Você está na página 1de 127

JÚLIO CESAR ZANDONADI

A EXPANSÃO TERRITORIAL URBANA NA CIDADE DE MARÍLIA-SP

E OS LOTEAMENTOS FECHADOS

Presidente Prudente

2005
2

Universidade Estadual Paulista


“Júlio de Mesquita Filho”
Faculdade de Ciências e Tecnologia
Campus de Presidente Prudente
Departamento de Geografia

A expansão territorial urbana na cidade de Marília – SP e


os loteamentos fechados

Monografia de Bacharelado apresentada

ao Departamento de Geografia

para obtenção de titulo de bacharel.

Orientadora: Maria Encarnação Beltrão Sposito

Presidente Prudente
2005
3

Aos meus pais, José e Arias, e a Gleica, pela


união, apoio, carinho e compreensão em
todos os momentos.
4

AGRADECIMENTOS

A realização desta monografia só foi possível graças à


colaboração direta e indireta de muitas pessoas. Manifesto minha sincera
gratidão a todas e de forma particular:
Primeiramente a Deus;
Aos meus pais, que sempre estiveram presentes, com apoio
afetivo, intelectual e financeiro;
A Gleica pelo amor e incentivo nos momentos em que
precisei;
A orientadora e amiga Profª Maria Encarnação Beltrão
Sposito, pela dedicação, paciência e conselhos, prestados nestes anos de
orientação e por me cativar a cada aula ou reunião a procurar entender o
urbano;
A meu irmão Jefferson, pelos serviços prestados a este
trabalho e pela amizade;
A minha irmã Janaina, pelas inúmeras caronas para Marília e pela
amizade;
As grandes amigas Claudia Roma e Patrícia de Jesus, pelas
horas de discussões, amizade e coragem para enfrentar novos desafios;
Aos meus grandes amigos “Marcão” Buim e Roberto Buim,
pelos momentos de alegria e tristeza compartilhados;
Ao amigo Lauro Mascarin, pelas inúmeras contribuições a
esta pesquisa;
Aos colegas da turma de 2001 de Geografia – UNESP –
Presidente Prudente, Adriano, Mário, Vitor, Rogério, Enio, Fartura, Mônica,
Marli, Andréia, Maria Julia, Zeca, Newton, Hérika, Thiago e Sérgio;
Aos meus amigos que conviveram comigo esses anos de
graduação, Luciano (Perdido), Sega, Juninho, Denis e Danilo.
Aos professores e funcionários do Departamento de
Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente –
UNESP, João Osvaldo Rodrigues Nunes, Eda Góes, João Lima Sant’ana
5

Neto, Margarete Trindade Amorim, Arthur Magon Witacker e Everaldo


Mellazo, que contribuíram para minha formação.
Ao amigo Oscar Sobarzo Miño, pelos conselhos, informações,
indicações que contribuíram muito para esta pesquisa e minha formação;
Ao GASPERR – Grupo Acadêmico Produção do Espaço e
Redefinições Regionais e seus membros, pelas contribuições;
A FAPESP – Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado de São
Paulo pelo apoio financeiro que possibilitou a realização desta pesquisa;
Ao DPRN – Departamento de Proteção aos Recursos Naturais
do Estado de São Paulo – Marília – SP e aos seus funcionários, pelo
fornecimento de dados;
Ao GUTO – Gestão Urbana e Trabalho Organizado – da UNESP
de Marília, nas pessoas da Profª Sueli Felix e Marcel, pela contribuição;
Aos funcionários da Prefeitura Municipal de Marília, Isabel,
Claudia, Marcos, Silvio e Andréia;
E novamente ao Profº Everaldo Mellazo e Oscar Sobarzo Miño,
pelos elogios, criticas e contribuições dadas durante a defesa desta
monografia.
6

“... que o mais simples seja

visto como mais importante”.

Renato Russo
7

SUMÁRIO

ÍNDICE DE FOTOS............................................................................................... 09

ÍNDICE DE GRÁFICO........................................................................................... 10

ÍNDICE DE MAPAS.............................................................................................. 11

ÍNDICE DE TABELAS.......................................................................................... 12

ÍNDICE DE QUADROS......................................................................................... 13

INTRODUÇÃO...................................................................................................... 14

I - CONSTRUÇÃO DE UM CONCEITO, GÊNESE E A CARACTERIZAÇÃO DE


UMA CIDADE MÉDIA........................................................................................... 19
1.1.– Cidades Médias: por que estuda-las........................................................ 20
1.1.1. - Cidades Médias – contribuições para a construção de um conceito.22
1.2. – Marília – SP – Gênese de uma cidade média.......................................... 27
1.2.1. - A criação do Município........................................................................... 32
1.3. - A caracterização de uma cidade média – Marília – SP........................ 32

II - A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO NA CIDADE DE MARÍLIA – SP – OS


LOTEAMENTOS FECHADOS.............................................................................. 38
2.1. - Os agentes que produzem o espaço urbano........................................... 40
2.2. – A expansão territorial urbana................................................................... 42
2.2.1. - A expansão territorial urbana na cidade de Marília – SP..................... 43
2.2.2. - O surgimento dos loteamentos fechados em Marília.......................... 46
2.2.2.1 - Centro – Periferia.................................................................................. 51
2.2.2.2. - A segregação socioespacial............................................................... 54
2.2.2.3. – A paisagem urbana............................................................................. 59
III - LOTEAMENTOS FECHADOS – BUSCA POR DIFERENCIAÇÃO DO
PREÇO DO SOLO URBANO............................................................................... 62
3.1. - A categoria renda da terra......................................................................... 63
3.1.1. A renda fundiária urbana.......................................................................... 65
3.2. – O preço do solo urbano............................................................................ 66
8

3.2.1. – Os loteamentos fechados e o preço do solo urbano.......................... 69


3.3. - Loteamentos fechados de Marília, a quem se destinam?...................... 70
3.4. - A implantação dos loteamentos fechados e a alteração do gradiente de
preços do solo urbano na cidade de Marília – SP............................................ 76

IV - LOTEAMENTOS FECHADOS – A ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO NA


CIDADE DE MARÍLIA – SP.................................................................................. 84
4.1. - A atuação do Poder Público na produção do espaço urbano............... 85
4.2. Loteamentos Fechados X Condomínios Horizontais................................ 87
4.2.1. O que diz a legislação urbanística da cidade de Marília?...................... 89
4.2.2. - A (i)legalidade na produção de loteamentos e condomínios fechados
em Marília............................................................................................................. 93
4.3. - O público e o privado na cidade............................................................... 99
4.3.1. - Os atos contratuais, autorização, permissão e concessão de uso. 102
4.4. - As áreas públicas nos loteamentos fechado........................................ 103
4.5. - O papel do poder público na implantação dos loteamentos fechados e
condomínios horizontais na cidade de Marília.............................................. 107
4.5.1. - Residencial Esmeralda Residence...................................................... 107
4.5.2. - Residencial Vale do Canaã.................................................................. 108

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 111


BIBLIOGRAFIA.................................................................................................. 116
ANEXOS
Anexo 1 - Roteiro de entrevistas com corretor imobiliário
Anexo 2 - Roteiro de entrevista aplicada ao Secretario Municipal de
Planejamento Urbano da cidade de Marília – SP
Anexo 3 - Mapa de Zoneamento urbano da cidade de Marília – SP
Anexo 4 - Mapa Geomorfológico do Estado de São Paulo
Anexo 5 - Anúncios Publicitários dos loteamentos fechados e condomínios
horizontais localizados na cidade de Marília- SP
Anexo 6 - Tabela – Marília – Evolução do preço do solo urbano por m2 –
números índices – 1993 – 2003
9

ÍNDICE DE FOTOS

Foto 1 - Escarpas – fundos do Condomínio Residencial Garden Park.......... 43

Foto 2 – Esmeralda Shopping – Shopping Center localizado na Av. das


Esmeraldas.......................................................................................................... 53

Foto 3 – Estabelecimento localizado no Jardim Colibri.................................. 53

Foto 4 – Muro do Residencial Portal da Serra.................................................. 61

Foto 5 – Estabelecimentos de padrão superior – Av. das Esmeraldas.......... 74

Foto 6 – Residência de padrão superior – Jardim Europa.............................. 75

Foto 7 – Residência de padrão médio – Jardim Sasazaki............................... 75

Foto 8 – Residência de padrão modesto – Argolo Ferrão............................... 76

Foto 9 – Fundos do Residencial Pedra Verde................................................... 95

Foto 10 - SP – 333 – obras de recapeamento e construção de acesso ao


Residencial Vale do Canaã............................................................................... 110
10

INDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Loteamentos e loteamentos fechados - Evolução do preço do


solo urbano por m2 (em números índices) - 1993 – 2003................................. 78

Gráfico 2 – Evolução do preço por m2 – em dólares - Jardim Maria Isabel,


Jardim Tropical, Parque das Esmeraldas I e Esmeralda Residence - 1993 –
2003...................................................................................................................... 80

Gráfico 3 – Evolução do preço por m2 – em dólares - Jardim Europa e


Condomínio Residencial Garden Park - 1993 – 2003....................................... 81

Gráfico 4 - Evolução do preço por m2 – em dólares - Jardim Parati e


Condomínio Residencial Portal do Parati - 1993 – 2003.................................. 81
11

INDICE DE MAPAS

Mapa 1 – Estado de São Paulo – Localização da cidade de Marília................28

Mapa 2 – Estado de São Paulo – Localização das rodovias duplicadas........36

Mapa 3 – Marília – SP – Loteamentos/Condomínios Fechados – Ano de


Implantação - 1993 – 2003.................................................................................. 50

Mapa 4 – Marília – SP – Percentual de moradores com rendimentos acima de


20 salários mínimos – 2000................................................................................ 56

Mapa 5 – Marília – SP – Loteamentos/Condomínios Fechados – Área média


dos lotes – 1993 – 2003....................................................................................... 73

Mapa 6 – Marília – SP – Loteamentos/Condomínios Fechados e Loteamentos


Abertos pesquisados.......................................................................................... 78

Mapa 7 - Marília – SP – Loteamentos/Condomínios Fechados – Legalidade e


Ilegalidade – 1993 – 2003.................................................................................... 98
12

INDICE DE TABELAS

Tabela 1 - Marília – SP - Evolução da população urbana e da área urbana -


1970 – 2000........................................................................................................... 45

Tabela 2 - Marília – SP - Loteamentos Fechados e Condomínios Horizontais


– Percentual de Áreas Públicas - 1993 – 2003................................................ 105
13

INDICE DE QUADROS

Quadro 1 – Brasil – Municípios por classes de tamanho populacional


1950/1996.............................................................................................................. 21

Quadro 2 – Marília – SP - Loteamentos e Condomínios Fechados – Ano de


Implantação - 1993 – 2003.................................................................................. 47

Quadro 3 – Marília – SP – Loteamentos e Condomínios Fechados - Ano de


Implantação, Localização e Área Média dos Lotes - 1993 – 2003................... 72

Quadro 4 - Marília – SP - Loteamentos e Condomínios Fechados –


Proprietários/Incorporadores - 1993 – 2003...................................................... 82

Quadro 5 - Marília – SP - Aprovação de loteamentos fechados e condomínios


horizontais - 1993 – 2003.................................................................................... 94
14

Introdução
15

INTRODUÇÃO

Atualmente, vem sendo muito debatido no meio geográfico, a


questão da produção do espaço urbano nas grandes cidades e metrópoles. No
entanto, recentemente, a discussão sobre tal fenômeno, nas cidades médias, vem
ganhando corpo neste debate.
A produção do espaço urbano, de maneira geral, é orientada por
fatores e agentes que realizam suas práticas sócioespaciais a partir de iniciativas
especulativas, próprias da produção imobiliária, das decisões de interesses
políticos e/ou econômicos do poder público e do potencial de expansão da área
urbana, fruto de uma maior demanda da população.
Santos (1989: p. 195) afirma que,

... as cidades dependem muito das estruturas jurídicas da


propriedade do solo urbano, da importância do papel do Estado ou
de organismos interessados na construção, e também da
organização da industria da construção...

Estes destaques reforçam a idéia de que a produção do urbano


depende de muitos fatores, sobretudo os políticos e econômicos.
Em Corrêa (1989), vemos que o espaço urbano de uma cidade
capitalista é composto por um conjunto de diferentes usos da terra justapostos
entre si e este espaço é um produto social, resultado de ações de agentes
sociais, que produzem, consomem e se apropriam deste espaço.
Deste modo, através do trabalho, a terra se transforma em algo
substancialmente diferente, transformando-se assim em produto,
conseqüentemente, fazendo parte do mercado (CARLOS, 1994: p. 50-51). Fica
clara, assim, a existência de um mercado de terras, que orienta e privilegia a
produção de novas áreas urbanas.
Santos (1989: p. 199) em sua análise ressalta que “... a expansão
de uma cidade acompanha-se de uma especulação sobre os terrenos...”,
progressivamente a produção do espaço urbano faz com que o mercado de
terras, torne-se mais complexo, ou seja, as terras rurais se tornam, por meio de
implantação de loteamentos, terras urbanas, passando, neste movimento, por
16

uma alteração de seus preços, fenômenos estes que implicam em grandes


transformações na economia da cidade.
Seguindo está linha de raciocínio, observamos que a produção
do espaço urbano materializa-se territorialmente através da expansão territorial
urbana. Esta é uma das formas de crescimento das cidades, processo esse, que
pode ser visto, por meio do aumento populacional e crescimento econômico. Nas
cidades brasileiras, nas últimas décadas, tem-se observado a expansão territorial
urbana em ritmo mais acelerado que as outras formas de crescimento. Leme
(1999: p. 89) citando o caso de Marília – SP, afirma que atualmente o crescimento
da cidade, se dá de forma desigual quando se compara a evolução demográfica e
a expansão territorial, o que em tese deveria ocorrer em ritmos semelhantes, pois
só há a necessidade de ofertar novos locais de moradia, se houver demanda por
parte da população. Este fato exposto por Leme, é explicado pela regularização
de loteamentos já existentes, crescimento do capital incorporador (especulativo) e
do mercado imobiliário.
Diante desta contextualização, esta monografia contém a análise
da expansão territorial urbana, em sua forma horizontal, pela implantação de
novos tipos de loteamentos, os fechados, na cidade de Marília, considerada uma
cidade média, que nas últimas décadas vem tendo crescimento de sua malha
urbana, também devido à implantação destes tipos de loteamentos.
Por si só, a expansão do tecido urbano das cidades, torna mais
evidenciados fenômenos que se desenvolvem no bojo desta dinâmica, tais como
a segregação sócioespacial, a especulação imobiliária e o surgimento de novos
centros de consumo próximos a estas novas áreas. Portanto, a expansão, dando-
se por meio da implantação de loteamentos fechados pode levar a uma
acentuação de tais fenômenos.
Partindo do que foi apresentado, foram traçados alguns objetivos
para alcançar uma análise da produção do espaço urbano, em cidades médias e,
deste modo, contribuir para o estudo deste fenômeno nestas cidades.
Assim, analisamos a expansão territorial urbana da cidade de
Marília, focalizando o surgimento dos loteamentos fechados nesta cidade e quais
os agentes envolvidos nesta dinâmica.
17

Avaliamos a evolução dos preços da terra nos setores da cidade


onde encontram-se os loteamentos fechados, tomando como referência datas
posterior e anterior à implantação dos loteamentos fechados, afim de detectarmos
quais os interesses presentes nesta lógica.
Por fim, verificamos qual o papel do poder público frente a esta
dinâmica, através de análise da legislação urbanística e das ações deste agente
social a frente nesta dinâmica.
Para alcançarmos tais objetivos, foram traçados alguns
procedimentos metodológicos, que buscam o estudo da evolução no espaço e no
tempo, da implantação de loteamentos fechados, baseando–se em: -
levantamentos bibliográficos; - levantamento de dados junto à Prefeitura Municipal
de Marília – SP, relativos ao ano de implantação, números de lotes, área média
dos lotes, percentual das áreas destinadas a uso público e/ou comum, estas
informações serviram de apoio para a elaboração de cartogramas para que
houvesse uma melhor visualização deste processo; - entrevistas com o Secretario
Municipal de Planejamento Urbano e, finalmente; - levantamento e análise da
legislação de caráter urbanístico nos níveis federal e municipal.
Para a analise das formas e ritmos de comercialização, foram
levantadas informações em classificados publicados em jornal local, Diário de
Marília, os quais foram tabulados e trabalhados em gráficos.
Deste modo, foi elaborada esta monografia com a sistematização
dos resultados desta pesquisa, organizada em quatro capítulos que procuram
discutir o fenômeno da produção do espaço urbano em cidades médias.
No primeiro capitulo, realizamos uma discussão em torno do termo
cidade média, algumas considerações sobre a gênese e caracterização de Marília
como uma cidade média, a fim de criarmos um contexto para entender a
implantação das novas formas de habitat urbano1, nestas cidades.
No capitulo seguinte, discorremos sobre a produção do espaço
urbano e sua materialização no território, a expansão territorial urbana,
focalizando o surgimento dos loteamentos fechados no tempo e no espaço, e
quais as repercussões que estes novos empreendimentos imobiliários trazem
para a cidade.
1
Terminologia usada por Beltrão Sposito (2002) para identificar os loteamentos fechados.
18

No terceiro capitulo, enfocamos uma das repercussões que a


expansão do tecido urbano e a implantação de loteamentos fechados trazem para
a cidade, vinculada ao preço da terra urbana para, deste modo, indicar algumas
das ações do capital incorporador e imobiliário, para favorecer seus interesses.
No quarto e último capitulo, discutimos a atuação do Estado nesta
dinâmica da produção do espaço urbano e das novas formas de moradia em
Marília, observando como se dão as ações deste agente social que é
determinante para a configuração do espaço urbano nas cidades da sociedade
capitalista.
E, por fim, tecemos algumas considerações finais sobre esta
dinâmica na cidade de Marília, evidenciando as repercussões para a vida dos
moradores da cidade.
19

Capitulo I

Construção de um conceito, gênese

e a caracterização de uma cidade média


20

I. Construção de um conceito, gênese e a caracterização de uma cidade


média

1.1. Cidades Médias: por que estudá-las?

Neste capitulo, pretendemos dar uma contribuição para a


construção de um conceito “cidades médias”, pois se observa que há inúmeras
noções e classificações sobre o que são “cidades médias”, mas ainda não se
alcançou uma conceituação para estas cidades. Beltrão Sposito (2001a: p. 609)
afirma que há necessidade de se aprofundar as pesquisas sobre as cidades
médias para que haja contribuições para a construção do conceito “cidade
média”.
Diversos autores discorreram sobre as cidades médias, razão
pela qual pretendemos, primeiramente, apresentar algumas visões sobre a
importância do estudo destas cidades e algumas das noções elaboradas por
esses.
Soares (1999: p. 55) destaca que essas aglomerações, as
cidades médias, “vêm assumindo um papel importante na dinâmica territorial
brasileira promovendo a desconcentração de pessoas e atividades...”. A autora
ainda afirma que a cidade média:

... tem, na atualidade, um importante desempenho no


desenvolvimento urbano nacional, pois pode proporcionar um
maior equilíbrio interurbano; possibilita a interrupção do fluxo
migratório em direção às metrópoles; apresenta uma intensa vida
de relações para as pessoas que ali residem, demonstra
influência na organização econômica regional/nacional (p.56).

Soares (1999) ainda faz uma explanação sobre a importância das


cidades médias com a intensificação da globalização. Um dos fatores
demonstrados pela autora justificando que as pesquisas sobre as cidades médias
são imprescindíveis é o aumento no número destas aglomerações no território
brasileiro. Vejamos o quadro a seguir.
21

Quadro 1
Brasil – Municípios por classes de tamanho populacional
1950/1996
Habitante Total Até 20.001 a 100.001 a 500.001 a Mais de
s 20.000 100.000 500.000 1.000.000 1.000.001
Anos
1950 1.887 1.791 85 8 1 2
1960 2.763 2.591 141 25 2 4
1970 3.952 3.649 245 49 4 5
1980 3.991 3.463 401 113 7 7
1991 4.491 2.975 1330 161 13 12
1996 4.974 3.453 1314 180 15 12
Extraído de SOARES (1999: p. 59)

Neste quadro, a autora destaca o crescimento das cidades


médias2 após os anos 1970, atingindo um aumento significativo nos anos de 1980
e 1990 (p. 59).
Amorim Filho & Serra (2001: p. 05) destacam que a preocupação
com o estudo do tema cidades médias decorre de vários fatores, entre eles: -
exacerbação de problemas de desequilíbrios urbano-regionais; - agravamento da
qualidade de vida nas grandes aglomerações urbanas e com isso o aumento de
problemas sociais; - frágil organização hierárquica das cidades, ou seja,
insuficiência dos centros intermediários dinâmicos que pudessem contribuir para a
interiorização do desenvolvimento.
Pontes (2001: p. 605 – 606) afirma que as cidades médias, nos
últimos anos, passaram por inúmeras transformações com a implantação nelas de
novos serviços. Deste modo, aparecem como nova opção de moradia, por
oferecerem melhores condições de vida e qualidade de vida que as grandes
cidades. Diante deste novo momento, essas cidades vêm obtendo grande
expansão econômica. Desta maneira, as cidades médias estão fadadas a novos
papéis, dentro da rede urbana brasileira, havendo assim necessidade de estudá-
las com maior profundidade.

2
Neste quadro a autora considera cidades médias as que têm população de 100.001 a 500.000
habitantes.
22

Brumes (2003: p. 73 - 85) afirma que dados preliminares do IBGE


(2000) mostram que há um aumento acentuado na participação populacional das
cidades médias, pois o crescimento de pelo menos 50% destas cidades foi igual
ou superior a 2% anuais, acima da taxa média do país (1,63%), nos anos entre
1991 e 2000. Entre os fatores para este crescimento, a autora destaca as
recentes mudanças nos padrões locacionais da indústria; as mudanças nas
dinâmicas migratórias, a periferização das metrópoles; a ação governamental; a
expansão da fronteira agrícola; além do desenvolvimento tecnológico e dos meios
de comunicação. Tais fatos fazem com que estas cidades estejam sendo alvo de
vários estudos, visto que assumiram papéis de destaque nos noticiários de TV e
jornais e revistas do país.
Para Pereira (2002: p. 1 – 2):

A partir do processo de desconcentração da atividade industrial


da AMSP (Área Metropolitana de São Paulo), as cidades médias
brasileiras são vistas como localidades potenciais de absorção
destes empreendimentos, pois apresentam algum tipo de
economias de aglomeração potenciais, ao mesmo tempo em que
não incorrem em deseconomias de aglomeração.

Diante destas considerações, notamos que o tema “cidades


médias” vem merecendo um maior debate, fato este que justifica ainda mais a
pesquisa e o aprofundamento em torno da construção de um conceito “cidade
média”.

