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THAIS DE OYÁ

Poesia
de Terreiro

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Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha Catalográfica feita pelo autor
______________________________________________________________
A848p Assis, Thais de.
Poesia de Terreiro / Thais de Assis (Thais de Oyá). Ilustrações de
Breno Loeser. Santo André: Instituto Cultural Umbanda Eu Curto,
2020. 246 p.
ISBN: 978-65-87077-08-6
1. Religião 2. Umbanda 3. Candomblé 4. Poesia
I. Autor II. Título
CDD: 290
CDU: 299.8
______________________________________________________________
Índice para catálogo sistemático
1. Religião – 200 2. Outras Religiões – 290

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Sumário

PREFÁCIO..............................................................................08
INTRODUÇÃO.......................................................................10
AGRADECIMENTOS............................................................12
PARA EXU..............................................................................13
Felicidade
Crença
A Dança do Mensageiro
O Início de Tudo
Reviravolta
PARA OGUM.......................................................................20
Casa de Ogum
Feijoada
Triunfo
Patakori
Coroa de Mariwô
PARA OXÓSSI......................................................................27
Ode a Odé
Instinto
Aguerê
Flecha
Liberdade

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 4

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PARA OMULU.......................................................................34
Silêncio
A Era do Sol
Pipocas
Prece de Palha
Chão
PARA OSSAIN......................................................................41
Agô
A Folha e o Corpo
Sonata na Mata
Sassanha de Saci
Minhas Folhas
PARA OXUMARÊ.................................................................49
Onde o Barro é Porcelana
Dualidade
Pele de Serpente
Todas as Cores
Santo Cotidiano
PARA NANÃ........................................................................56
A Canção de Daomé
Conselho de Avó
Salubá
Chuva de Mim
O Igbá de Nanã
PARA OXUM........................................................................63
Oriki
O Nascimento de Oxum
Lar D’Água
Moinho
Espelho
Oxum Leoa

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 5

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PARA OBÁ............................................................................72
Coragem
Desafio
PARA YEWA.........................................................................76
Refúgio
Visão
PARA OYÁ............................................................................80
4 de Dezembro
Segredo de Oyá
Ser de Iansã
Quente
Sorte
Nove Céus
PARA LOGUNEDÉ...............................................................89
O Caçador
O Príncipe e o Princípio
Verdade
Realeza
Encantamento
PARA YEMANJÁ..................................................................96
Mães Cujos Filhos são Peixes
Domínios
Porto Seguro
Yemojazz
[A]Mar
Reencontro com Yemanjá
PARA XANGÔ....................................................................107
O Rei Chegou
Oxê
Amalá
Fogueira de Xangô
Julgamento
Prece a Ayrá

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 6

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PARA IBEJI..........................................................................115
Par de Estrelas
Cosme e Damião
Quitande de Erê
PARA OXALÁ......................................................................120
Holmes Nagô
Guia
Decreto de Sexta
Amanhã-Ser
Funfun
Lado a Lado
Todas as Sextas-feiras são Santas
Aos filhos de Oxalufan
Bom Tempo
Oxalá no meu Ilê
OUTROS VENTOS.............................................................135
A Nossos Orís
Em Oposição à Intolerância Religiosa
Aos Abians e Iniciados
Aos Ancestrais
Mojubá
Em Memória
Aos Enamorados
Ao Nosso Cotidiano
Obatalize-se
SOBRE A AUTORA..............................................................148
SOBRE O UMBANDA EU CURTO.....................................149
FICHA TÉCNICA..................................................................150
OUTRAS PUBLICAÇÕES.....................................................151

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 7

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Prefácio
É com o coração cheio de águas e ventos que eu venho
apresentar o primeiro livro de Thais de Assis, mas que
também é de Oyá. Essa menina dos olhos oblíquos
resolveu compor uma ode para os Orixás, mas que na
verdade se trata de uma reza braba em forma de letras;
Epahey para os seus escritos!

O livro “Poesia de Terreiro” nada mais é que uma


epistemologia da alma, onde os cantos se encontram,
onde as margens se abalam e a festa rola. Essa escrita da
escrita tem sido, pra mim, reverberar o que de dentro pra
fora me acalma, mas tem sido sobretudo, sobrepor o que
de Thais ficou em meus idés.

Eu não poderia exercer essa tarefa sem poetizar o que


Thais é e o que ela sente a partir do que já foi. Pra mim,
Thais é como os sóis dos girassóis nas tardes de setembro
quando as flores sorriem para o vento e a manhã é
mais feliz. Thais sempre é um alfange me rasgando e
remendando, um barulho me guiando e estralando, uma
arritmia alvoroçada de quem viu o amor e por instantes
pousou em silêncio.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 8

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E por falar em pousar, que os seus voos sejam cada vez
altos e seus pousos mais rasantes e precisos, Olorum não
criou o seu casulo à toa. Sem muitas delongas para os
balangandãs que Thais carrega bravamente no pescoço,
agora Oxum e Oyá correm juntas pelas páginas da vida
e está sendo uma honra tecer esse prefácio embaraçado
mas que também é um bilhete dizendo: Minha mãe que
abençoe!

Por Lipe Costa (Omo Oxum)

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 9

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Introdução
Em breve farei aniversário e, escrevendo essa introdução, lembro
da Thais de 17 anos, há dez anos, conhecendo todo esse universo
sem saber muito o que pensar, com medo e muito receosa do que a
palavra “médium” ou “rodante” significava. “Eu não quero receber
Santo”, foi um dos primeiros pensamentos que me invadiu na minha
primeira consulta com um Preto Velho há muito tempo. E aqui estou
eu, pronta pra receber, compartilhar, viver e dividir tudo que existe
de mais sagrado em mim.

Este livro é o início da minha trajetória enquanto poeta de Terreiro


na publicação de obras direcionadas a Orixás, à espiritualidade,
ancestralidade e a todos os adeptos, simpatizantes e estudantes das
religiões de matriz africana. Aqui compartilho os textos favoritos
do público e também os meus textos favoritos. Toda minha poesia
desde 2014 orbita ao redor do cotidiano que vivo e em que consigo
observar os Orixás presentes em minha vida e na das pessoas, e
acontecimentos próximos a mim. Aqui estão minhas reflexões e
desabafos constantes que realizo como uma forma de transbordar
aquilo que eu sinto, ao encontrar em algumas palavras, brechas para
tanto. Entrego a vocês minha primeira grande ode e também um
pouco de alívio em tudo que carrego dentro de mim.

Celebro aqui 6 anos de escrita pública juntamente a 6 anos de


iniciada. E, acreditando nos melhores significados do caminho que
Oyá me reservou desde que renasci para Ela, dedico este livro a

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 10

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todos que se dispuseram a ler minhas palavras em algum momento
de suas vidas. Orí é comunhão. Obrigada por terem consumido
aquilo de bom que pude oferecer, e desta forma terem me permitido
comungar com o Orí de vocês.

Eu dedico esta obra a todos aqueles que acreditam que Ìwà Rere
(bom caráter) é a cura para todas as mazelas do ser humano e a
todos aqueles que acreditam que a natureza é a cura para todas
as mazelas do mundo. Dedico este livro a todos aqueles que se
permitem conhecer a si mesmos no outro, e a todos aqueles que
não são contidos em seus bons sentimentos nestas eras de mentiras,
jogos e simulações. Muitas vezes ouvi que eu era “sentimental”
demais. Agradeço a Orí por isso. Como bem diz Graciliano Ramos:
“Comovo-me em excesso, por natureza e por ofício. Acho medonho
alguém viver sem paixões”.

Dedico este livro, acima de tudo, a todos aqueles que, assim como
eu, tiveram suas vidas transformadas por Orixá.

Thais de Oyá

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 11

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Agradecimentos
À minha família, pelo suporte, apoio, compreensão, respeito e amor;
Aos meus amigos pelo incentivo, em vocês vejo Orixá todos os dias;
Ao Breno Loeser, por dar vida às minhas palavras com sua arte;
Aos meus ancestrais, por tudo que fui, sou e serei um dia;
A Exu, pelo caminho em direção aos meus propósitos;
À Oyá, por absolutamente tudo em minha vida.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 12

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Para Exu...
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Felicidade
Feliz aquele que tem
Em Exu um amigo,
Que cruza o portão de casa
E diz “Mojubá” pelas encruzilhadas.
Que estende a mão ao andarilho,
Gargalha alto e teme o assobio.
Que se arrepia quando o galo canta,
E enche os olhos d’água na lua cheia.

Feliz é aquele que faz da vida festa


Quando o atabaque retumba
E o dendê inunda qualquer salão.

Exu não cabe nesse mundo


Mas esse mundo cabe
Na palma da Sua mão.

Poesia de Terreiro - Thaís


Thais de Oyá 15

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Crença
Quem acredita em Exu
Não teme mal encarnado
Não se assusta com cara de diabo
Porque se o diabo teme a verdade
Ele antes é a verdade nua, crua
Que ri da cara de quem a mentira perpetua
E arregaça as roupas da falsidade.

Por crer em ti Exu


Mesmo sendo tão divino,
Quero ser de ti amigo,
Não te peço pra aliviar meu fardo
Porque já me colocou de pé ao seu lado,
Para me inspirar na tua alegria
Afim de que nos caminhos da vida
Possamos ser iguais.
Não existe mal pra mim,
Porque creio em ti Exu,
E sob teus olhos crescem felizes
Os meus sonhos e ideais.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 16

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A Dança do
Mensageiro

Quem vê meus olhos Corro mares


vê o movimento dos astros, corro países
as danças dos signos, corro corpos
as estrelas se explodindo e não me canso.
e as plantas germinando, Na rapidez eu até danço,
vê o mundo girando e não há quem dance comigo
e o ruído imenso de todas as bocas ou como eu.
falando magia.
Palavra é magia, Na solidão dos distantes
e de falar eu não me canso. ou na devoradora multidão
Na magia eu até danço eu me ajusto.
e não há quem dance comigo Porque dentro de cada homem
ou como eu. há um pouco de custo
para ser transformação.
Mas ao contrário do que pensam, E de transformar nunca me canso.
se precisar também sou silêncio; Na mudança eu também danço
acontece que quem corre e não há quem dance comigo
não tem muito tempo para tagarelices, ou como eu.
dessas sem fundamento.
[Eu sou fundamento]
E quando eu corro,
falo mais que todos os idiomas podem
dizer.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 17

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O Início de Tudo
Calor do seu corpo, A verdade que descobriu,
Preto da tua íris, Imbuído de cisma, intuição
Letra da tua fala, Vai ali, vê isso aqui,
Fome da sua boca, A voz que na hora certa te falou.
Sede do seu sexo. Quem foi que te provocou?
Você todo, O novo emprego
E todo mundo. A nova casa
Exu em tudo, A nova cura
Em todo o mundo. O novo amor
O ouro que achou no meio do trilho A nova notícia
depois de bater os joelhos no chão, De quem é o caminho
cansado. Que te leva da superfície
Quem o deixou ali? A de si o próprio fundo?
O desvio na hora certa Exu em tudo,
que revira e volta seus instintos Em todo o mundo.
por aquilo que era fatalmente destinado
e fatalidade nenhuma aconteceu.
Quem te protegeu?

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 18

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Reviravolta
Reza a lenda
que três vezes na madrugada
o galo canta pensando na alvorada
e da meia noite às seis
o mundo gira um pouco mais.
Por cima dele corre alguém
que faz do tempo refém
e seduz todos os acasos de amanhã
antes que ontem seja dia.

Sob seus pés o mundo rola


feito em roda de circo ou círculo
enquanto dá mística gargalhada
constrói sólido e firme vínculo
aquilo que é, que foi, que será.

