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Transcrição – Teste de Oralidade 1 – Padre António Vieira – Portugueses com

História

- Portugueses com História.


- Hoje vamos falar sobre o padre António Vieira, que é um grande autor da
língua portuguesa, mas também um personagem histórico muito importante, num
período decisivo e crucial da história de Portugal, que é o século dezassete e sobretudo
aqueles anos quentes depois da independência e da rutura com o governo espanhol, em
mil seiscentos e quarenta. De facto, nesses anos muito quentes, o padre António Vieira
teve um papel decisivo.
E eu comecei por dizer que ele é, de facto, um autor importante na língua
portuguesa, porque são muitos os escritores que reconhecem uma dívida muito
importante na sua escrita relativamente à escrita e à linguagem utilizada pelo padre
António Vieira: desde logo Fernando Pessoa e também mais recentemente o José
Saramago. Embora isso não seja, muitas das vezes, notado, enfim, pelos leitores e pelos
críticos, o Saramago é um autor que foi buscar uma parte daquela oralidade, mas
também daquela intensidade que ele tem em ornamentar as suas frases e em ser um
bocadinho recôndito na forma como escreve, isso tem muito a ver com este Barroco,
com esta capacidade de ornamentar o discurso que o padre António Vieira introduziu na
língua portuguesa, porque, como todos sabem, ele foi um grande cultor do sermão. Não
só oralmente, porque muitos desses sermões foram, de facto, proferidos em igrejas, mas
depois também foram ornamentados, trabalhados literariamente e impressos ainda em
vida do padre António Vieira.
Ele era filho dum pequeno funcionário da coroa. Ele nasceu em mil seiscentos e
oito, em Portugal, em Lisboa, filho de um escrivão da Inquisição e depois acaba por ir
muito pequeno para o Brasil e é por isso que muitas vezes se associa o padre António
Vieira, de facto, ao Brasil. Embora ele não tenha nascido lá, mas a verdade é que a
formação da sua personalidade, a própria aprendizagem da língua e os primeiros passos
na vida académica foram, de facto, dados no Brasil, num colégio de jesuítas na Baía
para onde ele foi, ainda muito pequeno, em mil seiscentos e catorze. E acontece logo
uma situação curiosa, ele não era um aluno brilhante, era um aluno relativamente
medíocre e há uma lenda à volta da sua primeira infância pelo facto de ele ter começado
a mostrar resultados absolutamente excecionais, depois de ter dado uma queda, de ter
sofrido uma queda e ter batido com a cabeça. Ele, durante toda a vida, brincou um
pouco com este facto e que pode ser apenas uma coincidência, ou até pode ter tido
alguma consequência do ponto de vista, enfim, da sua própria identidade e da forma
como ele passou a encarar as coisas a partir daí e não ter, obviamente, a ver com
nenhum tipo de impacto cerebral. Mas a verdade é que foi desde esse momento que ele
começou a ser notado como um dos alunos mais brilhantes.
O primeiro facto que tornou o padre António Vieira muito conhecido na corte foi
a proposta inusitada de vender o Nordeste do Brasil, que tinha sido invadido pelos
holandeses. Enquanto a maioria dos ministros do rei, até por uma questão de prestígio
quase da soberania régia, defendiam, de facto, a via militar e a guerra e a reconquista
dessa zona do nordeste do Brasil aos holandeses, o padre António Vieira achava que
Portugal não tinha recursos materiais para manter frentes de guerra tão vastas e,
portanto, o melhor que tinha a fazer era desfazer-se de algumas partes do seu império
colonial que não conseguia manter a troco de recursos financeiros. Isso, para a
mentalidade da época, era relativamente escandaloso. A par deste pragmatismo
relativamente às colónias, ele também tinha outra, também começou a ter outra,
começou a vincar outra perspetiva no seu percurso intelectual e essa é uma das razões
que explicam também a longevidade da sua fama. É que ele assumiu uma posição,
enfim, que nós poderíamos dizer progressista, polémica, moderna relativamente a
alguns assuntos. Esses dois assuntos principais, que depois vão explicar muito da
história de Portugal durante os dois séculos seguintes, até uma parte da história da
Europa tem muito a ver com a posição face à escravatura, sobretudo a escravatura dos
índios, às vezes, coloca-se a escravatura
toda neste mesmo saco, embora a escravatura dos africanos fosse mais ou menos
pacífica nesta época e mesmo para o padre António Vieira. Portanto, muitas vezes,
quando se apresentam as ideias do padre António Vieira como muito progressistas, é
preciso ter algum cuidado e daí eu ter hesitado, porque se ele considerava a escravatura
dos índios escandalosa, enfim, não tinha grandes problemas, como a maioria das figuras
de destaque nesta época, em aceitar a escravidão dos africanos, por isso é que também
desde logo começaram a aparecer aqui algumas críticas a esta ideia de libertação dos
escravos índios por parte do padre António Vieira e da companhia de Jesus, de uma
forma geral, porque se misturavam aqui, de facto, ideias humanitárias com próprios
interesses políticos da companhia de Jesus, que era detentora de uma série de missões
no interior do Brasil, e que, portanto, ao libertar os índios da escravidão, eles também
ganhavam um poder territorial enorme, porque ganhavam automaticamente o controlo,
enfim, das almas e o controlo político de regiões muito vastas do Brasil, onde passavam,
então, a viver esses cidadãos da coroa portuguesa.
O outro aspeto é mais importante, enfim, nesta perspetiva de intemporal, porque,
de facto, era uma atitude corajosa e era uma atitude clara. Era a recuperação dos judeus
na economia portuguesa e o facto de ele ter sido um combatente muito aberto e muito
incisivo da Inquisição e de ter defendido muito claramente, em diversas propostas que
apresentou à corte, o facto de ser essencial fazer retornar os judeus à corte portuguesa e
fazê-los entrar na vida económica. De facto, além das fortunas que existiam em diversas
famílias judaicas de origem portuguesa, eles tinham esse conhecimento ancestral em
termos de financiamento e de gestão de capitais, que, de facto, era um dos grandes
problemas da monarquia portuguesa já nesse século dezassete e haveria de ser ao longo
dos séculos dezoito e dezanove.
Ele, de facto, teve uma vida muito longa, ele só vai morrer em mil seiscentos e
noventa e sete e, apesar de ter andado, enfim, em volta do poder e de ter circulado nos
corredores do poder e ter morrido, enfim, com uma certa fama, porque consegue
publicar muita da sua obra. A verdade é que se fica sempre com a sensação de que o
Padre António Vieira é um daqueles personagens em que a História de Portugal é fértil,
ficamos com uma certa mágoa, porque as suas ideias, enfim, a sua capacidade de
decisão não tenha tido mais influência e a sua voz não tenha sido mais ouvida.

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