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Platão, A República, Livro X

O intuito de Platão é fundar a cidade perfeita e, para tal, a sua doutrina acerca da
poesia é relevante: rejeitar, em absoluto, a parte da poesia de caráter mimético
(executada pelos autores das tragédias, …). Para aqueles que desconhecem a sua
verdadeira natureza, a leitura de obras miméticas é destrutiva, pois corrompe a sua
inteligência.
Platão considera Homero o primeiro mestre e guia de todos os poetas trágicos e
enfatiza a sua admiração pelo autor, embora considere que “não se deve honrar um
homem acima da verdade”. Ao imitar, Homero está a distorcer a verdade. O objetivo
dele é a verdade ou a verosimilhança, mas porque nunca foi herói ou fez tais
façanhas, o que escreve não é verdadeiro e, dificilmente, se aproxima da verdade e
do rigor.
Explicação da Mimese
Nós atribuímos UMA ideia a um grupo de coisas particulares, a que pomos o
mesmo nome - mesa, cadeira, … numa sala de aula, há várias cadeiras, todas elas
coisas particulares a que atribuímos um nome, uma ideia. Quanto à ideia de mesa ou
cadeira, não há artífice que possa executá-la (consubstanciar uma ideia). Além disso,
este não constrói cadeiras e mesas da mesma forma.
Escritor - O homem que sabe executar tudo o que sabe fabricar cada um dos
artífices por si (objeto, seres humanos e animais, natureza, ele próprio, …). Platão
diz que não é assim tão espantoso, pois basta pegar num espelho, cujo reflexo
produzirá tudo isto. Contudo, são objetos aparentes, desprovidos de existência real.
Literatura como jogo de espelhos, criadora de objetos aparentes, que partem do real,
mas que não são o real, não correspondem, efetivamente, à realidade, não existem,
concretamente. Distinção entre arte e vida. Na literatura, “se faz o que não existe, e
não pode fazer o que existe, mas simplesmente algo de semelhante ao que existe,
mas que não existe. O pintor faz camas fictícias e o marceneiro faz camas que não
são a realidade completa. A realidade completa está no plano das ideias. A ideia de
cama é que é real, não a cama física nem a desenhada. Mesmo que a desenhada seja
abstrata e esteja no plano das ideias, é a cama, na perspetiva do pintor e do fruidor.
Não é a cama real, por detrás das aparências (para o pintor e para o fruidor).
Assim, a obra é pouco clara em face da realidade. Quem é o imitador? Existem
três formas de cama: a cama única e real, criada por Deus; a cama feita pelo pintor,
irreal; a cama feita pelo marceneiro, irreal. Deus criou a cama na sua natureza
essencial, una, pois quer ser o autor de uma cama real, não de uma qualquer. É o
artífice natural da cama. O marceneiro é o artífice da cama. O pintor é o imitador
daquilo que os outros são artífices. Um imitador é o autor daquilo que está três
pontos afastado da realidade. Está no outro extremo da realidade. O tragediógrafo é
um imitador, o terceiro após o rei e a verdade.
Realidade Imitação
Essência/Ideia  Corporização Física  Arte
O pintor tenta imitar as obras dos artífices, não as coisas que existem na
natureza. Se olharmos uma cadeira de lado ou de qualquer ângulo, ela, objetivamente,
não difere nada, mas parece distinta. O pintor pinta com o fim de imitar a aparência,
como a realidade lhe parece, não a realidade, como ela realmente é. É imitação da
aparência. A arte de imitar está bem longe da verdade e atinge apenas uma pequena
porção de cada coisa, que não passa de uma aparição. O pintor pintará um sapateiro,
sem nada conhecer do respetivo ofício. E nem por isso deixará de ludibriar os homens
ignorantes, porque lhe imprimiu a semelhança de um autêntico carpinteiro. O autêntico
carpinteiro não é a realidade? Não existe um homem conhecedor de todos os ofícios
com a exatidão de um especialista. É um imitador que ilude ingénuos.
