Um Guia para Iniciantes nas
Notas Quadradas
Por Arlene Ooost-Zinner e Jeffrey Tucker
N
ão se pode ir muito longe na música sacra
católica sem se deparar com os neumas, aquelas
notinhas quadradas sobre quatro linhas que
aparentam tão bonitas quanto bem antiquadas. Muitos
não fazem idéia de como lê-las, e mesmo os mais
experientes músicos perdem-se nelas tanto quanto
qualquer outra pessoa – não se ensina essas coisas nem
mesmo na faculdade.
O que fazer? Há duas respostas típicas. Uma pessoa
interessada esforça-se para achar o mesmo canto na
notação moderna e freqüentemente não encontra. Outra
pessoa menos ambiciosa logo desiste ao concluir que
aquilo tudo é muito antigo e complicado para se
preocupar. Qualquer uma dessas respostas afasta o
interessado do canto e o leva de volta para o status quo:
“esqueçamos Alma Redemptoris Mater! Vamos ouvir
outro verso de Maria de Nazaré!”
Bem, não tenha medo. Este guia será sua introdução
ao canto gregoriano, de forma rápida, simples e prática.
Você ficará encantado
Vivas e importantes tendências hoje na Igreja
demandam músicos de todos os níveis para reviver a
tradição do canto. O Papa Bento XVI e seu predecessor
João Paulo II têm afirmado isso muito explicitamente. O
sínodo dos Bispos de 2005 incluiu um claro chamado à
restauração do canto a seu digno e devido lugar na
liturgia. Os esforços de Roma neste sentido, que datam
de décadas ou mesmo séculos atrás, intensificam-se ao
provável ponto em que sensibilizarão cada musicista de
cada paróquia em alguns poucos anos.
Algumas pessoas, ao olharem para essas notas
quadradas, imaginam ser algum tipo de afeição monástica.
Certamente a notação moderna pareceria mais “avançada”,
da mesma forma que o português moderno o é em relação
ao português antigo, ou o iPod em relação à vitrola. Mas,
ao menos no caso do canto, a comparação não é
verdadeira. Os neumas são precisamente adequados para a
utilidade a que se destinam. Não se poderia representar
bem uma sinfonia de Beethoven em neumas (que
significa, no grego, “palavra soprada”) da mesma forma
que a notação moderna é pouco adequada ao canto.
Sim, você pode ficar com suas partituras em notação
moderna. Existem hinários que contém alguns cantos em
tal notação. Mas eles abrangem apenas uma pequena
parte do repertório gregoriano. Você não estará cantando
o genuíno canto que deu origem à música sacra e à
música ocidental em geral. Os Salmos e a maioria das
configurações de Missa estarão fora de alcance.
Igualmente, os importantes livros editados pela Abadia
de Solesmes na França permanecerão excluídos.
Outro problema é que, se você entoar o canto a
partir da notação moderna, a música nunca soará
completamente correta. Será ignorado o fraseado, e as
inflexões e todos aqueles “efeitos especiais” serão
perdidos. Os andamentos tornar-se-ão arrastados ou
lentos, possivelmente tornando o canto algo chato e
tedioso. De qualquer maneira, o canto soará mais como
música moderna do que oração cantada, como dever ser.
Você não precisa ser um especialista em neumas
para perceber que não existe um substituto viável para
aprender como cantar do jeito que a Igreja sempre
cantou. Musicólogos admitem que cantar aquelas notas
quadradas é o que mais nos aproxima da sonoridade
ouvida nos primeiros séculos do cristianismo. É por isso
que até hoje o canto gregoriano é usado.
Uma vez convencido desses fatos, o entusiasta
depara-se com um problema adicional: existe uma vasta
quantidade de livros sobre o canto, tanto tratados
acadêmicos quanto textos escritos para estudo monástico.
Alguns livros, alegando tornar simples o canto, parecem
apenas adicionar desnecessárias complicações. Até mesmo
as instruções facilitadas que se pode achar no começo dos
antigos missais não dispõem de importantes passos
pedagógicos no canto.
E esse é o motivo desse artigo. Aqui você achará toda
informação necessária para se instruir e cantar
rapidamente. Obviamente, a simples leitura do presente
artigo não substitui um treinamento mais profundo, a
audição atenta e meditada de gravações e execuções, e
horas de prática e estudo cuidadoso. O objetivo é fazer
com que você vença o medo inicial de forma que os livros
de canto não mais lhe pareçam assustadores depois disso.