Só Exu sabe ao certo


das voltas que o mundo dá.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 19

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Para Ogum...
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Casa de Ogum
No auge, na esquina, na beirada
no precipício, nos trilhos, na emboscada.

Ogum mora onde ninguém pisa,


não antes dele pisar.
Ogum mora onde a dúvida não existe
muito menos a certeza.
Ogum mora no quintal dos sentimentos,
que galopam desenfreados
e esquentam qualquer chão.
Só não se instala no sótão dos lamentos,
onde estão todos guardados em caixas
bem trancadas e empoeiradas
porque não tem espaço no restante da casa inteira
onde ele também mora, e tudo ocupa
sem dúvida, sem culpa.

A casa de Ogum sou eu.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 22

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Feijoada
O chão é pátria e
a estrada, casa
O vazio, imensidão
Seduz os que de alma
não entendem tanto
Só de imenso coração.

A agitação desregrada
mentalidade desenfreada
Quem carrega as ferramentas
Na cabeça
Quem usa o corpo de frente
Pro dia a dia.

A cerveja amarga no calor desértico


A festa, o samba, a garganta inflama
o dendê quente é cachoeira.
A língua que não se cala,
O olho que nem sempre vê,
Mas tudo pressente.

O braço que antes de anunciar a pancada


Já abraçou muita gente.

A cabeça que não se abaixa,


A insubordinação.
A rapidez antes do porquê.
Panteras-negra em filme ou em ação.

Ogum Ye

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 23

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Triunfo
Rogarei a Ogum Que eu escute os tambores
por todos os dias dessa vida que eu escute as espadas
em que após a batalha mas que em paz
aquela ferida cicatrize em aço. eu possa proferir a Ogum minha prece:

E quando cicatrizada esteja Para que eternamente


que não haja mais outro corte, no salão das minhas memórias
nem fundo nem aberto, eu possa vê-lo feliz
que não haja mais peleja comemorando suas vitórias, a dançar.
além das já curadas Seja meus olhos nessas horas,
figurando caminhos certos E saberei que o dia seguinte à luta nasce-
traçando em minha pele rá.
a marca daquilo que me tentou ferir,
mas Ogum não permitiu.

Que quando ecoarem os tambores


e o tilintar de espadas assombrar,
que Ogum feche meus olhos
e os olhos daqueles que eu amar.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 24

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Patakori
Ao desbravador de caminhos
que corta em veredas
as carnes da vida fechada
trilhas abertas na espada
cintilante e desenfreada
profeta da minha sina.

Aquele que bravamente


golpeou meus algozes dias
quando forte eu não pude ser.
Quem ensinou a andar
quando eu engatinhava
pensando que estava a correr.

O braço forte e a carne dura


o suor em minha testa, na boca a secura.
Reconheço então sua presença bem aqui
onde perde o compasso o ventrículo louco
Lembro que dono de mim sou pouco
quando finalmente ouço.

“Patakori”

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 25

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Coroa de Mariwô
Ogum que parte minhas certezas em sete
Divide-me como um broto de mariwô
Corta e abre em brasa o que era ferro e sólido
Molda e lapida no calor do momento o inglório
Às avessas do herói, não há tempo pra louros
Quando se tem muito o que fazer.
- O que importa é ser feito -
Deixem pros vaidosos os ouros
Se a sorte favorece os audaciosos
Quem se espelha em Ogum
Não tem o que temer.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 26

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Para Oxóssi...
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Ode a Odé
Bússola da humanidade
guia para ancestre felicidade
na fartura dos dias para viver.
Triunfal perfume
antídoto para vida rasa,
na pele a impressão marcada
de todos os dias passados,
presentes
e futuros.

Pena azul do faisão vaidoso


aguerê de cautelosos passos
ouvidos atentos da lebre
ofá de derradeiros,
impulsivos rastros.
Instinto que não se explica
estrela-guia de marfim
a clarear floresta escura.
Bússola da humanidade
direção para toda procura.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 29

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Instinto
Há em mim uma tendência
uma correspondência
algo assim, meio ancestral.
Um alarme, um radar
nada digital.

Instinto é
o que me faz estudar a presa
que me faz alerta
e não me deixa enganar.

Se é bonzinho demais,
fala mansinho
faz de tudo pra me agradar...
Cuidado redobrado!
Algo me diz que
aí tem alguma coisa
que não querem me mostrar.

Não fico atrás da moita,


nem em cima do muro.
É que hoje nas matas de concreto
prefiro passar discreto, seguro.

Bom caçador não mora no perigo


sabe quando se apresentar.

E quando eu me mostro
sou flecha em disparada
única e precisamente atirada.
Sei bem onde quero ir
e não demoro a chegar.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 30

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Aguerê
Em descompasso o traçado
a bolsa de couro e o chapéu
pra frente dois passos
depois da recuada,
a dança cautelosa
daquele que veste o azul do céu.

Faisão que sobrevoa


a mente acelerada
dos que pensam e com agilidade
silenciam o grito, semicerram os olhos
enfeitam a experiência
com a graça da jovialidade.

Atravessam a madrugada
insones, conhecedores do escuro
não morrem, não falecem
antes do dia chegar, entardecem,
e desaparecem com um giro.

Respeita-se a elegância
da flecha única do pai de Ketu,
que não reluta nem repensa.
Antes, se atira para a eternidade
o Senhor das poucas palavras,
e da voz imensa.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 31

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Flecha
Quem avança mato adentro
Não teme nenhum futuro
Não tem medo do que tem no escuro
Estuda calmamente seu habitat
Não tem elefante que brade alto suficiente
Nem cobra que o veneno seja tão latente
Que Ele não saiba caçar.
A prosperidade
nem sempre vem na calmaria
Por isso Oxóssi
É arco que me atira
Eu flecha e Ele
pedra de me amolar.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 32

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Liberdade
A coroa de Orí é o coração
Que quando bom, brilha
Que quando puro, ofusca
Que quando nobre
Pulsa no passo do próximo,
Entende o valor de ser comunidade.
Entende que ser livre
É ver no outro a mesma felicidade,
De estar com as asas abertas sem medo,
Com a mesa farta dos seus desejos,
Com a caça disputada de todo dia,
O silêncio merecido de toda noite,
E o descanso que todo caçador
procura no fim da tarde.

Entende que ser livre afinal


É ver as crianças correndo pelo quintal,
Com as roupas sujas e simplicidade;
Sob os olhos dos mais velhos
Tranquilos em sua longevidade;
Enquanto as mulheres prosperam
Imponentes e destemidas
Em igual dignidade.

Pelo coração que tudo isso entende,


Logo, também se compreende
Que se o coração é a coroa de Orí
A coroa de Oxossi é a liberdade.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 33

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Para Omulu...
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Silêncio
Eu fui e voltei muitas vezes
por vias estreitas que quem me peita não pisa.
Eu sou a cicatriz dos rostos abertos,
a notícia da cura para os que esperam,
o vento pelos corredores dos hospitais
o vapor que sai da panela que estoura o milho.

Eu fui a eureka nos laboratórios,


a mancha na pele do artesão,
o coração farpado do artista
e os sonhos dos estudiosos.

Eu sou a faísca do sol que inspira


a pedra que dura e quente,
molda os pés do viajante.
Sou e sempre fui
o chão que tudo sabe
tudo ouve
tudo vê
tudo suporta
e nada fala.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 36

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A Era do Sol
Há muito tempo
O Sol me invadiu.
irradiou, iluminou
o escuro que havia no meu coração.

Aqueceu o meu chão


e fez brotar meus dias
que floresceram nutritivos
grão por grão.

O calor acariciou meu rosto


ferido daquilo que outrora passei.
Curando chaga por chaga
vi que sob as palhas
O Sol, da Terra é Rei.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 37

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Pipocas
Meus dias em cestos de vime
Viram pipocas, flores em grão
Presenteio o Sol que ilumina quem vive
E quem se entrega à vida de coração.

Pai de todos que andam sobre a Terra


Não nos deixe esquecer que o tempo é rei,
Dança em volta da morte,
Espiraliza as horas e os dias
Provê as curas para que retornemos às alegrias
De sermos exatamente a matéria prima
de tudo que há,
De sermos aparentados a tudo que existe,
De sermos nossa própria história,
E nosso próprio tempo.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 38

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Prece de Palha
Ao dono da Terra
Mais uma vez peço licença
pra esse dia que há de raiar.
Na melhor das intenções
quero ser teu solo fértil
e deixar crescer em mim, os brotos
dos raios de um sol quente
nos dias de vida fria.

Ao dono da Terra
mais uma vez peço licença
e um pouco de coragem
pra enfrentar as mazelas que chegam
que tão incontroláveis feito elas
sejam as curas que precisam se espalhar.

Senhor da terra
que de velho nada tem
além dos milênios de conhecimento
dos homens que por cima dela andam
Das crianças que a todo segundo nascem
e por ela vão e vêm.
Meu amor mais antigo,
ouve minhas preces,
também me conheces como ninguém.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 39

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Chão
O corpo, a alma, a vida e a morte Tão antigo quanto o Sol,
Germinam e brotam de uma terra fértil Tão forte quanto o chão.
Que um dia um homem tocou,
Velho, novo, guerreiro, sério Este que viu de tudo e conhece o coração,
A depender da vista que o enxergou. Médico do corpo e do espírito,
Os dois são sua comunhão.
Andando vagarosamente A agrura não faz as flores desabrocharem,
contra corrente em multidão. As lágrimas não fazem as horas passarem,
Ouve tudo, Mas o silêncio,
vê tudo É remédio para toda questão.
e nada fala.
Tão antigo quanto o Sol Com calma ele passa,
Tão forte quanto o chão. Na vida se costura e enlaça,
Murmura baixo a língua das grutas e
No silêncio encontrou sua forma cavernas
de descompassar nossos enganos E com calma e magias ternas e sinceras
nossos tormentos mundanos. Permite que a cura de nós mesmos se faça.
Conheceu o sofrimento
a dor, a felicidade e o amor.
E quando nossas cabeças
em gritos estão
todos os tique-taques se vão
Ele está ali, zangado
não gosta que gritem, que urrem
que se desesperem sem motivos ao seu
lado.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 40

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Para Ossain...
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Agô
Se for arrancar a folha
Peça Agô a seu dono
Não a desperte do sono
se não for pra sonhos realizar.

Pense que tu também é folha


e se alguém na encolha
vem você do mundo arrancar
tu também terá um pouco
do corpo meio oco
porque sua alma
não souberam despertar.

A folha dorme mas tem dono


Não a desperte do sono
Se não for pra sonhos realizar.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 43

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A Folha e o Corpo
Se teu corpo tem veia,
a folha também tem.

Se tua veia tem sangue


a folha também tem.

Se tu tem alma
a folha tem também.

O suco verde é a cura


que o vermelho não te dá.

É magia pura
concedida à sua procura
pra tua natureza despertar.

Ko sí ewé
Ko sí Òrisá

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 44

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Sonata na Mata
O menino, temia entrar no mato O cenário é sedutor
e encontrar o homem de uma perna. atemporal por natureza
Ouvia das palavras do velho mas lembre-se de pensar com clareza
da pele negra e dos olhos de noite: quando ouvir o pio de Arony.
Ossain é quem ali mora em todo o canto,
Pise com cuidado, e te observa.
o estalar das folhas são campainhas
que anunciam a chegada de mais um. Do que você conhece, te garanto,
Os galhos, dançam, balançam, os encantos da floresta vão muito além
quando o vento pergunta “O que houve?” das travessuras de um saci.
As raízes buchicham entre si
e pegam nas mãos umas das outras.
Na expectativa de que você
também com elas possa dançar.

