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Śivaísmo da Caxemira Curso livre de formação em Filosofia do Yoga

João Carlos B. Gonçalves Instituto Paulista de Sânscrito

Anubhava-nivedana-stotra, de Abhinavagupta (séc. X d.C.)

– Canto da anunciação da experiência [do Absoluto] –

1. O yogin tântrico realizado – cuja mente e respiração foram dissolvidos, por meio da imersão
completa, no objeto mais profundo de percepção – é o yogin que permanece com o olhar aquietado,
ainda que aberto, com as pupilas imóveis. Mesmo que ele ainda pareça observar o mundo externo, em
realidade, seu olhar não depende dessa aparente exterioridade. Este é o selo de Śambhu – a śāmbhavī
mudrā, o selo śaiva da consciência unitária, a realização do gesto derradeiro ou postura do despertar
de Śiva.

Esse estado de visão mística, autêntica e derradeira, ó Mestre divino, é produzido somente por
causa de tua graça, potente e radiante. Essa é a esfera de Śambhu, o generoso Senhor, o verdadeiro
estado de realidade, que está além da experiência de plenitude das condições da consciência ordinária,
e além dos estados extraordinários de vazio.

2. Esse yogin permanece com os olhos meio abertos e mesmo com a mente imóvel e serena, sua visão
está firmemente fixada no portal secreto que se abre para a percepção sutil descoberta pelo yogin, na
ponta do nariz. O Sol e a Lua foram dissolvidos no imenso espaço interior da consciência, que vibra
naturalmente com a tripla pulsação.

Aqui, o yogin atinge a realidade única, o domínio cuja natureza é essencialmente a pura luz da
consciência, totalmente desprovida de externalidade, o espírito supremo, o princípio real, o domínio
do superior, a essência suprema. O que mais há para ser dito a respeito disso?

3. Nesse estágio, quaisquer palavras que venham a surgir da boca de tal yogin são mantras de ordem
transcendental. O conjunto formado pelo corpo – onde as experiências de prazer e dor estão
constantemente se manifestando – é a verdadeira conformação física da mudrā, o selo que revela a
vivência do Absoluto.

O som espontâneo e natural da respiração é, em verdade, o Yoga mais elevado e


extraordinário. Depois de experimentar essa luz incomparável, a glória esplendorosa da śakti, o que é
que não pode ser revelado para mim?

4. O mantra que é revelado nesse estado não possui um arranjo de sílabas ou fonemas que possa ser
analisado. Quando a totalidade das atividades corpóreas é suspensa ou quando cessam todas as
técnicas corporais, então a mudrā, o selo do Absoluto surge e releva a si mesmo. Assim que o fluxo da
respiração para ou quando termina a prática da técnica da respiração, o Yoga aparece.

No grandioso festival da luz mística que conduz à percepção de teu esplendor, o que é que não
se revela como absolutamente extraordinário para aquele que foi iluminado?

* Tradução livre a partir da versão em língua inglesa de Paul E. Muller-Ortega (On the Seal of Śambhu: A Poem by Abhinavagupta), In
Tantra in Practice, editado por David. G. White, Princeton University Press, 2000.

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