Se você souber ler música, partirá de uma vantagem:
você já sabe o que são tom e semitom, como também terá
noção do que significa cantar afinado. Infelizmente, você
talvez se depare com uma desvantagem – estará
constantemente tentado a traduzir a notação moderna
para a gregoriana, e vice-versa. Isso é inútil. Neste caso, a
melhor abordagem é começar do zero.
 As notas
O canto é escrito sobre uma pauta de quatro
linhas, não porque ele é uma linguagem diferente da
notação moderna em cinco linhas, mas porque a maior
parte dos cantos não usará uma extensão de voz
(tessitura) tão larga que justifique o emprego de um
número maior de linhas. Não há nada de estranho
nisso: na notação moderna, retirando a linha de cima
ou a de baixo nas claves de sol ou de fá não fará a
música, em si, soar nada diferente.
Na pauta do canto, as quatro linhas são lidas da
mesma forma que as cinco linhas da notação
moderna. O canto é escrito especificamente para a
voz humana, que tem uma extensão mais limitada
que a maioria dos instrumentos musicais. Portanto,
simplesmente não há necessidade para uma pauta de
cinco linhas. Também não há marcações de métrica
nem de tonalidade.
De resto, é tudo igual. Quando as notas impressas
sobem, as notas cantadas também sobem. Quando as
notas impressas descem, da mesma forma desce o
canto delas. Isso não é diferente da notação moderna.
Lendo da esquerda para a direita, o canto pode subir
ou descer um tom inteiro, um semitom (meio tom),
uma terça maior (dois tons), uma terça menor (um tom
e meio), uma quarta justa (dois tons e meio), e assim
por diante. Resta uma pergunta: como saber se a
distância (o intervalo) de um espaço para uma linha
adjacente, ou de uma linha para um espaço, representa
um semitom ou um tom inteiro?
O truque é localizar os semitons ao longo dos
neumas. Considere uma escala de Dó, ou seja, as teclas
brancas de um piano começando a partir do Dó central e
indo até o próximo Dó. Esta escala tem sete intervalos:
cinco tons e dois semitons. Os semitons ocorrem entres o
Mi e o Fá e entre o Si e o próximo Dó.
No canto, essa seqüência de tons e semitons não
varia – qualquer escala é formada de cinco tons inteiros
e dois semitons. A única coisa que varia é o ponto de
partida. Se, por exemplo, você começa a partir do Dó e
termina no próximo Dó, o posicionamento dos tons e
semitons será o seguinte: tom, tom, semitom, tom, tom,
tom, semitom. Se vc começa a partir do Ré, a relação
entre tons e semitons permanece a mesma; novamente,
apenas a nota de partida foi trocada. Sua escala de Ré
até o próximo Ré soará da seguinte forma: tom,
semitom, tom, tom, tom, semitom, tom. Uma vez
compreendido o princípio dessa simples “regra de
deslocamento”, você será capaz de cantar qualquer
melodia gregoriana.
As claves
O melhor método de aprender as notas musicais é o
solfejo, aquele sistema Dó-Ré-Mi que Maria usou em
A Noviça Rebelde. Aquela canção é uma criação de
Hollywood, mas é baseada na maneira através da qual as
pessoas aprenderam o canto ao longo de séculos. Se você
não conhece aquele sistema, existe uma outra saída.
Observe o sinal da clave no começo do canto:
Esta é a clave de Dó. Ela sempre repousa sobre uma
linha. A clave de Dó simplesmente lhe indica onde está o
Dó. O espaço imediatamente abaixo é cantado um
semitom abaixo (Dó para Si). O outro semitom ocorre
entre o Mi e o Fá:
Dó Si Lá Sol Fá Mi Ré Dó
Como se vê, o primeiro semitom ocorre no espaço
imediatamente abaixo da linha indicada pela clave. A
partir dessa nota, conte três tons (inteiros) e você chegará
ao Fá. O próximo espaço abaixo é outro semitom.
Portanto, se nós caminharmos para baixo a partir da nota
indicada pela clave de Dó, verificaremos: semitom, tom,
tom, tom, semitom, tom, tom.
