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INSTITUTO DE HUMANIDADES

CURSOS AUTÔNOMOS

VIII- TRADICIONALISMO

GUIA DE ESTUDO INDIVIDUAL E DE GRUPO

Antonio Paim
Arsênio Eduardo Corrêa

São Paulo
2016
SUMÁRIO
I-CARACTERIZAÇÃO GERAL
1-Relevância dos acontecimentos a que se achou relacionado
2-Teses marcantes do tradicionalismo filosófico
II-PRINCIPAIS CICLOS
III-NASCE O TRADICIONALISMO EM PORTUGAL DESEMBOCANDO
NO MIGUELISMO
IV-O TRADICIONALISMO BRASILEIRO SOB O IMPÉRIO
1-Introdução
2-O papel de D. Romualdo Seixas na transição para regime
constitucional
3-Feição assumida pelo tradicionalismo brasileiro sob o Império
V- O TRADICIONALISMO NA REPÚBLICA VELHA
VI- FLORESCIMENTO E ECLIPSE DO TRADICIONALISMO NO SÉCULO XX
1-Presença transitória do Centro Dom Vital
2- Pátria Nova, fenômeno típico do ciclo de ascensão do
autoritarismo
3- As revistas Reconquista e Hora Presente
4- Tradição, Família e Propriedade (TFP)
5- O Grupo Permanência
6- Revista Vozes de Petrópolis

VII-OS TRADICIONALISTAS SOMEM DO MAPA


LEITURA COMPLEMENTAR
I. CARACTERIZAÇÃO GERAL
1. Relevância dos acontecimentos a que
se achou relacionado
Tradicionalismo é a denominação atribuída ao conservadorismo católico,
denominação popularizada entre nós por Ubiratan Macedo (1937/2007).
Registra uma grande presença em Portugal, especialmente na fase de
transição da monarquia absoluta para a constitucional, impactando
amplamente os acontecimentos verificados no tumultuado período que se
seguiu à proclamação da Independência.
Por essa razão, o tradicionalismo português mereceu especial atenção de
estudiosos brasileiros, cumprindo destacar, desde logo o citado Ubiratan
Macedo e Tiago Adão Lara. Ambos tiveram ainda oportunidade de deter-
se em análises específicas desse movimento em Pernambuco, pelas razões
que, ao resumi-las, referiremos.
A principal característica distintiva do tradicionalismo reside na sua recusa
radical ao governo representativo, justamente o que viria a ser colocado
na ordem do dia pela Revolução do Porto (fins de 1820). Essa recusa,
patrocinada pela Igreja em Portugal, nutriu cruenta guerra civil, evitada
entre nós pela atuação prudente do Primaz do Brasil, D. Romualdo
Antonio de Seixas (1787/1860).
2. Teses marcantes do tradicionalismo filosófico
No site do Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro acham-se
transcritos os principais estudos realizados sobre tradicionalismo.
Recomenda-se sua leitura àqueles que se proponham aprofundar o
entendimento proporcionado por este curso.
Para a caracterização indicada vamos nos valer das indicações de Tiago
Adão Lara relativas aos representantes franceses dessa corrente: De
Bonald (1754/1840) e De Maistre (1753/1821).
De Bonald afirma que a tradição é a garantia da ciência, dos princípios do
conhecimento e da própria razão. É o critério da distinção entre verdade e
erro.
A educação social é o único meio para se aprender as verdades de ordem
supra sensível e a autoridade social é o único motivo de assentimento
para a razão. O homem é social por natureza e a natureza vem de Deus.
Na base de qualquer sociedade acha-se a sociedade religiosa. Como a
religião católica é a religião perfeita é a antiga sociedade francesa o tipo
de sociedade perfeita, com governo monárquico. Foi nesse tipo de
sociedade que a civilização chegou ao mais alto nível.
De Bonald cuidará de demolir o poder autônomo e crítico da razão
individual, sobre a qual, a seu ver, repousaria a ordem burguesa
Para De Bonald, a origem das verdades fundante da ordem sócio política
e da ordem moral deve encontrar-se num fato cuja racionalidade se
imponha. Esse fato seria a linguagem sem o que não existiria a própria
razão humana. A história –reino dos fatos—torna-se assim reveladora de
que a própria ordem da razão humana finita torna-se dependente da
razão divina. Portanto a ordem moral e sócio política não pode ser criação
humana mas é uma ordem, em última instância divina.
Segundo entende, o reconhecimento do dom primitivo da linguagem
resolve de maneira satisfatória todas as questões que a filosofia tenha
podido levantar sobre a natureza dos processos do espírito humano,
sobre a origem de nossas ideias e sobre a distinção entre verdades gerais
e verdades particulares.
Nessa altura, Tiago Adão Lara cita De Bonald. Transcreve-se literalmente a
citação.
“Guardiã fiel e perpétua das verdades fundamentais da ordem social, a
sociedade as comunica a todos os seus filhos, à medida que eles entram
na grande família. Revela-lhes o segredo delas por meio da língua, que
lhes ensina; e, coisa admirável: é sempre aos mais simples e aos menos
instruídos, às mães, às amas de leite, aos companheiros de nossos
folguedos e de nossa infância, que ela confia as principais funções desse
ensino. .... Assim, o conhecimento das verdades sociais, objeto das ideias
gerais, encontra-se na sociedade; e o conhecimento das verdades e fatos
particulares, individuais e físicos, objeto das imagens e sensações,
encontra-se em nós mesmos indivíduos, e é-nos transmitido pelo
testemunho dos nossos sentidos.”
A sociedade, portanto, envolve os indivíduos no manto sacral de sua
maternidade. A razão individual deve reconhecer essa maternidade social
que a engendra, a alimenta e educa, em suma, a torna possível.
A conclusão decorre automaticamente de tal arrazoado: a atitude do
indivíduo frente a tudo aquilo que é instituição, diante de todo o
patrimônio cultural que lhe é transmitido, só pode ser a de acatamento e
respeito. Atitude oposta ao espírito revolucionário. É o que enfatiza De
Bonald, afirma Tiago Adão Lara e transcreve suas palavras “cheias de
certa indignação, como diz:
“A hipótese que coloca na sociedade o depósito das verdades gerais
fundamentais, sociais, como uma consequência natural e legítima do fato
primitivo de transmissão necessária da linguagem, e que supõe que os
homens recebem o conhecimento destas verdades com a língua que eles
aprendem a falar, e não podem receber a não ser por este meio, não
podem conciliar muito com a opinião daqueles filósofos que, segundo as
ideias que eles fizeram para si a respeito dos direitos e da força da razão
do homem, pretendem que o homem não deve admitir como certa
nenhuma verdade a não ser que ele tenha examinado os motivos para
crer nela ou repudiá-la e, se por acaso, quinze anos ou mesmo dezoito é
muito cedo para isto, é necessário que se atrase esse juízo para mais
tarde.”
Prosseguindo, afirma De Bonald: “ Vindo ao mundo, o homem encontra
estabelecida, na generalidade das sociedades, sob uma forma ou outra, a
crença em Deus criador, legislador, remunerador e vingador; a distinção
entre justo e injusto, bem e mal moral. Quando ele examina com sua
razão o que ele deve admitir ou repudiar dessas crenças gerais, sobre as
quais foi fundada a sociedade universal do gênero humano e repousa o
edifício da legislação geral, escrita ou tradicional, constitui-se este homem
por isso mesmo, em estado de revolta contra sociedade, e arroga-se, ele
simples indivíduo, o direito de julgar e de reformar o geral, aspira a
destruir a razão universal para fazer reinar no seu lugar, sua razão
particular, esta razão que ele deve toda inteira à sociedade, pois ela lhe
deu, na linguagem, cujo conhecimento ela lhe transmitiu, o instrumento
de toda operação intelectual e o espelho, como diz Leibniz, no qual ele
percebe seus próprios pensamentos.”
Postos estes princípios, escreve Tiago Adão Lara, tendo feito da história,
tal qual realizada, o principio hermenêutico que lhe permite interpretar o
plano de Deus para o homem, pode pensar coerentemente uma ordem
social que seja o prolongamento da ordem medieval.
Para Tiago Adão Lara, Joseph Marie De Maistre (1753/1821) apresenta
uma visão marcadamente política, achando-se seu pensamento
estruturado dentro de um referencial teórico radicalmente oposto ao do
racionalismo liberal, centrada numa visão medieval universalista, segundo
a qual a Igreja se via como a organização de salvação envolvendo toda a
humanidade.
Cita Rafael Gambra: “Para De Maistre, a gênesis dos povos e das suas
verdadeiras constituições políticas é um processo fluido e complexíssimo,
que afunda suas raízes na secreta sabedoria dos tempos, que se nutre das
contribuições, ainda que inconscientes, de todos e que se desenvolve sob
a ação da Providência que, sem desprezar a liberdade dos agentes e do
próprio processo, prepara para ele um sentido transcendente. A
sociedade não é uma convenção racional dos indivíduos, como pretendia
Rousseau: estes não podem criar nada na ordem social senão
identificando-se com o espírito e a tradição de seu povo e interpretando-
os.”
Ao individualismo do racionalismo liberal opõe o comunitarismo mais
exigente, no qual será valorizada, à semelhança de De Bonald, a crença
geral, enquanto representante da natureza humana. Há mais, porém. A
razão geral é um critério de verdade porque se liga a uma revelação divina
primitiva. Trasladada essa ideia para a ordem política, conclui-se que a
sociedade é, antes de tudo, uma comunidade e não uma coexistência,
dotada de origens históricas divinas e não simplesmente convenções
pactuadas e com laços tão somente voluntários e racionais, mas também
emocionais.
No plano institucional, singulariza-se pela posição destacada em que
coloca o Papado. A esse propósito, afirma De Maistre: “A consciência
esclarecida e a boa fé não podem duvidar de que tenha sido o cristianismo
que formou a monarquia europeia, maravilha muito pouco admirada.
Mas, sem o Papa a instituição divina perde força, seu caráter divino e sua
virtude de converter, não há verdadeiro cristianismo; sem o Papa não
passa de um sistema, uma crença humana incapaz de entrar nos corações
e de modifica-los para tornar o homem suscetível de um mais alto grau de
ciência, de moral e de civilização. Toda soberania que não foi colocada
pelo dedo eficaz do grande Pontífice permanecerá sempre inferior às
outras, tanto no que se refere à duração de seus reinos como na
qualidade da sua dignidade e nas formas de seu governo. Toda nação,
mesmo cristã que não sentiu a ação constituinte, permanecerá também
eternamente abaixo das outras, suposta igualdade de condições; e toda
nação separada, após ter recebido a impressão do selo universal sentirá,
enfim, que lhe falta alguma coisa e será corrigida, mais cedo ou mais
tarde, quer queira quer não. Exista pera cada povo um liame misterioso,
mas visível, entre a duração do reino e a perfeição do princípio religioso.”
A autoridade civil é pensada em termos de soberania confiada por Deus
ao governante ou governantes, excluída qualquer ideia de soberania
popular. Isso porém não exclui a intervenção do homem na organização
concreta das formas de exercer a soberania. Segundo Tiago Adão Lara, há
em De Maistre um otimismo em relação aos que exercem autoridade,
supondo-os fundamentalmente bons e, portanto, atos a procurar o bem
comum. Cita-o: “O que torna a soberania e, portanto, a sociedade
possível, é o fato de que o homem é justo, ao menos na sua intenção,
todas as vezes que não se trata dele mesmo. Pois, as vezes em que a
soberania é exposta a agir voluntariamente mal, são sempre muito mais
raras em relação às outras, pela própria natureza das coisas.”
II-PRINCIPAIS CICLOS
Os principais estudiosos do tradicionalismo brasileiro acham-se de acordo
ao estabelecer que se subdivide em quatro ciclos. Tomando por base a
sua caracterização efetivada por José Maurício de Carvalho – na
Introdução às Atas do VI Colóquio Antero de Quental (2007)—teríamos:
“O seu primeiro articulador foi Paschoal de Melo Freire (1735/1798)
...(cujo) objetivo foi o de contrapor o tradicionalismo ao liberalismo
político, além de relacionar moral e jurisprudência. O resultado dessas
teses foi o miguelismo, movimento político que traduz a recusa do sistema
representativo. José da Gama e Castro (1798/1873) tornou-se o principal
teórico desse ciclo.” Situam-se, temporalmente, da Viradeira de D. Maria
Primeira (fins do século XVIII) e primeiras décadas do seguinte. Marcam os
percalços da transição da monarquia absoluta para a constitucional em
Portugal.”
Ainda seguindo o mesmo texto: “o segundo ciclo tem conotação
tipicamente brasileira. Inspira-se, sem dúvida em Melo Freire, mas, sob a
influência de D. Romualdo Antonio de Seixas (1787/1860), liga-se à
problemática mais filosófico-teológica como suporte teórico à luta do
catolicismo contra a modernidade representada pelo liberalismo.”
O terceiro ciclo constitui-se na República Velha. Tratando-se de uma
instituição que se proclama laica irá encontrar oposição ferrenha da Igreja,
sobretudo em decorrência de que no Império o catolicismo era religião
oficial.
O quarto ciclo marcaria uma espécie de auge de florescimento. Tendo
suas bases lançadas ainda na década de vinte, expressar-se-ia através de
diversas instituições e movimentos, desaparecendo virtualmente sem
deixar rastros, na medida em que se consolida a teologia da libertação,
recebida no bojo das novidades trazidas pelo Concílio Vaticano Segundo.
Nos tópicos subsequentes, procederemos à caracterização desse ciclos.