Homero, o corifeu da tragédia, supostamente, saberia todos os ofícios, todas as
coisas humanas referentes à virtude e ao vício, bem como todas as coisas divinas. Platão
diz que “um bom poeta, se quiser produzir um bom poema sobre um assunto que quer
tratar, tem de saber o que vai fazer, sob pena de não ser capaz de o realizar”.
- As pessoas estão a ser ludibriadas pelos imitadores, pois não percebem que, ao
ler, estão três pontos afastadas do real? É fácil executar as obras mesmo sem conhecer a
verdade, pois estas representam fantasmas e não seres reais;
- Tem algum valor o que os poetas dizem?
- Os bons poetas têm, na realidade, aqueles conhecimentos que, perante a
maioria, parecem expor tão bem?
Platão considera que, se uma pessoa pudesse fazer o objeto a imitar e a imitação,
dedicar-se-ia a fazer o objeto, pois, teria mais honra e proveito assim: “se fosse
conhecedor das coisas que imita, a pessoa dedicar-se ia muito mais às obras do que às
imitações, tentaria deixar criações numerosas e belas como monumentos comemorativos
da sua pessoa, e empenhar-se-ia mais em ser elogiado do que em elogiar.”
Homero escreveu sobre guerras, comando de exércitos, administração de cidades
e a educação dos homens. Homero é virtuoso e, por isso, ao falar de virtude, não está
somente a imitá-la (não está a três pontos da verdade) – não é imitador, está a dois
pontos da verdade, somente. Porém, relativamente às guerras, à administração e a outros
temas, é um imitador, pois nada do que fez teve impacto prático nesse aspeto, não tem a
experiência de vencer uma guerra ou de administrar uma cidade.
Se Homero fosse, realmente, virtuoso, os seus discípulos não lhe permitiriam
andar a recitar e não o largariam. “A principiar em Homero, todos os poetas são
imitadores da imagem da virtude e dos restantes assuntos sobre os quais compõem, mas
não atingem a verdade. (…) o poeta, por meio de palavras e frases, sabe colorir
devidamente cada uma das artes, sem entender delas mis do que saber imitá-las, de
modo que, a outros que tais, que julgam pelas palavras, parecem falar muito vem,
quando dissertam sobre a arte de fazer sapatos ou sobre a arte da estratégia, ou sobre
qualquer outra com metro, ritmo e harmonia.”
“(…) o criador de fantasmas, o imitador, segundo dissemos, nada entende da
realidade, mas só da aparência.”. Relativamente a cada objeto, há três artes: a de o
utilizar, a de o confecionar e a de o imitar, sendo a perfeição de cada objeto orientada
para a sua função. O imitador não sabe nem tem uma opinião certa acerca do que imita,
no que toca à sua beleza ou fealdade. O imitador não tem conhecimentos que valham
nada sobre aquilo que imita, mas a imitação é uma brincadeira sem seriedade. Os que
escrevem poesia trágica em versos iâmbicos ou épicos são todos eles imitadores, quanto
se pode ser. Essa imitação está três pontos deslocada da verdade.
É impossível haver opiniões contraditórias sobre o mesmo objeto, logo o que
julga na alma à margem da medida não poderá ser o mesmo que o que julga com
medida, que é a melhor parte da alma. A arte de imitar executa as suas obras longe da
verdade e, além disso, convive com a parte de nós mesmos avessa ao bom-senso, sem
ter em vista nada que seja são ou verdadeiro. Se o medíocre se associa ao medíocre, a
arte de imitar só produz mediocridades.
