam o sangue da presa
começaram a se aproximar.
‘Pressa. Não posso mantê-lo parado por muito mais tempo’, afirmou Sylvie.
O mago soltou outro gemido abafado antes de eu congelar sua boca. “Qual é
a de vocês, Alacryanos, que ficam se matando”, suspirei. “Bem, se você não me
disser, eu também poderia descobrir sozinho.”
A pedra retangular não reagia com nenhum tipo de mana ou mesmo éter,
então fiz a única outra coisa que sabia. Eu a esmaguei na minha mão.
Capítulo 216
Campo de batalha
Os olhos outrora vidrados e sem vida dos animais de mana agora ardiam de
fúria. Mas não foi só comigo; os animais de mana começaram a rosnar e sibilar
um para o outro, mostrando presas, garras e chifres um para o outro.
Não demorou muito para o inferno ser instaurado. As bestas se atacavam sem
nem um pouco de lucidez entre elas. Eles pularam para mim com imprudência,
muitas vezes sendo pegos um pelo outro no processo.
Tirando rapidamente as duas espadas que recebi do ferreiro de Flamesworth,
eu me tornei uma enxurrada de lâminas. Cortei e apunhalei os órgãos vitais
das bestas de mana que me atacaram até que um monte de carcaças
sangrentas foi acumulado sob meus pés.
‘Arthur! Não aguento mais!’ A voz urgente de Sylvie atravessou minha mente.
Isso mostrou que não estava pensando em atacar cegamente como antes, mas
esperando que eu reagisse de alguma forma ao seu ato de agressão.
A olho nu, nada havia mudado, mas para quem tinha um pingo de senso, eles
sentiram. Até os animais, por mais perturbados que fossem, congelaram e
começaram a tremer, por instinto.
Isso pode não ter funcionado enquanto eles estavam em seu estupor
momentos atrás, mas agora os animais ao meu redor se encolheram de medo,
enquanto alguns dos mais fracos desmoronaram.
Com finalmente algum espaço para respirar, dei um passo em direção à fera
gigantesca. Um caminho se abriu enquanto eu andava, as bestas de mana
incapazes de suportar estarem muito perto.
Vendo como o animal enlouquecido agia, não poderia ter sido por pena ou
mesmo por lealdade ao suposto mestre.
“Agora …” Eu olhei para o mago assustado. “Eu me pergunto como você ainda
está vivo.”
“Ah in-inferno ooh, ah inferno ooh”, ele murmurou através do gelo derretendo
que mantinha sua boca fechada.
Trocando olhares com Sylvie, derreti o gelo em torno de seu rosto. “Fale.”
“Qualquer palavra inútil e eu mato você no ato.”
“Eu-eu vou te dizer por que eles não vão me atacar. Prometa que vai me deixar
viver.”
Lágrimas rolavam pelas bochechas do mago enquanto ele olhava furioso para
mim. “Então por que eu deveria lhe contar alguma coisa?”
“Tudo bem! Por favor, pare!” ele gritou, esticando a cabeça o mais longe da
minha espada que seu pescoço podia. “N-nós temos um soro que as bestas
corrompidas não podem suportar durante seu estado frenético.”
“É inútil… mesmo que você saiba”, ele cuspiu, o sangue vazando da boca.
“Vida longa…”
Puxei minha espada com um empurrão rápido e segui em frente. Havia muito
mais trabalho a ser feito.
Até o tempo gasto treinando com Kathyln, Hester, Buhnd e Camus deu frutos.
Ter experiência em lutar contra vários oponentes realmente ajudou a saber
como reagir melhor às ondas incessantes de bestas de mana – algumas das
quais foram capazes de lançar magia de longa distância – sem sobrecarregar
minha mana. Juntamente com os discos de medição de mana que Emily havia
testado comigo, eu era capaz de limitar a força dos meus feitiços à sua máxima
eficiência.
‘Um pouco cansada, admito, mas estou bem’, respondeu ela, com a voz mental
clara, mesmo com a distância entre nós. ‘Já está cansada? Só passaram quatro
horas de luta sem parar ‘, eu provoquei, esfaqueando e tirando minha espada
da caixa torácica de uma grande besta primata.
As espadas curtas que recebi como um conjunto com minha espada mais longa
rapidamente tornaram-se inutilizáveis, deixando-me apenas com Dawn’s
Ballad e minha fina espada longa que já tinha ficado cega.
Enquanto nós dois continuamos nosso ataque, meu foco principal mudou para
encontrar os outros magos alacryanos. O soro que o mago inimigo tinha me
contado sobre ser capaz de basicamente esconder o usuário de bestas
corrompidas era uma recompensa sedutora, e eu já sabia para que usá-lo.
‘O que você sugere?‘ Meu vínculo perguntou conforme ela lutava em seu
caminho através das hordas de bestas entre nós para chegar a mim.
‘Eu quero manter sua família segura também, Arthur, mas é sábio desviar de
suas obrigações como General e Lança? Usar o Realmheart vai custar um
grande preço para você e, mesmo assim, corremos o risco de ser por nada.’
Rangendo os dentes, pulei nas costas de Sylvie. Memórias da minha luta com
meus pais durante minha última viagem à Muralha inundaram minha mente e
de meu vínculo. Foi mais rápido deixá-la saber assim do que tentar explicar.
Não é sábio, Sylv. Eu sei disso. Mas, por favor, só por um tempo. Eu preciso ser
capaz de dizer a mim mesmo que eu estou dando tudo que tenho para manter
minha família segura, e encontrar um soro pode fazer justo isso.
Supondo que tudo corresse de acordo com o plano, teríamos que sacrificar
partes da Muralha e as rotas subterrâneas, e seria muito mais seguro para
nossas tropas corpo-a-corpo lutar. Mas, mesmo assim, com tantas pessoas que
eu me importava participando desta batalha, era impossível não estar ansioso
e com medo por eles.
‘Eu entendo’, Sylvie enviou empatia enquanto suas poderosas asas batiam.
Com uma rajada de vento, nós dois subimos para o céu, atirando em qualquer
uma das bestas aéreas de mana antes que pudessem reagir.
“Vou contar com você para lutar contra qualquer besta de mana enquanto me
concentro em procurar os magos”, disse em voz alta.
Logo, minha visão se transformou em tons de cinza antes que manchas de luz
colorida começassem a emergir do nada.
Não importa quantas vezes eu tenha usado essa habilidade, era de tirar o
fôlego todas as vezes. Não importa quantos feitiços foram arremessados por
magos e animais, foi quando pude ver fisicamente a mesma substância que
compelia toda a magia na atmosfera que parecia que eu tinha realmente caído
em um mundo mágico.
‘Foco, Arthur. Você pode distinguir qualquer um dos magos alacryanos?’ Sylvie
disse com um toque de inveja. Meu vínculo ainda tinha que entender essa
habilidade, apesar de romper o selo que sua mãe colocou nela antes do
nascimento.
“Na verdade, não”, respondi, estreitando meu olhar para tentar identificar
flutuações de mana que pareciam diferentes da magia que as bestas eram
capazes de lançar.
Capítulo 217
Decisões Tomadas
TESSIA ERALITH
Darvus se aproximou de mim. Com os calos dos dedos brancos por apertar
seus machados duplos, como se sua vida dependesse disso. O sorriso
presunçoso que ele sempre usava não estava à vista, substituído por
sobrancelhas franzidas e uma mandíbula tensa. “Isso não parece bom, Tessia.”
Olhei por cima do ombro para ver Stannard e Caria, e os duzentos soldados
que compunham minha unidade, juntamente com os esquadrões
desorganizados de soldados élficos que haviam sido colocados sob meu
comando. Misturamos entre eles havia elfos civis vestido apenas com tecido
ou avental de couro para proteção, assim como qualquer metal fino que
pudessem encontrar e prender. Estes foram os homens que ficaram para trás
para proteger sua casa e seus entes queridos que fugiram.
A outrora animada cidade élfica logo atrás de nós havia evacuado há muito
tempo, mas sabíamos que com as muitas crianças e idosos entre eles, se
fugíssemos daqui – se não pudéssemos aguentar o suficiente – todos
morreriam. Não se tratava de proteger uma cidade abandonada nos arredores;
essa batalha determinaria o momento da luta por Elenoir.
Meu coração batia forte no peito e meus joelhos vacilavam. Por mais forte que
meu núcleo de mana fosse, por mais que eu tivesse treinado, não sentia nada
além de medo neste momento.
Eu me virei para enfrentar meus aliados, apesar do medo deixar minhas costas
expostas para o exército que se aproximava. “Estamos aqui por causa do
exército alacryano se aproximando do Reino Elenoir. Nem todo mundo aqui
pode chamar essa terra de ‘lar’, mas atrás de nós estão as crianças e os idosos,
fugindo para salvar suas vidas depois de serem forçados a abandonar seu
único lar. O inimigo que marcha em nossa direção os matará e assumirá nosso
reino, e se eles conseguirem isso, Sapin será o próximo.
“Nossos números são poucos, mas eu, por exemplo, tenho a honra de ser a
primeira linha de defesa para impedir que isso aconteça”, declarei, elevando
minha voz um pouco mais alto. “Lança Aya, junto com todos os elfos saudáveis,
estão marchando aqui para nos ajudar enquanto falamos, mas a questão é …”
Eu levantei minha espada. “Você se juntará a mim não apenas lutando nesta
batalha, mas protegendo os fracos e indefesos dos alacryanos?
Ao meu sinal, uma linha de defesa se formou ao meu redor e aos das minhas
tropas à distância. “Conjuradores, arqueiros, preparem suas armas!”
Eu levantei minha espada para que todos vissem antes de sinalizar outro voo
de feitiços e aços pontudos. “Fogo!”
Outra chuva de cores caiu sobre o inimigo, ainda na maior parte obscurecida
pelo ambiente da floresta. Luzes brilhantes em forma de escudo e paredes
desviavam ou até absorviam nossos ataques, mas esse não é o único
problema. As árvores grossas e galhos salientes da Floresta de Elshire estavam
contra nós.
Com um aceno de cabeça, o elfo vestido de aço levantou seu escudo e correu
para a frente, cumprindo meu decreto. Soldados corajosos, com armaduras de
couro e metal, acenderam seus núcleos e avançaram em uma batalha onde
estávamos em muito menor número. Eles desapareceram de vista na névoa
espessa, mas eu ainda podia ouvir o trovão de sua carga infundida de magia.
Apoiando não apenas a arma e o corpo, mas também a minha vontade, olhei
para Stannard, Darvus e Caria, meus amigos mais próximos e os companheiros
mais confiáveis. Nenhum de nós disse uma palavra, mas com o tempo que
passamos em batalhas, nossos olhares já falaram muito um com o outro e
todos pareciamos estar dizendo a mesma coisa. ‘Vamos sair dessa vivos.’
Peguei o colar no pescoço que Arthur havia me dado. Eu não devo chorar.
gutural. “Atacar!”
ALBANTH KELRIS
antes de me soltar.
Com um sorriso gentil, meu assistente colocou uma mão blindada no meu
Paldron¹. “Eu sei que está no seu sangue se preocupar e pensar demais, mas
veja o caos que o General Arthur está causando ao nosso inimigo”.(¹Paldron:
ombreira de metal geralmente usada em conjunto com uma armadura.)
Dei um forte suspiro. “Eu sei, Sinder. Mas me dói estar aqui, girando os
polegares, enquanto a Lança luta incansavelmente há horas.”
“Nosso tempo chegará. Não importa quão forte seja o General, ele é apenas
um homem. Ele precisará do nosso apoio em breve” assegurou meu assistente.
“Agora, capitão, erga seus ombros e não deixe que os soldados o vejam
vacilando.”
“Wess! Não estou vendo você tremer, estou?” gritei para um mago de meia
idade segurando seu cajado. Dando um tapinha no ombro dele, atirei-lhe um
sorriso. “Depois dessa batalha, deixe sua esposa nos fazer uma de suas tortas
ruins, ok?”
O conjurador soltou uma risada, seu corpo visivelmente mais relaxado. “Como
você pode pensar em comida em um momento como este, capitão. Muito bem,
Maryl ficará encantada em saber que você gosta tanto da torta dela.”
Eu dei uma piscada para ele antes de continuar meu passeio. Não foi muita
coisa – acene aqui, uma piada ali, fazendo um plano paro o futuro – qualquer
coisa para tirar as cabeças dos soldados do buraco negro causado pela
iminente batalha.
Foi quando vi a irmãzinha do General Arthur… Eleanor era o nome dela, se não
me engano. A menininha era difícil de notar com o grande animal de mana ao
lado dela. Stella, a soldada que eu havia designado para ela, não estava à vista,
substituído por uma arqueira de cabelos escuros com olhos brilhantes. Ela
parecia estar lhe ensinado o básico sobre atirar em terrenos mais altos.
“E você é?”
“Entendo”, sorri. Fiquei aliviado que a irmã mais nova do General não foi a
única a afastar seu protetor. “Nesse caso, vou deixá-la sob seus cuidados.”
Ela não devia ter mais de doze ou treze anos, mas aqui estava ela, com poucos
traços de inocência e juventude. Eu queria perguntar se os pais dela sabiam
que ela estava aqui e se eles aprovariam, mas isso não era da minha conta.
Dando a ela e ao arqueiro uma homenagem à Helen, continuei minha
caminhada até avistar um mensageiro correndo em minha direção
Vendo o quanto ele estava ofegante, as pessoas pensariam que ele havia
escalado toda a muralha desde sua base até o topo com as próprias mãos. O
mensageiro abaixou a cabeça antes de falar comigo. “O capitão sênior Trodius
convocou uma reunião e solicitou sua presença imediatamente.”
Quando cheguei, a capitã Jesmiya estava saindo da tenda com uma expressão
particularmente azeda, ela bateu no meu ombro enquanto murmura uma série
de maldições baixinho.
A capitã de cabelos loiros girou, sua mão livre já segurava seu sabre antes de
perceber quem eu era.
Surpreso por seu veneno, perguntei o que estava acontecendo, apenas para
que ela desse de ombros. “Pergunte ao Trodius”, ela sussurrou antes de se
afastar.
O capitão sabia que eu estava aqui, mas mesmo assim ele continuou seu
trabalho como se quisesse fazer uma declaração. Isso continuou por alguns
minutos quando não aguentei esperar mais, pigarreei. “Capitão sên—”
Um dedo levantado me cortou. O homem nem olhou em minha direção até que
ele finalmente terminasse o que estava fazendo, apesar do fato que ele enviou
um mensageiro para esta reunião ‘urgente’.
“Prepare suas tropas corpo a corpo para marchar”, afirmou. “Eles enfrentarão
a horda de animais nos termos que ditamos.”
“Mas senhor.” Dei um passo à frente apenas para encontrar um olhar ardente
de Trodius. Dando um passo para trás, continuei. “Com o plano do general
Arthur, seremos capazes de imobilizar a maioria da horda de animas. Isso dará
às nossas forças corpo a corpo uma chance muito melhor de sur—”
“Como já afirmei antes, capitão Albanth, não irei pesar o valor da vida…” O
capitão sênior deixou sua sentença sumir, para me deixar exatamente ciente
do que ele estava fazendo.
“Além disso, a própria Lança disse – era apenas uma sugestão. Eu não disse
nada na reunião por respeito à sua posição, mas ele é apenas um garoto que
é ignorante em relação a guerra. Seria de seu interesse perceber isso também.”
Trodius tomou o silêncio como minha resposta e me deu aquele sorriso falso
que parecia funcionar tão bem em pessoas que realmente não o conheciam.
“Ótimo! Então, suas tropas corpo a corpo avançam imediatamente. Você e suas
tropas farão o que for preciso para se manterem firmes até as forças de Jesmya
sejam ordenadas a contornar o flanco para ajudá-lo. A essa altura, os
arqueiros e conjuradores em posição estarão ao alcance de disparar
livremente a linha de trás deles.”b
“Ah, e capitão Albanth?” o capitão sênior chamou. “Sei que, com isso, o número
de mortos será maior, mas sei que nossa vitória será muito maior por ter
mantido essa fortaleza vital em pé depois de tudo isso.”
ARTHUR LEYWIN
‘Arthur’.
Meu olhar se desviou da muralha, quase invisível sobre a poeira que pairava
no ar, de volta à visão do exército alacryano bem dentro da floresta.
Meu papel era ficar aqui, ajudar as forças da muralha a derrotar essa horda de
feras. Mesmo que tudo isso não passasse de diversão, minha família e os
chifres gêmeos ainda estavam aqui. E se algo acontecesse com qualquer um
deles depois que eu saísse? Por outro lado, e se Tess estivesse em perigo? Com
tão poucos elfos estacionados em torno de Sapin, seria quase impossível para
Elenoir se defender adequadamente de um exército daquele tamanho.
‘Eu sei que é uma decisão difícil’, ela respondeu, sua voz suave me acalmando
um pouco. ‘Tenha certeza de que apoiarei qualquer escolha que você faça.’
Capítulo 218
De líder a soldado
TESSIA ERALITH
Cravando os pés no chão enquanto saltava para frente, usei uma videira de
mana para me puxar ao mago inimigo mais próximo.
O alacryano, surpreso, nem teve tempo de se virar para mim antes que meu
cajado afundasse profundamente em sua cintura. O sangue escorria quando
eu puxava minha arma, deixando sua lâmina pálida sem manchas.
“Boa!” gritei de volta enquanto soltava uma rajada de vento para derrubar um
inimigo que estava se aproximando de Stannard.
“Valeu!” ele gritou. Seu artefato havia terminado de carregar, liberando uma
explosão de mana diretamente em uma multidão de soldados inimigos que se
aproximava.
Com um salto infundido de mana, pousei no galho onde uma maga de longo
alcance estava empoleirada. Antes que ela pudesse soltar um ruído, um
ferimento fatal já havia sido feito. O corpo balançou e caiu da árvore.
Em vez disso, o que vi foi o caos. Com a folhagem se mesclando com as árvores
e o solo, assim como a espessa manta de névoa sempre presente, era difícil
dizer exatamente quantos inimigos havia e quantos de meus aliados restavam.
Um grito perfurou meus ouvidos. Veio de perto. Sem saber se foi um amigo ou
inimigo que fez o choro de dor, girei em direção à fonte.
O elfo caiu sem vida no chão enquanto uma poça de sangue se formou ao redor
dele. O assassino era um mago alacryano que tinha um anel de vento girando
em torno de suas mãos abertas. Ele exibia um sorriso de escárnio orgulhoso
enquanto pisava no corpo do elfo.
“Tessia! Onde você está indo?!” ouvi a voz de Darvus atrás de mim.
Não foi a primeira vez que usei minha vontade besta, mas nunca a usei em
outra pessoa. Independentemente disso, besta ou homem, o mago sabia o
quão ultrapassado ele estava.
“Es-escudo!” ele gritou enquanto corria em sua direção, passando por sua
guarda em um piscar de olhos.
Mais uma vez, uma luz dourada surgiu, mas antes que pudesse se manifestar
totalmente, as pontas afiadas de mana ao meu redor já haviam perfurado
vários buracos no corpo do mago.
Sem pensar, olhei para baixo, meu olhar foi atraído para o elfo morto ao meu
lado. Seus olhos vazios pareciam olhar para mim, me culpando.
“Tessia! Precisamos de você de volta!” uma voz familiar soou próxima. Era
Caria, enfrentando um grupo de alacryanos. Sua expressão era sombria, mas
ela não estava perdendo sua pose nem mesmo contra três magos inimigos.
“Já estou indo!” gritei antes de aumentar minha visão. Eu espiei através da
camada de névoa para tentar encontrar qualquer um dos chamados ‘escudos’
se escondendo.
Não tenho tempo para isso! Eu facilmente desviei de sua lança envolta em
chamas e esculpi uma linha sangrenta em seu pescoço quando vi outro aliado
precisando de ajuda.
Havia uma soldado humana apoiada contra uma árvore com dois magos
inimigos se aproximando dela. Eu sabia que meu trabalho principal era
reforçar meus companheiros de equipe para impedir o avanço das tropas
alacryanas, mas meu corpo se moveu sem pensar.
Wind Cutter.
Desta vez, uma parede de terra se ergueu do solo. Meu feitiço deixou uma
cicatriz no escudo de pedra, mas quando consegui passar pela defesa deles, a
garota humana já estava no chão com uma ponta congelada projetando-se de
seu peito.
Amaldiçoei por dentro, com raiva de mim mesma por ter chegado tarde
demais. Enquanto isso, os magos inimigos conseguiram se libertar de minhas
algemas de raízes e prepararam seu próximo ataque — desta vez, contra mim.
Com um grito maníaco, o mago correu em minha direção, seu braço direito
inteiro envolto por uma lança feita de gelo.
Meus olhos se voltaram para meu aliado morto que ainda estava encostado na
árvore.
Em vez de evitá-lo e esperar que nenhum dos meus aliados fosse atingido pela
explosão, agitei meu cabo da espada e canalizei um feitiço através da joia
amplificadora de mana em seu cabo.
Raízes grossas sob meus pés se ergueram do chão, sacrificando-se para pegar
o feixe de fogo.
“É?” ele zombou, “Bem, por causa disso, Hachi morreu. Você deveria estar
“Todos nós tivemos nossas posições designadas — que você designou. Por
você ter fugido, dois estão gravemente feridos e seu flanco direito está
completamente exposto! Em que mundo isso é ‘salvar nossas tropas’?” Ele me
interrompeu.
Saindo do meu torpor, tentei ir atrás dele quando, de repente, uma dor
lancinante se espalhou pelas minhas costas.
A promessa que fiz aos meus companheiros de equipe, a promessa que fiz com
Arthur, teria sido quebrada porque eu estava tão concentrado em tentar salvar
o máximo de tropas que pudesse.
Sai dessa, Tessia! Darvus tem razão, precisamos nos manter em formação.
Voltei para minha posição inicial, exercendo mais mana na aura esmeralda que
me protegia. Abri caminho através das ondas de soldados inimigos
empunhando armas de aço e conjurei elementos que tentavam avançar para
minha equipe.
Droga, por que não estou chegando mais perto?! Amaldiçoei, tentando
encontrar Stannard, Caria e Darvus.
Era impossível dizer quanto tempo se passou desde que a batalha começou,
mas uma coisa estava dolorosamente clara: Eu não estava apta para ser uma
líder.
Não importava que eu fosse um mago de núcleo de prata com vontade de uma
besta classe S. Ficar emocionada com cada aliado morto que encontrei
justificou minha incompetência em tomar decisões racionais para a melhoria
de todos.
caos.
Minha voz baixou para um rosnado ameaçador. “Você não respondeu minha
pergunta.”
Segui com minha espada desta vez, apenas para sentir como se eu estivesse
balançando através de um líquido viscoso espesso. No momento em que
minha lâmina atingiu o pescoço desprotegido de Vernett, a velocidade havia
diminuído tanto que nem conseguia tirar sangue.
“Depois de toda a sua conversa, você está correndo como um rato?” Eu cuspi,
incapaz de manter o veneno longe da minha voz.
Vernett soltou uma risada. “Por que se preocupar em bater cabeças quando
estou claramente em desvantagem?”
O peito do homem jorrou sangue, apesar de sua placa peitoral de prata. Seus
olhos, arregalados com o choque, travaram em mim antes que sua cabeça
caísse sem vida.
A imundície de um homem atirou em mim o corpo que usara como escudo para
manter distância.
“Para que serve a sua posição quando você não é nada além de um bebê com
um distintivo brilhante?” ele se regozijou ao cortar a perna de outro dos meus
soldados, deixando-o propositalmente vivo e em agonia.
Ele se esquivou das vinhas que eu joguei nele, seu sorriso sempre presente
enquanto ele usava uma de suas próprias tropas para bloquear outro de meus
ataques.
Correndo para mais longe, ele gritou: “Você deveria ter mantido a tiara na
cabeça, princesinha. Liderar com uma espada não combina com você.”
“Cale a boca, cale a boca, cale a boca!” gritei. Sucumbindo à minha raiva, eu
ativei o segundo estágio da minha vontade bestial.
De repente, o mundo ao meu redor ficou com uma tonalidade verde. Os sons
da batalha abafados enquanto meu corpo parecia quase se mover por conta
própria.
Vernett tossiu no ar o sangue que foi expelido de seus pulmões. Eu podia sentir
suas costelas quebrando através da minha magia, mas um sorriso floresceu
em seu rosto. “ Dê uma olhada ao seu redor. Quais tropas?”
Pela primeira vez no que parecia ser toda a nossa batalha, desviei meus olhos
do lixo em minhas mãos e olhei em volta. A batalha havia avançado — não, eu
que havia sido levada para trás.
De longe, eu podia ver minhas tropas sendo derrubadas sem mim, cada vez
mais de seus corpos espalhados pelo chão da floresta. Talvez fosse devido ao
segundo estágio da minha vontade da besta, mas eu podia ver claramente o
quanto os números do meu lado haviam diminuído… por minha causa. Porque
eu priorizei jogar o jogo desse homem.
“Estou feliz que você tenha uma opinião tão elevada de mim, mas como você,
sou apenas um soldado distinto,” ele gorgolejou, sangue escorrendo dos
cantos de sua boca. “A diferença entre nós é que eu sei que estou apenas
fingindo ser um.”
Vernett estalou a língua em desaprovação. “Meu Deus, você estava com tanta
raiva de mim que não conseguia nem ver o mago se escondendo na árvore
bem na sua frente?”
Fechei os olhos, esperando morrer, sem ninguém para culpar a não ser eu
mesma.
Foi quando a buzina soou à distância. E quando abri meus olhos, Vernett havia
sumido.
No lugar dele estava a general Aya, olhando para mim com uma expressão tão
fria que metade de mim desejou ter morrido.
Capítulo 219
Exército se aproximando
ARTHUR LEYWIN
‘Que tipo de feitiço é capaz de tal coisa?’ meu vínculo perguntou enquanto
seguíamos o caminho que brilhava mesmo através da espessa camada de
névoa acima da floresta
Não tenho muita certeza, mas vendo como a trilha é tipo um zigue-zague em
torno de vários pontos que levam ao norte, não acho que seja um único feitiço
poderoso, mas um acúmulo do mesmo feitiço criando um caminho.
Era apenas minha especulação — melhor, era minha esperança. O pensamento
de um mago inimigo basicamente ser capaz de anular a magia ambiental da
floresta com uma única conjuração me assustou.
Ao nos aproximarmos cada vez mais do nosso destino, no entanto, uma figura
pairando sobre o manto de árvores e a neblina logo chamou nossa atenção.
O que me preocupou mais do que sua aparência familiar foi o fato de ele não
ter vazado mana. Comparado com o maremoto opressivo que era Uto, este
homem era o olho de uma tempestade terrível — assim como seu mestre.
Sylvie parou a cerca de uma dúzia de metros de distância. Desta vez, foi o medo
e a ansiedade dela que estavam vazando em mim.
“Cylrit”, cumprimentei o Vritra que trajava uma armadura preta enquanto ele
estava no ar, sua capa roxa ondulando atrás dele.
Eu estava perdido.
Meus instintos me pediram para lutar contra ele; ele era um inimigo. Mas, ao
mesmo tempo, a sua superior, a foice, salvou minha vida e fora a razão pela
qual Sylvie e eu conseguimos superar nossos respectivos gargalos.
Os olhos afiados de Cylrit se estreitaram, mas sua voz ainda estava calma
quando ele respondeu. “É para seu benefício, Lança Leywin. Meu mestre deseja
que você esteja com uma saúde ótima antes da batalha final, e participar da
defesa pelo reino élfico tornará isso difícil.”
“Seris disse que isso era para meu benefício?” Eu falei sem pensar.
“O nome de meu mestre não é algo que você deva falar tão casualmente,
humano.” A voz de Cylrit não mudou, mas uma forte sede de sangue surgiu
dele quando mencionei a foice.
Meus olhos continuaram presos aos dele. “Nós estamos indo para Elenoir.”
“E achas que não sei disso?” Eu rosnei, incapaz de me segurar. O vento parou
e o ar ficou tão denso que era quase tangível.
Acariciando a crina vermelha profunda do meu leão mundial, passei por eles.
“Cada um de vocês me deve vinte conjuntos de pressão de escudo sem usar
mana.”
“Tudo bem, caminhe com suas montarias até o lago e faça uma pausa de uma
hora!” Eu chamei, saltando de Grawder.
“Como esperado dos alunos de Lanceler”, uma voz familiar soou atrás de mim.
“Mesmo como estagiários, eles nunca conseguem ficar parados.”
Arranquei um pedaço do meu pão e passei para ele a parte do caldo, o favorito
do velho, que eu tinha guardado no meu anel também. “Um aluno é tão bom
quanto seu professor, instrutor Crowe.”
Meu ex-instrutor voltou seu olhar para mim. “Eu estava errado sobre você,
Curtis. Você trabalhou duro desde o primeiro dia, e você ficou feliz em ouvir
seus erros, porque isso lhe deu espaço para melhorar.”
“Isso é uma coisa boa quando você está em batalha. Nesse momento, quando
você é um dos incontáveis soldados na linha de frente, não há estratégia”, o
velho cavaleiro bufou.
“Por que você, seu pequeno…” Crowe me enganchou com o braço e começou
a apertar os nós dos dedos na minha cabeça enquanto Grawder gemia em
protesto por ser acordado.
Nós dois continuamos brigando enquanto ríamos. Apesar do pouco tempo que
passei aqui para ensinar os alunos, havia uma abundância de histórias para
trocar em um dia perfeito como este.
Depois que a curta hora do intervalo passou, nós dois nos levantamos.
Os alunos enrijeceram com a minha voz e correram de volta morro acima onde
tínhamos praticado.
“Eles ouvem bem o que você tem a dizer” comentou Crowe, sorrindo ao ver
alguns dos alunos que ele havia ensinado o saudando com uma reverência
apressada antes de correrem.
“Posso estar aposentado, mas ainda sou caro.” “Pense no pão e no caldo como
pagamento.” “Olhe aqui, seu pequeno…”
Crowe parou. Ele levantou a cabeça, olhando para uma figura no céu.
“Não é um mensageiro?” perguntei, apertando meus olhos para tentar ver que
tipo de besta era a montaria voadora.
A besta, junto com seu cavaleiro, desceu, pousando na varanda mais alta da
torre de metal. A estrutura alta e pontuda em forma de uma colossal lança não
era apenas o símbolo de nossa academia, mas o prédio onde nosso diretor
residia.
“Aquela é uma Asa de Lâmina”, Crowe murmurou, seu tom sério. “Existem
apenas alguns magos ligados a essas bestas. Se eles fossem contratados como
mensageiros, isso significa que é sério.”
Depois de passar por meus alunos confusos e andar pelo terreno pavimentado
da escola, nos aproximamos da alta torre em forma de lança.
Depois que nós dois trocamos olhares, girei a maçaneta dourada e abri a porta.
Sentado atrás de sua mesa estava o gigante corpo de nosso diretor caído para
frente com a cabeça enterrada nas mãos. Ao lado dele estava o mensageiro,
sua expressão com uma mistura de medo e angústia.
“Eu não estou entendendo, senhor. O que está rolando?” Mudei meu olhar do
diretor ao mensageiro.
Capítulo 220
O peso de uma escolha
Se foi pelo alívio que uma lança tinha chegado ou por conta da resposta pelo
uso excessivo da minha vontade bestial que tinha finalmente se estabelecido,
eu desmaiei.
O sol tinha se posto quase que por completo, lançando uma tonalidade
vermelha para o cobertor espesso de neblina quando acordei. Eu me encontrei
em cima de um pequeno wyvern com vários soldados estacionados ao meu
redor com armas sacadas, mas a batalha já tinha terminado.
Meu corpo doía e o próprio ato de manter meus olhos abertos enviou ondas
agudas de dor para minhas têmporas. Mas não conseguia parar de olhar para
a cena.
Mesmo assim, que direito eu tenho de ficar com raiva? Não sou eu a culpada
pelas mortes que aconteceram aqui? Se não fosse pelo meu egoísmo, quantos
dos que estão sendo enterrados agora teriam sobrevivido?
Eu sabia que não era saudável cair neste poço de auto-culpa e “e se”, mas com
as provocações de Vernett ainda ecoando na minha cabeça, era difícil não o
fazer.
Era Caria, inconsciente. Eu caí de joelhos, mas antes que eu pudesse chegar
mais perto, uma mão bloqueou meu caminho.
Olhei para cima para ver um Darvus de olhos de pedra, olhando para mim com
uma expressão que eu nunca tinha visto antes. “Ela mal foi capaz de dormir
com um sedativo. Não a acorde.”
Nenhum dos dois teve ferimentos além de alguns arranhões, mas o mesmo
não poderia ser dito para Caria.
Eu já sabia que os emissores não podiam regenerar novos membros, mas ver
a ferida fechar perto da parte inferior da coxa fez parecer irreversível.
“Como?” Ouvi Darvus retrucar. “Você nos deixa para ir em sua própria luta
sozinha e—”
Darvus estava certo. A culpa foi minha. Eu tinha um papel que eu deveria
cumprir, mas eu escolhi sair por conta própria, pensando que eu poderia
ajudar mais com a minha força.
Eu não olhei para trás – meus olhos permaneceram fixos no sono pacífico de
Caria. Como isso mudaria quando ela acordasse. Ela me culparia como Darvus
e Stannard? Ela me odiaria?
Limpei minhas lágrimas com a parte de trás da minha mão. Eu tinha que ficar
forte. Isso foi só o começo. A batalha para defender a capital de Elenoir seria
onde eu poderia compensar meus erros.
“Tessia Eralith.”
“O piloto está pronto para partir. Você vai voltar para o Castelo imediatamente,
Chefe Tessia”, afirmou a lança elfa enquanto se virava.
General Aya olhou para trás sobre seu ombro, seu olhar afiado cortando
minhas palavras. “Talvez eu não tenha sido clara. Você será retirada da batalha
até segunda ordem.”
“Seu trabalho era permanecer em formação e aguentar pelo curto período que
levaria para os reforços chegarem, mas o número de mortos de sua unidade
chegou a mais da metade por causa de suas ambições egoístas.” A lança
ergueu meus dedos fora e me respondeu friamente. “O restante de sua
unidade que ainda está apto para a batalha se juntará ao restante da minha
divisão.”
“Irá demorar muito tempo para mais reforços chegarem, General!” Até o
Nenhum dos dois conseguia me olhar nos olhos. Com os olhos suplicantes, eu
continuei a encarar, esperando que eles pelo menos encontrassem meu olhar.
No entanto, até o fim, nenhum olhou para trás.
E a agonia e o vazio que senti naquele momento doeu mais do que todas as
lesões que já tinha sofrido como uma soldada companheira lutando ao lado
deles.
O Castelo.
“Você está lendo os relatórios de Elenoir também, certo?” Ele sibilou. “Você
está feliz? Você está feliz?!”
“Eu entendo sua raiva, mas por favor, este não é o momento ou o lugar para
fazer isso”, Merial disse calmamente enquanto ela puxava o braço de seu
marido.
Priscilla Glayder ficou de lado, observando toda a cena com dentes rangendo
e punhos cerrados, incapaz de ajudar seu marido a sair da culpa.
Buhnd sentou-se à toa, o olhar usual de diversão substituído por uma carranca
sombria.
Alduin caiu de joelhos. Ele bateu o punho no chão de mármore até que sua
mão inteira estivesse coberta de sangue. “Quantas vezes eu pedi para que
nossas próprias tropas fossem colocadas de volta em Elenoir? Quantas vezes
eu implorei, porque tinha medo que esse cenário exato ocorresse?! Como você
vai assumir a responsabilidade se isso levar a toda a queda do reino élfico!”
Nenhum som podia ser ouvido além do grunhido de raiva e desespero que
meu filho soltou. Sua esposa gentilmente envolveu os braços em volta dele,
confortando meu filho de uma maneira que eu não pude.
Eu não tinha o direito. Afinal, o peso de suas palavras não caiu apenas sobre
os Glayders, mas também sobre mim. Fui eu quem finalmente concordou com
Bairon em manter as tropas élficas em Sapin. Eu era o responsável pelo que
estava acontecendo com Elenoir.
“Chega! Agora não é hora de apontar dedos. Saiam e se acalmem, todos vocês!”
Enfatizei.
Voltando o olhar para os Glayders, dei um aceno a cada um deles. “Façam uma
pausa e saibam que o que aconteceu não é culpa de ninguém.”
Bairon, antes de ser retirado da sala, olhou para trás. “Eu sei que você jurou
ser imparcial ao liderar Dicathen nesta guerra, mas eu não te culparei se o que
você decidir fazer a seguir for pelo seu reino natal.”
Ele não esperou que eu respondesse enquanto saía com a esposa segurando
sua mão.
Era uma resposta que eu nunca esperava do ex-rei humano e fez a minha
decisão de escoltar o Conselho para fora desta sala parecer que eu estivesse
evitando o confronto que acabaria tendo que enfrentar por minhas escolhas.
Buhnd foi o último a sair; ele me lançou um olhar que eu não pude interpretar,
mas não tive tempo para refletir. Eu estava agora sozinho.
A sala que estava tão agitada apenas alguns momentos atrás, parecia tão
perturbadora. As mensagens escritas nos rolos de transmissão pareciam criar
uma pressão cumulativa quase sufocante.
Soltando um suspiro, peguei o rolo de transmissão de Etistin e o li novamente.
O conteúdo deste pergaminho e muitos outros em breve, atordoaria o resto
do Conselho, tanto quanto estava me paralisando agora.
Não podia deixar isto acontecer. Pelo menos um de nós precisava estar em sã
consciência, e foi por isso que eu escondi isso deles — mesmo que fosse por
apenas algumas horas. Eu precisava desse tempo para decidir como proceder.
Felizmente, Bairon e Varay já estavam por perto, mas apenas ter esses dois
não seria suficiente — mesmo tendo todas as nossas cinco lanças, talvez não
fosse suficiente. Levar a lança Mica para a costa oeste não seria muito difícil e
Arthur deveria ter quase terminado seu papel na Muralha.
Capítulo 221
Retroceder
Nós três estávamos no alto do dossel das árvores. Agarrei a Ballad Dawn na
minha mão, enquanto mil pensamentos e preocupações corriam pela minha
mente.
Apesar do recente crescimento de Sylvie, ela não seria capaz de lidar sozinha
com o Retentor. E mesmo se eu segurasse Cylrit, Sylvie não seria capaz de
encontrar Tess dentro da névoa mágica espalhada pela floresta de Elshire.
A melhor opção era terminar esta batalha o mais rápido possível para chegar
à Tess. No entanto, gastar muita energia e mana em uma luta onde o oponente
estava apenas me atrasando, podia ser prejudicial para as batalhas reais que
estão por vir.
‘Sylvie. Estou bem confiante de que posso vencer Cylrit sozinho, mas não se o
objetivo dele for ganhar tempo. Vamos encerrar isso rapidamente juntos.’
Enquanto a velocidade do meu voo não era de forma alguma lenta, lutar era
outra história. Era difícil utilizar meu estilo de luta, que consistia em
movimentos afiados e rajadas de velocidade, no ar.
Static Void.
‘Droga!’ Eu xinguei.