Não assovie, nem arranque


não desrespeite a sinfonia das cascatas.
O néctar que escorre de cada flor é corda
de riquíssima sonata na mata.

Se sentir olhos te acompanhando,


abaixe a cabeça, faça assim.
Pés vão pisando, murmúrios rolando
e o perfume de erva encantando o jardim.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 45

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Sassanha de Saci
Fumo de rolo,
Sassanha de saci,
Verde campo dos morros
Única perna de Arony.
Sem folha,
Não tem vida.
Sem vida,
Não tem Orixá.

Sulco d’árvore,
Galhos que conversam,
Cachimbo e fumaça,
Não quebrem a cabaça.
Sem folha,
Não tem vida,
Sem vida,
Não tem Orixá.

O canto que prende,


A cura que liberta,
As horas que não passam
Dentro da floresta.
Do médico ao feiticeiro,
Do chá de vó ao melado de mãe
Sem folha não tem vida
E não tem folha sem Ossain.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 46

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Minhas Folhas
O som da floresta é sinfonia. O murmúrio da água e o
bater das asas dos vagalumes são plano de fundo às
conversas das árvores antigas, que tagarelavam sobre a
mudança do tempo. Agitando-se, remexendo os galhos
em coreografia.

Perto dali estava Iroko, que guardava consigo a cabaça


dos segredos de Ossain. Tendo recebido a visita do amigo
(exímio adivinho) mais cedo, achou muito estranha toda
aquela movimentação, já que não fora alertado sobre a
tempestade por ele.

- Arony, Arony! Eu lhe chamo! - A voz de Iroko ecoava


pelos corredores verde escuro, enquanto os arbustos e
galhos esquivavam-se, abrindo passagem para a chegada
de Arony, o anão, fiel servo de Ossain.

- Iroko! Por que não se prepara para a tempestade? -


Disse o mensageiro, mal conseguindo manter-se em pé
sobre sua única perna, em meio à ventania.

- Ossain não me avisou. A tempestade será muito forte!


E a cabaça chacoalha tanto que ameaça cair. Busca teu
mestre e pede para que venha proteger os seus segredos!

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 47

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A essa altura, Ossain já pressentia e recebia a visão da
origem da tempestade. Havia um redemoinho, cujo centro
eram as saias de uma mulher que as levantava, rodopiava
e sacudia, espalhando nuvens negras e impetuosas
empurradas pelos ventos urrantes. “É Oyá!” Pensou, e
seguiu velozmente em direção à clareira onde estava
Iroko, ouvindo o chamado do servo. Infelizmente, o tempo
correra contra Ossain e a indomada tempestade levou a
cabaça ao chão bem diante de seus olhos, espalhando
suas filhas-folhas por todos os cantos do mundo.

Naquele dia, todos os Orixás se apoderaram das suas


próprias ervas. O plano surgiu por um inconformismo de
Xangô, que não aceitando o domínio de Ossain sobre
todas as plantas, pediu ajuda à Oyá para que o poder
fosse, finalmente, dividido. Por mais que Xangô tenha
realizado seu desejo, ao receberem as folhas, os Orixás
perceberam que o Axé delas não era desencadeado
como desejavam.

Ossain, apesar de tê-las perdido, continua sendo o único


que verdadeiramente sabe como encantá-las, acordá-
las e prepará-las para que todo o seu poder e magia
seja devidamente libertado. Sua voz tentando recuperá-
las ainda pode ser ouvida em sopro, em sussurro: “Ewé
ó! Ewé ó! Minhas folhas, minhas folhas!” durante seu
macerar. Ossain é o senhor que reina no néctar divino, no
sangue verde recolhido. Sem Ossain não tem folha, sem
folha não tem Orixá.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 48

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Para Oxumaré...
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Onde o Barro
é Porcelana

Na terra úmida airada por suas escamas Chuva pra mim é benção,
Quem se atreve a sibilar os olhos Arco-íris é magia antiga,
Vagueia e serpenteia a própria sorte Bote de cobra é livramento
Lá onde o barro é porcelana E Oxumarê é a escadaria
E as vistas grossas de antes Que leva ao Orun,
Encontram os mistérios da vida e da Maior dos firmamentos.
morte.

Escorrem entre os dedos as horas,


O primeiro, o segundo
O que antes era simples, hoje é complexo
O que parecia limpo, revela-se imundo
Porque não é qualquer coisa que satisfaz
Quem se abriu aos mistérios do mundo,
Quem ousou permitir que a pele trocasse
Que a serpente bradasse
Que as maçãs em vez de malditas
Fossem fruto de conhecimento
E os jardins proibidos por banimento
Fossem matas onde se recolhe
fundamento.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 51

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Dualidade
Enrolando a Terra Santa dualidade:
alinha os astros e oceanos. bem e mal,
Seu rastejo, pelo mundo dia e noite,
seu abraço apertado, macho e fêmea,
formou tantos vales doce e amargo,
impossíveis de contar. frio e quente.

Força escondida Já me disseram os antigos:


enorme demais para ser vista A chave da porta do Orun
ou percebida por nossos olhos tem formato de serpente.
tão apressados,
tão enganados.

É na continuidade que não vemos,


é nas grandes coisas da natureza...
Todas as coisas!
Pois nunca serão pequenas.
Onde está o re-ciclar do novo dia.
É nas gotículas transparentes
Mensageiras
de uma nova colheita.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 52

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Pele de Serpente
Os barajás me tocaram a pele
vesti arco-íris pra adentrar em novo dia.
Quando me olhei nos reflexos da lucidez
vi que já não era quem fui ontem,
mas ainda assim era um pouco.
E gostei.

Volto pra mim quando vou embora,


porque repito tudo que existe.
Eu sou parte de tudo o que existe,
eu sou um pouco de tudo que existiu,
e eu estarei presente em tudo que existirá.

Meu rastro sobre a Terra é chuva


que em interna febre borbulha
e me faz, mais uma vez, desaguar.
Serpente, gente, ciente
de que o mundo todo é minha casa
e a eternidade dos ciclos, o meu lar.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 53

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Todas as Cores

Coloridas são Coloridos são


as junções dos planetas os olhos do mundo
que em sua dança se embaraçam que tudo viu e tudo vê,
misturam início ao fim e meio. quando semeia as coincidências
Constelação de acasos em apoteóticos círculos
que brotam, emergem de infinitas reticências
e pelo mundo serpenteiam. a renovarem-se pela eternidade
sem que as deixemos de ser.
Coloridas são
as vozes das pessoas Coloridas são nossas peles
costurando em nós suas almas carnal prova divina
fragmentos de gente feito fitas do arco-íris de Oxumarê.
laços que fazem sermos nós
sermos todos.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 54

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Santo Cotidiano
Era dia de bafo quente
e os sapatos coloridos
rastejavam pelo asfalto
até que sacados
guarda-chuvas pro alto:
a água lavou o chão.

Pela janela embaçada do ônibus


por cima do reflexo da multidão
a criança no banco de trás se empolgou:
“Olha que lindo o arco íris!”

E isso bastou
pra curiosidade do adulto acordar.
As cabeças se voltaram
buscando o sol de mais cedo,
e os olhos sonolentos fechados
se abriram sem medo
pra ver a serpente passar.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 55

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Para Nanã...
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A Canção de Daomé
Toda vez que uma gota de chuva quebravam quebrantos, faziam partos,
Toca o chão quente e evapora cuidavam de toda uma cidadela.
As almas de outrora formam um coral
Daomé canta - Salubá! Nanã da Candelária
Que nos deu tantos presentes
Nanã é a avó observadora Yewá, Oxumarê, Obaluaye
que antes do neto subir na árvore Energia sábia, antiga, feminina e amorosa
já sabe que vai ter machucado mais tarde pra na minha vida e no meu Ilê
cuidar,
Uma orelha pra puxar,
E um susto pra entrar no álbum de fotografias

Nanã é a mãe de família altiva


com seus filhos rigorosa e exigente;
que ensina a perdoar os erros alheios,
ser respeitável, honesto, firme
e sempre benevolente.

Nanã é o barulho da água da chuva caindo,


no parapeito da janela de uma moça jovem.
Anunciando o fim da escassez
para quem estuda, sonha,
esculpe seu futuro com maestria
e vive um dia de cada vez.
Nanã é o cajado de carvalho fincado no solo
das antigas rezadeiras à luz da vela
que sem hora pra dormir

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 58

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Conselho de Avó
Há muito tempo sem água - Meu neto, vá lá fora e converse
O sol refletido nas rachaduras do chão. peça para o tempo que chova amanhã
Minha boca seca e a língua áspera Saí correndo descalço, pra pedir ajuda a
esperando do céu alguma solução. Nanã.

- Chuva que preciso, venha logo “Minha velha, ajuda essa minha gente.
que não posso mais esperar. Não deixa ninguém de sede morrer.
Enche nossas fontes, nossos poços.
Ouvia meu pai dizendo, sem esperanças Torna nossa vida um pouco mais fácil de viver.”
e minha avó prontamente o interrompia:
Adormeci nos braços do fim da tarde,
- Não fale assim na frente da criança! com um céu laranja, pintado de vermelho.
Não foi essa a educação que te dei! Acordei, no dia seguinte, ao som dos pingos.
Já disse que chuva é o sagrado Foi dia de festa no sertão inteiro.
e o sagrado sempre sabe a hora de aparecer.

Meu pai, homem bruto


respeitava mais que tudo minha avó.
Calou-se,
em sua garganta um nó.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 59

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Salubá
Acalma essa cidade
esfria essa correria
inunda essa euforia.
E esses corações secos
molha, não deixa secar
pra não despedaçar.

Nanã amada
fonte daquilo que faltava,
das águas puras renovadas,
lava essas vidas
correndo de lá pra cá.

É que quando tua chuva


cai em mim devagar
minha mente vira altar
e é lá que eu canto
“Salubá!”

E aí eu também ando devagar


E aí eu também sou chuva
E aí também me inundo,
renasço,
revivo,
vivo.
E canto
“Salubá!”

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 60

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Chuva de Mim
Depois da chuva
ficou a lama
o cheiro da terra molhada
no solo quente de outrora.

Nanã passou por mim


e moldou novamente o barro
daquilo que eu dava por concreto.

Nem tudo deu tão certo


e a turbulência das gotas infindas
feito palmas batiam no meu rosto,
e me faziam reacordar.

Que a chuva de mim


seja também assim
infinita em sua queda
e doce em seu tocar.

Que façam deste corpo terra


e que saiam 7 cores dela
pro meu céu de novo colorir
e o arco da serpente,
novo ciclo começar
Saluba, Ahoboboi!

Por este dia


Por esta vida
Ahoboboi, Salubá!