III-NASCE O TRADICIONALISMO EM PORTUGAL DESEMBOCANDO


NO MIGUELISMO
O nascedouro do tradicionalismo em Portugal dá-se com a obra de Pascoal
de Melo Freire (1738/1798), em resultado de incumbência que recebeu de
D. Maria Primeira, ainda no ciclo da chamada Viradeira, por se tratar de
tentativa de fazer desaparecer o legado de Pombal. A Viradeira durou
apenas de 1877 (data do falecimento de D. José) até 1892, quando os
médicos a declararam incapaz de continuar exercendo o poder, iniciando-
se a Regência do futuro D. João VI.
A mencionada incumbência dizia respeito à elaboração de projetos dos
Códigos de Direito Público e Criminal. Admite-se que os concluiu em 1890
mas somente foram impressos em 1826. Nessa altura ocorrera a
restauração da monarquia absoluta, em decorrência de golpe de Estado
perpetrado por D. Miguel, que levaria o país à guerra civil. Assim, o
conhecimento das ideias de Melo Freire teve imensa repercussão e
serviu para proporcionar elaboração teórica enaltecedora dessa forma de
regime.
À luz da história portuguesa, Melo Freire conclui que o “chamado pacto
social não é mais que um ente suposto que só existe na imaginação de
alguns filósofos”. Perguntar pela origem do poder do monarca carece de
sentido porquanto a monarquia é que deu nascimento à Nação
portuguesa. Afirma taxativamente que na história de Portugal nunca
houve pactuação entre o Rei e os súditos nem aquele pode transigir em
relação a poderes que lhe foram transmitidos e é obrigado a transmitir
“intactos e inalienáveis”. Como observa estudioso de sua obra (Vitor
Faveiro), Melo Freire não pretendia legitimar a arbitrariedade e o capricho
da vontade do monarca, negando “a tirania, o arbítrio pessoal e a
disponibilidade em relação aos bens dos cidadãos por parte dos reis.”
O novo ambiente criado em Portugal daria ensejo a elaboração de grande
densidade com a obra de Gama e Castro (1795/1873).
Médico de D. Miguel, oficial junto a seu exército, tradutor de O Federalista
e de Guizot, durante sua estada no Brasil (para onde se exilou com o
afastamento de D. Miguel do poder) publicou O Novo Príncipe ou o
espirito dos governos monárquicos (Rio de Janeiro, 1841) obra que,
segundo opinam os estudiosos da matéria, o colocam entre os principais
teóricos do tradicionalismo. O integralismo lusitano o colocou entre
“Nossos mestres”, título da antologia de Fernando Campos (1924).
A edição brasileira é apresentada como segunda edição, o que na verdade
corresponde a artifício porquanto não se tem notícia dessa suposta
primeira edição.
Autor de obra sobre esse autor (Tradicionalismo e contra-revolução. O
pensamento e a ação de José da Gama e Castro, Coimbra, Universidade de
Coimbra, 1973), Torgal entende “que ninguém como ele em Portugal
sintetizou de forma tão completa, tão sistematizada, tão característica o
pensamento tradicionalista e contra-revolucionário.”
Gama e Castro justifica a natureza absoluta do sistema monárquico
recorrendo à história e à experiência dos povos, criticando as doutrinas
que põem em dúvida essa tese. Sua hipótese é a de que a monarquia
origina-se diretamente das famílias, tenho se verificado o mesmo em toda
a parte.
As famílias têm o chefe, os filhos e os fâmulos, sendo elas que fizeram
nascer os estados, onde as denominações passam a ser reis ou monarcas,
nobres e plebe. Examinando-se o curso histórico dos povos verifica-se que
a particular organização política que chegara a adotar dependia das
circunstâncias concretas. Uma nação comerciante organiza-se de
diferente maneira de uma nação agrícola, o mesmo podendo-se dizer da
posição geográfica, se marítima ou continental. Assim, quando se diz fazer
a constituição, trata-se de declarar direitos preexistentes ou relações
anteriormente formadas. A constituição de uma nação não faz a posição
política dessa nação, explica-a.
Conclui que, examinada a experiência europeia, verifica-se que a
estabilidade e a felicidade das nações não depende de sua constituição
mas das qualidades do Príncipe.
A par dessa exaltação do testemunho da história, Gama e Castro detém-se
no exame da discussão moderna a respeito da origem do poder dos
monarcas, a legitimidade da monarquia etc.
A obra não se limita a essa parte doutrinária, passando à formulação de
princípios e diretrizes para a ação, a partir da análise das causas da
revolução de 1820 e das suas consequências, para apontar os remédios.
A própria questão das Cortes cuida de solucioná-la à luz da tradição
portuguesa, que busca sistematizar num projeto de lei. E assim no que
respeita à política religiosa; à nobreza; à força pública; à instrução pública
e à política econômica.
O Novo Príncipe foi reeditado no Porto em 1921 e, em Lisboa, em 1975.
No século passado, tradicionalistas portugueses e brasileiros
reconheceram sua importância, a exemplo de Fernando Campos (Os
nossos mestres ou breviário da contra-revolução e O pensamento contra-
revolucionário em Portugal) ambos editados em Lisboa, 1924. Ainda em
Portugal: Manuela Paula de Araujo: José da Gama e Castro. Biografia:
tópicos fundamentais de sua filosofia política (Coimbra, 1961).
IV. O TRADICCIONALISMO BRASILEIRO SOB O IMPÉRIO

