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[T]
A fabricação da disciplina escolar Português1
[I]
The fabrication of Portuguese as a school discipline
[A]
Clecio Bunzen
[R]
Resumo
O objetivo do presente trabalho é realizar uma breve reflexão sobre o surgimento e a as-
censão da disciplina escolar Português, responsável pelo ensino formal da língua materna
nas escolas. Nesse sentido, destacaremos discussões sobre a fabricação de um espaço/
tempo para que os alunos aprendam a se apropriar dos saberes escolares e metadiscursos
sobre a língua escrita. Ao nos basear nos estudos sobre as disciplinas escolares, apresen-
tamos uma interpretação sobre o surgimento da disciplina escolar Português (na escola
secundária) no âmbito de uma política linguística iluminista dos séculos XVIII e XIX, que
envolve aspectos dos processos de gramaticalização e escolarização da língua materna
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O presente artigo sintetiza a discussão que realizamos no primeiro capítulo da tese “Dinâmicas
discursivas na aula de Português: os usos do livro didático e projetos didáticos autorais” (BUNZEN,
2009).
This paper aims at discussing the emergence and rise of Portuguese as a school discipline
responsible for formal teaching of language of the Brazilian national language in its educa-
tion system. It seeks to gather ideas about the social construction of this school discipline
and its legimacy by the prescriptive curriculum. The article also emphasizes discussions on
how schools offer both space and time to students so that they could master school abili-
ties and metadiscourses about written language. Based on studies of the history of school
disciplines, we offer an interpretation of the emergence of Portuguese as a school subject
in the context of an Enlightenment language policy of the Eighteenth and Nineteenth cen-
turies, which involves aspects of two processes: grammaticalization and institutionaliza-
tion in the school system of national languages as an essential project of national identity.
We conclude the paper by discussing the construction of public programs, academic stud-
ies on mother tongues’ teaching and public policies.
[K]
Keywords: : History of school disciplines. Mother tongue. Linguistic policy.
Introdução
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Compreendemos aqui a disciplina escolar como parte integrante da cultura escolar (CHERVEL,
1990), ou seja, como um espaço-tempo criado no interior de disputas entre diversos conhecimentos
e formas de organização dos saberes para compor o currículo escolar.
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Vale salientar aqui que a lusitanização nas costas da África, na Índia e no continente Sul-Americano,
nas palavras de Ilari e Basso (2006, p. 39), “resultou em impor o português como língua da
administração e do ensino, enquanto boa parte da população continuou falando as línguas nativas”.
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A título de exemplificação podemos citar a criação de línguas gerais que mostra relações híbridas
entre o português e as línguas indígenas (ILARI; BASSO, 2006).
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Entendido aqui como processo sócio-histórico que se caracteriza pelo desenvolvimento de duas
tecnologias: a gramática e o dicionário (AUROUX, 1992).
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Vejamos o que nos diz o Alvará de D. José I de 1759: “conformando-me Eu como o exemplo desta e
de outras nações iluminadas, e desejando, quanto a Mim, adiantar a cultura da língua Portuguesa
nestes Meus Reinos e Domínios, para que neles possa haver vassalos úteis ao Estado, Sou servido
ordenar que os mestres da língua latina, quando receberem nas suas classes os discípulos, para
lhes ensinarem, os instruam previamente, por tempo de seis meses, se tantos forem necessários
para a instrução dos alunos, na Gramática Portuguesa composta por António José dos Reis Lobato
[...]” (ANDRADE apud BOTO, 2004, p. 170).
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Vale lembrar aqui que o latim perdera, nos séculos XVII e XVIII, sua importância como forma de
interação das pessoas cultas no cenário europeu. Segundo Pfromm Neto et al. (1974), por exemplo,
eram poucas as impressões de livros escritos em latim (apenas 4% no fim do século XVIII). Esse
fator parece ter favorecido, na Europa e posteriormente em suas colônias, o fortalecimento de uma
língua e literatura nacionais. No Brasil, sabe-se que até os anos 60 os alunos no ginásio e no clássico
continuavam tendo aulas de latim.