Sylvie reagiu rapidamente à minha tentativa fracassada conjurando outra
plataforma sob meus pés para que eu rapidamente ganhasse distância de
Cylrit.
Eu soltei um suspiro pesado. Static Void foi um feitiço passado para mim de
Sylvia, que não era compatível com o meu domínio de éter. Mesmo como um
mago de núcleo branco, apenas usar alguns segundos das artes etéreas me fez
sentir como se estivesse lutando por várias horas.
“Eu fui ensinado sobre as várias artes de mana que os clãs asura haviam
criado, especialmente as ‘artes etéreas’ do clã Indrath. Experimentando
pessoalmente, no entanto, pude ver o porquê de temer isso”, disse Cylrit,
olhando para o ferimento.
Não tendo intenção de trocar frivolidades com ele, mentalmente cutuquei meu
vínculo.
‘Certo.’
O retentor olhou para cima, passando o olhar de Sylvie para mim antes de
dizer: “Um dos meus batedores confirmou que a princesa élfica foi retirada da
batalha”.
Ao retirar a Ballad Dawn, conjurei duas lâminas congeladas como Varay havia
feito — condensando camada sobre camada de gelo para reforçar sua
durabilidade — antes de correr para o retentor.
“Se seu mestre está realmente do nosso lado, esta é uma batalha sem sentido,
Cylrit”, eu rosnei, liberando a décima oitava espada conjurada da minha mão
e disparando uma rajada de fogo em suas pernas.
Foi quando eu vi — ou melhor, senti. Algo dentro de sua arma mudou. Não
visivelmente, mas aconteceu logo depois que a espada que soltei foi puxada
para dentro da espada e atirei no fogo.
A flutuação de mana dentro de sua espada — agora visível para mim com
Realmheart — mudou no meio de seu balanço enquanto ele bloqueava a
composição sólida da minha espada de gelo e o feitiço do raio alimentado por
mana.
Pelo seu olhar irritado, eu sabia que Cylrit notou minha revelação, mas isso
não importava. Eu sabia a fraqueza dele.
Uma onda de fadiga vazou sobre mim do meu vínculo, mas ela permaneceu
determinada a terminar isso rapidamente.
Com um aceno mental, eu explodi indo em frente, usando uma rajada de vento
condensada para ajudar na minha aceleração. Duvidava que pudéssemos
realizar o tipo de coordenação que precisaríamos para seguir com o plano de
Sylvie, mas segui com sua intenção.
Cylrit estava obviamente desconfiado das faíscas de luz que o rodeavam, mas
sua atenção permaneceu focada em mim, pois eu era a ameaça mais imediata.
Empurrei uma das muitas plataformas de mana que meu vínculo conjurou
diretamente atrás do retentor.
Mas não parou por aí. Abandonei a espada de gelo mais uma vez e concentrei
mana em meu punho, antes de balançar com força o rosto do meu oponente
enquanto enviava uma rajada de raios com a outra mão.
Cylrit optou por absorver a explosão do raio enquanto usava seu próprio braço
para bloquear meu punho. Enquanto ele se afastava da força, conjurei uma
nova lâmina ainda maior que a anterior e golpeei.
Incapaz de mudar sua habilidade rápido o suficiente, ele tomou toda a força
da espada de gelo com velocidade Mach 20-alguma coisa. A mana ao redor de
seu corpo negou o peso do ataque, mas pelo sangue vazando do canto dos
lábios de Cylrit, eu sabia que havíamos desembarcado em nosso primeiro
ataque bem-sucedido.
Esquivei da arma de Cylrit com bastante facilidade, mas o retentor seguiu com
outro chute.
Mal conseguindo me desviar, imbuí meu punho com um raio, mas quando
tentei atacá-lo, uma força puxou o feitiço em volta do meu punho para trás de
mim.
Isso deu a Cylrit tempo suficiente para dar um soco sólido no meu queixo. A
mana que estava me protegendo absorveu parte da força do impacto, mas
minha visão ainda estava turva.
Agora era a hora — enquanto a espada de Cylrit estava preparada para atrair
feitiços físicos.
“Faça!” Eu rugi.
Meu corpo me implorou para sair do caminho. Não era tarde demais. Mas, em
vez disso, agarrei Cylrit.
‘Arthur!’ Só de ouvir a voz de Sylvie na minha cabeça, pude sentir como ela
estava horrorizada.
O retentor lutou para se libertar do meu alcance, sua atenção focada não no
feitiço, mas em sua espada atrás de mim. Era óbvio que ele estava tentando
recuperar sua arma, mas eu não facilitei tanto assim. Incapaz de correr o risco
de liberar um único membro de Cylrit, bati minha testa em seu nariz e repeti
até sentir o calor dos raios de mana de Sylvie em minha pele.
‘Static Void.’
Olhei para o meu vínculo, nós dois preparados para terminar nossa jornada,
quando senti um leve choque dentro do bolso da calça.
Pude perceber pela angústia de Sylvie que ela havia lido meus pensamentos
que eu não me preocupei em esconder. Ela rapidamente mudou para sua
forma dracônica, mergulhou debaixo de mim e me pegou.
‘Vamos supor que o retentor estava dizendo a verdade por enquanto.
Capítulo 221.5
Túneis Obscuros I
Nota: esse capítulo extra faz parte de uma coletânea de POVs da MICA
EARTHBORN retirados do Livro 7 de TBATE.
MICA EARTHBORN
Ele caiu de uma maneira bizarra no chão, seus membros tortos em ângulos
sinistros, como se fosse um inseto e um enorme pé o estava esmagando no
chão. Seus olhos arregalados me encararam em pânico.
“Em oito segundos, dez se for mais resistente do que parece, você vai
desmaiar. Mica irá liberar seu feitiço Gravity Hammer e não vai morrer. Quando
acordar—” Eu parei de falar. O segurança estava inconsciente. Liberando o
feitiço, eu entrei em um bar pouco iluminado e esfumaçado, que agora estava
sem guarda.
O barman, um anão velho com uma barba cinza presa em seu cinto e seu
cabelo preso em um coque, me encarou. “Saia daqui, criança,” ele resmungou.
“Esse não é um lugar para tipos como o seu.”
“Se mais um homem dizer à Mica onde ela deve estar, ela irá destruir essa
pocilga deprimente e procurar pelos restos da minha presa dentro dos
destroços.” Lancei um sorriso animado para o barman, quando sua cabeça de
repente desabou, batendo no balcão com força suficiente para quebrar a
pedra dura. “Agora, a menos que você ache que sua cabeça é mais dura que
essa pedra — que, para ser honesta, pode ser — vai evitar insultar Mica mais
uma vez e ao invés disso, fazer seu melhor para ajudar na localização de um
punhado de magos alacryanos que Mica acredita estarem se escondendo em
algum lugar por aqui.”
O líder anão, mais alto que o normal com um cabelo negro-azulado presos em
tranças até a altura de seu cinto, me olhou nos olhos e cuspiu no chão aos
meus pés. “Você parece ter cometido um erro. Deve ter acreditado que esse
era o tipo de estabelecimento onde pseudo-anões puxa-sacos de humanos
poderiam entrar usando suas roupas chiques e com sua atitude superior,
achando que pode fazer qualquer coisa. No processo, você parece ter
machucado meu amigo. Agora, vou pedir gentilmente que você ofereça
desculpas ao Ludo aqui, por sua grosseria e então pode seguir seu caminho.”
Eu deslizei de meu banco frágil, me virei para o barman e acenei. “Mica pede
desculpas pelo que fez, barba cinza. Claramente, Mica estava batendo no
homem errado.”
O líder deles, talvez percebendo que havia cometido um erro terrível, correu
para a porta do lado mais distante do bar. Com cada passo, porém, ele ficou
cada vez mais lento, até que chegou um ponto em que parecia nem conseguir
levantar um pé.
Com um movimento de meu punho, joguei o virote para trás do balcão, sendo
pego pela corrente gravitacional com a ponta para cima e se alojando no peito
do anão. Olhando para baixo, ele encontrou meus olhos e tentou cuspir, porém
seu cuspe espirrou em seu próprio rosto e barba. Logo depois, ele estava
morto.
“Por favor!” gritou um dos anões presos. Ele era jovem, sua barba com cor de
lama mal passava de seu peito. Seus olhos esbugalhados e molhados estavam
lacrimejando de medo. “Por favor, eu posso te falar. Eles não estão aqui, mas—
”
“Cale sua boca, Oberle,” o líder gritou de onde estava no chão. Pressionei ele
no chão com o Gravity Hammer, tirando o ar de seus pulmões, o silenciando.
“Não vi nenhum soldado entrar ou sair daqui há uns dias, mas sei onde alguns
deles têm ficado. Torple…” — seus olhos se concentraram no anão achatado
no chão — “me levou uma vez para uma entrega. Tem uma gruta subterrânea
há alguns dias de viagem a pé daqui — realmente isolado — havia talvez trinta
soldados lá.”
“Os vigias da cidade vão coletá-los. Talvez, assim que essa guerra acabar,
poderá haver um lugar para eles em Vildoral. Isso não é algo para a Mica
decidir.”
***
Foi uma longa caminhada de volta pelos túneis externos de Vildorial até as
cavernas centrais. Eu gostaria de ter voado de volta, mas estava fazendo o meu
melhor para me manter discreta. Muitos daqueles que moravam nas cavernas
altas ou nos túneis profundos não me reconheciam apenas pela aparência,
mas por que o reconheceriam? As Lanças passaram muito pouco tempo em
Darv desde que foram nomeadas cavaleiros, e eu não era uma vigia da cidade
para ser vista patrulhando os túneis escuros.
Sal de fogo. O fedor disso está por toda parte aqui embaixo. Mica odeia o
cheiro de sal de fogo.
Esses anões, não por culpa deles, ficaram presos em uma guerra civil, divididos
entre a lealdade a Dicathen e a lealdade a Triunion e a aliança de seus líderes
com as forças Alacryanas.
“Mica gostaria de ouvir mais sobre você, Oberle. Falta mais uma hora de
caminhada para chegar ao nosso destino, então conversando vai passar mais
rápido.
“Anões sempre têm tanto medo de serem introspectivos. Mica tinha esquecido
como é ter que conversar com outros anões. Exceto por Olfred e…” Eu parei
com o pensamento de meu amigo, mentor e rival. Olfred Warend, o outro anão
Lança, fez parte do golpe de Rahdeas e tentou assassinar os generais Aya e
Arthur, uma batalha que terminou em sua morte.
“E-eu suponho que posso… sou do clã Lastfire, mas duvido que você já tenha
ouvido falar de nós. Mineiros, principalmente. Acostumados a minerar,
trabalhando para qualquer um que estivesse pagando, mas antes de eu
nascer, meu tio-avô entrou em um veio de sal de fogo, então todo o clã tem
trabalhado com isso nos últimos cem anos ou mais.”
Eu funguei, percebendo que ele fedia a sal de fogo. Que nojo. “Todos os
membros do seu clã são traidores de Dicathen, ou apenas você?” Oberle parou
de andar e me encarou com firmeza. “O que foi? Você talvez discorde da
avaliação de Mica sobre suas escolhas de vida? Por favor, explique então — e
continue andando.”
Oberle fez o que eu disse, mas uma nuvem escura parecia ter o encoberto. “Eu
não sou um traidor, e nem os membros do meu clã. Talvez as coisas pareçam
diferentes da alta posição em que você vive, mas fora das grandes cavernas as
coisas não são ótimas. Primeiro, ouvimos sussurros de guerra e então nosso
rei e rainha reúnem toda a sua corte e se mudam para algum castelo no céu,
enquanto se juntam a este Triunion e alinham os anões com elfos e humanos.”
Eu não disse nada. Esta tinha sido uma desculpa comum para a situação atual
dentro de Darv.
“Meu pai disse ao clã para nos mantermos fora disso”, continuou Oberle. “‘Não
é da nossa conta’, ele nos disse. ‘Não quando há sal de fogo para ser minerado.’
Até onde eu sei, sou o único que não escutou, e mesmo isso não foi de
propósito.”
Oberle balançou a cabeça com raiva, torcendo a barba com as mãos enquanto
respondia. “Eroc é um velho amigo da família. Nós bebemos no Ludo’s desde
muito antes do Conselho ser formado e a guerra anunciada. Eu nunca quis me
envolver, mas Ludo, Torple, Eroc — tudo o que eles falavam era construir um
mundo melhor para os anões, recuperar a honra de nossos ancestrais, tirar
nosso povo da sujeira… Era tudo só conversa, ou assim eu pensava. Então os
Alacryanos vieram e eu fiquei apavorado. Não sou ativista. Eu estava apenas…
meio que lá.”
“Você já chegou a conhecer os Greysunders? Ou o Conselheiro Rahdeas?” Eu
perguntei séria.
“Não.”
“Mica estava ligada a eles, ficava de guarda ao lado de suas camas enquanto
dormiam, ouvia seus momentos mais íntimos, sabia de todos os seus segredos
— quase todos os segredos. E você sabe o que Mica descobriu?
Oberle desviou o olhar. Seus olhos caíram sobre uma garotinha dançando
atrás de nós, atrás de dois anões sujos e de aparência cansada. A garota,
percebendo o olhar de Oberle, tirou algo do bolso do vestido descolorido e
jogou no ar. Uma nuvem de poeira cintilante subiu ao redor dela, cintilando
em azul, vermelho e prata. A garota riu e Oberle sorriu.
Minha declaração sobre os líderes anões foi recebida com silêncio. Talvez isso
tenha dado ao jovem anão algo a se pensar. Isso é bom. Nós anões, precisamos
passar mais tempo pensando.
Capítulo 222
Primeiro Passo ao Futuro
Outro problema era que Cecilia era órfã como Nico e eu éramos. Sem um
guardião legal disponível depois que a diretora Wilbeck faleceu, mais de uma
vez um suposto indivíduo rico ou poderoso mostrou seu desejo de adotá-la.
Eu gostaria de dizer que eu estava lá para ajudar minha amiga enquanto ela
sofria os estresses e dificuldades que vinham de estar sob os holofotes, mas
isso seria uma mentira.
Com Nico ao seu lado, sendo o ombro para apoiar Cecilia, rapidamente ficou
evidente que eles haviam se tornado mais do que apenas amigos. Embora eu
pensasse que minha reação inicial a isso seria um desconforto com o fato de
que meus dois amigos de infância estavam no caminho para se tornar
amantes, eu estava realmente feliz por eles. Foi difícil para eu mostrar isso, já
que eu quase nunca estava lá com eles.
Treinar com Lady Vera ficou ainda mais intenso quando eu atingi e até superei
suas próprias expectativas. Ela tinha autoridade para me permitir pular a
maioria das minhas aulas, já que seu próprio regime de treinamento era várias
vezes mais intensivo do que a academia, então minha vida social e juventude
foram comprometidas. Se eu não estava treinando ou disputando, eu estava
aprendendo etiqueta e conhecimentos básicos necessários para o exame de
se qualificar para ser rei. Como foi visto, você não poderia ser apenas um bom
lutador — você precisava do intelecto e carisma para atrair os cidadãos do seu
país.
Foi sob a tutela completa de Lady Vera e a equipe de tutores dedicada a ter
certeza de que eu tinha uma chance de lutar para me tornar um rei que eu
aprendi que o papel de rei era mais parecido com um mascote glorificado, do
que um líder.
Também usei esse motivo para justificar minha ausência com Nico e Cecilia.
Dias e às vezes até semanas passavam sem sequer ser capaz de ver seus rostos,
e enquanto eu me sentia mal, eu me enganei na crença de que se tornar um
rei resolveria tudo. Se o governo estava fazendo testes obscuros em Cecilia
para obter uma melhor compreensão de seus níveis anormais de ki ou os
políticos estavam tentando usá-la como uma ferramenta para aumentar seus
ganhos, tornar-se um rei me livraria de todos esses problemas.
Eu não era sensível ou empático como Nico era, nem tinha sentimentos fortes
o suficiente por Cecilia para dedicar meu tempo estando lá para ela como
melhor amigo. Em todo caso, ainda havia uma pequena parte de mim que
culpava Cecilia pela morte da diretora Wilbeck. A mulher que era basicamente
minha mãe foi morta protegendo-a.
Talvez seja por isso que eu nunca poderia retribuir os sentimentos que Cecilia
teve por mim. Seja qual for a razão, não importava. Eu mal tive tempo de
dormir, já que minha agenda atual foi planejada até o minuto de cada dia por
Lady Vera.
Mas ela não era completamente cruel. Ela ainda me dava tempo para sair com
Nico e Cecilia de vez em quando, e embora muitas das vezes Cecilia não
pudesse vir por causa de seu próprio “treinamento”, conversar e brincar com
Nico foi uma das poucas alegrias da minha vida.
Tínhamos quase 18 anos, e logo nos tornaríamos adultos, quando Nico trouxe
seu plano com Cecilia, enquanto estávamos em uma de nossas saídas, agora
mensais.
“Não… bem, eu acho, de certa forma.” Nico soltou um suspiro. “Você faz meu
plano bem pensado soar como uma espécie de rebelião pré-adolescente.”
“Porque meio que é”, eu zombei. “Você acha que o governo vai mesmo deixá-
lo fugir com Cecilia? No que diz respeito a eles, ela é basicamente um
patrimônio nacional.
“Confie em mim, eu sei. Mas depois que Cecilia e eu não precisarmos mais de
um guardião, podemos largar a escola e ir para outro país. O novo protótipo
do limitador de ki que fiz, já é várias vezes mais estável que o anterior e isso
considera o crescimento nos níveis de ki dela.”
“Quanto o nível de ki dela cresceu?” Uma parte de mim não queria saber a
resposta.
Nico se inclinou para trás contra o assento. “De acordo com seu último
relatório, mais do que o dobro.”
“Ainda assim, isso é ridículo”, eu disse, baixando minha voz. Não pude deixar
de me imaginar tendo um nível de ki tão alto. A maior parte do meu
treinamento com Lady Vera consistia em compensar meus níveis de ki, apesar
dos recursos infinitos que ela gastou em medicamentos e suplementos.
“O treinamento ainda tá pesado?” Nico fez sua pergunta de rotina mais uma
vez.
Nico normalmente não se intrometia nos detalhes, mas eu acho que ele não
poderia se segurar por muito mais tempo. Ele baixou o garfo e olhou para mim
com os olhos afiados. “Por que você está fazendo isso a si mesmo?”
“Eu mal te vejo hoje em dia. Diabos, a Cecilia não está tão ocupada quanto
você, mesmo com as sessões de treinamento do governo e políticos a
perseguindo. Quando eu te vejo, ou você está ensanguentado ao ponto que o
sangue está escorrendo através de seu uniforme ou você está tão dolorido que
mal pode ficar em pé. Ser o rei é tão importante que vale a pena jogar fora seu
corpo e juventude?”
“Você sabe que não é tão simples assim”, eu disse com um tom ameaçador.
“Você sabe que eu não posso deixar isso pra lá tão facilmente. Não depois que
todo o assassinato dela foi encoberto como um acidente. Aqueles assassinos
são parte de uma organização maior, eu só sei disso.”
“Então você se torna um rei e, em seguida, apaga a organização que matou a
diretora Wilbeck. E depois?” Nico pressionou.
“Então eu me aposento. Encontro um lugar tranquilo e ‘vivo feliz com uma vida
normal e família’”, respondi com um sorriso.
Meu amigo balançou a cabeça impotente. “Vamos esperar que seja tão fácil.”
Eu ri, estremecendo com a dor que isso trouxe para o meu peito dolorido. “E
você e Cecilia? Você tem um país em mente ou você está apenas contente em
ir onde o vento soprar?
“Os engenheiros nunca ‘vão onde o vento sopra’”, ele zombou. “Eu tenho
praticamente todo o conjunto de planos. E é tudo legal… apenas, modesto.”
“Não inteiramente, mas— oh, falando no diabo. Cecil! Estamos aqui! Nico de
repente gritou, praticamente fugindo de seu assento. Isso me irritou, como a
voz dele subia um tom, toda vez que ele falava com Cecilia. Não foi exagerado,
mas ainda assim era bizarro.
No entanto, virei a cabeça e acenei para a nossa amiga com um sorriso. Minha
saudação foi casual e descontraída, mas meus olhos examinaram Cecilia com
atenção. Ela tinha ficado mais alta, e sua postura muito mais ereta e confiante,
apesar da exaustão mostrada em seu rosto. Era fácil dizer que, objetivamente,
ela tinha ficado muito mais bonita. Seja porque seu treinamento rigoroso
estava moldando seu corpo em uma figura mais feminina ou por causa de seus
genes inerentes que se concretizaram com a idade, ela atraiu os olhares da
maioria dos estudantes do sexo masculino ao seu redor.
Ela estava vestida com um uniforme semelhante ao meu, indicando aos alunos
e professores que tínhamos mentores e estávamos isentos de aparecer em
sala de aula ou escola. Era uma versão mais extravagante das que os alunos
normais usavam, embelezada com guarnições douradas e botões para
combinar. Eu sempre achei estranho em mim, mas em Cecilia, fez ela parecer
uma nobre saída direto de um conto de fadas.
Cecilia sorriu de volta para nós antes de se sentar em frente a mim do lado de
Nico.
“Já faz um tempo, Grey”, disse ela, alisando o blazer. Ela olhou para mim com
os olhos cansados. “Como está indo o treinamento para você?”
Cecilia sempre foi uma garota tranquila, mas vê-la cada vez menos tornou
nossas interações ainda mais tensas do que o habitual.
Ainda assim, ela era uma garota gentil e altruísta — altruísta o suficiente para
dizer que estava bem quando, apesar de seu físico melhorado, sua psique
parecia estar à beira de quebrar.
“Aqui, Cecil. Eu guardei algumas de suas comidas favoritas antes de todas elas
acabarem.” Nico empurrou a bandeja de comida intacta em sua direção e eu
observei enquanto ela forçou um sorriso e praticamente empurrou a mistura
de frutos do mar com creme garganta abaixo.
Eu assisti por um tempo como os dois conversavam; Nico falou a maior parte
da conversa. Cecilia ouvia principalmente, mas respondia genuinamente a
todas as perguntas de Nico, enquanto terminava o prato de comida.
Foi só quando Nico mencionou seus planos sobre fugir do país que as coisas
começaram a dar errado. A expressão de Cecilia endureceu, a um ponto em
que ela quase pareceu… com medo.
“N-Nico. Eu não acho que deveríamos estar falando sobre isso aqui”, disse
Cecilia, olhando ao redor.
Olhei para o relógio amarrado ao meu pulso e levantei do meu assento. “Meu
tempo acabou. É melhor eu voltar para a propriedade de Lady Vera antes que
ela dobre meu regime pelo resto do dia.
Nós três saímos do refeitório e para o saguão ainda lotado com estudantes no
intervalo do almoço. Os olhos foram atraídos para mim e para Cecilia por causa
de nossos uniformes, mas nós três ignoramos os olhares invejosos ao nosso
redor e andamos para fora, para a tarde sombria que parecia refletir como eu
estava me sentindo.
“Eu vou ver vocês dois novamente em breve… espero”, eu disse quando entrei
no carro preto esperando por mim do lado de fora dos portões da academia.
Eu não estava mentindo — e eu realmente queria vê-los em breve, mas eu
simplesmente não estava confiante.
Em suma, foi um dia bastante normal. O pouco tempo que pude passar com
Nico e Cecilia era o que eu precisava para passar por mais algumas semanas
cansativas. Foi só quando me afundei na cama que recebi uma ligação de um
número que não reconheci.
“Sim, este é o Hospital Nacional de Etharia. Estou falando com Grey?” uma voz
feminina agradável perguntou.
“Olá, o motivo dessa ligação foi porque você foi listado como contato de
emergência de Nico Sever. Ele foi levado para cuidados urgentes há alguns
minutos e está sendo preparado para a cirurgia. Precisamos que você venha
e…”
Desliguei o telefone e desci as escadas tão rápido quanto meu corpo exausto
permitiria. Por sorte, eu consegui encontrar um dos muitos mordomos da
propriedade, e ele arranjou uma carona para o hospital para mim.
Tudo estava embaçado até eu chegar à sala onde Nico estava sendo mantido.
Eu mal conseguia me lembrar de preencher os formulários apropriados e
esperar a cirurgia terminar. O que eu podia descobrir, no entanto, era o par de
algemas interruptoras de ki que prendiam o pulso dele na cama do hospital.
Ajoelhei-me ao lado da cama dele, com cuidado para não tocar no cobertor
em cima dele no caso de eu agravar as costelas quebradas.
“Nico! Sim, é Grey. Estou aqui”, eu disse, deixando minha voz tão baixa quanto
um sussurro. “O que aconteceu, companheiro?”
Nico ficou vidrado e os olhos meio fechados se abriram com a minha pergunta.
“Cecil! Eles pegaram ela! Acabei de deixá-la e estava voltando quando me
lembrei que esqueci de dar a ela o novo protótipo.”
Nico, que tentou se ajustar, finalmente percebeu que estava algemado à cama.
Ele mordeu o lábio enquanto amaldiçoava sob sua respiração. Cobrindo os
olhos com o antebraço, ele soltou uma respiração trêmula. “Era uma equipe
de executores. Foi o nosso próprio governo que a levou.”
Capítulo 223
No elemento dela
ARTHUR LEYWIN
Porém, não foi a batalha feroz que nos perturbou — foi o local onde a batalha
estava sendo travada.
Sylvie bateu suas poderosas asas mais uma vez enquanto nós lentamente
descemos em direção à Muralha.
Apesar do quão denso fosse a cobertura de nuvens na frente da lua, era fácil
dizer onde a batalha estava acontecendo. Com a magia envolvida, sempre
havia feitiços iluminando a vizinhança. Pôde ter sido uma batalha feroz e cheia
de sangue do chão, mas do alto do céu, era um belo – se não um pouco caótico
– show de cores.
Fiz o meu melhor para engolir e conter a raiva a se acumular dentro de mim.
Afinal, o plano que eu tinha colocado em movimento era uma sugestão que
havia sido aceita pelos capitães.
Mas, minha decisão de deixar a horda de bestas e ajudar Tessia foi baseada
no fato de que minha sugestão seria implementada — e deveria ter sido assim,
uma vez que o plano já estava sendo seguido, mesmo antes de eu sair.
‘Arthur, estamos quase lá’, A voz de Sylvie soou, tirando-me dos meus
pensamentos.
Eu dei a ela uma confirmação mental quando ativei Realmheart mais uma vez.
Usá-lo logo após minha luta com Cylrit enviou ondas afiadas em minhas veias,
mas eu ignorei. As cores abafadas da noite escura foram lavadas, substituídas
por partículas multicoloridas. Algumas delas estavam flutuando livremente,
enquanto outras estavam sendo absorvidas e agrupadas em preparação para
um feitiço manifestar-se.
Eu só podia esperar que minha irmã não tivesse fugido para algum lugar.
Lá, indiquei ao meu vínculo, direcionando-a para uma ameia situada perto da
borda esquerda da montanha conjunta. Desfiz o Realmheart quando nos
aproximamos de onde Ellie estava.
“Você nos assustou pra caramba!” disse minha irmã em uma estranha mistura
de aborrecimento e alívio. “O plano que deveria acontecer com o solo e os
explosivos não aconteceu! No início eu pensei que estavam atrasando o plano,
a fim de atrair mais bestas para a área onde montamos a armadilha, mas os
soldados que foram enviados não estão voltando.”
Afastei minha irmã, em parte para falar cara a cara, em parte para não deixá-
la ouvir meu coração batendo contra meu peito. “Ellie. Onde estão os outros?
Você sabe quem está lá fora? “
“Estou bem, oficial Mandir.” Embora eu não quisesse ser rude, cortá-lo junto
com a expressão impaciente o fez vacilar e se afastar.
Voltei minha atenção para minha irmã. Sylvie tinha uma mão consoladora no
ombro dela, acalmando-a o suficiente para nos dar algumas respostas sólidas.
“Somos obrigados a ficar em nossas posições, mas Helen, que estava cuidando
de mim, foi capaz de sair. Ela nunca mais voltou, mas antes da horda de bestas
chegar, eu vi a mãe no campo médico montado no nível do solo. Durden e
papai… Eu não vi nenhum deles”, disse minha irmã.
“Está tudo bem, Ellie. Não se preocupe, seu irmão cuidará do resto”, eu a
confortei, forçando um sorriso tranquilizador.
“O que devo fazer…? Como posso ajudar?” replicou Ellie.
Balancei a cabeça. “Fique aqui. Você é um soldado agora, e este é o seu posto.
Você queria experiência em uma batalha real, certo?”
“É seguro para ela ficar aqui?” meu vínculo perguntou, incapaz de arrancar seu
olhar de minha irmã.
“Se eles decidiram abandonar meu plano, significa que eles estão tentando
manter a Muralha o mais intacta possível. Isso significa que será mais seguro
para os soldados deste lado da batalha.”
***
Empurrei de lado uma aba de tenda pela quarta vez antes que eu enfim fosse
capaz de ver minha mãe dentro de uma. Ela tinha as mãos pairando sobre um
paciente, suas sobrancelhas tricotadas em determinação. Latiu ordens para
alguns dos outros médicos próximos para que mudassem o paciente de lugar
e cuidassem adequadamente antes que outra maca rolasse na frente dela com
outro soldado ferido.
Pensei nas palavras que ela tinha dito da última vez que nos encontramos… e
brigamos. Ela mencionou seus deveres aqui e as pessoas que precisavam de
sua ajuda. Então, olhei para os inúmeros pacientes se recuperando lentamente
graças às suas habilidades e imaginei quantos deles já estariam mortos se não
fosse por ela.
“Você está bem, Arthur?” perguntou Sylvie, a preocupação permeava sua voz
enquanto ela ficava ao meu lado.
Continuei a olhar para minha mãe. Seu uniforme branco estava manchado
com borrões de vermelho e marrom, e seu rosto sujo com sujeira, respingos
de sangue e suor, mas ela parecia tão… admirável.
O paciente que ela estava tratando ganhou consciência, e enquanto seu rosto
estava amarrado de dor, ele estendeu a mão até minha mãe e gentilmente a
colocou sobre o braço dela. Apesar do frenesi de atividade que estava
acontecendo ao nosso redor, ouvi suas palavras claramente.
Enquanto derramava lágrimas de dor e qualquer mistura de emoções que
sentia, ele sorriu para minha mãe e agradeceu-lhe por salvar sua vida.
“Não. Eu estou bem.” Olhei para o lado, deixando minha franja cobrir meu
rosto de seus olhos curiosos. “Meus perdões. Vou sair do caminho.”
Sylvie ficou ao meu lado, seus olhos lacrimejando pelas emoções que vazaram
de mim.
“Ela estava certa — ambos estavam certos”, respirei, olhando para a noite
estrelada. Eu ainda podia ouvir os gritos raivosos do meu pai enquanto ele me
chamava de hipócrita e como os dois tentaram explicar que eu não era o único
que poderia contribuir para esta guerra.
Virei-me para o meu vínculo, observando-a enquanto ela também olhava para
o céu. “Então você pensou assim também? Por que não me contou?”
Sylvie me olhou nos olhos e deu-me um sorriso. “Estou ligada a você desde
que nasci, Arthur. Eu sei agora o quão teimoso e às vezes irracional você fica
quando se trata do bem-estar de seus entes queridos. Teria ouvido minhas
palavras se eu tivesse dito a você naquela época? Ou você teria jogado o cartão
‘Eu vivi duas vidas’ e dizer que você sabe mais do que eu?”
Meu vínculo inclinou sua cabeça contra mim, deixando-me sentir o calor
irradiando de seus chifres. Junto do calor, uma onda de emoções consoladoras
e ternas me aqueceram enquanto ela falava. “Sim, mas você é o nosso idiota.”
Passamos mais um minuto, dando uma pequena pausa do mundo e o que ele
estava jogando em nós, antes de voltar para a tenda.
Inquieta com os gemidos da dor, ela continuou seu feitiço, e pude ver
lentamente o osso exposto se remendando. Percebi que ela tinha reduzido seu
feitiço para apenas ser liberado das pontas de seus dedos médios e
indicadores.
Foi só depois que de terminar que ela mudou sua atenção para nós. “Desculpe,
Arthur. Há muitos soldados que precisam da minha atenção. Com sorte, uma
vez que as armadilhas disparem, será mais fácil para o nosso Rey, Durden e o
resto dos soldados lá fora.”
Ninguém tinha lhe dito. Fazia sentido — os médicos não precisavam das
informações mais atualizadas para continuar fazendo seu trabalho. Se alguma
coisa acontecesse, deixá-los saber poderia dificultar seus focos.
“Mmhmm. Ela parou mais cedo, mas saiu um pouco depois de dizer para eu
continuar assim.”
Helen também não lhe disse, provavelmente pela mesma razão que ninguém
mais tinha lhe dito. Era melhor se ela não soubesse — não havia nada que ela
pudesse fazer sobre isso de qualquer maneira.
“O que está acontecendo, Arthur?” Seus líquidos olhos castanhos olharam para
mim como se procurassem uma resposta. Era o mesmo olhar que ela sempre
dava à nossa família quando sabia que escondíamos algo dela.
“Mãe…” Eu comecei. Não havia nada que ela pudesse fazer sobre isso, mas ela
ainda tinha o direito de saber. “As tropas estão muito mais longe do que o
planejado e não houve nenhum sinal de que nossos soldados recuaram.”
“O quê? Isso não pode ser verdade.” Minha mãe franziu as sobrancelhas. “E
todos aqueles explosivos colocados em todas as passagens subterrâneas?”
Sem resposta.
“Estou aqui agora — estamos aqui. Sylvie e eu vamos lá fora. Tenho certeza que
os dois ainda estão chutando traseiros agora mesmo. Vou garantir que ambos
voltem em segurança”, instiguei, tentando colocá-la de volta em seus pés. “Eu
prometo.”
Capítulo 223.5
Túneis Obscuros II
Nota: esse capítulo extra faz parte de uma coletânea de POVs da MICA
EARTHBORN retirados do Livro 7 de TBATE.
MICA EARTHBORN
“Não se preocupem, bravos soldados, este pequeno anão está com Mica e não
causará nenhum sofrimento.” Um dos guardas fez uma pausa e forneceu uma
escolta, mas eu o enxotei. “Esses salões são bem conhecidos por Mica, e ela
não precisa de um guia para encontrar sua equipe!”
Ouvi a equipe antes mesmo de abrir a porta de ferro que levava aos nossos
aposentos compartilhados. Parecia que eles estavam discutindo, embora eu
não conseguisse entender as palavras. Revirando os olhos, abri a porta, agarrei
Oberle pelo colarinho e o arrastei para dentro.
“—…eu faço com meu próprio tempo enquanto não ajudo diretamente no
esforço de guerra não é da sua maldita conta—”
“—…operação é essencial para evitar que o exército Alacryano faça desta uma
guerra de três frentes—”
“Fico feliz em ver todos se dando tão bem,” eu gorjeei, arrastando Oberle para
dentro da sala e empurrando-o para uma cadeira vazia. Houve uma breve
pausa quando todos perceberam que eu tinha me juntado a eles, então cada
um explodiu em uma explicação rápida, falando um sobre o outro e tornando
impossível ouvir qualquer um deles.
“Sua assistente parece pensar que é ela quem está encarregada desta
investigação—”
“Prima, é melhor você ter nos trazido notícias dignas de ação, porque meu
machado não vai ficar embainhado por muito mais tempo—”
Um por um, eles cortaram suas explicações. Dei a eles minha expressão mais
doce e inocente, que dizia a eles que, se não parassem de falar imediatamente,
algo desconfortável provavelmente aconteceria.
“Obrigada a todos por esperarem. Caro primo, Mica realmente traz ‘notícias
dignas de ação’. Pessoal, esse aqui é Oberle.” Acenei para o mineiro, que
parecia ter perdido a capacidade de se mover e ficou sentado, congelado,
olhando para todos eles. “Oberle é um mineiro de sal de fogo que se envolveu
na insurgência Alacryana inteiramente por acidente, e ele concordou em nos
levar para um acampamento Alacryano ao qual recentemente entregou
mercadorias, para reparar seus erros passados.”
O velho deu um passo à frente animado. “Sal de fogo, você diz? Ora, acontece
que uma via da minha pesquisa aqui em Darv—
“Esses anões lindos e brutos são meus primos, Hornfels e Skarn Earthborn.” O
anão risonho junto à parede acenou alegremente, mas seu gêmeo apenas
olhou para Oberle.
“E que Mica não esqueça da criancinha, que por algum motivo Gideon insistiu
em colocar em perigo, ao trazê-la junto, Emily Watsken, anteriormente da
Academia de Xyrus.”
“Está claro que Emily e eu fomos trazidos por nossa capacidade intelectual,
não por nossas proezas de combate. Seríamos nada mais que um risco,
estando nos túneis, um objeto que você deve proteger. De qualquer forma, já
comuniquei os desejos do Conselho à Guilda dos Earthmovers, e Emily
compartilhou seu projeto para o monitoramento do fluxo de mana com o
Instituto Earthborn.”
“Agora,” Gideon fez uma pausa e lançou um olhar sombrio para Alanis, “vou
passar o tempo que vocês estiverem fora, pesquisando os sais de fogo
extraídos de Vildorial. Acredito que pode haver várias aplicações de combate
para este mineral, além de seu uso em forjas anãs e para aquecer os túneis
profundos.”
“Então o que devo fazer enquanto você estiver fora, general?” Alanis perguntou
rigidamente.
“Nós iremos com você.” O tom de Skarn fez disso uma declaração de fato.
“Sim, primo. Oberle liderará Mica, Hornfels, Skarn e quem quer que a força-
tarefa de Buhnd possa poupar nos túneis profundos até esta gruta escondida.”
“Ah, não, amigo Oberle, você é o guia de Mica agora e não vai sair do lado de
Mica.” Eu sorri docemente para o jovem anão e pisquei os olhos, enquanto
liberava apenas o suficiente do meu poder para fazê-lo se contorcer em seu
assento.
“É preciso mais do que um sono para torná-lo uma beleza, irmão”, rosnou
Skarn.
Capítulo 224
Levado de volta
Olhei para trás mais uma vez com raiva e arrependimento, os espessos portões
de metal da Muralha se fechando atrás de nós,
“Vamos descobrir quem foi o responsável por isso mais tarde”, meu vínculo
confortou-me com seus olhos se fixando nos meus. ‘Neste momento, é nosso
dever encontrar sua família e ajudar o maior número possível de soldados.’
Eu não era um herói, nem queria ser. Era impossível ser o herói de todos. É
inevitável que eu decepcione algumas pessoas — inferno, já decepcionei um
monte de gente.
Nem todos os humanos, elfos e anões eram igualmente importantes para mim,
e isso é um fato que eu havia aceitado há muito tempo. Eu estava aqui para
servir meu papel, para ajudar a acabar com esta guerra. Não era pela paz
mundial ou para salvar a humanidade — era para eu levar uma vida confortável
e feliz com as pessoas que eu amava e cuidava.
“Você deve pelo menos reconhecê-los”, disse meu vínculo, notando os olhares.
“Foco, Sylvie”, eu avisei. “Vamos fazer o que viemos fazer primeiro. Podemos
nos preocupar com a moral das tropas depois.”