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 61

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O Igbá de Nanã
O Igbá de Nanã Senti as gotas
adornava majestosamente o Ronkó respingos de alívio e gratidão.
de um sonho que há pouco tempo tive. que preenchiam o meu espírito
Eu, criança curiosa como que se me lavassem também o coração.
ao abri-lo estatelei meu olhar
sobre os otás mais lindos que havia visto. Acordei
Realizei que em meu corpo,
A água em sua superfície a lágrima que escorria também era chuva
remetia a pântano surrreal e cristalino, fazendo o trabalho de Nanã,
que me fazia imaginar e temer clareava minha vida, embaçava minha visão.
todos os mistérios que havia
entre o céu e a terra, Em um segundo de silêncio
entre a vida e a morte, o tamborilar do chão pequenino
entre a fonte e a chuva. me divertiu os ouvidos.
Chovia lá fora,
Entendi o trabalho imenso e eu, chorava mais não.
de preparar o solo para Omolu brotar,
de cair a chuva pra Oxumarê passar, Naquele dia
de molhar as folhas em que Ossain está. deixei a chuva entrar: Inundei-me.
Todas terras sem fim,
terras em mim.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 62

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Para Oxum...
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Oriki
Antídoto para todo mal O brilho de Seu riso
Água pura que limpa a própria fonte, Assusta até o caçador de elefantes
Abençoa nas mulheres o útero Que corre nas savanas
Beija das crianças a fronte. E abandona seu marfim
Oxum não consente que as maldades do Louvo a grandiosidade de Seu gesto
mundo Meu corpo é rio que se estende Seu manifesto
Recaiam sobre mim. Tudo que transforma em ouro dentro de mim,
A deusa mais perfeita,
Ouro quente que derrete coração de chumbo Meus respeitos!
A leoa que faz o leão se esconder de Oxum não consente que as maldades do
vergonha mundo
A Deusa que permite aos povos o mundo Recaiam sobre mim.
A mulher que chegou onde nenhum homem
jamais sonha.
Oxum não consente que as maldades do
mundo
Recaiam sobre mim

Senhora da noite mais escura


Aquela a quem os pássaros noturnos respeitam
Pio de coruja, farfalho de jaqueira
Não há feitiços que não te conheçam
Não há feiticeiras que não te agradeçam.
Oxum não consente que as maldades do
mundo
Recaiam sobre mim.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 65

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O Nascimento de Oxum
Quando Oxum nasceu
As árvores esticaram-se para ver
As aves cantaram sem entender
E os rios revoltos e salinos
Acalmaram-se, adoçaram-se
diante do Seu amor.

Quando Oxum nasceu


Os ventres remexeram
As lanças dos homens se encolheram
De medo, de respeito
Pelo sangue retinto que escorria
Pelas pernas das mulheres
Que sangravam e não morriam
Encolheram-se de pavor.

Quando Oxum nasceu


A pepita tornou-se ouro
Oxalá dividiu seu tesouro
E consternado em contemplação
Derramou suas águas para Ela
Que mostrou o seu valor.

Quando Oxum nasceu


Todos os segredos renasceram
Os mistérios do mundo se esconderam
Correram hipnotizados aos seus braços
Para as mãos da beleza em negra flor

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 66

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Lar D’Água
Na curva da nascente
Fiz de mim peixe
Para que feliz na corrente
Eu pudesse desaguar.

Esse longo rio chama vida


Os afluentes são outras
Influentes vindas
Todas para amar.

Sim, o desamor existe,


Verdade líquida e fria
Nada parecida
Com as águas que fiz de lar.

Mas se a minha vida é rio


Aqui Oxum impera, reside
Não deixa espaço
Pro que não é de ouro entrar.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 67

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Moinho
“Ouça-me bem, amor
preste atenção
o mundo é um moinho.
Vai triturar
teus sonhos tão mesquinhos
vai reduzir
as ilusões a pó.” Desliguei o rádio.
Assim como não ouve às rosas, mestre
desta vez não ouvirei sua voz.

Tal qual conselho de mãe


guardo nas memórias
o que Oxum cascateou
teimosa em meus ouvidos,
Um murmúrio ensurdecedor
Da velha contadora de estórias.

Um pouco de mim é água,


contorno a pedra e moldo o rio
conforme o meu desejo.
E quando por ensejo
o que quer que seja
me faz gota,
esparramado, pequeno ou sozinho,
continuo sendo água
e é a água quem manda no moinho.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 68

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Espelho
Ser Teu reflexo, ser Teu espelho
Descansar a consciência em Teu seio
Saber que quando me olham vêem Tua imagem,
A Deusa mais bela, a visão de uma miragem;
A mais inteligente, senhora da sociedade.
Aquela que nunca se põe à margem.
Aquela que construiu seu trono,
Não faz corte, nem tribunal,
Aquela que não é justiça cega,
De olhos fechados o ouro falso enxerga,
Não há barganha para o que A quer mal.
A dócil que afoga o inimigo em águas silenciosas.
A feroz que banha de amor as paixões tórridas.
Senhora de si, senhora de todas
Senhora da felicidade e das coisas boas.
Meu sonho é refletir o que há em Ti,
Ser sempre o melhor que há em mim,
Como um rio de vida que nunca acaba,
Como a queda d’água pura que não tem fim.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 69

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Oxum Leoa
Oxum leoa,
Tá no corre da mina que trabalha o dia inteiro,
Estuda e ainda tira tempo pro cabelo,
Porque a cabeça dela só tem espaço pra usar sua coroa.

Oxum leoa,
Tá no dia a dia da mãe que mal se olha no espelho
Mas se sente a mais linda
Quando os filhos se alegram vendo sua coroa
chegar em casa depois do dia cheio.

Oxum Leoa,
Tá nos braços da executiva sobre a mesa cheia de homem,
Falando o que fazer e quando fazer,
Porque se não for do jeito dela
É melhor nem acontecer,
Vai ser trabalho mal feito e a toa.
Ela ralou muito pra estar ali
Não é o leão quem caça, é a leoa.

Oxum Leoa,
Tá na conversa da mulher mais experiente
Que fala pras jovens os conselhos mais pra frente
Que dá a dica e a pista do mapa da mina
Pra ninguém chorar depois de avisada.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 70

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Oxum leoa,
Tá na mão das mães de santo,
Que cuidam do seu castelo,
Cuidam do seu afeto
São rugido pra fingido,
São colo pra quem tá em prantos.
São magia em todos os cantos,
São canto de cachoeira, e banho de erva mãe-boa.

Oxum leoa,
Tá no salto da drag, no batom da trans, no trejeito da
afeminada
Ela não tem medo de ser recriminada
Bater de frente com ela não é uma opção,
Respeitar é a única saída pra você, meu bem
Porque de onde ela vem, é a leoa quem manda no leão.

Oxum leoa,
Tá na esperança da mulher que sofre
Porque a cada lágrima dela que escorre
Ela sabe que vai ser água de matar a sede
Da leoa que com a sorte vive de flerte
E por mais que pareça, nunca dorme.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 71

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Para Obá...
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Coragem
Não foi só uma orelha Foi saber que o preço era alto
Feliz de quem pode a isso dar ouvidos Mas ainda mais caro era pagar
Para compreender sua lição. A conta de uma oportunidade perdida.
Foi ir às últimas consequências E se a coragem é agir com o coração
Em prol daquilo que se via razão. Resta a maior certeza aprendida:
Foi lutar sem escudos, Que é feliz quem não se protege da vida.
Foi dar em facas os murros, Coragem é coisa de quem se atreve
Por de seus princípios não abrir mão. A não defender-se das consequências.
Ir pra caçada de peito aberto Na guerra, no amor e em tudo
Foi trilhar caminho incerto, Mesmo que o mundo fique mudo
Foi confiar no outro e se arrepender Quando se quer mesmo, vale tudo
Descobrir que nem todo amigo é irmão. Em troca do que se ama e se quer.
E nem sempre nosso amor Coragem não é pra todos, não é moda
Dará valor aos sacrifícios por lhes querer. Coragem é coisa de guerreira
Foi saber que tem coisas pelas quais De deusa, de caçadora, de mulher
Vale a pena se arriscar. Coragem é coisa de Obá.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 74

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Desafio
Ela é o encontro do rio
A revolta do quente que se choca com o frio
o mar salino embriagado de água doce
A pororoca que mata e sai impune.
Quem desafiará Obá?

Na caça, antes de Oxossi


Na guerra, antes de Ogun,
Na magia, mexe suas panelas,
pica orelhas em gamelas,
Confabula com Oxum.

A que não teme o rei,


antes de mais nada, é líder.
A que não teme as bruxas,
antes de tudo é mãe delas.
A que não teme a dor,
seu cavalo é rápido,
Antes que a lágrima caia,
antes que o coração não aguente,
vira ribeirão e tromba d’água novamente.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 75

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Para Yewa...
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Refúgio
Das belezas profundas
que se espalham discretas
existe uma seta,
rastro de serpente
apontando o caminho.

Se o equilíbrio existe
e em tudo habita bem e mal
o homem com o dedo em riste
queima a floresta,
contamina a água
extingue o animal.
Nessas horas,
os pássaros cobrem os céus
com suas coloridas penas.
E viajam desesperados
para perto dEla.

Entoam cânticos
em sua homenagem
“Ri ró! Ri ró!” Refugiados filhos
que correm, voam
deste mundo frio
e pousam alegres
nos braços de Ewá.

Entoam cânticos
em sua homenagem
Ri ró! Ri ró!

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 78

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Visão
Pelo chão ficam minhas escamas,
Troco, refaço, faço, me lanço ao chão para o bote,
Eu não tenho medo da morte,
Eu sou o rastro da mulher serpente no mundo.

A Deusa do segredo,
Conhecedora de todos os enredos
Sibilou em meus ouvidos seus encantos.
Seus lábios não carregam veneno,
Ela é meu antídoto para todo quebranto
E sorrindo de canto a canto
Deu-me a sua visão:
Ewá não rasteja,
Ela é o próprio chão.
Firme, seguro, antigo,
Puro, como seu coração.

Cerro meus olhos e meu punho,


Ela me deu a missão e eu assumo,
Não há caçadores que me tirem do prumo.

Minha mãe é realeza,


Rainha sem coroa, amazona,
Bicho de mata, cobra de correnteza,
Flecha de certeza, equilíbrio da minha cabeça.

Eu filha, nada menos que princesa.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 79

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Para Oyá...
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4 de Dezembro
Por minha vida, te amo
Pássaro da manhã que em meu peito fez ninho
E nenhuma cobra nunca mais se criou.
Aquela que quando me abriu as asas
Dissipou e fez poeira das mágoas,
Viu meus opositores com suas laias
E jamais se esqueceu de seus nomes.
Não me afrontam ameaças
Ela tem quem A honre,
E eu, que transbordo em dúvida
Nela tenho minha única certeza.

Por este dia, te louvo


Mesmo sabendo que um dia é muito pouco
Também te peço clemência,
Porque te carregar é estar coberta de louros
Que espinham pouco a pouco,
Exigem em guerra, resiliência
Nas veredas de uma vida
Que só quem te tem por perto
é capaz de suportar.
És pesada, Mãe, sei disso
E meu pranto é o mais aflito,
Das emoções, eu flerto no precipício
Meu coração rasga demais,
Eu choro demais,
Eu grito demais,
Eu penso demais,
Eu sinto demais,
Eu faço mais do que deveria, sempre mais...

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 82

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Eu sou uma tempestade
Tanto na dor quanto na alegria,
Tudo em mim é excesso,
E tudo em mim é tão teu quanto és dona de si mesma.

Por existir, te agradeço


Minhas juras de nada valem teu preço
Desde que minhas Kuras curaram-me pelo avesso
E a maior marca que tenho dentro de mim
É da violência que sua candura cicatrizou,
O mal em mim cegou,
Assim que meus olhos por Ti também se fecharam
E minha voz foi trovão como tantas outras que bradam,
Seu “Hey” é minha religião.

Eu não sou mais nada sem tê-la ao meu lado.