O mesmo ocorre se usarmos a clave de Fá. Esta
clave repousa sobre uma linha e diz onde o Fá está:
As relações de semitom e tom permanecem as
mesmas. A seqüência será a seguinte, começando do Fá e
caminhando para baixo: semitom, tom, tom, semitom,
tom, tom, tom. O canto raramente tem uma extensão
maior que esta. Se você estiver confuso, apenas olhe para
as teclas brancas de um piano e coloque a nota inicial da
clave no Dó (ou no Fá, dependendo da clave) e caminhe
para baixo através das teclas brancas para localizar os tons
e semitons. Se você souber tocar algum instrumento
musical, poderá pensar nas notas tal como elas ocorrem
na escala de Dó.
Estas duas claves funcionam como sinais para ajudar
o leitor a achar a melodia. Podem aparecer em quase
todas as linhas, mas não indicam a tônica ou a nota
central da música; elas simplesmente orientam o leitor
para a correta relação de intervalo (de tom ou de
semitom) entre as notas grafadas.
Por que existem duas claves, e não uma somente?
Cada uma indica uma diferente extensão na escala em
que o canto está centrado (isso nos leva aos modos, sobre
o que será depois tratado). Escolhendo corretamente a
clave e a linha sobre a qual ela será colocada, toda a
seqüência de notas caberá na pauta e poderá ser lida
facilmente.
 Outra dica que muito ajuda: não se distráia com
termos como “Dó” e “Fá”. É melhor que não os
pensemos absolutamente como Dó e Fá.
Diferentemente da notação moderna, o cantor desfruta
da completa liberdade em colocar as notas da escala na
zona de conforto da extensão natural de sua própria
voz. Em outras palavras, as claves podem indicar Dó ou
Fá na pauta, mas o som produzido (ou ouvido) por você
pode começar em qualquer altura (afinação) onde
melhor se adequar à voz de quem o entoa, o que
equivale a dizer que o canto pode ser transposto para
qualquer extensão.
Ao começo desse processo de descoberta, não há
problema em fazer uso de um piano ou de qualquer
outro instrumento, mas é importante abandonar tal
muleta assim que se adquirir confiança. Pode-se assim
mover a afinação para cima ou para baixo tanto quanto
for necessário para acomodar o canto escrito à voz.
Qualquer voz de qualquer extensão pode entoar um
canto se se escolher a nota inicial adequadamente.
levantar a caneta de pena para escrever esta figura,
convencionando-se assim, depois, essa grafia. Contudo,
não existe escorregamento no canto dessa figura. Ela
corresponde tão-somente a três notas bem definidas e
ligadas, cada qual sustentada durante um pulso.
Duas regras adicionais: notas com um ponto são
sustentadas durante dois pulsos, e notas com uma
linha em cima (o episema) são sustentadas durante um
pouco mais de um pulso, com um tom mais
pronunciado.
Ainda que alguns neumas, com suas grafias e
pinceladas supostamente complicadas, pareçam diferentes
de qualquer coisa que se vê na notação moderna, lembre-
se de que o canto é sempre lido da esquerda para a direta,
exatamente como a música de hoje.
Agora, você tem todas as ferramentas necessárias
para ler o seguinte:
Modo VIII

Muitos músicos perguntam: onde está a tônica – a

nota de relaxamento do canto – nisso tudo? Bem, ela não
é definida pela clave. Na verdade, ela torna-se evidente
quando você conhece um determinado canto. Algumas
vezes é a nota inicial, mas mais freqüentemente é a nota
final. Se você precisar saber a “nota de repouso” antes de
cantar, a última nota, ou a “nota final”, é uma boa dica
para tanto. Que corresponde a:

O canto tem ritmo Dó Dó Dó Dó Dó-Ré-Dó Dó-Si-Dó

Existe, no canto, uma pulsação básica e constante Con - fir - ma hoc De - us,
que dá suporte a toda melodia, sobre a qual os diversos
Dó Dó Dó Dó Dó Lá Dó Si-Lá Sol
cantos são ritmados e candenciados. Não se ouve essa
quod o - pe - rat - us es in no - bis,
pulsação; apenas se sente ou se percebe.
Comecemos com alguns exemplos. Os cantos Sol Sol Sol-Lá Fá Lá Dó-Si Sol
abaixo incluem as seguintes figuras rítmicas: a temp - lo sanc - to tu - o,

O punctum recebe um pulso por cada sílaba. Lá Dó Si Dó Lá Sol Sol

O podatus representa duas notas, cada qual
associada a seu pulso. A nota inferior é
cantada primeiro, e pode ser cantada em uma
ou duas sílabas.