Rangendo meus dentes, desviei meu olhar, tentando, mais uma vez, ver meu
pai e Durden através da sujeira, fumaça e detritos que preenchiam as lacunas
do caótico campo de batalha.
Foi então que vi outro grupo de soldados tentando derrubar um monstro
gigante. Este, no entanto, era um urso da meia-noite.
Por sua altura de 12 pés (~3,65 metros) e pelo brilho cintilante que sua pele
espetada carregava, meu palpite era que este urso da meia-noite em particular
se aproximava da última. O que me chamou a atenção não foi a besta em si,
no entanto. Foram as costas largas de um soldado que, com grossas luvas
blindadas, lutou, tomando o peso do ataque do urso pardo enquanto os outros
faziam tentativas fúteis buscando derrubar a besta corrompida.
Antes que meus olhos pudessem deduzir se essa pessoa era meu pai ou não,
meus pés já estavam se movendo para aquela batalha.
“Mexam-se”, eu pedi — não apenas ao homem que confundi com meu pai, mas
também aos outros soldados circulando e atacando a dita besta.
Eu sabia que a Dawn’s Ballad não seria capaz de cortar uma besta de mana
com classificação quase S, especialmente na condição em que estava.
Guardando minha espada, dei um passo em direção ao metálico urso gigante
de seis membros.
Esse único passo colocou-me logo abaixo de uma de suas garras afiadas
enquanto a besta golpeava para baixo. Agarrando uma delas, que eram tão
grossas quanto meu antebraço, mudei meu peso, imbuindo mana no último
minuto.
Eu queria acabar com isso rapidamente, mas a besta se recuperou mais rápido
do que eu esperava. O urso voltou para seus pés e imediatamente atacou com
as garras de seus quatro braços.
Não. Continue procurando por Durden ou meu pai. Isso não vai demorar muito.
Ainda assim, foi suficiente para jogar fora o centro de gravidade da besta e
deixá-la cheio de aberturas. No tempo que levou para dar mais um passo,
amarrei as pernas traseiras do urso da meia-noite no chão, para que ele não
voasse e causasse baixas do nosso lado, e condensei várias camadas de vento
giratório em torno do meu punho direito. A torrente na minha mão foi
suficiente para fazer os soldados treinados recuarem, mas quando meu punho
caiu diretamente no abdômen da besta de metal, o chão tremeu com o
impacto.
Uma onda de choque ressoou com o golpe, enviando para trás alguns dos
soldados e bestas mais fracos espalhados no chão, mas foi o suficiente para
matar a besta de alta classificação.
‘Não foi um pouco demais?’ meu vínculo soou, obviamente sentindo o impacto
de onde ela estava.
A pele do urso parecia ter sido afetada pela corrupção alacryana. Eu não teria
sido capaz de matá-lo sem pelo menos fazer isso.
Incapaz de até poupar tempo para recuperar meu fôlego, continuei minha
busca por Durden e meu pai.
Apesar da falta de conjuradores na linha de frente, foi difícil encontrar meu
amigo gigante. Devido ao quão mais úteis os magos de terra eram quando mais
próximos do chão, não foi apenas um ou dois feitiços deles que eu vi à
distância. Ainda assim, conhecendo Durden e — apesar da classificação dele
como um mágico — sua força monstruosa, eu sabia que ele não estava de volta
às proximidades da Muralha com os outros arqueiros e conjuradores.
Droga, eu amaldiçoei. Minha paciência ficava mais fina a cada segundo que se
passava. Cada grito e choro de socorro me fez vacilar, com medo de que o
próximo pudesse ser Durden ou meu pai.
‘Que tal usar Realmheart novamente para tentar encontrar seu pai como você
fez com Ellie?’ Sylvie sugeriu, sua voz cansada até na minha cabeça.
Não acha que pensei nisso? Eu vociferei. A magia da Ellie é única o suficiente
para eu detectar com as flutuações de mana ambiente. Como vou diferenciar
meu pai entre as outras centenas de soldados que têm uma afinidade de fogo?
‘…’
‘Está tudo bem’, Sylvie consolou. Sua voz era gentil, mas eu ainda podia sentir
um toque de tristeza vazando.
Prometendo a mim mesmo compensar meu vínculo sempre fiel depois que
tudo isso acabasse, continuei minha busca.
Por causa da mudança que fizeram no meu plano, tantos soldados haviam
morrido. Atrás de mim, ilesa, a Muralha levantava-se alta como se zombasse
de nós. O chão na frente dela, intacto apesar dos explosivos que tínhamos
colocado por baixo.
Meu instinto me disse que foi Trodius que rescindiu meu plano, já que os
outros dois capitães foram transparentes na valorização de suas tropas no
lugar da Muralha.
Horas passavam até que o sol estivesse alto no céu. Soldados muito feridos ou
muito cansados para continuarem lutando foram levados por seus
companheiros enquanto o próximo grupo marchava para substituí-los.
A horda de bestas foi lentamente sendo empurrada para trás conforme seus
números diminuíram para as centenas. Não demoraria muito até que esta
grande batalha se tornasse uma grande vitória aos olhos de Dicathen. Ainda
assim, para os soldados que aqui ainda lutavam, cada minuto que passava era
outro minuto em que poderiam facilmente serem mortos. Para eles, esta
vitória seria manchada pela morte de seus amigos com os quais lutaram lado
a lado.
Após horas e horas de luta e busca, meu corpo estava se movendo de forma
autônoma. Matei bestas onde quer que passasse e ajudava soldados em perigo
se estivessem no meu caminho.
Não pude salvar todos eles, mas não pude ignorar os que estavam bem na
minha frente.
Foi quando eu estava ajudando um soldado o qual teve sua perna direita
espancada que fui atingido por uma onda de pânico e preocupação.
“Você! Leve esse homem de volta para a Muralha”, eu disse depois de cercar
seu sangramento no gelo.
Sylvie! O que aconteceu? Eu enviei, suor frio escorrendo pelo meu pescoço
enquanto as emoções do meu vínculo ainda vazavam para mim.
Apesar do cenário passar por mim enquanto voava, o tempo parecia lento
como um espesso fluido viscoso. Os sons estavam abafados e eu podia ouvir
meus batimentos batendo contra meus tímpanos mais alto do que qualquer
outra coisa.
À medida que eu me aproximava cada vez mais, minha visão veio em flashes.
Pareceu como se eu estivesse observando o mundo através de um pote de
vidro espesso que eu mal distingui Sylvie enquanto ela segurava-me em seus
braços. Eu podia ouvir seus choros preocupados, mas eu não conseguia
entender as palavras que ela estava dizendo.
Ele estava sem um braço e metade do rosto tinha sido queimado além do
ponto de reconhecimento, mas eu ainda sabia que era Durden. E pendurado
sobre suas largas costas… era o que restava do meu pai.
Capítulo 225
Aflição compartilhada
SYLVIE
Queria estar em qualquer lugar, menos aqui. Preferiria ter enfrentado outra
horda de bestas de mana dementes sozinhas do que suportar a visão do meu
vínculo de toda a vida olhando irremediavelmente para o cadáver sangrento
de seu próprio pai.
Doeu.
Não sabia que meu coração podia doer tanto. Agarrei meu peito e afundei no
chão, incapaz de suportar o estado autodestrutivo de suas emoções.
Rastejei em direção a ele, ofegante por ar entre meus soluços, enquanto meu
coração torcia em meu peito. Foi só então, quando abracei suas costas — suas
largas e solitárias costas — que a parede fina que ele havia construído em
torno de si mesmo finalmente desmoronou.
Com um gutural e primitivo uivo, o qual rasgou através de mim como cacos de
vidro, meu laço quebrou em lágrimas. A própria terra parecia lamentar por ele
enquanto seus soluços e lamentos enchiam o ar. A mana ambiente ao nosso
redor tremia e subia às vezes para combinar com sua raiva, enquanto às vezes
ondulada ritmicamente, simpatizando com seu desespero enquanto Arthur
chorava, segurando o corpo imóvel de seu pai.
Este prodígio, que tinha se tornado uma lança, um general, um mago branco,
era agora apenas um menino que havia perdido seu pai.
Tínhamos vencido, mas não ilesos. A Muralha pairava sobre nós como um rei,
satisfeito com sua própria saúde, apesar dos sacrifícios que haviam sido feitos
por ele.
Não foi a raiva do Arthur que fez minhas entranhas ferverem assim… era a
minha.
O tempo passou até o sol se pôr. Foi só então, que Arthur levantou-se.
Se suas emoções tinham sido gastas ou trancadas, eu não sabia, mas seu
estado de espírito espelhava a tumba congelada que ele conjurou e usou para
envolver o corpo de seu pai.
“Durden. Por favor, leve o corpo do meu pai para minha mãe e irmã.” A voz do
meu vínculo era gelada e oca. Em seguida, Arthur se Levantou e caminhou em
direção à Muralha como um ceifador da morte em sua caçada.
“Seguir com meu plano original nos levou à vitória com perdas mínimas para
a Muralha e as passagens subterrâneas”, o capitão trodius se gabou, um
sorriso raro em seu rosto geralmente estoico. “Sua obediência não passará
despercebida, Capitão Albanth, Capitã Jesmiya. Bom trabalho.”
Jesmiya inclinou-se, recebendo os aplausos dos outros líderes de unidade
presentes na grande tenda de reunião.
Vindo aqui depois de cremar várias dúzias de meus homens, sendo que com
muitos deles eu havia compartilhado bebidas, refeições e risadas, parecia
errado aceitar qualquer forma de louvor.
Depois que os outros soldados saíram, Jesmiya e eu nos viramos para sair
quando o capitão sênior chamou meu nome.
“E isso significa que, com toda a cidade sendo fortificada, sua família foi
evacuada”, continuou ele.
“Depois de discutir com o Conselho, supomos que esta será a maior batalha.
Acontecerá nas costas ocidentais logo acima de Etistin.”
“Iss-isso…” o pergaminho saiu dos meus dedos que estavam lisos com suor.
“Por que eu sou o único a ser notificado disso? Devemos contar à Capitã
Jesmiya e espalhar a notícia. Nossas tropas restantes precisam ser transferidas
para o oeste se quisermos ter uma chance! General Arthur estava certo!”
A expressão do Capitão Trodius ficou afiada. “Se meu objetivo fosse o mesmo
que o garoto lança, eu também teria procedido com o sacrifício da Muralha.
No entanto, esta fortaleza logo se tornará um local inestimável.”
“Sir Niles, por favor, abstenha-se de tal conversa insensível”, disse Trodius.
“Ce-certo. Minhas desculpas.” Niles soltou uma tosse. “De qualquer forma, com
a guerra chegando ao fim e tanta terra sendo destruída ou tomada pelos
alacryanos, é apenas uma questão de tempo para que as pessoas procurem
desesperadamente um porto seguro.”
O pequeno nobre bigodudo que tinha ficado quieto o tempo todo finalmente
falou, resmungando de aborrecimento. “Essa rocha flutuante é uma bomba-
relógio esperando para explodir.”
“Peço desculpas se pareço rude, mas pelo que está dizendo, parece que você
está esperando ou até mesmo desejando que os alacryanos ganhem esta
guerra”, eu fervi, mal sendo capaz de controlar minha raiva.
“Como você ousa! Essa é uma acusação perigosa que você está fazendo,
Capitão”, o homem gordo latiu.
Trodius levantou um braço, calando-o. “É fácil iluminar uma luz negativa sobre
essa pintura, mas o que estamos fazendo é apenas capitalizar a circunstância
inevitável. Não estou torcendo por esses intrusos imundos, mas seria tolice
ignorar seu poderio militar. Mesmo que consigamos vencer esta guerra,
Dicathen não sairá ilesa. Elenoir foi abandonada, Darv está se escondendo em
sua própria concha e as tentativas de fortificar cidades menores em Sapin
foram deixadas para os funcionários da cidade.”
“Pense muito antes de soltar a língua”, avisou Trodius com um leve sorriso.
“Você não disse que seu pai, mãe, esposa e filhos estão todos em Etistin?”
Isto era errado. O que eles estavam fazendo era errado, mas minha boca não
se abriria.
“Eu-eu não… E os soldados daqui? Eu pensei que… você não tinha recebido
uma carta ordenando que transferisse todos os soldados capazes para
Etistin?” Eu consegui dizer. Apertei minhas mãos atrás das costas, incapaz de
impedi-las de tremer.
“Você está certo. Não há necessidade de eu pensar demais”, uma voz gelada
ressoou por trás de mim.
Mas não foram as palavras dele que me fizeram encolher. Foi a presença que
se espalhou da voz que pairava como uma grossa mortalha no ar, forçando-
me a me ajoelhar e sugando a respiração dos meus pulmões.
Tentei me virar, para pelo menos verificar a fonte do que poderia me matar,
mas não consegui mexer-me. Eu estava preso vendo o nobre espumar pela
boca, perder a consciência, ou ambos. E eu vi uma expressão em Trodius que
eu nunca tinha visto nele antes… uma expressão de medo.
Suas tentativas de parecer calmo falharam quando o suor rolou pelo rosto e a
barreira de fogo que ele havia conjurado se foi. Com uma voz que parecia
praticamente espremida para fora de sua traqueia, Trodius falou:
“General… Arthur.”
Capítulo 226
Ação punível
ARTHUR LEYWIN
A raiva, muito tempo, guerreava com minha dor enquanto eu chorava a morte
de meu pai.
Chorei e amaldiçoei o tempo todo, recusando-me a acreditar que tudo isso era
real.
Depois que minhas lágrimas secaram e minha garganta fechou, tudo o que
restava dentro de mim era um poço bruto de um vazio imenso.
Quando o corpo do meu pai foi levado e Durden foi guiado para as tendas
médicas, levantei-me e fui para dentro da Muralha.
Sylvie, pegue minha irmã e leve-a para minha mãe. Ela vai precisar de alguém
para ajudá-la, eu disse enquanto passava pelo aglomerado de tendas que
compunham o hospital de campanha.
Meu vínculo puxou a manga da minha camisa. “Eu vou buscar sua irmã, mas
Arthur … sua mãe vai precisar de você tanto quanto ela precisa de sua irmã.”
Eu sou a última pessoa que ela gostaria de ver. Ela não me vê mais como um
filho, e qualquer aparência de afeto que ela possa ter tido por mim depois que
eu disse a ela a verdade … isso irá embora agora que eu falhei em manter minha
promessa de manter todos vivos —todos seguros.
“M-meu feitiço! Como você até…?” o magro gaguejou, apontando sua varinha
para mim, embora parecesse estar tendo problemas para mantê-la firme.
Calado, dei mais um passo para dentro da tenda. O homem magro soltou um
grito agudo em resposta enquanto o homem gordo vacilou. Apenas Trodius
permanecia imperturbável conforme eu lentamente me aproximava.
Se eu tivesse chegado à tenda apenas dez minutos antes, teria feito com
Trodius o que fiz com Lucas — ou pior.
Só que percebi, neste estado de espírito entorpecido e lógico, que Trodius não
era tão simples quanto Lucas. Eu não ganharia nada matando Trodius, e ele
seria capaz de suportar qualquer dor que eu tratei com a mesma expressão
constipada que ele sempre teve.
Eu não poderia apenas machucá-lo; Eu sabia disso agora. Eu não poderia tratar
Trodius da mesma forma que tratei Lucas.
Foi quando dei mais um passo à frente que Trodius finalmente falou.
Endireitando a postura e limpando a garganta, ele me olhou nos olhos e
perguntou: “A que devo o prazer de uma Lança me agraciar com sua presença?”
“N-não chegue mais perto!” o homem corpulento disse, sacando sua própria
varinha de brinquedo.
A raiva deve ter triunfado sobre seu medo, ou talvez o rato encurralado tentou
morder por puro instinto, mas acabou antes mesmo de começar.
Antes que o nobre corpulento pudesse reagir, uma corrente de vento bateu em
cima dele, batendo seu rosto na poça de sua própria urina.
“General Arthur”, disse ele, sua voz surpreendentemente calma. “O nobre sob
seus pés é Sir Lionel Beynir, da estimada Casa Beynir. Você vai mostrar a ele e
a Sir Kyle … ”
“Isso só teria sido verdade se o seu objetivo de manter a Muralha não fosse
tentar construir você mesmo sua própria pequena sociedade onde você e seus
lacaios teriam um reinado livre.”
“Absurdo! Meu objetivo era criar um porto seguro, para que os cidadãos de
Dicathen tivessem um lugar para dormir sem medo. Para você distorcer minhas
palavras— ”
Agarrei sua língua e puxei-a para fora de sua boca. “No meu entendimento,
torcer palavras é o que essa coisa parece fazer de melhor.”
O cheiro de carne queimada encheu a tenda enquanto marcava sua língua com
meus dedos em chamas.
Ainda assim, ele se segurou forte, incapaz de abandonar seu orgulho por
tempo suficiente para que soltasse um som.
Puxei o capitão sênior para perto, meus dedos ainda chiando em cima de sua
língua em chamas. Deixei a malícia escorrer da minha voz enquanto sibilava
em seu ouvido: “Veja, Trodius, um dos soldados que morreu lá por causa de
seus planos egoístas foi meu pai.”
Ele enrijeceu e a cor sumiu de seu rosto. Seus olhos procuraram os meus,
talvez tentando decidir se eu estava prestes a matá-lo —talvez ele estivesse
esperando que eu fizesse.
“Então, acredite em mim quando digo que verei as ações que você realizou
para chegar onde estamos agora como pessoais.” Sltei meu aperto em sua
língua enegrecida. A ponta estava completamente queimada, sem nem mesmo
vestígios de sangue.
“Não pense que meu relacionamento com sua irmã e filha distante tem algo a
ver com o motivo pelo qual estou mantendo você vivo”, eu murmurei,
agarrando os finos pergaminhos na frente dele quando me levantei. “Matar
você aqui seria mostrar misericórdia. Em vez disso, vou deixá-lo pensar nas
consequências de suas ações aqui hoje, tomando o que você mais valoriza.”
“Nhão! Você não tem dichreito!” Trodius gritou, sua língua carbonizada lutando
para formar palavras, rouca de emoção não reprimida.
“V-você não pode fazer isso!” ele gritou, correndo para mim e se agarrando aos
meus pés. “A casa Fwameswoth—”
“Não será além do sobrenome de um plebeu,” eu terminei. “O precioso legado
do qual você se orgulhava e se esforçou tanto para criar, chegando ao ponto
de abandonar sua própria filha, se desintegrará, e você terá sido a causa da
queda da família Flamesworth.”
Voltei minha atenção para Albanth. “Eu acredito que você tem uma mensagem
para enviar? Ou você ainda considera a proposta de Trodius?”
“Claro que não!” Albanth deu um pulo e tirou os pergaminhos da minha mão.
“Vou enviar isso ao Conselho, junto com sua mensagem, com meu mensageiro
mais rápido e confiável.”
“Além disso, chame o capitão Jesmiya e alguns de seus homens aqui para
reunir esses cavalheiros”, acrescentei, mandando o capitão ir embora,
deixando apenas eu e Trodius como os únicos conscientes na tenda.
Atrás de mim, ainda no chão, estava Trodius. O homem que tinha sido o auge
da nobreza e do orgulho foi reduzido a um saco de ossos trêmulo que me
fuzilava com o olhar.
“Como eu disse, matar você aqui seria uma misericórdia.” Saí da tenda, dando
uma última olhada para trás. “Espero que você viva uma vida longa e seja
lembrado de mim toda vez que proferir uma palavra mal pronunciada de sua
língua deformada.”
Era muito mais fácil abraçar o vazio reconfortante que entorpecia minhas
emoções — boas e más.
“Ellie está com sua mãe agora. Elas vão cremar ele “, disse meu vínculo, sua
voz baixa quase perdida em meio aos ventos uivantes.
Senti a dor que meu vínculo sentira quando os olhos de minha mãe se
estreitaram e queimaram com acusação e ressentimento. Ela teria me olhado
assim também, se eu estivesse lá? Essa foi a única coisa que eu poderia me
perguntar.
A expressão do meu vínculo esmaeceu e eu poderia dizer que ela podia sentir
o vazio dentro de mim, sugando suas próprias frustrações e preocupações.
Isso foi o que eu fiz no passado, como Gray. Eu sabia que suprimir minhas
emoções e bloqueá-las não era saudável, mas não tinha outra escolha.
Eu não tinha confiança em ser capaz de lidar com o que estava tentando tanto
não sentir. Sei que fazer isso foi enterrar uma bomba-relógio bem no fundo de
mim, mas eu só precisava que durasse até terminar esta guerra.
Talvez depois que essa guerra acabasse, eu enfrentaria tudo isso e seria capaz
de enfrentar minha mãe, mas por enquanto não suportaria olhar para ela ou
para o rosto de minha irmã.
‘Não volte aos seus velhos hábitos. Você sabe muito bem que, quanto mais
fundo você entrar naquele buraco, mais difícil será escalar de volta.‘ As
palavras de Rinia me vieram à mente, e comecei a pensar nos outros
presságios que ela me deixou. Mas balancei a cabeça, deixando isso de lado.
Olhando para o meu vínculo preocupado, protegi meus pensamentos. Eu não
queria que ela soubesse — eu não queria que ninguém soubesse — que eu
estava começando a deliberar sinceramente sobre o acordo de Agrona.
Capítulo 227
Acima das Limitações
GREY
“Ei. Sou eu, Grey. Só pensei em tentar este telefone novamente. Enfim, o
concurso King’s Crown está começando em nossa cidade, e Lady Vera já me
arranjou uma vaga para competir. Tenho treinado até agora, então ir para a
competição oficial realmente faz isso parecer… real.”
“Você sabia que Jimmy Low — você sabe, aquele cara da nossa classe, o
arrogante e obeso que fala com ceceio — também é um competidor? Quando
lady Vera me disse isso, pensei na vez em que você vendeu para ele aquela
engenhoca falsa que deveria ajudá-lo a perder peso enquanto dorme. Aposto
que ele ainda está bravo porque você o enganou assim.”
“De qualquer forma, eu só queria que você soubesse que disse a Lady Vera
para guardar um lugar para você na sala de exibição privada de sua família.
Seria ótimo se você pudesse passar e me ver chutar a bunda de todo mundo…
Eu sinto a sua falta, Nico. Eu não sei o que está acontecendo com você, mas
saiba que você não está sozinho nisso. Eu estou aqui por você.”
“Você sabe onde me encontrar. Espero ouvir sobre você em breve, cara.”
Encerrei a ligação após ouvir a confirmação monótona de que minha
mensagem havia sido enviada e soltei um suspiro.
“Droga, Nico. O que diabos você está fazendo?” Esfregando minhas têmporas,
inclinei minha cabeça para trás contra a cadeira de leitura e esperei a dor
diminuir.
A última vez que vi meu amigo foi na noite em que brigamos. Algumas semanas
depois que Cecilia foi pega, meu treinamento estava ficando mais duro
conforme as datas da competição se aproximavam.
Eu não o culpei, mas isso não significava que eu havia concordado com ele.
Insistir desnecessariamente que duas crianças que mal saíram do ensino
médio — militares ou não — poderiam fazer a diferença em uma investigação
que ninguém estava investigando era, na melhor das hipóteses, otimista.
É por isso que eu tenho que vencer. Apenas alguns meses… então poderei
consertar tudo assim que me tornar um rei.
“Cadete Grey …” uma voz suave e madura soou nas proximidades. Meus olhos
piscaram abertos, minha visão ainda um borrão. Foi só quando senti alguém
tocar meu ombro que acordei. Os resultados dos meus instintos e treinamento
apareceram, e quando eu estava realmente consciente do que havia feito, uma
empregada estava sentada no assento em que eu havia adormecido, minha
mão direita levemente pressionada contra sua garganta.
“Não… minhas desculpas, Cadete Grey. Lady Vera havia me avisado para não
entrar em contato com você enquanto estivesse dormindo. Devo ter
esquecido”, ela rapidamente emendou, abaixando a cabeça.
Ela então gesticulou para o uniforme de treinamento que ela havia colocado
cuidadosamente na minha cama não usada. “Lady Vera instruiu-me a informá-
lo de que as aulas de hoje foram canceladas devido ao torneio que se
aproxima. Em vez disso, você estará lutando com os outros candidatos a rei
patrocinados pela família de Lady Vera.”
Fosse a garantia que me deu, provando que eu tinha uma casa à qual
pertencia, ou o fato de que ela me foi dada depois de um dos momentos mais
difíceis da minha vida, eu não poderia ir a lugar nenhum sem ela. Enfiei de
volta no bolso antes de descer.
Pode ter a ver com o fato de estar na propriedade de uma casa nomeada pela
primeira vez, ou o fato de que os membros da casa de Warbridge eram na
verdade cidadãos de um país diferente.
Eu tinha aprendido bem cedo que, embora eles não fossem da minha terra
natal, Etharia, seu país natal — Trayden — tinha uma aliança com Etharia há
mais de dez anos. Isso os tornou elegíveis para serem patrocinadores dos reis
de Etharia e vice-versa.
Eu não estava muito interessado na política envolvida em tudo isso, mas como
o rei ainda tinha peso nas reuniões do Conselho, fui obrigado a ter aulas
extensas sobre os diferentes países e suas alianças diplomáticas.
Além das cinco plataformas de duelo aprovadas pelo governo com recursos de
segurança adequados adicionados, havia uma variedade de equipamentos de
treinamento. Algumas das engenhocas mais antigas — mas ainda eficientes —
usavam pesos de chumbo, enquanto outras ferramentas mais atualizadas
utilizavam o próprio ki do usuário para energizar e treinar.
Tendo o privilégio de ser ensinado por ela pessoalmente, eu nunca tinha visto
os outros, muito menos conhecia suas habilidades.
O que inicialmente chamou minha atenção foi aquele sem arma. Sua expressão
e a maneira como ele se mantinha me disseram que ele tinha algum nível de
confiança contra o cadete da espada e do escudo.
Assim que o duelo simulado começou, aquele que não tinha arma estendeu a
mão vazia e gritou: “Forma!”
No entanto, eu sabia de minhas muitas aulas com Lady Vera sobre os tipos de
oponentes que eu enfrentaria — e até mesmo ao vê-la manifestar sua própria
arma de ki — que a lança deste cadete não era melhor do que um bastão de
plástico embelezado neste momento.
Eu vi.
Ainda assim, não pude deixar de sentir uma pitada de inveja pelo fato de que
ele poderia fazer algo que eu nunca seria capaz de fazer. Ao contrário das
armas normais, que precisavam ser inspecionadas e constantemente mantidas
dentro dos regulamentos do Comitê Mundial para proibir a trapaça por uso de
tecnologia, as armas de ki não tinham restrições nas competições. Essa norma
incluiu até duelos Paragon que aconteceram entre reis por causa de disputas
políticas.
Foi uma vantagem que muitos reis utilizaram… uma que eu nunca poderia
sonhar em ter.
“Mmm, disseram-me que você viria, mas não tenho um cadete designado para
ser seu parceiro de treino ainda,” ele grunhiu, baixando a barreira gerada ao
redor da arena antes de olhar ao redor.
“Eu não acho que eu seria capaz de colocá-lo a par de alguém, já que não estou
familiarizado com o nível em que você está. Alguém em particular com quem
você queira treinar, Cadete Grey?” perguntou o árbitro.
“Deixe-me ir, Sr. Kali. Estou curioso para saber o quão bom é o animal de
estimação aleijado de Lady Vera,” uma voz familiar zombou.
Olhei para cima para ver que era o cadete que havia lutado usando apenas sua
lança de ki.
“Mason. Mantenha sua língua sob controle enquanto estiver na minha arena
de duelo,” o árbitro advertiu antes de se virar para mim. “Você está bem com
ele?”
Depois de colocar no peito e na cabeça peças infundidas com ki, peguei uma
espada curta de gume único da prateleira. Depois de verificar o equilíbrio
como Lady Vera havia me ensinado e balançar algumas vezes, voltei para o
centro da arena.
“Você esqueceu seu escudo ou outra espada, Cadete Grey?” Kali perguntou,
olhando para minha única lâmina. “Não. Isso está bom,” respondi. Mason
parecia estar esperando que eu aparecesse totalmente à vista antes de
materializar sua arma de ki. Levantando sua mão dramaticamente enquanto
me olhava fixamente, a lança brilhou, embora um pouco mais devagar do que
da primeira vez.
Embora eu não quisesse arrastar essa batalha, eu sabia que não poderia
simplesmente me apressar como o cadete anterior havia feito. Pensar
criticamente era algo a que eu havia me acostumado por causa da minha falta
de ki. Eu não seria capaz de criar aquela explosão de velocidade como o cadete
de espada e escudo tinha feito, então mantive minha posição.
“Isso é uma piada?” Mason zombou, apontando a ponta de sua lança brilhante
para mim.
“Não me culpe se você acabar fisicamente aleijado também, sem nome”, ele
retrucou antes de irromper em uma explosão de ki.
Ainda assim, aos meus olhos, seus movimentos pareciam quase telefônicos.
Mais de um ano de treinamento com Lady Vera e sua equipe de treinadores
havia afiado meus instintos indomáveis em uma técnica quase injusta.
Sentindo minha intenção, Mason mudou seus movimentos para bloquear, mas
mesmo a leve contração em seu ombro me disse onde seu próximo movimento
seria.
No momento em que ele se posicionou para bloquear meu golpe, meu golpe
já havia mudado de curso e pousado em seus dedos enluvados.
“Gahh!” ele vomitou de dor. Eu tinha que dar crédito a ele por não ter largado
a arma, apesar do estalo que ressoou com o golpe.
Foram necessários mais dois movimentos para terminar o duelo e mais meia
hora para terminar as rodadas contra os cadetes restantes.
Desci as escadas correndo, animado para cumprimentar Lady Vera. Tinha sido
cada vez mais difícil até mesmo ver seu rosto, mas parei no meio do caminho
quando vi um homem desconhecido com ela na porta. Ele estava de costas,
então tudo que eu poderia dizer sobre sua aparência era que ele tinha o cabelo
curto e aparado, além de estar vestido elegantemente em um terno estilo
militar.
“Sim. Sim, entendo. Vou avisá-lo de que ele está qualificado,” Lady Vera disse
suavemente ao homem. “Ele pode ficar curioso, mas não é muito ganancioso
em competir de verdade, então não acho que ele vá me pressionar muito”, ela
continuou.
Sua voz era baixa e difícil de entender, mas eu podia ouvir pedaços de Lady
Vera falando antes de escoltar o homem para dentro do estúdio à prova de
som.
“É claro. Sim, ela não será mencionada. Entendo. Obrigado. Você está certo. Ele
terá que lutar pelo menos uma vez para apaziguar a massa. Vamos preparar
Grey para o distrito…”
Capítulo 228
Âncora
ARTHUR LEYWIN
Soltei um gemido sonolento, mal conseguindo ouvir minha própria voz devido
aos ventos passando por nós. Apoiando-me nas costas espetadas de Sylvie e
examinei meus arredores.
Eu tive que dar o braço a torcer aos artífices dos tempos antigos — aqueles
magos sábios e poderosos foram responsáveis não apenas por erguer um
castelo inteiro no céu, mas uma cidade inteira também, além de conectar cada
cidade principal com um portal de teletransporte. O conhecimento e o poder
necessários para completar esses feitos de maestria mágica são inspiradores.
Vamos acabar com isso rapidamente. Estou pronto para descarregar alguma
bagagem emocional em uma foice ou talvez alguns retentores, eu disse,
pulando fora de meu vínculo.
A poderosa confiança que Virion geralmente irradiava se foi, seu sorriso alegre
substituído por uma expressão sombria e cansada. Seu cabelo prateado estava
solto e as vestes que vestia pareciam um pouco grandes demais para ele, como
se ele tivesse perdido peso. Ainda assim, vendo eu e Sylvie, seu rosto suavizou
em um sorriso aliviado.
Andando até mim, o velho elfo imediatamente me envolveu com seus braços
em um abraço longo.
Eu fiquei chocado. Meu corpo congelou e, por um momento, minha mente ficou
em branco.
“Bem-vindo de volta. Você fez tudo que podia, Arthur … você fez muito bem,”
disse ele suavemente, sua voz tão familiar, mas aparentemente desconhecida
ao mesmo tempo.
A casca gelada de apatia em que eu me fechei — longe da raiva, da dor e da
perda que tentavam arranhar seu caminho dentro de mim — rachou.
Pode ter sido o calor de seu abraço ou a gentileza de suas palavras, mas eu
me abri e tudo veio à tona. Pressionei meu rosto no ombro de Virion e deixei
as lágrimas correrem livremente, tremendo e soluçando como uma criança,
suas palavras ecoando em minha mente.
Eu não acho que posso fazer isso sozinho agora. Tem certeza de que não quer
ver Tess comigo? Perguntei ao meu vínculo, que ainda estava em nosso quarto.
Virion havia dito a mesma coisa. Tessia se trancou em seu quarto, recusando-
se a ver quem quer que fosse, especialmente aqueles que mais queriam
ajudar.
Se seus próprios pais ou avô não puderam chegar até ela, como eu poderia?
Sem resposta.
Ela não respondeu, mas eu podia ouvir seus passos leves se aproximando da
porta. Depois de um momento, a porta se abriu e nossos olhos se encontraram.
Eu tinha visto tantas emoções ganharem vida através daqueles olhos turquesa
vívidos dela — risos, alegria, raiva, determinação — mas esta foi a primeira vez
que vi tal desespero absoluto. Doeu-me vê-la assim; eu queria me afastar. Em
vez disso, entrei na sala, minha mente correndo. Ela parecia cansada,
desgrenhada, como se não tomasse banho há dias.
Então, fiquei em silêncio. Com gentileza, eu afaguei seus longos cabelos com a
toalha extra, então conjurei uma brisa quente e suave que soprou por seus
cabelos, secando-os.
“Você… é muito ruim nisso.” A voz de Tess era suave e rouca, mas ainda fez
meu coração pular uma batida.
“Não é como se eu tivesse experiência em fazer esse tipo de coisa”, murmurei,
envergonhado. Parei e fiz menção de guardar a escova, mas Tess ergueu os
olhos, captando meu olhar no espelho.
“Fui eu quem disse que não deveríamos descer aquele barranco, não o
contrário”, disse ela, rindo.
Ela revirou os olhos. “Inteligente, devo admitir, mas não diria exatamente que
você foi cauteloso. Ugh, ainda me lembro de encontrar as sanguessugas de
musgo por todo o meu corpo, mesmo horas depois de voltarmos para casa.”
Sufoquei uma risada, lembrando claramente o quão nojenta ela tinha ficado
com as inofensivas sanguessugas se contorcendo que grudaram em nossa
pele. Ela imediatamente voou de onde estava, parecendo ter sido chocada por
um raio.
Não respondi. Ao invés disso, dei minha melhor impressão de sua dança tire-
essas-sanguessugas-de-mim.
Ela olhou para mim, mas quando levantei meus braços em submissão, ela se
virou totalmente para mim e colocou os braços em volta da minha cintura.
Lentamente, abaixei meus braços, uma mão acariciando levemente suas
costas nuas, a outra suavemente se enroscando em seu cabelo cinza sedoso.
Tess permaneceu imóvel, seu rosto enterrado em meu peito. A toalha caiu,
expondo mais de sua pele lisa, e de repente me senti muito consciente de seu
corpo exposto e seu cheiro inebriante.
Quando ela olhou para cima, seus olhos turquesa encontraram os meus, e
apesar do tom rosa subindo em suas bochechas e orelhas, pude ver meu
próprio desejo refletido de volta neles.
Ela se afastou, olhando para mim como se eu a tivesse batido. “Por quê? Não
sou atraente o suficiente? É porque você ainda me vê como uma criança? Eu
já tenho dezoito. Achei que isso tivesse ficado para trás! Ou… ou você também
me culpa pelo que aconteceu?”
Seus ombros tremeram quando ela fungou. “Então, não é porque eu não sou
atraente?”
Imediatamente, meu rosto queimou quando observei sua figura exposta. “Não,
não é porque você não é atraente. Eu só quero fazer isso corretamente, quando
pudermos realmente estar um com o outro, não quando estivermos tentando
escapar de outra coisa.”
Desviando meus olhos relutantes de Tessia, virei minhas costas para ela. “Você
deveria se vestir. Há mais uma coisa que quero fazer por você.”
Em vez de usar magia, peguei uma faca de cozinha e comecei a cortar e picar
os ingredientes. “Em Ashber, quando eu era criança, minha mãe costumava
cozinhar todas as nossas refeições. Ela dedicou seu tempo e energia em cada
refeição apenas para ver um sorriso em nossos rostos enquanto comíamos.”
Minha mão tremia, mas continuei cortando. “Sentado à mesa de jantar … rindo
e brincando sobre boa comida. Foi uma daquelas coisas que eu nunca
realmente apreciei — não até que fosse… tarde demais.”
Rapidamente enxuguei uma lágrima. “Ah, a-algumas das especiarias devem ter
entrado em meus olhos. Me desculpe por isso. Quase esqueci da água.”
Afastei-me de Tess e abaixei o fogo sob a panela de caldo fervente.
“Está bem. Estou bem, Art. ” Sua voz era gentil e sua suave carícia foi o
suficiente para me deixar de joelhos.
Caí no chão frio e duro, segurando meu peito enquanto soluços fortes saíam
da minha garganta. Enquanto eu estava lá, minha cabeça no colo de Tess, o
toque quente de suas mãos me manteve ancorado, e o arrulhar suave de sua
voz moveu-se por mim como a magia nas pontas dos dedos de um emissor,
aliviando a dor pungente dentro de mim.
Capítulo 229
Campo de Branco
“Isso não foi tão ruim. Não pensei que ele cederia tão facilmente,” Virion
respirou, afundando para trás em sua cadeira.
“Nem eu”, pensei alto, meus olhos ainda na porta pela qual Alduin havia saído.
A reunião do Conselho havia terminado há mais de uma hora, mas Alduin ficou
para protestar contra a decisão de Virion. Até a general Aya, que nunca
expressou sua opinião a respeito das ordens, implorou ao comandante Virion
para reconsiderar.
“Estou feliz que ele queira liderar a evacuação de nosso povo. Talvez ele
finalmente esteja percebendo o fato de que estamos lutando para proteger
todos em Dicathen, não apenas Elenoir.” Virion suspirou, esfregando as
têmporas. “E isso me dará mais tempo para me concentrar nos cenários
alternativos.”
Encontrei seu olhar forte com meus olhos. “Sim, e temo que terei que o recusar
respeitosamente.”
Minha mandíbula apertou e lutei para manter a calma, mas não culpei Virion
por perguntar. “Provavelmente.”
Acenando com a mão em despedida, ele disse: “Tudo bem. Não vou forçar
mais.”
Virion gargalhou. “Se eu pensasse que você era um adolescente normal, eu iria
tratá-lo da mesma forma que minha neta e colocar vocês dois, junto com o
resto de sua família, sob custódia protetora.”
“Não há oferta, pirralho. Falando como comandante, não posso me dar ao luxo
de perder você, então se endureça,” ele rosnou. “Se você não vai liderar, pelo
menos suje as mãos com sangue.”