1. Introdução

Ocupando-se da caracterização da emergência do tradicionalismo no


Brasil, Ubiratan Macedo afirmaria: “O tradicionalismo brasileiro, ao
contrário do português, aceitou com relativa tranquilidade o sistema
monárquico-constitucional instaurado no país e iria limitar-se a combater
o racionalismo, no plano teórico. O eixo central seria a refutação ao
espiritualismo eclético, ao qual a intelectualidade iria aderir
prazerosamente.
O idealizador dessa linha foi D. Romualdo Seixas (1787/1860). Primaz do
Brasil desde fins dos anos vinte, homem enérgico que enfrentou Feijó
quando Regente todo poderoso. O Império deu-lhe o título de Marquês de
Santa Cruz. Buscou atrair a elite brasileira para uma opção tradicionalista
limitada ao terreno filosófico.”
Antes de seguir a Ubiratan na caracterização dessa atuação no plano
teórico vamos referir o papel que D. Romualdo teve na transição brasileira
para a monarquia constitucional, fenômeno que se relaciona à
Independência e, como tem sido ressaltado, gerou duas décadas de
generalizada instabilidade política.

2.O papel de D. Romualdo Seixas na transição para regime constitucional

D. Romualdo Antonio de Seixas (1787/1860), Arcebispo de Salvador e,


nessa condição Primaz da Igreja no Brasil desde 1828, isto é, desde a fase
inicial da experimentação de regime constitucional, tomou a decisão de
não submeter à sanção do Imperador a Encíclica Mirari Vos (1832), do
Papa Gregório XVI que condenava em bloco as instituições associadas ao
governo representativo. Essa iniciativa era a condição para a difusão, no
país, das diretrizes provindas o Vaticano.
O catolicismo gozava da condição de religião oficial. Contudo, devia
coadunar-se com os privilégios concedidos pela Santa Sé aos Reis de
Portugal e Espanha, estendidos ao Imperador do Brasil. O conjunto de tais
privilégios denominava-se padroado. Padres e bispos eram funcionários
da Coroa. A indicação daqueles que deveriam ser promovidos a Bispos era
função do Imperador e obviamente o fazia em comum acordo com o
Primaz.
Entre tais privilégios encontrava-se a mencionada exigência de
autorização imperial para que diretrizes oriundas do Vaticano tivessem
vigência entre nós. Na prática era uma prerrogativa do Primaz.
Qual teria sido a motivação de D. Romualdo de comportar-se de maneira
diametralmente oposta à Santa Sé nessa questão? Tornar-se-ia uma figura
exponencial no processo de transição da monarquia absoluta para a
constitucional. Elegeu-se deputado em sucessivas Legislaturas, presidiu a
Câmara dos Deputados e veio a ser um dos articuladores da criação do
Partido Conservador. E, note-se, não o fez por vocação mas por dar-se
conta da gravidade da situação vivida pelo país. Tal conclusão se
comprova pelo fato de que, instaurado o Regresso, vale dizer, consolidada
a hegemonia do elemento moderado, passou a ocupar-se exclusivamente
das questões relacionadas ao fortalecimento da Igreja com atenção
especial a preservá-la da influência das correntes filosóficas que
abandonavam a tradição da Igreja. Opôs-se à difusão no país do ecletismo
espiritualista, que se tornara uma espécie de filosofia oficial no Segundo
Reinado.
Tudo leva a crer que, ao fazê-lo, D. Romualdo temia que, caso a Igreja
assumisse posição contra a monarquia constitucional acabaria levando o
Brasil à mudança de caráter dos movimentos separatistas que era os
elementos perturbadores do processo. A posição da alta hierarquia da
Igreja em Portugal formando ao lado de D. Miguel na restauração da
monarquia absoluta, precipitou o país numa cruenta guerra civil que
durou de 1828 a 1834. Como se sabe, D. Pedro, após a abdicação (1831)
envolveu-se diretamente no conflito pois se tratava não apenas de
restaurar o sistema constitucional mas de recuperar o trono de que fora
afastada sua filha e que, de direito, também lhe pertencia.
A nosso ver, o que terá impressionado a D. Romualdo terá sido, derrotado
D. Miguel e achando-se no poder, D. Pedro I, que sabia não tratar-se de
pessoa radical, decidiu-se pelo confisco da propriedade da Igreja. Era uma
represália à sua oposição ao governo constitucional. A Encíclica Mirari Vos,
exigente de adesão da Igreja, poderia levar o Brasil a repetir a trajetória
experimentada por Portugal.
É lícito admitir, também, que por experiência própria convencera-se de
que, entre os partidários da substituição da monarquia tradicional
(absoluta) pela constitucional não havia apenas os radicais –entendimento
que reflete a posição, igualmente eivada de radicalismo, do Papa Gregório
XVI—mas igualmente o elemento moderado. Apostou na conquista da
hegemonia por esse grupo, no que seria bem sucedido.
Este seria o segundo ciclo do tradicionalismo, correspondendo na verdade
ao primeiro no Brasil, tendo em vista que o antecedente seria sustentado,
como mostrado, por personalidades portuguesas.
Dada a relevância do tema para o desfecho da situação de generalizada
instabilidade político-social subsequente à proclamação da
Independência, procedemos à reconstituição da atividade parlamentar de
D. Romualdo Seixas, texto esse que pode ser acessado no site do CDPB
(www.cdpb.org.br/Estudosdestacados/tradicionalismo). Nesse mesmo
local acha-se transcrito ensaio de autoria de Antonio Martins da Silva
dedicado a “D. Pedro e a problemática da responsabilidade e das
consequências da extinção das ordens religiosas.”
“O contexto histórico da Encíclica Mirari Vos” foi estudado por Antonio
Gasparetto e pode ser acessado na página
www.ufsj.edu.br/dfme/revistaestudosfilosoficos/n.3
3- Feição assumida pelo tradicionalismo brasileiro sob o Império
Para dar curso à sua estratégia, após assegurar-se de que o país, afinal,
empreendera o caminho de proceder à implantação das instituições do
sistema monárquico-constitucional (representativo), d. Romualdo Seixas
criou, em 1848, o semanário Noticiador católico; fez circular um curioso
opúsculo: As sombras de Descartes, Kant e Joufffroy a mr. Cousin e
encomendou um compêndio de filosofia a Frei Itaparica. A bizarria do
opúsculo advém da hipótese que adota: o próprio espírito de Descartes,
Kant e Jouffroy regressariam à vida para reprovar a Cousin o mal que fazia
à Igreja.
Em relação ao ecletismo teria oportunidade de fazer essa advertência à
mocidade: “Esteja de sobreaviso e não se deixe iludir pelas quiméricas
especulações de um sistema que, fugindo talvez dos escolhos do
sensualismo, vai naufragar e perder-se nos últimos limites de um
idealismo exagerado: ou, na frase de Schelling, em uma filosofia de pura
abstração que diviniza o nada e reduz o cristianismo e a vida a uma vã
fantasmagoria.”
Da ação de D. Romualdo resultou a formação de grupos tradicionalistas
em algumas províncias.
Resumo as indicações proporcionadas por Ubiratan Macedo sobre os
grupos tradicionalistas de São Paulo e Pernambuco, sendo os que tiveram
alguma relevância..
Acha que para dar curso a este projeto o Bispo de São Paulo importou um
frade capuchinho espanhol, Frei Firmino de Centelhas que embora
destoando do tom geral chamar a monarquia constitucional de “mentira
perpétua e contradição”, centraria a sua pregação, resumida no
Compêndio de Filosofia Católico-Racional (1864) na afirmativa de que a
autêntica filosofia é uma doutrina “chã, simples e acessível a todas as
inteligências, mesmo ordinárias, porquanto o dever do verdadeiro
filósofo, nas ciências metafísicas e morais que formam o objeto da
filosofia não é inventar as verdades fundamentais, que já são conhecidas e
nunca se perderam totalmente, mas demonstrá-las simplesmente,
desenvolvê-las, conservá-las puras e intactas como as recebeu no
princípio por tradição e revelação.”
Na Faculdade de Direito de São Paulo o tradicionalismo iria encontrar
representante entusiasta na pessoa de José Maria Benevides Sá Correia,
autor de compêndios de direito e de uma Análise da Constituição Política
do Império do Brasil (1891).
Quanto ao grupo pernambucano, afirma que chegou a reunir professores
de grade nomeada como Pedro Autran da Mata e Albuquerque, que
travaria duas polêmicas célebres, a primeira com Antonio Pedro de
Figueiredo e a segunda com Tobias Barreto.
Esse grupo logrou a adesão dos irmãos Souza: José Soriano de Souza
(1833/1895), pioneiro na difusão do tomismo, no século XIX; Braz
Florentino Henriques de Souza, que iria fundamentar a ideia de Poder
Moderador segundo pressupostos tradicionalistas, em contraposição às
doutrinas dominantes no país; e ainda um outro (Tarquinio Bráulio
Amarantho de Souza, espécie de porta-voz tradicionalista no Parlamento).
Ubiratan Macedo informa ainda que Soriano de Souza aventou a ideia de
criar-se no país Partido Católico, que não teve curso. Na sua opinão seria
o único, no período considerado, que chegou a formular projeto político,
se bem que, nem por isto, tivesse logrado consequências já que o
ambiente intelectual era favorável ao sistema vigente.