O clivis compreende duas notas em uma sílaba,
cada qual com seu pulso, sendo a nota superior
cantada primeiro.
O torculus representa três notas em uma sílaba,
cada qual com um pulso.
O porrectus representa três notas em uma única
sílaba. Ele começa a partir de cima, vai para
baixo, e sobe de novo, totalizando três pulsos.
É grafado desta maneira “escorregada” porque os
primeiros a transcrever o canto tinham o hábito de não
quod est in Je - ru - sa - lem.
Mais cedo ou mais tarde, você verá algo que se
parece com o sinal moderno do bemol:
E corresponde mesmo precisamente ao que se
parece: um bemol! Este é o único acidente (alteração de
nota) existente no canto. Ele faz exatamente o que parece
fazer: abaixa o Si em um semitom. Não existe nenhuma
outra nota à qual se pode aplicá-lo. O efeito do bemol
perdura na nota durante toda a palavra ou até a próxima
barra de pontuação. Não existe no canto nada de
aparência ou efeito semelhantes ao sustenido da notação
moderna.
 Abaixo, Da Pacem escrito na clave de Fá:
Modo VIII
Algumas outras regras rítmicas:
O quilisma aparenta um rabisco ondulado, e
alguns estudiosos acreditam que no passado ele
tenha sido cantado com um leve trêmolo.
Todavia, a prática de hoje é tratá-lo como um sinal que
prolonga a primeira das três notas, seguindo as duas
restantes com energia.
O último recurso de notação que precisamos saber
para nossas pretensões iniciais é o neuma liquescente.
Consiste em uma nota menor anexa a outra maior, de
grafia semelhante ao podatus:
O tamanho menor de uma das notas indica o
tratamento especial (liquescência) da consoante a ela
associada.
Abaixo, um exemplo de liquescência num
conhecido canto do Sanctus:
O “n” em “hosanna” deve ocorrer exatamente na
menor nota das duas associadas ao “san”. O mesmo
ocorre com o “cel” em “excelsis”: no instante em que se
começa a cantar a nota menor, já se deve estar
pronunciando o “l” da sílaba “cel”.
No caso do “n” de “san”, deve-se cantá-lo de forma
sonora, sem, contudo, permitir que se perca a qualidade
tangencial, passageira, da nota. Experimente colocar a
língua no céu da boca e cantar um claro e glorioso
“nnnnn”.
O mesmo se aplica para o “l” de “cel”, embora neste
caso se deva colocar uma parte diferente da língua um
pouco mais a frente do céu da boca. Leva um pouco de
experimentação até se desenvolver a sensação e o
resultado sonoro apropriados. Tente usar sua melhor
pronúncia latina, não tendo receio em fazer semblantes
engraçados.
É importante adiantar que o podatus não é o único
tipo de neuma liquescente. Fique atento às notas
pequenas em outros neumas com os quais venha se
deparar, e preste atenção às consoantes associadas a estas
notas.
Com respeito às sílabas acentuadas, não se preocupe
com elas. As pequenas marcações que se parecem com
apóstrofos nas edições da Abadia de Solesmes são os icti.
Servem apenas para indicar a organização do ritmo e do
fraseado.
Abaixo, um conhecido canto que, agora, você
poderá ler e compreender:
Modo III
Perceba ainda o pequeno borrado que aparece ao
final da primeira linha. Isso se chama custos, e não deve
ser cantado. É apenas uma sinalização de ajuda que
indica previamente qual a nota que se seguirá na linha
seguinte.
O estilo
A noção moderna que temos de como uma música
deve soar é a maior inimiga do canto. Deve-se
desconsiderar todos os estilos que se ouve no rádio,
mesmo na música clássica. Esqueça o vibrato, as barras de
compasso, as inflexões jazzísticas. Esqueça igualmente
aquela maneira pontuada, nota por nota, de cantar, ou
aqueles enormes prolongamentos líricos que precedem
ou preparam dramáticos cortes.
Acima de tudo, tente esquecer sua maneira pessoal
de cantar. O canto é entoado como uma oração que é
falada privativamente, com submissão, reverência e
humildade – a única diferença é que faz uso da música.
Se isso for lembrado e praticado, o resto virá
automaticamente.
Imagine estar você rezando privativamente, de
maneira audível, o rosário. Agora adicione notas e as
mova para cima e para baixo. O estilo é sempre legato
(ligado). O canto é a mesma coisa – sempre suave e
estendido. Se você quebrar o caráter de legato, o canto
será comprometido.