“Minha mãe e minha irmã devem chegar ao castelo no dia seguinte ou depois.
Por favor, cuide delas, caso eu não consiga voltar,” eu disse, estendendo minha
mão.
Havia uma parte de mim que queria dizer adeus pessoalmente à minha família,
ver seus rostos pela última vez, caso eu realmente não conseguisse sair dessa
batalha vivo, mas uma parte maior de mim estava com medo de vê-los.
Eu não queria admitir, mas fiquei um tanto consolado pelo fato de que, mesmo
se eu morresse, minha família restante poderia chorar por mim em vez de me
olhar com ódio, desdém ou apatia.
Virion apertou minha mão e me puxou para um abraço. “Você sabe que tratarei
Alice e Eleanor como se fossem meu próprio sangue. Eles receberão a mesma
prioridade de retirada que Tessia e o Conselho.”
***
Eu podia ver alguns rostos familiares esperando para nos mandar embora.
Além de Tess e do Tio Buhnd, Kathyln e a Tia Hester também estavam aqui.
“Parecendo muito ousado, jovem herói”, sorriu a Tia Hester. “As roupas
realmente fazem o homem.”
Hester Flamesworth aceitou meu gesto com um sorriso irônico. “Eu ouvi sobre
seu pai e o que Trodius estava planejando. O prestígio do nome Flamesworth
não é tão importante para mim, e espero que isso sirva para humilhar meu
irmão. Eu gostaria apenas de agradecer por permitir que ele vivesse.”
Eu balancei a cabeça, soltando sua mão antes de me virar para o Tio Buhnd.
Dei um tapinha no ombro do velho anão. “Eu sei que você está ansioso para
sair para o campo, Buhnd. O que você me diz, quer vir comigo?”
“Bah, e ter minha bunda puxada de volta por Virion? Vou passar. Além disso, o
velho precisa de uma ajuda aqui, com tudo o que está acontecendo hoje em
dia”, ele respondeu, olhando para mim. “Tenha cuidado ali. Sei que pode não
parecer agora, mas há pessoas que se preocupam com você e estão esperando
que você volte.”
Kathyln hesitou antes de agarrá-la. Ela olhou para cima, e seu rosto
normalmente impassível estava cheio de preocupação e arrependimento. “Eu
gostaria de poder lutar ao lado de você e Curtis.”
“Sua missão é tão importante, se não mais, para o futuro de Dicathen. Não se
preocupe,” eu disse, tentando confortar minha amiga e parceira de treino com
um sorriso. Entendi a sua ansiedade e frustração por não poder lutar na
batalha principal; é como me sinto por deixar para trás tantos com quem me
importava.
Quando chegou a minha vez, também dei um longo abraço em Tess. “Ouvi dizer
que você vai ficar com minha irmã e minha mãe. Cuide bem delas.”
“Não se preocupe, eu não vou deixar nada acontecer com elas”, ela murmurou
enquanto puxava o pingente de folha de debaixo da camisa. “Lembre-se de
cumprir sua promessa.”
“Vou fazer o meu melhor”, respondi, puxando meu próprio pingente. Olhamos
um para o outro em silêncio por um momento antes de eu desviar meu olhar.
Eu não conseguia tirar a imagem do cadáver do meu pai da minha cabeça.
Era eu que ia para a batalha, mas de alguma forma ainda temia por Tess. Eu
sabia que era infantil e irresponsável pensar nisso, mas o pensamento dela
sendo carregada para mim no mesmo estado que meu pai e, apesar de todo o
meu poder, eu sendo incapaz de fazer qualquer coisa me fez querer correr,
fugir — não apenas com ela, mas com Ellie e minha mãe.
Um aperto firme em meus braços me tirou dos meus pensamentos. Tess estava
com o mesmo sorriso de ontem à noite, depois que desmaiei na cozinha. Foi
um sorriso que transmitia perda e esperança, e foi apenas o suficiente para
me dar forças para passar pelo portão de teletransporte.
“Eu te vejo em breve. Todos vocês,” eu declarei. Então, sem mais nada a ser
dito, passei com Sylvie ao meu lado.
“General Arthur, Lady Sylvie. O general Bairon está esperando por você no
castelo,” o soldado à minha esquerda anunciou.
Era Curtis Glayder. Apesar de tudo o que havia acontecido, os anos o trataram
bem. Seu rosto bem barbeado e seu corte militar marcante faziam Curtis
parecer o cavaleiro branco arrojado que sempre desejou ser, completo com
armadura polida e espadas amarradas em ambos os lados de seus quadris.
“Achei que você preferisse um rosto familiar, já que nunca esteve realmente
por aqui”, disse ele sério. “E mesmo que você já tenha estado aqui, tanto
mudou que duvido que sequer reconheça.”
“Na verdade, eu nunca estive aqui, mas você está certo em que este lugar não
parece realmente uma cidade”, observei, notando as vistas estranhas.
Para onde quer que eu olhasse, a cidade havia sido redesenhada com um único
propósito: a guerra. As lojas foram convertidas em locais de trabalho para os
armeiros, arqueiros, armeiros, armeiros, artesãos de couro, herbanários e
todos os tipos de comerciantes que trabalham dia e noite para preparar os
soldados de Dicathen para a batalha que se aproxima. A praça da cidade
diante de nós estava repleta de tendas onde trabalhadores não qualificados
podiam ajudar lavando e dobrando tecidos, amarrando pontas de flechas em
hastes de madeira e empacotando alimentos. Ninguém estava ocioso, com
todo mundo fazendo algo ou transportando para algum lugar.
“Muito para aprender, certo?” Curtis disse enquanto nos guiava em direção a
uma grande torre de tijolos que ficou à distância. “A cidade inteira foi
reorganizada para funcionar como um reduto e centro de produção da batalha.
Esperamos manter a maior parte dos combates longe da cidade, impedindo
sua abordagem na costa.”
Apesar das garantias de Curtis de que a batalha seria travada em outro lugar,
estava claro que cada centímetro de Etistin tinha sido fortificado para se
defender contra uma incursão. Mas mantive meus pensamentos para mim
enquanto seguíamos o príncipe pelas ruas sinuosas e estreitas.
“Eu esperava uma atmosfera muito séria e intensa,” meu vínculo observou, sua
cabeça virando de um lado para o outro, apreciando a vista.
“Bem, ainda estamos a alguns quilômetros da costa onde a batalha real vai
acontecer”, Curtis respondeu, apontando para as grossas paredes que
pareciam recém-construídas. “A cidade foi fortemente fortificada, é claro, e
uma série de túneis de fuga foram construídos embaixo de nós para evacuar
os civis, se for o caso. Mas, agora todos parecem bastante confiantes.
“De qualquer forma, o castelo fica por aqui.” Curtis apontou para a estrutura
formidável, que havia sido desmontada e refortificada em uma fortaleza
imponente. Dezenas de magos ainda trabalhavam para completar as
fortificações, guiando lajes de pedra gigantes com magia. O castelo estava
situado em uma pequena colina com vista para o resto da cidade. Uma única
torre elevada olhava para baixo sobre as grandes paredes.
“Você disse que o general Bairon estava esperando por mim? Alguma ideia de
onde a General Varay possa estar?” Eu perguntei, olhando para a torre.
Subimos em uma caixa movida a mana e um sistema de roldanas que nos levou
até o topo da torre.
“Não, não acredito que ele esteja em Etistin no momento. Acho que ele estava
viajando com a General Mica para Darv. Algo relacionado à Guilda dos
Earthmovers, que foi responsável por grande parte do trabalho feito nas
cidades.”
“De qualquer forma, o cômodo principal fica logo no alto da escada, mas há
uma janela neste andar também. Você deveria dar uma olhada.”
“Incrível, não é? É nisso que a General Varay está trabalhando.” Curtis apoiou
os antebraços no parapeito da janela. “A maior batalha desta guerra será
realizada neste campo glacial.”
Capítulo 230
Sirenes retumbantes
Assentindo, segui o príncipe até o único lance de escadas que levava ao andar
de cima, Sylvie logo atrás de mim. No topo da escada, entramos no que
presumi ser o centro estratégico para a batalha aqui, e fui imediatamente
lembrado das salas de situação de meu tempo como Gray na Terra.
O general Bairon Wykes, irmão mais velho de Lucas Wykes, estava discutindo
algo sobre a marcha. Quando ele finalmente se virou para olhar para mim, sua
expressão estava controlada, embora uma ligeira contração em suas
sobrancelhas sugerisse a profunda animosidade que, tenho certeza, ainda
turvava sob a superfície. Ainda assim, considerando que ele tentou me matar
quando nos conhecemos, e teria conseguido se Olfred não o tivesse impedido,
eu senti como se estivéssemos fazendo grandes avanços.
“Estou presumindo que essas informações não são em tempo real, certo?” Eu
perguntei.
“Esses magos que você vê aqui são desviantes de elite, capazes de adivinhar,
compartilhando sentidos com suas bestas ligadas. Os adivinhos serão capazes
de extrair imagens das mentes dos videntes e projetá-las no orbe”, respondeu
Bairon, estreitando os olhos com suspeita. “Há mais alguma coisa que eu possa
explicar para você, General Leywin?”
“Pelo menos você teve o cérebro para recusar. A vida de dezenas de milhares
de soldados depende das escolhas feitas nesta sala”, retrucou Bairon. “Se você
não consegue nem mesmo manter sua própria família viva, como evitará que
os soldados morram desnecessariamente?”
“O que você disse?” Eu rosnei, a raiva que carregava dentro de mim desde o
momento em que vi os restos mortais de meu pai instantaneamente fervendo.
“Vocês dois, parem”, meu vínculo exigiu, ficando entre nós. “E retraia sua
mana.”
Algo não está batendo certo, pensei comigo mesmo, meus olhos vasculhando
o número estimado das forças alacryanas que se aproximavam.
Tudo isso aconteceu bem debaixo de nossos narizes, muito antes que Dicathen
soubesse que outro continente existia!
Claro, seus magos especializados eram uma força militar mais bem lubrificada
e coesa do que nossos soldados, dando-lhes uma vantagem em combate. Nós
os superávamos em número, embora levasse tempo para mobilizar todas as
nossas forças.
Não. Bairon é um verdadeiro bastardo, mas ele não é nenhum Trodius. Ele é
uma Lança e está certo. Não tenho uma mentalidade estável o suficiente para
tomar esse tipo de decisão agora, não quando sei que cada uma de suas mortes
seria causada pelas escolhas que faço.
Eu não poderia jogar xadrez usando a vida de nossos soldados como peões
quando já me sentia responsável pela morte de meu pai.
“Concentre-se, Arthur. Temos uma guerra para terminar” eu disse em voz alta,
batendo em minhas bochechas.
Sylvie dobrou as asas e mergulhou até que eu pudesse ver as formas dos
soldados marchando abaixo.
Com um aceno de meus braços, lancei uma rajada de fogo, em seguida, fios de
raios entrelaçados através das chamas e, finalmente, conjurei uma série de
lâminas de vento que perseguiram umas às outras em volta da conflagração,
criando um espetacular show de luz elemental no céu.
Ouvindo os aplausos e gritos das tropas abaixo, não pude deixar de sorrir.
Isso foi um pouco infantil da nossa parte, não? Perguntou meu vínculo, sua
risada profunda vibrando pelas minhas pernas.
Varay estava realmente em outro nível em comparação com o resto das outras
Lanças. Embora eu gostaria de dizer que poderia derrotar Varay em uma
batalha um contra um, não tinha certeza se conseguiria. Eu tinha a vontade de
dragão de Sylvia, era um conjurador quadra elemental e minha destreza de
luta talvez fosse incomparável em Dicathen, mas o poder de Varay e o controle
sobre sua mana pareciam absolutos. Tê-la como aliada era incrivelmente
reconfortante.
Sylvie pousou na soleira onde as praias costeiras se tornaram gelo. Era como
se um terreno baldio congelado tivesse caído do céu, enterrando metade da
baía no processo e deformando a terra ao redor; nuvens de hálito gélido
ergueram-se das fileiras de infantaria já reunidas ao longo da praia enquanto
permaneciam em silêncio tenso. O clima estava sombrio e havia um
pressentimento sinistro pairando no ar frio.
Alguns dos soldados pareciam tão jovens, muitos até mais jovens do que eu, e
foram os rapazes e moças em particular que olharam para mim como se me
implorassem para lhes transmitir forças para enfrentar a batalha que estava
por vir. Eu encontrei seus olhos, tantos quanto pude, dando-lhes acenos de
cabeça e sorrisos encorajadores, e gostaria de pensar que nossa presença deu
esperança a muitos dos soldados.
“General Arthur, bem-vindo.” A voz fria e suave cortou a névoa flutuante como
o facho de um farol, e toda a atmosfera pareceu mudar. A silhueta de uma
mulher vestida de armadura apareceu, tão elegante e feroz como um leopardo.
Ela estendeu a mão, apertando a minha com firmeza. Eu poderia dizer que ela
estava fazendo questão de mostrar nossa compostura para as tropas de
infantaria, e eu imitei seu ar de prontidão confiante. Sylvie, que permaneceu
em sua forma dracônica, abaixou a cabeça para deixar Varay tocar suavemente
seu focinho.
O segundo rosto familiar era Madame Astera, que, notei, não estava mais
disfarçada de cozinheira, mas vestira uma armadura simples e usava duas
espadas longas nas costas com facilidade. Tínhamos nos encontrado nessa
mesma missão e tivemos a oportunidade de treinar um com o outro. Eu sabia
que ela era uma forte combatente e uma líder respeitada. Reconheci alguns
de seus soldados também: a superconfiante Nyphia e o valentão Herrick, os
quais tentaram me derrotar em um duelo, mas falharam.
Essa era outra vantagem estratégica que tínhamos. A elevação ascendente deu
aos nossos arqueiros e mágicos uma vantagem clara, pois eles teriam
visibilidade e alcance superiores. Paredes defensivas foram construídas por
magos da terra para fornecer cobertura às tropas neste nível caso os
alacryanos tentassem atacar a linha de fundo à distância. A verdade é que não
sabíamos muito sobre os tipos de feitiços em que seus Conjuradores poderiam
se especializar, então tentamos nos preparar para tudo e qualquer coisa.
Mais e mais tropas chegaram. Alguns foram enviados para os dois lados da
baía, enquanto outros permaneceram como forças de reserva.
Parecia que horas haviam se passado, todos nós parados na chuva com os nós
dos dedos brancos a apertarem as nossas armas.
“Atacar!”
Capítulo 230.5
Túneis Obscuros III
Nota: esse capítulo extra faz parte de uma coletânea de POVs da MICA
EARTHBORN retirados do Livro 7 de TBATE.
MICA EARTHBORN
“Sim”, respondeu Oberle, que acabara de nos direcionar para uma fenda
desconfortavelmente alta e estreita.
Fazia três dias desde que deixamos o Instituto Earthborn. Oberle nos levou
para baixo e através dos túneis profundos até que deixamos Vildorial
completamente para trás. Não vimos sinal dos Alacryanos, embora nosso guia
tenha nos assegurado que estávamos no caminho certo.
“Mica vai primeiro. Mantenha seus olhos para cima. Este seria um bom lugar
para uma emboscada.”
Quando Alanis voltou, cansada e frustrada, ela trouxe três magos e a notícia
de que a maioria dos anões sob o comando de Buhnd já estava perseguindo
uma pista que os havia levado para longe de Vildorial. Esses três eram toda a
assistência que a força-tarefa podia nos oferecer.
“Sim.”
“Não.”
Então começou o clique. Era sutil e consistente, como se alguém tivesse uma
pedra presa na bota. Eu estava totalmente focada no barulho, tentando
determinar de onde vinha, quando Oberle tropeçou no chão irregular e se
derramou para frente com um grunhido.
O globo luminoso que ele carregava caiu de suas mãos, ricocheteou no chão
duro com um estalo agudo que ecoou pela ravina e rolou entre meus pés,
fazendo as paredes dançarem loucamente ao nosso redor.
“Eu pensei que você fosse um mineiro, garoto.” Skarn sussurrou. “Essas suas
pernas estão de enfeite?” A voz de Skarn engasgou de repente. Lancei-lhe um
olhar preocupado, mas ele era apenas uma silhueta contra a luz de Tetra.
Quando abri minha boca para falar, sua forma escura foi levantada no ar.
Hornfels gritou e saltou para cima, agarrando seu irmão pelos tornozelos. Por
um único momento eles pareciam flutuar no ar, então as botas de Skarn
escorregaram de seus pés e Hornfels caiu de volta no chão. O machado de
Skarn ricocheteou no chão de pedra um segundo depois.
“Skarn!” Eu gritei quando ele foi arrastado para fora de vista bem acima de
nós.
De cima, uma criatura peluda ligeiramente maior que um anão passou por
mim, suas oito patas arranhando as paredes de vidro. Houve um estalo úmido
quando chegou ao fundo.
“Skarn!” Gritei de novo, procurando meu primo entre a massa de aranhas, que
começaram a assobiar e estalar alto na presença da luz.
“Pelas pedras e raízes, essa é a coisa mais nojenta que eu já vi”, resmungou
Hornfels, limpando um pedaço de lodo verde da barba.
“Isso fede!” Oberle gemeu, abrigando-se sob uma laje de pedra que Jasper
havia criado.
***
“A gruta está no fundo de uma fissura natural. A água desce até uma poça
dentro de uma caverna com talvez cem metros de largura. Todas as barracas
e coisas deles devem ter sido transportadas, porque não vi nenhuma estrutura
que parecesse construída ou conjurada.”
“Parece que eles não têm os meios”, acrescentou Tetra, que estava ouvindo
com atenção e concordando com a cabeça. “Não encontramos nenhum
Alacryano treinado nesse tipo de magia. Seu uso de mana parece muito
específico.”
“É”, acrescentei. “Mica não acha que eles trouxeram seus padeiros e
carpinteiros para Dicathen para a guerra. Seus soldados se concentram em
apenas uma coisa: matar nossos soldados.”
“E a que distância você disse que essa fissura está, mesmo?” perguntou Kobel.
Ele era um anão velho e grisalho; sua orelha esquerda havia sido mastigada
por alguma coisa e sua barba era irregular naquele lado devido a uma rede de
cicatrizes que percorriam seu rosto.
“Por volta de quatro horas, talvez cinco”, disse Oberle com um encolher de
ombros evasivo. “Só estive aqui uma vez e não pensei que voltaria. Os túneis
são todos muito fáceis no resto do caminho, no entanto.”
Tetra se inclinou para frente e olhou para Oberle. A fraca luz vermelha do sal
de fogo refletiu em seus olhos rosados, fazendo-os brilhar como carvões em
brasa. “Havia algum batedor, algum posto de guarda fora da gruta?”
“Que sorte que essas aranhas da forca não estavam lá quando você cruzou a
fenda”, resmungou Skarn, olhando o menino com desconfiança.
“Ah, bem, isso não teria nos ajudado em nada”, disse Hornfels seriamente.
“Pelo tanto de barulho que Skarn faz quando anda, eles o teriam encontrado
de qualquer maneira.” O grupo caiu na gargalhada, todos exceto Skarn, que
olhou seu gêmeo perigosamente e brandiu seu machado.
“Calados!” Eu sussurrei, virando meu ouvido para o túnel escuro atrás de mim.
Tetra ergueu seu artefato de iluminação e concentrou-se no túnel. Os pelos da
minha nuca se arrepiaram, apesar do túnel parecer vazio.
“O que é—” Skarn começou a perguntar, mas eu fiz sinal para ficar quieto.
Atrás de mim, Hornfels baixou o machado. “Por que estamos aqui mesmo?”
“Você poderia voar atrás deles, ver se consegue alcançá-los antes que eles
cheguem à gruta”, sugeriu Hornfels.
“Mica teria que deixar vocês aqui sozinhos, para fazer isso, e não sabemos
quanto tempo esses três esperaram antes de atacar. Não. Alto risco, talvez sem
recompensa. Mas não vamos dar aos Alacryanos mais tempo para se
prepararem do que o necessário. O tempo de pausa acabou. Peguem seus
equipamentos.”
***
Corremos até a fissura que descia para a gruta escondida onde nosso inimigo
estava acampado, o que levou pouco menos de duas horas. Não havia sinal do
batedor que presumi ter ido avisar os Alacryanos de nossa presença.
“Fomos avisados para não os tocar”, disse Oberle com medo, atrás de mim.
“Quando eu estava aqui com Torple. A gruta fica bem no fundo, talvez trezentos
metros.
Dei vários passos cuidadosos na fissura, tentando ver o que estava à frente,
mas o caminho natural era muito irregular para ver longe. Uma vibração de
algo semelhante ao medo passou por mim, arrepiando meus braços e pescoço.
Não seja covarde, pensei comigo mesma.
“Talvez Mica devesse entrar sozinha”, sugeri, minha voz quase inaudível. Se
houver uma Foice lá embaixo…
“Oberle,” eu disse, tomando uma decisão. Ele me olhou nervoso. “Você, pelo
menos, vai voltar para Vildorial. Vá para o Instituto Earthborn e informe a
assistente de Mica, Alanis, que você nos entregou ao esconderijo Alacryano
como prometido. Se Mica não retornar dentro de dois dias da sua chegada em
Vildorial, assuma o pior. Alanis deveria pedir ajuda ao Conselho. Se Mica
morrer, isso significa que uma Foice ainda está em Darv.”
O mineiro de sal de fogo deu um passo para trás de mim, olhando para seu
peito. Um brilho opaco e arroxeado irradiava através de sua túnica pesada.
Oberle abriu a boca para gritar, mas em vez disso saiu uma luz roxa escura.
Sem tempo para sequer gritar um aviso, usei o Black Diamond Vault. Uma
estrutura de cristal cintilante apareceu ao meu redor, depois cresceu
rapidamente para fora, até encapsular eu e Oberle dentro de uma camada
impenetrável de diamante negro.
Assim que Oberle foi contido, empurrei em todas as direções com uma
explosão de antigravidade, esperando que desse modo, os outros deslizassem
para longe da prisão mineral que continha a bomba. Eu não conseguia ver ou
ouvir nada fora dos efeitos do feitiço, no entanto. Sem como saber o quão forte
seria a explosão, esperei, envolta nos cristais negros.
Está tão escuro, estou vendo manchas, pensei. Então percebi que os pontos de
luz eram buracos que apareciam no diamante negro enquanto a bomba de
mana detonava, corroendo a substância mais dura conhecida pelo homem ou
anão, como um ácido através de um pergaminho.
Capítulo 231
Seguindo Ordens
A silenciosa tensão se dissipou, substituída pelos rugidos guturais de nossos
soldados e o tremor da terra enquanto avançavam.
Nós nos inclinamos para frente, observando com expectativa enquanto nossas
forças colidiam com as deles. Nossa linha de frente era uma onda organizada
de soldados com aliados prontos para apoiá-los e fornecer cobertura, mas
suas forças pareciam desorganizadas, perdendo a eficiência tática que eu
tinha visto dos alacryanos em batalhas anteriores. Era difícil distinguir os
detalhes, no entanto, pois a névoa que envolvia o campo de batalha
obscurecia-os.
Até mesmo os videntes atrás de nós mal foram capazes de nos dar qualquer
informação além do fato de que todas as nossas tropas inimigas usavam pouca
ou nenhuma armadura e seu equipamento em geral parecia ser uma mistura
de roupas e utensílios domésticos comuns transformados em armaduras.
Eu queria estar lá, no meio da batalha. Era uma tortura ficar de pé acima dela,
ouvir o estrondo de pés, o choque de aço, os gritos de homens moribundos.
Tudo se misturou, uma cacofonia tão alta que eu podia sentir os tremores nas
solas dos meus pés.
Ela recusou. “Nós sabemos o que está do lado deles. Temos que impedi-los de
saber o que está do nosso lado. Desviar-se do plano nesta fase é impossível.
Espere pelas ordens de Bairon e do Conselho.”
Eu estava irritado, mas segurei minha língua. Ela estava certa — e mais do que
isso, não era minha função dar ordens aqui. Recusei a posição porque não
conseguia lidar com a responsabilidade agora. Quem era eu para fazer o que
quisesse só porque me sentia desconfortável?
Foi um pouco desconcertante que eles implantassem seus magos tão cedo na
batalha. No entanto, lembrei-me do que Agrona disse sobre como Alacrya
tinha muitos mais magos devido aos experimentos que ele realizou ao longo
de várias gerações.
Ela estava certa. Havia áreas no campo onde flashes de magia estavam
próximos ou agrupados, enquanto em outras áreas havia várias dezenas de
metros entre cada sinal de feitiço sendo lançado.
“As frotas aéreas estão aqui,” Varay anunciou enquanto dezenas de magos
navegavam acima e no campo de batalha.
Haveria três forças principais em jogo durante esta batalha. Em primeiro lugar,
estava a infantaria, responsável por fazer o primeiro contato e manter uma
pressão constante para a frente, impedindo os alacryanos de tomar qualquer
terreno. Em seguida, estavam as forças aéreas responsáveis por criar confusão
dentro da linha de retaguarda dos alacryanos, lançando feitiços sobre eles de
cima. Finalmente, havia as lanças.
A batalha continuou por mais de uma hora antes que minha paciência se
esgotasse.
Eu estava ansioso para chegar lá, para me sentir útil. Eu queria me provar e
começar a longa tarefa de vingar meu pai.
‘Está bem. Teremos nosso tempo para contribuir, Arthur’, disse Sylvie. ‘Além
disso, parece que a maré da batalha está a nosso favor.’
Varay voltou seu olhar penetrante para mim. “Você entrará e terá como alvo
apenas seus poderosos magos. Você só ficará em campo por uma hora de cada
vez.”
Achei que ela estava brincando, mas sua expressão severa dizia o contrário.
Dei a Varay um aceno severo, então Sylvie bateu suas asas poderosas, fazendo
a névoa girar ao nosso redor.
‘Entendi. Não sinto nenhum retentor ou foice, mas tome cuidado, Arthur.
Sempre tenha cuidado’, ela respondeu enquanto mudava para sua forma
humana e se inclinava para a esquerda, desaparecendo rapidamente no caos.
Caí com força no chão gelado, levantando uma nuvem de gelo. Atrás de mim,
eu podia ouvir o estrondo de botas blindadas enquanto uma linha de
aumentadores avançava para a batalha. À frente, pude ver nossa primeira leva
de tropas tentando se retirar. Grande parte do campo branco estava manchado
de vermelho e os cadáveres cobriam o chão. Mais se juntariam a eles conforme
a batalha progredisse.
Deixando de lado minhas dúvidas, eu me vesti com uma capa de raio e fogo e
soltei um grito de guerra enquanto nos aproximávamos da força inimiga
espalhada.
O ataque à frente pode ter sido uma visão inspiradora, mas o confronto foi
terrível. Eu senti tanto quanto ouvi: metal guinchou e ressoou, homens
gritaram de dor. O fraco zumbido da magia estava sempre presente enquanto
ambos os lados desencadeavam uma torrente de feitiços.
Meu primeiro oponente caiu com um único golpe de minha espada. Vários
outros se seguiram, e todos caíram com a mesma rapidez, mas não era só eu.
Nossa linha de aumentadores estava se movendo rapidamente através dos
soldados alacryanos, causando um número catastrófico de baixas enquanto
não recebíamos quase nenhuma.
O primeiro mago inimigo que encontrei estava sozinho, cercado por soldados
Dicathianos caídos. Seus ombros estavam curvados de exaustão; todo o seu
corpo estava terrivelmente magro, com um tom pálido doentio. Gavinhas de
relâmpago pendiam de suas mãos como chicotes, sibilando e estalando onde
tocavam a neve.
Manchas rosadas de sangue misturado com neve podiam ser vistas com mais
frequência do que o próprio branco, e, em alguns lugares desesperadores, o
solo tinha se tornado um vermelho escuro. Braços cortados ainda agarrados
às armas, pernas decepadas e cabeças abertas espalhadas pelo campo de
batalha como folhas após uma tempestade.
Eu não estava cansado. Minhas reservas de mana não foram drenadas, apesar
dos quase cinquenta homens que matei naquela hora. Mas meu corpo ainda
se sentia pesado. Não era como lutar contra a horda de bestas. Esses soldados
que eu matei eram pessoas — pessoas que tinham famílias.
Apesar do meu cérebro gritar para eu não pensar sobre isso, era difícil não
pensar. A única pequena consolação que eu tinha era que eu estava apenas
seguindo minhas ordens. Era essa pequena diferença que distinguia um
soldado de um assassino.
Sylvie assentiu. “No entanto, estamos fazendo uma coisa boa. Nós salvamos
centenas, talvez milhares de vidas matando aqueles magos. “
Lendo meus pensamentos, ela disse em voz alta: “Você ainda acha que algo
está errado com eles?”
“Sim, Sylv. Estamos ganhando, então tentei não analisar demais, mas ainda
está em minha mente. Eu não fiz exatamente um estudo aprofundado sobre os
alacryanos, mas isso — eles,” eu disse, apontando para o campo. “Eles não são
as tropas organizadas que Agrona criou. Não da maneira que eu tinha
imaginado eles, pelo menos.”
Eu me virei e corri para o homem. Ele estava deitado em uma mesa com um
médico enrolando uma nova gaze em torno de seus ferimentos.
“G-G-Ge-General! Me desculpe. Eu não deveria ter dito algo tão ultrajante!” ele
exclamou, os olhos arregalados de medo.
“Eu preciso saber o que você disse agora. Algo sobre ‘libertado’?”
“Eu-eu acabei de dizer que me senti um pouco… mal por eles,” ele respondeu,
sua voz caindo para um sussurro. “Um dos alacryanos, pouco antes de eu
matá-lo, me implorou para não o fazer. Ele disse algo sobre lhe ser concedido
liberdade se ele viver.”
“Eles teriam liberdade concedida?” Sylvie repetiu, virando-se para mim com
uma expressão de preocupação. “Eles escravizam seus soldados?”
“Eles não são soldados”, murmurei, olhando para Sylvie. “Esses são apenas
seus prisioneiros.”
Capítulo 232
Sangue Contaminado
ALDUIN ERALITH
Quanto tempo se passou desde a última vez que estivemos juntos assim? Eu
me perguntei. Demasiado longo.
Ela tinha ficado tão forte, tão bonita. Era a cara de sua mãe, mas tinha minha
teimosia. Ouvi-la falar — ouvi-la falar de verdade — sobre como ela estava e
sobre seus planos para o futuro… era o que eu precisava.
Fiz meu caminho em direção à porta, dando uma última olhada em minhas
duas meninas. Merial ergueu os olhos para mim e, embora seus olhos
estivessem marejados de lágrimas, vi nela a determinação da raiz que racha a
pedra, da árvore que cresce além da copa para espalhar suas folhas na luz, da
cigarra que espera fora da geada, enterrado dentro das raízes. Não havia mais
palavras para compartilhar, mas ela acenou com a cabeça, me dizendo tudo
que eu precisava saber.
Acenando para trás, minha expressão dura, saí da sala. Eu já estava no castelo
há vários anos, mas nunca antes ele me pareceu tão grande e árido. As
arandelas iluminando o corredor piscaram loucamente enquanto eu passava,
quase como se elas soubessem e estivessem me repreendendo.
Eu só dei alguns passos antes de ceder sob a pressão que pesava sobre mim.
Inclinei-me contra a parede para me apoiar enquanto a tensão crescia e me
espancava, se espalhando pelo meu rosto e membros como um incêndio.
Minha respiração veio em suspiros gaguejantes e meu coração martelou tão
ferozmente contra o meu peito que temi que minhas costelas quebrassem. Os
corredores vazios cambaleavam e giravam com cada pequeno movimento que
eu fazia, até que, como um bêbado, tropecei e caí no chão.
Enterrei meu rosto nos joelhos, segurando meu cabelo com as mãos trêmulas
enquanto pensava na conversa da noite anterior.
“Que rude de sua parte, Rei Alduin”, ela — ou melhor, ele — respondeu. “Eu
pensei que éramos amigos.”
“Amigos? Eu fiz o que você pediu, mas minha filha ainda quase morreu lá no
campo! Se não fosse pelo General Aya— “
Eu cerrei meus dentes de frustração. “Por que você está aqui? Eu fiz o que você
pediu. Contrabandeei seus homens para que eles pudessem matar os
prisioneiros.”
“Eu vim para um assunto diferente, Rei Alduin”, disse ele. “Atualmente, nossos
lados estão engajados na costa oeste. Para você — para seu povo — deve ter
sido um golpe terrível. Isso significa, é claro, que você abandonou sua casa.”
O lado emocional de mim queria atacá-lo. Como ele ousa entrar aqui e falar
como se não tivesse nada a ver com isso, como se não fossem suas tropas que
expulsaram os elfos, mas anos como uma figura política me treinou para
manter o silêncio e mascarar minha expressão.
“Eu queria ouvir de seus próprios lábios,” Ele continuou. “Onde está a sua
lealdade?”
“O que você quer dizer? Deixar você matar prisioneiros inúteis é uma questão,
mas se você está sugerindo — mesmo remotamente — que eu traio meu povo…
“
“Não ‘trair seu povo’. Você já fez isso.” Ele interrompeu. “Estou perguntando se
sua lealdade está com todos os Dicathen, desde os desertos áridos de Darv até
as costas de Sapin — onde os elfos estão capturados e vendidos como escravos
até hoje — ou com o seu reino, seu povo.”
“Eu irei cessar os ataques em todos os territórios élficos. Desde que não
ataquem nenhum Alacryano, seu povo terá segurança garantida. Isso se
estende, é claro, a sua esposa e sua filha problemática.”
“Semelhante à última vez, eu preciso que você conceda a alguns dos meus
homens acesso ao castelo — bem como à cidade de Xyrus.”
Eu ri.
“O-o quê?”
Agrona bateu em seu esterno, onde um núcleo de mana estaria. “Você conhece
aquelas bestas corrompidas que têm causado tantos problemas para você?
Bem, assim como eles, o cerne da sua filha foi envenenado.”
A raiva cresceu dentro de mim e agarrei Agrona pelo colarinho. “O que você fez
com ela?”
“Eu não fiz nada”, disse ele alegremente. “Por mais irônico que seja, você pode
culpar o namorado da sua filha por isso.”
Levei um momento para perceber o que ele quis dizer. A vontade da besta do
guardião Elderwood — que minha filha havia assimilado — tinha sido
envenenada… e a envenenou.
A força deixou minhas mãos e eu liberei Agrona, então me deixei cair de volta
na minha cadeira.
“Eu daria a vocês uma demonstração, mas isso pode causar problemas para o
nosso pequeno plano. Além disso, acho que você já sabe que eu não minto. “
No entanto, não pude deixar de culpar o jovem Lança. Eu tinha cuidado dele
como uma família. Ele era tão próximo do meu pai e da minha filha. Sempre
considerei o papel dele em nossas vidas uma bênção e sou grato por ele estar
ali para cuidar de Tessia. Quantas vezes ele a ajudou?
No entanto, se não fosse por Arthur — se ele não tivesse dado a Tessia aquele
núcleo…
Meus passos ficavam mais pesados quanto mais perto eu chegava da sala de
teletransporte. Era como se minhas botas fossem de chumbo. Eu olhava para
trás sobre meus ombros a cada poucos passos, a culpa e o medo me
arrastando para baixo.
Exercendo mana por todo o meu corpo, abri as grossas portas de ferro. Dando
uma última olhada no caso de alguém estar por perto, fechei as portas atrás
de mim.
A sala circular parecia muito maior agora que tinha sido esvaziada, com as
únicas características reais sendo um pódio que segurava a doca de controle
e o arco de pedra antigo esculpido com runas incompreensíveis.
Sem perder mais tempo, subi ao pódio. Minhas mãos tremiam quando as
levantei sobre o painel de controle e, por outro segundo, hesitei. O que eu fiz
agora
mudaria todo o curso da guerra, mas para mim, não havia outra escolha senão
esta.
Fechando meus olhos, empurrei o painel. Imediatamente, senti a mana sendo
sugada de mim, mas segurei firme até que as runas começaram a brilhar.
“Onde ele está?” Sussurrei, passando a mão trêmula pelo meu cabelo
enquanto andava para frente e para trás dentro da sala.
Não. Estou fazendo a coisa certa. Pela primeira vez, eu estava fazendo o que
era melhor para o povo — meu povo. Agrona não estava errado; os humanos
capturaram elfos e anões durante séculos. Quase perdi minha própria filha
para escravos humanos. Não importaria se Agrona ganhasse a guerra.
Mas balancei minha cabeça. Não. Não, Agrona ainda é um demônio, não posso
esquecer isso.
Agora seria eu quem salvaria Elenoir. Com minhas ações, manteria meu povo
seguro.
Olhando para minhas mãos, percebi que ainda estavam tremendo. Eu estava
mentindo para mim mesmo? Eu estava apenas tentando justificar o que estava
prestes a fazer?
Não importava. No mínimo, eu precisava salvar Tessia. Que tipo de pai eu seria
se não pudesse manter minha única filha segura?
Avancei e alcancei o vil, que só poderia ser o antídoto para a corrupção que
crescia dentro do núcleo de mana da minha filha, mas parei quando uma
chama negra fumegante irrompeu dele.
Recuei, de repente com medo de que Agrona não cumprisse sua promessa.
“Isso é meu! Agrona e eu tínhamos—”
Sua mão se fechou em volta do meu pescoço antes mesmo de eu perceber que
ele havia se movido. Seu aperto ficou cada vez mais forte, sufocando minha
traqueia enquanto me levantava do chão. “Lorde Agrona mostrou misericórdia
ao se rebaixar até mesmo para se comunicar com um inferior como você.”
“Então traga seu sangue para esta sala e saia por este portal,” ele afirmou. “Eu
terei deixado o frasco aqui quando você voltar.”
M-meu sangue?”
“O que seu povo chama de família’”, disse ele, impaciente. “Além disso, traga
a mãe e a irmã de Arthur Leywin com você.”
Seu olhar penetrante era tudo o que era necessário para mostrar seu ponto
de vista — que isso não era uma negociação.
ARTHUR LEYWIN
“Então me deixe junto ao meu vínculo voltar a Etistin — não, ao castelo. Vou
falar com o comandante Virion e chegar a um…”
“Você não está aqui porque não queria a responsabilidade de tomar decisões
difíceis?” a general me cortou. “Você queria ser um soldado pois não queria
carregar o fardo de tomar decisões.”
Minha boca se abriu, mas nenhum som saiu. Ela estava certa. Eu tinha
escolhido estar aqui, lutar sem pensar e não ter o peso da vida de outras
pessoas em meus ombros.
Meus pensamentos vagaram até que me vi de volta à área isolada onde havia
montado acampamento. Lá, vi Sylvie reabastecendo sua mana. Um olho se
abriu ligeiramente, sentindo que eu estava perto. “Como foi?”
“Por favor, Arthur”, disse ela, revirando os olhos. “Eu poderia ler seus
pensamentos mesmo sem nosso link. Sei que você já decidiu partir.”
Mais uma vez, encontrei minha boca aberta, mas nenhuma palavra saiu.
Balançando a cabeça, dei ao meu vínculo um sorriso caloroso e baguncei seu
cabelo louro-trigo. “Então não diga que eu não avisei. Estamos tecnicamente
cometendo traição ao desobedecer às ordens e sair durante uma batalha.”