V- O TRADICIONALISMO NA REPÚBLICA VELHA


A alta hierarquia da Igreja adotou uma atitude radicalmente contrária à
República. Revelava inconformismo sobretudo diante da perda da
condição de religião oficial de que desfrutava no Império. Viu-se também
privada do monopólio de que dispunha no que respeita à supervisão dos
cemitérios, a celebração de casamentos e a expedições de certidões de
nascimento.
A posição da Igreja diante do decreto do governo provisório que a separou
do Estado seria fixada na Pastoral Coletiva de 1890 e ratificada na de
1900.
A Pastoral de 1890 começa nestes termos patéticos:
“Melindrosa, cheia de perigos, de imensas consequências para o futuro,
dignos cooperadores e filhos muito amados, é a crise que neste revolto
período de sua história vai atravessando nossa pátria. Crise para a vida ou
para a morte. Para a vida se todo o nosso progresso social for baseado na
religião, para a morte se não o for.
Acabamos de assistir a um espetáculo que assombrou o universo; a um
desses acontecimentos pelos quais dá o Altíssimo, quando lhe apraz,
lições tremendas aos povos e aos reis; um trono afundado de repente no
abismo que princípios dissolventes, medrados à sua sombra, em poucos
anos lhe cavaram.
Desapareceu o trono.
E o altar? O altar está de pé, amparado pela fé do povo e pelo poder de
Deus.”
A Pastoral relaciona o decreto republicano à impiedade da Época
Moderna que é classificada como “tremendo dilúvio de erros, cada qual
mais pernicioso.”
Reage igualmente com indignação à liberdade atribuída a todos os cultos.
Em que pese a reação, o voto da hierarquia é no sentido de acatar a
decisão, cuidando ao mesmo temo de usar a nova liberdade para
fortalecer-se.
Em termos de atuação política não há abertamente apelação à
restauração monárquica. Na prática a Igreja irá lutar pela revogação da
legislação relativa à validade do casamento civil.
Na década de noventa houve uma tentativa, frustrada, de constituição de
Partido Monarquista a que não estiveram alheios os poucos intelectuais
que se declaravam católicos. A maioria esmagadora subdividia-se nas
diversas vertentes do positivismo. Contudo, a frustação indicada não
decorreu desta circunstância mas da intolerância e falta de liberdade no
ciclo inicial de implantação da República em que tivemos governos
militares.
A rigor, evidenciou-se ser muito reduzido o número de intelectuais de
certa nomeada que se apresentavam como partidários da posição oficial
de Roma em face do governo representativo, advogando a versão do
tradicionalismo que se expressava sobretudo como advogando regime
corporativista que, ao predominar na Península Ibérica e na Itália,
desembocaria no fascismo, no franquismo e no salazarismo, sistemas
extremamente autoritários.
Podem ser arrolados como tradicionalistas personalidades renomadas:
Carlos de Laet, no Rio de Janeiro, e Alexandre Corrêa, em São Paulo.
Carlos de Laet (1847/1927) diplomou-se em engenharia (1872) mas
preferiu a carreira de professor de português, logrando tornar-se docente
do renomado Colégio Pedro II. Faria igualmente carreira jornalística.
Elegeu-se deputado em 1889. O governo provisório o demitiu do Pero II,
levando-o a ingressar no magistério em escolas privadas. Seria reintegrado
no colégio oficial em 1915.
Ingressou na Academia Brasileira de Letras, como membro fundador, e
presidiu-a de 1919 a 1922.
A Editora Agir publicou uma coletânea de seus textos, preparada pelo
padre Leme Lopes (Coleção Nossos Clássicos, volume 72).
Carlos de Laet advogou a formação de Partido Católico ou pelo menos de
uma instituição que se propusesse orientar o eleitorado católico, sem
qualquer sucesso. Articulista vibrante, combateu e ajudou a derrotar as
tentativas de introdução do divórcio. Reclamou fossem subvencionadas as
escolas católicas, sob a alegação de que foram formadas para facultar o
ensino religioso que a escola pública --cuja manutenção se fazia com
impostos pagos pela comunidade, em sua maioria católica— lhe negava.
Embora tenha se tornado articulista com grande audiência, Carlos de Laet
não facultou aos católicos o almejado programa de atuação política, capaz
de congregá-los.
A atuação de Alexandre Corrêa (1890/1984) dá-se no plano teórico,
alheando-se dos temas políticos, ainda que sua tese de doutoramento, em
Louvaina, intitulada Política de Joseph De Maistre (1914) sugerisse o
contrário.
Seus trabalhos teóricos são de franca inspiração tradicionalista,
posicionamento explicitado mesmo antes da tese, numa conferência de
1907 dedicada ao tema da Providência Divina.
Destacam-se entre os seus textos teóricos: Há um direito natural? Qual o
seu conceito? (1917); Concepção histórica do direito (1934) e O tomismo é
incompatível com o marxismo (1976), este último certamente como uma
reação à presença dessa ideologia na atuação da Igreja (notadamente da
Conferência Nacional dos Bispos) naquela altura.
Lançou-se à monumental tarefa de traduzir a Suma teológica.
Na sua opinião o pensamento de De Maistre é “espantosamente
clarividente, rasga-nos luminosas perspectivas para o futuro”. Condena
francamente a “desbragada democracia de Rousseau”. Afirma
taxativamente que sua política “é a verdade sempre imutável da
tradição.”
Ainda em relação às expressões do tradicionalismo em São Paulo, o prof.
Miguel Reale refere João Mendes Junior (1856/1922) professor da
Faculdade de Direito e que tornar-se-ia, desde 1916, ministro do Supremo
Tribunal. Estudando sua obra Miguel Reale conclui que “deu preferência à
Escolástica do século XVI, muito embora revelasse conhecer a obra dos
renovadores do tomismo e fosse afeito ao estudo direto dos textos de São
Tomás”. Parece-lhe ainda que a posição de João Mendes Junior “é a de um
tradicionalista integral: em filosofia com o seu escolasticismo; em política
com as suas ideias monárquicas; em direito com o seu apego aos praxistas
e aos estatutos da Universidade de Coimbra.” Sua obra é dedicada
sobretudo ao direito, tendo publicado, em 1911, Noções ontológicas de
Estado, soberania, autonomia, federação, fundação.
Ubiratan Macedo nos proporcionaria a seguinte indicação sobre o tema
em apreço: “A morte, em 1900, de dois intelectuais de grande nomeada,
um brasileiro e outro português, Eduardo Prado e Eça de Queiroz
simboliza um novo ciclo de aproximação das duas culturas irmãs, desta
vez no campo do tradicionalismo, a exemplo do que já se verificara no que
toca ao positivismo. Pois Eduardo Prado, se não seria bem sucedido na
pregação tradicionalista, em sua terra natal, teria a virtude de converter
às suas ideias a grande figura das letras portuguesas, conversão que
produziria uma de suas obras ornadas clássicas –A ilustre Casa de
Ramires.”
Eduardo Prado (1860/1901) expressa a sua pregação tradicionalista no
livro A ilusão americana que, notadamente no último pós-guerra, acabaria
merecendo sucessivas reedições por retratar posicionamento marcante
contra a derrubada da monarquia. Crítico acerbo dos governos militares
do início da Republica, acabaria exilando-se. Deixou testemunho dessa
luta na obra Fastos da ditadura militar no Brasil.
Insere-se na última década da República Velha (os anos vinte) o início da