1.1.1. Cidades médias – contribuições para a construção de um


conceito

Algumas contribuições para a construção do conceito “cidade


média” merecem destaque nesta monografia.
Friedman (1964, apud Pereira 2002, p. 19 – 20) apresenta uma
hierarquia funcional das cidades da seguinte forma. 1) Cidade Primaz - principal
centro de manufatura e serviços altamente especializados (financeiro, ciência,
comunicação e governamentais), bem como áreas que tenham maiores mercados
potenciais; 2) Cidades Regionais – estão compreendidas no raio de influência da
cidade primaz, podendo ser ofertantes de serviços regionais e/ou importantes
23

centros comerciais e industriais, além de centros administrativos; 3) Cidades Sub-


regionais – são, geralmente, centros comerciais sub-regionais e ocasionalmente
importantes centros industriais, além da possibilidade de servirem como capital de
uma subdivisão política importante; 4) Cidades Locais – são as que provêm um
limitado número de serviços essenciais às áreas rurais imediatamente ao seu
redor e que podem ter algumas manufaturas que serão usualmente relacionadas
com o processamento das matérias-primas da agricultura local.
Pereira (2002, p. 20) baseando-se nesta teoria ressalta que a
partir desta proposta, passam a existir lugares centrais de graus diferentes:
 Lugares centrais de ordem superior os quais têm funções
centrais que se estendem sobre grandes regiões, onde
existem lugares de menor importância. Nesta ordem se
enquadra a cidade primaz.
 Lugares centrais de ordem inferior, que têm importância
central para as áreas imediatas e próximas Nesta ordem, está
a cidade local.
As cidades médias encontram-se em uma posição intermediária
entre estes dois tipos de lugares centrais.
Christaller (apud Pereira, 2002: p. 21), em sua teoria, afirma que
as cidades de porte médio seriam os lugares centrais que ofertam um mínimo de
bens e serviços em número inferior aos ofertados pelas grandes cidades, que são
ofertantes de “todos” os bens e serviços não ubíquos produzidos na economia,
ofertam um número superior de bens e serviços centrais quando comparado às
cidades pequenas, pois estas últimas ofertam bens e serviços tidos como
“essenciais imediatos” para a sociedade. As cidades de porte médio também
devem ter uma força de trabalho condizente com sua função de centro de uma
região.
Soares (1999: p. 55) traz uma periodização dos estudos sobre
cidade média, afirmando que até a década de 1960, “... definir ou conceituar uma
cidade média era muito complexo devido à sua ambigüidade, tendo em vista a
diversidade de formas e tamanhos, que variam no espaço e no tempo”, mas a
partir da década de 1970, surgiram algumas contribuições provindas de áreas
preocupadas com o planejamento urbano-regional.
24

Segundo Soares (1999, p. 55), no Brasil, as primeiras


preocupações sobre a questão vêm com o II PND – Plano Nacional de
Desenvolvimento, idealizado devido à necessidade de fortalecer as metrópoles
regionais e as cidades de porte médio.
Outros estudos, a partir deste, começaram a surgir no Brasil,
visando conceituar o que seria uma cidade média.
Rochefort (1975 apud PONTES, 1999, p. 572 – 573), definiu
“cidade média”, em caráter preliminar, como sendo “um centro urbano em
condições de atuar como suporte às atividades econômicas de sua hinterlândia”.
Depois desta definição, Rochefort sugeriu uma classificação de diversos tipos de
cidades médias:
 Cidades médias integradas à rede urbana, que podem ser
divididas em três níveis:
- cidades médias que recebem o impacto direto do atual
crescimento industrial das metrópoles;
- as cidades turísticas e estâncias termais;
- as cidades médias “complexas”.
 Cidades médias situadas à margem das redes urbanas
hierarquizadas:
- cidades médias que constituem centros terciários das
zonas de agricultura tradicional;
- cidades médias que servem de ponto de apoio as atuais
zonas de colonização agrícola;
- cidades médias essencialmente administrativas;
- cidades médias que canalizam produtos básicos
destinados à exportação (PONTES, 1999, p. 572 – 577).
Soares (1999: p. 56) traz algumas definições de cidade média, a
partir de uma visão estatística demográfica, entre as quais estão: - a da ONU que
define as cidades médias como sendo cidades agrupadas entre 100.000 a
1.000.000 de habitantes; - a de Andrade & Lodder (1979), que definem cidades
médias como aquelas que têm entre 50.000 a 250.000 habitantes; - a de Caiado
(1995), que considera as cidades paulistas de 250.000 a 500.000 habitantes e,
25

por fim; - a do IBGE, que considera as aglomerações com 100.000 a 500.000


habitantes.
Para esta autora, definir cidades médias, requer, além de se
considerar o aspecto demográfico, contemplar também o:

lugar que ocupam na rede urbana, no sistema econômico global,


ou seja, suas relações são feitas tanto em nível local como em
escala nacional ou internacional, tendo em vista as modernidades
tecnológicas presentes nesses territórios (SOARES, 1999: p.
57).

Amorim Filho & Serra (2001, p. 1) também contribuem para o


debate deste conceito. Primeiramente, estes autores apresentam uma
conceituação de cidades médias que parte do imaginário dos metropolitanos e
interioranos, em que as cidades médias seriam aquelas nem tão pequenas, a
ponto de limitar as possibilidades de crescimento econômico e intelectual de seus
habitantes, e nem tão grandes, a ponto de onerar e até por em risco a vida da
maioria de seus habitantes.
Definindo o que são cidades médias, Amorim Filho & Serra (2001,
p. 19) destacam que o vigor destas cidades depende de sua situação geográfica,
pois essas cidades representam válvulas de desconcentração, para conseguir
diminuir o mau funcionamento do sistema capitalista, além disso, estas cidades
são pontos de difusão da produção e dos valores do sistema socioeconômico de
que fazem parte e têm um papel de transmissão.
Beltrão Sposito (2001a: p. 627) afirma que “... a condição de
cidade média está diretamente associada a uma situação geográfica favorável...”,
pois a configuração de uma cidade depende das condições naturais que podem
facilitar as comunicações e também a proximidade das estradas que favorece as
relações com outros pontos da rede urbana.
Para Beltrão Sposito (2001b: p.239 - 240):

Quando nos referimos a cidades médias, estamos nos referindo a


cidades que não compõem estruturas metropolitanas. (...) As
cidades médias têm suas formas espaciais marcadas pela
formação de pequenas aglomerações de mais de uma cidade, ou
mesmo pela ausência dessas formas de aglutinação espacial.(...)
do ponto de vista funcional, desempenham papéis que se revelam
26

no âmbito regional, e são elos importantes de articulação


econômica entre os grandes centros metropolitanos e as
pequenas cidades, em hierarquias que estruturam redes urbanas
continuamente mais complexas.

Santos (1978: p. 75) faz um esforço de análise das cidades nos


países subdesenvolvidos, classificando-as em quatro tipos de aglomeração, as
cidades embrionárias; as cidades regionais; as metrópoles incompletas e as
metrópoles completas. Pensando desta maneira, as cidades médias seriam as
cidades regionais, as que têm funções intermediárias, ou seja, colocam em
relação cidades de porte maior e menor, desempenhando papel regional que
varia a partir de sua situação socioeconômica dentro da rede urbana.
Em outro texto, Santos & Silveira (2001, p. 283) descrevem o
papel destas cidades dentro da rede urbana.

As cidades médias comandam o essencial dos aspectos técnicos


da produção regional, deixando o essencial dos aspectos políticos
para as aglomerações maiores, no país ou no estrangeiro, em
virtude do papel dessas metrópoles na condução direta ou
indireta do chamado mercado global.

Notamos que atualmente os autores que debatem o tema


cidades médias, consideram o aspecto demográfico nas suas discussões, mas
apenas como instrumento preliminar para a identificação destas cidades, pois
vários deles criticam a forma de se classificar as cidades apenas pelo critério
demográfico Entre esses autores, destacamos Soares (1999, p. 57), para quem
as classificações apenas demográficas são incompletas, não reconhecendo a
urbanização como um processo complexo, envolvendo dimensões políticas,
econômicas, sociais e culturais.
Para Beltrão Sposito (2001a, p. 613) este critério não é suficiente
para classificar as cidades, pois cidades do mesmo porte populacional podem
desempenhar papéis diferentes na rede urbana.
Para finalizar este sub-item, é importante ressaltarmos qual o
interesse da discussão do que são cidades médias. Primeiramente, como já
vimos, essas cidades vêm tendo um crescimento econômico. Entretanto, é
preciso considerar que, juntamente, com o crescimento econômico, nota-se a
expansão do tecido urbano, que traz consigo o aumento das desigualdades
27

dentro da cidade, criando espaços que podem vir a ser diferenciados e, em


alguns casos, segregados das outras áreas da cidade. Outro ponto que se nota,
nestas cidades, é que são receptoras de produtos e valores provindos da
metrópole, entre eles o consumo de espaços como os loteamentos fechados e
condomínios horizontais, objeto de nossa pesquisa.

1.2. Marília – SP – Gênese de uma cidade média

Neste sub-item da monografia, pretendemos apresentar aspectos


que caracterizam Marília como uma cidade média.Primeiramente, explicitaremos
como se deu a formação e a implantação desta cidade do interior paulista.
Marília, localizada no centro-oeste paulista (mapa 1, p. 28), foi
originada da junção de três patrimônios, Alto Cafezal, Marília e Vila Barbosa.
Em meados do século XIX, era colonizada parte das terras
limítrofes, ao sul, compreendendo as vertentes do Rio Paranapanema, margem
direita, e Santo Anastácio, onde se localizavam as cidades de São José do Rio
Novo (atual Campos Novos Paulista), Platina e Santa Cruz da Conceição, todas
dentro de uma enorme área titulada por José Theodoro de Souza, em 13 de maio
de 1856, na Paróquia de Botucatu, alegando posse realizada em maio de 1848
(LARA, 1991: p. 12).
Nesta enorme área, nas primeiras décadas do século XX,
percorrida pela Estrada de Ferro Sorocabana, localizar-se-iam as cidades de
Ourinhos, Assis, Paraguaçu Paulista, Presidente Prudente, entre outras, pois
nesta área, até meados do século XIX, Botucatu e Lençóis Paulista eram os
últimos pontos "civilizados" (LARA, 1991: p. 12).
28

Mapa 1
Estado de São Paulo
Localização da cidade de Marília
45º

São José do Franca


Rio Preto

Araçatuba
Ribeirão Preto

Araraquara

Presidente
Prudente São Carlos
Bauru
Marilia
Rio Claro

Limeira
Piracicaba Americana

Campinas
São José dos
Jundiaí Campos
Itu

Sorocaba São Paulo

Santos

0 10 50km

Fonte: DER – Departamento de Estradas e Rodagem


Org. Júlio César Zandonadi

Para habitar essas terras empossadas, José Theodoro de Souza,


natural de Pouso Alegre - MG, buscou inúmeros amigos e familiares, entre eles o
seu genro Francisco de Paula de Moraes, que vendo o sucesso de seu sogro,
procurou se apossar das terras devolutas ao norte da área titulada por José
Theodoro de Souza, as quais eram cobertas por matas e habitadas pelos Índios
Coroados, conhecidos naquela época por serem "ferozes". Atualmente, estas
terras constituem a Baixada ou Vale do Rio do Peixe (LARA, 1991: p. 12).
Francisco de Paula Moraes, em 1877, não podia registrar, na
Paróquia de Botucatu, a posse das terras, uma vez que o tempo para a
regularização já havia se esgotado, pois em 18 de setembro de 1850, o Governo
Imperial baixara a Lei nº 601, a chamada Lei de Terras, determinando que
aqueles que, até a data da lei, fossem possuidores de terras não tituladas
registrassem a posse até 1854, na paróquia da situação. Com isso, Francisco de
Paula Moraes, criou uma maneira de titular as terras pretendidas: seu irmão João
29

Paula Moraes, se disse proprietário das terras há muito tempo e vendeu-as a


Francisco de Paula Moraes, fato este comprovado em escritura de 19 de fevereiro
de 1877, no Cartório Molitor da Vila de Santa Cruz do Rio Pardo (LARA, 1991: p.
12).
Não podendo registrar a escritura na Paróquia da situação,
Francisco de Paula de Moraes, começou a comercialização das terras, com
algumas dificuldades, pois além da precariedade dos títulos, os possíveis
compradores temiam os Índios Coroados (LARA, 1991: p. 13).
Em 1885, após a morte de Francisco de Paula Moraes, várias
parcelas das terras da posse deste, foram vendidas a Emídio José da Piedade e
Augusto César da Piedade, sendo as terras de Emídio denominadas de Água
Três Lagoas e Aleixo de Sandys Goudim e as de Augusto, de Pombo, Futuro e
Prata (LARA, 1991: p. 13).
Estas terras alienadas aos Piedade, tempos depois foram
incorporadas à Companhia Agrícola e Pecuária de Campos Novos, da qual faziam
parte os Piedade e o Senador Rodolpho da Rocha Miranda, sob a denominação
de "Fazenda Rio do Peixe e dos Piedades". Isso ocorreu, no final da década de
1910, quando a Companhia Paulista de Estradas de Ferro prosseguia a
construção do ramal, que saindo de Pederneiras demandava Piratininga a leste,
em direção ao Rio Paraná, alcançando o espigão Peixe-Feio (LARA, 1991: p.12).
Algum tempo depois, foram loteadas as terras da "Fazenda Rio
do Peixe e dos Piedades" e entre os compradores estava o Major Elizário
Camargo Barbosa, com a aquisição de 600 alqueires. Em 1923, Antonio Pereira
da Silva e seu filho José Pereira da Silva adquiriram junto ao Major Elizário
Camargo Barbosa, 53 alqueires de terras, que se delimitavam, ao norte, pelo
espigão Peixe-Feio, com terras da Fazenda Guataporanga. Logo após a
aquisição, Antonio Pereira da Silva contratou o Engenheiro Francisco Schimidt
para organizar e projetar a planta para a abertura do Patrimônio Alto Cafezal
(LARA, 1991: p. 13).
Em 1921, o Sr. Antonio Vasquez Carrion, tendo posse de terras
próximas de onde dois anos mais tarde seria implantado o Patrimônio Alto
Cafezal, tentou formar um Patrimônio, com o nome de “Vila Prado”, em uma parte
de 50 alqueires de terras, e chegou a vender alguns lotes, mas logo desistiu
30

devido ao litígio que havia nas terras com outro possuidor, o Engenheiro Eugenio
Teixeira Leite, o qual negociou as terras com os herdeiros deste (LARA, 1991: p.
17).
Os herdeiros do Engenheiro Eugenio Teixeira Leite transferiram
as terras para a firma Irmãos Ferraz & Cia, que a seguir as venderam para os
Coronéis Galdino de Alfredo de Almeida e José da Silva Nogueira (Cel. José
Braz), terras num total de 1950 alqueires denominadas de Fazenda Bonfim, na
qual plantou café e loteou parte, denominando-a de “Vila Barbosa”, incluindo aí a
parte antes loteada por Carrion, a “Vila Prado” (LARA, 1991: 17)
Do outro lado, as terras do Rio Feio ou Tibiriçá, confrontantes pelo
espigão e com as terras da "Fazenda do Rio do Peixe e dos Piedades” eram
terras cobertas por matas, que seguiam a reta Carlos Botelho (onde se encontra,
atualmente, o Município de Lucélia), e à margem esquerda do Rio Feio, essas
eram de posse de Francisco de Campos, que as vendeu em 11 de março de
1852, já na vigência da Lei de Terras a Joaquim Francisco Resende, sendo que
este as vendeu em 1895 a Amadeu de Almeida Santos, e este as vendeu a José
Rodrigues Sobrinho que, em 1904, fez várias vendas, mencionando sempre que
vendia a quarta parte de todas as terras que formam a Bacia do Rio Feio (LARA,
1991: p.13-14).
Entre um dos compradores destas "quartas partes", estava
Alfredo de Campos Salles, que vendeu a Cincinato César da Silva Braga e
Constança Cajado Braga, 1000 alqueires de terras e a Carlos de Campos 2500
alqueires, em 1911 e em 1913 respectivamente (LARA, 1991: p.14).
Em 1913, o Governo do Estado de São Paulo determinou ao Cel.
Francisco Ferraz de Salles, que procedesse a abertura de um picadão de 147 km,
ligando Presidente Pena (atual Cafelândia) a Platina, para onde se dirigia a
Estrada de Ferro Sorocabana. Diante desse fato, o Cel. Francisco Ferraz de
Salles recomendou ao Dr. Cincinato Braga a aquisição das terras que o picadão
atravessava no espigão do Rio Feio, o Dr. Cincinato Braga, logo o fez juntando
essas terras às que havia adquirido em 1911 (LARA, 1991: p.16).
Anos depois, em 1926, vendo os lucros que o Patrimônio Alto
Cafezal estava dando ao seu loteador, o Sr. Bento de Abreu Sampaio Vidal,
notando o abandono das terras do Dr. Cincinato Braga, denominadas de Fazenda
31

Cincinatina, comprou-as; elas abrangiam cerca de 21 km pelo espigão do Rio


Feio. Deste modo, Bento de Abreu logo contratou o Engenheiro Durval de
Menezes, para que projetasse e organizasse a abertura de seu Patrimônio,
denominado Marília, confrontando-o com o vizinho Alto Cafezal (LARA, 1991:
p.17).
O fato da cidade de Marilia originar-se destes três Patrimônios -
Alto Cafezal, Vila Barbosa e Marília - os quais foram loteados e projetados por
pessoas diferentes influenciou na estrutura urbana da cidade, como se destaca a
seguir.
O Patrimônio Alto Cafezal, projetado pelo Engenheiro Francisco
Schimidt, teve como plano de loteamento, o plano ortogonal, com ruas de 12
metros de largura, quarteirões de 88 X 88 m, divididos em 10 lotes, sendo 8 de 22
X 33 m e, 2 de 22 X 44 m. Foi reservada uma quadra para a Igreja Santo Antônio,
que ali foi erigida e se encontra até hoje (LARA, 1991: p.17).
O Patrimônio Marília, aberto por Bento de Abreu Sampaio Vidal e
projetado pelo Engenheiro Durval de Menezes, também foi projetado segundo o
plano ortogonal, com as ruas de 16 metros de largura e quarteirões de 100 X 100
m, divididos em lotes de 10 X 40 m. Foi reservada, como no Patrimônio Alto
Cafezal, uma quadra para a Igreja São Bento (LARA, 1991: p. 20)
O projeto inicial do Engenheiro Durval de Menezes era para que
as ruas do Patrimônio Marilia dessem continuidade às ruas já existentes do
Patrimônio Alto Cafezal, o que não aconteceu, devido à concorrência e inimizade
entre os dois loteadores: Bento de Abreu e Antonio Pereira da Silva. Isso fez com
que o encarregado pelo Patrimônio Alto Cafezal arrancasse as estacas plantadas
pelo Engenheiro Durval de Menezes no espigão divisor. Fruto disto, é que
somente as atuais ruas Nove de Julho e Dom Pedro, embora não retilíneas,
prosseguiram do Patrimônio Alto Cafezal até o Patrimônio Marília (LARA, 1991: p.
20).
O Patrimônio “Vila Barbosa”, iniciado pelos Irmãos Ferraz & Cia e
prosseguido pela firma dos Coronéis Galdino de Almeida e José da Silva
Nogueira, foi projetado de modo a prosseguir o arruamento do Patrimônio Alto
Cafezal, na parte confrontante com este, seguiu o mesmo plano, com quarteirões
de 88 X 88 m e lotes de 22 X 33 m. Na parte que fazia divisa com o Patrimônio
32

Marilia, procurou-se, igualmente, adequar o traçado ao plano deste Patrimônio


(LARA, 1991: p. 20).
A esses três Patrimônios iniciais da cidade de Marília, tempos
depois, foram agregados mais alguns, tais como a Vila Bassan, Vila São Miguel e
Vila Polon que, provavelmente, surgiram antes de 1930, pois nesta época, não
havia lei que normatizasse a implantação de loteamentos (LARA, 1991: p. 21).

1.2.1. A criação do Município

A Companhia Paulista de Estrada de Ferro vinha alcançando o


ramal Piratininga e as estações de Cabrália, Duartina, Gália e Garça foram
inauguradas. Com a chegada da linha férrea, vinha um enorme contingente de
pessoas para os quais não havia casas e nenhum outro tipo de lugar onde elas
pudessem se estabelecer, sendo estes os maiores empecilhos para a ocupação
das terras rurais de Alto Cafezal, que já estavam famosas em grande parte do
País, por serem propicias a plantação de café (LARA, 1991: p. 26).
Apesar destes empecilhos, o Patrimônio Alto Cafezal foi se
expandindo, sendo que, em agosto de 1926, foi criado um Distrito Policial no
Patrimônio, com a denominação do mesmo, Alto Cafezal. Do outro lado do
espigão, no Patrimônio Marília, Bento de Abreu Sampaio Vidal, em dezembro de
1926, buscando maior valorização de seu Patrimônio, conseguiu criar o Distrito de
Paz de Marília, obtendo a seguir a instalação do primeiro cartório da região, nesse
mesmo patrimônio (LARA, 1991: p. 26).
Em janeiro de 1927, devido a sua grande influência na Câmara
dos Deputados, Bento de Abreu enviou e teve aprovado o Projeto de Lei, criando
o Município de Marília, abarcando os três patrimônios (Marília, Alto Cafezal e Vila
Barbosa), sendo que anos depois, em 1933, foi instalada a Comarca (LARA,
1991: p. 26).

1.3. A caracterização de uma cidade média – Marília – SP

Atualmente, as cidades médias vêm ganhando espaço nos


estudos de inúmeros pesquisadores, o que se deve ao fato de que esses pontos
33

no território, no período atual técnico-cientifico-informacional, nos termos


propostos por SANTOS (1996), assumem juntamente com as cidades grandes,
novos papéis dentro da rede urbana.
Beltrão Sposito (2001) afirma que as mudanças nos papéis destas
cidades ocorrem, de forma mais nítida, a partir da década de 1990, entre as
mudanças que firmaram os novos papéis para as cidades médias dentro da rede
urbana, estão:

-· ampliação da importância das grandes metrópoles, com o


aumento dos papéis de gestão empresarial e financeira do capital,
face às novas formas de internacionalização, que marcam o
período denominado de globalização;
- descentralização da atividade industrial produtiva,
aumentando os papéis de muitas cidades grandes e médias, e
centralização das decisões, como conseqüência da concentração
de capitais, reforçando o perfil terciário superior das grandes
metrópoles, guindando São Paulo à condição de um dos pontos
da rede global de cidades;
- o crescimento do emprego informal e do desemprego, como
conseqüência da flexibilização do sistema produtivo, mas
também do aumento da participação da tecnologia na
produção, como caminho para diminuição dos custos em um
período de crise, em que se acentua a competitividade;
- crescimento das disparidades no interior das cidades,
sobretudo das maiores, em função do aumento do custo de
vida nesses centros e da diminuição do mercado de trabalho
(BELTRÃO SPOSITO, 2001: p. 624-625).