“Eu criei você tão bem”, ri, pulando nas costas largas do meu vínculo e
agarrando uma ponta preta, meu ânimo melhorou. Apesar do que havia
perdido, eu ainda estava cercado por pessoas que estimava muito, e era meu
dever protegê-las.
Embora meu orgulho tenha sido ferido por Lady Vera não ter confiado em
minhas habilidades o suficiente para me deixar lutar de frente, aceitei as
vitórias vazias. Então, chegou o dia das rodadas finais. Eu, junto com todos os
outros competidores que venceram o torneio estadual, viajei até a capital,
Etharia, para ter a chance de me tornar o próximo rei.
O rei anterior a mim, o rei Ivan, havia perdido um braço em seu último duelo
de Paragon, que incitou a competição da Coroa do Rei em que participei. O
vencedor da Coroa do Rei ganhava a oportunidade de lutar contra o atual
monarca, e se o desafiante vencesse, ele ou ela se tornaria o próximo rei. Se o
governante ganhasse, no entanto, ele permaneceria em sua posição até que o
vencedor da próxima Coroa do Rei viesse para desafiá-lo. Depois que o
Conselho considerou o rei inapto, esse ciclo vicioso havia de continuar até que
um novo rei fosse escolhido.
Tentei me convencer de como Lady Vera era ótima, raciocinando que ela
propositalmente limpou o caminho de obstáculos para mim, não porque ela
não confiasse em minhas habilidades, mas porque ela queria que eu estivesse
no meu melhor nas rodadas finais.
‘Arthur!’ A voz de Sylvie perfurou meus sonhos, acordando-me assim que ela
desviou para evitar um arco gigante de relâmpago. Outro arco se seguiu,
perfurando as nuvens abaixo.
“Bairon!” rugi, amplificando minha voz com mana enquanto pulava de Sylvie.
“Qual o significado disso?”
Uma figura se ergueu das colinas de nuvens abaixo de nós, junto com vários
soldados montados em gigantes pássaros armados.
“Gentilmente?” Foi Sylvie quem respondeu, a voz rouca de sua forma dracônica
perigosa reprimindo a raiva. “Você nos atacou por trás, lançando feitiços que
poderiam destruir edifícios inteiros em uma Lança e em um Asura?”
Minha mandíbula cerrou-se com tanta força que se podia ouvir meus dentes
rangerem, mas eu estava mais frustrado comigo mesmo do que com Bairon. É
verdade que escolhi fugir. Mesmo agora, eu hesitaria em assumir uma posição
de liderança, mas não podia apenas ficar parado e assistir enquanto
dançávamos nas mãos de Agrona.
“Garanto-lhe que este não vai errar, General Arthur. Este é o seu último aviso
para voltar ao seu posto.”
Trazer Lucas pode ter sido um golpe baixo, mas era óbvio que essa
demonstração de poder tinha menos a ver comigo deixando meu posto e mais
a ver com Bairon provando que era superior a mim.
‘Sylvie. Vamos!’ Agarrei sua perna enquanto ela voava por mim, puxando-nos
para além de Bairon e seus soldados antes que eles pudessem reagir.
Enquanto nos afastávamos, correndo pelo céu, Bairon lançou sua capa contra
nós. Era um artefato mágico, sem dúvida, porque a capa logo se dispersou em
uma grande rede composta de fios de metal que ele foi capaz de controlar com
seu raio.
O corpo do meu vínculo encolheu para o de uma menina assim que a rede nos
cercou. Sylvie formou uma barreira de mana que pegou a rede, mas deu aos
outros soldados tempo suficiente para se reagruparem.
‘Podemos machucá-los?’ Sylvie perguntou impaciente, ainda evitando que a
rede elétrica se fechasse sobre nós.
Eu não fui o único que percebeu. Todos pararam o que estavam fazendo
enquanto olhávamos para a origem do fenômeno, ainda a quilômetros de
distância. Aprimorei meus olhos com mana e pude apenas distinguir fortes
ondas vermelhas e negras ao longe — até que uma guinada de choque e
realização bateu em mim, vinda do meu vínculo.
Eu me virei a Sylvie para ver seus olhos arregalados de horror. E, porco tempo
depois, ela falou em voz alta para que todos ouvissem: “Isso é… o castelo.”
Capítulo 233.5
Túneis Obscuros IV
Nota: esse capítulo extra faz parte de uma coletânea de POVs da MICA
EARTHBORN retirados do Livro 7 de TBATE.
MICA EARTHBORN
Meus sentidos voltaram para mim em etapas. Minha audição voltou primeiro
quando os sons de detritos caindo e água borbulhando encontraram meus
ouvidos. Então o cheiro pesado de poeira e pedra queimada encheu meu nariz
e meus pulmões, fazendo com que eu tivesse um acesso de tosse. Enquanto
eu tremia de tosse, senti os escombros me pressionando, me segurando tão
firme quanto o Black Diamond Vault.
Foi também quando senti a dor. A dor é boa, eu disse a mim mesma. Dor
significa que ainda não estou morta.
Minha boca estava cheia do gosto metálico do meu próprio sangue. Eu não
tinha certeza se meus olhos estavam abertos ou não, então eu os fechei.
Abrindo-os novamente, encontrei o mundo ao meu redor ainda inteiramente
negro. Reunindo minha mana, fiquei agradavelmente surpresa ao descobrir
que estava esgotada, mas não completamente.
Meu núcleo de mana doeu quando conjurei Null Gravity. Levou um momento
para que os efeitos fossem sentidos, mas pouco a pouco, o espaço se abriu ao
meu redor e eu pude me mover um pouco, enquanto as pedras flutuavam, não
mais presas pela força da gravidade.
À medida que o espaço foi criado dentro do monte de rocha demolida, senti a
sensação fresca de água escorrendo pelo meu braço. Uma luz verde fraca
iluminou um pequeno pedaço de detritos flutuantes, quando um cogumelo
brilhante se tornou visível.
Como não sabia qual direção seguir, segui o som da água. A cratera cheia de
rocha pulverizada era inacreditavelmente grande, mas eventualmente cheguei
à sua borda e encontrei uma pedra sólida. Deve ter sido perto de onde o riacho
corria originalmente, porque havia uma pequena cachoeira caindo pela
parede escarpada e entrando na cratera.
Que legal, Mica. Vamos apenas anunciar ao mundo que sobrevivemos, que tal?
Voando para uma saliência de pedra, que pensei que deveria ser o túnel pelo
qual havíamos chegado, pousei em pé e tentei suportar todo o meu peso. Eu
imediatamente tive que reforçar minhas pernas e costas com mana para não
desmoronar em uma pilha trêmula. Inclinando-me contra a parede fria do
túnel, deslizei para o meu traseiro e liberei a mana de reforço.
“Então,” eu disse em voz alta com uma voz tão grave quanto o poço ao meu
lado, “Mica deveria fazer um balanço, sim.” Eu levantei um dedo e olhei para
ele. Minha mão inteira estava preta de poeira e sangue. “Mica está viva.” Eu
levantei um segundo dedo. “Oberle certamente está morto, coitado. O grupo
de Mica também não pode ser contabilizado. Uma quantidade desconhecida
de tempo se passou, embora com base na sensação de desidratação já tenha
passado algum tempo. É improvável que o inimigo não tenha notado nossa
aproximação.” Eu tinha levantado um terceiro, quarto e quinto dedo enquanto
recitava cada item.
Esse era um tópico interessante para minha mente cansada, então fiquei
sentada por um longo tempo e considerei as últimas palavras de Oberle, a
explosão e o que a havia desencadeado. As Lanças foram todas informadas
sobre o interrogatório daquela mulher, Goodsky, e a maldição sob a qual ela
foi colocada, então eu sabia que os Alacryanos possuíam tais capacidades.
“Olha só quem fala”, respondeu Hornfels, sorrindo para mim. “Aquele barulho
que você fez ecoou por uma milha no túnel. Esperávamos encontrar todos os
Alacryanos restantes em Darv esperando por nós.
Skarn falou, sua voz mais profunda do que o habitual, quase como se estivesse
chorando. “Levamos um minuto para nos recompor, então corremos de volta
para ver se poderíamos encontrá-la. Nós nem tivemos tempo de começar a
remover os escombros, antes que os primeiros Alacryanos aparecessem. Devia
ter guardas no fundo da fissura. Caímos de volta nos túneis, lutando enquanto
avançávamos, nos movendo para não sermos mortos.”
“Um de seus feiticeiros estava lançando esses ciscos de energia elétrica azul
em nós”, disse Tetra, olhando para trás no túnel, “que voavam pelo ar como
beija-flores, evitando os obstáculos que estávamos conjurando para
desacelerar a perseguição. Jasper estava sendo atingido por eles — um deve
ter quebrado sua mana protetora — e ele caiu.
“Pelo menos doze”, respondeu Tetra. “Talvez quinze. Então eles pararam de
perseguir e recuaram.”
“Do ponto de vista de Mica, pode haver outros quinze ou mais magos
esperando por nós no fundo daquela fissura” — apontei para trás, através da
cratera para a fenda na parede, claramente delineada agora pelo brilho verde-
azulado lá dentro — “talvez apoiados por uma Foice. Supondo que o inimigo
não tenha recuado desta posição, eles certamente estarão esperando por nós.
Pessoalmente, Mica acabou de tirar uma soneca de dois dias e se sente
maravilhosamente preparada, mas vocês…
Ah, isso que é uma verdadeira coragem de anão, pensei com um sorriso.
Por que eles desistiram de sua busca? Por que eles não me tiraram dos
escombros e acabaram comigo? Senti que estava faltando algo importante.
Eu rastejei para frente o mais perto que pude, mantendo a cobertura, então
saí para o campo aberto. No momento em que fiz isso, os soldados entraram
em movimento. Um mago em cada grupo conjurou um grande escudo
retangular, separando-me da linha de soldados. Os outros prepararam seus
feitiços, mas os seguraram, sem atacar.
“Eu aplaudo sua contenção,” a voz de uma mulher soou de algum lugar nas
sombras à minha direita.
A pessoa que falava era uma garota com longos cabelos cor de ametista e dois
chifres negros em espiral saindo de seu crânio, afastou-se da parede da
caverna e caminhou calmamente para ficar diante da fileira de magos.
“Dada sua recente experiência de quase morte, não posso dizer que ficaria tão
calma se estivesse no seu lugar. Agora,” ela disse, seu rosto vazio tornando-se
sério, “você está interrompendo uma operação essencial. Como você ainda
não causou nenhum dano de consequência real, estou disposta a deixá-la
simplesmente sair. Vou realocar minhas forças e continuaremos nossos
trabalhos.”
A garota inclinou a cabeça ligeiramente para o lado, olhando para mim com
interesse. “A guerra está acontecendo longe daqui, general. Você não deveria
estar em Etistin, repelindo o ataque lá ao lado das outras Lanças?
“Ah, temo que isso não seja provável. Mas vejo que você está determinada a
lutar. Uma lâmina negra de mana pura cresceu de sua mão, irradiando uma luz
roxa escura. “Eu vou deixar você escolher as regras da batalha. Devemos pedir
às nossas tropas — do jeito que estão — que se retirem e nós prosseguiremos
com um duelo, ou você prefere uma batalha grupal? A vantagem dos números
está comigo, acredito.”
Minúsculo ao lado dos golens imponentes, Kobel seguiu o ataque. Ele havia se
envolto inteiramente em placas brilhantes de vidro vulcânico, e ao seu redor
havia uma nuvem rodopiante de lâminas finas e afiadas.
Vendo a Foice se virar para ele, conjurei duas mãos gigantes de pedra, uma do
chão sob seus pés, a outra do teto. Ela foi erguida no ar, mas antes que as
mãos pudessem esmagá-la entre elas, sua barreira esférica reapareceu e as
mãos se desintegraram onde as tocou, deixando-a flutuando no ar.
Diante de mim, a cobra de magma, agora com apenas metade de seu tamanho
original, perdeu sua forma, tornando-se nada mais do que uma poça de lava
esfriando. O Alacryano brilhante uivou em vitória.
Girando a gravidade em torno dele, virei a sala de lado. Seus pés escorregaram
e ele deslizou pelo chão áspero, procurando um apoio para as mãos, até
mergulhar no lago. A água assobiou e estalou quando sua carne superaquecida
foi submersa.
Embora eu não a tenha visto fazer isso, a Foice havia reformado sua espada de
mana. Ela apontou para cada golem e lançou dois raios de luz negra. Onde os
raios impactaram os golens, eles explodiram em esferas de um metro e meio
de energia roxa escura que desintegrou tudo o que eles tocaram, obliterando
ambas as construções.
Vendo seu terceiro alvo, gritei: “Kobel! Abaixa!” e voei em direção à Foice,
formando um enorme martelo de granito em uma das mãos. Kobel, que
acabara de despachar o mago da lança de gelo, pulou para o lado, mas era
tarde demais.
O raio negro o atingiu bem no peito, mas, ao contrário dos golens, o raio
resvalou, explodindo a três metros de distância e matando os dois últimos
soldados Alacryanos.
Kobel apareceu atrás dela, jogando suas lâminas de vidro vulcânico em suas
costas. Elas se desintegraram em contato com a barreira. Skarn e Hornfels
atacaram com construções de pedra semelhantes a javalis gigantes e entraram
na barreira com lanças de granito.
A foice nos deu tempo suficiente para deixar claro que nossos ataques eram
ineficazes, então acenou com a mão. Seu escudo se partiu em dezenas de
partículas de energia negra e roxa. Os ciscos caíram sobre Kobel, Hornfels e
Skarn como neve, depois flutuaram dentro de cada um deles. Todos os três
desmoronaram, sua magia se transformando em pó, deixando-os inteiramente
expostos.
O demônio com chifres sorriu para mim e sua arma desapareceu. Incerta, voei
vários metros para trás, pairando no ar. Ela acenou em direção ao chão e então
flutuou para baixo até que ela estava novamente no chão. Fiz o mesmo,
embora não tivesse abaixado minha arma.
“Basta”, disse a Foice com naturalidade. “Nós terminamos aqui por enquanto.
Você ficou sem tempo.”
“O que você fez com os outros?” Eu exigi, recusando-me a morder sua isca.
“A batalha em Etistin está indo mal. Mesmo agora pode ser tarde demais para
você intervir.” Ela me olhou com tristeza. “Essa luta acabou.”
“Mica pode fazer isso o dia todo, senhora. O que você fez com eles?”
A foice franziu a testa para mim, a maior emoção que eu vi em seu rosto desde
que a batalha começou. “Amaldiçoei eles, como eu amaldiçoei o garoto que
trouxe vocês aqui.”
Gritando como uma besta de mana, eu pulei para frente, mirando meu martelo
em seu crânio. Sua lâmina de mana brilhou, cortando o cabo do meu martelo.
Usando o Gravity Hammer, tentei esmagá-la no chão, mas ela conjurou uma
névoa de energia escura ao seu redor, anulando meu feitiço novamente.
Desesperada, eu segui com um soco direto em seu nariz. Talvez ela não
estivesse preparada para um ataque tão mundano, porque o soco acertou,
jogando sua cabeça para trás. Rosnando, ela empurrou e a névoa ferveu
através de mim, minando minhas forças.
Limpando um fio fino de sangue de seu nariz, a Foice me olhou, mais uma vez
calma. “Deixei mana suficiente para você e seus amigos voarem para fora
daqui. Se eles não estiverem a mais de trinta quilômetros de distância na
próxima hora, a maldição será ativada e eles explodirão. Se eles chegarem a
trinta quilômetros deste lugar na próxima semana, a maldição será ativada e
eles explodirão. Depois de uma semana, a maldição desaparecerá. Agora vá.
Seus amigos precisam de você.”
Sem outra escolha, arrastei as formas caídas de meus companheiros para uma
das paredes de pedra que conjurei antes, amarrei-os com cordas de uma das
tendas destruídas e levantei a maca improvisada usando uma pequena
quantidade de mana para aliviar o fardo.
A foice, que tinha visto isso acontecer com um ar de leve curiosidade, balançou
a cabeça, seu longo cabelo cor de ametista fluindo ao redor dela. “Cada um de
nós tem sua parte a desempenhar no conflito que está por vir, mesmo que
ainda não saibamos qual será.”
Franzindo a testa, virei-me e voei para a fissura, passando pela forma caída de
Tetra. Então usei uma parte da minha mana restante para criar um sarcófago
de pedra ao redor dela. Sinto muito, Tetra, Jasper, Oberle. Eu falhei com vocês.
Capítulo 234
Lembrança
‘Vai ficar tudo bem.’ Sylvie me assegurou, mas ela não conseguiu evitar que sua
preocupação vazasse para mim.
‘Por favor, todos fiquem bem.’ orei, e então o castelo estava sobre nós.
Sem correr riscos, acendi a vontade do dragão dentro de mim. Sob Realmheart,
minha visão se tornou monocromática, exceto pela mana ambiente ao meu
redor, que se destacava como milhares de vaga-lumes multicoloridos em meio
à fumaça cinza. Com minha visão aprimorada e acuidade de mana
incomparável, seria impossível para quaisquer inimigos se aproximarem
furtivamente de nós, mesmo em meio à fumaça pesada e aos ventos fortes
gritando pelas aberturas do castelo danificado.
Lá dentro, encontrei Sylvie no chão, curvada sobre o que parecia ser uma
pessoa parcialmente enterrada sob uma montanha de entulho. Meu peito
imediatamente apertou e o pânico agarrou meu estômago, mas Sylvie me
garantiu que não era ninguém que conhecíamos.
Depois de movermos alguns dos escombros, ficou claro que o infeliz elfo tinha
sido um dos poucos guardas restantes no castelo.
‘O que é isso?’
‘Eu não entendo. Talvez seja um fogo que queima por dentro?’ Sylvie sugeriu.
‘Não importa neste momento. Tudo o que precisamos saber é que nosso
oponente usa um fogo que na verdade não queima as vítimas
fisicamente.’ Enviei de volta, levantando uma parede caída que bloqueou
nosso caminho.
‘Isso… ‘
Por causa da mana aglutinada nas lanças de pedra e nos soldados conjurados,
demorou um pouco para que finalmente encontrássemos a fonte dos feitiços.
“Sim.” Ela se abaixou, colocando as mãos no peito do meu mentor. Uma luz
suave emitida de suas palmas, passando pelas roupas e pele do anão.
“Ancião Buhnd — ei, vamos lá, fique comigo” disse gentilmente, dando um
tapinha em sua bochecha enquanto o anão franzia as sobrancelhas.
“Ar… thur?” Seus olhos se abriram, mas fecharam novamente após alguns
segundos.
Ele soltou um gemido de dor. “Você tem que… sair daqui, garoto.”
“Não fale assim, Buhnd!” Eu rebati. “O que aconteceu aqui? Eu preciso saber o
que estamos lidando.”
Buhnd puxou minha túnica, puxando-me para perto. “Escute, seu tolo. O
castelo — o Conselho — está acabado. Se você quiser fazer algo por Dicathen,
você deve ficar vivo.”
“Está bem, está bem. Terei cuidado, mas para fazer isso, preciso saber o que
aconteceu. Foi um Retentor? Um Ceifador? Que tipo de magia poderia fazer
isso?”
Dei um passo para trás, inspecionando o anão ferido. Como todos os outros
cadáveres pelos quais passamos, seu corpo estava crivado de partículas de
mana vermelha. Os fios roxos que Sylvie emitiu em seu corpo estavam
atualmente combatendo qualquer feitiço de fogo que estava corroendo sua
vida, mas o éter não o estava curando. Não, estava mantendo o feitiço sob
controle, mas o feitiço de fogo parecia capaz de se multiplicar e estava se
espalhando rapidamente.
Assim que Sylvie parasse de emitir sua magia de cura, Buhnd começaria a
morrer novamente, e meu vínculo também sabia disso.
Buhnd colocou sua mão grande sobre a minha, apertando-a suavemente. “Est-
está tudo bem.”
Embora parecesse consumir cada grama de força que lhe restava, Buhnd
forçou a abrir os olhos mais uma vez e voltou o olhar para Sylvie. “Pequena
asura, você pode continuar assim por mais um minuto? Eu… eu acho que isso
será o suficiente para dizer o que você precisa saber. “
Ignorando as lágrimas rolando pelo meu rosto, pressionei minha testa contra
a do Ancião Buhnd. “Que você esteja em paz, onde quer que esteja.”
“Sinto muito, Arthur.” Meu vínculo sussurrou, colocando a mão nas minhas
costas.
Depois de passar alguns minutos evocando uma tumba de barro digna de uma
pessoa como o Ancião Buhndemog Lonuid, nós dois seguimos em frente.
Meu mentor anão me contou o pouco que sabia sobre nosso oponente, que
Buhnd confirmou ser um Ceifador. Aparentemente, ele empunhava um fogo
negro fumegante que corrompia tudo com o que entrava em contato. Parecia
outra forma desviante de magia, como as pontas de metal preto que Uto fora
capaz de conjurar ou o veneno preto que a bruxa fora capaz de usar.
O Ancião Hester e Kathyln haviam partido para a Muralha antes que a Foice se
infiltrasse no castelo, mas Alduin e Merial Eralith, junto com Tessia e minha
família, não estavam em lugar nenhum quando tudo isso aconteceu.
Foi um alívio que eles não estivessem aqui, mas outra parte de mim estava
ainda mais ansiosa. Perguntas encheram minha cabeça: ‘Se eles escaparam,
para onde foram? Como eles sabiam que seriam atacados? Ou seu
desaparecimento oportuno foi apenas uma coincidência?’
‘Eu sei que é difícil, mas você não deveria pensar sobre tudo isso agora.’ Meu
vínculo estava preocupado, e eu podia sentir que ela estava fazendo o seu
melhor para me manter no momento. ‘Dê um passo de cada vez. Vamos superar
isso juntos, Arthur.’
Eu dei a ela um aceno conciso. Fiquei grato por ela ter estado comigo durante
tudo o que passei. Eu não conseguia imaginar onde estaria se não a tivesse ao
meu lado, e ela sabia disso.
Retirei Dawn’s Ballad do meu anel dimensional e coalizei a mana através dos
meus membros. Eu podia sentir o calor enquanto as runas corriam por meus
braços, pernas e costas e brilhavam com uma luz dourada. A força endureceu
cada fibra do meu corpo enquanto eu enterrava meu calcanhar no chão.
Eu sabia que usar Burst Step iria sobrecarregar meu corpo, mas com minha
experiência em lutar contra os soldados pessoais de Agrona, eu sabia que
tinha que acabar com isso rápido se quisesse alguma chance de ganhar.
‘Okay. Vai!’ Sylvie sinalizou, espalhando mana em volta do meu corpo.
Ignorando a dor lancinante que corroeu a parte inferior do meu corpo, eu corri
para frente, indo em direção ao Ceifador.
Encarei a Ceifador, uma onda de emoções emergiu quando ele olhou para mim
com uma expressão divertida.
“Você cresceu.”
Eu ouvi a voz de Bairon gritar comigo por trás, mas não consegui entender o
que ele estava dizendo por causa do sangue latejando em meus ouvidos.
Capítulo 235
Pilar ondulante
Meu tempo com Sylvia passou pela minha mente, e revivi o tempo que passei
com ela em um instante. Os poucos meses que passamos juntos formaram
laços que geralmente não seriam construídos em tão pouco tempo.
Talvez seja porque havia pouco que eu tinha reencarnado nesse mundo, mas
para um homem adulto nascido no corpo de uma criança, Sylvia se tornou meu
consolo. Na frente dela, eu poderia realmente agir como eu mesmo, e para ela
— mesmo combinando minha idade das duas vidas — eu ainda era apenas uma
criança.
Até hoje, um dos meus maiores arrependimentos foi deixar Sylvia. Eu era
jovem e fraco na época, mas ainda pensava nisso — o que teria acontecido se
eu tivesse ficado. Ela estaria viva hoje? Ela ainda estaria comigo agora?
No começo, eu não queria nada mais do que vingança por ela. A mensagem
que ela transmitiu para mim sobre aproveitar esta vida fez pouco para
diminuir a raiva que eu sentia do ser demoníaco responsável por sua morte.
No entanto, com o passar do tempo, a sede de vingança foi se dissipando
lentamente.
Eu mentia para mim no começo, pensando que eu não poderia fazer nada
porque eu era muito fraco. Então, eu treinei e treinei. Fui à escola para treinar
e aprender e até mesmo fui a Epheotus para aprender com os Asuras. Contudo,
estando cara a cara com o responsável por tudo isso, eu senti muita culpa e
raiva.
Eu estava com mais raiva de mim mesmo, por pensar pouco em Sylvia
atualmente, do que com o Ceifador na minha frente — o responsável pela
morte de Sylvia.
“É você.” fervi, segurando o punho da minha espada para manter minhas mãos
firmes. “Aquela noite! Você foi aquele que…”
O corte que minha espada havia feito em seu pescoço ardeu em chamas antes
de fechar em ferida como se não existisse.
Por meio de Realmheart, pude dizer que ele estava manipulando suas chamas
negras em um grau tão alto que podia se tornar quase intangível, como
fumaça.
‘Sylv! Ajude Virion!’ Pedi, meu olhar mudando para frente e para trás entre o
avô de Tessia e o Ceifador parado a apenas alguns metros na minha frente.
Tudo que eu conseguia pensar era em ganhar tempo enquanto meu vínculo
curava os outros. Juntei tanto mana ambiente como minha mana em minha
mão para acender uma chama branca. Com o poder e controle que ganhei com
o núcleo branco, liberei o feitiço, congelando o Ceifador em uma tumba de
gelo.
Ele, com seus mais de dois metros de altura, vestido com uma armadura negra
reluzente, estava envolto em uma tumba de gelo. Sua expressão, mesmo
congelado, permaneceu arrogante e indiferente.
Se não fosse por Realmheart, eu não teria visto a Ceifador atacar diretamente
no meu rosto.
Mesmo contra uma Ceifador, seres divinos capazes de usar artes mana
conhecidas apenas pelos asuras dos clãs do basilisco, eu estava sendo capaz
de me virar.
Eu sabia que isso não era suficiente. Não importava se ele não pudesse se
esquivar do meu ataque — ele não precisava.
Lady Myre me disse que, embora eu pudesse sentir o éter devido à minha
afinidade com todos os quatro elementos, talvez eu nunca fosse capaz de
controlá-lo conscientemente sem o poder emprestado do Static Void.
Ficando sem tempo e sem ideias, tentei mesmo assim. Por mais louco que
pareça, chamei as partículas flutuantes de éter para me ajudar de alguma
forma. Gritei, implorei, rezei dentro do reino congelado e apenas quando
pensei que nada iria funcionar, algumas das partículas começaram a se reunir
em torno da Dawn’s Ballad, revestindo sua lâmina com uma fina aura roxa.
O que ele não esperava, no entanto, era que meu próximo ataque fosse
infundido com éter.
Seu olhar de indiferença azedou enquanto grunhia de dor. Ele apertou o peito
e o sangue jorrou entre seus dedos.
Só com aquele ataque, minha mente girou e meus braços ficaram pesados.
Uma dor arrepiante irradiou do meu núcleo de mana, mas fui capaz de levantar
minha espada a tempo de bloquear o golpe de uma mão envolta em chamas
negras.
Tentei puxar minha espada de seu alcance, mas não tive força. Eu só pude
assistir enquanto o mesmo fogo se espalhava da mão do Ceifador para a
Dawn’s Ballad, e sua brilhante lâmina verde-azulada se embotava e ficava
cinza.
A Ceifador não perseguiu. Em vez disso, virou-se para onde Sylvie, Bairon e
Virion estavam. “Suas artes do éter ainda não são fortes o suficiente para curar
suas feridas, Lady Sylvie.”
“Embora eu esteja confiante de que serei capaz de derrotá-lo, temo que este
castelo entre em colapso durante o processo.”, afirmou ele, olhando de soslaio
para mim. “Abandone esta fortaleza e eu recuperarei o fogo da alma que está
consumindo suas vidas.”
Meu corpo ficou tenso, sem vontade de acreditar nele. “Você só vai nos deixar
ir?”
Eu tinha certeza de que Sylvie e eu poderíamos nos defender contra ele, mas
uma batalha prolongada significaria a morte certa para Virion e Bairon.
“Já completei minha tarefa aqui, e já faz muito tempo que um ser inferior
conseguiu me ferir.”
‘Arthur. Ele tem razão. Eu não posso curá-los e usei muita força antes tentando
salvar o Ancião Buhnd.’
Apesar das palavras do meu vínculo, eu não baixei minha guarda. Com
Realmheart ainda aceso e minha espada de gelo conjurada pronta para atacar
o Ceifador, fiz a ele a única pergunta que realmente importava: “A Princesa
Tessia Eralith, Alice Leywin e Eleanor Leywin ainda estão vivas?”
O sorriso predatório dele enviou calafrios na minha espinha. “A princesa, junto
com sua mãe e irmã, estão seguras. Você descobrirá mais no momento
apropriado — se decidir aceitar minha oferta.”
Meu maior medo havia se concretizado. Meus entes queridos foram levados,
ferramentas para serem usadas contra mim nesta guerra, e foi inteiramente
minha culpa. “Onde eles estão? O que você fez com eles?” Eu queria que fosse
um comando, mas minha voz saiu como um gemido.
“Não é minha função dizer a você.” Disse ele, virando-se de mim e caminhando
em direção a Virion e Bairon.
******
‘Arthur, sua família vai ficar bem.’ Sylvie me assegurou, seus pensamentos
eram gentis e consoladores.
Eu cerrei meus punhos para evitar que tremessem. ‘Eu tenho que salvá-los,
Sylv. Não importa o que aconteça, não posso deixar o que aconteceu com meu
pai acontecer com minha mãe, com … com Ellie.’
Fiz uma fogueira e conjurei uma tenda de pedra para me proteger enquanto
Sylvie começava a curar Virion e Bairon novamente. Depois de cerca de uma
hora ou mais, a respiração dos dois foi ficando mais regular até que eles
simplesmente adormeceram. Sylvie e eu sentamos lado a lado em frente ao
fogo, perdidos na dança da chama.
Superficialmente, tudo parecia calmo, mas, por baixo, eu era uma confusão de
emoções agitadas, selvagens e raivosas. Sentar e fazer nada além de esperar
me consumia, mas nós dois estávamos perdidos.
Nenhum de nós disse nada por um longo tempo. O sol havia se posto; nosso
acampamento estava iluminado apenas pela luz laranja do fogo. Cutuquei com
um pedaço de pau, não porque precisava, mas porque ficaria louco se não
estivesse fazendo algo.
“O que faremos agora?” Sylvie perguntou baixinho, lendo meus pensamentos.
Meu vínculo se voltou para mim, seus olhos brilhantes de topázio refletindo a
luz do fogo. Eu podia sentir sua incerteza e, apesar de seus melhores esforços
para evitar que seus pensamentos vazassem, pude ouvir a pergunta que ela
queria fazer: ‘A guerra acabou?’
Um gemido de dor chamou nossa atenção nos fazendo virar nossas cabeças
para o rumo da tenda.
“Virion. Virion! Está tudo bem” eu disse, meus braços erguidos diante de mim.
Passei meus braços em torno de Virion, abraçando-o com força. Ele lutou,
tentando se livrar do meu aperto, freneticamente me dizendo que
precisávamos voltar.
Pensei na pergunta não feita de Sylvie quando abracei Virion, com lágrimas
escorrendo dos meus olhos também.
Capítulo 236
Corrompendo Gray
“Aqui.” Lady Vera se sentou ao meu lado, abrindo uma garrafa de água e
entregando-a para mim. “Beba isso e tente se acalmar.”
“N-não. Eu estava tão nervoso que desceu pelo lugar errado.” Eu disse,
tomando outro gole.
“Você está quase lá, Gray. Basta vencer mais um duelo e você será o herdeiro
aparente até a idade de assumir o título de rei.” Disse ela, inclinando-se para
perto. “Com sua habilidade e talento, este torneio é apenas um trampolim para
coisas maiores.”
Até hoje, fico furioso com a rapidez com que seu caso foi encerrado, apesar da
gravidade da situação. Isso me fez suspeitar que algo estava acontecendo, mas
para confirmar isso e chegar ao fundo de tudo, eu precisaria da autoridade de
um rei.
Como Lady Vera disse, este torneio seria apenas um trampolim para me tornar
rei e ganhar o apoio de Etharia para lançar uma investigação internacional
completa. Eu encontraria quem fez isso e usaria minha total autoridade como
rei para garantir que eles pagassem por sua morte.
“Você sabe que meu país natal, Trayden e Etharia, assinaram um acordo
recentemente, mas essa aliança tem sido um pouco tensa. Eu tenho fé que
você vai se tornar um grande rei que será a ponte entre nossos dois países,
Gray.”
Olhei para Lady Vera, esperançoso. “Você realmente acha isso? Mesmo com o
meu passado?”
“Seu passado? Você é membro da família Warbridge, assim como eu.” Apesar
de seu tom severo, sua expressão se suavizou em um sorriso caloroso. “Vou
garantir que ninguém duvide disso.”
Meu peito apertou e as lágrimas ameaçaram vir à tona. Engolindo e sentando
ereto, senti uma nova determinação. “Obrigado, Lady Vera. Eu não vou te
decepcionar.”
“Claro que você não vai.” Ela colocou a mão firme no meu ombro. “Você já
adivinhou quem será seu oponente final, certo?”
“Eu sei que ela é uma velha amiga e vocês dois cresceram juntos, mas não se
esqueça que ela deixou tudo de lado por isso. Esqueça os rumores; ninguém a
forçou a lutar — e com seus poderes, ninguém pode.”
“Olá? O que!” Ela olhou para mim. “Ok, estarei aí em breve.” Ela terminou, sua
voz severa.
Com um aceno de cabeça apertado, Lady Vera começou a falar novamente com
quem estava do outro lado do telefone. Quando ela alcançou a porta para sair
da minha sala de espera pessoal, a porta se abriu, surpreendendo a nós dois.
Estalando a língua, lady Vera se adiantou para dar uma olhada no zelador, mas
foi distraída por algo dito em seu telefone.
“Eu estarei lá! Quero filmagens de todos os ângulos!” ela retrucou enquanto
desaparecia pela porta.
“Você realmente deveria ter mais cuidado, senhor.” Eu avisei. “Há muitas
pessoas importantes nestes corredores, pessoas que você não quer irritar
acidentalmente.”
O zelador não falou. Em vez disso, ele olhou diretamente para mim e arrancou
sua barba grossa e grisalha. Em seguida, as feições do zelador começaram a
se distorcer ligeiramente, revelando um rosto que não poderia ser mais
familiar.
“N-Nic—”
Sua mão permaneceu até que eu confirmei a ele que havia me acalmado.
Limpando minha boca, falei com meu amigo que vinha me ignorando nos
últimos meses. “Onde você esteve? Você está com uma aparência horrível —
Aquela barba falsa… é um artefato de disfarce? Isso não é ilegal?”
Nico me ignorou enquanto seus olhos percorriam a sala. Era óbvio que os
últimos meses não foram fáceis para ele; seu rosto era magro, seus lábios
rachados e seu cabelo despenteado. Ele claramente não estava cuidando de
si mesmo.
“Não temos muito tempo antes de sua partida contra Cecilia.” Disse ele,
atrapalhado através do carrinho de desinfecção antes de retirar um
dispositivo do tamanho da palma da mão. “Eu preciso que você ouça isso
agora.”
Afastei o dispositivo. “O que está acontecendo, Nico? Eu sei que você está
preocupado com Cecilia, mas você tem me ignorado nos últimos quatro meses
e agora você entra aqui um pouco antes da minha partida e me distrai assim?
O que você está tentando fazer?”
“Por favor.” ele disse, desespero evidente em sua voz. “Apenas ouça.”
E foi o que fiz. Apesar de faltar menos de uma hora para a minha partida contra
a Cecília, coloquei os fones de ouvido junto com o Nico e comecei a ouvir.
“Esta é… Lady Vera?” Eu perguntei, ouvindo sua voz através do pequeno alto-
falante em meu ouvido.
“Não é uma piada — como eu poderia brincar sobre Cecilia?” ele perguntou, as
lágrimas brilhando em seus olhos cansados. “Eu sei que Lady Vera tem sido
boa para você, mas é por isso. Tudo era por este dia.”
Meus olhos se arregalaram e eu balancei minha cabeça. “Não. Não, você está
mentindo. Isso não faz sentido. Em primeiro lugar, por que Lady Vera precisaria
levar Cecilia? Trayden e Etharia são aliados!”
“É exatamente por isso que eles querem agora”, explicou ele, impaciente.
“Quem quer que tenha controle sobre Cecilia, ou o que os Traydens chamam
de O Legado, tem controle sobre os dois governos inteiros.”
Fiquei abalado com o termo familiar: O Legado. Aquele homem chamou Cecilia
de legado enquanto me torturava. Mas eu nunca disse isso a Nico.
“Ok, então como faço parte disso? Por que Lady Vera precisaria de mim
especificamente, em vez de qualquer outro candidato a rei?”
“O governo Ethariano tem confinado Cecilia para sua própria proteção. Ela só
aparece em público durante os torneios.”, ele respondeu imediatamente.
“Lady Vera precisava de você porque você é órfão. Existem regras rígidas sobre
quem tem permissão para participar dos torneios da Coroa do Rei,
especialmente nas rodadas finais. Lady Vera só foi permitida aqui porque ela
é sua tutora legal, algo que não pode acontecer com outro candidato de uma
família rica.”
Fitei Nico. Ele olhou para trás com os olhos arregalados, seu corpo inteiro
tremendo.
“Estou bem. Por favor, diga a ela que não quero ser incomodado até a hora do
duelo.” Respondi em voz alta.
“Você não sabe o que a família Warbridge vai fazer com Cecilia assim que
colocar as mãos nela!” Ele gritou desesperadamente, começando a remexer
nos bolsos. “Veja! Eu não queria te mostrar isso, mas isso tem que provar.”
Peguei a foto amassada de sua mão trêmula, ainda cético em relação a suas
palavras até que vi quem estava na foto. Embora embaçado e levado às
pressas, não havia dúvida de que era Lady Vera conversando com um homem,
o qual tinha, escorrendo pelo rosto, uma cicatriz.
“Não lembra dele? Foi ele quem tentou sequestrar Cecilia!” Nico disse,
apontando freneticamente para o homem borrado e cheio de cicatrizes.
“Isso não pode ser… não, não é. Ouça, Nico, isso está muito embaçado para
dizer. Eu não vou — eu não posso — descartar tudo que Lady Vera fez por mim
por causa de uma foto borrada.” respondi, devolvendo a foto para ele.
Minhas mãos tremiam e meu coração batia forte contra minha caixa torácica.
Eu precisava de água.
Lady Vera estava certa. Eu precisava cuidar do meu corpo, ficar hidratado.
Respirando fundo, virei para Nico. “Se algo do que você me disse hoje for
mentira, você pode ser condenado à prisão perpétua. Se for verdade, e alguém
descobrir, então você provavelmente será morto. Como amigo, vou fingir que
isso nunca aconteceu, mas você está louco se acha que vou participar.”