A poesia mimética imita homens entregues a ações forçadas ou voluntárias, e
que, em consequência de as terem praticado, pensar ser felizes ou infelizes, afligindo-se
ou regozijando-se em todas essas circunstâncias. Um pai que perde um filho, perante
uma multidão, contém-se, pois a força que o impele a resistir é a razão e a lei, ao passo
que a força que o arrasta para a dor é a própria aflição. É a melhor parte de nós que quer
seguir a razão, mas a parte que nos leva à recordação do sofrimento e aos gemidos e que
nunca se sacia deles é irracional, preguiçosa e propensa à cobardia. Esta parte irascível
contém material para muita e variada imitação. Pelo contrário, o caráter sensato e
calmo, sempre igual a si mesmo, não é fácil de imitar nem de compreender. O poeta
imitador escreve sobre o caráter arrebatado e variado, dada a facilidade em imitá-lo.
À semelhança do pintor, o poeta faz trabalho de pouca monta em relação à
verdade e convive com a pior parte da alma. Por isso, não entre na cidade bem
governada de Platão, pois desperta, sustenta e fortalece a parte irracional da alma,
deitando a perder a razão. “O poeta imitador instaura na alma de cada indivíduo um mau
governo, lisonjeando a parte irracional, que não distingue entre o que é maior e o que é
menor, mas julga, acerca das mesmas coisas, ora que são grandes, ora que são pequenas,
que está sempre a forjar fantasias, a uma enorme distância da verdade. (…) Contudo não
é essa a maior acusação que fazemos à poesia: mas o dano que ela pode causar até às
pessoas honestas, com exceção de um escassíssimo número (…)”.
Nos desgostos pessoais, a parte irracional da alma – choro e gemidos – é contida
pela força, mas os poetas dão-lhe satisfação e regozijo nas tragédias. A parte racional,
por não estar suficientemente educada pela razão e pelo hábito, abranda a vigilância da
parte dada às lamentações. Torna-se legítimo, a um homem, contemplar males alheios e,
ao criar e fortalecer neles a sua piedade, não é fácil contê-la nos sofrimentos próprios.
Na comédia, ao ouvir gracejos vergonhosos e inferiores, o homem permite-se rir,
atividade que ele continha pela razão. A imitação poética produz em nós e fortalece as
paixões penosas ou aprazíveis da alma.
Na cidade de Platão, só se devem receber hinos aos deuses e encómios aos
varões honestos e nada mais. A “Musa aprazível na lírica ou na epopeia” trará prazer e
dor, em lugar da lei e do princípio. A poesia é expulsa da cidade de Platão. Poesia e
Filosofia são antagónicas. A poesia imitativa encanta, mas seria uma impiedade trair o
que se julga verdadeiro. Platão admite um regresso da poesia, desde que esta não seja,
somente, agradável, mas também útil.
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Capítulo 1
Objeto de análise da obra: arte poética e suas espécies e respetivos efeitos; como
estruturar enredos; natureza e número das partes.
A epopeia, a tragédia, a comédia, a poesia ditirâmbica (louvar deuses) e a
maioria da música de flauta e de cítara têm em comum o facto de serem imitações.
Diferem porque: recorrem a meios, objetos e modos distintos, separadamente ou
combinados.
Meios de Imitação
(A música combina harmonia e ritmo, enquanto a dança recorre, apenas, ao
ritmo sem harmonia. A arte que imita apenas com palavras em prosa ou em verso,
podendo misturar-se diferentes metros ou usar um único, chegou até hoje sem nome. O
nome poeta foi atribuído aos artistas pela semelhança dos seus textos ao metro, não pela
imitação. Autores de poemas sobre medicina são apelidados de poetas).
Há algumas artes que se servem de todos os meios mencionados, a saber, o
ritmo, a melodia e o metro, tal como a poesia dos ditirambos e a dos nomos e ainda a
tragédia e a comédia. São diferentes porque umas aplicam-nos todos ao mesmo tempo e
outras parcialmente. Aristóteles considera estas as diferenças dos meios com os quais se
realiza a imitação.