É marca do período atual a descentralização da produção e a


centralização das decisões, deste modo, empresas saem da metrópole de São
Paulo e se instalam em cidades do interior paulista ou em outros Estados da
federação, mas as decisões continuam a ser tomadas em escritórios localizados
na metrópole paulistana. Entre os fatores para a ocorrência destes fenômenos,
esta o preço do solo urbano na metrópole. Atualmente, as empresas visando
maior lucratividade desenvolvem políticas de contenção de despesas, o que inclui
buscarem espaços em que o solo seja mais “barato”, para a instalação de suas
industrias, estes solos por muitas vezes estão localizados em cidades do interior
paulista.
Outro fator é o que Milton Santos intitula de a “guerra dos
lugares”, ou seja, a concorrência entre Estados da federação e municípios para
34

atrair empresas para o seu território, para isso oferecem vários privilégios, entre
os quais estão a isenção de alguns impostos e até o fornecimento da área para a
implantação da industria.
Ao caracterizarmos uma cidade média, temos que levar em
consideração alguns critérios, Brumes (2003: p.79) estabelece alguns, entre os
quais estão os critérios demográficos; as relações de comunicação que estes
centros mantém com outros; seus fluxos de informações; seu grau de
acessibilidade; sua dinâmica econômica e o seu comportamento regional.
A análise destes critérios para a classificação de uma cidade
média deve levar em consideração o papel regional que a cidade têm, ou seja,
qual o papel desempenhado por esta cidade dentro da rede urbana, pois são elos
importantes de articulação econômica, política e cultural entre os grandes centros
metropolitanos e as pequenas cidades, estas relações se estabelecem através de
redes urbanas complexas.
As relações entre as cidades de diferentes portes se estabelecem
de forma complexa, pois não são apenas relações de dependência das menores
às maiores, pois essas relações são, ao mesmo tempo de competição e
cooperação entre as cidades do mesmo porte ou de diferentes portes, relações
estas que estão presentes dentro de uma rede urbana ou de redes urbanas
distintas (BELTRÃO SPOSITO, 2001: p. 239 – 240).
Na cidade de Marília, encontramos algumas características que
nos levam a classificá-la como uma cidade média.
Para uma primeira aproximação vemos o caráter demográfico,
pois segundo Amorim Filho & Serra (2001: p. 3), o tamanho da população urbana
é um indicativo do tamanho do mercado local, assim como um indicador para o
nível de infra-estrutura existente e o grau de concentração das atividades.
Até o censo de 2000, o Município de Marília, contava com uma
população de 197.3423 habitantes, sendo que 189.719 residem na área urbana.
Em seu espaço intra-urbano, a cidade tem a presença de estabelecimentos que
servem de atrativos para a população de cidades de menor porte, localizadas em
se
,,,0

3
Fonte: Censo Demográfico 2000 – IBGE.
35

00u entorno, está população é atraída seja em busca de


satisfazer suas necessidades de consumo, em atividades comerciais ou de
serviços, ou mesmo em busca de empregos.
Dentre estes estabelecimentos nota-se a presença de
universidades como Fundação UNIVEM, UNESP e UNIMAR, uma gama de
hospitais e serviços médicos, centros comerciais e shopping centers, e o parque
industrial desta cidade, que tem destaque nacional e até internacional, com
empresas como a Nestlé, Marilan e a Sasazaki.
Um indicativo de que o crescimento da cidade de Marília baseou-
se na produção de café e algodão, em período anterior, os quais eram escoados
via ferrovia, é a acessibilidade, pois, a acessibilidade é outro ponto a ser debatido
na caracterização de uma cidade média, fator este que, na cidade de Marília, é
deficiente, pois está localizada a 450 Km de São Paulo (via rodovia) e, assim
como Presidente Prudente, são as únicas cidades consideradas médias a não ter,
ligação com a metrópole paulista via rodovia duplicada (mapa 2, p. 36), o que
dificulta o transporte, para o acesso ou escoamento de mercadorias.
36

Mapa 2
Estado de São Paulo
Localização das rodovias duplicadas
45º

São José do Franca


Rio Preto

Araçatuba
Ribeirão Preto

Araraquara

Presidente
Prudente São Carlos
Bauru
Marilia
Rio Claro

Limeira
Piracicaba Americana

Campinas
São José dos
Jundiaí Campos
Itu

Sorocaba São Paulo

Santos

Rodovias 0
10
50km
Duplicadas

Fonte: DER – Departamento de Estradas e Rodagens


Org. Júlio César Zandonadi

Neste trabalho, apresentamos as cidades médias, como centros


de difusão4, dentro da rede urbana, ou seja, como suportes para a disseminação
de bens e idéias de centros maiores, até chegar ao campo, neste caso as cidades
médias reproduzem os bens e idéias providas dos centros metropolitanos. Os
bens são os mais variados, tanto bens fabricados nas cidades, bens de consumo,
quanto bens de produção, e as idéias são as chamadas de inovações
tecnológicas, mas também, modas e diretrizes (SOUZA, 2003: p. 53).
Dentro destes produtos e idéias providos de grandes centros e
reproduzidos em cidades de menor porte, que não necessitam de acessibilidade
via rodovias, ferrovias, etc. Mas apenas à disseminação de informações, estão os
novos produtos do mercado imobiliário, os loteamentos fechados.
Tais empreendimentos, segundo Caldeira (2000), não são
originalmente brasileiros, pois partilham de várias características com os CID’s
4
Para aprofundar no debate deste termo ver ARMSTRONG, W. e MCGEE, T. (1985) citado por
Souza (2003: p. 51).
37

(common interest developmentes ou incorporações de interesse comuns) dos


subúrbios norte-americanos.
No Brasil, mais precisamente na cidade de São Paulo, os
loteamentos fechados começaram a ser construídos, no final da década de 1970.
Seus moradores estavam em busca de cinco características básicas: segurança,
isolamento, homogeneidade social, equipamentos e serviços. Na cidade de
Marília, estes empreendimentos começaram a ser implantados no ano de 1993 e,
a partir daí, foram implantados mais 18 novos empreendimentos imobiliários com
essas características.
Esta reprodução de produtos e valores provindos de centros
maiores, nem sempre vem acompanhada dos mesmos ideais e características.,
Vejamos o caso da implantação dos loteamentos fechados nas grandes cidades e
metrópoles. A justificativa do incorporador e do morador para a implantação
destas novas formas de moradia é, sobretudo, a segurança, devido aos altos
índices de violência urbana presentes atualmente nas metrópoles e grandes
cidades. Entretanto, nas cidades médias, a segurança até é citada como
justificativa, mas o que se nota, nestas cidades, é que os incorporadores buscam
cada vez mais maior lucratividade com esses novos produtos e os moradores
buscam o status de morar em um residencial fechado.
38

Capítulo II

A produção do espaço urbano

na cidade de Marília – SP – Os loteamentos fechados

II. A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO NA CIDADE DE MARÍLIA – SP – OS


LOTEAMENTOS FECHADOS
39

Neste segundo capítulo pretendemos expor nossa análise da


produção do espaço urbano em cidades médias, mais precisamente sobre a
expansão do tecido urbano destas cidades, enfatizando o surgimento dos novos
tipos de loteamentos, os fechados, e as repercussões que a implantação destes
empreendimentos imobiliários trazem para a cidade. Para isto, tomamos como
referência empírica a cidade de Marília.
Corrêa (1989, p. 11) define o espaço urbano como “... produto
social, resultado de ações acumulativas através do tempo e engendradas por
agentes que produzem e consomem o espaço...”. Considerando esta afirmação,
vemos que dificilmente as cidades conservam, em sua estrutura, as suas formas
originais, obedecendo, cada uma delas, a uma dinâmica própria de expansão,
influenciada ou por determinantes físicos, como por exemplo formas de relevo em
que se insere seu sítio urbano, e/ou pela ordem social e econômica, por exemplo,
pela propriedade privada da terra que dá aos proprietários o direito de decidir em
que momentos as terras são colocadas no mercado (LEME, 1999, p. 89).
É necessário diferenciarmos a cidade do urbano. Lefebvre (1991)
afirma que a cidade é a forma, é a materialização de determinadas relações
sociais, enquanto que o urbano é o conteúdo, ou seja, as próprias relações
sociais que se materializam no espaço e formam a cidade. A relação entre o
urbano e a cidade é complexa, pois o urbano produz a cidade, ao mesmo tempo
em que é produzido na cidade.
Um dos reflexos ou formas de produção do espaço urbano é a
expansão do tecido urbano, expansão esta que se dá de duas maneiras, sendo
que ambas acarretam incremento de novas áreas e, por vezes, refletem aumento
populacional nas cidades.
Primeiramente, vemos o crescimento intensivo, resultado da
verticalização da cidade, adensamento de novas áreas e implantação de prédios
e edifícios. A outra maneira de crescimento, sobre a qual este trabalho se
desenvolve, é a extensiva/horizontal, sendo esta resultado da incorporação de
novas áreas ao tecido urbano, ou seja, a implantação de novos loteamentos e
conjuntos habitacionais à cidade (LEME, 1999).
40

Leme (1999: p. 91) afirma que o crescimento do tecido urbano,


com a implantação de novas áreas, poderia ser orientada por uma relação
equilibrada entre oferta e demanda, ou seja, só seriam implantados novos
loteamentos se não houvesse mais terrenos à disposição no mercado. Mas o que
se nota, no modo capitalista de produção, é que não há equilíbrio, pois as ações
de produzir o espaço urbano são feitas visando maior lucratividade por parte dos
agentes que produzem este espaço.
A ação de produzir e reproduzir territorialmente a cidade, significa
muito mais que atender simplesmente à demanda crescente por espaço urbano,
decorrente do aumento populacional e da ampliação dos papéis socioeconômicos
desempenhados no interior das cidades, estas ações refletem muito mais os
anseios e desejos de vários agentes econômicos envolvidos no processo de
estruturação urbana (LEME, 1999: p. 93 – 94).

2.1. Os agentes que produzem o espaço urbano

Destacamos que o espaço urbano é um produto social, resultado


de ações de agentes que produzem e consomem este espaço e, deste modo,
percebe-se que a produção do espaço urbano não é um processo orientado de
ações involuntárias, mas sim é cercado por um jogo de interesses entre os
diversos segmentos da sociedade, na qual têm mais peso os segmentos de maior
poder social, econômico e político no momento.
A seguir, apresentamos estes agentes descrevendo seus papéis
no processo de produção do espaço urbano.

• Os proprietários fundiários
Segundo Correa, tais proprietários atuam no sentido de obterem
maior renda fundiária de suas propriedades, interessando-se em que estas
tenham o uso mais remunerador possível, dentro destes usos estão o comercial e
o residencial de status, podendo incluir ai os loteamentos fechados.
Estes proprietários podem agir pressionando o Estado visando a
instalação de infra-estrutura urbana necessária para a habitação, ou também,
41

pressionando-o para conseguir créditos bancários para que eles mesmos possam
instalar a infra-estrutura necessária, tudo isso buscando uma maior valorização da
área a ser colocada no mercado (CORREA, 1989, p. 16 – 19).

• Os promotores imobiliários
Estes agentes são os responsáveis pela incorporação, a
transformação do uso da terra em uma mercadoria diferente; o financiamento, o
investimento para a compra do terreno e construção do imóvel; o estudo técnico,
viabilização técnica da obra; construção ou produção do imóvel; e finalmente a
comercialização desta nova área urbana. Todas estas operações podem se
originar do próprio proprietário fundiário ou mesmo serem exclusivamente das
firmas exclusivamente incorporadoras.
Os promotores imobiliários utilizam-se de algumas estratégias,
entre as quais a produção de habitação para uma camada da população com
maior poder aquisitivo, que traz como resultado um maior preço da terra e maior
status a esta nova área (CORREA, 1989, p. 19 – 24).
Estes são os principais agentes que deliberam a ação para definir
mudanças no uso do solo urbano, realizando o lançamento de novas áreas na
cidade (LEME, 1999: p. 95).

• O Estado
Este é um dos principais agentes envolvidos na produção do
espaço urbano, pois, é o Estado que legitima as ações dos outros agentes
envolvidos nesse processo e também ele é um produtor, pois age como
proprietário fundiário e como promotor imobiliário, devido à grande importância
deste agente produtor do espaço, decidimos por analisar a sua atuação na
produção do espaço urbano em uma cidade média – Marília, em um capitulo
voltado, especificamente, a esta análise5.

• O consumidor

5
Capitulo IV.
42

Um outro agente envolvido na produção do espaço urbano, o qual


não é muito citado, é o consumidor, ou seja, o que consome o espaço, o que
efetua a compra do terreno ou imóvel, pois sem o consumidor do espaço, a
produção perderia o sentido, e é ele que paga pelo espaço. O consumidor é um
dos fatores determinantes no status da área, a procura ou não deste consumidor
a novas áreas, são fatores que contribuem para determinar o preço do solo
urbano em diferentes áreas da cidade.
O consumidor também pode consumir o espaço, não
necessariamente através da compra de terreno ou imóvel, mas também mediante
a forma de inquilino ou ocupante de imóvel.

2.2. A expansão territorial urbana

Já ressaltamos que existem duas maneiras do tecido urbano se


expandir, o crescimento intensivo/vertical e o extensivo/horizontal, para este
trabalho leva-se em consideração apenas o crescimento extensivo/horizontal, que
se dá por meio da implantação de novos loteamentos e conjuntos habitacionais á
cidade.
Leme (1999: p. 90) afirma que, atualmente, as cidades têm
crescido acentuadamente, gerando grandes problemas sociais em seus espaços,
isto ocorrendo, devido ao fato de que as cidades estão sujeitas às leis do
mercado e aos interesses do capital incorporador, que é geralmente o grande
responsável pela expansão do tecido urbano. Este crescimento, em alguns casos,
poderia ser maior se não fosse a regulação do Estado, por meio de legislação de
caráter urbano.
Mas este grande crescimento das cidades faz com que o Estado
assuma o custo social de interligar estas novas áreas às demais áreas da cidade,
por meio de infra-estrutura, como as vias de transportes, redes de água, esgoto, e
energia elétrica, além de outros equipamentos urbanos.

2.2.1. A expansão territorial urbana na cidade de Marília


43

Marília tem uma expansão territorial urbana diferenciada, pois esta


expansão tende a se orientar pelas condições do quadro natural, pois a cidade é
situada no Platô Marília, que se localiza numa grande área de exposição de
rochas da Formação Marília.
O Platô Marília, juntamente com outros que constituem a
Formação Marília, mostra-se limitado por escarpas fortemente festonadas6.
Apesar de não ser um fator explicativo das razões ou determinantes da expansão
territorial urbana da cidade, esta formação contribui para o entendimento dos
vetores dessa expansão, pois é ela que vai indicar os sentidos do crescimento da
malha urbana da cidade7.

Foto 1
Escarpas – fundos do Condomínio Residencial Garden Park

Foto: Júlio César Zandonadi

Frisamos, no capitulo anterior, que a cidade de Marília surgiu da


junção de três patrimônios, o Alto Cafezal, o Marília e a Vila Barbosa, fato este
ocorrido no ano de 1927 e a partir daí a cidade teve um grande crescimento
territorial. Deste modo, pretendemos em nossa análise fazer uma retrospectiva
dessa expansão da cidade de Marília desde a criação do Município.
Depois da criação do Município, já em 1928, quando a Companhia
Paulista de Estradas de Ferro chegava ao ramal ferroviário na cidade, o

6
In. Mapa Geomorfológico do Estado de São Paulo, Volume I
7
Em anexo, o mapa geomorfológico do Estado de São Paulo.
44

dinamismo já era enorme, sendo assim, os Patrimônios então existentes não


conseguiam acolher toda a demanda de lotes causada pela chegada de um
enorme contingente de pessoas e, deste modo, foi necessária a criação de novos
loteamentos, entre estes, estão os já citados, Vila São Miguel, Bassan e Pollon
(LARA, 1991: p. 117).
Até 1937, quando foi publicado o Decreto – Lei nº 58, de 10 de
dezembro de 1937, do Estado Novo, que estabeleceu uma legislação que
fiscalizava o surgimento de novos patrimônios e loteamentos, foram ampliados os
patrimônios já existentes, e surgiram novos loteamentos que seguiam a linha
férrea em direção à cidade de Pompéia (LARA, 1991, p. 119).
O decreto – lei criado no Estado Novo, não inibiu a implantação de
novos loteamentos na cidade, o que perdurou até 1985, quando a Prefeitura
Municipal estabeleceu a obrigação, em lei complementar a Lei Federal 6.766/79,
aos loteadores que pretendessem implantar novos loteamentos, de criarem as
infra-estruturas necessárias, tais como: arruamento, asfaltamento, iluminação,
água e esgoto; tudo isso anteriormente era realizado pela municipalidade. Até a
criação desta legislação, a cidade cresceu incontrolavelmente por todos os lados
(LARA, 1991, p. 119).
Atualmente, a cidade continua em ampla expansão, um pouco
mais controlada, mas novos loteamentos estão surgindo nas zonas norte, sul,
leste e oeste. Note-se que em muitas áreas a cidade não tem por onde seguir sua
expansão, pois já alcançam as escarpas que cercam a cidade.
Marília, primeiramente, cresceu impulsionada pelo café e pela
estrada de ferro, passando pelo algodão, amendoim e atualmente tem como base
da sua economia as indústrias de alimentos e as universidades, por essa razão a
cidade ganhou status de “Capital Nacional do Alimento” e é considerada uma
“cidade universitária”.
A expansão territorial de Marília, mesmo com os obstáculos
naturais, obedece à lógica do capital que é a do crescimento desigual entre a
população e a malha urbana, ou seja, o seu tecido urbano se expande mais que a
sua população. Isto trazendo como efeito a valorização de algumas áreas da
cidade frente a outras áreas.
45

Na tabela 1 percebe-se o ritmo inconstante de crescimento da


cidade de Marília. Entre os anos de 1970 a 1980, o grande crescimento deve-se
principalmente à falta de uma legislação urbanística municipal que regulasse a
implantação de novos loteamentos na cidade, legislação essa que foi criada em
1985. O grande crescimento da malha urbana, entre os anos de 1970 e 1980, é
explicado também pela regularização de loteamentos já existentes e pelo
aquecimento do mercado imobiliário, mais especificamente o de terrenos (LEME,
1999: p. 168).

Tabela 1
Marília - SP
Evolução da população urbana e da área urbana
1970 - 2000
Ano População Índice Área Urbana Índice
Urbana (m2)
1970 75.139 100,0 10.923.829,94 100,0
1980 106.654 141,9 25.251.989,68 231,2
1991 144.906 192,8 30.855.320,60 282,5
1996 163.668 217,8 34.017.121,03 311,4
2000 189.719 252,4 41.000.000,008 375,3
Fonte: Leme (1999), Censo Demográfico 2000 – IBGE e Carta Base da Prefeitura Municipal de
Marília – SP

A década de 1990, a malha urbana também teve um crescimento,


neste interregno, Leme (1999, p. 177) afirma que foram anos em que o preço do
solo urbano teve um grande aumento, chegando a dobrar o valor que tinha dez
anos antes. É nesta década, também, mais precisamente no ano de 1993, que
surge o primeiro loteamento fechado na cidade, coincidentemente no mesmo ano
em que Leme observou a maior valorização do m2 na cidade.
Recentemente, no período de 1996 a 2000, a cidade obteve um
enorme crescimento, impulsionado pelas novas formas de habitat urbano, pelos
núcleos habitacionais e por novos loteamentos, a malha urbana alcança
aproximadamente 41 km2 de área, um crescimento expressivo e rápido, se
comparado aos números de 1996.

8
Número aproximado.
46

2.2.2. O surgimento dos loteamentos fechados em Marília

Citamos neste trabalho que a conjuntura socioeconômica atual nos


remete a refletir sobre uma dinâmica de descentralização das atividades
produtivas e uma centralização da gestão e das decisões, ou seja, as industrias
deslocam a sua produção, saindo da capital paulista, para cidades de menor porte
no interior paulista ou para cidades de outros Estados da Federação. Deste modo
essas cidades, destinos das unidades fabris atraem uma “nova” população vinda
de uma metrópole, acostumada com a vida cotidiana da metrópole.
Beltrão Sposito (2002) revela que a expansão do tecido urbano,
atualmente, resulta cada vez mais da realização ampliada de interesses fundiários
e imobiliários, que buscam a maior lucratividade possível em seus
empreendimentos. É neste contexto que os loteamentos fechados são
implantados nas cidades médias do interior paulista.
Assim, para a autora, o interior paulista tem sido os espaços
preferidos pelos proprietários e incorporadores para a implantação destes novos
produtos imobiliários, já que “... a renda per capita de seus moradores se elevou e
a concentração demográfica encerra um mercado potencial tão atraente como
das capitais” (BELTRÃO SPOSITO, 2002, p. 406).
A cidade de Marília está entre estas cidades que são atrativas para
o investimento dos proprietários e do capital imobiliário.
Há, em Marília, atualmente, uma onda de proliferação destes
novos empreendimentos imobiliários na cidade, que somados chegam a 199 entre
loteamentos e condomínios fechados.
Esta onda teve inicio, no ano 1993, como podemos ver no quadro
2, quando foi implantado o primeiro loteamento fechado na cidade o Residencial
Esmeralda Residence; após um pequeno intervalo, em 1996, foi implantado o
segundo empreendimento deste tipo, o Condomínio Residencial Village do
Bosque; em 1997, surge o Condomínio Residencial Garden Park; em 1999, o
Residencial Villaggio das Esmeraldas. Nota-se que esta primeira fase de
implantação destas novas formas de habitat urbano tem como situação
9
Os Residencial Jardim Ismael. Residencial Green Valley e Residencial Santa Gertrudres, não
foram incluídos na análise, devido ao fato de que os dados sobre a implantação destes,não terem
sido fornecidos pela Prefeitura Municipal de Marília.
47

geográfica, as áreas já ocupadas por uma população pertencente a segmentos de


maior poder aquisitivo, a zona leste da cidade, mais precisamente o setor da Av.
das Esmeraldas e a área em torno do Bosque Municipal.

Quadro 2
Marília – SP
Loteamentos e Condomínios Fechados – Ano de Implantação
1993 - 2003
Loteamentos/Condomínios Fechados Ano de Implantação
Residencial Esmeralda Residence 1993
Condomínio Residencial Village do Bosque 1996
Condomínio Residencial Garden Park 1997
Residencial Villagio das Esmeraldas 1999
Residencial Solar das Esmeraldas 2000
Residencial Pedra Verde 2000
Residencial Campo Limpo 2000
Condomínio Residencial Jardim do Bosque 2000
Condomínio Residencial Jardim Colibri 2000
Condomínio Residencial Portal do Parati 2000
Residencial Vale do Canaã 2001
Condomínio Residencial Vila Nova 2001
Residencial Campo Belo 2001
Loteamento Residencial “Villa Flora” 2002
Loteamento Residencial Portal da Serra 2003
Residencial Portal dos Nobres 2003
Fonte: Prefeitura Municipal de Marília e DPRN Recursos Naturais do Estado de São
Paulo – Equipe Técnica Marília – SP
Org. Júlio César Zandonadi

A partir do ano 2000, é retomada a proliferação destas novas


formas de habitat urbano, pois, neste ano, são implantados seis novos
loteamentos e condomínios fechados na cidade10: o Residencial Solar das
Esmeraldas, Residencial Pedra Verde, Residencial Campo Limpo,
Condomínio Residencial Jardim do Bosque, Condomínio Residencial Jardim
Colibri e o Condomínio Residencial Portal do Parati, sendo que, destes novos
empreendimentos imobiliários, apenas dois não se encontram na zona leste, são
eles o Residencial Campo Limpo que se situa na zona norte e o Residencial
Portal do Parati, que se localiza no centro-sul da cidade.