reviravolta, no que respeita ao fim do verdadeiro insulamento em que se
encontrava o catolicismo nos meios intelectuais do país, em decorrência
da ação desenvolvida à frente da Igreja por D. Sebastião Leme
(1882/1942). Contudo, os analistas a situam no quarto ciclo do
tradicionalismo no Brasil. Por essa razão, a caracterizaremos no tópico
subsequente.
VI- FLORESCIMENTO E ECLIPSE DO TRADICIONALISMO NO SÉCULO XX
1-Presença transitória do Centro Dom Vital
Na condição de Arcebispo do Rio de Janeiro, a partir de 1921, e no
exercício dessa função sendo eleito Cardeal em 1930 (antes do
movimento revolucionário de fins daquele ano, no mês de abril), D.
Sebastião Leme (1882/1942) promoveria uma autêntica reviravolta na
presença da liderança católica no processo cultural e político do país.
Romperia com o isolamento a que se condenou em face do virtual
engajamento na restauração monárquica, uma autêntica impossibilidade.
Como Arcebispo de Olinda (Pernambuco) alcançaria certa notoriedade
com a Pastoral de 1916, na qual, ao mesmo tempo em que denuncia os
católicos brasileiros --ao classifica-los como “católicos de nome, católicos
por tradição, católicos só de sentimento, maioria inerte e ineficiente”--,
faz um apelo direto ao pensamento, à cultura, à inteligência. Deseja que a
renovação se faça em bases doutrinárias e reivindica o papel dos
procedimentos pedagógicos, a saber: nos sermões e nas escolas,
chegando inclusive a sugerir o tema da Universidade Católica.
A oportunidade para implementar tal ideário seria a nomeação para o Rio
de Janeiro. Encontraria uma pessoa dinâmica e obstinada para estruturar
esse movimento: Jackson de Figueiredo (1891/1928), que, para dar conta
dessa missão criou, em 1922, o Centro Dom Vital e a revista A Ordem,
como seu órgão oficial, cuja circulação iria durar até 1964. Sob a direção
de Jackson, até sua morte, será uma publicação de índole tradicionalista.
Com a sua substituição por Alceu Amoroso Lima acolherá colaboradores
dessa tendência apenas até 1937. Nesse ano, devido ao posicionamento
em face da guerra na Espanha os membros do Centro irão dividir-se.
Ocorre o afastamento dos tradicionalistas.
Jackson de Figueiredo era franco partidário do tradicionalismo francês,
aos quais adicionava os teóricos da Ação Francesa, Maurras e L. Daudet, e
do líder integralista português Antonio Sardinha.
Iniciou obra intitulada Joseph de Maistre e a Contra-Revolução, que não
chegaria a concluir. Trouxe o tradicionalismo da filosofia para a política,
desenvolvendo vigorosa pregação pelo nacionalismo, pela autoridade,
pela tradição católica, pelo moralismo, nestas obras: Do nacionalismo na
hora presente (1921); A Reação do Bom Senso (1922); A Coluna de Fogo
(1925) e A questão social na filosofia Farias Brito (1919).
No entendimento de Ubiratan Macedo, a quem estamos seguindo nas
indicações precedentes, nesses livros já se acham esboçados os temas
tradicionalistas. Relaciona-os: a denúncia da Revolução Francesa como
obra satânica, bem como a bolchevista e no projeto de uma sociedade
laica e sem hierarquia; separação da Igreja do Estado; educação neutra;
democratismo político apoiado no sufrágio universal, apontado como
inorgânico e irresponsável; reforma política de caráter elitista, etc.
Pondera que, contudo, ainda não existe um projeto político explícito. O
discurso ideológico é situado como fundamento filosófico da política.
Ubiratan enumera os colaboradores mais próximos, atraídos por Jackson
para a sua plataforma tradicionalista. Seriam: Perillo Gomes, que iria
denunciar O liberalismo (19320; Hamilton Nogueira, com a Doutrina da
ordem; Jonathas Serrano, E. Vilhena de Moraes; Lúcio Joé dos Santos, em
Minas; e Alcebiades Delamare, que iria para o Integralismo. Alceu
Amoroso Lima adere apenas parcialmente a esse projeto, ainda assim tão
somente em seus primeiros livros.
O Cardeal português D. Manuel Cerejeira (1888/1977) registra a atividade
do Cento Dom Vital e afirma: “pela sua ação contra-revolucionária, estes
autores procedem todos de José de Maistre e oferecem grande afinidade
com os integralistas portugueses.” Assinale-se que o mencionado Cardeal
Cerejeira apoiou o Estado Novo português, simpatizando com o sistema
político salazarista.
Alceu Amoroso Lima (1893/1983) substituiu Jackson de Figueiredo na
direção do Centro Dom Vital e , sobretudo no pós-guerra, desvinculou-o
completamente de qualquer postura favorável a regimes autoritários.
Opôs-se abertamente ao encaminhamento dos governos militares no
período em que assumiu feição ditatorial.
Nas últimas décadas, quando os Cardeais deixaram de ter audiência e esta
passou às mãos da CNBB, que por sua vez atua mais no campo político
que no religioso, o Centro Dom Vital perdeu a relevância de que chegou a
desfrutar após 1930 e nas décadas que de imediato se seguiram ao fim da
Segunda Guerra. Sobrevive como entidade católica estritamente cultural
que não exerce maior influência sequer no seio dessa corrente religiosa.

2- Pátria Nova, fenômeno típico do ciclo de ascensão do autoritarismo

Ubiratan Macedo registrou a emergência de um movimento que somente


se explica por se tratar de uma época de franca ascensão do autoritarismo
na Europa, que encontraria campo fértil pata florescer no Brasil. Temos
em vista a ascensão do fascismo ao poder na Itália e do nazismo na
Alemanha, nos anos vinte e trinta do século passado, tendo como
antecedente a Revolução Comunista, na Rússia, e galhardamente
acompanhada na Península Ibérica pelo salazarismo português e pelo
franquismo espanhol. Entre nós floresceu a exaltação de regimes
autoritários, o surgimento do integralismo e do movimento comunista,
para desembocarmos no Estado Novo (1937).
O movimento em questão consiste naquele que se denominou Pátria
Nova.
A menção se deve ao fato de que, embora se tratasse, como diz, de
“movimento restrito”, exerceu forte influência na criação do integralismo
e na entidade que acabou integrando numeroso grupo de tradicionalistas
que deixariam sua marca, a Sociedade de Estudos Políticos (SEP).
A Pátria Nova encontra-se na origem do grupo tradicionalista do Ceará,
liderado por Denizard Macedo que assumiu a responsabilidade da edição
de um volume intitulado Estudos sobre Jacques Maritain, violento ataque
a esse pensador, adotado pelos que, no Centro Dom Vital, romperam com
o tradicionalismo.
O projeto da Pátria Nova consiste nada mais nada menos que a
restauração da monarquia nos moldes tradicionais, isto é onde o
imperador reina e governa. A organização estatal seria corporativista e o
ideário nacionalista. A par disto, fim da federação e reordenamento
administrativo, tendo em vista conduzir o pais a tornar-se grande
potência.
Entre seus inspiradores encontra-se o conde Sebastião Pagano, autor do
livro O Conde dos Arcos e a revolução de 1817 (1938), onde, segundo
Ubiratan “o tradicionalismo se apresenta em estado puro”. O livro é um
libelo contra Pombal e o espírito revolucionário; contra os judeus e a
maçonaria; e a defesa da ação repressiva do Conde dos Arcos na sedição
de 1817. Situa nesse grupo a Ataliba Nogueira, autor do livro O Estado é
meio e não fim, onde defende o banimento, o degredo e outras penas
tradicionais.