Isto é especialmente importante quanto se tem
movimento de notas dentro de uma sílaba. Você deve se
concentrar em não adicionar sons extras. Nunca cante
vo-ho-biscum; sempre vo-biscum. O Kyrie não deve soar
como “Kii-rii-ei-ei-ei-ei”, e sim uma única e longa vogal,
como a seguir:
Modo I
A sonoridade deve crescer em direção à metade da
frase e diminuir até o final dela. Isso cria um efeito de
ondas de sonoridade.
Os vários modos do canto
A música moderna é escrita em escalas maiores e
menores. Para os padrões medievais, isso é muito pouco,
tal como um ano que tivesse apenas duas estações: o
verão e o inverno. Obviamente, na notação moderna,
pode-se adicionar alguns acidentes que fazem a música
sair desses dois tipos de escalas, mas quanto mais se faz
isso, mais complexa ela se torna.
O canto dispõe de bem mais possibilidades e
humores, do sério e solene até o jovial e alegre, passando
por qualquer ponto intermediário, embutidos nos oito
modos gregorianos. O modo é indicado no começo do
canto por um algarismo romano (um algarismo arábico
costuma indicar o século da composição).
O Kyrie acima, por exemplo, está no modo I. Cada
modo provoca uma determina “coloração” musical. Você
pode descobrir os humores desses modos tocando, ao
piano, apenas as teclas brancas. O modo I inicia-se no Ré
e marcha para cima, através das teclas brancas, em
direção ao próximo Ré. O modo II começa uma quinta
(ou seja, quatro notas) acima disso, no Lá. Pode-se
lembrar da seqüência dos modos subindo uma quinta
cada vez que se avançar ao longo do modo I até o modo
VIII: Ré, Lá, Mi, Fá, Dó, Sol, Ré. Há vários recursos
mnemônicos para tanto, e cada pessoa pode desenvolver
seus próprios truques de memória. Já que o canto pode
começar em qualquer nota (altura ou afinação), você não
precisa se ater às notas produzidas pelo piano se e
enquanto preservar a seqüência correta de tons e
semitons, própria de cada modo.
Estritamente falando, você não precisa saber o
modo do canto para cantá-lo. Mas isso ajuda a lembrá-lo
da coloração, sensação e humor de cada um deles. Você
desenvolverá essa habilidade com o tempo.
A pronúncia
Por que não cantar em português? Não é a mesma
coisa, é a resposta mais e curta e imediata. Mesmo em
competentes mãos, a tradução não pode nem irá
funcionar tão bem com a música. O delicado balanço
entre música e texto será perdido. Ademais, o vernáculo
sempre introduz cacofonias ou colisões, muitas das quais
podem ser “politicamente incorretas”.
Uma vez que você se importa em aprender o canto,
por que não adotar o verdadeiro? Ele tem o mérito da
autenticidade e de uma sonoridade completa e irresistível.
Você pode rapidamente aprender os fundamentos
da pronúncia latina, a começar pelas vogais:
A=á
E=é
I = ih
O=ó
U=ú
AE = OE = é
As consoantes são como no português, à exceção de:
C antes de E, AE, I e Y = tch. Ex.: sacerdos, caelum,
Caecilia.
CC antes de E, AE, I e Y = k. Ex.: ecce.
SC antes de E, AE, I e Y = ch. Ex.: descendit.
CH = k
G = dj. Ex.: genitore, Regina.
GN = nh. Ex.: magnificat.
H em MIHI ou NIHIL = k. Nos demais casos não é
pronunciado.
J=i
R = r (como pronunciado em “laranja”)
T antes de vogal ou qualquer outra letra que não seja S,
T nem X = ts. Ex.: gratia.
X = eks
XC antes de E, AE, I e Y = ek-ch. Ex.: excelsis.
Z = dz. Ex.: zizania.
Entender o significado do texto que se está
cantando também melhora o canto. Ainda, notas
ascendentes sugere o Céu, e uma nota escrita três vezes
pode indicar a Trindade. As notas descendentes
podem sugerir melancolia, paz ou outro estado
emocional.
Agora você pode cantar
Quer alguns cantos para começar? Hinos são um
ótimo ponto de partida para se praticar. Tente Pange
Lingua, Jesu Dulcis, Adoro Te Devote, Ave Maria, ou
qualquer outro que as comunidades costumam cantar
regularmente.