10
No capitulo IV, apresentaremos uma diferenciação entre loteamento fechado e condomínio
horizontal.
48

Esta “extensão” da implantação dos loteamentos e condomínios


fechados na cidade tem como auge os anos de 2001, 2002 e 2003, anos em que
foram implantados mais seis novos empreendimentos, muitos destes em novas
áreas, agora afastadas da cidade, um exemplo disso é o Residencial Vale do
Canaã, implantado em 2001, nas proximidades da estrada que liga Marília a
Assis, distante aproximadamente 2 km da malha urbana já constituída de Marilia.
Os outros que se localizam afastados da malha urbana são: o Residencial Portal
dos Nobres11 (2003), situado ao final da Av. das Esmeraldas na zona leste, o
Residencial Portal da Serra (2003), localizado no fim da Av. Brigadeiro Eduardo
Gomes, também na zona leste, o Condomínio Residencial Campo Belo (2001)
e o Residencial Green Valley12 ambos localizados na rodovia que liga Marília a
Panorama, próximos ao distrito de Padre Nóbrega, a aproximadamente 3 km da
malha urbana de Marília. Ainda nesta onda de implantação fora da malha urbana
de Marília esta o Condomínio Residencial Vila Nova (2001), situado próximo à
rodovia que liga Marília a Bauru, no distrito de Lácio, a aproximadamente 3 km da
malha urbana.
Além destes novos loteamentos e condomínios fechados, outros
também foram implantados, mas obedecendo a lógicas de períodos anteriores,
como o Loteamento Residencial “Villa Flora” (2002) localizado próximo ao
Bosque Municipal e o Residencial Jardim Ismael13 localizado próximo ao Jardim
Cavalari, zona oeste da cidade.
A partir do mapa 3 (p. 50) dos loteamentos e condomínios
horizontais, fazemos uma relação entre os ritmos da implantação deles no tempo
e o espaço.
Estes empreendimentos imobiliários marcam uma nova lógica da
expansão territorial urbana, marcada pela extensão e descontinuidade do tecido
urbano, orientada cada vez mais por interesses fundiários e imobiliários.
A implantação destas novas formas de habitat urbano traz
algumas repercussões para a cidade, tais como, alterações nas relações centro –
11
Os loteamentos fechados Residencial Portal dos Nobres e Residencial Portal da Serra,
atualmente já se encontram anexados a malha urbana, o que levanta a tese de serem pólos de
atração do processo de urbanização.
12
A Prefeitura Municipal de Marília não forneceu informações sobre este empreendimento
imobiliário, afirmando que não era encontrado o seu projeto de implantação.
13
A Prefeitura Municipal de Marília não forneceu informações sobre este empreendimento,
alegando que este não fora aprovado pelo poder público municipal.
49

periferia dentro da cidade, a possível segregação sócioespacial e a alteração da


paisagem urbana.
Mapa 3
Marília - SP - Loteamentos/Condominios Fechados
Ano de Implantação
1993 - 2003

a
m
ra
no
P/

Pa
As
LEGENDA

P/
sis
Green Valley

N
Vale do Canaã

Campo Belo Área loteada


Jd. Ismael

1993 - 1999
2000

Campo Limpo 2001 - 2003


AV. S
AN TO
AN
TÔ N
IO

A
Dados não obtidos
BL IC
AV.

RE PÚ
A V.
RIO
BR AN

P/
CO

Lin
TO
LE
DO s
DE
O
DR
. PE
AV

Jd. Do Bosque
Centro principal
RU
A
:N
OV
E
DE
S
TE

JU

AV. V IC EN TE FER
EN

LH

R EIRA
D

O
RA
. TI
AV

Portal do Parati Garden Park


Village do Villa Flora Ferrovia
A V.
DA

Bosque
SE
SM
ER

Jd. Colibri
Rodovias
AL
DA

AV. BR IG
S

ADE IRO
EDU AR
HO DO G O

hos
MAL MES
RA
ÃO
JO

urin
AV.

P/ O Avenidas e
Pedra Verde ruas principais
Solar das Esmeraldas
0 100 m 500 m 900 m

Esmeralda Residence Villagio das


Itambés
Esmeraldas Santa Gertrudes

Portal da Serra Represa cascata


Portal dos
Nobres

FONTE: CARTA BASE - PREFEITURA


P/ Bauru MUNICIPAL DE MARÍLIA - SP
ORG. JÚLIO CÉSAR ZANDONADI
C. Vila Nova
51

2.2.2.1. Centro – Periferia

Beltrão Sposito (2002) trata os loteamentos e condomínios


fechados como sendo novos territórios urbanos, e que é tendência da
urbanização paulista contemporânea o surgimento destas novas territorialidades
que, além de serem marcadas pela extensão e descontinuidade, são marcadas
também pela multiplicação de áreas centrais.
Para a autora, a produção do espaço urbano realizada desta
maneira, promovendo a descontinuidade, redefine o par centro – periferia,
gerando uma estruturação mais complexa da cidade, agora caracterizada por
uma polinucleação, que gera uma policentralidade.
Souza (2003: p. 64 - 65) diz que a maioria das cidades possui
claramente o seu “centro”, correspondendo, na maior parte das vezes, ao centro
histórico, que ao se expandir pode chegar a atingir as dimensões de uma
moderna área central de negócios, conhecida como CBD (Central Business
District ). As grandes e podemos dizer até as médias cidades, atualmente,
atingiram uma tamanha expansão que essa única área central não dá conta de
atender a todas as demandas da cidade por bens de consumo não-rotineiro,
assim surgem os subcentros de comércio e serviços e o autor relaciona o
surgimento destes, ao crescimento das cidades, ao aumento das distâncias, e a
combinação de densidade demográfica, distância em relação ao centro “antigo” e
à renda da população. O aparecimento destes subcentros evita que os moradores
de diferentes bairros precisem se deslocar para o centro “antigo”.
Na cidade de Marília, o que se nota na atual conjuntura, é o
aparecimento de diversos subcentros14 pelas diferentes áreas da cidade, muitos
surgiram devido à distância do centro principal e de uma grande densidade
demográfica da área, outros surgiram devido à busca por um mercado potencial,
como é o caso da zona de comércio e serviços situada na Av. das Esmeraldas e
seu entorno.
Em nosso trabalho, associamos a implantação dos loteamentos e
condomínios fechados ao surgimento deste subcentro comercial e de serviços na
14
Esta terminologia está sendo usada para definir as áreas comerciais e de serviços que não se
localizam no centro principal, lembrando que não foi feito um estudo para a aplicação deste
conceito à cidade de Marília, pois não era objeto desta pesquisa.
52

Av. das Esmeraldas. Não podemos afirmar que a implantação destes novos
empreendimentos imobiliários seja determinante desta nova configuração da
cidade, pois esta parte do setor leste, por muitos anos, é considerada local onde
habita uma população de maior poder aquisitivo, razão esta que explica por si só
o aparecimento de estabelecimentos comerciais e de serviços15.
Mas nota-se que, depois da implantação das novas formas de
habitat urbano nesta área, o setor de serviços e comércio, vem ganhando uma
nova caracterização, primeiramente pelo surgimento de um shopping center, na
Avenida das Esmeraldas e, também, esta avenida estar passando por uma
transformação, deixando de ter função residencial, para ter quase que
exclusivamente uma função comercial e de prestação de serviços.
Na foto 2 (p. 53) vemos a presença do Esmeralda Shopping,
implantado em meados de 2004, cujas primeiras benfeitorias para sua
implantação foram realizadas entre os anos de 1996 e 1997.

15
Tratamos aqui do surgimento destas novas formas de habitat urbano como um fator que
contribui para o aparecimento destas novas áreas centrais.
53

Foto 2
Esmeralda Shopping – Shopping Center localizado na Av. das Esmeraldas

Foto: Júlio César Zandonadi

Nas proximidades do Bosque Municipal, onde foram implantados


outros loteamentos e condomínios fechados, é um setor que começa a ter a
ocorrência de mudança de função de alguns usos do solo urbano. Podemos
ilustrar essa tendência, por esta clinica localizada no Jardim Colibri, nota-se que a
edificação tem padrão destinado à função residencial, mas atualmente serve
como estabelecimento para prestação de serviços (foto 3).
Foto 3
Estabelecimento localizado no Jardim Colibri

Foto: Júlio César Zandonadi


54

Por ser um local afastado do centro principal, esta área tem uma
avenida de grande fluxo - a Av. Brigadeiro Eduardo Gomes -, que há algum tempo
já conta com alguns estabelecimentos comerciais, como pequenos
supermercados, padarias, papelarias etc. Sendo assim, podemos pensar que o
aparecimento de estabelecimentos de serviços fora desta avenida e mais
próximos dos loteamentos e condomínios fechados são uma nova tendência, que
busca uma maior proximidade dos que podem pagar por tais serviços, como
mostra o exemplo mostrado anteriormente.
Nas outras áreas em que se observa a presença das novas formas
de habitat urbano, ainda não se nota grandes mudanças nas funções dos bairros
próximos.

2.2.2.2. A segregação socioespacial

Nesta monografia, ao propormos o debate em torno da expansão


territorial urbana em cidades médias e a implantação das novas formas de habitat
urbano, não podemos fugir da discussão acerca da segregação sócioespacial, até
porque o processo de urbanização contemporâneo e o fenômeno da segregação
estão interligados, ou seja, um é condicionante do outro, deste modo, o processo
de urbanização promove a segregação e os processos segregacionistas são parte
do processo de urbanização. Villaça (2001) diz que a segregação é um processo
fundamental para a compreensão da estrutura espacial intra-urbana.
Primeiramente, precisamos nos ater ao que é a segregação
socioespacial. Para Villaça (2001: p. 146) segregação é um processo segundo o
qual diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez
mais em diferentes regiões gerais ou bairros. Lojkine (1981: p. 166) com uma
visão mais econômica, afirma que a segregação é uma manifestação da renda
fundiária urbana, um fenômeno produzido pelos mecanismos de formação dos
preços do solo, estes por sua vez, determinados pela nova divisão social e
espacial do trabalho.
Para Carlos (2004: 121)

A segregação se apóia na existência da propriedade privada do


solo urbano, que diferencia o acesso do cidadão a moradia, e
55

enquanto fragmentação dos elementos da pratica sócio espacial


urbana (...) a segregação é a negação do urbano e da vida
urbana.

Beltrão Sposito (1996: p. 46) conceitua a segregação


socioespacial como sendo “... a expressão no nível espacial de um processo de
diferenciação social, ou mesmo de acentuação da divisão social do espaço dentro
da cidade”. Esta segregação tem como repercussões “... o rompimento da
comunicação entre as pessoas, da circulação entre sub-espaços, do dialogo entre
as diferenças, conduzindo finalmente a fragmentação do espaço urbano”
(BELTRÃO SPOSITO, 1996: p. 74).
Fazendo uma analise da configuração socioespacial da cidade de
Marília, vemos que os diversos segmentos socioeconômicos estão distribuídos
por diferentes áreas da cidade. Assim, observamos a zona sul, onde estão
localizados bairros como a Nova Marília, que tem como maioria de seus
habitantes uma população de um segmento econômico menos favorecido, do
mesmo modo que a zona norte, onde se situa o bairro Santa Antonieta.
A zona oeste é caracterizada por ser uma área com segmentos
socioeconômicos diversos. Por ser o setor da cidade que abriga as universidades,
conta com uma grande população de estudantes, mas tem bairros habitados por
segmentos de médio a alto poder aquisitivo, como o Jardim Acapulco. Entretanto
esta parte oeste da cidade também conta com uma população de segmentos de
baixo poder aquisitivo, como a maioria dos residentes da Vila Coimbra, não é de
interesse desta pesquisa, mas é relevante para a ilustração da segregação
socioespacial notar que estes segmentos socioeconômicos são separados pela
rodovia SP – 333, que liga Marília a Assis.
A zona leste é um setor diferenciado dos demais, pois nela, apesar
de existirem áreas de exclusão, como a favela da Vila Barros, em sua maioria os
habitantes desta área da cidade pertencem a um segmento socioeconômico de
médio a alto poder aquisitivo e, para citar alguns bairros, fazemos referência ao
Jardim Maria Isabel, Jardim Europa e ao Aeroporto.
56

Diante desta conjuntura, nota-se que as cidades médias, devido à


tendência atual de expansão do tecido urbano, é palco de diferenciações16 no
conteúdo socioeconômico das diversas áreas da cidade.
No mapa 4 (p. 56), podemos visualizar estas diferenciações, em
que mostra o percentual de população com rendimentos igual ou acima de vinte
salários mínimos.
Mapa 4
Marília - SP
Percentual de moradores com rendimentos acima de 20 salarios minimos
2000

0,52

0,83

1,28
1,44

1,89
3,5

9,51

9,74
13,74

13,91

15,13
30,15
37,53
3250 m
2600
1950
1300
650
0

Fonte: GUTO - Gestão Urbana de Trabalho Organizado


Arte: Júlio César Zandonadi

16
Esta diferenciação do conteúdo socioeconômico entre as diversas áreas da cidade é
reconhecida pelo poder público local, fato este relatado em entrevista junto ao Secretario de
Planejamento Urbano – Arqº Laerte Rojo Rosseto (roteiro – anexo 2).
57

Como já vimos anteriormente, os primeiros loteamentos e


condomínios fechados de Marília, foram implantados na zona leste, ou seja,
visando atingir uma população que possa pagar para morar nesta área, fato este
que nos remete a pensar nos tipos de segregação existente.
Primeiramente, a segregação involuntária, sobre a qual Gist &
Fava, afirmam que se trata da população de baixo poder aquisitivo que é
freqüentemente realocada de um espaço a outro no interior da cidade em
conformidade com as especulações imobiliárias e ações do poder público. É o
que Marcelo Lopes de Souza trata de segregação induzida, que segundo ele “...
as pessoas não escolhem morar aqui ou não ali, sendo forçadas a isso” (2003: p.
70).
A segregação voluntária ou auto-segregação, segundo Souza
(2003: p. 70) “... são as pessoas que fazem a opção de se afastar ou apartar o
mais possível da cidade”.
Carlos (2004: p. 121) classifica a segregação em espontânea:

... referindo-se a uma estratégia de classe, que a partir de uma


diferenciação de renda, localiza as pessoas diferencialmente na
metrópole, uma vez que, o uso está subordinado à propriedade e,
portanto, seu uso se submete à realização do valor, através de
um ato de troca. Nesta direção o mercado fundiário, na cidade,
distribui a população no espaço baseada na racionalidade da
propriedade privada. Neste sentido é uma estratégia de classe.

Neste caso, segundo a autora, os loteamentos e condomínios


fechados e as favelas, significam estratégias das várias classes de renda, ou seja,
o condomínio fechado valoriza o habitar de um segmento de maior poder
aquisitivo, e a favela é uma estratégica dos segmentos de baixo poder aquisitivo
para solucionar seus problemas com moradia.
E a segregação programada é a17 “... que se realiza pela
intervenção do Estado através de políticas públicas orientadas pelas exigências
da reprodução...”, ou seja, a intervenção do Estado no espaço ocorre, através da
construção de infra-estruturas, assim, valorizando ou desvalorizando o espaço, no
caso, se valorizar o mercado imobiliário se apropria deste, se desvalorizar este é
socializado (CARLOS, 2004: p. 121 – 122).
17
A autora cita Henry Lefebvre.
58

A implantação de loteamentos e condomínios fechados é “... a


versão residencial de uma nova forma de segregação nas cidades
contemporâneas” (CALDEIRA, 2001: p. 258), ou seja, como um condicionante da
segregação socioespacial, Caldeira ressalta que tais empreendimentos
imobiliários conferem status ao morador, deste modo criam símbolos de status, o
que significa uma maior diferenciação social e meios de afirmação da distância e
desigualdades sociais, a presença destes enclaves fortificados18 é claramente a
afirmação de diferenciação social (p. 259).
Beltrão Sposito (1996: 420–421) questiona o caráter urbano dos
loteamentos e condomínios fechados, pois estes negam a cidade, a qual é marca
historicamente do processo de urbanização. Mas os moradores dos loteamentos
e condomínios fechados tem necessidade de freqüentar a cidade, pois nas
cidades médias como Marília, os loteamentos têm função quase que absoluta
residencial, deste modo, os moradores utilizam a cidade para a realização de
consumo de bens e serviços, estabelecendo assim o elo de ligação entre os
espaços murados e a cidade que se quer negar.
Ao todo, a cidade de Marília conta com 19 empreendimentos
imobiliários fechados, entre loteamentos e condomínios, sendo que, como já
citamos, em uma fase inicial de 1993 a 1999, a implantação concentrou-se
apenas na zona leste da cidade, ou seja, é feita uma diferenciação dentro dos
diferenciados, uma busca por mais status, dentro de uma área que já era
reconhecida por ter uma população pertencente a um segmento de maior poder
aquisitivo, isto também acentua a diferença, podendo levar a uma fragmentação
desta área com as demais áreas da cidade.
Num segundo momento, a partir de 2000, com a busca por novas
áreas para a implantação dos empreendimentos imobiliários fechados, é neste
momento que é implantado o Residencial Campo Limpo, na parte norte da cidade,
parte esta marcada pela presença do distrito industrial e por ser habitado por uma
população de menor poder aquisitivo. Do mesmo modo o Residencial Jardim
Ismael, que até o momento da redação deste trabalho não era regularizado, fora

18
Nomenclatura que Caldeira (2001) utiliza para os condomínios fechados, conjuntos de
escritórios, shopping centers, e outros espaço (adaptados) como escolas, hospitais, centros de
lazer e parques temáticos.
59

implantado em um setor da cidade habitada por uma população de médio a baixo


poder aquisitivo.
Isto nos faz constatar que a lógica de implantação destes
empreendimentos imobiliários, não se destina apenas à diferenciação dos altos
segmentos socioeconômicos, mas também dos médios.
Pretendemos neste trecho e no capitulo posterior, mostrar que nas
cidades médias, neste caso em Marília, a implantação dos loteamentos e
condomínios fechados não tem como objetivo apenas segregar, mas sim
valorizar, ou seja, dar um plus no preço do solo urbano nas áreas em que são
implantados, mas a segregação socioespacial não deixa de ser um produto da
implantação acelerada destes empreendimentos imobiliários.

2.2.2.3. A paisagem urbana

É importante ressaltarmos nesta monografia outra problemática


que a implantação de loteamentos e condomínios fechados trazem para a cidade:
a alteração da paisagem urbana.
Carlos (2004: p. 35) revela que a idéia de paisagem urbana “...
liga-se ao plano do imediato aquele da produção do espaço, analisado enquanto
produto das transformações que a sociedade humana realiza a partir da
natureza”. A autora ainda afirma que a “... paisagem revela uma obra coletiva, a
cidade produzida pela sociedade...”.
Deste modo, entendemos que a paisagem é o olhar, o que se
pode ver, e esta tem um conteúdo, que é também histórico e que revela os
processos para a constituição da paisagem.
Carlos (2004: 35) ainda afirma que a paisagem “contém mistérios,
beleza, sinais, símbolos, alegorias, tudo carregado de significados; memória, que
revela múltiplas impressões passadas, imagens impregnadas de história”.
Os loteamentos e condomínios fechados criam novos símbolos,
novos significados para a vida urbana, criam símbolos de status, de diferenciação
social, distância e desigualdade (CALDEIRA, 2000: p. 259). Isto sendo
representado pelos muros. Muros estes que alteram a paisagem urbana,
impedem o morador da cidade de observar, circular e viver a cidade.
60

Em Marília, a implantação dos loteamentos e condomínios


fechados se distribuiu desigualmente pela cidade, nota-se que a zona leste foi o
setor mais alterado, na ótica da paisagem urbana, pois dos dezenove
empreendimentos fechados, onze estão localizados naquele setor, destes apenas
dois estão pouco afastados da malha urbana, portanto os outros oito se situam
dentro da cidade. Observando o mapa 3 (p. 50), vemos que dentro deste setor,
eles estão concentrados em poucas áreas, formando grandes cinturões de
condomínios (proximidades do Bosque e Av. das Esmeraldas).
Esta pratica nos remete a pensar no antigo morador das áreas
próximas a estes novos empreendimentos, o que passava por vias nas quais
podia se observar o natural, hoje se pode avistar apenas muros e grandes
portarias.
Enfim os loteamentos e condomínios fechados;

negando a cidade, dela fazem parte, alterando-a. A cidade,


espaço das diferenças socioeconômicas e culturais, quando
procura se aproximar de seus muros encontra a barreira e o
enclave estabelecido, negando o direito à circulação e à visão da
própria paisagem urbana (BELTRÃO SPOSITO, 2002).

Podemos facilmente observar essas alterações na paisagem


urbana de Marília, marcada pela extensão dos muros do Residencial Portal da
Serra (foto 4) e Residencial Portal dos Nobres ou nas portarias dos
empreendimentos, como a do Residencial Garden Park, Residencial Village do
Bosque, entre outros.
61

Foto 4
Muro do Residencial Portal da Serra

Foto: Júlio César Zandonadi


62

Capitulo III

Loteamentos Fechados – Busca por

diferenciação do preço do solo urbano


63

III. Loteamentos Fechados – Busca por diferenciação do preço do solo


urbano

Neste capitulo, pretendemos discutir uma das determinantes e, ao


mesmo tempo, um dos resultados da implantação dos loteamentos e condomínios
fechados nas cidades médias, que é a alteração no gradiente de preços do solo
da cidade.
Primeiramente, apresentaremos uma discussão sobre a categoria
renda da terra, pois é este tipo de renda que os proprietários fundiários se
apropriam com o comércio de terrenos. Num segundo momento, mostraremos
como se dá a formação do preço do solo urbano. E por fim, realizaremos uma
análise dos loteamentos e condomínios fechados na cidade de Marília, como
mercadorias imobiliárias que, ao mesmo tempo, alteram a configuração da
paisagem e das relações sociais da cidade, como também o mercado fundiário e
imobiliário local.