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Em 1841, por exemplo, as disciplinas de Gramática Geral e Gramática Nacional só aparecem no
1º ano com cinco lições semanais, diferentemente do latim, que era ensinado durante os sete
anos do secundário. O professor de Latim era o mesmo que lecionava a disciplina de Gramática
Nacional, enfatizando como objeto de ensino a estrutura gramatical da língua portuguesa nos
níveis morfológico e sintático.
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A partir deste decreto, o ensino secundário passou a ser chamado de: fundamental (com duração
de cinco anos) e complementar (com a duração de dois anos) para candidatos aos cursos superiores.
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Segundo Faraco (2007, p. 47), no Estado Novo getulista, “buscou-se silenciar o uso público das
línguas de imigração e cultivou-se a ideia de se padronizar a pronúncia do país”.
para cada série. A família, a escola e a terra natal, por exemplo, são temas
que devem ser tratados na 1ª série ginasial, enquanto que a paisagem e a
vida em cada uma das regiões naturais do Brasil são temáticas da 2ª série.
Essa questão é de extrema importância para percepção de fabricação da
disciplina, pois entram em jogo os “temas” possíveis de serem abordados
no trabalho com língua materna. Temos aqui indícios de como a disciplina
escolar começa a imbricar objetos de ensino fixos pela tradição escolar
como a literatura e a gramática com a organização de uma pedagogia da
exploração temática. Lauria (2004), ao analisar a coleção seriada Curso da
língua pátria (1944), demonstra como os textos da antologia procuravam
atender às diretrizes da Reforma Capanema de 1942, pois traziam textos
literários (poemas, trechos de romances, fragmentos de contos) normal-
mente voltados para alguns dos temas exigidos pela reforma. A qualidade
da mulher como “rainha do lar”, por exemplo, era ressaltada nos textos,
assim como a pátria, as paisagens e personagens brasileiros.
A disciplina de Português apresenta uma reconfiguração com
movimentos de permanências e rupturas de objetos de ensino e aspectos
metodológicos com os programas de Português de 1942 e 1951, capazes
de alterar algumas características das aulas de Português e os perfis dos
livros didáticos. Em primeiro lugar, é visível que os textos são selecio-
nados com base nas temáticas exigidas pelos programas para as séries
iniciais do ginásio: textos em prosa e em verso de autores do século XVIII
e XIX, com destaque para cinco temas: terra natal, escola, família, exem-
plos de feitos heroicos e virtudes cívicas (LAURIA, 2004). Em segundo
lugar, a programação oficial de 1951 prescrevia que as aulas deveriam ter
interpretação de textos de leitura, exercícios de linguagem oral, questões
gramaticais, vocabulário e redação. Como aponta Fregonezi (1999, p. 17),
“ao lado do roteiro de sugestões para as aulas de leitura, atividades de
redação e procedimentos metodológicos para aulas de vocabulário e de
linguagem oral, são também comuns as listas de conteúdo programático a
serem desenvolvidas em cada série”. No geral, percebe-se que o Programa
de Português de 1951 priorizava exercícios práticos de gramática e textos
literários, atendendo a dois objetivos: “a habilitação do aluno para falar e
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Razzini (2000) vê como uma das novidades do período o estímulo à criatividade do aluno no
“ensino” de redação. Na realidade, a temática do texto propiciava ao aluno um “estímulo” para
escrever, diferentemente das prescrições anteriores.
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Congresso de Leitura do Brasil.
Considerações finais
A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.
A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Referências
GERALDI, J. W.; SILVA, L.; FIAD, R. Lingüística, ensino de língua materna e for-
mação de professores. In: DELTA, v. 12, n. 2, p. 307-326, 1996.
Recebido: 27/06/2011
Received: 06/27/2011
Aprovado: 22/08/2011
Approved: 08/22/2011