Para uso paroquial, comece com as configurações de
Missa: Kyrie, Sanctus, Gloria e Agnus Dei. As mais
conhecidas são as Missas de Angelis e Orbis Factor. Mas
não se sinta limitado a essas configurações. Uma
vantagem de se estar começando é que, diríamos, não
precisa se prender a certos caminhos. Explore toda a
gama de configurações do Ordinário da Missa.
O próximo passo na liturgia é experimentar o
Communios. Invista em torno de uma hora em cada um
deles apenas para adquirir seu sentido. Embora sejam a
parte mais fácil do Próprio cantado da Missa, oferecem
um pouco de dificuldade para aqueles que estão se
iniciando no canto.
 De início, seu grupo ou comunidade não soará
como os monges de Solesmes. Talvez isso nunca
ocorra. Não tem problema: o que importa é a intenção
de caminhar nessa direção. Mesmo um pouquinho de
canto feito com atenção ao estilo é melhor do que
nada.
Você precisará de alguns materiais com o Liber
Cantualis e o Missal Gregoriano de Solesmes, disponível
através da maioria das editoras católicas e,
gratuitamente, on-line, no site www.musicasacra.com.
Embora, atualmente, fora de impressão, você poderá
também adquirir de sebos o livro Primeiro Ano de Canto
Gregoriano e Semiologia Gregoriana, cujo conteúdo foi
compilado por alunos de Dom Eugène Cardine,
traduzido para o português e editado no Brasil pela
Attar.
Muitas são as fontes disponíveis on-line, incluindo o
site da Schola Cantorum de Santa Cecília:
www.ceciliaschola.org. Pode-se lá encontrar para
impressão o Jubilate Deo, o Kyriale e um grande número
de cantos e artigos.
A música perfeita
Entoar o canto demanda adaptação intelectual.
Cantores geralmente abordam a música com um olhar
crítico, na tentativa de determinar se gostaram ou não de
uma obra. Nós naturalmente desejamos que a música nos
impressione; do contrário costumamos descartá-la.
O canto é diferente: ele é uma perfeita expressão
musical da oração. O desafio que ele apresenta a um
músico é a contrapartida de tamanho valor e utilidade.
Assim, aproxime-se do canto com o prévio conceito de
que ele é belo, promove perfeita integração entre o texto
e a música, e desenvolve uma consciência estética como
nenhuma outra música o fará.
Espiritualmente, também, você poderá se deparar
com algo completamente inesperado: o canto trará a você
paz mental, espiritual e de coração. Como a liturgia, e
mesmo como um sacramento, entoar o canto, enquanto
oração cantada, lhe trará graça. Tal como a Fé, o canto
requer a crença em sua verdade e beleza. Quão útil é o
canto? Leia as palavras de Dom Guéranger, o fundador
do mosteiro de Solesmes:
“Ó! Quem já não se surpreendeu mil vezes com
a récita desta solene música, cuja austeridade,
todavia, anima a si própria com fogos de
entusiasmo e faz almas, engrandecidas,
dedicarem-se complatemente a uma meditação
religiosa mil vezes mais inebriante que as vozes
imponentes das grandes águas de que fala as
Escrituras? Quem não experimentou o charme
sublime e original de tantas peças, cunhadas por
gênios anônimos dos séculos passados? Quem
não se arrepiou com a simples elaboração do
Ofício dos Mortos onde o delicado e o temível
tão admiravelmente se fundem? Que cristão foi
capaz de ouvir o canto pascal do Haec Dies sem
ser induzido a um indeterminado sentido de
infinitude, como se o próprio Jeová se fizesse
ouvir por Sua majestosa voz? E quem não
escutou, nas solenidades da Assunção de Todos
os Santos, uma comunidade inteira cantando
aqueles largos e sagrados intervalos ascendentes,
que ressoam com a inspirada récita de
Gaudeamos, sem se transportar para os tempos
em que os ecos das catacumbas romanas
ressoavam esse canto triunfante, quando o
Império foi dolorosamente findado e a Igreja
começara sua trajetória eterna?”
Arlene Oost-Zinner e Jeffrey Tucker são,
respectivamente, presidente e diretor do Schola
Cantorum de Santa Cecília em Auburn, no estado norte-
americano do Alabama. Eles agradecem a David Hughes
Scott Turkington por seus comentários.
(Publicado originalmente em maio de 2006 no site
www.crisismaganize.com. Tradução livre de Antonio
Bayma Jr.)