3.1. A categoria renda da terra

Sposito (1990), apoiado em Marx, afirma que a propriedade


fundiária é o pressuposto básico para o estudo da renda. A propriedade fundiária
“...pressupõe que certas pessoas têm monopólio de dispor de determinadas
porções do globo terrestre como esferas exclusivas de sua vontade privada, com
exclusão de todas as outras” (SPOSITO, 1990, p. 124).
Este autor ainda ressalta que a propriedade da terra é um
pressuposto histórico e continua sendo o fundamento permanente do modo de
produção capitalista (SPOSITO, 1990, p. 125).
Oliveira (1986, p. 73) conceitua renda da terra, como sendo o lucro
extraordinário, suplementar, permanente, que ocorre tanto no campo como na
cidade. Esta renda é produto de trabalho excedente e, assim, fração da mais-
valia, ou seja, componente particular e especifico da mais-valia.
Na forma menos desenvolvida, pré-capitalista, a renda da terra é
diretamente produto excedente, como por exemplo, a fração da produção que o
64

servo entrega ao proprietário da terra como pagamento pela autorização que este
lhe dá para cultivar a terra (OLIVEIRA, 1986, p. 73).
No modo de produção capitalista, a renda da terra é sempre sobra
acima do lucro, portanto, ela é, sobra acima da fração do valor das mercadorias,
que nada mais é do que mais-valia, ou seja, trabalho excedente (OLIVEIRA,
1986, p.73).
Para Oliveira, a renda pode ser: - resultado da concorrência = a
renda diferencial; - resultado do monopólio sobre condições especiais ou
incomparáveis = renda de monopólio; - resultado, simplesmente, do domínio
sobre uma parcela de terra, advinda da instituição jurídica da propriedade da terra
= a renda absoluta.
A renda diferencial resulta do caráter capitalista da produção e não
da propriedade privada do solo. Já a renda absoluta resulta da posse privada do
solo e da oposição existente entre o interesse do proprietário fundiário e o
interesse da coletividade (OLIVEIRA, 1986, p. 74).
Segundo Leme (1999, p. 72), para Marx, a renda fundiária seria a
forma em que se realiza economicamente a propriedade fundiária, sendo que esta
"valorização" aparece na forma de renda fundiária, seja ela diferencial, absoluta
ou de monopólio.

• A renda diferencial

Oliveira (1986: p. 74) diz que a renda diferencial decorre da


diferença entre o preço individual de produção do capital particular que dispõe de
uma força natural monopolizada e o preço de produção do capital empregado no
conjunto do ramo de atividade considerado.
Segundo Marx existem duas formas de renda diferencial:
- A renda diferencial I: independe do capital,
sendo a diferença natural de fertilidade do solo
e a localização das terras, deste modo, as
terras que tiverem as piores fertilidade do solo
e/ou localizações serão as que têm os menores
preços e as que tiverem as melhores
65

localizações e/ou fertilidade terão os maiores


preços;
- A renda diferencial II: é oriunda dos
investimentos do capital no solo para melhorar a
sua produtividade e/ou localização.

• A renda absoluta
Segundo Oliveira (1986, p. 74) a renda absoluta é aquela que
“resulta do monopólio da terra por uma classe ou fração de classe”. Desta
maneira os proprietários fundiários só permitem a utilização de suas terras
quando os preços de mercado ultrapassam os seus preços de produção, assim se
obtém um lucro extraordinário.

• Renda de monopólio
A renda de monopólio também é um lucro suplementar, derivado
de um preço de monopólio de uma certa mercadoria produzida em uma porção do
globo terrestre dotada de qualidades especiais (OLIVEIRA, 1986, p. 76).

1.2.1. A renda fundiária urbana

Discutir a categoria renda da terra no espaço urbano, não é muito


fácil, primeiramente porque na agricultura a terra é um meio de produção, ou seja,
ela é objeto da produção, sem a terra não há como se produzir no campo. Já no
meio urbano, a terra deixa de ser um meio de produção, para ser um meio de
reprodução da força de trabalho, o ser humano utiliza parcelas do solo urbano
para construir sua habitação, que é a condição básica para a sobrevivência do
homem (EGLER, 1987, p. 8 apud LEME, 1999: p. 78).
Outro ponto que dificulta essa discussão são os diferentes
enfoques de vários autores, no que diz respeito aos tipos de renda que são
apropriadas no meio urbano. Leme (1999: p. 84) identifica apenas a renda
diferencial como sendo a única que influência diretamente na diferenciação do
preço do solo urbano. Entretanto, Sposito (1990: 18) afirma que a renda
66

diferencial I na cidade depende das condições particulares do terreno


(declividade, área, localização em relação ao loteamento), a renda diferencial II
depende do capital investido no entorno do terreno e no próprio terreno, não
importando se este capital é público ou privado (iluminação, asfalto, muro), a
renda absoluta dependeria apenas da propriedade privada do solo e a renda de
monopólio que existiria pelas características exclusivas que um terreno teria
dentro da cidade, o qual permitiria a obtenção de preços de monopólio pelo seu
proprietário.
Rodrigues (1994: p. 19), a respeito da renda diferencial na cidade,
afirma que “o preço da terra é definido diferencialmente pela localização.
Terrenos com as mesmas dimensões, as mesmas características topográficas
terão preços diferentes, dependendo de sua localização na cidade”. A partir desta
afirmação, nota-se que a autora identifica os dois tipos de renda diferencial, pois
cita as características topográficas, primeiramente, e depois a localização, como
definidores do preço do solo urbano. Já em relação à renda absoluta na cidade, a
autora afirma que “... a renda constitui num tributo que se paga ao proprietário da
terra e que resulta do monopólio da terra por uma classe ou fração de classe” (p.
19).
É importante ressaltarmos que a renda da terra no meio urbano só
é apropriada quando o proprietário não utiliza o imóvel como sua própria moradia,
a renda fundiária urbana somente é apropriada por meio de contrato de aluguel
ou de venda.

3.2. O preço do solo urbano

No modo capitalista de produção, no âmbito do qual se


estabelecem as relações sociais e de produção no Brasil, a terra urbana e as
edificações integram o mundo das mercadorias, sendo historicamente um dos
repositórios mais comuns e importantes da acumulação de riquezas
(RODRIGUES, 1994, p. 16). Deste modo, por ser uma mercadoria, a terra integra
o mercado. O mercado, segundo Carlos (1992: p. 48) é o elo que garante o
acesso à propriedade privada, pela possibilidade de se pagar um preço pela terra.
67

Partindo desta perspectiva, vemos que a terra está integrada ao


mercado e tem seu preço, no entanto o seu acesso vai ser controlado pelo próprio
mercado e pelos proprietários fundiários, que irão determinar o preço da terra.
Vários fatores determinam o preço do solo urbano, ou seja, a
busca por uma maior renda. Carlos (1992: p. 48) afirma que, o que determina o
preço do solo urbano, primeiro, é a localização do terreno, o acesso aos lugares
ditos privilegiados, a infra-estrutura e a privacidade; em segundo lugar, se
encontra o relevo do terreno e suas características topográficas.
O solo urbano é uma mercadoria única, que pode ser tanto
condição para a produção como bem de consumo durável, ou uma opção de
investimento. Possui características que a diferencia de qualquer outro tipo de
mercadoria, Citando Harvey (1980), as características seriam: - possuem
localização fixa; - são mercadorias indispensáveis à reprodução da sociedade; -
apresentam baixa rotatividade de comercialização; - propiciam aos seus
proprietários a oportunidade de acumular riquezas; - possuem diferentes e
numerosos usos e; segundo Rodrigues (1994: p. 17), nunca se deteriora, por mais
“velha” que fique.
Estas características propiciam ao proprietário colocá-las no
mercado, somente quando lhes for conveniente..
Rodrigues (1994: p. 21) nos mostra uma das estratégias de
especulação imobiliária, que é também determinante do preço da terra urbana:

... vende-se inicialmente os lotes pior localizados, em relação aos


equipamentos e serviços, para em seguida, gradativamete e à medida
que o loteamento vai sendo ocupado, colocar-se os demais à venda. A
simples ocupação de alguns já faz aumentar o preço dos demais lotes,
‘valorizando’ o loteamento.

A outra forma de especulação, ocorre quando se loteiam glebas


descontinuas a malha urbana, criando assim áreas não edificadas e ainda não
comercializadas como urbanas, que serão beneficiadas com a implantação de
infra-estruturas nas áreas recém loteadas, o que valorizará de imediato a área
que ficou entre a malha urbana e o novo loteamento.
68

E esta é uma forma de valorizar o espaço urbano, que tem como


fundamento o crescimento da cidade e se verifica que há tendência de aumentar
este tipo de ação, se não houver uma regulação por parte do Estado, pois
segundo Santos (1989: p. 199) “quanto maior é a cidade, tanto maior pode ser o
grau de especulação”.
O segundo fator é a localização que, segundo Leme, compreende
três elementos; a acessibilidade, as externalidades e as características internas
do terreno.
- A acessibilidade: está diretamente ligada à
proximidade, não está apenas ao centro da
cidade ou à região central, mas associada às
distâncias das vias de circulação, dos sistemas
de transportes, dos serviços e usos da cidade
(trabalho, educação, saúde, lazer, segurança,
comércio, etc).
- As externalidades: são as vantagens e as
desvantagens advindas de fora do terreno,
sendo elas a dotação ou não de infra-estruturas
(abastecimento de água, energia elétrica,
asfalto, meios de consumo coletivo e etc); essas
externalidades são em sua maioria
implementadas pelo poder público, ou seja, o
poder público acaba interferindo no mercado do
preço do solo urbano. Terrenos localizados em
áreas violentas e/ou sem algum tipo de infra-
estrutura são desvalorizados junto ao mercado
imobiliário, do contrário, terrenos localizados em
áreas não violentas, com infra-estrutura
completa são valorizadas junto ao mercado
imobiliário.
- As características internas do terreno: estas
poderão valorizar ou desvalorizar o terreno,
dependendo de suas características
69

topográficas (declividade), sendo igualmente


proporcional, quanto mais plano mais
"valorizado"; e outro elemento que influenciara
na constituição do preço do terreno é a sua área
e forma, ou seja, terrenos grandes e regulares
serão mais "valorizados".
Entre os fatores que compreendem a localização, citados por
Leme, uns dos mais importantes, sendo ele tão ou mais determinante que a
especulação imobiliária, é a segregação como produto (CARLOS, 2004: p. 120).
Os segmentos de maior poder aquisitivo, vão ter acesso às melhores terras da
cidade, que serão as mais "valorizadas", deste modo, a tendência é este
segmento se segregar. Vejamos um bairro em que a população é
predominantemente de alto poder aquisitivo, um terreno não edificado terá um
alto valor, já um bairro com população predominante de baixo poder aquisitivo,
um terreno terá baixo valor. Este fato está diretamente ligado às externalidades,
pois o tipo de segmento socioeconômico do bairro vai determinar o padrão das
casas e, também, a quantidade e qualidade da infra-estrutura, uma vez que estas
são providas quase sempre pelo poder público e as camadas da sociedade de
maior poder aquisitivo, são aquelas que também têm maior poder político.
A decisão de colocar ou não terrenos a venda pelos
incorporadores, vai depender das possibilidades de ganhos. Quase sempre as
possibilidades de aumentar os ganhos/lucros estão nas inovações, no surgimento
de novas mercadorias no mercado, dentre essas inovações estão os loteamentos
fechados, que, nas cidades médias, surgiram para dar status e "valorizar" ainda
mais o solo dos bairros.

3.2.1. Os loteamentos fechados e o preço do solo urbano

Os loteamentos fechados são apresentados no mercado como


uma nova forma de morar. Desde a sua implantação já são valorizados, pois
juntamente com o lote ou imóvel residencial vende-se muito mais que o morar,
vende-se a segurança, a tranqüilidade, o lazer, o bem-estar, a “qualidade de
vida”, a natureza, etc, e, por fim, o status de se morar dentro de muros.
70

É necessário pensarmos quais tipos de renda fundiária são


apropriadas por tais empreendimentos fundiários e imobiliários.
Seguindo a tese de Sposito (1990) sobre a renda diferencial I e
renda diferencial II, estariam presentes no mercado de terrenos em loteamentos
fechados: a primeira, pois os fatores topográficos também determinam o preço
dos lotes nestes novos empreendimentos; a segunda, uma vez que, além da
infra-estrutura, vende-se também o muro, o capital investido para a segurança e o
lazer.
A renda absoluta estaria presente por se tratar de uma
propriedade privada, e a renda de monopólio pode ser apreendida, pois, os
loteamentos fechados têm características exclusivas, por estarem fechados o que
os diferenciam dos demais loteamentos da cidade e, ainda, por serem
mercadorias exclusivas de um segmento socioeconômico19. Diferentemente dos
outros bairros da cidade, tais empreendimentos imobiliários oferecem condições
para que possa auferir mais renda, pois, vendem, além da moradia, a “qualidade
de vida”, a segurança, o status, a natureza, o lazer, a tranqüilidade, ou seja, “uma
vida melhor”.
Outra mudança que os loteamentos fechados e condomínios
horizontais trazem para a cidade e ao mercado de solos urbanos é a alteração no
ritmo de comercialização, pois nestes empreendimentos a rotatividade de
comercialização se eleva em comparação a de terrenos localizados em
loteamentos abertos.

3.3. Loteamentos fechados de Marília, a quem se destinam?

Neste sub-item, discutiremos a quais segmentos socioeconômicos


se destinam os loteamentos e condomínios fechados implantados na cidade de
Marília.
Tais empreendimentos fechados começaram a ser implantados na
cidade de Marília, na década de 1990, período este sobre o qual Caldeira (2000:

19
Veremos mais adiante que os loteamentos fechados não são mais mercadorias exclusivas dos
segmentos de alto poder aquisitivo, pois, atualmente, na cidade de Marilia estão sendo
implantados empreendimentos destinados a outros tipos de segmentos.
71

p. 243) afirma que tais empreendimentos se tornaram o tipo de residência


preferido pelos ricos na cidade de São Paulo.
Os primeiros empreendimentos a surgirem em Marília, foram
localizados na zona leste da cidade, onde se encontra a maior parte da população
de poder aquisitivo médio a alto, sendo eles: Residencial Esmeralda Residence
(1993), Condomínio Residencial Village do Bosque (1996), Condomínio
Residencial Garden Park (1997), Condomínio Residencial Villaggio das
Esmeraldas (1999), Residencial Solar das Esmeraldas (2000) e o Residencial
Pedra Verde (2000). A implantação destes na zona leste faz constatar que tais
iniciativas são destinadas aos segmentos que habitam aquela área e para quem
quer e possam pagar para morar nestes locais.
A partir do ano 2000, marcado pelo inicio de extensão territorial da
implantação de loteamentos fechados pela cidade, surgem os empreendimentos
destinados a outros segmentos socioeconômicos, entre estes empreendimentos
estão: o Condomínio Residencial Campo Limpo (2000), localizado na zona norte,
o Condomínio Residencial Vila Nova, situado no distrito de Lácio. Até este
momento, as campanhas publicitárias20 enfatizam o lazer (quadra de tênis,
piscina, campo de futebol, etc) e a segurança como ideais para o bem-estar e
qualidades destes empreendimentos para atrair novos moradores.
A partir do ano de 2001, uma nova lógica de implantação de
loteamentos fechados se estabeleceu na cidade, a dos loteamentos fechados
localizados afastados do perímetro urbano de Marília, como são os casos do
Residencial Vale do Canaã e do Loteamento Residencial Portal da Serra. Tais
empreendimentos têm como público alvo segmentos de alto poder aquisitivo, pois
estes enfatizam a distância da cidade, o tamanho dos lotes (média de 1.500 m2) e
o contato com a natureza. Tomando o Residencial Vale do Canaã como exemplo,
ressaltamos que este loteamento conta com Bosque, locais de lazer (quadras de
tênis, campo de futebol, pista de skate, patins, teatro ao ar livre) e até um
heliporto para pouso de helicópteros de todos os tamanhos.
O que determina a que tipo de segmento socioeconômico vão se
destinar os loteamentos e condomínios fechados são, além dos locais em que
estão implantados e o período em que foram implantados, é a área média dos

20
Anexo 5.
72

lotes, pois há loteamentos na zona leste – proximidades do Bosque Municipal –


que não se destinam apenas a segmentos de alto poder aquisitivo, mas também a
segmentos socioeconômicos de médio padrão.
Deste modo, os que foram primeiramente implantados e/ou são
localizados próximos a áreas habitadas por uma população de alto poder
aquisitivo e/ou os que tem lotes com grandes áreas, são os que têm os terrenos
mais caros, tem como alvo uma população de maior poder aquisitivo.
Vejamos o quadro 3 (p. 72) e depois o mapa 5 (p. 73) para vermos
como ocorre esta distribuição na cidade de Marília.
Quadro 3
Marília – SP – Loteamentos e Condomínios Fechados - Ano de Implantação,
Localização e Área Média dos Lotes
1993 - 2003
Loteamento/Condominio Ano de Setor Área média
implantaçã dos lotes
o
Residencial Esmeralda Residence 1993 Leste 391,08
Condomínio Residencial Village do 1996 Leste 438,46
Bosque
Condomínio Residencial Garden Park 1997 Leste 480,63
Residencial Villagio das Esmeraldas 1999 Leste 182,03
Residencial Solar das Esmeraldas 2000 Leste 447,89
Residencial Pedra Verde 2000 Leste 695,39
Residencial Campo Limpo 2000 Norte 255,35
Condomínio Residencial Jardim do 2000 Leste 319,58
Bosque
Condomínio Residencial Jardim 2000 Leste 240,55
Colibri
Condomínio Residencial Portal do 2000 Centro – 207,56
Parati Sul
Residencial Vale do Canaã 2001 Oeste 1.555,85
Condomínio Residencial Vila Nova 2001 Sul – 241,85
Distrito de
Lacio
Residencial Campo Belo 2001 Norte 941,45
Loteamento Residencial “Villa Flora” 2002 Leste 258,84
Loteamento Residencial “Portal da 2003 Leste 1.560,65
Serra”
73

Residencial Portal dos Nobres 2003 Leste 636,04


Residencial Jardim Ismael Oeste
Residencial Green Valley Norte
Em vermelho os empreendimentos de padrão superior, em laranja o de padrão médio superior ,
em verde o de padrão médio e em azul o de padrão modesto.
Fonte: Prefeitura Municipal de Marília, DPRN – Marília e Pesquisa de Campo.
Org. Júlio César Zandonadi
Mapa 5
LEGENDA
Marília - SP - Loteamentos/Condominios Fechados
Área Média dos Lotes Área loteada
1993 - 2003
182,03 m2 - 258,84 m2
319,58 m2 - 391,08 m2

a
m
ra
no
P/
438,46 m2 - 480,63 m2

Pa
As

P/
si s
Green Valley

N
Vale do Canaã
Campo Belo
941,45 m2
Jd. Ismael 1555,85 m2 - 1560,65 m2
Dados não obtidos
Determinação de classes por pares
reciprocos com perda de
5,51% de detalhes
Campo Limpo

TÔ NIO

Centro principal
O AN
SA NT
AV.

BL IC A
A V.

REPÚ
AV.
RI O
BRA
N

P/
CO

LE
DO
Lin
s
Ferrovia
TO
DE
RO
ED

Rodovias
. P
AV
RU

Avenidas e
A:
O N
VE
DE

Jd. Do Bosque
TE S

JU

AV. VIC ENTE FERREIRA

ruas principais
EN

LH
O
D
RA
. TI
AV

Portal do Parati
Garden Park Villa Flora
AV

Itambés
.D
AS

Villagio do
ES

Jd. Colibri
ME
RA

Bosque
LD
AS

AV. BR IGA
D EIRO
ED UAR DO
LH O G OM ES

ho s
MA
RA
ÃO

urin
JO
AV.

P/ O Represa cascata
Solar das Esmeraldas Pedra Verde 0 100 m 500 m 900 m

Esmeralda Villagio das Santa Gertrudes


Residence Esmeraldas

Portal da Serra
Portal dos Nobres

FONTE: CARTA BASE - PREFEITURA


P/ Bauru MUNICIPAL DE MARÍLIA - SP
ORG. JÚLIO CÉSAR ZANDONADI
Vila Nova
75

Observando o quadro 3, se nota que a partir do ano de 2000, a


camada mais rica da sociedade, deixou de ser o alvo do mercado imobiliário, que
passou a ser as camadas médias e média – alta, pois estas são mais numerosas
que a de alto poder aquisitivo, ampliando o potencial de venda de terrenos. É
interessante notarmos que estão surgindo loteamentos fechados até mesmo em
áreas de baixo poder aquisitivo, como o Residencial Jardim Ismael, localizado nas
proximidades do Jardim Cavalari e Vila Coimbra. Outro fator que indica esta
tendência são os anúncios de vendas destes novos empreendimentos, que
apresentam formas facilitadas de pagamento, muitas vezes através de
financiamentos.
Entretanto, os empreendimentos destinados aos segmentos de
maior poder aquisitivo, não pararam de surgir, mas como podemos observar no
mapa 5, eles estão localizados fora, ou na margem da malha urbana.
Esta conjuntura confirma a afirmação de que a segregação é um
produto e dos mais complexos, ou seja, atualmente diversos segmentos
socioeconômicos da sociedade podem se auto-segregar, pois se vendem bairros
privados não somente para a elite, mas também para segmentos de poder
aquisitivo médio.
Observando as fotos a seguir pode-se visualizar os padrões das
residências e estabelecimentos localizados nestas áreas.
Foto 5
Estabelecimentos de padrão superior – Av. das Esmeraldas

Foto: Júlio César Zandonadi


76

Na foto 5, observamos os estabelecimentos comerciais e de


serviços destinados há um segmento de alto poder aquisitivo.

Foto 6
Residência de padrão superior – Jardim Europa

Foto: Júlio César Zandonadi

Na foto 6, podemos perceber o padrão das casas no Jardim


Europa, bairro próximo aos loteamentos e condomínios fechados do cinturão do
Bosque.

Foto 7
Residência de padrão médio – Jardim Sasazaki

Foto: Júlio César Zandonadi

Na foto 7, no Jardim Sasazaki próximo ao Residencial Campo


Limpo, o padrão das residências é em sua maioria de padrão médio.
77

Foto 8
Residência de padrão modesto – Argolo Ferrão

Foto: Júlio César Zandonadi

Na foto 8, no bairro Argolo Ferrão, próximo ao Condomínio


Residencial Jardim Ismael, as residências são predominantemente de padrão
modesto.

3.4. A implantação dos loteamentos fechados e a alteração do


gradiente de preços do solo urbano na cidade de Marília

Nesta parte da monografia, pretendemos apresentar outra


repercussão que a implantação de loteamentos e condomínios fechados trazem à
cidade, que é a alteração do gradiente de preços do solo urbano. Para fazermos
esta análise, foi realizado um levantamento do preço médio do m 2 nos
loteamentos fechados (gráfico 1, p. 78) e nos bairros que se situam em suas
proximidades, os quais podemos localizar no mapa 6 (p. 77).
77

Mapa 6
Marília - SP - Loteamentos/Condominios Fechados
e Loteamentos Abertos pesquisados

a
m
ra
no
P/

Pa
As

P/
si s
Green Valley LEGENDA

N
Vale do Canaã
Campo Belo Área loteada
Jd. Ismael

Loteamentos Abertos
Loteamentos/Condomínios
Fechados
Campo Limpo

IO
Dados não obtidos
ÔN
A NT
SA NTO
A V.
A
BLIC
AV.