3- As revistas Reconquista e Hora Presente

Ao contrário do grupo patrianovista antes caracterizado, cuja presença é


atribuída à influência exercida sobre movimento de massa de certa
relevância –a Aliança Integralista Brasileira, geralmente citada
simplesmente como integralismo-- as publicações agora mencionadas
reuniram figuras expressivas da intelectualidade brasileira, com grande
presença junto a diversos setores da opinião pública. Sobressai nesse
grupo José Pedro Galvão de Souza (1912/1992). Situam-se, a primeira nos
anos cinquenta e, a segunda, na década subsequente até 1985.
Segundo Ubiratan Macedo, singularizam-se por achar-se associados ao
tradicionalismo de inspiração ibérica (Vazques de Mella, Antonio Sardinha,
Vitor Pradera, Donoso Cortés, J. Balmes, Gl Robles, entre outros).
Francisco Elias de Tejada (1917/1978), catedrático de filosofia do direito
na Espanha, atuava como uma espécie de correspondente desse grupo.
Era integrado por número relativamente numeroso de professores do Rio
de Janeiro e São Paulo. Alguns deles renomados, podendo-se citar Alfredo
Buzaid (914/1991), jurista de grande projeção nacional, professor da
Faculdade e Direito da USP, autor do Código de Processo Civil e revisor de
diversos outros; ministro da Justiça do governo Médici (1969/1974),
membro do Supremo Tribunal Federal.
São indicados como colaboradores das mencionadas publicações: Adib
Casseb; Alfredo Lage; Clóvis L. Garcia, Ricardo H. Dib; José Orsini; Italo
Gali;
Alfredo Rabelo Leite; Gerardo Dantas Barreto (professor do IFICS da
Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Clóvis L. Garcia.
Ubiratan indica que a figura exponencial deste grupo –e talvez de todo o
tradicionalismo político-- é sem dúvida José Pedro Galvão de Souza.
Acrescentaria que se tratava de pessoa extremamente civilizada e deveras
cativante. Respeitoso com os adversários e por estes igualmente
respeitado. Escreveu numerosos trabalhos em defesa de suas teses.
Seguiremos a indicação de Ubiratan Macedo.
É autor da mais completa exposição do tradicionalismo nos livros Política
e teoria do Estado (1957) onde expõe a doutrina tradicionalista do
município, base dessa ideologia política. Em segundo lugar, O problema
do corporativismo; depois, A representação política; em quarto, As
liberdades pessoais e as liberdades locais; e por último propõe uma
revisão do Direito Público em favor da descentralização administrativa e
contra o federalismo.
O tema do corporativismo seria retomado num opúsculo de 1963,
Socialismo e corporativismo, em face da Encíclica Mater et Magister.
Pode-se falar em novo ciclo de sua obra onde fixa, sem dúvida de forma
brilhante, seu posicionamento contrário ao liberalismo. Aparece na
introdução à História do direito público brasileiro (1954); em Raízes
históricas e sociológicas do direito brasileiro (1961) e em Raízes históricas
da crise política brasileira (1965).
Tema similar aparece em A Constituição e os valores do nacionalismo
(1971). Nesse mesmo ano volta ao tema da representação política.
O totalitarismo e a tecnocracia são fenômenos que considera como
manifestação das massas rebeladas contra as elites nas obras O
totalitarismo nas origens da moderna teoria do Estado (1972) e em O
Estado tecnocrático.
Retomaria um tema caro a essa ideologia: A historicidade do direito e a
elaboração legislativa.
Na oportunidade da realização das Jornadas Brasileiras de Direito Natural
–realizadas em 1977 e que cotaram com a presença dos tradicionalistas
nacionais—volta a tema de 1940 em ensaio sobre positivismo jurídico e
direito natural.
A política externa tradicionalista é exposta em O Brasil no mundo
hispânico (1962) e em Formação brasileira e comunidade lusíada (1954).
Nestes livros são formuladas as seguinte diretrizes para nossa política
externa: 1) comunidade lusíada, panamericanismo e hispano-
americanismo como prioridades; 2) política afro-asiática; 3)
desenvolvimento econômico a ser feito com ajuda norte-americana –
“justificando-se tal ajuda pela nossa colaboração leal com nossos aliados
do Norte do continente na defesa do hemisfério”; 4) cooperação
econômica com o mundo livre: e, 5) valorização ética e cultural de nossas
tradições e da família.
Cabe ainda mencionar que seria o erudito tradutor e prefaciador de
Donoso Cortés: A civilização católica e os erros modernos (1960).
Por fim, adianta nossa referência, o prof. Ubiratan Macedo, que os
fundamentos filosóficos da vida social são abordados por José Pedro em
livro de 1949, a saber, Conceito e natureza da Sociedade Politica.
Ubiratan Macedo cita ainda uma outra personagem que nos deixaria obra
volumosa: João Camilo de Oliveira Torres (1915/1973) onde entende que
possam ser apontados traços do tradicionalismo. Propondo-se sobretudo
enaltecer o ciclo monárquico de nossa história com ênfase no papel dos
conservadores, reconhece o caráter positivo da ação da liderança do
Partido Liberal. O certo é que livros como Os construtores do império
(1963), incluído na Brasiliana, tornaram-se referência obrigatória no
estudo do Segundo Reinado, integrando em definitivo a valiosa
historiografia nacional.

4- Tradição, Família e Propriedade (TFP)

