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009 Jñana-yoga:

A Prática do
Conhecimento
Divino [Parte 01]
“Kṛ ṣṇa explica que jñāna-yoga (yoga do conhecimento) é para pessoas filosóficas,
ao passo que karma-yoga (yoga da ação) é para pessoas ativas no mundo (...). mas
afirma a unidade desses dois yogas: “Indivíduos infantis, não os sábios, alegam
que análise e prática são distintos. Uma pessoa que executa adequadamente
apenas uma alcança o fruto de ambas. O status atingido pelos métodos analíticos
também se alcança pelas práticas de yoga” (...) Praticados com sinceridade, todos
os caminhos espirituais ensinados na Gītā conduzem a uma experiência direta
da alma e de Deus [13.25] Desse modo, karma-yoga verdadeiro conduz a
conhecimento espiritual, e jñāna-yoga sincero conduz o indivíduo a agir
espiritualmente no mundo.

“(...) Yoga é uma forma de yajña (oferenda) – nesse caso, estudo espiritual
disciplinado, feito como uma retribuição à fonte de todo o conhecimento e
energia para aprendê-lo e praticá-lo. Kṛ ṣṇa conhece e respeita nossas diferentes
naturezas e, por isso, oferece vários yogas físicos, meditativos e intelectuais; mas
todos destinam-se a ser oferendas devotadas (yajña) e, desse modo, caminhos
espirituais. Todos os praticantes que constatam esse propósito em comum
atingem o Absoluto [4.30] Assim, o conhecimento é a chave. Uma oferenda
imbuída de conhecimento supera a mera oferenda de bens materiais [4.33]”.
(H.D. GOSWAMI Guia Completo da Bhagavad-gītā)

CONHECIMENTO COMO CAMINHO ESPIRITUAL

O caminho do conhecimento dá luz e felicidade desde o início da prática e pode ser constatado
pelo praticante:

Meu querido Arjuna, porque você nunca Me inveja, Eu lhe transmitirei este ensinamento e compreensão
muito confidenciais. E conhecendo-os, você ficará livre das misérias da existência material. Este
conhecimento é o rei da educação, o mais secreto de todos os segredos. É o conhecimento mais puro, e por
conceder uma percepção direta do eu, é a perfeição da religião. Ele é eterno e é executado alegremente.
[9.1-2]

Buscar conhecimento como um caminho espiritual, e não meramente para gratificação


intelectual, mostra a sua natureza divina:

Destemor; purificação da própria existência; cultivo de conhecimento espiritual; caridade; autocontrole;


execução de sacrifícios; estudo dos Vedas; austeridade; simplicidade; não-violência; veracidade; estar
livre da ira; renúncia; tranquilidade; não gostar de achar defeitos; compaixão para com todas as entidades
vivas; estar livre da cobiça; gentileza; modéstia; firme determinação; vigor; clemência; fortaleza; limpeza;
e estar livre da inveja e da paixão pela honra — estas qualidades transcendentais, ó filho de Bhārata,
existem nos homens piedosos dotados de natureza divina. [16.1-3]
Uma prática espiritual (yoga) baseada em trabalhar no mundo é melhor que estudo acadêmico
desprovido de tal prática espiritual:

O yogī é maior do que o asceta, maior do que o empirista e maior do que o trabalhador fruitivo. Portanto, ó
Arjuna, em todas as circunstâncias, seja um yogī. [6.46]

Uma vez que todas as oferendas e ritos culminam em conhecimento, uma prática com
conhecimento é melhor que meros ritos externos:

Ó castigador do inimigo, o sacrifício executado com conhecimento é melhor do que o mero sacrifício dos
bens materiais. Afinal de contas, ó filho de Pṛthā, todos os sacrifícios do trabalho culminam em
conhecimento transcendental. [4.33]

Pessoas filosóficas inclinam-se ao yoga do conhecimento:

Ó Arjuna sem pecados, acabei de explicar que existem duas classes de homens que tentam compreender o
eu. Uns se inclinam a compreendê-lo através de jñāna-yoga, e outros, através de karma-yoga. [3.3]