REPÚ
AV.
R IO
BR AN

P/
CO

Li n
TO
LE
DO s
DE
O
DR
PE

Centro principal
.
AV
RU
A:
NO

Ferrovia
VE
DE

Jd. Do Bosque
TE S

Jd. Parati
JU

AV. VIC ENTE FERR EIRA


D EN

LH
O
TI RA
A V.

Portal do Parati
Villa Flora Rodovias
AV

Garden Park
.D
A

Villagio do
SE
SM

Jd. Colibri
ER

Bosque
Avenidas e
A

Maria Isabel
LD
AS

AV. BR IGA
D EIRO ED
UAR

o s RA MA
LH
O
Jd. Europa
DO G OM
ES

in h ruas principais
JO ÃO
AV.

ur
P/ O Jd. Tropical

Itambés
Solar das Esmeraldas Pedra Verde 0 100 m 500 m 900 m

Pq. Esmeraldas I
Villagio das Santa Gertrudes
Esmeralda
Residence Esmeraldas Represa cascata
Pq Esmeraldas II
Portal da Serra
Portal dos Nobres

FONTE: CARTA BASE - PREFEITURA


P/ Bauru MUNICIPAL DE MARÍLIA - SP
ORG. JÚLIO CÉSAR ZANDONADI
Vila Nova
78

Gráfico 1
Loteamentos e loteamentos fechados
Evolução do preço do solo urbano por m2 (em números índices)
1993 - 2003

300 Maria Isabel


Jd. Tropical
250 Pq. Das Esmeraldas I
Pq. Das Esmeraldas II
Esmeralda Residence
número índice

200
Solar das Esmeraldas
Pedra Verde
150
Jd. Europa
Garden Park
100 Jd. Parati
Portal do Parati
50 Cond. Vila Nova
Green Valley
0 Campo Belo
1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003
Anos
79

Fonte: Jornal Diário de Marília


Org. Júlio César Zandonadi
80

Num panorama geral, como podemos observar no gráfico 1, nota-


se que, no período de 1994 a 1995, os preços do solo urbano na cidade21
aumentaram. Leme (1999: p. 174) afirma que tal “valorização” foi ocasionada pelo
sucesso do Plano Real. A partir de 1995, os preços do m2 sofrem pequenas
quedas, o que Leme afirma ser um importante decréscimo, pois trata de um
período sem inflação e por isso os preços estariam se ajustando a patamares
reais.
No ano de 1999, o preço do m2 teve nova queda, que pode ter sido
causada pelo enfraquecimento do real perante o dólar, o que fez com que
houvesse uma redução no consumo e nos investimentos. O intervalo de tempo de
1999 a 2003 é marcado por uma retomada de aumento do preço do m 2 na cidade
de Marília.
Vemos que o mercado imobiliário é muito instável, sendo assim
para auferir lucros o capital imobiliário se vale de estratégias que “valorizam”
certas áreas da cidade e uma destas estratégias é a implantação de loteamentos
fechados.
Vejamos o setor leste, mais precisamente os bairros próximos à
Av. das Esmeraldas. O Jardim Maria Isabel, nos últimos anos, vem sendo um dos
bairros mais "valorizados" na cidade, assim qualquer loteamento que fosse
implantado próximo a ele seria valorizado, foi o caso do Jardim Tropical, ainda
que este tenha alcançado preços menores do que o Jardim Maria Isabel, por estar
mais distante da região central e por estar pouco habitado.
No ano de 1993, foi implantado um novo loteamento, o Parque das
Esmeraldas I, ao lado do Jardim Tropical, assim também este teria um preço
menor que o Jardim Tropical, entretanto uma iniciativa do capital imobiliário fez
com que esse novo loteamento surgisse com preço nos mesmos patamares do
Jardim Tropical e com ganhos extras com a implantação de um outro loteamento
o Residencial Esmeralda Residence, o primeiro loteamento fechado de Marília
que já “nasce” com o preço do m2 alto, alcançado patamares próximos ao do
Jardim Maria Isabel, que neste momento também se “valorizava” (gráfico 2, p.
80).

21
Nos loteamentos pesquisados.
81

Gráfico2
Comparação do preço por m2 – em dólares22
Jardim Maria Isabel, Jardim Tropical, Parque das Esmeraldas I e Esmeralda
Residence
1993 - 2003

120
100 Jd. Maria Isabel
Jd. Tropcal
80
Em dólares

Pq das Esmeraldas I
60 Res. Esmeralda Residence
40 Pq das Esmeraldas II
Res. Solar das Esmeraldas
20
Res. Pedra Verde
0
1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003
Anos

Fonte: Jornal Diário de Marília


Org. Júlio César Zandonadi

Percebe-se, também, que os outros novos loteamentos, sejam


abertos (Parque das Esmeraldas II), sejam fechados (Residencial Solar das
Esmeraldas, Residencial Pedra Verde) surgem com preços bem elevados, em
patamares próximos dos loteamentos já existentes na área.
Nas outras áreas da cidade, nota-se que a lógica é a mesma:
implantar para valorizar. Os muros valorizam os novos loteamentos, sendo estes
lançados com preços em patamares próximos aos loteamentos já implantados e
com maior nível de ocupação, é o caso dos empreendimentos Condomínio
Residencial Garden Park e Condomínio Residencial Portal do Parati (gráficos 3 e
4)

22
Para a dolarização dos preços médios, foi calculado a média anual do dólar e não foi levado em
conta índices inflacionários, pois, pretendemos apenas comparar a evolução dos preços por m2
nos loteamentos pesquisados.
82

Gráfico 3
Evolução do preço por m2 – em dólares
Jardim Europa e Condomínio Residencial Garden Park
1993 - 2003

60
50
Em dólares

40
Jardim Europa
30
Cond. Res. Garden Park
20
10
0
1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003
Anos

Fonte: Jornal Diário de Marília


Org. Júlio César Zandonadi

Gráfico 4
Evolução do preço por m2 – em dólares
Jardim Parati e Condomínio Residencial Portal do Parati
1993 - 2003
83

70
60
50
em dólares

40 Jardim Parati
30 Cond. Res. Portal do Parati
20
10
0
1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003
Anos

Fonte: Jornal Diário de Marília


Org. Júlio César Zandonadi

Esta prática deve ser muito lucrativa, o que indica este fato é o
grande número de proprietários/incorporadores que se voltam a este tipo de
produção do espaço urbano, os quais podemos observar no quadro 4.

Quadro 4
Marília – SP
Loteamentos e Condomínios Fechados – Proprietários/Incorporadores
1993 - 2003
Loteamento/Condomínio Proprietário

Residencial Esmeralda Residence Promar – Incorporadora Ltda.


Condomínio Residencial Village do Harry Shibata Jr.
Bosque
Condomínio Residencial Garden Park Anversa Empreendimentos e
84

Participações S/C. Ltda.


Residencial Villagio das Esmeraldas ACINCO – Incorporadora Construções
Ltda.
Residencial Solar das Esmeraldas WMG Incorporadora e Construtora Ltda
Residencial Pedra Verde Iliacy Andreoli Saes
Residencial Campo Limpo Santa Teresa Imóveis S/C Ltda.
Condomínio Residencial Jardim do José Cens Soares Barreto
Bosque
Condomínio Residencial Jardim Planoeste Construtora Ltda
Colibri
Condomínio Residencial Portal do Seven Invest Empreendimentos Ltda
Parati
Residencial Vale do Canaã Vale do Canaã Empreendimentos
Imobiliários Ltda.
Condomínio Residencial Vila Nova Seven Invest Empreendimentos Ltda.
Residencial Campo Belo COOPHAM – Cooperativa Habitacional
de Marília – SP
Loteamento Residencial “Villa Flora” Adilha da Costa Nascimento
Loteamento Residencial “Portal da D’Oléa Empreendimentos S/C Ltda.
Serra”
Residencial Portal dos Nobres Ônix Empreendimentos S/C Ltda.
Fonte: Prefeitura Municipal de Marília e DPRN – Marilia – SP.
Org. Júlio César Zandonadi

Dos 16 loteamentos e condomínios fechados pesquisados, apenas


2 (Condomínio Residencial Portal do Parati e o Condomínio Residencial Vila
Nova) têm o mesmo incorporador (Seven Invest Empreendimentos Ltda). A
diversidade de incorporadores é um indicativo de que o lançamento de
empreendimentos imobiliários fechados é altamente lucrativo.
Como já fora citado anteriormente, esta pratica não escolhe os
segmentos socioeconômicos a que se destinam e exemplo disso são os
Residencial Jardim Ismael e o Residencial Campo Limpo, localizados em áreas
habitadas predominantemente por segmentos de médio a baixo poder aquisitivo.
85
86

Capitulo IV

Loteamentos Fechados –

A atuação do Poder Público na cidade de Marília


87

IV - LOTEAMENTOS FECHADOS – A ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO NA


CIDADE DE MARÍLIA

4.1. A atuação do Poder Público na produção do espaço urbano

No capitulo 2, apresentamos os agentes que atuam na produção


do espaço urbano, naquela ocasião apresentamos uma breve introdução de como
o Estado atua nesta dinâmica. Optamos por dedicar um capitulo para a discussão
do papel e atuação do Estado na produção do espaço urbano, por duas razões:
primeiramente, porque em cidades médias e pequenas o poder público é um dos
fatores determinantes na produção do urbano, é importante ressaltar que não
estamos negando que nas grandes cidades e metrópoles o Estado não tenha
papéis na produção do urbano, mas nas cidades médias e pequenas as ações
ficam mais nítidas do que nos maiores centros urbanos; uma segunda razão,
decorrente da primeira, é que para analisar a produção de loteamentos e
condomínios fechados na cidade de Marília é preciso entender a atuação do
poder público nesta dinâmica, pois seu papel é de grande relevância no processo.
Não é pretensão deste trabalho monográfico dar uma
conceituação de Estado e Poder Público, mas apresentaremos as acepções de
alguns autores, para contextualizar a nossa análise. Sposito (1990, p. 44)
considera o Estado como um “produto das relações sociais”, citando Engels, o
mesmo afirma que,
... é um produto da sociedade em determinada etapa de
desenvolvimento; é a admissão de que esta sociedade se
envolveu numa contradição insolúvel consigo mesma, se cindiu
em contrários ‘inconciliáveis que ela é impotente para banir’ (p.
44).

Deste modo. o Estado surge quando as contradições de classe


não podem ser conciliadas. Gottdiener (1993, p. 136) afirma que o ponto de
partida para entender a atuação do Estado no espaço, está na análise da
intervenção causada pela ineficiência do mecanismo de auto-regulação da
competição econômica da sociedade capitalista. Esse mesmo autor revela que,
para os marxistas, as duas funções tradicionais do Estado no capitalismo, são a
de acumulação e de legitimação.
88

Para Correa (1989, p. 24) o Estado atua diretamente na produção


do espaço urbano, como,

... grande industrial, consumidor de espaço e localizações


especificas, proprietário fundiário e promotor imobiliário, sem
deixar de ser também um agente de regulação de uso do solo e o
alvo dos chamados movimentos sociais urbanos.

O mesmo autor frisa que o Estado tende a não agir de forma


neutra, mas sim privilegiando os interesses das classes dominantes, que estão no
poder no momento (p. 24).
Nos municípios, a ação do Estado dá-se através dos governos
municipais, ou seja, do poder público municipal, este sendo o responsável pela
estrutura física e acessibilidade dos bairros (LEME, 1999, p. 97).
Sposito (1990, p. 47), ao tratar do poder público municipal, afirma
que é nesta escala que,
... os grupos de pressão tornam-se claros quando se estuda,
além das articulações de nível superior (deputados, governo do
Estado, empresários da Capital, etc), as articulações entre as
empresas de loteamento ou de venda de imóveis, os grupos de
apoio as candidaturas nas épocas das eleições municipais
e,embora difícil de quantificar, as associações e entidades de
interesses específicos, camufladas sob a fachada de organismos
beneméritos (clubes fechados, associações profissionais).

Correa (1989, p. 26) observa que o nível de atuação municipal do


Estado é o mais claro, no que diz respeito à desigualdade das ações, nas quais
privilegiam um certo segmento da sociedade, o dominante no momento, devido à
legislação federal garantir

... à municipalidade muitos poderes sobre o espaço urbano,


poderes que advém, ao que parece, de uma longa tradição
reforçada pelo fato de que, numa economia cada vez mais
monopolista, os setores fundiário e imobiliário, menos
concentrados constituem-se em fértil campo de atuação das
elites locais.

A partir desta contextualização, podemos afirmar que, nas cidades


médias, a atuação do capital incorporador, na produção de novas áreas para
moradia, faz-se através de um aparato político-juridico, ou seja, é na escala da
municipalidade que o capital incorporador tende a ser mais favorecido pelo poder
89

público, pois o aparato político-juridico tende a assegurar a dominação das


classes dominantes e a regulação das contradições que se manifestam entre
elas, em diferentes instâncias (econômica, política, ideológica, etc) (CASTELLS,
1983, p.248).
Assim veremos o caso da cidade de Marília, baseando-se na
atuação de Estado na dinâmica da produção de loteamentos fechados e
condomínios horizontais.

4.2. Loteamentos Fechados X Condomínios Horizontais

Durante esse trabalho preferimos não definir os loteamentos


fechados e os condomínios horizontais, mesmo porque dentro do meio cientifico e
no senso comum há uma certa confusão e nem sempre uma distinção entre
essas nomenclaturas.
Dentre os autores que não fazem distinção, está Caldeira (2000: p.
260 – 261) que afirma que os condomínios fechados,

... consistem em uma série de casas (...) As casas são


geralmente construídas pelos próprios proprietários, não pelos
incorporadores, ao contrário do que é regra nos Estados Unidos.
Em conseqüência, elas não têm desenho uniforme, embora
vários incorporadores incluam nos títulos de venda vários
regulamentos referentes a recuos, áreas abertas, muros e cercas,
tamanho da casa e uso (apenas residencial). Mas eles continuam
a ser condomínios, já que a propriedade e o uso de áreas
comuns são compartilhados coletivamente e os moradores têm
de obedecer às convenções do condomínio.

Nesta afirmação de Caldeira, vemos que a autora esta se referindo


a um empreendimento em que foram comercializados os lotes, pois deste modo
cada proprietário construiu sua própria casa.
Sobarzo Miño e Beltrão Sposito (2003) fizeram uma diferenciação
entre os dois tipos de empreendimentos baseados na legislação brasileira de
caráter urbanístico.
Segundo esses autores, a legislação federal regulamenta a criação
de loteamentos fechados, sendo que complementações e especificações podem
90

ser feitas em âmbito municipal. Isto está na Lei 6.766 de 19.12.1979 e por
modificações previstas na Lei 9.785 de 29.01.1999. A Lei 6.766 regulamenta o
parcelamento do uso do solo urbano, estabelecendo que um loteamento constitui
uma subdivisão do terreno original em lotes destinados a edificações, com
abertura de novas vias de circulação e áreas públicas. Cada loteador deve
destinar uma porcentagem da superfície envolvida a áreas públicas (ruas, praças,
etc). Estes espaços passam a ser de domínio público, no âmbito municipal, logo
após o loteamento ser aprovado como tal. Nesta lei não há diferenciação entre
loteamentos abertos e fechados (SOBARZO MIÑO & BELTRÃO SPOSITO, 2003,
p. 39).
À municipalidade, tem cabido medidas, no sentido de permitir o
fechamento de loteamentos, sendo comum a “concessão de uso23 “, segundo a
qual o município concede uma permissão de uso aos residentes de um
loteamento especifico sobre as áreas que estão sob domínio público (ruas,
praças, etc) assim possibilitando e legalizando a prática de fechamento de
loteamentos (SOBARZO MIÑO & BELTRÃO SPOSITO, 2003: p. 39).
Aos condomínios horizontais e verticais aplica-se a Lei 4.591 de
16.12.1964, a qual estabelece que quando, num terreno sem construção, se quer
levantar mais de uma edificação de um ou dois pisos, deverá discriminar-se a
parte do terreno ocupada pela edificação e sua área de utilização exclusiva, como
também a fração ideal de todo o terreno e das áreas comuns que corresponderá a
cada unidade ou edificação (SOBARZO MIÑO & BELTRÃO SPOSITO, 2003, p.
40).
Deste modo, um condomínio horizontal se caracteriza por:
- Referir-se a casas de um ou dois piso e não a lotes de terreno24;
- Estas casas constituem as unidades autônomas do conjunto e
nelas se incluem as áreas destinadas a utilização exclusiva25;
- O comprador desta unidade autônoma passa a ser proprietário
dela e de uma parte da totalidade do terreno;
- O comprador tem direitos de propriedade (ruas, praças, áreas
verdes, etc) nas quais, neste caso, não são de domínio público.

23
Adiante daremos um tratamento especifico a este instrumento utilizado pelo poder público.
24
Baseamos na Lei 4.278 de 25.04.1997 , artigo 1º.
25
Ex. Jardim.
91

Neste caso, os loteamentos fechados e os condomínios


horizontais diferenciam-se da seguinte maneira:
- O condomínio horizontal não implica na subdivisão do terreno
original, comercializam-se as casas e um terreno destinado ao
jardim individual. Nos loteamentos fechados, o terreno original
é dividido em lotes individuais, os quais são comercializados
individualmente;
- No condomínio horizontal, o direito de propriedade se constitui
por uma fração ideal de todo o terreno, uma fração ideal das
áreas comuns e a unidade autônoma (casa) e parte do terreno
ocupado por ela (jardim). Enquanto no loteamento fechado, o
objeto da propriedade é um lote do terreno, o qual deve ser
numerado e individualizado e caracterizado com seus limites;
- No condomínio horizontal, as ruas, praças e espaços livres são
propriedades dos condôminos, os quais têm direito de
propriedade de uma fração ideal destas áreas comuns. Nos
loteamentos fechados, as ruas, praças e espaços livres são
domínio público, exercido pela municipalidade local.

4.2.1. O que diz a legislação urbanística da cidade de Marília?

A lei que dispõe sobre o parcelamento de solo, no Município de


Marília é a Lei Complementar 54 de 28.12.1992. Nessa lei, estão várias
disposições sobre os loteamentos a serem implantados no município, entre elas
destacam-se em relação ao parcelamento de solo para fins urbanos:
- o projeto de loteamento ou desmembramento, tem de ser
elaborado de acordo com as diretrizes e pareceres emitidos pela
Prefeitura e com as devidas aprovações do GRAPOHAB, CETESB
e do Ministério da Aeronáutica (Art. 8º);
- a proporção mínima de áreas a serem transferidas a
municipalidade é de 35% (trinta e cinco por cento), destas 10%
(dez por cento) para área de livre uso público, 3% (três por cento)
para área institucional e o restante para áreas de vias de
92

circulação, sendo que tais áreas devem ter acesso por via oficial
de circulação de veículos (Art. 23º).
O município tem leis que regulam exclusivamente a implantação
de empreendimentos imobiliários fechados e, no caso dos loteamentos fechados,
aplica-se a Lei Complementar 57 de 05.01.1993. Segundo essa lei, a
municipalidade estabeleceu que os loteamentos fechados são edificações para
fins urbanos em quadras de lote do tipo loteamentos fechados, com acesso
privativo a seus proprietários (Art. 1º).
Em seu Artigo 2º, esta lei afirma que:

O loteamento fechado somente será autorizado pelo


Município, se quadras e lotes forem oriundos de processo regular
de parcelamento do solo, aprovado após promulgação desta lei
complementar e observadas as seguintes disposições:
I – A soma das áreas que formam os lotes a serem
circunscritos por muro ou divisória, não poderá ser superior a
50% (cinqüenta por cento) das áreas dos lotes remanescentes.
II – As áreas institucionais ficarão fora da área
circunscrita assim como, no mínimo, 50% (cinqüenta por cento)
das destinadas ao uso de bens comum do povo como as praças,
ruas e áreas de lazer.
III – As ruas internas deverão estar alinhadas com as
externas de maneira a permitir a sua continuidade na
eventualidade de ser revogada a concessão.
Parágrafo único – As vias e logradouro públicos que,
na implantação, e na forma deste artigo, ficarem dentro do
Loteamento Fechado serão cedidas pelo Município, por
permissão de uso26, a titulo precário, gratuito e por tempo
indeterminado ao lotador ou seus sucessores (...).

Nesta lei complementar, ainda está previsto que o loteador tem


responsabilidade com a instalação e manutenção de equipamentos e serviços
urbanos e a área a ser fechada não deve obstruir avenidas de grande fluxo, nem
interromper mais de três vias públicas.
Os condomínios horizontais no município são regulados pela Lei
4.278 de 25.04.1997, nesta lei está definido que os condôminos são

os conjuntos de edificações térreas ou de mais pavimentos, a


serem construídos sob a forma de unidades autônomas
residenciais, fechadas por cercas ou muros, com saída para a via
pública (Art. 1º).
26
Grifo nosso.
93

Nestes empreendimentos, deverá ser transferida ao município,


para fins institucionais, 3% (três por cento) da área do empreendimento, já dotada
de infra-estrutura básica e sem ônus para o Município (Art. 3º).
A área comum destinada à recreação deve ser equivalente a 5%
ou mais da área do empreendimento (Art 5º).
O Artigo 6º discorre sobre os documentos e pareceres que tem
que ser apresentados junto a Prefeitura Municipal para a aprovação do
condomínio.

Art. 6º - Os interessados na aprovação dos condomínios de que


trata a presente Lei deverão encaminhar à Secretaria Municipal de
Planejamento Urbano, para análise e aprovação, os seguintes
documentos:
* Artigo 6º e respectivos incisos com as redações
determinadas pela Lei nº 4857, de 15 de maio de 2000.
I - indicação da área do empreendimento no mapa do
Município, obtido junto à Prefeitura Municipal de Marília;
II - localização da área e respectivo entorno, na

escala 1:5000, indicando os principais acessos e equipamentos

públicos próximos;

III - levantamento planialtimétrico da área, na


escala 1:1000, com curvas de níveis a cada metro, cadastramento
dos principais elementos físicos existentes, tais como nascentes,
itambés27, áreas de preservação permanente, linhas de alta tensão,
assim como proximidades de rodovias e/ou ferrovia; o perímetro da
área deverá ser indicado com precisão em todas as dimensões,
marcos, rumos e confrontações, em conformidade com a
documentação apresentada relativa à propriedade do imóvel;
IV - certidão negativa de ônus municipais;
V - projeto urbanístico, na escala 1:1000;
VI - memorial descritivo do empreendimento;
VII- projeto de implantação das unidades residenciais, na
escala 1:2000;

27
Escarpas.
94

VIII- projeto completo das edificações (unidades


autônomas e portaria), composto por planta baixa, cortes e
fachadas;
IX- memorial técnico descritivo das edificações;
X- certidões expedidas pelos órgãos técnicos
responsáveis pela análise e aprovação dos projetos
complementares (Departamento de Água e Esgoto de Marília -
DAEM, Companhia Paulista de Força e Luz - C.P.F.L. e Secretaria
Municipal de Obras Públicas), constando a aprovação dos referidos
projetos e viabilidade de interligação nas redes públicas, ficando a
critério dos mencionados órgãos as exigências relativas à análise e
aprovação dos mesmos;
XI- Anotação de Responsabilidade Técnica (A.R.T.) dos
responsáveis pelos projetos apresentados.