Nico caiu de joelhos, olhando para mim em desespero. “Gray! Por fav…”
“Vou ajudá-lo, Diretora Wilbeck e Cecilia fazendo o que venho fazendo todo
esse tempo — me tornando rei.” Eu me virei, caminhando em direção à porta.
“Agora, se me dá licença, minha partida está prestes a começar.”
Usando uma técnica de respiração que Lady Vera havia me ensinado, acalmei
meu ser enquanto subia na plataforma reforçada. No entanto, vendo meu
oponente e velha amiga pisar na plataforma à minha frente, não pude deixar
de estremecer.
Jogando de lado a hesitação que nublava minha mente, irrompi para frente,
brandindo minha espada revestida de ki. Anos de treinamento com Lady Vera
haviam fortalecido minha reserva de ki a um ponto que eu pensei não ser
poderoso o suficiente. Embora eu ainda cambaleasse um pouco abaixo da
média dos praticantes, com meus instintos poderosos e reflexos aguçados, fui
capaz de utilizar cada gota de ki que tinha em meu arsenal.
Esses mesmos reflexos me fizeram parar no meio da corrida. Cada fibra do meu
corpo gritava para que eu não me aproximasse mais de Cecilia enquanto ela
permanecia imóvel.
Senti uma gota de suor rolar pelo lado do meu rosto enquanto eu mudava de
tática, escolhendo ao invés disso circular cuidadosamente ao redor dela.
Fintei com um corte para baixo antes de girar e girar atrás dela, atingindo
Cecilia na parte de trás dos joelhos com um corte largo.
O ataque deveria ter feito suas pernas dobrarem, mas em vez disso uma forte
onda de dor correu pelo meu corpo.
O ataque foi fácil de evitar, mas o que se seguiu foi o terreno reforçado se
estilhaçando com o impacto do ataque dela.
“Isso é tudo o que você conseguiu, mesmo com todo o treinamento que
recebeu?” Cecilia zombou, praticamente suspirando de decepção.
“Cale a boca!” Cuspi, puxando minha mão livre de seu alcance. As declarações
de Nico sobre Cecilia sendo presa contra sua vontade e sendo forçada a
competir pareciam uma besteira total neste momento.
Momentos depois, Cecilia disparou para a frente, as duas mãos segurando sua
arma ki, pronta para atacar. Eu me esquivei do golpe, mas a aura em torno de
sua arma de ki foi afiada o suficiente para deixar um corte profundo na lateral
do meu pescoço, tirando sangue.
Cada vez que eu aparava sua arma de ki, fagulhas voavam e lascas apareciam
ao longo de minha lâmina, embora, com ki, eu a estivesse reforçando.
Eu sabia que não poderia manter isso para sempre, ou minha arma se
desintegraria em minha mão, então confiei em meu próprio corpo para evitar
seus golpes.
Abaixei, volvi, teci e girei em uma velocidade que só eu poderia executar com
tanta precisão e tempo. Seus ataques eram monstruosamente fortes e rápidos,
mas sua esgrima não estava no mesmo nível que a minha.
“Tudo o que você pode fazer é desviar e correr?” disse ela, seu tom casual,
como se isso fosse apenas um treino.
Não havia mais nada que eu pudesse fazer a não ser fechar os olhos e esperar
o golpe que encerraria a partida — talvez até mesmo encerraria minha vida.
Minha oponente sorriu com seu rosto perto do meu. “E com isso você teria
morrido.”
“Já chega!” gritei. Agarrando minha espada que havia caído ao meu alcance,
golpeei Cecilia em sua cintura usando cada grama de ki que consegui reunir
no momento. Minha lâmina não conseguiu cortar a aura protetora de ki
enrolada em seu corpo, mas a força conseguiu empurrá-la para longe de mim.
Segurei a espada com a mão direita, retirando o ki que protegia meu corpo. Se
eu quisesse derrotá-la, não seria capaz de fazer isso desperdiçando meu
precioso ki na defesa.
A mão dela, revestida com uma espessa camada de ki, conseguiu agarrar a
ponta afiada da minha lâmina reforçada.
Então puxou a espada, levando-me junto a ela, e me deu um tapa no rosto com
as costas da mão.
Consegui proteger meu rosto no último segundo, mas ainda assim fui jogado
no chão. Voltando a ficar de pé, fui imediatamente recebido por uma
enxurrada de ataques de Cecilia enquanto ela balançava minha própria
espada contra mim.
“Meu treinador estava certo. Vocês dois eram pesos mortos me segurando,
especialmente Nico.” Ela sussurrou. “Estou feliz por ter conseguido me livrar
de vocês dois.”
“Cale-se!” Rugi. Envolvendo minha mão em ki, evitei seu próximo golpe para
baixo — o fim de seu padrão de ataque — e desviei a lâmina para que ficasse
enterrada no chão.
Mesmo com minha espada lascada, o ki que ela imbuiu ao redor formou um
ataque forte o suficiente para dividir o piso reforçado e prender a espada.
Meus nós dos dedos pareciam ter atingido uma parede de concreto, mas o
golpe fez Cecilia cambalear por um instante, o que foi tempo suficiente para
eu arrancar minha espada do chão.
Ela lançou uma onda de golpes com sua arma ki recém-formada, liberando
crescentes agudos de energia. Os ataques bombardearam o terreno ao meu
redor, levantando ainda mais poeira e destroços na situação já caótica que se
desenrolava. No entanto, mantive o foco, querendo terminar este duelo tanto
quanto ela.
Agarrando minha espada com as duas mãos, infundi o ki restante que ainda
havia em sua lâmina e rezei para que suportasse mais um ataque. Dentro da
cortina de fumaça de poeira que obscurecia minha visão, consegui localizar a
sombra tênue de Cecilia no ar.
Seu plano de usar aqueles ataques chamativos para obstruir minha visão dela
pode ter funcionado na maioria das vezes, mas meus sentidos aguçados e
instintos me permitiram adivinhar seu próximo movimento.
No entanto, o recuo que eu esperava ao colidir com sua aura protetora nunca
veio.
Senti seu peso caindo em mim; o fluido quente e viscoso escorrendo pelas
minhas mãos e pelos meus braços.
“Eles… não me deixaram… me matar. Sinto muito… esta era… a única maneira.”
Cecilia murmurou com sua respiração irregular.
Eu soltei minha espada, minhas mãos tremendo ferozmente. “O que? por quê?
Como?”
Tropecei para trás e Cecilia caiu em cima de mim. Para meu horror, a lâmina
afundou mais fundo nela e ela soltou um suspiro de dor.
“N-N-Não… isso não pode ser…” gaguejei, incapaz até mesmo de formar o resto
da frase enquanto sufocava os soluços se formando em minha garganta.
“Não! Como? O que é que você fez!?” Lady Vera gritou do meu lado.
Virei minha cabeça em direção ao som da voz, mais por instinto do que como
uma resposta real. À minha esquerda estavam duas figuras, uma masculina e
uma feminina. Ambos usavam armaduras militares, os rostos cobertos por
máscaras de tecido. No entanto, o homem havia tirado os óculos que cobriam
os olhos, revelando dois olhos de cores diferentes.
Nico estava certo, mas isso não importava para mim agora. Eu tinha matado
uma amiga — não, eu havia matado a mulher que meu melhor amigo amava.
Capítulo 237
Acordo expirado
Muito depois do sol se pôr e a noite rastejar, trazendo um frio junto com ele,
sentei-me sem pensar, perto do fogo. Acima de mim, as estrelas, tão
semelhantes às do meu mundo anterior, brilhavam como pó de cristal no
horizonte.
Virion, como uma criança fraca, voltou a dormir depois de chorar. Seu corpo
estava em um estado gravemente enfraquecido e seu núcleo de mana estava
à beira de se despedaçar. Bairon ainda não tinha acordado, seus ferimentos
recebidos da Foice eram muito mais graves do que eu esperava inicialmente.
Horas devem ter se passado desde a última vez que me movi de meu assento.
Depois que a raiva se dissipou, os planos para salvar minha família e Tess – os
planos de vingança e justiça – desapareceram, arrastados para um vazio
impensado.
Folhas esmagadas atrás de mim. Sylvie tinha saído do abrigo de terra, mas
bastou um olhar para eu perceber que não era meu vínculo, apesar de sua
forma física.
“Vamos dar uma volta, vamos?” Ela disse, e sua voz era a mesma, mas a
cadência e o tom eram estranhos.
Minha mente disparou para pensar em algo para dizer, para pensar em algo
para fazer.
“Agrona,” eu disse com os dentes cerrados. “Você me mostrou o seu ponto. Por
favor, deixe Tessia e minha família irem.”
“Por quê?”
Eu cavei meus dedos na terra. “Porque… eu aceito seu acordo. Vou me retirar
desta guerra.”
Agrona gargalhou, levantando a mão delicada de Sylvie para cobrir sua boca.
Seus olhos de topázio brilharam de alegria. “Você acha que nosso acordo ainda
está de pé, Gray? Você era a única variável imprevisível, o único ser em
Dicathen que tinha a menor chance de me atrapalhar, mas como você mesmo
disse, eu fiz meu ponto. Mesmo você – com todos os seus dons e vantagens
inerentes – só alcançou isso.”
Os olhos de Sylvie, atados com desgosto, olharam para mim. “O próprio fato
de você nem mesmo ter dito ao seu vínculo de que sou capaz de possuir o
corpo dela, me diz que você sempre esperava perder, desde o início.”
“Então o que… o que você quer?” Eu exigi. “Por que você apareceu na minha
frente de novo?”
“Mais uma vez, fazendo perguntas que não tenho obrigação de responder.” As
expressões de Agrona no rosto de Sylvie eram tão estranhas que tive
problemas para lê-las. Isso foi um olhar de preocupação? Suas sobrancelhas
estavam franzidas de preocupação? Eu não sabia dizer. “Não espero ter o
prazer de me encontrar assim de novo, então… adeus.”
“Desde que você quebrou o selo que Sylvia colocou em você, Agrona tem sido
capaz de assumir o controle de sua consciência por curtos períodos de tempo.”
Eu agarrei meu vínculo de volta com força, com tanto medo de perdê-la
também. Fiquei grato quando ela me deixou entrar, me deixou sentir o que ela
sentia, para que eu pudesse saber que ela não me odiava pelo que eu fiz.
Eu não apenas perdi, mas também implorei ao meu inimigo de joelhos. Sylvie
sabia que a raiva, a culpa, a tristeza e a humilhação rasgavam minhas
entranhas e o próprio fato dela saber e aceitar isso, era o suficiente para eu
seguir em frente.
Mordendo meu lábio até sentir um gosto amargo metálico e quente, chorei
silenciosamente, a poeira de cristal acima de nós estava trêmula e turva.
Em algum momento, devo ter adormecido também, porque Sylvie teve que me
cutucar mentalmente, me dizendo para acordar. Meus olhos se abriram e eu
pulei, apenas para ver Virion e Bairon tendo uma acalorada discussão com o
pequeno corpo humano de Sylvie interposto entre eles.
“Nós temos que voltar! Nossas tropas precisam de nós, comandante!” Bairon
rosnou, cambaleando ligeiramente enquanto lutava para ficar de pé.
“Nosso comandante diz que a guerra está perdida.” Interrompeu Bairon, com
a voz cheia de condescendência. “Parece que seu ferimento por lutar contra a
Foice o tornou incapaz de liderar.”
Os joelhos de Virion se dobraram, caindo para frente até que Sylvie o segurou.
“Obrigado.” Ele disse ao meu vínculo antes de se virar para mim. “Camus,
Buhnd, Hester e eu, junto com alguns outros amigos de confiança, construímos
um abrigo para se refugiar, apenas no caso de um desastre, embora ninguém
esperasse um resultado como este.”
Pensar no ancião Buhnd enviou uma dor aguda em meu peito, mas eu engoli.
“Onde fica?”
“Você não pode estar falando sério.” Interrompeu Bairon. “Você é uma lança.
Temos o dever de zelar por nosso povo. Vamos abandoná-los e deixá-los todos
morrerem pelos alacryanos?”
Os ombros de Bairon caíram e, pela primeira vez, vi a Lança deixar seu manto
de autoridade e poder cair, e ele parecia muito frágil e vulnerável. “Então…
não há nada que possamos fazer agora para vencer esta guerra?”
‘O que você acha que devemos fazer?’ Sylvie perguntou, sabendo que meus
pensamentos ainda estavam cheios com a Tessia e minha família.
Soltei um suspiro antes de olhar para os dois com um olhar enrijecido. “Sylvie
e eu levaremos vocês dois para onde quer que esteja este abrigo secreto, mas
depois disso vamos procurar minha mãe, minha irmã e Tess.”
“Arthur…” Havia uma distância tangível na voz de Virion quando ele disse meu
nome, um som oco e quase dolorido.
Eu balancei minha cabeça, segurando minha mão. No meu dedo médio estava
um anel de prata simples que Vincent tinha dado a mim e minha mãe. “Este é
um artefato conectado a um anel que minha mãe tem. É minha única
esperança e não posso abandoná-la, sabendo que ainda há uma chance dela
estar viva.”
“A maior parte do que parecia ser uma caverna feita pelo homem. Nós apenas
construímos em cima dele e o escondemos mais.” Ele acrescentou.
“Bem, como vamos atravessar os quase mil quilômetros que serão necessários
para chegar a este abrigo? Não podemos voar; é muito perigoso.” Observou
Bairon.
“Que tal isso?” Sugeri, desenhando uma linha irregular que atravessava Sapin.
“Estamos a cerca de uma hora de caminhada do rio Sehz, que desce por Darv
e vai até o oceano. Vamos descer o rio até o anoitecer e viajar o resto pelo
céu.”
Tive de criar dois bolsões de ar, um nas costas de Sylvie para permitir que
Virion, Bairon e eu respirássemos e ficássemos secos, e outro em volta da
cabeça de Sylvie. Embora não estivéssemos submersos fundo o suficiente para
ter que nos preocupar com a pressão da água, isso significava que manter as
bolsas de ar estáveis era um pouco mais difícil.
Para acelerar nossa jornada, eu estava usando a magia da água para nos
empurrar mais rápido, e Sylvie havia formado uma barbatana feita de mana
que se conectava à ponta de sua cauda. Pode não ter sido tão rápido quanto
voar, mas estávamos percorrendo uma grande distância.
Ficamos bem fundo na água, exceto nas vezes em que tínhamos de reabastecer
nossas bolsas de ar. Depois que o espanto inicial passou, nós quatro viajamos
em silêncio, meditando em nossas próprias mentes, com pouco desejo de
conversar. Sylvie e eu ainda conversávamos telepaticamente, mas mesmo
essas conversas diminuíam, à medida que cada um de nós sucumbia aos
próprios pensamentos sobre o futuro sombrio.
Sem fazer uma pausa, nós quatro nos lançamos fora do rio e no céu roxo e azul
profundo.
Você ficará bem em voar com eles nas costas? Eu perguntei a Sylvie, pulando
de suas costas. Virion e Bairon ainda mal conseguiam usar mana depois da
luta contra a Foice.
‘Eu vou conseguir’ Respondeu ela, batendo suas asas poderosas para acelerar.
Eu segui ao lado deles, voando sozinho para diminuir seu fardo. Observei
quando a terra abaixo de nós começou a se transformar em deserto enquanto
cruzávamos a fronteira para Darv. Eu dei uma última olhada para trás,
tentando não pensar sobre as batalhas acontecendo e o caos se espalhando
por nossas tropas, enquanto elas eram deixadas sem seu comandante.
Capítulo 238
Escondido na areia
“Aqui! Temos que pousar aqui!” Virion gritou de repente, enquanto voávamos
sobre os vastos desertos de Darv.
“Mas não há nada aqui!” Bairon argumentou, virando a cabeça para a esquerda
e para a direita.
Olhei em volta, protegendo meus olhos das rajadas de vento afiadas, mas
abaixo de nós havia apenas algumas pedras estranhas e muita, muita areia.
Quando voávamos acima das nuvens, era fácil saber de nossa localização
relativa usando os vários picos das Grandes Montanhas como bússola, mas
agora era impossível ver a cadeia de montanhas por causa dos ventos
carregados de areia.
“Bem, eu não sou uma besta de mana.” Sylvie rebateu com uma sobrancelha
levantada.
“Vamos. Vamos encontrar esse seu refúgio.” Eu disse a ele, gesticulando para
que ele assumisse a liderança.
Virion apontou para uma pedra alta que parecia quase uma coluna antiga de
algum tipo. “Temos que ir até lá.”
“Aquilo não é o abrigo, é o ponto de referência que Buhnd teve que fazer para
manter o controle da localização do abrigo.” Corrigiu Virion, caminhando para
frente.
Uma vez perto o suficiente para ver o pilar corretamente, Virion apontou para
um corte profundo em seu centro e disse: “Começamos por aqui. Com o
calcanhar contra o pilar, damos 35.651 passos à frente.”
Bairon, Sylvie e eu trocamos olhares antes de olhar para Virion. “Sério? Esta é
a única maneira de encontrar o abrigo?”
Sylvie olhou do pilar para Virion. “Se esta é a única maneira de chegar ao
abrigo, será quase impossível trazer civis normais aqui discretamente.”
Virion soltou um suspiro com os olhos baixos. Para ele, este abrigo era
provavelmente sua última chance de ter alguma esperança de redenção contra
os alacryanos. Se esse plano significasse apenas para nós e alguns outros
conseguirem chegar ao abrigo, não havia sentido.
“Bem, nós viemos até aqui. Vamos para este abrigo primeiro, antes de
chegarmos a qualquer conclusão.” Interrompi, colocando a expressão mais
confiante que pude fazer.
Foi uma jornada difícil que normalmente levaria dias de preparação para
sequer tentar. No entanto, em um grupo com duas lanças, um mago de núcleo
de prata e um asura, fomos capazes de sobreviver.
Água doce, que seria impossível de encontrar, era extraída das nuvens de vez
em quando para nos reabastecer, e nosso poço quase sem fundo de mana foi
capaz de nos manter protegidos do ar frio do deserto e ventos fortes.
“Não. Os tamanhos dos seus pés são diferentes.” Eu interrompi. “Isso vai nos
confundir.”
Nossa jornada foi longa e tediosa, mas a contagem ajudou minha mente a não
divagar e pensar demais. Concentrei-me em acompanhar nossos passos,
diminuindo meu ritmo para ficar logo atrás de Virion.
Depois que outros dez mil passos se passaram, percebi que Virion tinha ficado
mais lento. Olhando para cima, percebi que seu corpo estava tremendo.
Eu observei enquanto ele caminhava. Seus ombros antes largos pareciam tão
estreitos e fracos enquanto ele se curvava para frente. Pela primeira vez, Virion
realmente parecia… velho.
“Não sei exatamente o que é, mas encontramos vários deles dentro do castelo
quando o descobrimos. Parece ser uma relíquia dos sábios magos do
passado.” Virion respondeu, sem tirar os olhos do chão arenoso.
Bairon deixou escapar um suspiro. “Você quer dizer os mesmos magos antigos
que construíram tanto a cidade flutuante de Xyrus, quanto o castelo?”
Com base na falta de evidências que surgiam com qualquer uma dessas duas
coisas, parecia que os pesquisadores de Dicathen tinham mais ou menos
desistido de descobrir o que havia acontecido com nossos ancestrais e
chegaram a uma conclusão razoavelmente lógica.
“O que você quer dizer com não está aqui?” Eu perguntei. “Você disse que dar
35.651 passos em linha reta enquanto olhava para aquele corte na pedra nos
levaria ao abrigo.”
“Bem, talvez o vento tenha soprado a rocha de sua posição original.” Sugeriu
Bairon, com impaciência na voz.
“Não é provável.” Virion balançou a cabeça. “Buhnd exauriu quase todo o seu
monstruoso núcleo de mana para ter certeza de que a rocha era grande o
suficiente e estava enterrada fundo o suficiente para que a areia e o vento não
mudassem sua posição.”
“Acho que não temos escolha… a não ser começar de novo”, murmurou Virion.
“Bem, não há!” Ele disse de volta, caminhando em minha direção com um olhar
penetrante e quente. “Você acha que eu quero estar aqui depois que minha
família inteira foi tirada de mim? Hã? Se dependesse apenas dos meus desejos,
preferiria marchar com meus homens, enfrentar uma Foice e morrer em
batalha – então, pelo menos eu sentiria que fiz o que podia para vingá-los. Mas
não é isso que um líder faz, Arthur. Quando todo mundo desistir, sou eu que
tenho que manter qualquer aparência de esperança e lutar pelo futuro!”
Ele enfiou um dedo longo e frágil em meu peito enquanto rosnava suas últimas
palavras. “Então, não ouse dizer que é isso que eu ‘quero’.”
Fiz o que ela pediu, emocionado com a perspectiva de não ter que fazer aquela
caminhada árdua novamente. Acendendo a vontade do dragão de Sylvia, senti
uma dor aguda espalhar-se pelo meu núcleo, corpo e membros devido ao uso
excessivo de mana e até mesmo ao uso de artes de Aether durante minha
batalha contra a Foice.
Devemos ter mudado o curso durante nossa caminhada aqui, porque a pouco
menos de um quilômetro à minha esquerda havia um aglomerado roxo que
brilhava como um farol.
Com nosso destino à vista, levou apenas alguns minutos para alcançar a matriz
circular de partículas roxas que representavam o Aether.
Virion correu para mim, segurando o artefato com força em suas mãos. Ele
chegou e imediatamente se ajoelhou, colocando o artefato branco sobre a
areia com uma expressão de alívio.
“Você está certo. Este é o lugar.” Disse ele, olhando para o medalhão branco
no topo da areia.
Capítulo 239
Passagem do tempo
“O único que pensou que estávamos em perigo era você,” Virion rebateu,
espanando a areia de seu manto.
“Esses símbolos brilhantes são runas? Nunca vi nada como eles.” Murmurou
Bairon maravilhado enquanto passava a mão sobre uma runa que pulsava com
uma luz fraca na parede. “Devem ser runas, mas não sinto nenhuma mana de
afinidade de fogo ou relâmpago ao redor delas.”
Sylvie passou a mão pelas runas que pareciam perfeitas demais para serem
gravadas à mão. “Isso é porque não é movido por mana.”
“Não, ela está certa.” Eu disse, circulando Realmheart Physique pelo meu
corpo mais uma vez. Os pensamentos de Sylvie vazaram para mim e eu só tive
que verificar por mim mesmo. E para meu espanto absoluto, a caverna inteira
se iluminou como uma noite estrelada, aquecendo a área em roxo. “É
alimentado por Aether.”
Tirando meus olhos das runas que enchiam essas paredes, continuamos a
andar. Bem como no deserto acima de nós, o ar aqui era seco. Os únicos sons
vinham de nossos passos ecoando pelo túnel que conduzia para fora da
caverna por onde havíamos chegado.
Não poderia ser chamado de túnel, pois os pisos lisos e polidos e a luz
proveniente das runas faziam com que parecesse mais um corredor estreito.
O teto acima de nós continuou a subir enquanto caminhávamos pelo corredor,
logo chegando tão alto que se perdeu na escuridão.
Apesar da familiaridade de Virion com este lugar, não pude deixar de ser
cauteloso. Meus olhos dispararam para a esquerda e para a direita,
procurando por algo estranho, mas exceto pela concentração incomumente
alta de Aether reunida aqui, não havia nada de estranho neste lugar.
Acho que é apenas por causa de todo o Aether aqui e das runas que estão
praticamente prendendo-os para usar como luz. Achei que o Aether
influenciava apenas o tempo, o espaço e a vida.
‘Suspeito que as paredes não são apenas feitas de pedra, mas algum tipo de
coisa viva.’ Ela respondeu.
Toquei cuidadosamente as paredes pela primeira vez e percebi que Sylvie
estava certa. Não era pedra, como eu havia assumido – parecia mais um tronco
liso de árvore.
‘Seu palpite é tão bom quanto o meu neste momento. Posso usar o Aether, mas
você pode pelo menos ver a mana ambiente; eu tenho que ir pelo meu
pressentimento.’
“Não tenho certeza. Não faz muito tempo que chegamos, então seja paciente.”
Respondeu Virion.
“Bairon, você não está exagerando muito? Eu dificilmente estaria tão bem se
tivéssemos que andar tanto tempo sem usar mana.” Argumentou Virion.
Eu inclinei minha cabeça em confusão. Ele estava certo; Bairon pode ter
exagerado, mas parecia que eu já estava caminhando há algum tempo. Ainda
assim, Virion, que era o mais fraco entre nós, estava indo muito bem.
‘Não mais de uma hora… espere, algumas horas se passaram para você?’ Ela
perguntou surpresa.
Lendo meus pensamentos, ela respondeu: “Mas eu não posso usar isso para
controlar o tempo.”
Olhei para trás para ver que nossa caminhada por este corredor havia nos
levado apenas trinta passos à frente da caverna em que havíamos chegado.
“Meu melhor palpite é que essas runas carregam nelas o poder de aevum e
spatium.” Expliquei, meus olhos voltando-se para as runas misteriosas e
intrincadas esculpidas nas paredes.
Bairon balançou a cabeça. “Não, isso não faz sentido! Essas “artes do Aether”
no tempo e no espaço não deveriam nos afetar da mesma maneira? Como é
que o Comandante Virion só se sentiu como se tivesse caminhado por uma
hora enquanto parece que estou viajando há mais de um dia!”
Eu pensei por um momento, olhando ao redor até que meus olhos pousaram
no medalhão branco.
“Por causa disso.” Apontei para o antigo artefato na mão de Virion. “Esta
‘armadilha’ parece mais uma precaução usada para dar a quem construiu este
lugar tempo suficiente para reagir aos intrusos, ao invés de uma medida
completa para detê-los. E acho que ter o artefato é o suficiente para tornar a
passagem um pouco mais fácil.”
“Isso não explica por que vocês dois não foram afetados.” Retrucou Bairon,
obviamente chateado.
“Vamos. Vamos continuar.” Insistiu Virion. “Com Lady Sylvie usando Aether, os
efeitos do Aether de tempo e de espaço não parecem nos afetar.”
Meu cérebro bateu contra o meu crânio enquanto eu tentava entender o que
exatamente tinha acontecido. Foi fácil deduzir todas as coisas que eu disse,
mas muitas outras perguntas surgiram na minha cabeça.
Enquanto minha mente vagava nessas perguntas, continuei olhando para trás
para ter certeza de que estávamos realmente fazendo progresso. Bairon
também o fez, ainda mais nervoso do que todo mundo. Depois de um tempo,
algo luminescente apareceu à distância. Um brilho que não pulsava como as
runas brilhantes ao nosso redor cresceu à medida que nos aproximávamos.
Ele não foi o único aliviado. Com a esperança de um fim finalmente à vista,
nossos passos tornaram-se mais longos e mais confiantes até que finalmente
chegamos ao fim do corredor.
Por um lado, me lembrou dos sistemas de cavernas que os anões criaram para
suas cidades subterrâneas, mas, ao mesmo tempo, essas estruturas
rudimentares não podiam nem começar a descrever o esplendor e a
meticulosidade arquitetônica deste lugar.
Sem dizer uma palavra, chamei a atenção deles e apontei para o único prédio
com luz. As expressões de Virion e Bairon ficaram ferozes, todos os sinais de
fadiga substituídos por uma careta cautelosa.
Eu fiz uma anotação mental para explorar esses edifícios mais tarde, se tivesse
a chance de ver se conseguia encontrar algum tipo de pista sobre esses magos
antigos. No entanto, nosso objetivo era descobrir quem acendeu um fogo tão
abaixo do solo em um local secreto.
Gesticulando para que todos se aproximassem, sussurrei para eles. “Eu ouço
pelo menos três vozes diferentes, mas suponho que sejam mais do que isso.”
Eu levantei cinco dedos e contei lentamente. Assim que meu último dedo caiu,
girei para encarar a entrada com mana cobrindo meu corpo.
Capítulo 240
Reconciliação
A imponente pele de urso marrom-escura, o tufo de cor branca no peito, junto
com duas manchas brancas logo acima de dois olhos inteligentes – era
inconfundível. Era o Boo.
Boo deve ter pensado a mesma coisa que eu, porque o urso de mil libras
avançou contra mim de quatro, soltando um grunhido feliz.
“Eu acho que ele teve o suficiente, Boo.” Meu vínculo disse, sua voz acalmando
a besta animada o suficiente para eu escapar.
“Boo! Ellie está aqui? E minha mãe?! Como você chegou aqui?” Eu perguntei,
como se ele pudesse falar comigo.
“Tessia!” Ele gritou, sua voz cheia de emoção. Meu aperto em torno de Boo
afrouxou com a menção desse nome, e eu imediatamente segui atrás de Virion.
Não precisei ir muito longe para ver quatro figuras na base da escada, perto
da parede oposta do edifício. Era minha mãe, minha irmã, Tessia e… Anciã
Rinia.
O corpo inteiro da minha irmã tremia enquanto ela gritava em meu peito.
Batendo-me fracamente com seus punhos minúsculos e trêmulos, ela
balbuciou entre os soluços sobre como estava com medo e como eu não estava
lá.
Parecia que uma mão fria estava apertando meu peito enquanto eu observava
minha irmã neste estado. Eu me senti culpado por fazer minha irmã, que tinha
crescido tão brilhante e forte, chorar tanto.
“Eu sinto muito, Ellie. Eu sinto muito. Estou aqui agora, tudo vai ficar bem.” Eu
disse, aumentando meu aperto em torno de seu corpo frágil e beijando-a no
topo de sua cabeça trêmula.
“Q-quase morremos e você não estava lá. V-Vo-você… nunca está lá! Nem no
Castelo, nem na Muralha, nem mesmo quando papai morreu!” Ela lamentou,
seus punhos ainda batendo em meu corpo. “Você é meu irmão, você deveria
estar lá! Você deveria me confortar quando papai morreu! E-eu precisava de
você… mamãe precisava de você!”
“Eu sinto muito. Eu sinto muito, Ellie.” Eu repeti, fazendo tudo o que podia para
permanecer forte. “Eu sinto muito…”
Eu olhei para cima para encontrar nossa mãe a apenas alguns passos de nós,
sua expressão vazia de qualquer emoção. Seu sorriso caloroso e terno que
encontrei mesmo nos momentos mais difíceis estava longe de ser encontrado.
Fui até ela, sem saber o que fazer ou por onde começar.
“M-mãe…”
Os olhos frios da minha mãe me cortaram quando ela deu um passo à frente.
“Arthur, sua irmã e eu quase morremos. Se não fosse pela Anciã Rinia, não
estaríamos aqui agora.”
Meu olhar se voltou para a Anciã Rinia, que estava conversando com Tessia e
Virion, antes de pousar de volta em minha mãe. “E-eu…”
“Eu estava pensando…” Minha mãe parou por um momento, sua máscara de
pedra oscilando. As lágrimas brotaram de seus olhos enquanto ela mordeu o
lábio inferior em um esforço para evitar que tremesse. Ela se afastou de mim,
rapidamente enxugando as lágrimas, tentando se recompor antes de voltar.
“Fiquei pensando o tempo todo em como seu pai deve ter ficado triste e cheio
de culpa por deixar este mundo sem nem mesmo ter a chance de fazer as pazes
com seu único filho.”
Suas palavras pesaram sobre mim como mil toneladas, fazendo meus joelhos
dobrarem e todo o meu corpo vacilar. Assim que perdi a força nas pernas,
minha mãe me envolveu com os braços e me apoiou contra o peito.
A força deixou meus pés, me fazendo cair de joelhos. Segurei meu peito
enquanto minha respiração saía em suspiros tensos. Eu não conseguia
respirar, só conseguia engasgar com os soluços sem fim, enquanto minha mãe
mantinha os braços em volta de mim.
“Lamento muito que tenhamos demorado tanto para perceber isso. Lamento
que você não tenha vindo ao funeral do seu pai por minha causa. Eu sinto
muito, Arthur.”
Assim que subimos, o Anciã Rinia puxou Virion para o lado com uma expressão
séria e desapareceu em outra sala. Depois de algum tempo conversando com
minha mãe e minha irmã, cumprimentei Tess apropriadamente e nós dois nos
abraçamos em silêncio por um breve momento.
Tess, no entanto, parecia ter outra coisa em mente e eu não a culpava. Embora
eu não tivesse coragem de perguntar diretamente, apenas com base na
expressão vazia de Tess, suspeitei que algo havia acontecido com seus pais.
Quanto ao motivo dela estar tão zangada com o Anciã Rinia, eu só poderia
especular.
Tess, não muito depois de nos sentarmos, pediu licença, dizendo que estava
um pouco cansada. Bairon foi o próximo, dizendo que queria passar algum
tempo meditando para se recuperar.
Eu disse a ele que por causa da falta de mana ambiente aqui, seria quase
impossível ir além de tentar recuperar a mana que ele ganharia naturalmente
de seu núcleo de mana, mas eu suspeitei que ele saiu para dar a mim e minha
família algum espaço. Embora minha impressão de Bairon nunca tenha sido
boa – e acho que ele poderia dizer o mesmo a meu respeito -, a lança percorreu
um longo caminho desde o nobre orgulhoso e cabeça-quente que ele era antes
da guerra.
“Você está tão bonita, Sylvie.” Comentou Ellie, penteando o longo cabelo de
trigo do meu vínculo com os dedos.
“Eu também acho que você está muito atraente, Eleanor.” Sylvie respondeu na
mesma moeda, seus olhos fechando suavemente ao toque suave de minha
irmã.
“Outra coisa de que me arrependo foi não ter gastado muito tempo
conhecendo seu vínculo.” Disse minha mãe para mim, observando Ellie e meu
vínculo perto do fogo. “Mas sempre fiquei feliz vendo Sylvie ao seu lado.”
“Eu também estou feliz. Não tenho certeza de onde estaria se não fosse por
ela.” Respondi.
A expressão de minha mãe era uma mistura de emoções quando ela olhou
para mim e acenou com a cabeça.
Ela olhou para mim e depois para a saída pela qual Tessia e Bairon haviam
passado, e balançou a cabeça. “Vou deixar a Anciã Rinia lhe contar. É melhor
assim.”
“Desculpe, não conseguimos dormir bem nos últimos dias.” Disse minha mãe,
esfregando os olhos.
As duas se retiraram para uma cama de cobertores que havia sido colocada
em um canto do quarto.
Quanto mais eu pensava nisso, mais percebia o quão… maduro isso era.
Certamente eu também estava errado. Fui eu que evitei o confronto e fui eu
que mantive isso em segredo deles por tanto tempo, mas ela ignorou meus
erros e apontou suas próprias deficiências e me pediu perdão, o que era algo
que eu não tinha muita certeza se merecia.
Mesmo com a experiência de duas vidas separadas, aprendi algo hoje. Fiquei
mais uma vez humilhado pelo fato de que, embora minha vida passada tivesse
me dado muitas vantagens, era uma tolice minha equiparar os anos vividos à
maturidade.
‘Não é como se eu já não tivesse dito isso algumas vezes. Acho que você
precisava chegar a essa conclusão por conta própria.’ Sylvie enviou para mim,
também revirando os olhos mentalmente junto com isso. ‘Marque hoje no
calendário como o dia em que Arthur Leywin percebeu que não era o homem
maduro que pensava que era.’
Cale a boca, eu mandei de volta, sorrindo para o meu vínculo sentado ao meu
lado. Você só está tentando usar esse fato para dizer que é mais madura do que
eu.
‘Eu sou mais madura do que você, mas uma verdadeira pessoa madura não
diria isso em voz alta.’ Ela respondeu, seus lábios se curvando em um sorriso
também.
Sylvie olhou para mim com uma sobrancelha levantada. ‘Bem, tecnicamente…’
Sylvie foi a próxima a adormecer, com a cabeça apoiada no meu colo. Os dois
chifres projetando-se para frente de sua cabeça cravaram em minhas pernas,
mas eu aguentei e deixei meu vínculo dormir o sono que ela merecia.
A velha adivinha sorriu de volta, as rugas aparecendo nos cantos dos olhos.
Sentando-se ao meu lado com um gemido cansado, ela ergueu as mãos para
aquecê-las na frente do fogo.
“Você envelheceu desde a última vez que te vi.” Ela mencionou, seus olhos
olhando fixamente para as brasas dançantes.
“Nenhum adolescente teria a expressão que você tem.” Zombou a Anciã Rinia.
“Mas acho que é isso que vem com a guerra e com tantas responsabilidades.”
“Ele disse que vai checar Tessia, para ver como ela está.”
Capítulo 241
Esperança e confiança
Houve um longo silêncio que se seguiu depois que fiz minha pergunta e,
quando ela falou, esperei uma longa e complicada história de como ela
conseguiu entrar no castelo e salvar Tessia e minha família.
Em vez disso, ela começou dizendo algo que eu não esperava. “Arthur, eu sabia
da sua identidade na primeira vez que nos conhecemos, quando você veio até
mim para entrar em contato com seus pais.”
Rinia ergueu um dedo. “Esses velhos olhos veem muito mais do que você pode
imaginar. No entanto, assim como fingi ignorar sua vida passada e mantive
isso em segredo, também existem partes dessa história que ainda não posso
revelar.”
“Virion… Você está me dizendo agora que foi Alduin o responsável por deixar
a Foice entrar? Isso não é possível, você não pode estar falando sério que ele
estava tentando fazer com que seu próprio pai fosse morto, certo?”
“Meu conhecimento não se estende às intenções dele, mas sim, foi ele quem
conectou a Foice, assim como o resto de suas forças, diretamente ao portão
de teletransporte do castelo.” Ela respondeu.
Minha mão subiu para minha boca aberta. Eu não pude acreditar. Apesar de
quaisquer divergências que os dois tivessem, Alduin sempre admirou Virion.
Depois de um momento, falei novamente.
“Foi garantido para Alduin a segurança de Merial e Tessia? Foi por isso que ele
traiu a todos? Mas então…” abaixei minha voz para um sussurro para que
minha família adormecida não ouvisse. “Por que eles levaram minha mãe e
minha irmã?”
“Isso era o que Alduin acreditava, sim.” Disse ela. “Quanto à sua família, é fácil
presumir que eles queriam sua mãe e irmã como reféns.”
Esfregando minhas têmporas, pensei sobre o que ela disse, até que tive um
insight. “Espere, você disse ‘isso era o que Alduin acreditava’. O que você quis
dizer com isso?”
Rinia sorriu cansada para mim. “Estamos nos aventurando em uma área onde
não posso dar uma resposta. Tudo o que posso dizer é que se quisermos
manter qualquer chance de retomar nosso país, temos que manter Tessia
segura e longe de Agrona e dos Alacryanos.”
Minha cabeça girou em direção a adivinha élfica. “Espere, então temos uma
chance de retomar Dicathen?”
Nós dois ficamos em silêncio até eu falar novamente. “Se você sabia sobre o
ataque ao castelo, também sabia que Buhnd iria morrer?”
“Sim,” ela finalmente disse. “Mas se eu tivesse tentado desviar todo o ataque,
havia uma chance muito maior de que Tessia tivesse sido capturada.”
Abri a boca para dizer algo, mas não consegui encontrar as palavras certas.