E se um dia fui alguma coisa,
Saudades não guardo.
Ela é a borboleta que dormiu sobre meu telhado,
E eu repouso em Seu colo,
Enquanto me regas de dendê e acarajés.
Sou flor que cresce debaixo dos seus pés,
E meu altar é Teu bom coração.
Pelo vento que bate em meus ouvidos e me diz
“Vamos!”,
Todos os meus dias são 4 de dezembro.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 83

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Segredo de Oyá
Meu pai caçava quando viu um búfalo, As mulheres gritavam depois
mas a fera era truque. “Oyá não nos engana mais,
Mera pele que envolvia uma mulher,
radiante no riacho a se banhar. Tu usas a pele de búfalo!
Ogum que nos contou!”
Quando descobriu o segredo dela, Minha mãe, ferida, traída e humilhada
a encurralou em questão de instantes,
mas, ao ver sua postura, a morte delas espalhou.
tão destemida
meu pai se apaixonou. Eu e meus irmãos éramos nove,
Prontamente, ele a ofereceu sua vida e nesse dia recebemos os chifres
e ela em troca de sigilo, o seu amor. da pele que protegia minha mãe.

Apesar dele ter outras esposas, Ela nos disse:


isso não incomodava minha mãe, a mais
bela. “Quando precisarem,
Mas a inveja crescia entre elas batam-nos e me chamem.
que queriam a todo custo descobrir o E de onde estiver, eu os responderei.
segredo de Oyá. Ensinem aos seus descendentes,
seus filhos e deles os netos.
“O que tanto faz Ogum a amar?” Basta gritar Epahey.”
Perguntaram ao meu pai,
depois de o embebedar. Empunhou sua adaga,
vestiu o restante de sua pele
“Não é possível que não tenha defeito beijou a cada um de nós.
do qual Ogum não possa falar.” Oyá é a mãe de uma legião
Ele firme feito ferro, respondia: que a ama e segue
“Não falo por não ser direito. e que mesmo ao ter partido
Não revelo o segredo de Oyá.” nunca nos deixou sós.

Tanto insistiram e ele tanto bebeu


que o rei guerreiro enfim cedeu.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 84

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Ser de Iansã
Ser de Iansã Ser de Iansã
É ter um exército de loucos É ver se aproximando
a avançar sobre sua cabeça destruidora e impetuosa queda d’água
e não se desesperar; sem te afogar.
à sua frente corre Bagan. É Onira quem caminha sobre o rio caudaloso.
Mojubá, senhora dos passos firmes Mojubá, minha senhora, revoada de borboletas
que marcha e golpeia as maldades do mundo raio de ouro na manhã de sol após a
com garra e destemor. tempestade.
Nada reclamarei ao lado teu. Que jamais perderei a fé ao lado teu.

Ser de Iansã E não há provas no mundo


É ver o mundo congelar que superem as agruras dos seres de Iansã,
com a frieza dos corações porque se o ditado diz
e não sentir o arrepio que Deus dá o frio conforme o cobertor,
Que Kará já te abraçou. nascemos de Iansã e de Iansã morreremos
Mojubá, senhora do tacho mais quente porque não há ninguém nesse mundo
que alimenta os filhos mesmo faminta após a que como Ela, que nos escolheu
batalha saiba transformar guerra e dor
De nada sentirei falta ao lado teu. em triunfo e amor.

Ser de Iansã Ser de Iansã


É ter o chão se abrindo sob os pés é conhecer o frio
e não se apavorar, e dispensar o cobertor.
que quem te põe no ar é Gambelê. Pois o abraço de Mãe é mais quente.
Mojubá, grande mãe, senhora conhecedora dos
dois mundos,
que não teme a face da morte e faz sorrir a face
da vida.
Nada temerei ao lado teu.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 85

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Quente
Eu nasci no tempo
fiz da nuvem preta colchão
minha carne, antes amolecida no alento
tomou forma e rigidez
ao experimentar da vida a pesada mão.

Minha manta foi o couro do búfalo


Queimo, firo, estrago feito fogo
devasto, arraso e espalho feito vento.
Tudo em mim é pesado
e até quando choro
sou enchente, relento.

Não sei ser metade


se a outra também não for quente.
Sou gente, sou bicho
sou eu quem marcha pra frente
quando todos olham pra trás.

E há quem diga
que sou dedo em ferida
Fera enrustida
de natureza tenaz.

De toda sorte, sou mesmo cria


de tudo que Oyá em mim comanda
em Suas mãos sou criança,
todo erro meu por ela se desfaz.
Dela tiro forças para a luta
e Nela encontro, finalmente, paz.
Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 86

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Sorte
Meu jarro de água que nunca seca,
Minha janela sempre aberta
Minha porta que nunca se fecha,
Meu peito nu que zomba das flechas.
Minha colher e minha panela sempre cheias.
Minha voz é uivo de vento, não de sereia.

Eu sou plantação verde, nova e potente que nasce


do solo que o raio queima, destrói e depois clareia.
E quando tudo acontece
Meu corpo se estende sobre a esteira
E eu me curvo para Ela.

Minha senhora de Irá


A borboleta que dormiu sobre meu telhado,
A maior sorte que eu tenho e que virá,
Meu manto pêssego, meu céu rosado.

No fim do dia somos só nós duas,


E eu sou cada vez mais Ela que eu,
Mais Dela do que minha
E mais feliz que nunca.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 87

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Nove Céus
É em prece que recebo os fins de tarde
onde o céu se abre em rosa
e por um momento,
posso ver seu rosto, mãe.

Mãe do céu rosado,


Mãe do entardecer
Mãe dos nove céus,
Mãe dos nove,
Minha mãe.

Quando todos temem sua bravura


por trás do que veem,
sei de sua candura.

Se Ye ye o
é rio de amor sem fim
Iansã é alfange
que por amor
luta por mim.

Por isso eu digo que quando voltar


minha velha alma a este mundo
em nova carne ressurgida,
nessa e em todas as outras vidas
minha única súplica sempre será:
“Deixe que eu seja de Oyá!”

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 88

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Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 89

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Para Logunedé...
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O Caçador
Antes de ser príncipe, Logun é um caçador.

Não que não lhe caia bem o ouro que herdou, ou o ijexá
que dança com pertencimento. Mas plumas e peixes
não preenchem o espaço no peito de quem nasceu
para desbravar. A delicadeza de uma corte, até parece
bastante adequada à toda sua postura, ainda mais
levando em conta a beleza de Oxum que não se perde
daqueles com quem Ela se senta à mesa para comer,
que dirá Àquele a quem deu vida. Ainda assim, por trás
de toda pompa, brilho e equilíbrio aparente, há o olhar
estreito de um Odé, que aprendeu a usar uma flecha
só, Daquele que nunca precisou de mais do que isso.
Omorodé, Logun é o filho que Oxóssi leva para caçar,
ainda que prefira a solidão. Amar é alimento. Amar aos
seus é prosperidade. Amar aos seus e ser amado de volta,
é fartura e sorte. Amar não é para os frágeis, e Logun, por
mais que pareça, nada de frágil tem.

Logun sabe quem ele realmente é. Por isso, é perfeitamente


capaz de transitar por todos estes mundos. Não há espaço
para narciso, nenhuma comparação é digna. Antes de
sermos o que pensam de nós, o que realmente somos?

Antes de ser Príncipe, Logunedé é um caçador.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 91

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O Príncipe
e o Princípio

Menino d’água, homem de mata


Coração de rio, cheiro de relva
Tudo que é doce e toca o milho
Tudo que é farto e cheio de mel
Tudo que é precioso demais
Pra ser escondido:
O Amor, a vida, o riso, o céu
Tudo que é forte demais
Pra ser incerteza
Logun Edé é a flecha disparada
Que caiu na correnteza,
Afundou e criou raiz
Renasceu em realeza
Um príncipe, um princípio
De uma vida mais feliz.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 92

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Verdade
Que a balança que nos pende as alegrias da vida,
Reflita em seu espelho as verdades do mundo,
E que mesmo aflitos com o que nos caiba saber,
Possamos seguir em paz com a honestidade oferecida.

Logun é o rosto bonito do bom caráter,


E os dentes afiados da implacabilidade do ser sincero.

Caçadores não tem tempo para teatro,


Reconhecem o ouro de longe,
Ainda que submerso em águas lodosas.
Reconhecem águas lodosas de longe,
Ainda que banhadas em ouro.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 93

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Realeza
Fazei de mim realeza
onde a destreza da caça
mora nos olhos da ave mais bonita.
Que o vulto da flecha que parte
parta para sempre as coisas
que indivisíveis e maciças
sobrecarregam minha canoa
neste rio em que vivemos.
Que da balança dourada
que pesa sobre minha cabeça
nunca se pese mais de um jeito
a ponto dos pratos afundarem.
Que o equilíbrio atinja meus objetivos
e só a verdade sopre em meus ouvidos,
enquanto o bem sai da minha boca,
ou se não, o silêncio.

Que meu reflexo, sempre seja


de algum semblante que lembre Logun
e que mirando-me estejam
todos os outros a ver o Deus
menino, encantado, sorrindo,
Príncipe do meu Orun.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 94

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Encantamento
Valha-me Logunedé
Com seu encanto
quando eu me encantar com ouro falso.
Valha-me com tua astúcia
quando me faltarem olhos além do espelho.
Valha-me com teu equilíbrio
quando eu pesar demais um dos lados da balança.
Valha-me com tua beleza
quando eu disser que não a enxergo em mim.
Valha-me com teu amor
quando eu insistir em amar quem não me ama,
E por ter me amado assim
Perceberei que valho mais.

Valha-me com tua prosperidade


que meu Ori a viva com honra.
Valha-me com tua serenidade
porque é preciso saber escolher quais lutas lutar.
Valha-me com tua agilidade
Para que eu seja caçador de minhas alegrias.
Valha-me com tua majestade
e sobre mim resplandecerá o manto de um príncipe.

Valha-me com tua sinceridade


para que a criança que aqui dentro vive
esteja livre do adulto que cresceu,
corra pelos quintais da vida
brinque, caia, se machuque
mas levante sorridente
saia correndo novamente
e ainda diga com desdém
“Nem doeu!”

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 95

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Para Yemanjá...
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Mãe Cujos Filhos
são Peixes

Yèyé omo ejá (“Mãe cujos filhos são Sem joias ou ouro para se agarrar à
peixes”) Yemanjá é a riqueza na juventude, estampar vaidade.
simplicidade. É o amadurecer com o Yemanjá é a prata da naturalidade.
passar da idade. É a voz sedutora que
insiste em dizer pra gente que as coisas Sem armaduras ou cobre para se
vão melhorar, que o que precisamos é de defender de si mesma, refém da
equilíbrio. impulsividade.
Yemanjá é a pérola da sinceridade.
Yemanjá é a fortuna de aceitar ser amado,
é a sorte de amar com tranquilidade. É Amor de todos os a[mar]es,
sobretudo a serenidade do mar, que sabe Festa de aldeia ou noite mansa
que soberano, acima dele só o céu. Água de todos os altares,
Yemanjá é religiosidade.
Yemanjá é o ancestral que atravessou o Mãe do sorriso das mães,
continente, é a herança do corpo que não Moça em todas as mulheres,
se perdeu no abismo. Abraço suado de criança
É a certeza de que família é sangue, Yemanjá é felicidade.
espírito, vontade.
Yemanjá está no perfume da paz da nossa
casa.
Yemanjá é cumplicidade.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 98

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Domínios
Há dias que o mar de dentro revolta
se chacoalham e chocam as águas
de maré cheia e esmagadora
de praia rasa, de espuma escura.
A lua para mim se escancara
puxa as ondas para o alto
e abre um sorriso cristalino
quando esburacado
meu mar revela o que se esconde
e ainda mais de longe
justo motivo de fazer lua rir
sorri também Yemanjá.