Vemos que a maiores diferenças entre os loteamentos fechados e


condomínios horizontais é a porcentagem de área que deve ser transferida para a
municipalidade, 35% no caso do loteamento e 3% no caso do condomínio e quais
as instâncias do poder (municipal, estadual e federal) devem emitir pareceres
sobre a implantação destes empreendimentos, no caso dos loteamentos
fechados, além dos órgãos municipais, como DAEM e Secretaria de
Planejamento Urbano, há necessidade de que alguns estaduais como o
GRAPOHAB e a CETESB e federal, o Ministério da Aeronáutica emitem
pareceres sobre a implantação. Para os condomínios horizontais, em sua maioria
órgãos municipais são responsáveis por emitir pareceres sobre a aprovação,
entre esses órgãos estão o DAEM e a Secretaria Municipal de Obras Públicas, e
apenas um órgão estadual a CPFL28.

4.2.2. A (i)legalidade na produção de loteamentos e condomínios


fechados em Marília.

28
Empresa de capital misto.
95

Diante desta exposição sobre as leis de caráter urbanístico que


regulam a aprovação e implantação de loteamentos fechados e condomínios
horizontais, e a diferenciação entre estes dois tipos de habitat urbano, podemos
tecer algumas considerações sobre a forma como eles são implantados na cidade
de Marília, questionando a legalidade destes empreendimentos imobiliários.
Levando em consideração a diferenciação entre loteamentos
fechados e condomínios horizontais exposta anteriormente, são notadas
irregularidades na implantação de loteamentos fechados e condomínios
horizontais na cidade de Marília, vejamos o quadro a seguir.
96

Quadro 5
Marília – SP
Aprovação de loteamentos fechados e condomínios horizontais
1993 - 2003
Loteamento e/ou Ano de Área Total Forma de Propriedades
Condomínio Aprovaçã (m2) Aprovação Comercializad
o as*
Residencial 1993 274.356,00 Loteamento Lotes
Esmeralda Residence
Condominio 1996 40.600,00 Condomínio Casas
Residencial Village Horizontal
do Bosque
Condominio 1997 333.592,23 Condomínio Lotes
Residencial Garden Horizontal
Park
Residencial Villagio 1999 6.697,28 Condomínio Casas
das Esmeraldas Horizontal
Residencial Solar das 2000 12.278,56 Condomínio Lotes
Esmeraldas Horizontal
Residencial Pedra 2000 39.962,29 Condomínio Lotes
Verde Horizontal
Residencial Campo 2000 6.447,68 Condomínio Lotes
Limpo Horizontal
Condominio 2000 14.035,94 Condomínio Lotes
Residencial Jardim Horizontal
do Bosque
Condominio 2000 13.349,10 Condomínio Casas
Residencial Jardim Horizontal
Colibri
Condominio 2000 28.940,00 Condomínio Lotes
Residencial Portal do Horizontal
Parati
Residencial Vale do 2001 996.676,24 Loteamento Lotes
Canaã
97

Condominio 2001 9.620,31 Condomínio Lotes


Residencial Vila Nova Horizontal
Residencial Campo 2001 242.000,00 Condomínio Lotes
Belo Horizontal
Loteamento 2002 93.830,02 Loteamento Lotes
Residencial “Villa
Flora”
Loteamento 2003 392.428,03 Loteamento Lotes
Residencial Portal da
Serra
Residencial Portal 2003 162.418,73 Loteamento Lotes
dos Nobres
* Em vermelho os empreendimentos imobiliários aprovados como condomínios horizontais, em que estão
sendo comercializados os lotes. Em azul os empreendimentos aprovados como condomínios horizontais em
que estão sendo comercializada casas.
Fonte: Prefeitura Municipal de Marília – SP, DPRN – Departamento de Proteção dos Recursos Naturais do
Estado de São Paulo – Equipe Técnica: Marília – SP e Jornal Diário de Marília.
Org. Júlio César Zandonadi

Neste quadro, podemos observar os empreendimentos em


destaque na cor vermelho: Condomínio Residencial Garden Park, Residencial
Solar das Esmeraldas, Residencial Pedra Verde, Residencial Campo Limpo,
Condomínio Residencial Jardim do Bosque, Condomínio Residencial Portal do
Parati, Condomínio Residencial Vila Nova e Residencial Campo Belo. Esses
empreendimentos tiveram sua aprovação junto ao Poder Público Municipal como
Condomínios Horizontais, deste modo teriam que ser comercializadas as suas
unidades autônomas (casas) como está prevista na Lei 4.591 de 16.12.1964,
entretanto estão sendo comercializados lotes, ou seja, para o Poder Público tais
empreendimentos são considerados Condomínios Horizontais, mas para o
mercado, Loteamentos Fechados (foto 9).
Foto 9
Fundos do Residencial Pedra Verde
98

Foto: Júlio César Zandonadi


Pode-se notar que o primeiro empreendimento lançado seguindo
está prática foi o Condomínio Residencial Garden Park, no ano de 1997, mas o
grande ápice desta ação por parte do capital imobiliário em conjunto com o poder
público local é durante os anos de 2000 e 2001, período em que foram
aprovados sete entre os nove novos empreendimentos imobiliários.
Estes anos que também foram marcados pela “extensão29” das
implantações de loteamentos fechados e condomínios horizontais, surgindo
cinco30 novos empreendimentos em outras zonas da cidade, entretanto, nota-se
que, entre estes, quatro - o Residencial Campo Limpo, Condomínio Residencial
Portal do Parati, Condomínio Residencial Vila Nova e Residencial Campo Belo -
foram aprovados e estão sendo comercializados irregularmente.
Observando-se desta prática, que acabamos de explicitar,
percebe-se que o capital incorporador tem algumas vantagens, aprovando seus
empreendimentos como condomínios horizontais e comercializando como
loteamentos fechados, nesta ação legitimada pelo poder público municipal. São
elas:
- O fechamento dos condomínios horizontais não são realizados
por meio da concessão de uso, esta podendo ser revogável31,

29
Tratamos a zona leste da cidade como sendo um centro da implantação de loteamentos
fechados e condomínios horizontais, pois de 1993 a 2000, esta parte da cidade era a única região
onde eram implantados tais empreendimentos. A partir do ano 2000, os empreendimentos
imobiliários fechados são implantados em outras zonas da cidade, o que caracterizamos por ser
uma extensão territorial.
30
Residencial Campo Limpo, Condomínio Residencial Portal do Parati, Residencial Vale do
Canaã, Condomínio Residencial Vila Nova, Condomínio Residencial Campo Belo, além do
Residencial Jardim Ismael e Residencial Green Valley, estes últimos não foram incluídos na
pesquisa.
31
Na Lei Complementar 57 de 05.01.1993, no art. 2º, parágrafo único é previsto que “As vias e
logradouros públicos que na implantação, e na forma deste artigo, ficarem dentro do Loteamento
99

deste modo o direito de fecharem grandes glebas da cidade


torna-se irrevogável, sem nenhum risco de terem seus muros
retirados, do que se deduz que, à paisagem urbana, estarão
incorporadas essas barreiras objetivas e subjetivas;
- As praças, vias etc, que deviam ser destinadas ao município
em caso de aprovação de um loteamento, ficam em
propriedade dos condôminos;
- Ainda em relação às áreas transferidas ao Município,
aprovando tais empreendimentos como condomínios
horizontais, a área a ser transferida é de 3% da gleba total, e
não 35% como deveria ser caso se caracterizasse como um
loteamento;
- E por fim, vimos que um projeto para a implantação de
loteamento necessita da aprovação de órgãos de vários níveis
institucionais como o GRAPOHAB, CETESB e Ministério da
Aeronáutica, já um condomínio horizontal necessita apenas da
aprovação de alguns órgãos municipais, como a Secretaria
Municipal de obras públicas, e um único órgão estadual a
CPFL, que não chega a ser um empecilho, pois a expansão da
cidade é de seu interesse, pois acarreta em uma maior
arrecadação.
Quem perde com isso é o morador da cidade, que está fora dos
muros, pois vê grandes glebas muradas serem formadas pela cidade, sendo que
não haverá hipótese alguma de terem os seus muros retirados, então para voltar
a ver a paisagem cerceada pelos muros, o morador terá que desembolsar uma
boa quantia de capital para morar nesses enclaves fortificados.
No mapa 7 (p. 98) podemos visualizar como está distribuída estas
praticas ilegais e observar a quantidade de empreendimentos implantados
ilegalmente na cidade de Marília.

Fechado serão cedidas pelo Município, por permissão de uso, a titulo precário, gratuito e por
tempo indeterminado ao loteador e seus sucessores”.
Mapa 7
Marília - SP - Loteamentos Fechados e condominios horizontais LEGENDA
Legalidade e Ilegalidade
1993 - 2003 Área loteada
Loteamentos Fechados
Aprovados como Condomínios

a
am
“Sitios de Recreio”

or
n
P/

Pa
As Aprovados como Condomínios

P/
sis
Green Valley
Loteamentos Fechados

N
Vale do Canaã Aprovados legalmente
Campo Belo
Condomínios Fechados
Jd. Ismael
Aprovados e Comercializados
Legalmente

Campo Limpo

SA NT
OA
N TÔ
N IO Centro principal
AV.

IC A
Ú BL
AV .

REP
AV .
R IO

Ferrovia
B R AN

P/
CO

Lin
O
s
Rodovias
L ED
E TO
D
RO
ED
.P
AV

Avenidas e
RU
A:

ruas principais
NO

Jd. Do Bosque
VE
DE
TE S

JU

A V. VIC ENTE F ERRE IRA


EN

LH
AD

O
T IR
A V.

Portal do Parati Garden Park Villa Flora Itambés


AV
.D

Villagio do Jd. Colibri


AS
E SM
ER

Bosque
A LD
AS

AV. B RIG
ADEIR O
EDUA RDO
LH O GOM E S

h os Represa cascata
MA
O RA
JO Ã

urin
AV.

P/ O
Pedra Verde
Solar das Esmeraldas

0 100 m 500 m 900 m

Villagio das Santa Gertrudes


Esmeraldas

Portal da Serra
Portal dos Nobres

FONTE: CARTA BASE - PREFEITURA


P/ Bauru MUNICIPAL DE MARÍLIA - SP
ORG. JÚLIO CÉSAR ZANDONADI
Vila Nova
101

4.3. O público e o privado na cidade

Na discussão sobre a legalidade e/ou a ilegalidade na produção do


espaço urbano, principalmente na produção de loteamentos fechados e
condomínios horizontais, não podemos nos ausentar do debate acerca dos
espaços públicos e privados na cidade.
Pretendemos, primeiramente, fornecer um entendimento sobre a
conceituação de espaço público, para isso partimos da afirmação de Barreto
(2002, p. 38):
Público está associado a Estatal, gerido pelo Estado, nacional,
estadual ou municipal. Também está associado ao uso do
público, das pessoas em geral, portanto ao uso coletivo.

A autora conceitua espaço público como:

... o de uso coletivo, para os usuários em geral, seja este


administrado pelo Estado (administração pública propriamente
dita) seja pela empresa privada. O conceito, portanto abrange
tanto o espaço público, quanto o espaço privado, gratuito ou não”
(p. 39).

Nesta abordagem da autora, nota-se que não há uma


diferenciação entre espaços públicos e espaços de uso coletivo.
Young entende que o espaço público é “um lugar aberto e
acessível a todos e onde sempre se corre risco de encontrar aqueles que são
diferentes (...) o público é heterogêneo, plural e divertido” (YOUNG, 1990 apud.
CALDEIRA, 2001: p. 305).
Para Caldeira, os espaços públicos,

... promovem interações entre as pessoas que são forçadas a


confrontar seus anonimatos e os dos outros com base na
cidadania e assim reconhecer e respeitar os direitos iguais do
outro (2001: p. 307).

Segundo Cordeiro (2003: p 311), o Código civil Brasileiro em seu


Artigo 66º “... classifica, os bens públicos como bens de uso comum do povo,
bens de uso especial e os bens chamados dominicais”.
102

O novo Código Civil (2002)32 em seu Artigo 98º traz que “São bens
públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito
público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que
pertencerem”.
Di Pietro33 conceitua os bens públicos como sendo:

... aqueles que, por determinação legal ou por sua própria


natureza, podem ser utilizados por todos em igualdade de
condições, sem necessidade de consentimento individualizado
por parte da Administração (apud. CORDEIRO, 2003: p. 312).

Em Freitas (1998) os espaços de domínio público são classificados


em três tipos distintos: os bens de uso comum ao povo – “aqueles que, por sua
natureza ou determinação legal, são destinados à utilização coletiva: ruas,
estradas, praças” – os de uso especial – “os que são afetados à realização de
serviços públicos: terrenos, edifícios e repartições públicas” – e os dominicais –
“aqueles que pertencem ao patrimônio disponível da União, Estados e
Municípios. São bens inalienáveis, na forma da lei, e estão fora do comércio”
(arts. 66º e 69º do Código Civil Brasileiro).
Para Freitas (1998), todos os bens públicos admitem um uso sem
discriminação, em igualdade de condições por todos, sem qualificação e
consentimento pessoal, exercido de forma anônima e gratuita. Para o autor, esses
três tipos distintos de espaços de domínio público admitem usos diferentes: os
usos comuns e especiais.
O uso comum é aquele que se destina,

A atender ao homem, em virtude de sua qualidade humana,


tendo, pois por objetivo principal e imediato a satisfação de
necessidades físicas indispensáveis para a própria vida, de
todos, sem distinção, permitindo ainda o desenvolvimento e
projeção da personalidade humana no campo da liberdade...
(apud. CRETELLA JUNIOR34),

No entanto, os bens públicos também podem ser utilizados com


exclusividade, por pessoas determinadas, mediante titulo jurídico conferido
32
Cedido por Oscar Alfredo Sobarzo Miño.
33
DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo. 11 ed. São Paulo: Atlas.
34
CRETELLA JUNIOR, J. Tratado do Domínio Público, 1984, 1ª ed., Forense, pág. 112.
103

individualmente pelo Poder Público, mediante ato ou contrato. Este chama-se uso
especial, no qual,

O particular irá extrair do bem público algumas utilidades não


conferidas, em caráter genérico, aos demais usuários, cabendo-
lhe o poder de privar outras pessoas do direito de exercer igual
utilização sobre a mesma parcela do domínio público (apud. DI
PIETRO35).

A utilização dos bens dominicais pode ser feita com locação,


enfiteuse, arrendamento, concessão de direito real de uso e comodato, mas com
carga significativa de princípios de direito público. Já as utilizações dos bens
comuns ao povo e de uso especial devem ser feitas por atos contratuais, como a
autorização, a permissão e/ou a concessão de uso (FREITAS, 1998).
No Código Civil de 2002, em seu Artigo 99º:
“São bens públicos:
I – os de uso comum do povo, tais como riso,
mares, estradas, ruas e praças;
II – os de uso especial, tais como edifícios ou
terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da
administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive
os de suas autarquias;
III – os dominicais, que constituem o patrimônio
das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito
pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em
contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às
pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura
de direito privado.

Artigo 100º. Os bens públicos de uso comum do


povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto
conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.
Artigo 101º. Os bens públicos dominicais podem
ser alienados, observadas as exigências da lei.
Artigo 102º. Os bens públicos não estão sujeitos
a usucapião.
Artigo 103º. O uso comum dos bens públicos
pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido
legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem.”

35
DI PIETRO, M. S Z. Uso Privativo de Bem Público por Particular. Revista dos Tribunais, 1983,
pág. 20.
104

4.3.1. Os atos contratuais, autorização, permissão e concessão de


uso.
Para entendermos o funcionamento dos atos jurídicos que permite
a utilização dos bens públicos, por uma certa coletividade, apresentaremos
diferenciações entre esses contratos.
Autorização de uso – Segundo Freitas (1998) é ato precário,
unilateral e discricionário, visa atividades transitórias e irrelevantes, ao interesse
público, é conferida com exclusividade e no interesse privado do beneficiário,
pode ser a titulo gratuito ou oneroso, dispensa autorização legislativa e licitação e
não cria para o usuário o dever de utilização, mas mera faculdade. Como
exemplos temos: a ocupação de terrenos baldios; a retirada de água de fontes
não abertas ao uso comum ao povo; o depósito de material na via pública; o
trafego de caminhões pesados, de certo porte e altura ou que conduzam produtos
inflamáveis, em horários e locais específicos; a utilização de vias públicas para a
realização de festas, lazer, cortejos e provas desportivas.
Permissão de uso - É ato negocial, precário, discricionário e
unilateral que a Administração faculta ao particular para a utilização individual de
bem público. Pode ou não ser estabelecida sob condições, por tempo certo ou
indeterminado, revogável ou modificável unilateralmente pela Administração,
indenizável quando operada a revogação se assim for disposto no termo que a
concedeu. Qualquer bem público admite a permissão de uso especial, desde que
a utilização seja também de interesse da coletividade que irá fruir certas
vantagens desse uso, como acontece na instalação de serviços de bar nas
calçadas, de bancas de jornais e de feiras livres, vestiários em praias, na
utilização de boxes nos mercados municipais, no estacionamento de táxis nas
vias públicas, etc (FREITAS, 1998).
Para se efetuar este contrato, deve ser deferida prévia licitação e
“... se não houver interesse para a comunidade, mas tão somente para o
particular, o uso especial não deve ser permitido nem concedido, mas
simplesmente autorizado, em caráter precaríssimo ...” (apud. MEIRELLES36).
Concessão de uso - É contrato de direito público, gratuito ou
oneroso, comutativo e realizado intuitu personae, utilizado preferentemente à

36
MEIRELLES, H. L., Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, 20ª ed., pág. 438.
105

permissão, nas hipóteses em que a utilização do bem público visa o exercício de


atividades de maior vulto e mais onerosas, firmado geralmente com prazos longos
que garantam certa estabilidade ao concessionário. Quando implicar na utilização
de bem de uso comum do povo, sua outorga só será possível para fins de
interesse público e se for compatível com a destinação principal do bem. Ela
investe o concessionário na posse da parcela do bem objeto do contrato e sua
rescisão pela Administração, antes do termo, exige justa indenização. São
exemplos a concessão para exploração de minas e águas, o uso de
dependências aeroportuárias, de cemitérios para sepulturas, etc (FREITAS,
1998).
Weigand (2003: p. 356) fazendo uma análise deste contrato afirma
que a concessão de uso fora criada em 1967, no Decreto – lei 271/67, mas
somente,

... a partir da década de 1980, foi aceita e propagada como uma


forma excelente para a regularização fundiária das ocupações de
baixa renda e para áreas de assentamento agrário, permitindo,
segundo se acreditava, o controle das ‘invasões’ e do uso do bem
público.

Esta autora coloca que o objetivo da concessão de uso é garantir o


“uso social enquanto a propriedade continua pública” (p. 358).

4.4. As áreas públicas nos loteamentos fechados

O fechamento da maioria dos loteamentos convencionais37,


mediante obstrução das vias internas ao acesso do público, com a colocação de
obstáculos, cancelas, guaritas, portarias e muros, é viabilizada pelo ato da
concessão de uso.
Na cidade de Marília, como vimos anteriormente, o ato jurídico
usado para o fechamento dos loteamentos é a permissão de uso (Lei

37
Regidos pela Lei 6.766/79.
106

Complementar 54 de 28.12.1992), na qual é cedida a titulo precário38, gratuito e


por tempo indeterminado aos loteadores.
Sobarzo Miño e Beltrão Sposito apontam esta prática de
fechamento como ilegal, pois parte de um ato contratual que contraria os
interesses públicos, que deveriam ser respeitados pelo poder público. Nestes
casos, os acordos são estabelecidos unilateralmente, visto que é dada a
concessão ou permissão de direito de uso apenas para os residentes de
especifico loteamento, sem que o restante dos moradores e usuários da cidade
sejam consultados, havendo assim, a ocorrência da privatização dos espaços
públicos.
Na tabela 2, vemos em destaque os empreendimentos
comercializados como loteamentos fechados que estão com áreas públicas
inferiores ao percentual previsto na Lei Complementar 54 de 28.12.1992, que é de
35% (trinta e cinco por cento).

38
É fornecida a titulo precário, pois no caso de revogação da permissão não caberá nenhum
recurso por parte do loteador.
107

Tabela 2
Marília – SP
Loteamentos Fechados e Condomínios Horizontais – Percentual de Áreas
Públicas
1993 – 2003
Loteamentos/ Área Total Áreas Públicas Percentual de
Condomínios e/ou Comum Área pública
e/ou comuns
Residencial Esmeralda 274.356, 00 112.448,18 40,0
Residence
Condomínio Residencial 40.600,00 17.281,25 42,5
Village do Bosque
Condomínio Residencial 333.592,23 119.181,18 35,7
Garden Park
Residencial Villagio das 6.697,28 2.329,00 34,7
Esmeraldas
Residencial Solar das 12.278,56 2.872,70 23,3
Esmeraldas
Residencial Pedra Verde 39.962,29 17.014,37 42,5
Residencial Campo 6.447,68 2.106,69 32,6
Limpo
Condomínio Residencial 14.035,94 3.809,21 27,1
Jardim do Bosque
Condomínio Residencial 13.349,10 3.486,45 26,1
Jardim Colibri
Condomínio Residencial 28.940,00 14.825,72 51,2
Portal do Parati
Residencial Vale do 996.676,24 353.177,95 35,4
Canaã
Condomínio Residencial 9.620,31 2.848,48 29,6
Vila Nova
Residencial Campo Belo 242.000,00 78.187,11 32,3
Loteamento Residencial 93.830,02 30.643,77 32,6
“Villa Flora”
Loteamento Residencial 392.428,03 138.041,59 35,1
“Portal da Serra”
Residencial Portal dos 162.418,73 64.467,27 39,6
Nobres
108

Fonte: Prefeitura Municipal de Marília e DPRN – Marília – SP.


Org. Júlio César Zandonadi

A aprovação de loteamentos como condomínios por parte do


poder público municipal faz com que as áreas públicas e/ou comuns do
Condomínio Residencial Garden Park, Residencial Solar das Esmeraldas,
Residencial Pedra Verde, Residencial Campo Limpo, Condomínio Residencial
Jardim do Bosque, Condomínio Residencial Portal do Parati, Condomínio
Residencial Vila Nova e Residencial Campo Belo, sejam de propriedade dos
condôminos e os outros moradores e usuários da cidade residentes fora dos
muros, não terão acesso a elas.
Para Freitas (1998) outra irregularidade presente no fechamento
dos loteamentos traduz-se na tentativa de burlar a Lei de Parcelamento do Solo
Urbano.