“Eu sei o que você está pensando, mas eu não poderia arriscar a chance de
Dicathen perder tudo na pequena chance de que eu pudesse salvar a todos.”
“Mas, se você soubesse de tudo de antemão, poderia ter feito contramedidas.
Você poderia ter contado a Virion ou me contado!” Eu argumentei.
“O tempo não funciona assim. Mudar coisas assim altera o curso do futuro…
um futuro que eu não seria capaz de ver” disse ela, sua voz era quase um
sussurro.
“Consegui interceptá-los enquanto eles voltavam para Elenoir”, disse ela com
indiferença.
Eu balancei a cabeça para sua resposta, mas minha mente girou tentando
imaginar um cenário onde Rinia tivesse sucesso em fazer isso. Como ela
conseguiu tirar Tessia e minha família de Alduin e Merial? Eram apenas Alduin
e Merial lá? Rinia disse especificamente que embora Alduin acreditasse que
eles estavam seguros, eles realmente não estavam. Muito provavelmente,
depois que Alduin, Merial, Tessia e minha família atravessaram o portal, eles
teriam encontrado uma armadilha.
A Anciã Rinia sabia de tudo o que iria acontecer? Suas habilidades divinas
eram capazes de influenciar o tempo tão bem?
Tempo!
Sem qualquer aviso, dirigi uma onda de intenção de matar sobre a Anciã Rinia,
e assim que a vi reagir com uma expressão de surpresa, acendi Realmheart e
imediatamente usei o Static Void.
“Você não é um asura, tenho certeza disso.” Comecei. “Você é… um dos antigos
magos?”
Apesar da aparente tensão que a Anciã Rinia suportou, tentando manter suas
artes de Aether ativas, ela soltou uma risada antes de responder. “Não, posso
dizer com absoluta confiança que não sou um dos antigos magos.”
“Então quem… o que é você? Mesmo eu não posso controlar o Aether sem
confiar na vontade do dragão que um asura me deu.”
“Não acho mais que seja uma resposta boa o suficiente.” Desafiei, olhando
fixamente para a elfa envolta em tanto mistério.
“Eu posso te contar – eu posso te contar tudo. Mas Tessia e sua família podem
morrer por causa disso.” Ela respondeu, seu rosto ficando mais medonho.
“Por favor, tenha um pouco de paciência e posso garantir que você vai
descobrir por si mesmo.”
Ela não estava me ameaçando com meus entes queridos – não, ela realmente
acreditava que me contando tudo isso poderia levar à morte delas. Rangendo
os dentes de frustração, liberei o Static Void, permitindo que a Anciã Rinia
liberasse as artes de Aether que ela havia usado para evitar que fosse
congelada no tempo.
“Sim e não. Sua capacidade de experimentar o gosto das artes de Aether por
meio da vontade do dragão, bem como o fato de poder ver o Aether, são uma
grande vantagem. Porém, minha vantagem, em relação à sua, é muito maior.
Eu tinha até descoberto um local para treinar artes de Aether com muito mais
Aether do que tem aqui. Mas mesmo assim… levei oitenta anos para aprender
algo que você pode fazer com um pensamento simples.” Explicou ela.
Meu olhar caiu quando pensei em passar oitenta anos, talvez mais, tentando
entender as artes de Aether. Oitenta anos era muito tempo e, embora meu
núcleo branco estendesse minha vida, não podia esperar o mesmo para minha
mãe ou minha irmã. “Entendo.”
Minha mudança repentina de emoções fez com que Sylvie acordasse também.
‘O que está acontecendo?’ Ela enviou, levantando a cabeça do meu colo.
A Anciã Rinia praguejou baixinho e agarrou meu braço. “Tessia não pode deixar
este lugar, Arthur. Há algo errado com seu núcleo, e se ela deixar a proteção
que este lugar fornece, os alacryanos podem rastreá-la.”
Meus olhos se arregalaram de horror. Eu me virei para Virion. “Em que direção
ela foi?”
Assim que Virion levantou seu dedo, eu disparei naquela direção enquanto
ativava imediatamente o Static Void mais uma vez.
A cor foi drenada do mundo quando eu pulei para fora da janela. Acendendo
Realmheart para buscar melhor as flutuações de mana de Tess.
Meu uso de mana era limitado enquanto estava com Static Void ativo porque
eu não conseguia manipular a mana ambiente, mas visto que não havia muita
mana ambiente nesta cidade subterrânea de qualquer maneira, imaginei que
Tessia não poderia ter ido muito longe.
Eu tinha razão. Tess usou magia para fugir à força de Virion, que ainda estava
ferido e incapaz de utilizar a maior parte de sua mana.
Tessia voltou a correr até que me viu. Depois de parar imediatamente, ela
olhou para mim, olhos e boca congelados.
Eu não tinha pensado sobre o que dizer para argumentar com Tess uma vez
que a alcancei. Eu nem sabia o que ela ia dizer, mas com certeza não esperava
por isso. “Tess… seus pais nos traíram.”
“Não diga isso – não se atreva a dizer isso!” Ela retrucou com os olhos
brilhando. “Você não sabe de nada!”
“O que eu sei é que seus pais conspiraram com Agrona, deixaram uma Foice
entrar no castelo e quase todos morreram.” Eu disse calmamente.
“Tess… seu pai e sua mãe basicamente sacrificaram Virion – seu próprio avô –
pela esperança de que Agrona deixasse Elenoir em paz. Agora, por favor, volte
conosco. Vamos falar sobre nossos próximos passos e—”
“Você fica dizendo isso, Tess, mas eles tinham muitas opções.” Brinquei. “Eles
poderiam ter ignorado a oferta de Agrona e confiado em Virion para vencer
esta guerra.”
“Então eu estaria morta, Art!” ela gritou. “É isso que você queria?”
“A besta que você me deu veio de uma besta corrompida.” Interrompeu Tessia,
derramando lágrimas. “Uma besta corrompida por Agrona. Com aquela coisa
dentro de mim, eu era basicamente uma bomba viva que Agrona poderia
detonar por capricho.”
“Então não se atreva a dizer que meus pais traíram todos nós.” Tessia fervia.
“Eles fizeram isso para me salvar, e mesmo que todos aqui não deem a eles
uma chance, eu vou.”
‘Art! O que aconteceu, você está bem? Estou indo para você agora.’ Sylvie
transmitiu, sua preocupação vazando para mim.
Não, está tudo bem. Fique aí enquanto tento convencer Tess, respondi.
“Tess… eu não tinha ideia de que isso aconteceu por causa da besta que eu te
dei.” Eu murmurei. “Se eu soubesse…”
Ela balançou a cabeça. “Eu sei que não é sua culpa, mas eu tenho que fazer
algo, Art.”
“Eu entendo, Tess. Mas assim que você sair deste abrigo, os alacryanos serão
capazes de rastreá-la. Você morrerá.”
Tess agarrou minha camisa com as mãos trêmulas. “Eles são meus pais, Art.
Eles fizeram tudo o que podiam para me salvar.”
Uma onda de emoções agitou dentro de mim enquanto eu olhava para Tess:
frustração, tristeza, medo… e culpa. Era fácil me sentir responsável pelo que
tinha acontecido, especialmente quando eu sabia que algo estava errado com
o guardião de Elderwood. Mas por causa da empolgação de colher as
recompensas de um monstro tão forte, em vez de ser cauteloso, eu o dei para
uma das pessoas com quem mais me importava, na tentativa de mantê-la
segura.
Furioso comigo mesmo e com a ironia doentia de tudo isso, puxei Tess para
longe. “Não há nada que eu possa fazer para convencê-la a ficar?”
“Eu sinto muito.” Tess mordeu o lábio e se preparou, olhando para mim com
olhos determinados.
Capítulo 242
Dois Amores
“Mas… Você tem que se reconciliar com Virion primeiro,” eu disse severamente.
“Seja lá o que você discutiu com ele, lembre-se de que ele não apenas a perdeu
lá no Castelo, ele perdeu seu filho.”
“E-Eu sei. O que eles fizeram foi errado, mas eles só fizeram isso-”
“Para salvar você. Sim, eu sei,” eu terminei. “É por isso que, se vamos salvá-los
e trazê-los de volta pra cá, você vai querer ser a ponte que vai consertar as
coisas entre seu avô e seus pais. Você não será capaz de fazer isso se apenas
sair assim.”
Um sorriso apareceu no canto dos meus lábios. “Você quer que a maioria das
garotas gostem de mim?”
“Sinto muito – realmente sinto – mas não podemos arriscar”, disse a Anciã
Rinia com firmeza. “Seu núcleo de mana foi corrompido pela vontade bestial
dentro de você. Se você for-“
“Mas a poção me curou! É por isso que meus pais fizeram tudo isso – para que
pudessem me dar isso!” Tess argumentou.
“A poção que Agrona deu a você, Tessia. Você pode estar bem agora, mas não
sabemos se essa foi uma solução permanente ou se apenas lhe dará um
período de descanso. É muito cedo para dizer, e se algo acontecer com você
nessa jornada e você for levada pelos alacryanos…”
“Por que importa se eu sou levada pelos alacryanos? Como minha morte afeta
o futuro de um continente inteiro?” Tess exigiu.
“Mas é verdade”, ela continuou. “Eu não sou nem de longe tão forte quanto as
lanças, nem sou influente o suficiente para reunir pessoas como qualquer um
de vocês. Por que minha morte é importante?”
“Não faça isso, Arthur. Não cabe a nós interferir. Agora não”, ela enviou, uma
onda de solenidade escapando dela.
“Então você está dizendo que eu não posso nem encontrar minha própria mãe
e meu pai?” Tess perguntou baixinho, com os olhos cheios de lágrimas.
O olhar de Virion se suavizou quando ele agarrou a mão de sua neta. “Nós os
traremos de volta. Apenas dê a mim e a Bairon algum tempo para nos
recuperarmos.”
Virion puxou sua neta em seus braços. “Está tudo bem, pequenina. Está tudo
bem.”
Depois de dar uma rápida olhada em Tess para ver como ela estava, me virei
para minha mãe. “Certo.”
Quando me virei para sair, fui agarrado pelo pulso. Eu vi os olhos da minha
mãe vermelhos e brilhantes.
“Mãe? Algo está errado?”
Ela sorriu para mim e balançou a cabeça. “Não é nada. Estou feliz por você
ficar,” ela disse baixinho, apenas o suficiente para eu ouvir.
Minha mãe soltou meu pulso e acenou para eu me afastar com um sorriso, mas
meu peito ainda se apertou de culpa.
Passei por Bairon, que me lançou um rápido olhar e acenou com a cabeça,
antes de descer as escadas para o andar térreo.
Que merda.
Vendo minha irmã e seu vínculo gigante perto do riacho, eu me aproximei. Boo
estava enrolado em uma bola peluda, dormindo, enquanto Ellie estava
jogando pedras no riacho.
“Por quê? Você não vai partir logo, afinal? ” ela perguntou amargamente.
Peguei uma pedra plana. “Decidimos não ir até que Bairon e Virion estejam
totalmente curados.”
Ellie atirou outra pedra, fazendo-a espirrar na água calma. “Isso é muito ruim.
Você provavelmente estava ansioso para partir em sua pequena aventura
romântica com Tessia.”
“Você sabe que não é assim,” eu disse calmamente, estalando meu pulso
enquanto jogava a pedra plana. Nós dois observamos enquanto a pedra lisa
saltou quatro, sete, dez vezes antes de finalmente afundar. “Trazer de volta os
pais de Tess é algo que precisa ser feito.”
“Por quê?” minha irmã respondeu. “Porque sua namorada quer que você faça
isso?”
“Ellie,” eu respondi.
“Não me chame de ‘Ellie’!” minha irmã retrucou, jogando a pedra em sua mão
antes de se virar para mim. “Eu ouvi por um acaso o Comandante Virion
conversando com Tessia mais cedo. Eu sei que vocês quatro quase morreram
lutando contra aquela Foice! E agora você está me dizendo que vai voltar lá
para trazer de volta os elfos que basicamente venderam todos nós?”
“Não é tão simples, você sabe disso.”
“Parece muito simples para mim”, disse ela bruscamente, olhando para baixo
para procurar outra pedra. “Nossa família – o que restou dela – mal se reuniu,
mas você já está ansioso para nos deixar.”
“Eu nunca estou ansioso para deixar vocês.” Eu dei um suspiro bem forte. “Eu
sou um dos poucos magos poderosos o suficiente para virar a maré nesta
guerra, e uma maneira de fazer isso é trazendo de volta os pais de Tess. Só
então seremos capazes de reunir as forças necessárias para eventualmente
retomar Dicathen.”
Minha irmã fez uma pausa enquanto segurava uma pedra do tamanho de um
punho no chão, seu rosto ainda coberto pelo cabelo.
Eu continuei. “Eu amo Tess. Mas você, mamãe e Sylvie são minha família.”
Peguei outra pedra plana e joguei. “Eu gostaria de estar também. Mais que
tudo. Mas eu não quero que você e mamãe vivam em uma cidade subterrânea
abaixo do deserto pelo resto de suas vidas, e para fazer isso, eu preciso mexer
minha bunda.”
“Eu não ligo de viver assim. Sei que mamãe não se importaria também”, disse
ela, observando minha pedra pular na água. “Eu sei que você está fazendo isso
para nos manter seguros, mas funciona dos dois lados, você sabe.”
Eu sorri. “Você sabe qual é o meu sonho depois que tudo isso acabar?”
“O quê?
“Que nós vivamos juntos em uma casa gigante à beira-mar. Eu, você, mamãe,
Sylvie, Boo e Tess.”
“Espere, por que você vai morar com sua namorada? E quanto ao meu futuro
namorado?” ela protestou.
Eu olhei para ela sem expressão. “Você não vai ter namorado.”
“Porque se você fizer isso, vou me livrar dele,” eu disse com naturalidade.
“Tudo bem”, ela cedeu. “Mas, em troca, você tem que me ensinar como fazer
isso.”
“Aquela coisa onde a rocha quica em cima da água! Você está usando magia?”
“Não estou usando magia de jeito nenhum,” eu disse, fazendo outra pedra
saltar.
Apesar das desvantagens de ter pouca ou nenhuma mana ambiente, esta vila
subterrânea construída pelos antigos magos teve um grande benefício para
mim e Sylvie.
“É incrível como você não se cansou disso”, disse Sylvie, sentando-se à minha
frente no mesmo corredor de onde tínhamos chegado. “Estou progredindo,
mas você ainda não deu um passo à frente. Como você não fica desanimado?”
Dei de ombros. “Eu tive coisas muito fáceis até agora. Além disso, se esses
malditos magos ancestrais foram capazes de aprender até este ponto, tenho
certeza que vou pegar o jeito.”
“Seu otimismo está vazando para mim,” disse Sylvie, estremecendo ao fechar
os olhos para se concentrar.
Ao mesmo tempo, meu vínculo abriu sua consciência completamente para mim
para que eu pudesse sentir cada pequena coisa que ela estava fazendo. Este
foi o sistema de treinamento que eu havia planejado.
Tanto a Anciã Rinia quanto Sylvie concordaram que era impossível para elas
me ensinarem a usar o Aether. Embora a Anciã Rinia fosse limitada no que ela
poderia me dizer, para meu vínculo, era mais que natural o ato de usar o
Aether.
Assim como um pássaro não precisa ser ensinado a voar, Sylvie me ensinando
a usar o Aether era semelhante a um pássaro ensinando um peixe a voar – eu
sendo esse peixe.
Mas, com o pouco que aprendi nesse processo, parecia que o Aether estava
mais ou menos ensinando Sylvie; não era nada parecido com mana.
O que não fazia sentido, no entanto, era o fato de que os antigos magos
conseguiram prender o Aether nesses artefatos para iluminá-los. A própria
natureza disso era paradoxal em relação ao que meu vínculo estava fazendo.
Era óbvio que usar Aether estava causando um grande dano em seu corpo.
“Precisamos que você cuide de sua saúde, Anciã Rinia. Parece que você
envelheceu mais um século desde que chegou aqui.”
“Se eu não estivesse tão cansada, faria um esforço para ir até você te dar um
tapa, mas… meh,” ela disse, sem se preocupar em olhar para mim. “Além disso,
Lady Sylvie tem me ajudado muito, fornecendo-me o poder bruto para
alimentar esta coisa velha.”
Ainda era chocante ouvir alguém, especialmente alguém tão velho e distinto
como a Anciã Rinia, referir-se ao meu vínculo como ‘Lady Sylvie’.
“Não, não. Só um último remendo nas runas para definir o ponto de retorno,”
ela respondeu, acenando para mim.
“Você deveria ir. Tessia apareceu aqui agora há pouco. Ela estava perguntando
por você”, disse a Anciã Rinia.
Depois de lembrar mais uma vez à velha elfa para não exagerar, voltei,
chegando à base principal. Perto do riacho que cortava a cidade abandonada
com fileiras de prédios vazios, vi Ellie e Tess brincando uma com a outra. Tess
estava conjurando minúsculos orbes de água acima do riacho enquanto Ellie
os abatia atirando flechas de mana de seu arco.
Assim que Tess levantou outra esfera de água, girei meu pulso, desejando que
o orbe corresse para a esquerda. A flecha brilhante de mana pura passou
zunindo, errando totalmente o alvo.
Ouvir Tess exclamar em confusão me fez rir, mas continuei a mexer com minha
irmã. Eu esquivei com o orbe das flechas de Ellie, manobrando-o com
facilidade e até mesmo esguichando um jato de água em seu rosto, até que
finalmente minha irmã gritou de frustração.
“Nós sabemos que é você, irmão!” minha irmã gritou, estressando nosso
relacionamento como se fosse uma maldição.
“Como você não foi capaz de acertar um único golpe nele?” Eu ri alto, incapaz
de me conter.
Ellie disparou uma flecha de mana diretamente no meu rosto, mas continuei
rindo quando a peguei facilmente em minha mão.
“Ellie! Não atire flechas em seu irmão!” a voz da minha mãe ecoou no segundo
andar do prédio logo atrás de Tess e minha irmã.
“Foi o Arthur que começou!” Ellie respondeu, apontando o dedo para mim.
“Ah, sim, Anciã Rinia mencionou que você estava procurando por mim antes?”
Perguntei à Tess enquanto me esquivava e desviava dos ataques da minha
irmãzinha.
“O-Oh, uh, não foi nada. Eu só queria checar como todos estavam,” ela disse,
acelerando seu passo para nos bater escada acima.
Quando chegamos na parte de cima, pude ver uma fileira de peixes grelhados
no fogo espetados nos galhos.
“Consegui pescar alguns peixes hoje”, minha mãe sorriu com orgulho, batendo
em seu braço flexionado. “Coma enquanto eu trago o Comandante Virion e o
General Bairon que estão meditando.”
Minha mãe se virou quando estava saindo pela porta. “A Anciã Rinia o embalou
em um de seus anéis dimensionais.”
“‘Um dos?” Tess repetiu, entregando um espeto para Ellie antes de pegar um
para ela.
“Mmhmm. A Anciã Rinia tem pelo menos oito anéis dimensionais cheios de
coisas necessárias para viver aqui. Ela até trouxe várias sementes para que
possamos começar a cultivar nossas próprias frutas e vegetais”, respondeu
minha mãe, sorrindo. “Todos vocês terão que ajudar para que possamos
começar a acomodar muito mais pessoas aqui.”
Tess e eu trocamos olhares, pois nós dois estávamos, sem dúvida, nos
perguntando a mesma coisa: há quanto tempo a anciã Rinia havia se
preparado para tudo isso?
Era quase impossível dizer quanto tempo havia passado sem um sol acima de
nós, mas eventualmente todos se reuniram novamente. Bairon e Virion,
embora ainda incapacitados, pareciam melhores a cada dia. Sylvie se juntou a
nós para comer também, enquanto conversava e sorria com Tess e Ellie. A
Anciã Rinia voltou e, após uma refeição rápida, adormeceu imediatamente em
sua cama.
Capítulo 243
Na Superfície
TESSIA ERALITH
Vovô já havia matado mamãe e papai em sua mente, eu podia ver no olhar que
ele sempre tinha quando eu os mencionava. Eu sabia o que aquele olhar
significava; para ele, meus pais não eram mais família, mas traidores.
Vovó Rinia não era tão ruim, mas eu sabia que ela havia desistido de tentar
salvar meus pais. Só de ouvir os planos que ela e Virion fizeram junto com o
general Bairon, eu sabia que meus pais não estavam em nenhuma parte da
lista de pessoas que pretendiam salvar.
Mas eles não sabiam – eles não estavam lá. Eles não viram o quão forte as
mãos de minha mãe tremiam enquanto ela segurava a minha e me puxava para
longe. Eles não estavam lá para ver o Pai com lágrimas escorrendo pelo rosto
enquanto passávamos pelo portal.
Puxando o capuz sobre minha cabeça, eu me preparei. Eles podiam dizer que
eu estava agindo precipitadamente, que estava deixando minhas emoções me
dominarem, assim como fizeram depois da batalha na Floresta de Elshire. O
que quer que alguém pensasse das minhas ações, não importava. Meus pais
mereciam uma chance, e se sua própria filha não desse isso a eles, quem o
faria?
Reconheço que fiquei tentada a pedir a ajuda de Arthur, mas isso era muito
egoísta. Eu sabia dos perigos que viriam, e se algo acontecesse com ele por
minha causa…
Imediatamente, fui puxada por um funil giratório de luz. Parecia diferente dos
portões de teletransporte normais, mais… nauseante.
Eu me abaixei e bati minha palma no chão. Antes que os feitiços dos Alacryanos
pudessem me alcançar, entretanto, uma rajada de vento soprou ao meu redor.
Mantendo uma mão na cabeça para manter o capuz no lugar, murmurei outro
feitiço. Desejei que a barreira protetora de vento se expandisse, afastando os
magos inimigos, que foram pegos desprevenidos.
Usando essa breve janela de oportunidade, corri para o beco mais próximo,
trinta metros ao norte.
Eu ouvi o latido de ordens e logo outro par de alacryanos estava vindo para
mim de cada lado. Mantendo meu capuz abaixado, corri em direção ao
Alacryano à minha esquerda, atirando uma rajada de vento nele.
Quase imediatamente, uma armadura de gelo envolveu seu corpo, protegendo
seu pescoço da forte meia-lua de vento que teria cortado sua garganta.
Embora eu tenha ficado inicialmente surpresa com a magia desviante, eu me
lembrei que os alacryanos usavam magia de forma diferente de nós; uma
forma superior de magia não significava necessariamente um mago mais forte
no caso deles.
A maioria das cidades humanas parecia tão semelhante entre si que era difícil
dizer exatamente onde eu estava até que pudesse ter uma visão melhor da
cidade como um todo, mas eu sabia que pelo menos tinha chegado em uma
das grandes cidades de Sapin.
Todos eles têm expressões sem vida, pensei comigo mesma, meu peito se
fechando de culpa. Foi estúpido me sentir pessoalmente responsável por tudo
o que aconteceu, mas havia uma voz gelada na minha cabeça que dizia que
era em grande parte minha culpa que a guerra tinha se voltado contra nós.
“Nós realmente temos que ir?” uma mulher de meia-idade a alguns metros à
minha frente sussurrou para o que parecia ser seu marido.
A mulher olhou para o marido como se fosse dizer outra coisa, mas parou, os
olhos voltados para o chão. Eu podia ver seus ombros caírem, embora ela
ainda segurasse com força a mão de sua filha.
O homem não respondeu, em vez disso acelerou para colocar alguma distância
entre nós.
Tentei novamente, desta vez para uma senhora idosa, mas encontrei a mesma
resposta. Na minha terceira tentativa, uma senhora mais jovem – um pouco
mais velha do que eu – finalmente respondeu.
Devo ter cruzado o portão leste de Etistin, o que faz sentido, pois era o portão
de teletransporte menos usado e o mais distante do castelo de Etistin.
Quanto mais eu caminhava, mais densa a multidão ao meu redor se tornava.
Chegou ao ponto em que todos nós tivemos que avançar, nossos ombros
pressionados um contra o outro. Os gritos das crianças podiam ser ouvidos
acima do silêncio nervoso dos pais.
Eles não eram diferentes dos humanos de Sapin, mas todos usavam o mesmo
uniforme cinza e preto com listras vermelho-sangue. Eles também eram os
únicos com armas e as usavam para conduzir as pessoas à frente para o
caminho que levava ao centro da cidade.
Isso foi apenas o começo – aquele primeiro grito disparou mais quando a
multidão à frente alcançou a área aberta da praça da cidade.
Notei um homem largo apontando um dedo trêmulo para algo que eu ainda
não conseguia ver, e uma mulher com as duas mãos cobrindo a boca, os olhos
arregalados e as lágrimas fluindo livremente; outro homem tinha uma
expressão dura enquanto olhava para o outro lado.
Capítulo 244
Dia do Renascimento
A pior parte, porém, era o fato de que eu podia ver suas expressões. Seus olhos
estavam arregalados e esbugalhados, suas bocas estavam grotescamente
abertas. Eles foram posicionados ao lado do rei e da rainha de Sapin para que
todos os que chegassem, vissem claramente a dor que sentiram antes de
morrer.
Já eu… chorei por meus pais – chorei por todas as coisas que nunca seria capaz
de fazer com eles, por todas as coisas que disse a eles e por todas as coisas
que não pude dizer a eles.
“Seus reis morreram, seus exércitos estão fugindo e seus guerreiros mais
poderosos estão escondidos. O castelo é nosso, a cidade de Xyrus e a cidade
de Elenoir são nossas, e agora a cidade de Etistin é nossa. Mas não se
desespere, pois não viemos como saqueadores.”
Tudo estava quieto e silencioso enquanto todos esperavam por suas próximas
palavras.
Quando ela finalmente falou, ela fez um gesto sutil, mas acolhedor, com os
braços ligeiramente levantados. “Viemos aqui como agentes de algo maior –
de alguém maior. Vocês conhecem os asuras, os seres poderosos que vocês
adoram como divindades. Há muito vocês acreditam que eles cuidam de vocês,
mas isso é uma mentira. Os asuras abandonaram vocês… Esses dias não
existem mais. Alacrya ganhou esta guerra, mas não por nosso próprio poder.
Vencemos porque nosso soberano não é um humano humilde ou elfo como
estes que você vê aqui.” Sua voz se acalmou, mas suas palavras foram ainda
mais claras do que antes. “Vencemos porque nosso soberano é um asura.
Nossa vitória foi a vontade de uma divindade em pessoa.”
Murmúrios podiam ser ouvidos por toda a grande multidão, mas os alacryanos
não os impediram. Eles deixaram a conversa e a hesitação entre a multidão
aumentar. A mulher no pedestal suspirou tristemente, e pude ouvir como se
ela estivesse bem ao meu lado em uma sala silenciosa.
Ela usou magia da terra para erguer aquele pilar de pedra e tem manipulado
o som para espalhar sua voz. Quantos elementos ela pode controlar? Havia
mais nos poderes dos alacryanos que conseguimos descobrir? Diante de
alguém capaz de não apenas manipular múltiplos elementos, mas que também
era um desviante como eu, comecei a me perguntar quantos magos tão
poderosos quanto essa pessoa, ou ainda mais, existiam entre os alacryanos.
“Sua descrença é razoável, e o que eu digo ou faço aqui só vai atiçar as chamas
da dúvida crescendo dentro de vocês. Isso é natural e é por isso que tivemos
que fazer o que fizemos – por causa da teimosia, por causa do orgulho, por
causa da ganância e por causa da dúvida, a paz só pode ser alcançada por
meio da guerra”, disse ela solenemente. “Vocês podem se sentir como
prisioneiros de um país derrotado agora, mas garanto que, com o passar do
tempo, todos vocês se sentirão parte de algo maior – cidadãos de um reino
piedoso.”
“Meu nome é Lyra Dreide. Hoje, estou acima de vocês como vencedora, mas
oro para que, da próxima vez que nos encontrarmos, seja como iguais e como
amigos.”
Pressionei minhas mãos sobre minha boca, me contendo fisicamente para não
gritar enquanto observava as chamas queimarem mais alto. O pensamento de
nem mesmo ser capaz de mandar meus pais embora da forma adequada,
arranhou minhas entranhas, tornando mais difícil controlar minha besta
furiosa.
“Este não é um momento de luto ou reflexão sobre o passado. Hoje é o início
de um— ”
Mordendo meu lábio inferior, dei uma última olhada em Lyra Dreide. Eu sabia
que ela não era a responsável por aquelas pontas pretas que mataram meus
pais e os de Kathlyn, mas não a esqueceria.
Mal capaz de pensar sobre o som do meu próprio coração tentando sair da
minha caixa torácica, eu corri passando pelos guardas alacryanos, explodindo
ambos com uma rajada de vento. Ao contrário dos guardas anteriores que
conheci, no entanto, esses alacryanos pareciam prontos.
Um repeliu meu ataque com sua própria rajada de vento, enquanto o outro
conseguiu se ancorar no chão, seu corpo inteiro coberto por escamas
reptilianas feitas de pedra.
Com isso em mente, não fui diretamente para Telmore, mas fiz meu caminho
em direção à costa, onde ocorreu a última grande batalha. Pelo que ouvi, o
General Varay conseguiu construir um enorme campo de gelo na Baía de
Etistin. Eu tinha uma vaga esperança de que pudesse encontrar sobreviventes
da batalha escondidos na floresta e nas colinas perto da baía.
Depois de horas correndo pelas colinas e árvores densas – sem usar magia
para não deixar sinais para os alacryanos seguirem – o céu tinha se tornado
um laranja profundo com o sol poente. Eu sabia que não estava muito longe
da costa, mas precisava descansar. Eu poderia dormir algumas horas e então
terminar a viagem. Não acreditei no que Lyra Dreide havia dito. Devia haver
soldados do nosso lado ainda lutando lá fora.
“Fique de joelhos e mostre suas costas”, disse uma voz clara e autoritária de
algum lugar à minha direita.
“Acene para sim, agite para não. Você está sozinha?” ela perguntou baixinho,
seu olhar constantemente voando para a esquerda e para a direita.
Eu concordei.
“Estamos voltando para a base”, disse ela, sua voz quase um sussurro.
Ela acenou com a cabeça em resposta, mas não diminuiu o passo enquanto
nos guiava através da vegetação rasteira densa desta selva não percorrida, sua
cabeça movendo-se constantemente enquanto ela observava o perigo
potencial.
“Reunir?” Madame Astera sibilou, seu olhar afiado como uma adaga. Ela soltou
um suspiro e ergueu a mão acima da cabeça.
Capítulo 245
Catástrofe Ambulante
“Ele passou por algo terrível,“ Nyphia comentou, sua expressão de aço
suavizando enquanto ela o observava. “Ele assistiu a toda a sua unidade
massacrar uns aos outros na frente dele.”
Nyphia voltou para onde estava sentada. Eu me vi olhando para ela e Herrick,
seus corpos quase invisíveis na luz fraca. Ambos estavam crivados de
ferimentos.
Herrick não tinha a mão esquerda, e pelo sangue escorrendo pelas bandagens
enroladas em seu pulso, eu poderia dizer que o ferimento era bastante
recente. Nyphia tinha um corte sangrento escorrendo pelo lado do rosto, e
cada vez que ela movia seu corpo, ela estremecia levemente.
Depois que Jast adormeceu com a cabeça enterrada nos joelhos, Madame
Astera se juntou a nós no fundo da caverna, onde estávamos sentados em
volta de um artefato de luz fraca.
Ela se sentou na minha frente, e seu olhar era tão intenso que era como se ela
estivesse olhando através da minha carne e dentro da minha alma. Tanto
Nyphia quanto Herrick pararam de falar, e pareceu minutos antes que Madame
Astera falasse novamente. Quando ela fez isso, não era o que eu esperava que
ela dissesse.
“Porra!” ela sibilou, batendo no chão duro com o punho. Eu poderia dizer por
suas expressões que Nyphia e Herrick ficaram igualmente surpresos com a
explosão repentina de Madame Astera.
“Não é um bom presságio vê-la aqui, princesa.”
Foi quando eu percebi o motivo de sua explosão: eu não estava ferida, mas
estava disfarçada e correndo para salvar minha vida. Minha presença aqui
significava que algo estava muito errado.
“Você está certa, não. Mas antes que eu explique a situação lá fora, você pode
me dizer o que aconteceu? Que eu saiba, estávamos vencendo a batalha na
Baía de Etistin.”
Foi no terceiro dia que a situação mudou. Madame Astera não poderia me dizer
exatamente como tudo começou, mas eles sabiam que algo estava errado
quando a nova vanguarda, que deveria aliviar a posição da linha de frente
atual, não apareceu.
Era apenas um homem, mas aquele homem tinha sido uma catástrofe
ambulante. Embora a batalha tenha durado dias, poucas horas depois de sua
chegada, a Baía de Etistin foi transformada em um cemitério, e a Batalha de
Bloodfrost acabou.
“Sorte, mais do que qualquer coisa. O fogo negro, espinhos e fumaça não foram
direcionados, apenas se espalharam aleatoriamente. Dicatheanos e
alacryanos foram afetados. Os alacryanos estavam em um estado de caos,
então alguns daqueles que não morreram da onda inicial de magia foram
capazes de escapar,” Madame Astera explicou, seu olhar caindo sobre Herrick
e Nyphia. “Definitivamente, há outros sobreviventes escondidos por aqui,
supondo que eles ainda não tenham sido encontrados e capturados, é por isso
que temos feito essas incursões — estamos tentando encontrar mais aliados.”
“Encontramos Jast ontem. Ele foi atacado por uma patrulha alacryana, mas
fomos capazes de salvá-lo. Esses dois são o que sobrou da minha unidade, e
você já conheceu mais alguns de nosso grupo. Eles estarão de volta em breve.
Elaboramos um sistema em que um grupo volta enquanto o outro circula,
apenas para o caso de sermos seguidos.”
“Podemos dividir as rações por mais quatro dias no máximo”, disse ela com
naturalidade. “Além do sustento, porém, não temos nada. Eu só tinha um kit
médico de emergência, usado para curar o ferimento de Herrick.”
O grande soldado abaixou a cabeça, olhando para o coto onde antes estava
sua mão esquerda.
“Claro que não! Eles foram atacados por uma Foice no castelo. Eles mal
conseguiram sair de lá com vida”, assegurei-lhes, tentando recuperar o
controle da conversa.
A cabeça de Madame Astera caiu e ela enterrou o rosto nas mãos. Quando ela
finalmente olhou para cima, seus olhos estavam endurecidos como aço.
“Última pergunta, e por favor, responda honestamente”, disse ela, seu tom
enviando um arrepio na espinha. “Eles sabiam?”
Minha boca se abriu, mas nenhum som saiu. Ela poderia honestamente pensar
que meu avô os teria enviado – qualquer um deles – para esta batalha se ele
soubesse o resultado?
“Eu vim para encontrar Dicatheanos e trazer o máximo que puder comigo para
o abrigo.” eu menti.
Embora fosse uma mentira, fiquei consolada ao ver Herrick e Nyphia sorrindo
um para o outro, animados com o fato de que estariam seguros assim que
estivessem lá. Até Jast ergueu a cabeça, seu olhar momentaneamente sóbrio e
esperançoso.
Madame Astera acenou com a cabeça, mas eu não consegui ler sua expressão.
Independentemente disso, foi o suficiente. Eles concordaram em ir comigo
para a cidade de Telmore, onde entraríamos furtivamente ou abriríamos
caminho até o portão de teletransporte. Tudo o que tínhamos que fazer era
esperar o resto do grupo de Madame Astera chegar.
Uma hora se passou enquanto esperávamos que mais pessoas viessem, mas
ninguém veio.
“Eles não deveriam ficar lá fora por tanto tempo”, Madame Astera rosnou
enquanto caminhava para frente e para trás dentro da caverna. “Eu vou dar
uma olhada – sozinha. Fiquem aqui.”
“Vamos economizar pelo menos meio dia, dependendo da rapidez com que
formos capazes de localizá-los,” Nyphia interrompeu.
“Eu não gosto disso, mas você tem razão. Princesa, você tem alguma
experiência em rastreamento ou reconhecimento?” Madame Astera perguntou.
“Tive algum treinamento com meu professor anterior sobre o uso de magia de
vento para reconhecimento, mas minha experiência real é mínima”, respondi,
apertando minhas botas de couro.
“Então você se especializou em vento, ótimo. Isso vai ser útil lá fora”,
respondeu ela, voltando-se para Jast. “Como você está se sentindo? Você teve
outro de seus episódios novamente.”
A floresta me fez sentir falta de casa, mais do que eu já tive no passado. Passei
anos em Sapin enquanto estava na escola, mas o fato de que talvez eu nem
tivesse uma casa para onde voltar agora, realmente me atingiu. Mesmo que o
castelo em que cresci ainda estivesse lá, de que adiantava? Meus pais se
foram.
Levei apenas alguns segundos para entender o que a líder tinha visto e ouvido
— algo estava se movendo a apenas alguns metros a sudeste de nossa posição.
Era muito grande para ser um roedor ou uma lebre e parecia muito desajeitado
para ser um cervo.
Com um suspiro de alívio, todos nós corremos para onde ela estava, apenas
para encontrá-la agachada sobre um soldado ferido – um de seu grupo
desaparecido. O sangue ensopou suas roupas e armadura.
Desesperada, me virei para Madame Astera. Ela estava olhando para trás, com
os olhos arregalados, seus lábios lutando para formar os sons enquanto ela
murmurava: “V-você… na batalha…”
Eu sabia – meu corpo inteiro sabia – que, ao contrário de Etistin, era tarde
demais para fugir desta vez. Desejando me virar, forçando meus músculos a
obedecer, vi o rosto de um fantasma. Eu vi uma pessoa que não via há anos,
uma pessoa que pensei ter morrido, que quase tinha esquecido… uma pessoa
que não poderia estar parada aqui agora. Poderia?
“Elijah?”
Capítulo 246
Querido Velho Amigo
Elijah mudou tremendamente. Ele agora era uma cabeça mais alto do que eu,
com a pele tão pálida quanto alabastro, com seu cabelo curto e preto, os olhos
penetrantes o faziam parecer quase completamente diferente.
Elijah riu, embora eu não encontrasse humor no som. “Muito tempo sem te ver,
Tess. Como está o Arthur? “
Estremeci quando um frio forte percorreu meu corpo, arrepiando meus braços
e pescoço. Elijah e eu havíamos estudado juntos — ele era o melhor amigo de
Art. Então, por que sua pergunta casual parecia tão ameaçadora?
“Ele está indo bem”, eu disse rigidamente, tentando ficar mais ereta enquanto
a pressão que Elijah emitia continuava a pesar sobre mim.
Elijah bufou. “É claro que ele está bem. Aquele idiota tem sido tão resistente
quanto uma barata, desde que eu o conheci. “
“Não!” uma voz rouca atrás de mim. Eu olhei para trás e vi Madame Astera de
pé, sua espada na mão.
Madame Astera ergueu sua espada e, embora suas mãos tremessem com o
esforço, ela apontou a lâmina diretamente para o coração de Elijah. “E-ele é…
aquele… do campo de batalha.”
A expressão de Elijah ficou séria. “Os alacryanos e eu temos algo que queremos
tirar desta guerra. É isso.”