Conhecimento é como o Sol: destrói a escuridão e ilumina tudo:

Quando, porém, a pessoa é iluminada com o conhecimento pelo qual a ignorância é destruída, então, seu
conhecimento revela tudo, assim como o Sol ilumina tudo durante o dia. [5.16]

VISÃO DIVINA ATRAVÉS DO CONHECIMENTO

Uma alma empenhada no caminho espiritual vê a alma em todos os seres, e todos os seres na
Alma, e, desse modo, vê com equanimidade em toda parte; isto é, o indivíduo vê Kṛ ṣṇa em toda
parte e tudo em Kṛ ṣṇa:

Assim, o yogī autocontrolado, constantemente ocupado na prática de yoga, livra-se de toda a


contaminação material e alcança a etapa mais elevada — a felicidade perfeita no serviço transcendental
amoroso do Senhor. O verdadeiro yogī Me observa em todos os seres e também vê todos os seres em Mim.
De fato, a pessoa autorrealizada vê a Mim, o mesmíssimo Senhor Supremo, em toda a parte. Para aquele
que Me vê em toda a parte e vê tudo em Mim, Eu nunca estou perdido, nem ele estará jamais perdido para
Mim. [6.28-30]

Fé conduz a conhecimento, mas o próprio conhecimento deve ser visto, e não apenas acreditado.
Só ao ver a verdade superior pode-se abandonar objetos dos sentidos mundanos:

Um homem fiel que se dedica ao conhecimento transcendental e que subjuga seus sentidos está
qualificado a obter tal conhecimento, e, tendo-o alcançado, ele atinge rapidamente a paz espiritual
suprema. [4.39]

Ta va-vits (aqueles que veem a verdade) percebem que todas as almas existem dentro de Kṛ ṣṇa:

Tente aprender a verdade aproximando-se de um mestre espiritual. Faça-lhe perguntas com submissão e
preste-lhe serviço. As almas autorrealizadas lhe podem transmitir conhecimento porque elas são
videntes da verdade. Tendo recebido verdadeiro conhecimento de uma alma autorrealizada, você jamais
voltará a cair nesta ilusão, pois, com este conhecimento você verá que todos os seres vivos são nada mais
do que partes do Supremo, ou, em outras palavras, que eles são Meus. [4.34-35]
É preciso também ver o que não é verdade. Desse modo, por meio dos olhos do conhecimento,
constata-se a diferença entre corpo, alma e compreende-se o processo de se libertar da matéria:

Aqueles que com os olhos do conhecimento veem a diferença entre o corpo e o conhecedor do corpo, e
podem também compreender o processo que consiste em libertar-se do cativeiro da natureza material,
alcançam a meta suprema. [13.35]

O indivíduo perplexo não vê a alma partir, habitar ou desfrutar do corpo físico, mas aqueles que
possuem olhos do conhecimento veem de fato:

Os tolos não conseguem compreender como a entidade viva pode abandonar seu corpo, nem conseguem
entender que tipo de corpo ela usufruirá sob o encanto dos modos da natureza. Mas aquele cujos olhos
estão treinados em conhecimento pode ver tudo isto. [15.10]

Somente os praticantes esforçados entendem a ciência do verdadeiro eu. Mesmo se esforçando,


um não praticante irresponsável, carente de consciência espiritual, não pode perceber a verdade
sobre o seu eu:

Os transcendentalistas diligentes, que estão situados na autorrealização, podem ver tudo isto com
bastante clareza. Mas aqueles cujas mentes não estão desenvolvidas e que não estão situados na
autorrealização não podem ver o que está acontecendo, mesmo que tentem. [15.11]

Quem vê que filosofia baseada em conhecimento divino (jñāna-yoga) e a prática da ação


sancionada pelos Vedas (karma-yoga) são processos igualmente genuínos, vê de verdade:

Aquele que sabe que a posição alcançada por meio do estudo analítico também pode ser conseguida
através do serviço devocional, e que, portanto, vê o estudo analítico e o serviço devocional como estando
no mesmo nível, vê as coisas como elas são. [5.5]