Movimento ultra conservador, a TFP teve intensa atuação entre nós


durante algumas décadas do segundo pós-guerra. Criada em 1960, a
Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, da Família e da Propriedade –
tal era a sua denominação, surgiu basicamente para se contrapor à
reforma agrária, que era reivindicada por amplos setores da opinião
pública. Seu primeiro trabalho político corresponderia à publicação, no
próprio ano da fundação (1960), intitulada Reforma Agrária – questão de
consciência. Seus autores seriam D. Antonio de Castro Mayer (1904/1991),
Bispo de Campos; D. Geraldo Proença Sigaud (1909/1999), arcebispo
emérito de Diamantina (Minas Gerais) e Plínio Correia de Oliveira
(1908/1995), o grande animador da TFP e responsável pela sua
disseminação em outros países.
Adiante-se desde logo que D. Antonio de Castro Mayer ligou-se ao
arcebispo francês Marcel Lefebvre (1905/1991) que organizaria a
resistência, dentro da Igreja católica, às novidades introduzidas pelo
Vaticano II 1961/1962) no âmbito da liturgia, em razão do que acabaria
excomungado dm 1988, excomunhão que atingiu também a D. Antonio de
Castro Mayer.
Como o primeiro governo militar (General Castelo Branco) promulgaria a
reforma agrária (Estatuto da Terra, 1964/1965), Plínio Correia de Oliveira
orientaria a atuação política da TFP, basicamente, no combate ao
comunismo a nível doutrinário. Compreendia campanha sistemática em
prol do expurgo dos denominados “propagandistas e agentes comunistas”
nos meios militares, estudantis, sindicais, etc. Extensão desse expurgo às
repartições públicas, organismos para-estatais e mesmo às empresas
privadas. Campanha em favor da eleição de deputados e senadores
anticomunistas e anti-socialistas. Ruptura das relações diplomáticas e
comerciais com a Rússia.
Essa catilinária anticomunista seria sistematizada na Carta Pastoral Sobre
a Seita Comunista (janeiro, 1962), de D. Geraldo Sigaud. Considera-se que
suas denúncias acerca do que seria infiltração comunista nas
universidades, organizações estudantis, meios de comunicação, sindicatos
e mesmo nas associações católicas nutriu a repressão anticomunista
levada a cabo pelos governos militares.
Para que se tenha presente o tom desse tipo de pregação, transcreve-se
adiante as recomendações textuais ao clero, contidas na mencionada
Pastoral:
“Educai ao fieis no amor à desigualdade que Deus quer. Em lugar de
alimentar antipatia à desigualdade, ensinai-os a terem amor da
desigualdade. Mostrai que esta segundo ordem da Providência que,
dentro de certos limites, haja alguns miseráveis, para os quais se exerça a
caridade individual e a organizada, muitos que lutem pelo pão quotidiano;
muitos remediados que tenham sobras; alguns rios, que possam exercer
em maior escala funções de caridade, de zelo, cultura, arte, progresso e
apostolado; e até alguns poucos muitíssimos ricos, aos quais além das
mesmas funções de zelo e caridade toque cultivar as virtudes da
magnificência e da munificência. No corpo da sociedade toas estas escalas
de riqueza são úteis e necessárias.”
Se a pregação de D. Sigaud expressa bem o tipo de organização social
defendida pela TFP --no fundo uma espécie de imobilismo--, os
fundamentos filosóficos de sua doutrina seriam da lavra de Plínio Corrêa
de Oliveira, professor de história e que seria o deputado mais votado nas
eleições para a Constituinte de 1934. Desenvolveria pregação sistemática
no mensário O Catolicismo, pregação que consiste no desdobramento das
teses contidas na obra Revolução e Contra-Revolução (1959), traduzida
para as diversas línguas dos países em que atuava a TFP. Em 1995, ano de
seu falecimento, a TFP mantinha sociedades irmãs em 26 países, situados
em cinco continentes. Achava-se plantada nos países católicos europeus
(Portugal, Espanha, França etc.) e na América Latina, onde tinha atuação e
participava da vida política. Para exemplificar: desenvolveu uma ampla
campanha na Espanha contra o divórcio, quando esta questão esteve na
ordem do dia.
No referido texto, caracteriza a Revolução como sendo não apenas a
Francesa, situando-a no plano da metafísica, da teologia e da história. Na
sua visão, a Revolução é um inimigo temível que inspira uma cadeia de
ideologias e que está por detrás da Reforma Protestante, da Revolução
Francesa e do Comunismo. É a luta contra a cristandade medieval. Enfatiza
que esta não corresponderia a uma ordem qualquer, possível como
seriam possíveis outras ordens. Seria a realização, nas circunstâncias
inerentes aos tempos e lugares, da “única ordem verdadeira entre os
homens, ou seja, a civilização cristã”. E mais: “é a luta contra a disposição
dos homens e das coisas segundo a doutrina da Igreja, Mestra da
Revelação e da Lei Natural.” Tal disposição é considerada a ordem por
excelência enquanto o que se quer implantar seria o contrário disto. Essa
luta é apresentada como sendo travada entre o Bem e o Mal; a Cidade de
Deus e a Cidade Terrena.
A TFP institucionalizou a prática de traduzir e divulgar amplamente nos
países em que atuava pequenos opúsculos da autoria de Plínio Corrêa de
Oliveira. Para exemplificar a espécie de temas abordados: A Igreja no
Estado Comunista; Baldeação Ideológica e Diálogo.
Em síntese, maniqueísmo prático, apologia da violência e rigidez
doutrinária. Analistas consideram que teve papel relevante na
radicalização da crise que conduziu ao movimento militar de 1964, à
derrubada do governo Goulart e ao longo ciclo dos governos militares
Após a morte do fundador instalou-se acirrada disputa entre os sócios
pela posse do patrimônio físico da TFP. Emergiram dois grupos principais:
os que se intitulavam “Fundadores da TFP” e aqueles ligados a João Clá
Dias, monsenhor e superior-geral da associação Arautos do Evangelho,
que recebera direito pontifício outorgado pelo Papa João Paulo II.
A disputa se transferiu para o Judiciário, sendo amplamente divulgada
pela imprensa. O certo é que a TFP virtualmente desapareceu da cena
política nacional.

5- O Grupo Permanência

Entrando em choque com Alceu Amoroso Lima (1893/1983), no Centro


Dom Vital, Gustavo Corção (1896/1978) provocou uma cisão, abandona o
Centro e cria o Grupo Permanência e a Editora Presença. Em 1968 começa
a editar a revista Permanência.
Aderem à iniciativa: Alfredo Lage, Gerardo Dantas Barreto, Hélio Fraga,
José Artur Rios, D. Irineu Pena, Gladstone Chaves de Melo e Júlio
Fleichmann. Precursor do Grupo, o Pe. Arlindo Vieira, S.J. passa a integrá-
lo.
Figura de excepcional valor literário, Corção transitou de uma esquerda
moderada para o tradicionalismo nos seus últimos livros: Dois Amores e
Duas Cidades (1967); O Desconcerto do Mundo e O Século do Nada,
ambos de 1974.
No primeiro, de franca inspiração agostiniana, elabora com desigual e
vasta erudição uma filosofia tradicionalista da história, onde afirma,
combatendo o pacifismo, entre outras coisas, no seu estilo inconfundível,
o seguinte: “porque lutar se tudo tem um lado positivo? Repetimos: esse
pacifismo é a quinta essência, destilada, pasteurizada, licorosa, adocicada
daquela inimizade medular, moléculas que a filosofia do Homem-exterior
difundiu durante quatro séculos. Comparadas a esse indiferentismo
ignóbil, as guerras mais horríveis são ainda uma reação saudável e cordial
de uma pobre humanidade que se obstina em crer que valha a pena lutar
por uma palavra, por uma mulher, por uma bandeira, por uma ideia e com
muitíssimo mais forte fundamento, por um credo.”
Ao contrário de outros tradicionalistas, Corção chegou às suas posições
por uma reflexão sobre S. Tomás e o primeiro Maritain. De Maistre e
Donoso Cortés pouca ou nenhuma influência tiveram sobre ele. Apesar do
seu valor, não há o que destacar no campo das ideias políticas.
No Grupo e com similar trajetória, quem se deteve no exame de temas
políticos seria Alfredo Lage, especialmente no livro A recusa do ser—a
falência do pensamento liberal (1971). Além de uma crítica filosófica ao
liberalismo, faz a apologia do papel das elites e ataca—no mencionado
livro como em artigos na Convívio e na revista Vozes--, o sistema
hegeliano—tomista de abertura para a esquerda do padre Henrique de
Lima Vaz, SJ, líder da Ação Popular que se transformaria na Ação Popular
Marxista-Leninista.
Na opinião de Ubiratan Macedo o temário do Grupo Permanência é talvez
o menos político dos diferentes grupos tradicionalistas brasileiros. E,
seguramente, o mais popular pela penetração na imprensa e popularidade
de Gustavo Corção.
Artigos de Gustavo Cordão, de Alfredo Lage e de outros colaboradores
acham-se acessíveis no site mantido em nome da Permanência, inclusive o
conteúdo de alguns dos números da revista que chegaram a circular.
Luiz Paulo Horta editou As melhores crônicas de Gustavo Corção (Rio de
Janeiro, Agir, 2010).

6- Revista Vozes de Petrópolis

Criada em 1900 pela diocese de Petrópolis (Rio de Janeiro) da Ordem dos


Franciscanos, a Revista Vozes constituiu, durante largo período, uma das
principais trincheiras do tradicionalismo. Nos anos oitenta, entretanto,
transformou-se em porta-voz da Teologia da Libertação. O fenômeno é
atribuído ao fato de que esteve, naquela década e no inicio dos anos
noventa, sob a direção do sacerdote Leonardo Boff.
Na sua pregação em favor da Teologia da Libertação, Leonardo Boff
publicou, em 1982, livro intitulado Igreja, Carisma e Poder, em razão do
que foi submetido a processo, na Cúria Romana, na Congregação para a
Doutrina da Fé, então dirigida por Joseph Ratzinger, mais tarde Papa
Bento XVI. O documento final desse processo, da autoria do próprio
Cardeal Ratzinger, afirma que “as opções aqui analisadas de Frei Leonardo
Boff são de tal natureza que põem em perigo a sã doutrina da fé, que esta
mesma Congregação tem o dever de promover e tutelar.”
Em 1985, Leonardo Boff foi condenado a um ano de “silêncio obsequioso”,
perdendo sua cátedra e suas funções editoriais na Igreja Católica. Em
1986, recuperou algumas funções mas sempre sob observação de seus
superiores. Em 1992, por entender que seria alvo de novas condenações,
desligou-se da Ordem Franciscana e pediu dispensa do sacerdócio.Com o
passar do tempo tornar-se-ia ativo militante esquerdista, ligado ao PT.
De sorte que a presença da revista Vozes como baluarte tradicionalista
tornar-se-ia coisa do passado.
Adiante são apresentados sumariamente as indicações sobre a fase
tradicionalista da revista, coligidos por Ubiratan Macedo.
O fenômeno em causa situa-se aproximadamente da década de trinta do
século passado até pouco depois de 1965.
A revista Vozes contou, entre seus colaboradores, com José Pedro Galvão
de Souza, antes estudado. Nos anos de 1953 e 1956 publicou vários
artigos contrários à “democracia cristã”.
J. Azevedo Santos ocupou-se, entre outros temas, de criticar a Maritain e
o que designou como “liberalismo católico”, em artigos com este
enigmático título: Rolo compressor totalitário.
Ascânio Mesquita Pimentel ampliaria os assuntos abordados na série
artigos denominados Os Quatro Evangelhos da Cristandade, ao
transformá-la em livro editado pela Editora Vozes ao qual intitulou de
Problemas do catolicismo contemporâneo (1948). Sua preocupação está
voltada contra o que entende ser “liberalismo” da esquerda católica de
seu tempo. Ainda em 1951, Vozes publicava, de Pimentel, o livro O
liberalismo ontem e hoje—história, doutrina e critica.
Os seguintes livros, de inspiração tradicionalista, da autoria de D.A.
Almeida Morais foram incluídos na Biblioteca de Cultura Católica: Filosofia
da Liberdade; Civilização e Crise; e, Capital e Trabalho.
Intelectuais posteriormente tornados renomados, desta vez em posturas
diferenciadas, transitaram pela revista Vozes, no período indicado. Isto é,
tiveram a sua fase tradicionalista--, como Plínio Salgado, Heraldo Barbuy e
João de Scantimburgo, estes últimos ligados à ação do Instituto Brasileiro
de Filosofia a partir do pós-guerra.