“S-saia daqui, princesa. Parece que ele não pode matar você,” sussurrou
Madame Astera. “Nós somos iguais. Ele massacrou centenas de soldados na
baía. Nem mesmo… nem mesmo as Lanças foram páreas para ele. Não tem
como.”
“Eu treinei e sofri por anos por isso, Tessia. Venha comigo e vou deixar os
outros em paz.”
Elijah suspirou com cansaço. “Certo. Eu realmente não queria deixar você com
nenhuma memória desagradável, mas você não me dá outra escolha.”
Eu podia sentir que ele estava usando seu poder antes de ver o espinho negro
perfurar o soldado ferido que tínhamos acabado de encontrar, mas não havia
nada que eu pudesse fazer sobre isto.
Minha mente girou enquanto eu tentava pensar em uma maneira de sair disso.
Eu sabia que não poderia ir com Elijah. Ele estava propositalmente me
mantendo viva para alguma coisa. Meu primeiro pensamento foi que ele iria
me usar como refém, mas então Elijah disse que não queria me deixar com
nenhuma lembrança desagradável…
Meu olhar mudou do cadáver de Jast para Madame Astera e então para Nyphia
e Herrick.
Ele iria apenas continuar matando-os um por um, até que apenas eu sobrasse,
mas se eu fosse com ele… Desesperadamente, agarrei a lâmina da espada de
Madame Astera e segurei-a na minha garganta. “Não!”
Surpresa passou pelo rosto de Elijah, mas foi rapidamente substituída por um
sorriso confiante. “Você não vai se matar.”
Esta era uma aposta perigosa, que poderia nos matar, mas eu sabia que não
poderia ir com ele — eu sabia que algo muito pior do que a morte poderia
acontecer se eu o fizesse.
“Pare.”
“Lamento arriscar sua vida assim, Tess, mas esperei muito tempo”, disse Elijah
com sinceridade, enquanto caminhava em minha direção.
Por que eu sou tão fraca? Por minha causa, todos aqui iriam morrer e eu não
podia fazer nada a respeito. Foi como a batalha na Floresta de Elshire – todas
essas mortes foram causadas por mim. Abri meus olhos novamente para ver o
mundo girando e tombando. Eu me senti como se estivesse debaixo d’água,
como se estivesse me afogando. O único barulho que eu podia ouvir era o meu
coração batendo frenético e minha própria respiração curta e desesperada.
Através da poeira, um dragão tão negro quanto o céu noturno sem estrelas se
aproximava. Momentos depois, pude distinguir uma figura muito familiar com
uma cabeça de longos cabelos ruivos, segurando alguém. Tênues marcas
douradas brilharam logo abaixo de seus olhos quando ele apareceu. Uma
mistura de emoções tomou conta de mim quando minha visão escureceu:
constrangimento, culpa, mas acima de tudo, alívio.
“Sinto muito”, eu disse, sem nem mesmo ouvir minha própria voz, então a
escuridão me tomou.
***
ARTHUR LEYWIN
Nyphia, que estava olhando para mim sem expressão, saiu de seu torpor e
saltou para a tarefa. Ela pendurou o braço de Madame Astera sobre os ombros
e ajudou-a a subir em Sylvie.
“O que é isso?” Madame Astera ficou maravilhada enquanto subia nas costas
do meu vínculo. Seu tornozelo direito estava sangrando muito.
Quão fácil teria sido se eu tivesse controle total sobre aevum como o Lorde
Indrath? Eu poderia ter mantido o tempo congelado enquanto levava todos
para a segurança. Claro, se eu tivesse os poderes de um asura, as coisas nunca
teriam escalado a este ponto.
‘Você está bem? Você sustentou a arte do aether por muito mais tempo do que
está acostumado.’ Sylvie perguntou, sua preocupação emanando até mim.
‘Eu vou ficar bem.’ Como antes, no antigo abrigo, eu me sentia mais no controle
e menos esgotado ao usar o Static Void. Talvez tenha sido o treinamento que
fiz com Sylvie, ou talvez o tempo que passei na atmosfera rica de aether, mas
parecia que finalmente dei um passo adiante em meu domínio sobre a arte do
aether. ‘Você conseguiu dar uma olhada de perto naquele alacryano? Pelos
espinhos negros e pela pressão que ele exalava, ele era pelo menos um
Retentor, e um que não vimos antes.’
‘Eu também não consegui distinguir o rosto dele.’ respondeu ela. ‘Mas ele já
está se aproximando de nós.’
Ela e eu sabíamos que, assim que pousássemos, uma batalha seria inevitável,
mas isso não importava. Eu só precisava segurar essa pessoa até que Madame
Astera e Nyphia pudessem fazer Tess passar pelo portal com segurança. Com
o artefato que ela e eu tínhamos, o portal nos levaria ao abrigo onde o resto
do nosso grupo estava esperando.
‘Vamos voltar.’ Sylvie me assegurou. ‘Somos muito mais fortes do que da última
vez que lutamos contra um Retentor.’
Considerando que eu mal consegui ferir uma Foice por pura sorte, e eu nem
mesmo tinha a lâmina com a qual havia realizado esse feito, não pude deixar
de sentir uma dúvida persistente. Mesmo assim, havia pessoas esperando por
mim.
Continuamos voando em silêncio. Nyphia estava fazendo o seu melhor para
lidar com a perda de seu amigo, tremendo enquanto agarrava algo em suas
mãos. Eu me peguei olhando para as costas da Madame Astera enquanto ela
segurava Tess. Não achei que encontraria a velha soldada novamente depois
de vê-la brevemente na batalha da baía de Etistin, mas estava feliz por tê-la
encontrado. Ela era exatamente o tipo de soldado que precisávamos agora.
Meu feitiço abriu dezenas de buracos nas nuvens, e por meio de um deles eu
pude apenas ver o ponto preto que era nosso perseguidor, imperturbável por
meu ataque.
‘Mais rápido!’ Eu gritei, não querendo desperdiçar mais mana agora, quando
uma batalha no chão parecia inevitável. Eu só podia rezar para que não
houvesse outro Retentor ou Foice esperando por nós no portão de
teletransporte.
Mesmo com a proteção contra o vento que eu tinha lançado ao nosso redor,
Madame Astera e Nyphia tiveram que se agarrar com força às costas de Sylvie
para não caírem.
Tess estava acordada e de pé; a luz se espalhou dela para Sylvie, enquanto
gavinhas verdes translúcidas de mana disparavam debaixo de nós, cravando-
se no solo e nos edifícios ao nosso redor.
Confiando em Sylvie e Tess para lidar com a queda, concentrei minha atenção
de volta ao nosso perseguidor, que estava correndo em nossa direção como
um cometa de ébano.
Tess olhou por cima do ombro para mim enquanto corríamos. Foi apenas por
uma fração de segundo, e nenhuma troca verbal foi feita, mas a cara que ela
fez enquanto olhava para mim permaneceu em minha mente.
Posso arriscar usar o Static Void mais uma vez? Demoraria um minuto, talvez
mais, para que todo o nosso grupo chegasse ao portal sem a ajuda de mana.
Eu não estava confiante de que poderia abranger todos nós por tanto tempo.
Eu olhei para Nyphia e Madame Astera. Eu poderia abandonar essas duas e
diminuir o fardo?
Usei Static Void, mas apenas em mim, então me virei, cravando meus
calcanhares no chão e correndo em direção ao alacryano, congelado onde ele
estava preparando seu ataque devastador.
Uma vez que eu estivesse bem na frente dele, eu desativaria o Static Void e
dissiparia sua magia. Enquanto corria em direção a ele, examinei o inimigo. Ele
não era um basilisco do Clã Vritra, isso estava claro, mas ele parecia muito
poderoso para ser um mero Retentor. Então eu percebi, minha concentração
vacilou e o Static Void se estilhaçou.
Ele pareceu momentaneamente surpreso com a minha aparição repentina a
apenas alguns metros dele, mas passou em um instante, substituído por um
sorriso arrogante.
Seus braços baixaram, mas a energia umbral ainda girava em torno de suas
mãos quando Elijah me cumprimentou. “Há quanto tempo, hein, meu querido
velho amigo… Gray.”
Capítulo 247
Não estou sozinho
“Elijah? O que está acontecendo? Como você está…” minha voz se afastou
enquanto nós dois trocamos olhares. A expressão que ele tinha era tensa e ele
parecia mais velho por alguma razão. Ele era definitivamente Elijah, mas tudo
nele parecia um pouco errado.
Com um escárnio, Elijah saltou para trás, com os braços girando com uma aura
negra.
Respondi, por sua vez, ativando o Realmheart Physique em seu poder total. Eu
precisava. Pelo que ele me mostrou, suas formações de feitiços eram quase
instantâneas. Se eu ia sair dessa vivo, eu precisava saber onde e como seus
feitiços iam se formar de antemão.
Eu podia ver minha franja ficar branca enquanto runas douradas começaram
a pulsar na minha pele. Conforme o poder de outro mundo de um asura
passava por minhas veias, eu comecei a me acalmar — tornando-me mais
desapegado — como um cobertor fresco envolto em minha mente.
A espada dourada deslizou para fora de sua bainha com um zumbido macio.
Apertando minha mão em torno de sua alça, eu enfrentei Elijah, uma mana que
parecia um turbilhão de cinzas convergindo em torno de suas mãos, pronta
para ser liberada.
Eu corri para a frente, fechando a lacuna entre nós em três passos. Eu apontei
para o meio do corpo dele, mas um espinho negro eclodiu do chão entre nós,
parando meu ataque.
“Por que você está fazendo isso, Elijah?” Eu falei com uma raiva incontrolável,
me reposicionando. Eu não o deixei descansar. O treinamento físico que fiz
com Kordri entrou em ação.
“Depois do que você tirou de mim, você não se sente mal me perguntando isso,
Grey?” Elijah respondeu, sua voz repleta de raiva.
Seus olhos não conseguiam acompanhar, mas os espinhos que podiam ser
conjurados do ar fino e ainda mais rápido do chão pareciam mais um sistema
de defesa automático do que uma conjuração intencional.
Enquanto isso, Elijah continuou a tentar se afastar, com o rosto tenso, mas
controlado, enquanto ele continuava preparando seu feitiço.
Eu podia ver através de Realmheart a forma que este feitiço maciço iria tomar,
pressionando-me a mover-se mais rápido e bater mais forte. Meu plano inicial
era confrontá-lo em combate próximo, a fim de conservar minha mana e
explorar sua fraqueza, mas com o nosso confronto acontecendo, eu tinha a
sensação de que não seria tão fácil como tinha sido na minha cabeça.
Nesse curto espaço de tempo, uma trilha da mana parecida com cinzas se
acumulou em um caminho de onde Elijah estava agora, até o portal. Tess,
Sylvie e todos os outros estavam nesse caminho.
Nenhum som foi feito enquanto a lâmina cortava através do ar, mas os efeitos
foram mostrados imediatamente. Dezenas de caminhos finos se esculpiram
como cobras entrelaçadas no chão, conforme uma enxurrada de crescentes
afiadas foram na direção de meu velho amigo.
Elijah terminou seu ataque prematuramente. Seu feitiço foi de três partes – a
primeira parte fez o chão rachar e desmoronar, a segunda parte levantou
pedaços do chão para o ar, e a terceira parte…
Empurrando suas palmas para a frente, Elijah soltou uma série de espinhos
obsidianos do chão e dos grandes pedaços de pedra flutuando no ar.
‘Agora.’
Sangue bombeou através dos meus membros e dos músculos das minhas
pernas e núcleo tenso. Eu empurrei com meus pés, sentindo o chão
pavimentado abaixo de mim desmoronando com a força.
Eu entrelacei pela selva de presas negras, à medida que mais e mais espinhos
disparavam em todas as direções antes de me aproximar de Elijah.
O sussurro frio em minha mente me disse para ativar o Static Void, para fechar
a distância e terminá-la limpamente por trás. Eu quase ouvia — mesmo que eu
não pudesse acertar um golpe mortal, eu poderia feri-lo fortemente o
suficiente para mudar a maré da batalha.
Segurei minha espada perto do meu corpo com a lâmina apontada para o fogo
que se aproximava. Um fogo branco acendeu na lâmina, brilhando fortemente
como pérola líquida enquanto eu imbuía cada vez mais da minha mana
interna, bem como manipulei a mana ao meu redor para alimentar meu
ataque.
Durante este tempo, uma explosão concentrada de mana pura saiu por trás de
mim, envolvendo Elijah completamente e criando outra cratera.
Juntando cada vez mais poder no meu feitiço, esperei até o último momento
antes de empurrar minha espada para a frente, liberando a chama branca que
havia coberto minhas roupas em uma camada de gelo e tinha congelado o
chão ao meu redor.
Confuso com suas palavras, olhei para trás para ver o alcance do dano do
feitiço de Elijah. O fogo negro não foi capaz de passar por mim, mas os
espinhos chegaram até onde o portão de teletransporte estava.
‘Não, eu posso quebrar os espinhos negros, mas mesmo assim, vai levar algum
tempo para chegar onde o portal foi enterrado.’
Com uma mão vestida de fogo gelado, eu parei a esfera do fogo do inferno,
apenas para que ele batesse e derrubasse um prédio inteiro nas proximidades.
O fogo comeu a estrutura, crescendo até que tudo fosse consumido.
Elijah levantou as mãos, mas antes que seu feitiço pudesse se manifestar, eu
já estava a um braço de distância de seu rosto.
O som do trovão ressoou com o impacto do meu golpe e o corpo de Elijah foi
enterrado no chão.
“Você não é Elijah, então eu vou perguntar isso mais uma vez. Quem diabos é
você?”
Elijah levantou-se do buraco que seu corpo havia criado no chão. Sua
mandíbula tinha sido quebrada e a maioria de seus dentes tinham ido embora,
mas conforme uma brasa preta esfumaçada queimava através de seu rosto, os
ferimentos que ele tinha sofrido estavam se recuperando.
‘Claro que ele tem habilidades regenerativas,’ eu pensei, fazendo caretas com
a dor irradiando decorrente dos dedos que eu tinha fraturado de socar através
do espinho negro.
“Arthur!” A voz de Tessia ecoou por trás. Sylvie e Tess estavam correndo em
minha direção.
‘Elijah não vai matar Tessia’, Sylvie declarou. ‘Ele poderia tê-la matado várias
vezes antes de chegarmos, mas ele não o fez.’
‘Há mais alacryanos chegando. Ainda é muito perigoso – apenas tire-a daqui!’
‘Não! Por que você deve sempre encarar situações de risco de vida por conta
própria?! Eu sou sua parceira, não um simples guarda-costas para escoltar sua
princesa para a segurança.’
‘Droga, Sylvie. Tudo bem, você e Tess mantenham os alacryanos longe de nós.’
‘Eu posso fazer isso’, eu pensei. O controle de Elijah sobre os espinhos negros
e a velocidade com que eles foram formados não estavam no nível de Uto e eu
tinha ficado mais forte desde a minha luta contra ele.
Confortado pelo fato de que elas estavam indo bem, apesar dos números
esmagadores contra elas, eu me concentrei no meu oponente.
Ao invés de ir para o poder bruto como ele, usei minha mana eficientemente.
Com o controle que ganhei ao atingir o núcleo branco, moldei a mana, unindo
diferentes atributos para formar várias balas condensadas de cores variadas.
Com uma explosão de fogo azul, auxiliada pela magia do vento, as cinco balas
perfuraram o ar em raios de luz como lasers multicoloridos.
Três foram bloqueados pelos espinhos negros, mas um raspou a perna e outro
o atingiu diretamente no braço, queimando um buraco no membro.
Na sequência, corri em direção ao Elijah, gelo acumulado em volta do meu
braço.
“Você não é páreo para mim neste mundo, Grey”, afirmou Elijah enquanto
pulava para trás e conjurava uma fina camada de fumaça.
Com Realmheart ativo, eu podia dizer que este feitiço era semelhante ao
primeiro Retentor que eu tinha lutado, que era capaz de conjurar e manipular
toxinas mortais e venenos.
“Não deixe que esse gás toque em você!” Tess gritou da borda da cratera.
O gás teceu junto e disparou como uma serpente atacando sua presa.
Derrapando até parar, usei a mana sintonizada com gelo em volta dos meus
braços e cortei no ar. Uma lâmina cintilante em forma de arco de fogo branco
foi liberada ao meu balanço, rasgando o ar enquanto deixava um rastro de
geada em seu caminho.
Quatro espinhos negros eclodiram do chão ao meu redor, apenas dois dos
quais eu conseguia evitar. Um tinha perfurado meu tornozelo e o outro raspou
o lado do meu corpo.
Que merda. Ele está sacrificando os seus membros para me dar ferimentos.
Procurei uma abertura para usar o Static Void mais uma vez — eu precisava
acabar com isso rápido — mas Elijah parecia estar consciente das minhas
habilidades. Ele tinha posicionado espinhos em torno de si mesmo o tempo
todo, para me impedir de entrar no alcance direto, sem que ele fosse capaz de
reagir. Seu fogo negro se opunha diretamente a muitos dos meus feitiços
enquanto seus espinhos foram capazes de conduzir e redirecionar meu
relâmpago.
Sua fraqueza era o combate de confronto direto, mas ele era inteligente e
astuto. Elijah estava jogando um jogo de táticas, me mantendo ao alcance
enquanto lentamente me feria apesar da minha velocidade e força superiores.
‘Eu tenho que assumir que nossa quantidade de mana é em torno da mesma, a
minha talvez até menor. Se eu quiser ganhar esta luta em breve, eu preciso de
mais poder.’
Enquanto eu rangia meus dentes, a mente girando para formar um plano, uma
sensação boa e reconfortante ressoou de meu núcleo. Era da vontade do
dragão de Sylvia.
Capítulo 248
O nome dele
Eu era um rei na minha vida anterior, e eu era um dos auges da força em todo
um continente nesta vida, mas o que eu sentia agora era o verdadeiro – divino
– poder.
‘Arthur! Pare! Você está se machucando’, Sylvie implorou em minha mente, mas
eu deixei isso de lado. Estava cansado de perder batalha após batalha. Uto,
Cylrit, a Foice que tinha tomado Sylvia — eu tinha perdido para todos eles.
Não hoje, especialmente contra essa fraude que possuía o corpo do meu amigo
mais próximo.
Alguns alacryanos que conseguiram manter seu juízo retaliaram com feitiços
próprios, mas era inútil. Ignorei as explosões de fogo e deixei os cacos de gelo
e pedra se quebrarem contra os raios que estavam me protegendo.
Com outro pensamento, a mortalha de raios foi substituída por uma nimbus
de fogo branco tingido com aether. O fogo negro desta vez não foi capaz de
queimar e se apagou ao toque do fogo gelado.
Balançando meus braços, uma onda de chamas brancas ondulou para fora,
congelando e quebrando tudo em seu caminho.
Eu estremeci com a visão familiar. Tentei descobrir por que Elijah parecia tão
familiar, mas tão desconhecido ao mesmo tempo.
À medida que mais e mais da vontade do dragão de Sylvia bombeava para fora
do meu núcleo e através das minhas veias, mais forte eu ouvia a voz do velho
dragão. Memórias do meu tempo com ela naquela caverna, depois de cair do
penhasco começaram a aparecer, e eu comecei a confiar nessa voz cada vez
mais.
Deixei o poder de outro mundo tomar o controle sobre meu corpo e minha
mente para matar Elijah e deixar Tess e Sylvie em segurança.
Tinha que ser isso. Não havia outra razão para eu ouvir a voz da Sylvia agora.
Não havia outra explicação para este súbito fluxo de poder.
Afastei a voz do meu vínculo. Ela não entendia. Ela não sabia. Ela não sabia da
promessa de Sylvia para mim — que ela tinha uma mensagem para mim, uma
vez que eu tivesse passado além do estágio do núcleo branco.
Voltando minha atenção para Elijah, notei seu olhar voando para o lado como
se estivesse esperando por algo… ou alguém.
Elijah, percebendo que suas defesas eram inúteis, mal conseguiu se jogar para
fora do caminho, mas não a tempo de sair ileso.
Ele soltou um uivo de dor enquanto segurava o que sobrou de seu braço
decepado. Mesmo assim, ele ousou lançar outro ataque contra mim.
Um sorriso subiu dos meus lábios enquanto eu dava um passo no ar. Com o
controle de spatium, as partículas de aether convergiram para uma ponte na
minha frente, e aquele único passo limpou as dezenas de metros
instantaneamente e sem usar a força. Foi o mundo que se cedeu na minha
frente.
Sob minha influência, no entanto, o fogo negro ficou roxo e ao invés de curá-
lo, estava corroendo-o.
“Não sou páreo pra você, você diz?” Eu zombei, minha voz tingida com um
timbre etéreo.
Com sangue escorrendo pelo canto da boca, Elijah zombou de mim. “Eu sabia
que você mostraria seu verdadeiro rosto. Não importa o nome e a aparência
que você assume, você sempre será o mesmo, Grey.”
O puro instinto tomou conta e eu chutei para frente, empurrando-me para trás
assim que um pilar ardente preto irrompeu do chão onde eu estava de pé.
Seguindo a trilha da flutuação de mana, mudei meu olhar para a direita e para
cima, no céu. Assim que confirmei quem era, não pude deixar de sorrir.
Meu corpo, banhando-se em uma luz dourada, brilhava mais e mais forte.
Desta vez seria diferente do Castelo.
A Foice chegou ao lado de Elijah, seu rosto uma máscara de indiferença e
equilíbrio.
Ele colocou a mão na chama roxa onde seu braço costumava estar e ela foi
substituída por uma chama negra ardente que começou lentamente, mas
visivelmente, regenerar o braço de Elijah.
Em vez de correr para lutar, mantive distância enquanto curava meu pé,
usando o vivum. Eu também podia sentir o toque curativo de Sylvie enquanto
ela continuava mantendo os Alacryanos à distância, junto de Tess. Eles
estavam parados, ambos os lados não sabiam o que fazer na presença de
Elijah, da Foice, e de mim.
“Você deixou claro para mim que ganharia contra seu amigo”, disse a Foice.
“Eu posso — eu podia, até que ele entrou nessa forma”, disse Elijah.
O aether ao meu redor se formou em uma ponte mais uma vez, me conectando
até onde Elijah e a Foice estavam.
Uma onda de choque explodiu para fora do impacto, soprando Elijah de volta,
bem como muitos dos outros Alacryanos nas proximidades.
Um frio correu pela minha espinha enquanto ele balançava a mão. Uma onda
sombria de fogo irrompeu de sua mão, engolindo-me e tudo atrás de mim.
Eu tinha a mente clara e tinha controle sobre todo o poder, sem restrições, de
Realmheart. Eu podia fazer isso. Eu tinha que fazer isso.
Fui imediatamente atrás dele. Spatium me levou até onde ele estava em outro
único passo. Meu punho o atingiu de lado e pude sentir suas costelas se
despedaçando sob a força, apesar da onda de fogo defumado que tentou
bloquear alguns dos danos.
Elijah caiu do ar, seu corpo girando fora de controle antes de criar uma cratera
na lateral de um prédio.
Decidindo que ela ficaria bem por enquanto, fui até onde o portão de
teletransporte foi enterrado sob uma maré de espinhos negros.
Enquanto estava meio tentado a soltar uma torrente de raios, eu estava com
muito medo que o portão fosse danificado, então eu vesti meus punhos em
raios e ataquei adiante.
‘Apenas continue…!’ Ela enviou com o que quer que tivesse restado de sua
sanidade.
Eu conseguia sentir a terra tremer com cada explosão das chamas negras e da
mana pura na distância, mas eu continuei adiante, até que eu pudesse ver o
brilho fraco do portal de teletransporte.
Quase lá!
‘Eu consegui’, emitindo para fora uma onda de choque do gelo etérico direto
no fogo do inferno negro caindo tanto na minha direção quanto na do portal
de teletransporte bem do meu lado.
“Eu tenho meu próprio medalhão. Eu vou encontrá-la de volta no abrigo com
Sylvie. Agora vá!”
“Grey! Você não pode fazer isso comigo, não de novo!” Elijah gritou de cima,
desesperadamente tentando chegar no portal a tempo. “Não depois do que
você fez comigo e Cecilia!”
Com aether sob meu comando, fechei a distância, bem quando ele estava
prestes a disparar um espinho negro no portal e o interceptei.
Ferido e cansado, Elijah não era mais páreo para mim, enquanto eu estava
neste estado.
Agarrei o pescoço dele e apertei o suficiente para que ele mal pudesse falar.
“Parece que você está finalmente… sóbrio”, ele chiou. “Se você não estivesse…
sob a influência desse poder que está… matando você agora, você já poderia
ter descoberto isso.”
Apertei mais forte, fazendo-o engasgar, antes de afrouxar meu aperto. “Quem
é você?”
Elijah cuspiu na minha cara antes de sorrir, revelando seus dentes manchados
de sangue. “Eu era o seu melhor… amigo, e aquele cuja noiva você matou na
frente.”
Meu aperto se soltou e senti meu coração tenso se apertar. Minha mente ficou
dispersa e meu corpo inteiro parecia que estava submerso em piche. Minha
garganta apertou e engasgou enquanto tentava me impedir de murmurar a
única palavra que pressionava contra meu cérebro como uma marca ardente.
“Nico?”
Capítulo 249
Se foi
“Eu ser… Nico?” Elijah tossiu enquanto separava meus dedos o suficiente para
poder falar. “Se você reencarnou neste mundo, Grey, por que é impossível para
qualquer outra pessoa também?”
O grito de Tess me sacudiu para fora dos meus pensamentos, mas eu não podia
evitar totalmente o espinho de trás que Elijah tinha lançado do chão.
“Art!” Tess gritou. Do canto dos meus olhos, pude ver a aura cintilando
enquanto se preparava para atacar.
Elijah olhou para trás também, mas quando ele estava prestes a ir para Tess,
eu agarrei seu braço.
“O que Agrona fez com você, Elijah?” Eu gemi. “Ele fez você dizer tudo isso?”
Elijah girou a cabeça para trás, raiva pingando de sua voz. “Você acha que até
Agrona saberia como você e eu costumávamos roubar e vender o que nós
furtávamos para a loja de penhores? E que usávamos os ganhos para manter
nosso orfanato financiado sem Wilbeck saber?”
“Você acha que Agrona sabe que no fundo, você tinha sentimentos por
Cecília?”
Eu enrijeci e o mundo que estava girando por causa da toxina no feitiço de
Elijah de repente voltou ao foco.
“E mesmo quando eu lhe disse tudo o que descobri sobre Lady Vera, você virou
as costas para o seu melhor amigo por aquela cadela”, ele falou com raiva
indescritível, chamas negras se espalhando de suas mãos. “E como se isso não
fosse suficiente, você a matou! Você matou Cecília na minha frente!”
Minhas runas e sua chama se chocaram em uma batalha constante para evitar
que meu corpo pegasse fogo.
Mesmo que Nico não soubesse, o espinho negro conseguiu bloquear o arco
verde que Tess tinha sem dúvidas atirado, mas isso me deu a oportunidade de
soltar uma explosão de gelo bem na cara de Nico.
Do ombro para cima, Nico ficou congelado por um segundo até que uma chama
negra começou a derreter o gelo. Ainda assim, consegui me livrar de suas
garras e lançar um arco de relâmpago no meu inimigo desorientado.
Nico caiu no chão, um cogumelo de poeira cobrindo a área que ele havia
aterrissado.
‘Eu estou… bem. É estranho, ele definitivamente está me atacando, mas parece
que ele está… se segurando,’ ela respondeu. ‘Como estão as coisas aí?’
‘Não tão… bem,’ eu admiti. ‘Mas eu vou ser capaz de aguentar. Eu só preciso
levar Tess e eles através do portão.’
Assim que terminei esse pensamento, voltei minha atenção para a cratera para
ver uma grande flutuação de mana de onde Nico tinha pousado.
Centelhas de fogo infernal que tinham conseguido fazer o seu caminho através
da minha barreira de vento queimaram através da minha pele como ácido,
enquanto mesmo minhas habilidades regenerativas estavam me machucando,
como se meu corpo estivesse me implorando para parar de me machucar.
“Está quase pronto! Mas e você e Sylvie?” Tess gritou enquanto ela continuava
a segurar o antigo medalhão contra o centro do anel brilhante que estava
quase cheio de roxo.
“Não!” Nico gritou. Ele retirou seu feitiço concentrado e explodiu para a frente,
para tentar passar por mim. No entanto, apesar do mau estado do meu corpo,
meus reflexos eram muito mais rápidos do que ele pensava.
“Solte!” Ele rugiu conforme ele se agitava, tentando escapar do meu aperto.
“Então é assim que é? Cecília morreu então você tem que ter Tess para
ficarmos quites?” Eu cuspi. “Eu não tinha intenção de matar Cecília, mas
mesmo que eu tivesse, ela não iria querer isso, Nico! Tomar Tess não vai trazer
Cecília de volta!”
Só então, outra explosão ressoou de onde Sylvie estava lutando contra a Foice.
‘Eu estou… bem, mas a Foice está indo em sua direção,’ ela respondeu, até
mesmo sua voz mental transparecia a dor.
Ignorando o aviso do meu corpo, eu soltei o Nico congelado e fiz meu caminho
em direção à Tess, Nyphia, e a Madame Astera.
Meu corpo ficava mais pesado e estonteante com cada passo que eu dava, mas
eu não podia me permitir liberar o Static Void e arriscar que o feitiço da Foice
disparasse.
“Segure Nyphia!”
Tentei dobrar o espaço mais uma vez com a ajuda do aether, mas a ponte roxa
translúcida não se formou. Sem nem mesmo tempo para amaldiçoar, cerrei os
dentes e gastei a mana que me restava para ganhar alguma distância quando
uma horrível explosão de fogo ressoou atrás de nós.
Uma aura verde de repente envolveu todos nós, enquanto Tess ativava sua
vontade bestial para nos proteger enquanto eu me concentrava em nos tirar
do alcance, mas o calor só ficou mais forte.
De repente, Madame Astera soltou um grito de dor, mas eu não podia me dar
ao luxo de desacelerar, pois podia ver os tentáculos de chamas negras no ar.
Mas não fez diferença nenhuma. O céu escureceu quando as chamas negras
estavam prestes a nos engolir, mas nem a queimadura escaldante nem a dor
lancinante vieram.
Eu espiei por cima do ombro para ver Nico usando suas próprias chamas
negras para bloquear o fogo do inferno que a Foice havia desencadeado.
“Tire elas daqui!” Elijah gritou enquanto lutava para manter a poderosa
explosão sob controle.
“Segure-se em mim com força!” Tess exclamou enquanto retirava sua vontade
bestial e conjurava um orbe condensado de vento em suas palmas.
Eu apertei sua cintura com força enquanto ela soltava uma rajada de vento
atrás de nós, nos impulsionando para frente. Eu tropecei e quase caí para
frente com a força repentina, mas Madame Astera realmente cravou sua
espada no chão, permitindo-me recuperar o equilíbrio.
Continuando a correr até não poder mais sentir o calor, tombei para frente de
pura exaustão. Ainda assim, fiz questão de me agarrar firmemente para manter
o Realmheart Physique ativo. Eu sabia que assim que o desativasse, a reação
me atingiria – com força.
Ignorando a dor surda e irradiante que ficava mais forte a cada minuto, inalei
mais mana ambiente como um viciado em drogas à beira de sua queda.
“Fique comigo!” Tess disse a alguém por trás, a voz trêmula, mas forte.
“Meu pé ficou preso naquela explosão. Eu sabia que não poderia apagar
aquele fogo negro, então o cortei,” ela grunhiu. Por uma fração de segundo,
admirei o fato de que, para uma mulher tão pequena que acabara de
arremessar a própria perna, ela mal fazia careta.
“Tessia quase morreu por causa do seu ataque, Cadell!” Nico rugiu. “Tenho
certeza que Agrona deixou claro para você que ela deve permanecer viva!”
Eu finalmente soube o nome da Foice que matou Sylvia quando eu era criança
neste mundo.
‘Arthur! Estou quase aí,’ Sylvie retransmitiu. Eu já podia ver sua grande figura
no céu acima de alguns edifícios distantes.
Cadell percebeu também, seu olhar voando atrás dele por um segundo antes
de se concentrar em Nico.
“Se eu não tivesse agido da maneira que agi, o receptáculo teria escapado”,
ele respondeu apaticamente antes de se virar para mim.
“Isso não justifica você arriscar a vida dela! Nós tínhamos um acordo,” Nico
retrucou, uma mecha de aura negra e esfumaçada se espalhando no chão e
criando um grande corte.
“Você teria falhado por conta própria. Por quê? Por causa do seu passado com
o menino. Se você não estivesse tão determinado a se vingar de seu velho
amigo, então o receptáculo já estaria em sua posse.”
Sylvie estava quase aqui e, embora tivesse sido inteligente deixá-los sozinhos
para ganhar tempo, não pude ignorar o que eles estavam falando. Mesmo
sabendo que iria me arrepender, eu só precisava saber.
“Explique o que você quis dizer quando disse receptáculo?” Eu exigi, minha voz
carregada com a ajuda de mana, apesar do quase sussurro que saiu de mim.
“Você disse que pegar Tess não vai trazer Cecília de volta, certo?” Nico
respondeu, sua voz muito mais calma do que antes. “Bem, e se for?”
“Então eu diria que você está louco,” eu respondi, permanecendo forte apesar
das agulhas ardentes apunhalando cada centímetro do meu corpo.
“Isso é o que Agrona tem pesquisado e aperfeiçoado nos últimos cem anos,
Gray, e sua reencarnação foi o que permitiu que tudo pelo que ele trabalhou
colocasse as engrenagens em movimento,” Nico explicou. “E foi assim que fui
capaz de reencarnar neste mundo. Afinal, se alguém merece uma nova vida,
não é você… somos Cecília e eu.”
Para piorar a situação, o portal havia sido destruído e não havia outro por
perto.
Não era justo. Não importa o quanto me tornei mais forte, por que sempre me
falta o poder para vencer?
Que merda. Que merda. Vamos, agora seria um ótimo momento para uma
arma! Eu implorei, agarrando a palma da minha mão onde aquele asura
maldito, Wren, tinha enfiado aquele acclorite.
Tess de repente agarrou meu pulso. “Arthur, pare! O que você está fazendo
com a sua mão?”
“Eu vou ficar bem,” eu menti, encolhendo os ombros. Eu não conseguia nem
olhar nos olhos dela. Em vez disso, mantive meus olhos focados nos oponentes
à frente.
Falar era inútil agora e o que quer que o asura enfiou na minha mão não me
ajudaria nesse momento.
Fosse Elijah ou Nico, não importava. Ele era um inimigo tentando tomar Tess,
e eles não parariam por aí.
Cadell e Elijah se vestiram com sua mana escura também. O chão rachou e se
estilhaçou ao nosso redor, enquanto todos os que restaram do lado alacryano
fugiram.
“Nyphia. Leve Tess e Madame Astera para o mais longe possível,” eu disse,
olhando por cima do ombro. Olhando para o coto de Madame Astera, eu forjei
uma perna protética em pedra antes de voltar. “E não pare.”
“Princesa dos elfos,” Cadell disse, seu sorriso se alargando. “Se o seu amado
continuar nessa forma por mais tempo, quer ele ganhe ou perca esta batalha,
ele morrerá.”
“Deixe-a fora disso!” Eu gritei, mas quando me virei, Tess já havia se livrado de
Nyphia.
Tess não falou comigo, no entanto. Em vez disso, agarrou o pulso de Sylvie e
perguntou: “Ele está mentindo, certo? Diga que ele está mentindo, Sylvie!”
“Eu vou ficar bem, Tess,” eu menti novamente, mas minhas palavras foram
recebidas com um brilho venenoso cheio de lágrimas.
“Você sempre faz isso. Você está sempre pronto para desistir de sua vida para
me salvar,” ela disparou de volta.
“Você acha que eu ficaria grata se você morresse para me salvar?” ela
perguntou, seus lábios tremendo.
Ela colocou sua mão sobre a minha e se livrou do meu aperto. Ela tocou minha
testa com a dela enquanto fechava os olhos, o peito arfando de forma irregular
enquanto ela continha os soluços.
Ela deixou escapar um sussurro depois de colocar seus lábios contra os meus.
“Seu idiota.”
“Não!” Avancei, pronto para correr atrás dela, quando Sylvie me segurou,
envolvendo os braços em volta da minha cintura.
“Arthur, por favor…” Implorou Sylvie, seu pequeno corpo tremendo. “Eu não
quero que você morra.”
Eu assisti quando Tess se virou e sorriu para mim antes de dizer algo. Mas eu
não consegui ouvir. Podem ter sido as últimas palavras de Tess e não pude
ouvi-las.
Tudo fez sentido, então. Por alguma razão, Tess deveria ser o recipiente para
Cecília. Talvez fosse por causa do nosso relacionamento neste mundo que
criou a ponte, mas isso não importava.
Se Nico e eu nos tornamos tão fortes depois de reencarnar neste mundo, quão
forte seria Cecília, o ‘legado’, se ela reencarnasse no corpo de Tess?
“Sylvie. Você sabe o que Rinia disse,” eu implorei, estudando a antiga relíquia
em minha mão. “Não podemos permitir que eles fiquem com Tess.”
Sylvie balançou a cabeça, o rosto ainda enterrado no meu peito. “Nós dois
ficaremos mais fortes. Enquanto vivermos, temos uma chance.”
“Pro portal, agora!” Eu gritei enquanto lutava para manter o portal estável.
Madame Astera foi quem fez tudo funcionar. Sem perder tempo, ela pegou
Nyphia e correu em direção ao portal com a perna protética que eu tinha
conjurado para ela. Depois de jogar Nyphia no portal, ela correu atrás de Tess,
que ainda estava a alguns passos de distância.
Sem nem mesmo a chance de dizer uma palavra, vi Tess ser sugada para dentro
do portal. Madame Astera olhou para mim por um segundo antes de me dar
um aceno de cabeça e pular pelo portal.
“Sylvie… é hora de ir,” eu disse, meu vínculo apenas olhando para mim com
horror.
Ela estendeu a mão e enxugou as lágrimas que escorriam dos meus olhos,
apenas para ver seus dedos cobertos de sangue… meu sangue.
“A-Arthur, você não vai sobreviver”, disse Sylvie enquanto eu sentia sua
consciência ir mais fundo na minha. Eu não conseguia mais proteger meus
pensamentos dela em meu estado, deixando-me um livro aberto.
“O portal não vai… ficar estável por muito mais tempo, Sylv. P-Por favor, eu
não posso deixar você morrer também,” eu disse, sorrindo enquanto tentava
evitar que o sangue vazasse da minha boca.
A luz se espalhou até que um dragão muito familiar estava parado na minha
frente.
“Tente se manter vivo enquanto eu estiver fora, tá bom?” Sylvie disse enquanto
me dava um sorriso cheio de dentes.
“Sylv, não! Não faça isso!” Eu gritei. Desesperado, tentei empurrá-la para o
portal, mas minhas mãos passaram por ela.
Meu vínculo me deixou com uma palavra, antes de desaparecer: ‘de novo.’