Capítulo 2
Objetos de Imitação
Quem imita representa os homens em ação, pelo que é forçoso que estes sejam
bons ou maus. As espécies de imitação apresentam variações, logo são diferenciadas por
imitarem objetos diferentes. A título de exemplo, Homero representa os homens
melhores do que são (epopeias enaltecem feitos históricos) e Cleofonte como são. A
tragédia distingue-se da comédia porque a primeira representa os homens inferiores e a
segunda os homens superiores aos da realidade.

Capítulo 3
Modos de Imitação
O modo como se imitam os objetos é um elemento distintivo. Com os mesmos
meios, podem imitar-se os mesmos objetos, mas de modos diferentes: ora narrando –
seja tomando outra personalidade como faz Homero, seja mantendo a sua identidade
sem alteração – ora representando todos em movimento e em atuação.
Com efeito, a imitação existe com três diferenças: meios, objetos e modo.
Assim, Sófocles seria um imitador igual a Homero, pois os dois representam homens
virtuosos.
Capítulo 4
Causas da Poesia
Existem duas causas para a poesia:
1. Imitar é natural nos homens desde a infância e nisto diferem dos outros animais,
pois o homem é o que tem mais capacidade de imitar e é pela imitação que
adquire os seus primeiros conhecimentos;
2. Todos sentem prazer nas imitações. Coisas que, na realidade, nos causam mais
pena, na arte, agradam-nos por surgirem representadas em imagens perfeitas
(cadáveres). Ainda, aprender é, igualmente, agradável aos homens. Quando se
desconhece o objeto representado, o que causa prazer é a execução.
Sendo a imitação a nossa natureza, a harmonia e o ritmo, aqueles que tinham
propensão para estes, desenvolvendo essa aptidão, originaram a poesia por meio de
improvisos. A poesia dividiu-se de acordo com o caráter dos seus criadores: os mais
nobres imitaram ações belas, compondo hinos (louvor a deuses) e encómios (louvor a
deuses), e os mais vulgares imitaram ações vis, compondo, primeiramente, sátiras.
Tragédia
Homero era o maior autor de obras elevadas, fazendo imitações belas e
dramáticas, mas também foi o primeiro a conceber a estrutura da comédia, não fazendo
sátira, mas dramatizando o ridículo. A tragédia e a comédia apareceram de acordo com a
propensão natural de cada poeta, a partir do improviso. Após sofrer muitas alterações, a
tragédia estabilizou quando atingiu a sua natureza própria.
Ésquilo alterou os atores de um para dois, diminuiu as partes do coro e fez com
que a parte falada tivesse papel predominante. Sófocles aumentou os atores para três e
introduziu a cenografia. A tragédia, inicialmente, esgotava.se em pequenas histórias e
linguagem burlesca, pois provém da sátira, mas adquiriu, depois, dignidade, pois o
verso passou a iâmbico. Foi embelezada e o número de episódios alterou-se.

Capítulo 5
Comédia
A comédia é uma imitação de carateres inferiores, da vileza, mas somente da
parte do vício que é ridícula. O ridículo é um defeito e uma deformação nem dolorosa
nem destruidora, tanto que a máscara cómica é feia e deformada, mas não exprime dor.
As origens e os autores da comédia são desconhecidos, numa fase inicial,
contrariamente à tragédia. Não se sabe quem introduziu as máscaras, os prólogos, o
número de atores, etc… Quando a comédia já tinha uma forma definida é que os poetas
cómicos são lembrados. A composição de enredos surgiu na Sicília e, em Atenas, Crates
foi o primeiro a abandonar os versos iâmbicos (alvos eram indivíduos) para compor
enredos com um conteúdo mais universal.
A epopeia aproxima-se da tragédia por ser imitação de carateres virtuosos, com
palavras e metro. Porém, difere por ter um metro uniforme e ser narrativa. Distingue-se,
ainda, pela sua maior extensão, não tendo limite de tempo. A tragédia e a epopeia têm
partes constitutivas iguais, à exceção de especificidades da tragédia.

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