Uma pessoa sábia (paṇḍita) vê todas as criaturas igualmente, a despeito de sua classe social ou
espécie:

Os sábios humildes, em virtude do conhecimento verdadeiro, veem com uma visão equânime o
brāhmaṇa erudito e cortês, a vaca, o elefante, o cachorro e o comedor de cachorro (pária). [5.18]

Kṛ ṣṇa articula esse ponto em outras passagens também:

Aquele que vê que a Superalma acompanha a alma individual em todos os corpos, e que compreende que
a alma e a Superalma dentro do corpo destrutível jamais são destruídos, vê de verdade. Aquele que vê a
Superalma igualmente presente em toda a parte e em cada ser vivo, não se degrada através da mente.
Assim, ele se aproxima do destino transcendental. [13.28-29]

Kṛ ṣṇa afirma que o conhecimento é natural para o ser vivo, mas se torna coberto por luxúria, ira
etc.:

Assim, a consciência pura da entidade viva sábia é coberta por seu eterno inimigo sob a forma de luxúria,
que nunca é satisfeita e queima como o fogo. Os sentidos, a mente e a inteligência são os lugares de
assento para esta luxúria. Através deles, a luxúria confunde o ser vivo e obscurece o verdadeiro
conhecimento que ele possui. [3.38-39]

Kṛ ṣṇa compara conhecimento (consciência) ao Sol que ilumina tudo ao seu redor:
Tampouco o Senhor Supremo assume as atividades pecaminosas ou piedosas de alguém. No entanto, os
seres encarnados ficam confusos devido à ignorância que encobre seu verdadeiro conhecimento.
Quando, porém, a pessoa é iluminada com o conhecimento pelo qual a ignorância é destruída, então, seu
conhecimento revela tudo, assim como o Sol ilumina tudo durante o dia. [5.15-16]

Assim como um sol ilumina este mundo inteiro, a alma, desperta com conhecimento,
proprietária do campo (corpo), ilumina o campo inteiro:

Ó filho de Bhārata, assim como o Sol ilumina sozinho todo este Universo, do mesmo modo, a entidade
viva, sozinha dentro do corpo, ilumina o corpo inteiro através da consciência. [13.34]

Entretanto, os modos inferiores da natureza – paixão e ignorância – cobrem o conhecimento


inato da alma. Mas o modo mais elevado – virtude, ou bondade – permite que a luz do
conhecimento brilhe, capacitando o praticante a ver a verdade:

Ó pessoa virtuosa, o modo da bondade, sendo mais puro do que os outros, ilumina, livrando a pessoa de
todas as reações pecaminosas. Aqueles que estão situados neste modo condicionam-se a uma sensação de
felicidade e conhecimento. [14.6] As manifestações do modo da bondade podem ser experimentadas
quando todos os portões do corpo são iluminados pelo conhecimento. [14.11]

Conhecimento verdadeiro capacita a pessoa a ver que em todos os seres individuais há uma
única natureza espiritual imperecível e indivisível:

Você deve compreender que está no modo da bondade aquele conhecimento com o qual se percebe uma
só natureza espiritual indivisa em todas as entidades vivas, embora elas se apresentem sob inúmeras
formas. [18.20]

PRINCÍPIOS BÁSICOS DE CONHECIMENTO

Conhecimento verdadeiro implica em conhecer três realidades fundamentais: (1) o corpo


material (ou a natureza material); (2) a alma, que conhece o corpo, e (3) Deus, que conhece todos
os corpos:

Ó descendente de Bhārata, você deve entender que, em todos os corpos, Eu também sou o conhecedor, e
compreender este corpo e seu conhecedor chama-se conhecimento. Esta é a Minha opinião [13.2-3]

Kṛ ṣṇa alega ensinar o melhor de todo o conhecimento:

Volto a lhe expor esta sabedoria suprema, o melhor entre todos os conhecimentos, conhecendo o qual
todos os sábios atingiram a perfeição suprema. [14.1]

