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Livre de Sulfato
Rodrigo Marcelino Matias
Innospec Performance Chemicals, São Paulo SP, Brasil
A
s primeiras preocupações e dis- Afinal, o que são os sulfatos? internet por meio de expressões como
cussões sobre o uso de sulfatos em “coceira e irritação do couro cabelu-
As formulações cosméticas livres do”, “interferência na manutenção da
formulações cosméticas aconte- de sulfatos são as dos produtos que não
ceram há mais de 15 anos. Na época, oleosidade natural do cabelo e da pele”,
contêm tensoativos sulfatados em sua “desbotamento da cor de cabelos tin-
acreditava-se que as formulações sem composição. Geralmente, esses produ- gidos” e “ressecamento dos cabelos e
sulfato seriam apenas uma tendência de tos são shampoos e sabonetes líquidos da pele”. Essas declarações estão in-
curta duração e de pouca aderência. Esse produzidos sem a adição de tensoativos trinsicamente associadas à detergência
conceito era principalmente difundido aniônicos cujo grupo polar seja sulfatos. (ao poder de limpeza) dos tensoativos
via internet, por meio de blogs em que se Dessa forma, é importante esclarecer sulfatados e ao grau dos danos capilares
comentavam os malefícios aos cabelos que o termo “livre de sulfato” não se refe- que eles causam. Elas são feitas princi-
causados pelo uso de shampoos que con- re aos sais inorgânicos (sulfato de sódio, palmente por consumidoras que tiveram
tinham sulfatos, principalmente aos os por exemplo), mas sim ao tensoativo seus cabelos expostos a tratamentos que
cabelos cacheados e/ou danificados por aniônico sulfatado, mais especificamen- podem danificar a fibra capilar e agredir
tratamentos capilares (cabelos tingidos, te aos álcoois graxos sulfatados ou aos o couro cabeludo (descoloração, alisa-
descoloridos, alisados etc.). álcoois graxos etoxilados sulfatados, mento químico e físico etc.) – condições
Hoje, sabemos que os consumidores que não devem estar presentes na for- que exigem produtos específicos e com
de shampoos estão atentos aos rótulos de mulação. maior suavidade.
produtos e continuam preocupados com Alquil sulfatos e alquil éter sulfa-
a presença de sulfatos nas formulações tos são tradicionalmente utilizados pela Sulfate Free no Brasil
cosméticas. O debate sobre a substitui- indústria cosmética, sendo seus princi- No Brasil, os produtos cosméticos
ção de sulfatos tomou dimensão global, pais representantes, respectivamente, o sulfate free são majoritariamente sham-
motivando empresas líderes de mercado sodium lauryl sulfate (SLS) e o sodium poos. Nos últimos anos, houve cresci-
locais e mundiais a desenvolver e lançar lauryl ether sulfate (SLES), incluindo mento expressivo do número de pessoas
novos produtos cosméticos sulfate free, suas versões com diferentes contraíons que estão optando por ter cabelos natu-
ampliando assim a demanda por maté- (amônio, TEA etc.) - Figura 1. rais e volumosos, e esta expressão tem
rias-primas fabricadas pela indústria A introdução desses tensoativos aniô- ecoado: “Os cachos estão de volta”. Os
química que atendam aos requisitos dessa nicos no mercado ocorreu nas décadas de cabelos cacheados são mais sensíveis
nova e crescente categoria de produtos. 1930 e 1940, mantendo sua importância e propensos ao ressecamento e, conse-
Figura 1. Representação esquemática dos grupos quentemente, são alvo dos shampoos livres de sulfato, que se
sulfatos de tensoativos sulfatados caracterizam pela suavidade.
De acordo com dados da Mintel, em 2017, foram lançados
O O cerca de 100 shampoos sulfate free no mercado brasileiro, dos
Porção quais quase 60% carregavam o claim “livre de sulfato”. Em 2018,
R – OSO3 - M + polar sulfato
S o número de lançamentos desse tipo de shampoo no primeiro
Alquil sulfato
O O semestre superou em 11% o do mesmo período do ano anterior.
Portanto, é um mercado promissor e que continua a crescer
-
R – (O – CH2 – CH2)n – OSO3 M + (Gráfico 1).
R = cadeia graxa hidrofóbica
Alquil éter sulfato M+ = contraíon
Critérios para a Escolha de Tensoativo
sem Sulfato
Gráfico 1. Número de lançamentos de produtos Desafio técnico
sulfate free no mercado brasileiro As principais considerações a respeito de shampoos sulfate
free feitas por profissionais de P&D das indústrias cosméticas
100 costumam ser:
Total de lançamento de - Espuma: geralmente, para atingir uma quantidade de es-
80 shampoos sulfate free puma adequada ao padrão de aceitação do consumidor, deve-se
Total de shampoos com
claims de sulfate free utilizar uma dosagem mais elevada de tensoativos sulfate free
60 comparada à dose usual de SLES.
- Viscosidade: formulações com tensoativos sem sulfatos
40 não respondem facilmente a eletrólitos, o que exige a utilização
de agentes espessantes e modificadores reológicos propriamente
20 ditos.
- Desempenho: formulações sulfate free, quando compara-
0 das diretamente com formulações tradicionais contendo tensoati-
2014 2015 2016 2017 1º. sem 2018
vos sulfatados, não possuem desempenho comparável ao destas,
Fonte: Mintel
não atendendo às expectativas dos consumidores.
