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FICHA RESUMO

SANTOS, Boaventura de Souza. Um Discurso Sobre as Ciências. 5. Ed. São Paulo:


Cortez, 2008. p. 20-40.

O autor inicia a reflexão constatando que o atual modelo racional que guia ciência
contemporânea, além de ter sua origem na revolução científica do século XVI,
desenvolveu-se, de início, fundamentalmente no campo das ciências naturais.
Posteriormente, no século XIX, essa matriz racional passou a contemplar as novas
ciências sociais. A partir disso, admite-se um arquétipo mundial de racionalidade na
área científica, o qual, apesar de possuir variedades, sempre se diferencia do senso
comum e dos estudos humanísticos.

Esse novo modelo racional é autoritário. Isso porque nega a racionalidade a todas as
outras produções de conhecimento que não seguem seus fundamentos
epistemológicos e suas normas metodológicas. É justamente esse autoritarismo que
caracteriza a ruptura desse novo método científico com outros anteriores. Existe,
então, certa apreensão em presenciar essa forma de ruptura, que se evidencia na
surpresa e na singela falta de modéstia presentes nas atitudes daqueles que
conquistaram novas descobertas científicas.

A confiança epistêmica comum a tais novas conquistas é explicada pelo afastamento


da concepção aristotélica e medieval ainda preponderante, o qual se pauta em uma
melhor observação dos fenômenos e em um embate contra qualquer modo dogmático
e autoritário. Essa nova perspectiva suscita duas diferenciações básicas: entre saber
científico e senso comum e entre natureza e indivíduo humano. Assim, inversamente
à ciência anterior, a aristotélica, a ciência moderna é receosa em relação aos
resultados da experiência instantânea. Sob outra perspectiva, é definitiva a distinção
entre natureza e ser humano, de forma que aquela – em seu comportamento passivo
– não possui impeditivos ao entendimento humano – conquistado de forma ativa.

Entretanto, nesse novo método, a teoria previamente elaborada, as deduções e


especulações não são renunciadas pela experiência, pois, na verdade, esta submete
os fatores anteriores à análise dos fatos. As idealizações que guiam as observações
e as experiências são dotadas de clareza e simplicidade e configuram-se como ideias
vinculadas à matemática. Essa área do conhecimento oferece à ciência moderna,
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além de uma ferramenta excepcional de estudo, a lógica investigativa e a forma de


representação da composição da matéria.

Dessa importância atribuída à matemática decorrem duas principais consequências.


A primeira é que conhecer é quantificar, ou seja, a exatidão científica é medida pela
exatidão das medições. A segunda se refere à fundamentação do método científico,
que é a diminuição da complexidade. Portanto, conhecer se resume a procedimentos
de divisão e classificação que, posteriormente, estabelecem relações metódicas entre
aquilo que foi separado. Como divisão imprescindível para a produção de
conhecimento, tem-se a distinção entre “condições iniciais” e “leis da natureza”, sendo
que estas apresentam constância e possibilitam a análise e medição com rigor e
aquelas são acidentais, nas quais é preciso fazer a seleção do que se vai observar.

Essa separação é proposital e é nela que se fundamenta a ciência moderna. Desse


modo, o conhecimento científico é um estudo causal que objetiva, com base na
observação de regularidades, a elaboração de leis que permitam antecipar as
condutas futuras dos acontecimentos. Essas leis se baseiam no princípio de como as
coisas funcionam, relegando a um segundo plano os agentes e as finalidades. É nesse
caminho que ocorre a separação com o senso comum.

Essa ideia de conhecimento relacionado à formulação de leis pressupõe a concepção


de mundo estável e ordenado. Constitui-se, então, a hipótese do mecanicismo
(mundo-máquina), que é orientada pela utilidade e funcionalidade e, por isso,
beneficiou a burguesia que iniciava, à época dessas transformações, a dominar a
sociedade.

A partir disso, inicia-se a transposição do modo de estudo da natureza para a


produção de conhecimento acerca da sociedade. Objetivou-se, da mesma forma que
foram elaboradas leis naturais, a produção de leis da sociedade. Posteriormente, no
século XVIII, esse ideal vanguardista é intensificado e desenvolvido, de modo que
possibilita a eclosão das ciências sociais no século seguinte.

Assim, o positivismo oitocentista – no qual se agrupou a filosofia da ciência moderna


– abordou o modelo mecanicista de formas variadas, das quais o autor distingue duas
orientações: uma pautada na aplicação de métodos de estudo da natureza no estudo
da sociedade, e outra que reclamava um método próprio de estudo para as ciências
sociais.
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No entanto, relativo à primeira orientação, as ciências sociais e as da natureza


possuem diferenças e, por isso, não podem ser tratadas da mesma forma. Estas
divergências não são insuperáveis, mas tal processo não oferece facilidade e,
portanto, a abordagem dos fatos em sua integralidade nem sempre é viável, além de
constituir – nesse caso, o autor se vale das ideias de Ernest Nagel em The Structure
of Science (1961) – o principal motivo do atraso das ciências sociais quando
comparadas às ciências da natureza.

Já para a segunda colocação, tais diferenças são insuperáveis. Isso porque as


ciências sociais são invariavelmente subjetivas, ao contrário das ciências naturais,
que se caracterizam pela objetividade. Desse modo, é necessário que os métodos e
critérios utilizados sejam diferentes. Entretanto, essa perspectiva não rompe
absolutamente com o ramo das ciências naturais, pois mantém a ideia de separação
entre ser humano e natureza.

Logo, é evidente que a barreira entre o estudo da sociedade e o da natureza é


submetida aos princípios das ciências naturais. Conclui-se, então, que ambas as
correntes das ciências sociais citadas estão situadas no paradigma da ciência
moderna, mesmo que a segunda colocação apresente um indício de crise e possua
certos elementos da passagem a um outro paradigma.

CONSIDERAÇÕES PESSOAIS

As ideias de ruptura com os modelos precedentes e o autoritarismo do método


racional são proveitosas e auxiliam a compreensão relativa à renovação na área das
ciências. Isso porque, conforme avanços científicos são concretizados, é razoável
considerar que o modelo vigente é satisfatório e, portanto, deve ser necessariamente
adotado como forma de produzir ciência. Contudo, é necessário coerência e
humildade para reconhecer que, futuramente, com novas descobertas acerca dos
métodos científicos, talvez novas rupturas precisem ser aceitas.

Em relação às ponderações acerca das ciências naturais e sociais, é preciso analisar


como se tratam se duas ciências que, apesar de diferirem em relação a seus modos
de pesquisa e objetos de estudo, apresentam interligações que não as segregam de
forma definitiva.
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Além disso, as formas de obtenção de conhecimento, que usufruem da divisão e da


quantificação – que o autor apresenta como consequência da posição central dos
fundamentos matemáticos nesse processo –, evidenciam um constante diálogo com
o passado, afinal a antiga ciência da matemática segue desempenhando papel de
extrema importância na área das ciências, enquanto o método da divisão, também útil
ao campo científico, remete à célebre tese de Descartes sobre as regras do método
científico, que foi apresentada originalmente em sua obra Discurso do Método há mais
de séculos.

DESCARTES, René. Discurso do Método. 2.Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Brusque, 25 de outubro de 2021

Matheus Ideta Bergamo

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