Aquele que estuda esse diálogo imortal ocupa-se na oferenda de conhecimento e é abençoado
pelo Senhor:

E declaro que aquele que estuda esta nossa conversa sagrada adora-Me com sua inteligência. E aquele
que ouve com fé e sem inveja livra-se das reações pecaminosas e alcança os planetas auspiciosos onde
residem os seres piedosos. [18.70-71]
MATÉRIA E ESPÍRITO

O cosmos é composto por duas energias de Deus; a saber, matéria (energia inferior) e espírito
(energia superior):

Terra, água, fogo, ar, éter, mente, inteligência e falso ego — juntos, todos estes oito elementos formam
Minhas energias materiais separadas. Além dessas, ó Arjuna de braços poderosos, existe uma outra
energia, a Minha energia superior, que consiste das entidades vivas que exploram os recursos desta
natureza material inferior. [7.4-5]

A Gītā inteira baseia-se nessa distinção crucial. Da mesma forma, quando, pela prática espiritual
diligente, a alma enfim vê a si mesma e conhece a bem-aventurança mais elevada, ela, então,
nunca se desvia de ta va, verdadeiros princípios da realidade:

Na etapa de perfeição chamada transe, ou samādhi, a mente abstém-se por completo das atividades
mentais materiais pela prática da yoga. Caracteriza esta perfeição o fato de se poder ver o Eu com a mente
pura e sentir prazer e regozijo no Eu. Neste estado jubiloso, o yogī situa-se em felicidade transcendental
ilimitada, percebida através de sentidos transcendentais. [6.20-21]

Ta va também diz respeito a conhecer os funcionamentos internos da gigantesca máquina de


ilusão chamada Universo. Desse modo, um conhecedor de ta va não se aferra a ações modais
mundanas, ciente de que, em todas essas ações, “os modos atuam nos modos”:

Aquele que tem o conhecimento da Verdade Absoluta, ó pessoa de braços poderosos, não se ocupa com os
sentidos e com o prazer dos sentidos, sabendo bem as diferenças entre o trabalho em devoção e o trabalho
em busca de resultados fruitivos. [3.28]

Corpo e alma são ta vas diferentes. Ta va também pode referir-se a componentes verdadeiros
de ações específicas, compreendidos unicamente por pessoas iluminadas conhecidos como
ta va-darśīs, “observadores da verdade [categórica]”.

OBSERVADORES DA VERDADE CATEGÓRICA

Assim, um observador da verdade vê a diferença entre elementos eternos (almas) e elementos


temporários (corpos):

Aqueles que são videntes da verdade (ta va-darśīs) concluíram que não há continuidade para o
inexistente [o corpo material] e que não há interrupção para o existente [a alma]. Eles concluíram isto
estudando a natureza de ambos. [2.16]

Ta va-darśīs, observadores da verdade, são qualificados para nos ensinar conhecimento, pois
assimilaram o conhecimento:

Tente aprender a verdade aproximando-se de um mestre espiritual. Faça-lhe perguntas com submissão e
preste-lhe serviço. As almas autorrealizadas lhe podem transmitir conhecimento porque elas são
videntes da verdade ((ta va-darśīs). [4.34]

Conforme explicado anteriormente, existem três ta vas, ou verdades fundamentais, básicos:


natureza, almas e Deus. Um observador dessas categorias (ta vas), não confunde essas
verdades. Ele não (1) confunde matéria e espírito, pensando que a alma eterna é o corpo
temporário; (2) confunde espírito e Deus, pensando que a alma é Deus e (3) confunde Deus e
matéria, pensando que Kṛ ṣṇa vem a este mundo num corpo material ou que qualquer objeto
material, até mesmo o Universo material, é Deus num mero sentido não qualificado. Felizmente,
Kṛ ṣṇa também nos fornece sintomas comportamentais pelos quais podemos reconhecer o
mestre verdadeiramente sábio e, assim, buscar um tipo de ciência espiritual. Estudaremos isso
na próxima lição.

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