Figura 2. Representação esquemática do processo de Escolha de Tensoativo Livre de Sulfato
Fácil de
Porção polar espessar?
Classe de Tensoativo
Grupo químico Irritabilidade Espuma pH
tensoativo sulfate free
Faixa de pH
Tensoativos sulfate free
estável
5,0-9,0
CMC
5,5-8,5
as
ns
el
Te
5,5-8,5
ic
M
Concentração
5,5-8,5
Qualidade da espuma
Dois importantes parâmetros são considerados para a qualidade
da espuma. A primeira característica é a quantidade de espuma
que é produzida pelo tensoativo. Busca-se um tensoativo sulfate
free que tenha o mesmo perfil de volume de espuma que o SLES.
O segundo parâmetro considerado e muito valorizado pelos con-
sumidores é a cremosidade da espuma, que está ligada à caracte-
rística do tensoativo de produzir bolhas de menor diâmetro. Em
ambos os casos, os acyl methyl isethionates são muito similares
ao SLES, em uma comparação em igualdade de teores de ativos.
Como já foi citado, os methyl acyl taurates possuem ótima
compatibilidade com óleos no que se refere à formação e à estabi-
lidade de espuma. Outra característica desse grupo de tensoativos
que merece destaque é a “explosão” de espuma que é observada
nos primeiros momentos de uso de shampoos contendo esses
tensoativos (Figura 4).
sofrer hidrólise caso permaneçam em pH fora da faixa desejável. Consumer Safety (SCCS) recomendam que a quantidade máxima
A comparação das estruturas do sodium lauroyl methyl ise- segura de dioxanas em produtos cosméticos deve ser de 10 ppm.
thionate e do sodium cocoyl isethionate é muito interessante. A Se esse critério fosse adotadao, a Tabela 3 demonstraria, por
adição de um grupo metila à molécula de sodium lauroyl methyl exemplo, que os alkyl ether sulfosuccinates, tensoativos etoxi-
isethionate conferiu proteção extra à função éster da molécula, lados muito utilizados em formulações suaves e infantis, não se
ampliando sua faixa de pH na qual a molécula permanece estável. enquadrariam nesse critério.
Essa adição é significativa do ponto de vista de formulação, pois
boa parte dos conservantes utilizados pelo mercado cosmético A escolha do tensoativo
são ácidos orgânicos cuja efetividade ocorre entre pH 5,0-5,8. Finalmente, pode-se concluir que, utilizando a ferramenta
Tensoativos sulfate free com maior estabilidade hidrolítica, apresentada, o tensoativo primário com excelente espuma e
portanto, são ótimas escolhas. suavidade, derivado de fonte natural e cuja viscosidade pode ser
facilmente atingida com o uso de eletrólitos, seria representado
Conclusão pelos grupos dos methyl acyl taurates (Pureact WS), acyl methyl
Depois de serem analisadas as nove etapas do processo de se- isethionates (Iselux) e acyl methyl lactylates (Pureact 138).
leção de tensoativo sulfate free, construiu-se a Tabela 3, que deve
ser utilizada como uma ferramenta para a tomada de decisão. Referências
1. Cannon AS, Warner JC. Green Chemistry: Foundations in Cosmetic
Cada um dos grupos de tensoativos foi qualitativamente classi- Sciences. Global Regulatory Issues for the Cosmetics Industry 1-16,
ficado de acordo com cada critério anteriormente apresentado. A 2009
classificação qualitativa adotada foi uma escala de cores em que 2. Daltin D. Tensoativos: química, propriedades e aplicações, 1a. ed.,
São Paulo: Blucher, 2011
o verde, o amarelo e o vermelho representam, respectivamente, 3. FDA US Food & Drug Administration. 1,4 Dioxane in Cosmetics:
os critérios: “atende o requisito”, “pode atender o requisito com a Manufacturing Byproduct. On-line. Disponível em: www.fda.gov/
ressalvas” e “dificilmente atende o requisito”. cosmetics/productsingredients/potentialcontaminants/ucm101566.
htm. Acesso em: 3/11/2018
4. GNPD. Global New Product Data Base – Mintel Group. New Laun-
Considerando novos critérios ches, 2018
A ferramenta para a escolha de tensoativo sulfate free é simples, 5. Martins L, Cardoso D. Produção de etilenoglicóis e derivados por
reações catalíticas do óxido de eteno. Química Nova 28(2):264-273,
direta e muito versátil. Sua versatilidade encontra-se no fato de 2005
poder incluir ou excluir critérios de avaliação. Além disso, a 6. Meyers D. Surfactant Science and Technology. 20a. ed., New York:
classificação de cada requisito pode ser mais detalhada (por meio VCH Publishers, 1988
7. Schramm LL et al. Surfactants and their applications. Annual
da inclusão de maior número de cores ou até da quantificação Reports on the Progress of Chemistry, Section V 99:3-48, 2003
para cada requisito).
Como exemplo, poderia ser incluído o critério EO free, ou
seja, tensoativo livre de óxido de etileno. Resumidamente, o
processo produtivo de tensoativos etoxilados gera um resíduo
denominado 1,4 dioxana, que, sabidamente, é reconhecidamente
tóxico. Produtos livres de EO, sigla em inglês para ethylene
oxide, são, consequentemente, livres de dioxanas. Estudos con-
duzidos pela European Commission Scientific Committee on