Há terras em que todos pisam


Mas só dela é o meu mar.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 99

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Porto Seguro
Se quem aos filhos beija
Alguma boca adoça
Vê-se no vai e vem ondino
os ósculos de Yemanjá

Todos que adentram o imenso reino


submersos pelo sagrado e salgado mar
desintoxicam as veias amargas
as artérias ressecadas
e se desafogam da saliva presa
por todas as vezes que não puderam se expressar.

É em dias assim que na praia


homens e mulheres rezam em fascínio.
Conversam, sorriem sozinhos
desembocam as lágrimas
para a imensa boca,
que beija as areias sem parar.

Todas as mães são preciosas


e preciosíssima Ela é
por molhar a alma tão insossa,
ouvir relatos de uma vida toda,
e devolver ao espírito a brisa
marítima e materna
para a vida desbravar.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 100

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Yemojazz
Eu que não sou serena, deixo para trás os devaneios,
os desvios e desterros, que ameaçam meu cais. Eu
comando meu navio, com fé, meu Orí não se esconde
jamais. Ogum me ampara na hora do desafio, me lembra
que a minha embarcação é feita das árvores que Iroko
abençoa, minha proa é de madeira forte. Do mesmo
material é feita a roda do meu leme que não teme a
própria morte. Antes, ele persegue o caminho da vida na
direção do vento que bate em minhas velas, eles saem da
boca de Oyá me desejando sorte.

A noite, por si só, é minha velha conhecida, seu perigo que


não ameaça mais minha paz. Eu já a atravessei, invadi, e
me lembro que até quando quis vê-la ainda mais escura, a
lua cheia encharcou o chão do meu convés, bem quando
ia me seduzindo pelos seus segredos. Meus ancestrais
fizeram o céu estrelado e interromperam meu revés
dizendo que ainda era muito cedo. Em terra firme como
as rochas do Rei, quando as ondas bateram nos meus
pés, percebi que do blues me tornei jazz. Ao que sobrevivi
fiz música, todo o resto será festa: como sereia que sou,
cantarei (e dançarei!). Quem me diz tudo é o melhor dos
mensageiros, que não me deixa cair em erro, aquele que
fala a verdade como eu. Ele fala em meu ouvido, me dá
rumo e sentido, minha bússola e meu abrigo, Exú é meu
melhor amigo, meu olho que tudo vê, a rota que meu
mapa percorreu.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 101

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De toda essa procela, sinto que tudo leva à Ela,
a majestade de mim mesma, a benção maior que
Olodumaré me deu. Ela que é todo o mar em que eu
habito, a que intercede quando eu grito, a que é a cura
pra tudo que sou eu. Yemanjá é mais que da esperança
o feixe, por ela me faço peixe sempre que meu barco
ameaça afundar. Com Ela me lembro que toda capitã é
também filha e eu que sou mãe, também sou cria, caio em
seus braços para a (e me) reencontrar. Quando a vejo nos
meus sonhos, lembro que a minha vida é toda Dela, que é
mais comandante que eu, no fundo (do mar ou de tudo).
Eu sou uma flor que atiraram sem escudo para presenteá-
La e Ela, encheu meu espírito de conchas, pérolas e
canções d’água, meu baú do tesouro que nunca acaba.
Oceano de amor, o amar do mar meu.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 102

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[A]mar
Ainda que eu fosse só um corpo
Ainda que meu Orí não existisse
Ainda que eu não tivesse família
Ainda que meu coração nada sentisse
A Yemojá, por instinto, eu amaria,
Porque tudo que aqui está
Está porque antes houve um rio,
Antes foi trazido pelo mar.
O mar é grande, amar também
E Ela, maior que tudo.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 103

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Reencontro
com Yemanjá

Sua “bença” e licença, mãe!

Trouxe flores mas não trouxe balaio de vime, bambu, nem


palha ou cipó. Sou eu, de carne e osso. Não carrego
champanhe ou mimos mundanos, mas lavei bem a alma
antes de sair de casa. Perfumei cada ponto do meu espírito
pra vir aqui te ver. Sei o quanto a senhora ama receber
suas visitas assim!

Decorei o canto dos meus lábios com as flores da


felicidade, que feito balões de festa, repuxam as
extremidades para cima e não paro de sorrir. Essas flores
são tão frágeis e levinhas, a senhora sabe bem; mesmo
de longe sei que esteve lá me ajudando a cultivá-las e a
retirar as ervas daninhas. Elas não resistem à água do mar,
não é mesmo?

Calcei meus pés com a determinação. Presente que ganhei


da senhora! Lembra que me disse que ela me levaria a
qualquer lugar? No começo sentia um desconforto, ou
melhor dizendo, medo. Mas com o passar do tempo
percebi que o tal medo era só uma pedrinha ali no meio.
Joguei fora e agora vou aonde quero!

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 104

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Esta roupa aqui é uma novidade: costurei um pouco de
cada um que passou por mim nesses doze meses. Pensei
que ficaria algo retalhado e infantil, mas veja, é tão
colorida que parecem até seus peixes e corais! Penso que
como o tecido, as vidas também se costuram, e tudo que
nos acontece, de bom ou de ruim, fica marcado, pintado
ou manchado em nós, pelo tempo que permitirmos.
Como perdoei meus desafetos e pedi perdão pelos meus
escorregões; a roupa está brilhando, novinha em folha,
do jeito que a senhora gosta! Claro que há um borrão ou
outro, assim como alguns furos, dos vazios que me foram
feitos esse ano, pela saudade dos que se foram, por opção
ou não. As outras pessoas não conseguem perceber
muito bem, pois o conjunto todo ofusca um pouco essas
imperfeições. Mas sei que a senhora, com os olhos
sobrenaturais de toda mãe, já viu tudo. Obrigada, por
sempre me lembrar que por mais que os outros não vejam,
o que está errado precisa ser consertado!

Gostou das flores? São brancas iguais às suas pérolas, e


à espuma das suas ondas. Sabe, mãe... Durante o ano,
em meio à correria e aos momentos em que não tive
tempo de vê-la, o coração doía, como quem estivesse
sendo afogado. A saudade apertava tanto, que meu único
alívio era quando a água salgada transbordava pelos
meus olhos, me lembrando um pouquinho do teu mar
que também habita em mim. Nessas horas, a tempestade
passava, a paz chegava, e mesmo transbordando, sentia
o colo teu. A paz veste branco, mãe. E essas flores são
de gratidão pela paz nos momentos difíceis, pela paz nos
momentos de euforia, pela paz nos momentos de alegria
também.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 105

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Agora estou aqui, com os pés na areia quente e macia,
enquanto a espuma brinca com eles, risonha. Ao passo
que sinto-me pequena e indefesa, confirmo que não
haveria qualquer outro lugar na Terra que preferiria estar.
Se Deus nos deu um pedacinho do Céu, não há dúvidas
de que está no mar. Mas também não tenho dúvidas
que está em nosso Ori, o guia dos homens, preparado,
equilibrado e amparado, pelas mãos da senhora, minha
mãe Yemanjá!

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 106

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Para Xangô...
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O Rei Chegou
O Nos raios da alvorada de uma quarta-feira
a sombra do homem no monte dançava
sobre sua cabeça o alvoroço das nuvens.
O vermelho de suas vestes
magnânimo magma dos vulcões
e o ronco dos trovões indeléveis
em leves lufadas de fogo
que faiscavam sob seus pés.
Amante das idas e vindas
tinha o coração em brasas pela certeza
da chegada de sua aurora,
consequência do poente no dia anterior,
e a vitória dos réus merecedores
após injusta ou amarga dor.
Para fazer-lhes jus aos ardentes traços
da personalidade que tudo faz e tudo paga
O guerreiro não usava adaga
preferiu o machado de dois lados:
quando um corta o ar, o outro valsa com o vento.
E desde então, para seu contentamento
seus muitos filhos levam realeza,
são príncipes e princesas
que no machado do pai enxergam as verdades
entendem das duas metades,
e do equilíbrio que só na vida irão achar.

“Se agora estou aqui, é porque já vou.”


E em manhãs como aquela
pulam e fervem de alegria
cortejam festivos, os alafins:

“O Rei chegou!

Kaô, Kaô!”

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 109

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Oxê
Ololò fi enu ikà lolé
Sàngó ko se gbé siré
Quem faz o perverso beijar o chão,
com Xangô não se brinca.

Toda a ação é um golpe


Que nas rugas e estrias do relógio
vira tatuagem, lesão, corte.
O que se faz fica marcado,
o que se fala é repetido,
e o que se deseja ecoa,
no imenso vale do tempo.

Mas tudo, tudo, tudo


em todas as hipóteses
sempre volta.
Para tudo, tudo, tudo
em todas as hipóteses
A reação é pagamento.

Ololò fi enu ikà lolé


Sàngó ko se gbé siré
Quem faz o perverso beijar o chão,
com Xangô não se brinca.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 110

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Amalá
Alafin dos meus impulsos,
Rei de Oyó, brasa de júbilos
O justo ou injusto, sem meio
Semeia o caminho certeiro
Sem outros termos, entrelinhas,
Estrela das preces minhas.
O que é certo é certo,
Ainda que pareça feio
O errado é errado,
Ainda que aqueça o peito.

Sol quente das manhãs,


Paixão de todas as Iansãs,
Senhor de todos, pai para alguns
Baluarte de todas as Oxuns,
Pés inflamados nos alujás,
Amor de todas as Obás,
Obá Kao, Obá Koso
Aquele que sobreviveu,
Aquele que a fé não se questionou,
Aquele que o céu mereceu,
Aquele a quem a justiça presenteou.

Se quem come quiabo


Não pega feitiço, então
Quem o dá de comer,
Enfeitiçado será pela vida,
Longeva, incandescida
Fogueira lasciva,
Onde dança o rei do meu coração.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 111

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Fogueira de Xangô
O Alafin não me dá outra saída
Queima em brasa meu coração
Desde que alafiou minha vida
Julgou ser feliz minha vocação.

Não fosse por Xangô


Dentro de mim não seria xirê,
E a alegria que então reinou
Não faria do meu Orí seu Ilê.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 112

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Julgamento
Às minhas dúvidas, Xangô é certeza. Vale meus olhos ao
detalhe, ao sinal, acelera meus pensamentos, ferve meu
peito, Dele é meu julgamento.

A Ele entrego a injustiça que não passa batida, as batidas


do meu coração que aceleram com a mentira, os impasses,
os debates, as truculências da minha vida.

Quem tem pai pra se espelhar, não morre sem saber o


que é verdade. Quem tem Nele um Rei pra amar, não se
ofende com vaidade. Que me aponte mil dedos quem não
me entender. Mas que não seja eu incoerente a ponto de
ser incapaz de me reconhecer. Quem conhece Xangô, não
pode ter medo de viver.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 113

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Prece a Ayrá
Esteja presente Ayrá,
quando a tarefa for difícil
empresta tua coragem,
para a justiça ser maior.

Esteja presente Ayrá,


na escolha dos meus amigos,
traga-os contigo.
Faz da minha lealdade a melhor.

Esteja presente Ayrá,


quando eu estiver a beira da fogueira,
livrai-me dos perigos, leão branco.
Ecoa teu rugido por minha vida inteira.

Esteja presente Ayrá,


na chuva que tamborila o meu teto,
protege os meus afetos,
como teu vento no mundo faz.

Esteja presente Ayrá,


quando eu estiver caminhando pelo erro,
veste de branco o meu vermelho.
Ensina-me a levar nas costas, a paz.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 114

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Para Ibeji...
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Par de Estrelas
Aos donos da sorte
Meu par de estrelas que aponta para o norte
O que está em cima é como o que está embaixo
Colorido caminho em que me encaixo.