VII.TRADICIONALISTAS SOMEM DO MAPA

Como explicar tenham os tradicionalistas sumido do mapa? As revistas


que editavam deixaram de circular. No caso da Vozes, livre da liderança
de Leonardo Boff não lhe foi restituída, tornando-se uma editora católica
diversificada com porfólio editorial de reconhecido valor. A atividade que
desenvolviam, notadamente a presença no mundo político, não mais se
verificou.
À primeira vista poderia ter simplesmente resultado do falecimento das
personalidades mais conhecidas, que não teriam conseguido formar
quadros novos para dar continuidade ao seu ideário.
De fato foi o que aconteceu no que respeita ao seu falecimento. Corção
antecedeu a maioria porquanto sua morte deu-se em 1978. A liderança
tradicionalista no Rio de Janeiro viu-se desfalcada do Bispo Antonio de
Castro Mayer em 1991 e de Gladstone Chaves de Melo em 2001.
Na primeira metade da década de noventa desapareceu a fina flor da
liderança paulista: Joé Pedro Galvão de Souza, 1992; Alfredo Buzaid, 1991;
Plínio Corrêa de Oliveira, 1995.
Num ou noutro caso, seria plausível. Coletivamente é mais difícil de
aceitar semelhante explicação.
Talvez haja ocorrido simplesmente que teria deixado de contar com o
apoio de uma ou outra instância da Igreja Católica. Esta mudou
completamente de postura em matéria política. Ao invés de fazer as pazes
com o capitalismo, em conformidade com o entendimento Papa João
Paulo II, deu-se, com Bento XVI, uma certa acomodação com a Teologia da
Libertação e, com o Papa Francisco, uma coincidência muito grande de
posições embora não se possa dizer que, como um todo (em matéria
política) tenha passado à condição de posicionamento oficial.

LEITURA COMPLEMENTAR

A doutrina política do tradicionalismo brasileiro

Ubiratan Macedo
Como demonstraram as Primeiras Jornadas Brasileira de Direito Natural
(27 a 30/9/77), realizadas em São Paulo sob o patrocínio do Grupo da
Hora Presente, os tradicionalistas têm consciência de formarem um grupo
autônomo no universo cultural brasileiro. E representam a família
espiritual de mais longa vida e fôlego na cultura nacional. Ainda
recentemente voltou a funcionar, com caráter tradicionalista, a revista
Mundo econômico, político e social, sob a direção de José Orsini que
iniciou, em 1976, a publicação do Clube do Livro Cívico, de inspiração
tradicionalista.
No plano político, em primeiro lugar, é preciso frisar que o tradicionalismo
não configura um totalitarismo.
O tradicionalismo denunciou o totalitarismo em alguns dos melhores e
únicos livros sobre o tema na literatura nacional. Refirmo- a O Estado é
meio e não fim, de J. C. Ataliba Nogueira, e à obra de José Pedro Galvão
de Souza, Origens do totalitarismo. Seja o de Carl Friedrich ou de Hannah
Arendt, o tradicionalismo não pode ser arrolado como tal. Sempre situam
fora do Estado, à Igreja. Atribuem a esta ingerência na educação, na
cultura e na família, que permanecem livres, embora censuradas.
Inexiste dúvida quanto ao autoritarismo dos tradicionalistas, no sentido da
conceituação de Juan Linz.
O elitismo de sua visão política é inegável, bem como o caráter não
mobilizatório de suas doutrinas.
A adesão à monarquia é latente em todos eles, embora explícito apenas
na Pátria Nova. Alguns propendem para o parlamentarismo; todos são
corporativistas; o direito natural entendido em sentido conservador e
tomista, é outra tese comum.
Relações complexas são mantidas com o tomismo, pois o tradicionalismo
é uma ideologia e sua adesão ao tomismo dá-se porque faz parte da
tradição; o ethos filosófico dos tradicionalistas é reduzido, seu discurso
não faz apelo
à “ordem das razões” mas move-se num nível ideológico emocional.
Em comum com outros autoritarismos da década de trinta, partilham do
modelo proposto por Bolivar Lamounier (“Formação de um pensamento
político autoritário” in História Geral da Civilização Brasileira; Vol. 9; São
Paulo, 1977; pág. 359) para interpretar o pensamento da época. Isto é,
aceitam:
1) Predomínio do princípio estatal sobre o princípio do mercado;
2) Visão orgânico-corporativista da sociedade;
3) Objetivismo tecnocrático (no sentido da dicotomia país
real/abstrato), isto é, a crença que para a realidade nacional deve
corresponder um modelo político a ela adaptado e não no sentido
de defesa da tecnocracia, embora admita uma limitação da
atividade da classe política;
4) Visão autoritária do conflito social;
5) Não organização da sociedade civil;
6) Não mobilização política;
7) Elitismo e voluntarismo como visão do processo de mudança
política; e,
8) O Leviatã Benevolente

Além das características iniciais já apontadas, a grande diferença do


autoritarismo tradicionalista daquele professado por Azevedo Amaral,
Oliveira Viana e Francisco Campos, estudados por Bolivar Lamounier,
consiste na vinculação explícita do modelo político autoritário a uma
metafísica tomista e ao direito natural, bem como adesão mais forte ainda
a uma teologia da história semi-maniqueista, concebendo-a como luta
sem tréguas entre Revolução e Contra-Revolução.
Outra característica diferencial entre o autoritarismo da década de trinta e
o tradicionalismo é o repúdio total, deste, ao liberalismo, enquanto que,
em Oliveira Viana, por exemplo, apenas se postergava para um futuro a
instituição de sociedade liberal.
O epíteto de reacionarismo aplicado e usado pelos próprios
tradicionalistas não nos deve enganar. Quase nunca são partidários do
status quo. De fato, julgam a sociedade atual infeccionada pela Revolução
e preconiza a volta a uma ordem natural cristã, que julgam ter-se
realizado em parte da cristandade medieval. Arrolam-se os tradicionalistas
entre os mais sanhudos críticos da nossa civilização. Nesse sentido, como
já observara Karl Mannheim, apresentam uma forma de utopia, diversa da
utopia socialista, por colocar seu ideal-tipo no passado.
A adesão ao jus naturalismo não deve induzir em erro. Os tradicionalistas,
na sua maioria, são historicistas e anti-racionalistas em política. Seu jus
naturalismo é do tipo neotomista, isto é, mínimo, reduzido a alguns
princípios e servem para fundamentação da ordem moral e política.
Coexiste com a crença na irredutibilidade do real nacional a padrões
universais, na valorização da tradição, num espírito do povo. Os
tradicionalistas coincidem também nos mesmos adversários: Voltaire,
Rousseau, a Reforma, Pombal, a Revolução Francesa e o Comunismo.
Todos aparecem no panteão dos arqui-inimigos.
Porém, o que mais os caracteriza, segundo um mote de Eric Voeglin,
grande mestre tradicionalista de ciência política, é o julgarem que a
principal divisão entre os homens não é entre totalitários e liberais, mas
entre imanentistas, naturalistas, liberais e totalitários, de um lado,
tradicionalistas religiosos e filosóficos de outro.

(Transcrito de As ideias políticas no Brasil; Vol. II, São Paulo, Convívio,


1979, págs. 227-248)

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