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Língua, religião e alta cultura são os únicos componentes de uma nação que
podem sobreviver quando ela chega ao término da sua duração histórica. São os
valores universais, que, por servirem a toda a humanidade e não somente ao
povo em que se originaram, justificam que ele seja lembrado e admirado por
outros povos. A economia e as instituições são apenas o suporte, local e
temporário, de que a nação se utiliza para seguir vivendo enquanto gera os
símbolos nos quais sua imagem permanecerá quando ela própria já não existir.
A França foi o centro cultural da Europa muito antes das pompas de Luís XIV.
Os ingleses, antes de se apoderar dos sete mares, foram os supremos
fornecedores de santos e eruditos para a Igreja. A Alemanha foi o foco
irradiador da Reforma e em seguida o centro intelectual do mundo — com Kant,
Hegel e Schelling — antes mesmo de constituir-se como nação. Os EUA tinham
três séculos de religião devota e de valiosa cultura literária e filosófica antes de
lançar-se à aventura industrial que os elevou ao cume da prosperidade. Os
escandinavos tiveram santos, filósofos e poetas antes do carvão e do aço. O poder
islâmico, então, foi de alto a baixo criatura da religião — religião que seria
inconcebível se não tivesse encontrado, como legado da tradição poética, a língua
poderosa e sutil em que se registraram os versículos do Corão. E não é nada
alheio ao destino de espanhóis e portugueses, rapidamente afastados do centro
para a periferia da História, o fato de terem alcançado o sucesso e a riqueza da
noite para o dia, sem possuir uma força de iniciativa intelectual equiparável ao
poder material conquistado.
Esse tipo de reformador cultural deslumbrado, que, sem uma autêntica visão
universal das coisas e movido somente pela comichão de atualismo, quando não
pela ânsia de épater le bourgeois, se mete a destruir valores que não
compreende, é a praga mais nefasta que pode se abater sobre uma cultura em
formação, induzindo-a a destruir as bases em que começava a se erguer e não
pondo em seu lugar senão pseudovalores efêmeros cuja rápida substituição
abrirá cada vez mais, sob os pés dela, o abismo sem fim das dúvidas ociosas e
das perguntas cretinas.
Um exemplo talvez ajude. Não conheço um só membro das nossas elites que
não tenha opiniões sobre a política norte-americana. A base dessas opiniões é o
que leem nos jornais e veem na TV. Acontece que o instrumento básico do
debate político nos EUA é o livro, não o artigo de jornal, o comentário televisivo
ou a entrevista de rádio. Não há aqui uma só ideia ou proposta política que, antes
de chegar aos meios de comunicação de massas, não tenha se formalizado em
livro, demarcando as fronteiras do debate que, nessas condições, é sempre
pertinente e claro. Também não há um só desses livros que, em prazo breve, não
seja respondido por outros livros, condensando e ao mesmo tempo aprofundando
a discussão em vez de limitá-la às reações superficiais do primeiro momento
Neste país você não pode pedir emprego e muito menos dinheiro emprestado a
um conhecido sem que ele instantaneamente assuma ares paternais e comece a
lhe dar conselhos, a ralhar com você chamando-o de irresponsável, leviano e
miolo-mole.
Meu pai era um sujeito relaxado, que às vezes ia de pijama receber as visitas.
Mas chamava de “senhor” cada mendigo que o abordava na rua, e sem que ele
me dissesse uma palavra aprendi que o homem em dificuldades necessitava de
mais demonstrações de respeito do que as pessoas em situação normal.
O dr. Samuel Johnson, escritor maravilhoso e antepassado setecentista dos
modernos conservadores, dizia que o teste definitivo de uma civilização está na
sua maneira de tratar os pobres. Na sua época, ninguém tivera ainda a ideia
brilhante de desvencilhar-se deles entregando-os aos cuidados da burocracia
estatal. Essa ideia, mesmo que não seja levada à prática, já vale por um teste:
mostra que a sociedade não sabe o que fazer com os pobres, não quer trato direto
com eles e preferiria reduzi-los a mais um item abstrato, invisível e inodoro do
orçamento estatal. Acha isso mais higiênico do que enfiar a mão no bolso quando
pedem uma esmolinha e infinitamente mais palatável do que ter de conversar
com eles quando têm o desplante de puxar papo na rua com Sua Excelência o
contribuinte. Na verdade, o cidadão moderno desejaria chutar todas as suas
responsabilidades para o Estado: não quer proteger sua casa, mas ser protegido
pela polícia; não quer educar-se para educar seus filhos, mas entregá-los a
técnicos que os transformarão em robôs politicamente corretos; não quer decidir
o que come, o que bebe, o que fuma ou deixa de fumar: quer que a burocracia
médica lhe imponha a receita pronta; não quer crescer, ter consciência, ser livre
e responsável: quer um pai estatal que o carregue no colo e contra o qual ainda
possa fazer birra, batendo o pezinho na defesa dos seus “direitos”.