Que por sobre minha fronte


se estenda sua esperança
E eu possa encontrar seus sinais
nos olhos honestos das crianças.
Deixo meu rastro com doces e frutas
De dois em dois, eu peço
para minhas mazelas as curas.

Quando Ibeji me beija


com sua presença
Geram em mim a gemilar satisfação
Da felicidade verdadeira
Pura e imensa.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 117

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Cosme e Damião
Doum saiu pra passear Na sabedoria pequenina
No asfalto quente de setembro Interessa mais estar feliz
Tapete pras solas pretas dos pés-de- do que estar certo no fim.
moleque Se Cristão ou Crispim
Descalços, driblando os percalços do Se Ibeji ou Erê
tempo Todos se sentam no cair da tarde
Imaginam ser a travessia do semáforo Fazendo ainda mais alarde
O maior obstáculo dessa vida breve. Agora é hora de comer!
E no meio da vitória açucarada
Correm todos com mochilas abarrotadas Há quem diga que por trás de algum
De saquinhos que farfalham “TIA, TIA”, ouviu um “Darmãe”,
e transbordam balas esperando guaraná, caruru e manjar.
Diferentes daquelas que o subúrbio
é acostumado a experimentar. Na inocência e esperança
Coloridas ao invés de perdidas De não existir mal nenhum.
Daquelas que adoçam o céu da boca Quem come doce não pega feitiço,
Não das que traçam o céu no ar. Quem dá Doce, alegra Doum.

Nessa trégua, espalham-se nas ruas


Ignoram a diferença das culturas
E não importa se na capela ou no terreiro,
Cosme e Damião é dia de doce.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 118

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Quinta de Erê
Quando o adulto se perde
existe uma legião
em séria reunião celeste
que nos segura pela mão.

Atreladas à responsabilidade
de ser exatamente o que são.
umas calçadas, outras sem nada, seminuas
ora tímidas, ora dadas,
sempre puras.

De nomes e codinomes sagrados


são fenômenos, pássaros
ferramentas e espadas.
Instrumentos, porta-vozes
das Divindades plantadas.

São mistério
tão grande em pequeneza
de palavras enroladas, mensuradas
carregadas feito nuvem
de inocência e leveza.

Quem vê ama
quem não viu, quer ver
o balaio virar quitanda,
e brincar na mão do Erê.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 119

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Para Oxalá...
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Holmes Nagô
A espada prata
cortando em azul amplidão.
Voz branda,
na verdade que dói.
Movimenta o alienado,
faz da mente pilão.

Minha sexta amanhecendo,


questionando o banal.
Minha vida,
castelo em construção.
Minha roupa branca
quarando no varal.

General arredio,
genioso pensador.
Rei em plenitude
nas vestes de soldado.
Mestre nos conflitos,
meu Holmes é Nagô.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 122

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Guia
Ao que perdeu a esperança,
O prata da espada.
A inteligente liderança,
Ao que precisa vencer a batalha.
Ao que se deixa ferir,
A inconformidade.
Ao que precisa de Paz,
O pilão.
O atori,
ao que não quer ser morada para a dor.
Ao que precisa de amor,
O amanhã.
Ao que precisa de Guia,
Oxoguian.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 123

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Decreto de Sexta
Hoje é sexta-feira, Aprende que
saiu um primeiro decreto: para o que não tiver conserto
“É proibido perder a fé.” tudo novo de novo, sempre.
Pelo amor que machucou, Para o que causar desassossego,
pelo plano que não vingou, persevere, vá a luta e não lamente.
ou pelas vezes em que, calado,
abusaram de você E pra começar a mudar seu mundo
e você não disse nada. faz da cabeça a tua espada
e da paz o teu escudo.
Aprende com Guian O Olorogun da rotina é garantido,
que para os amores sem cura, mas quem tem fé, tem tudo.
há a nova aventura.
Para os planos sem vida,
há a nova tentativa.
Para os abusos do cotidiano;
o debate justo, franco
corta mais que qualquer lâmina
e não humilha teus inimigos.

A intenção é essa, mesmo,


quem sabe até os transforme em aliados.
Os dias já são difíceis demais
pra caprichos equivocados.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 124

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Amanhã-ser
Senhor dos futuros, Dispensa alma santa e casta,
Que bordam-se nas linhas grossas do Dos que vestem branco, sabe bem
tempo. Que máculas não levam ao precipício,
O soldado que de manhã Mas ensinam o que merece valor.
suja suas roupas na guerra
É o mesmo rei que à noite, O caminho da felicidade é árduo
Em roupas alvas e limpas festeja E ao céu da satisfação só chega
Os ouros e pratas de sua terra. Aquele que se permitiu errar,
Pai dos inconformados, Sentir, redimir, existir,
Dos que recomeçam, Viver.
Dos que não se dobram ao lamento.
O indagador, o rebelde, Alvorada de nossas vidas,
Esperança, que queima, incansável Olhe por nosso amanhã-ser.
para todos os anseios.
Aquele que destrói para reconstruir
O castelo dos imperfeitos,
O que põe a mente a puir
o brilho de nossos melhores feitos.
Analisa, pensa, repensa, insiste,
Expulsa a ignorância nefasta
Afasta a dominância sobre o submisso.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 125

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Funfun
Que minhas escolhas fossem outras
Que as minhas procelas fossem poucas
Que a minha história fosse diferente
Que não fosse o branco em mim semente
Das belas artes que Eles fizeram por mim
Ainda assim eu nada seria.
Ainda assim nada mais me valeria,
Ainda assim eu nada aprenderia,
Ainda assim eu nada faria.

Porque o tempo é como um oceano


Eu sou o peixe que nada e de nada entende,
Oxalufan é o arquiteto do meu plano
E Oxoguian minha mais alta patente
Porque a vida é como um oceano
Eu sou a canoa que tudo sente
Oxalufan é a misericórdia no meu engano
E Oxoguian minha linha de frente.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 126

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Lado a Lado
O jovem será velho,
O guerreiro trocará a espada pelo cajado,
O homem verá seus fios pretos tornarem-se brancos,
O príncipe se tornará rei,
O amanhecer entardecerá,
O impulsivo será sábio,
O arredio será manso,
O indeciso será assertivo,
A guerra encontrará a paz.
E quando todos os alvos forem atingidos
Ele olhará para trás e agradecerá por tudo.

Nossas versões passadas são as escadas para a grandeza


de nossas versões futuras, e nossas versões futuras serão
as vitórias de tudo que lutamos em versões passadas para
conseguir.

De Oxalá tomemos o respeito,


De Oxaguian tomemos a força,
Para nós mesmos, sigamos os exemplos:

O hoje e o amanhã, no fundo, convivem lado a lado.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 127

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Todas as Sextas-feiras
são Santas
Não me atingem mais as cruzes, os açoitadores, os
espinhos e vinagres. Desde que conheci Oxalá, aprendi
que aos injustiçados a verdade é água limpa que recai
sobre todos os sujos pela mão do acaso, de carvão ou
dendê. É desnecessário o alarde, a vida não deixa nada
pela metade. Não dá a César o que é de César, mas faz o
cego enxergar o que não quer ver.

O trapo outrora imundo e rasgado, virou manto branco


e perolado, pó de efun que recaiu sobre as chagas e
feridas nos meus joelhos que bateram no chão de uma via
crucis qualquer. Nas mãos e pés pregados nas situações
das quais eu não pude sair. Ele com os olhos mais velhos
e cansados do mundo, sempre me olhou como quem
pergunta “Quem te levou a esse caminho que é seu?”, e
já sabendo que Ele sabia todas as respostas, finalmente
entendi também o significado de perdoar quem não sabe
o que faz, principalmente quando esse alguém sou eu.
Não tem via, nem crucis, nem pregos. Tudo é caminho e
absolutamente todo caminho é verdade e vida, se boa ou
ruim, só o Tempo dirá. Com ele tudo passará, ainda que
devagar e solene como quem carrega o mundo nas costas,
o homem mais velho da Terra, ou rápido como batimentos

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 128

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do recém-nascido que acaba de chegar enquanto outro
ciclo se encerra. Tudo passa, mesmo que me juntem aos
ladrões, mesmo que lavem para mim suas mãos, mesmo
que me isolem em prisão, ou qualquer outra ameaça.

Oxalá me entregou a chave do meu calabouço: calar


mais do que eu ouço, ainda que isso me custe fazer o que
não quero. Contra todas as possibilidades de me deixar
queimar por fora e por dentro feito Nero, vi em seu cajado
as marcas contra o chão duro que me diziam “Eu também
já estive aqui e tudo passou”. Oxalá é minha certeza de
que no terceiro dia, eu já ressucitei mais de dez vezes, o
galo cantou mais de dezesseis e eu fui feliz em todas elas.

Desde que conheci Oxalá, todas as sextas-feiras são


santas.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 129

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Aos Filhos
de Oxalufan

Foi em lençóis brancos feitos de nuvem que seu corpo se


deitou, antes de adentrar ao ventre que gerou a paz. Sua
calma, paciência, compreensão, são gotas de chuva no
deserto da desesperança e ter sua palavra, ou seu abraço
no momento em que todos os outros olhos julgam, é como
ter a certeza de que apesar das controvérsias mundanas,
não existe filho sem pai.

Por vezes, é difícil ver o descontentamento na sua


expressão, que é tão cristalina quanto a sua fala. Apesar
de não ser adepto da perfeição, é insistentemente
perseguidor da mesma: só quem leva o céu nos
pensamentos e o mundo nas costas sabe que caminhar
devagar é a melhor forma de conhecer o caminho. Só
quem tem da vida todas as respostas, ainda que não se
lembre delas, sabe o quanto as pernas cansam, o coração
acelera, o sono bate com força e a insônia não deixa
dormir.

O tempo é sua morada e até Iroko estica seus braços para


bater às portas da casa de seu Pai. Sendo de quem é,
suas mãos, no que tocam transformam, criam, renovam,
revigoram. Talvez por isso o branco lhes caia tão bem:

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 130

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o intocável é seu território, a partir de onde tudo se fará,
até o impossível. Pureza, leveza, sensibilidade. A face que
nunca vai revelar a tua idade; porque quem tem o coração
de um jovem mas a alma de um velho, sabe a hora certa
de revelar seus segredos. E quantos segredos a alma mais
velha que o próprio tempo tem?

Não te darei dendê, que quem atingiu a paz merece


descansar. Não te vestirei de preto, porque o branco é
digno de quem uniu todas as cores até formar uma só: a
todas compreende, a todas entende, a todas se atenta,
mesmo que não concorde. Sentir a dor do outro é um
dos seus pontos fortes, a velha marca do Pai que sofreu
a maior das injustiças calado e ainda assim a perdoou.
Opaxorô não é cajado, é fundamento no coração de
quem te rege e te proteje com um alá bordado de amor.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 131

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Bom Tempo
Vem aí bom tempo
que há de unir todas as cores
transformá-las em flores alvas
e das pálidas pétalas surgirem asas
aflitas, majestosas alçando voo
alcançando o todo
rabiscando no céu animado Alá.

Vem aí bom tempo


em que a dor há de sumir
e em seu lugar surgir caminho
novo e limpo pra pisar.
Destino lindo pra criar,
debaixo do mesmo Alá.

Vem aí bom tempo


que traga à tona a infância
que inocentemente dissipa a ignorância
abrindo os chãos dos sorrisos
em mares de alegrias sem fim.

E nesse bom tempo que virá,


não terá ninguém nesse mundo
que não caminhe de mãos dadas
com a paz e com certeza
com a leveza de Oxalá.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 132

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Oxalá no Meu Ilê
Oxalá no meu Ilê
chega com a chuvinha fina da manhã,
e as nuvens infladas do fim de tarde
ladeadas pelo sol que vai dormir
com os passarinhos que ainda cantam,
sobre as horas esparramadas do verão.