Nos termos do art. 17º da Lei 6.766/79, o loteador não poderá


alterar a destinação dos espaços livres de uso comum, as vias e
praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros
equipamentos urbanos constantes do projeto e memorial
descritivo (art. 9º, § 2º, III e IV)” (FREITAS, 1998).

Seguindo o que foi dito por Weigand, que a concessão de uso é


garantir o uso social da propriedade publica, nota-se que tal instrumento jurídico
não esta sendo utilizado para este fim, mas sim como uma iniciativa dos
incorporadores para conseguirem o fechamento dos loteamentos, de forma
“legal”, tendo como agente legitimador o poder público, pois é este que concede a
concessão ou permissão de uso, favorecendo deste modo às praticas
especulativas39 do capital incorporador.
Weigand (2003: p. 360) observa outra problemática, em torno
desta ação de fechamento dos loteamentos, a partir do instrumento da concessão
de uso, pois estas são fornecidas por prazos determinados ou indeterminados e,
em muitos os casos, como o de Marília, a titulo precário, desta forma a autora
questiona, em caso de revogação do contrato, como ficarão os investidores e
moradores, que compraram seus lotes e/ou construíram suas casas nesses
empreendimentos murados, nos quais compraram a valorização, a segurança, a

39
Praticas estas que vimos no capitulo anterior.
109

privacidade etc, que estariam comprometidas em caso da suspensão do


instrumento de concessão ou permissão de uso.
Para concluir, é importante ressaltarmos que não estamos
criticando a existência da concessão, permissão ou autorização de uso, mas sim
a forma de aplicação destes contratos de maneira ilegal, ou seja, gostaríamos que
esses princípios, ao serem aplicados, tivessem como objetivo a amenização das
desigualdades sociais existentes na cidade e não as reforçassem, privilegiando
quase sempre uma minoria dotada de elevado poder aquisitivo e acentuando o
abismo existentes entre camadas da sociedade.

4.5. O papel do poder público na implantação dos loteamentos


fechados e condomínios horizontais na cidade de Marília

Depois desta explanação em torno da legalidade ou ilegalidade na


produção das novas formas de habitat urbano, faremos uma analise sobre como o
poder público interfere nesta implantação.

4.5.1. Residencial Esmeralda Residence

Sabemos que Residencial Esmeralda Residence foi o primeiro


empreendimento imobiliário fechado da cidade de Marília, implantado no ano de
1993. Por esta razão, tal empreendimento merece destaque em nossa análise,
porque segundo o Secretario Municipal de Planejamento Urbano da gestão 2001 -
2004, Arquiteto Laerte Rojo Rosseto, afirmou que a Lei Complementar 54 de
28.12.1992, que regula a implantação dos loteamentos fechados no Município de
Marília, foi redigida para legitimar a implantação deste loteamento fechado, fato
este comprovado pela redação da lei, que acompanha a configuração deste
empreendimento residencial fechado.
Assim vemos que o poder público municipal tem grande
responsabilidade no inicio das implantações de loteamentos fechados e
condomínios horizontais na cidade, que resultou na proliferação destes e o
aumento de praticas especulativas.
110

4.5.2. Residencial Vale do Canaã

O Residencial Vale do Canaã é um dos mais recentes loteamentos


fechados. Aprovado junto ao poder público, em 2003, o residencial continua em
fase de comercialização de lotes, sendo que algumas residências começam a
serem construídas.
Atualmente, juntamente com o Residencial Portal dos Nobres e
Residencial Portal da Serra são considerados os empreendimentos mais
valorizados da cidade.
Ao observarmos o mapa 7 (p. 101), nota-se que, entre estes três
empreendimentos, o único que não está anexado a uma grande via da cidade é o
Residencial Vale do Canaã, fato este que o desvalorizava diante de seus
concorrentes, que em suas campanhas publicitárias valorizavam a proximidade
do centro e da cidade. Entretanto, uma ação do poder público Estadual e
Municipal fez com que está desigualdade entre esses empreendimentos seja
compensada, como podemos ver nesta matéria publicada no site do Jornal Diário
de Marília.
111

NOTÍCIA
Obras melhoram acesso e qualidade no Canaã
12-12-2004
Começaram as obras de instalação da passagem subterrânea que vai dar acesso
moderno e seguro ao Residencial Valle do Canaã, o mais ousado projeto habitacional de
Marília.

A instalação da nova passagem permite acesso pela rodovia SP-333 – que será a
avenida mais moderna de Marília – e interligação com todo o sistema viário da zona
Oeste, que passa por programa de reformulação.

Além de valorização de toda a região, os investimentos projetam desenvolvimento do


comércio e serviços na região, uma projeção que já existia quando o empreendimento foi
lançado e que agora está consolidada.

Com a obra, o empreendimento ganha acesso cada vez mais rápido e valorização ainda
maior. E não é só isso.

Independente das obras públicas, o Vale do Canaã entra em nova fase de investimentos
e ganha ainda mais qualidade com o planejamento interno. Vai começar a urbanização
da principal praça do empreendimento.

Além de uma área de circulação, eventos e convivência, a praça vai contar com espaço
ecumênico, rústico, que aproveita estrutura já existe: uma capela construída no início do
século. A capela está em fase de restauração.

Também andam em ritmo intenso as obras de implantação do Club House, um conjunto


de estruturas de lazer e esportes único em toda a região.

Piscinas, quadras poliesportivas, sauna, quiosques, pista de cooper, bosque e trilhas


naturais estão entre os benefícios exclusivos que o club house do Canaã oferece.

Para o diretor da Toca Imóveis, Roberto Borghette, o empreendimento se completa com


essa benfeitoria, comprova o sucesso do projeto e o grande potencial de valorização que
o loteamento oferece.

“Ele está localizado fora da área urbana por ocupar uma das mais belas paisagens da
região Centro-Oeste, envolvida em uma concepção ecológica e social de valorização do
bem-estar e da família.”

O empreendimento une o contato direto com a natureza com o que há de mais moderno
em convivência e bem-estar. Além de lotes grandes, oferece a maior área de esporte e
lazer de todo o interior paulista, com lagos, bosques, cachoeiras, mata nativa.

Com tudo isso, o empreendimento tem também toda a estrutura e conforto da vida
urbana: segurança 24 horas, água, luz, energia, esgoto e uma estação para tratamento
de esgoto.

O plantão de vendas funciona no local todos os dias. Mais informações no loteamento,


na saída para Assis ao lado do trevo de Avencas, ou pelo número 3453-1709.
Extraído de http://www.diariodemarilia.com.br/ver_noticia.php?noticia=25279, acesso em
15/12/2004.

Nesta reportagem publicada no site do Jornal Diário de Marília


vemos que está sendo construída uma passagem subterrânea que facilitará o
112

acesso ao Residencial Vale do Canaã. Além disso, a SP – 333, que liga o


residencial à cidade de Marília foi recapeada e está ganhando uma nova pista que
desobrigará os moradores do residencial, ao irem para a cidade ter que fazê-lo
por meio da rodovia. Segundo outro jornal local, esta obra está sendo viabilizada
com um acordo entre o Governo Municipal, o DER e a UNIMAR
(http://www.jornaldamanha.com/visualizar.php?not=3064 ).

Foto 10
SP – 333 – obras de recapeamento e construção de acesso ao Residencial
Vale do Canaã

Extraído do Jornal da Manhã

Outros fatores que indicam atuação do poder público para a


valorização do empreendimento foi a instalação de uma adutora do DAEM, para o
abastecimento do residencial (DELICATO, 2004, p. 41), lembrando que este está
a, aproximadamente, dois quilômetros da malha urbana de Marilia.
A partir desta conjuntura, vemos que a ação do poder público na
produção de loteamentos fechados, não se reduz à legitimação dos
empreendimentos, quando da implantação destes, o poder público também age
depois que os loteamentos e condomínios estão implantados, com obras, como a
criação e/ou melhoramento das infra-estruturas próximas, que valorizam tais
empreendimentos.
113

Considerações Finais
114

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto desta pesquisa, vimos que o espaço urbano é


produzido socialmente, através de relações entre diversos agentes que
produzem, apropriam e consomem este espaço, obedecendo a lógica de
produção capitalista.
As relações entre os agentes produtores do espaço expressam-se
materialmente no território, com a alteração da paisagem urbana e expansão do
tecido urbano. Redefinindo as relações econômicas e sociais na cidade, além da
produção realiza-se a reprodução do espaço urbano, ambas obedecendo à lógica
do capital, visando atender à reprodução e manutenção do sistema capitalista.
Tal processo, expandindo e alterando o tecido urbano, cria e
redefine fenômenos urbanos, tais como alterações no preço do solo urbano,
alterações nas relações centro-periferia e a segregação socioespacial.
Para ampliar a complexidade desse processo, surge no mercado
uma nova forma de se comercializar o solo urbano, dentro de muros, agregando
valores como o status, segurança, lazer, privacidade, tranqüilidade, etc: os
loteamentos fechados e condomínios horizontais. Esta nova forma de habitat
urbano, é um potencial acentuador dos fenômenos urbanos provenientes da
produção e reprodução do espaço urbano.
Vemos que o capital imobiliário, principal agente produtor do
espaço, cria novas demandas, visando especular e obter maior lucratividade e
nível de renda fundiária urbana.
Partindo desta perspectiva, os loteamentos fechados e
condomínios horizontais são referências para a análise da produção do espaço
urbano, pois, além de existirem em grande número nas grandes cidades, este tipo
de empreendimento já é uma realidade nas cidades médias.
A implantação de tais empreendimentos em cidades médias,
segue a lógica do capital, que vende os valores, costumes e práticas
metropolitanas como mercadorias que se agregam aos imóveis e como sinônimo
de status; deste modo, tais valores são reproduzidos em cidades menores, o que
Souza (2003: p. 53) chama de "centros de difusão".
115

A expansão territorial urbana na cidade de Marília é ligada a dois


fatores, o primeiro diz respeito ao quadro natural, que contribuiu para atual
configuração da malha urbana, pois, a cidade sendo cercada por escarpas, o
sentido de sua expansão territorial obedeceu ao eixo norte–sul. O segundo fator
são os interesses imobiliários pois, desde sua fundação em 1927, Marília cresceu
territorialmente pela disputa de seus primeiros loteadores e impulsionada pelo
capital provido do café e do algodão.
Analisando o mercado imobiliário em Marília, podemos perceber
que este se apropria do primeiro fator (o natural) para valorizar e segregar, o que
vemos na publicidade de alguns loteamentos e na atual estruturação urbana, uma
vez que os loteamentos fechados são separados de favelas pelas escarpas.
A implantação de loteamentos fechados e condomínios horizontais
em Marília começou no ano de 1993, tendo como auge os anos de 2000 e 2001,
quando foram implantados a maioria destes empreendimentos. No total, a cidade
conta com dezenove empreendimentos deste tipo e são eles: o Residencial
Esmeralda Residence, Condomínio Residencial Village do Bosque, Condomínio
Residencial Garden Park, Residencial Villaggio das Esmeraldas, Residencial
Solar das Esmeraldas, Residencial Pedra Verde, Residencial Campo Limpo,
Condomínio Residencial Jardim do Bosque, Condomínio Residencial Jardim
Colibri, Condomínio Residencial Portal do Parati, Residencial Vale do Canaã,
Condomínio Residencial Vila Nova, Residencial Campo Belo, Loteamento
Residencial “Villa Flora”, Loteamento Residencial Portal da Serra, Residencial
Portal dos Nobres, Residencial Jardim Ismael, Residencial Santa Gertrudes e
Residencial Green Valley.
As implantações destas novas formas de habitat urbano trazem
algumas repercussões no conteúdo social da cidade, como:
 Alteração da relação centro-periferia. No caso dos
empreendimentos localizados próximos à Av. das Esmeraldas,
é notado o surgimento de estabelecimentos comerciais e de
serviços e até mesmo um novo espaço de consumo, shopping
center (Esmeralda Shopping) tendo como público alvo uma
população de alto poder aquisitivo, ou seja, a implantação dos
loteamentos e condomínios fechados cria uma nova demanda
116

por comércio e serviços próximos a área onde estão sendo


implantados.
 Alteração da paisagem urbana. Como vimos, são dezenove
empreendimentos imobiliários fechados na cidade de Marília,
grande parte destes estão localizados dentro da malha urbana,
criando assim barreiras para os outros moradores da cidade,
tanto para a locomoção como para a apreensão da paisagem
urbana, pelo olhar.
 Segregação socioespacial. Os loteamentos e condomínios
fechados podemos afirmar que por si só já são condicionantes
da segregação, pois estes negam a cidade, as relações entre
os moradores da cidade, privilegiando o que é privado. Na
cidade de Marília, observa-se que, num primeiro momento, os
empreendimentos fechados são implantados em áreas
habitadas por segmentos de alto poder aquisitivo e, num
segundo momento, são implantados em áreas habitadas por
segmentos de médio e médio-baixo poder aquisitivo, criando
barreiras entre segmentos de estratos sociais similares e, por
fim, os implantados mais recentemente situam–se fora da
malha urbana, sendo destinados às camadas mais elevadas da
sociedade.
Há repercussões na vida econômica da cidade, como:
 Alteração no gradiente dos preços do solo urbano. A
implantação de loteamentos e condomínios fechados em
Marília causou alterações no preço do solo urbano, pois se
segrega para buscar maior lucratividade, fecham–se glebas a
fim de se obter preços iguais ou superiores aos loteamentos
abertos e com alto nível de ocupação e infra-estrutura.
Outro ponto que chamou atenção nesta pesquisa foi a interferência
do Estado na produção de loteamentos e condomínios horizontais.
Primeiramente, é discutível a forma como os loteamentos são
fechados, via “permissão ou concessão de uso”, pois este é um acordo entre o
poder público local e os moradores do loteamento especifico, em que estes tem
117

permissão de uso exclusivo sobre as áreas públicas do loteamento, sendo que


esta decisão é tomada sem que haja uma consulta aos outros moradores da
cidade.
O poder público municipal não faz uma diferenciação entre
loteamentos fechados e condomínios horizontais na cidade, pois foram
implantados vários loteamentos fechados como se fossem condomínios
horizontais, ignorando as leis federais e municipais que regulam a implantação de
tais empreendimentos. Deste modo, as áreas que eram para serem destinadas ao
público, ficam para os condôminos, e o fechamento de tais empreendimentos é
irrevogável. Diante destas práticas, nota-se a privatização dos espaços públicos.
Outra prática do poder público é a aprovação de leis e construções
de infra-estruturas para beneficiar o capital imobiliário, como os casos do
Residencial Esmeralda Residence e Residencial Vale do Canaã, respectivamente.
Conclui-se que a implantação de loteamentos fechados e
condomínios horizontais na cidade de Marília tem como pano de fundo a busca do
aumento do preço do solo urbano, para isso a segregação socioespacial torna-se
um agregador de valor e condição de realização de renda da terra e de lucros
elevados. Nesta dinâmica o Estado age interferindo no mercado imobiliário,
valorizando preços do solo urbano em certas áreas da cidade, com ações que
legitimam as práticas especulativas do capital imobiliário, privilegiando apenas
algumas camadas da sociedade.
É importante ressaltar que estavam previstas, em nosso projeto
inicial, outras atividades que poderiam fornecer subsídios para identificar outros
fenômenos e praticas de agentes sociais na produção do espaço urbano na
cidade de Marília, o que não foi possível devido a empecilhos criados pelo Poder
Público Municipal, ao não fornecer, por desorganização ou outro motivo, alguns
documentos referentes à expansão do tecido urbano e a implantação de
loteamentos fechados e condomínios horizontais na cidade.
Entretanto, esta pesquisa possibilitou-nos apreender as
transformações do espaço urbano e o entendimento dos processos de produção e
reprodução do espaço urbano em uma cidade média, além de fornecer subsídios
para novas pesquisas sobre cidades deste porte e importância.
118
119

Bibliografia
120

BIBLIOGRAFIA

AMORIM FILHO, O. & SERRA, R. V. Evolução e perspectivas do papel das

cidades médias no planejamento urbano e regional. In: ANDRADE, T. A. &

SERRA, R. V. (orgs.) Cidades Médias Brasileiras. Rio de Janeiro: IPEA, 2001.

BELTRÃO SPOSITO, M. E.. O chão em Presidente Prudente: A lógica da

expansão territorial urbana. Rio Claro. UNESP, 1983 (dissertação de mestrado).

_______________________. Reflexões sobre a natureza da segregação

espacial nas cidades contemporâneas. Revista de Geografia, Dourados, nº 04,

1996.

______________________. As cidades médias e os contextos econômicos

contemporâneos. In: BELTRÃO SPOSITO, M. E. (org.). Urbanização e Cidades:

Perspectivas Geográficas, Presidente Prudente, FCT/UNESP, 2001a.

_______________________. Novas formas comerciais e redefinição da

centralidade intra-urbana. In: BELTRÃO SPOSITO, M. E. (org.). Textos e

contextos para a leitura geográfica de uma cidade média, Presidente Prudente,

FCT/UNESP, 2001b.

_______________________. Novos territórios urbanos e novas formas de

hábitat no Estado de São Paulo, Brasil. In: BARAJAS, L. F. C. (coordinador).


121

Latino América: países abiertos, ciudades cerradas, Guadalajara, México,

Universidad de Guadalajara, 2002.

BRUMES, K. R. Movimentos migratórios em cidades médias: o caso de

Uberlândia – MG (1970 – 2000). Presidente Prudente, FCT/UNESP, 2003

(Dissertação de mestrado).

BARRETO, M.. Espaço Público: usos e abusos. In: Yázigi, E.; CARLOS, A. F.

A. & DA CRUZ, R. C. A. (orgs.) - 3ª ed. – São Paulo: Hucitec, 2002.

CALDEIRA, T. P. do R.. Cidade de muros: Crime, segregação e cidadania em

São Paulo. São Paulo: Editora 34/Edusp, 2000.

CARLOS, A. F. A.. A cidade. São Paulo: Contexto, 1994.

______________. O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade, São

Paulo, Contexto, 2004.

CASTELLS, M. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

CAVALCANTI, L. S. (org.) Geografia da cidade: a produção do espaço urbano

de Goiânia, Goiânia, Alternativa, 2001.


122

CORDEIRO, G. C. S. A natureza jurídica dos bens de uso comum nos

condomínios fechados. In: FERNANDES, E. A lei e a ilegalidade na produção

do espaço urbano. Belo Horizonte, Del Rey, 2003.

CORRÊA, R. L.. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1989.

DELICATO, C. T. Faces de Marília: a moradia em um condomínio horizontal.

Marília, FFC/UNESP, 2004 (Dissertação de mestrado).

FREITAS, J. C. de. Da legalidade dos loteamentos fechados (s.f.), 1998.

GOTTDIENER, M. A produção social do espaço urbano. São Paulo, EDUSP,

1993..

GRANJA, L. V. A. C. Os condomínios e os “condomínios fechados”: o caso

do distrito federal. In: FERNANDES, E. A lei e a ilegalidade na produção do

espaço urbano. Belo Horizonte, Del Rey, 2003.

GUERRA, A. T. & GUERRA, A. J. T.. Novo dicionário geológico –

geomorfológico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. p. 362.

LARA, P. C. de. Marília, sua terra, sua gente. Marília: 1° Ed., Editora Iguatemy,

1991
123

LEME, R. C.. Expansão territorial e preço do solo urbano nas cidades de

Bauru, Marília e Presidente Prudente (1975-1996). Presidente Prudente.

FCT/UNESP, 1999. (Dissertação de Mestrado).

LEFEBVRE, H. O direito a cidade. São Paulo, Moraes, 1991.

MELAZZO, E. S.. Mercado imobiliário, expansão territorial e transformações

intra-urbanas: o caso Presidente Prudente – SP. Rio de Janeiro, IPPUR/UFRJ,

1993. (Dissertação de Mestrado).

MIÑO, O. A. S.. A segregação socioespacial em Presidente Prudente: Análise

dos condomínios horizontais. Presidente Prudente, FCT/UNESP, 1999.

(Dissertação de Mestrado).

________________. Los condomínios horizontales en Presidente Prudente,

Brasil. In: BARAJAS, L. F. C. (coordinador). Latino América: países abiertos,

ciudades cerradas, Guadalajara, México, Universidad de Guadalajara, 2002.

_________________ & BELTRÃO SPOSITO, M. E.. Urbanizaciones cerradas:


reflexiones y desafios. In: Ciudades: Análises de la coyuntura, teoria e historia
urbana, Ano 15 ,n° 59 julio – setiembre de 2003.

OLIVEIRA. A. U. de, Modo capitalista de produção e agricultura. São Paulo.


Atica, 1986.

PEREIRA, F. M. Cidades médias brasileiras: uma tipologia a partir de suas


(des)economias de aglomeração. Belo Horizonte, Universidade Federal de
124

Minas Gerais – Cetro de Desenvolvimento e Planejamento Regional – Faculdade


de Ciências Econômicas, 2002 (Dissertação de mestrado).

PONTES, B. M. S.. As cidades médias brasileiras: os desafios e a

complexidade do seu papel na organização do espaço regional (década de

1970), In: BELTRÃO SPOSITO, Maria Encarnação (org.) Urbanização e cidades:

perspectivas geográficas. Presidente Prudente. FCT/UNESP, 2001.

RIBEIRO, L. C. Q. Espaço urbano, mercado de terras e produção da

habitação. In: SILVA, L. A. M. (org.) Solo urbano, tópicos sobre o uso da terra.

Rio de Janeiro, Zahar, 1981.

RICHARDSON, H. W.. Economia urbana. Trad. LARA, F. W. Rio de Janeiro,

Interciência, 1978.

RODRIGUES, A. M.. Moradia nas cidades brasileiras. 5° ed. São Paulo:

Contexto, 1994.

SANTOS, M. O trabalho do geógrafo no terceiro mundo, São Paulo, Hucitec,

1978.

__________. Manual de geografia urbana, São Paulo, Hucitec, 1989.

__________. A urbanização brasileira, São Paulo, Hucitec, 1993.


125

__________ & SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no inicio do

século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.

SOARES, B. R. Repensando as cidades médias brasileiras no contexto da

globalização. Revista Formação nº 06, Presidente Prudente, FCT/UNESP, 1999.

SOTO, A. N. Marília, do passado ao novo milênio. Tomo I – 1915 – 1958,

Marília – SP: Prefeitura Municipal de Marília – SP, 2003.

SOUZA, M. L. de. Mudar a cidade: uma introdução critica ao planejamento e

à gestão urbana. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2002.

______________. ABC do desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro, Bertrand

Brasil, 2003.

SPOSITO, E. S. Produção e a Apropriação da Renda Fundiária Urbana em

Presidente Prudente. Presidente Prudente. FCT/UNESP, 1990. (tese de

doutorado apresentada no Curso de Pós-Graduação em Geografia Humana à

Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Univesidade de São Paulo).

VILLAÇA, F. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel,2001.

WEIGAND, V. M. Concessão de direito real de uso: um discurso


insustentável. In. FERNANDES, E. A lei e a ilegalidade na produção do espaço
urbano. Belo Horizonte, Del Rey, 2003.

Você também pode gostar