Ele fala pelo barulho da canjica sendo cozida


pelo estalo da água dos banhos caindo no chão
no pio e nos olhos bem atentos do Erinlé
no branco da quartinha de porcelana
no pano que cobre todo Ori.
Através da lentidão que as funções tomam
quando a agilidade não pode tomar conta delas.

Ele mostra o rosto depois que Iansã se vai,


e depois que Xangô dança o ultimo alujá.
Depois que os cuidados com Exu terminam,
depois que o trabalho acaba
e nos pomos sobre as enys pra descansar.

E se por acaso há momento


de grande preocupação,
Oxalá no meu ilê
dá discretos sorrisos
quando mal sabemos
que ele guarda a salvação
para os casos mais perdidos.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 133

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Outros
Ventos

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A Nossos Orís
Meu Ori, minha cabeça
Que triunfa sobre a peleja.
Minha peça etérea no corpo matéria
Que me lembra que tudo que é divino
habita o profano,
Mas nem todo profano é divino.
Meu Ori que é tão bom quanto eu seja,
Meu Ori que é minha natureza,
Meu Ori não me traia.
Que meus pensamentos sejam tua comida,
O que minha boca disser, crie vida,
O que minha boca calar, seja saída.
Quando meus olhos enxergarem algo,
Mostre o que há mais além.
Meu Ori, não me traia
Que eu não desrespeite o Ori de ninguém,
(Lá mora um Deus também).
Meu Ori, não me traia
Que meus ouvidos ouçam as palavras certas;
Que o canto da tristeza não entre pelas frestas.
Que meu nariz sinta o cheiro da sorte,
Cortejando e desenhando meu caminho,
Meu Ori, contigo eu não estou sozinho.
Eu tenho a mim, eu tenho a ti.
Nenhuma benção pode acontecer,
antes de Ori abençoar a si.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 136

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Em Oposição à
Intolerância Religiosa
Parti pro mundo enorme, precisava sobreviver
De guias, mokan, roupa alva,
Ser Yawo merece todo o cuidado
contra-egum e lenço branco no ori
Sou recém casada!

“Cabeça baixa, olhos no chão


Silêncio, mantenha a calma interior. “

Repetindo o mantra
Fui comprar uma rosa branca
Mas em troca de uma benção
a ganhei do vendedor.
Por cada rua que passava,
querendo que chegasse logo minha casa
uma legião de olhos me acompanhava.
Curiosidade, espanto, admiração
Nenhuma dessas emoções me incomodava
Mas quando senti a intolerância na pele
Não consegui ignorar, não.
Esperando o ônibus, deu meio-dia
E fui correndo pra debaixo de uma sombra pedir agô
Ali concentrada, me sentindo mareada
Chegou perto de mim um tal senhor.
Entre berros e palavrões, dizia que Jesus me amava
Falava sobre o sangue de Cristo, que expulsava as mazelas
Enquanto me xingava.
[Todos passavam e ninguém fazia nada]

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 137

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Ali parada, perdida entre a vontade de sair correndo e chorar
Pensei ser prova necessária pra alguém que acabou de iniciar.
“Qual o problema, que ninguém diz a esse homem pra parar?
Não foi Jesus mesmo quem disse que nós devemos nos amar?”

Olhei pra minha rosa, e lembrei do mensageiro Verger


disse que minha religião sobrevive
Porque não impõe verdade absoluta
a ninguém que não queira ver!
Meus ancestrais não impuseram
e sob as chibatas, sobreviveram firmes.
Deixemos as pessoas serem felizes
serem livres!

Permanecendo calada e triunfante


Por ter vencido aquele sentimento ruim
Veio alguém pra me ajudar
E tirou o homem de perto de mim.

Esse último, na despedida


Disse que a palavra de Deus salvava sim
(como quem pudesse me converter)
E que com o comportamento do meu opressor
não tinha nada a ver.

“Respeito sua fé, moço,


todos podem acreditar - ou não - no que for.
Mas já está na hora de tirar preconceito
- e o desrespeito - do caminho
que eu quero passar com a minha flor.”

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 138

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Aos Abians
e Iniciados

“Eu só poderia crer num Deus que soubesse Aí um dia perguntaram pra mim:
dançar. (...) Eu aprendi a andar; por Por que tudo isso acontece se você disse sim?
conseguinte corro. Eu aprendi a voar; Acontece porque, “sim” é muito fácil dizer
portanto não quero que me empurrem para quando se vê da estrada o fim.
mudar de lugar.
Agora sou leve, agora vôo, agora vejo a Quando eu disse sim
mim mesmo por baixo de mim, agora dança o mundo continuou o mesmo,
em mim um Deus” . mas só para os outros,
não pra mim.
Quando eu disse sim
tudo era nuvem
confusão, escadaria.

Ninguém entendeu
um ou outro apoiou
e a maioria achou demais.

Houve então surpresa


decepção, tristeza
e eu não tive pra onde correr
se não em frente
fosse o que fosse
enfrentar.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 139

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Aos Ancestrais
Tendo as circunstâncias perfurado
Os mares do mundo
Os barcos aqui aportaram
Trazendo meu sangue profundo.

Eu andei muitas vezes


Em muitas veias diferentes
Eu existi muitas vezes
Nas vozes dos finados parentes
Tão vivos em mim.

Eu sou hoje o que eles eram ontem


Eu trago o que não foi debatido
Eu sou herança do passado
Que pensavam ter esquecido.

O mesmo ontem que em mim pesa


É aquele que me levanta
Na minha alma dança agora a vida
E explica:
ancestralidade é aquilo que não morre.
Mas antes, meu barco direciona.

Minha bússola,
Minha âncora.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 140

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Mojubá
Pelo dia de hoje Mojubá,
Mojubá! Por tudo que se foi antes de eu ser
Para que amanhã eu também seja,
Mojubá, no dia anterior ao de alguém, o Sol
Pois esta vida é fio fino e esse alguém terá uma parte de mim
trançado em pano de linho assim como tenho de todos vós.
onde bordam em mim seus traços
e os embaraços são colheita Mojubá,
daquilo que já fui e não me lembro Todo amanhecer
daqueles que já foram e só faço lembrar. traz na memória
o dia ancestral.
Mojubá,
Piso aqui hoje
porque houve quem me antecedesse
e de seus antecedentes, houveram outros
antecessores todos
que fizeram o chão pra eu pisar.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 141

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Em Memória
[Em memória de João Pedro Mattos Pinto e demais ancestrais vítimas
do racismo estrutural presente em intervenções policiais na cidade do
Rio de Janeiro, no Brasil e no mundo]

Toda vez que um João Pedro morre,


Exu para de rir de novo
Lembram? Foi ontem
80 tiros que mataram aquele músico,
Na boca de seu estômago são soco,
Ele desacelera seus passos,
E o pássaro que matou ontem
com a pedra que só hoje atirou,
Não voa nem canta mais
Na terra dos ancestrais
Tudo é silêncio.

Toda vez que um João Pedro morre,


Ogun, Odé, sangram de novo
Lembram? Foi ontem
111 tiros, 5 alvos, uma cor
Comemoravam o salário,
De quem pagou suas vidas com escárnio
E no rosto das mães órfãs do Estado
Só sobrou a ruga do pavor,
A angústia virou sabor,
Que justiça seja feita
Virou delírio, imaginação fugaz.
Nada vai trazer de volta cada rapaz.
Na terra dos ancestrais
Tudo é silêncio.
Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 142

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Toda vez que um João Pedro morre
Ossain se esconde de tristeza,
Nanã afunda no pântano da incerteza,
Obaluaiyê já tem o diagnóstico:
A causa mortis são vocês, de novo!
Lembram? Foi ontem
Que guarda-chuva, furadeira,
Viraram artefato de guerra no morro,
Podia ser cegueira, mas é ódio
Em terra de ninguém, quem se mantém
É digno de pódio, ópio do povo.
Mas qual o custo, se isso facilita a mira?
A pele do alvo é o gatilho de quem atira
A bala perdida que nem o tempo
Nem Iroko faz voltar atrás.
Na terra dos ancestrais
Tudo é silêncio.

Toda vez que um João Pedro morre,


O leite do seio de Yemanjá seca,
Oxum aborta tamanha sua dor,
Oyá ganha um nono filho, de novo.
Lembram? Foi ontem,
Claudia, pela viatura arrastada
Ágatha, 8 anos baleada
Marielle, a que foi silenciada.
O mercado de chacina,
não espera por vacina
Se for mulher, menos ainda
Deputada ou empregada

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 143

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A carne negra ainda ensanguentada
Continua sendo a mais barata.
Que aos responsáveis,
As mães anciãs sejam letais.
Na terra dos ancestrais
Tudo é silêncio.

Toda vez que um João Pedro morre,


Morre com ele Xangô, no pé de Obi.
Ibeji se separa um do outro,
E Obatalá com suas águas, chora, de novo
Lava o chão da rua sem demora,
Sabe que ainda que lave muito, é muito pouco.
Na terra dos ancestrais chegou mais um,
Tudo é silêncio no Orun.
Não há justiça e bem que sobreviva
À falta de um futuro pra viver
À falta de saber o que está por vir.
Olorun Kosi Pure.
Hoje não há motivos pra sorrir.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 144

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Aos Enamorados
Meu Odu alafiado
Abriu os olhos de todos os búzios
Quando te vi ao meu lado
Será que foi isso que Oxum sentiu por Xangô?
Nas portas da minha alma-casa
Seu sorriso é o que dá vida aos brotos de mariwô.
Suas águas inundam o chão seco do meu corpo
De um torpor tranquilo e confiante.
O seu cheiro é como banho de folha
Que cobre e perfuma meu coração triunfante.
A paixão que a ti consagro todo dia
Não me leva em insanidade ao precipício,
à beira
Antes me toma pelo colo e me carrega
Em direção a uma vida plena e companheira.
Das tempestades não temo mais as frentes
Sua presença é cabaça com dendê e mel
Para dias frescos e noites quentes.
Por todas as glórias que vivi,
Ainda assim me surpreendo:
que manto é esse que me veste?
Será que foi isso que partiu Ògún em sete?
Eu não saberia mais dizer,
Porque eu já fui sete, dez, dezesseis pedaços
E todos eles amam amar você.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 145

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Ao Nosso Cotidiano
Quão luxuoso seria
Ter uma ceia todo dia?
Uma ceia em que se partilha de tudo
Desde os grãos que se colhem da Terra - Atotô!
À caça farta transformada em prato principal. - Oke Arô!
O tilintar dos talheres, das facas e facões - Ogum Ye!
Abrem os caminhos da modesta cerimônia
A língua fala e a alma escuta
Faz-se a comunicação, a festa, a farra - Laroyê!

Mas quem quiser, com calma pode ouvir


O som dos passarinhos - Ri Ro!
Banhando de rosa o entardecer - Eparrey!
Anunciam a chegada da chuva - Saluba!
A transbordar o rio e molhar a relva - Ora Yeye o! Loci Loci! Oba Xirê Ya!
Alimenta as raízes das árvores antigas - Eró!
E a bruta seiva que chega até as folhas cheias de segredos - Ewé O!
E ainda ao final, beija o mar! - Odoya!

Esse mesmo mar toca os rochedos - Kaô Kabecilê!,


Cercado pelo Arco-íris
Serpente ligeira que acaba de chegar - Ahoboboi!
Dizendo: já é hora da água parar.
O dia se pôs
No amanhecer tudo há de se renovar - Epiê Babá!

Todo dia é dia de ceia


Pra quem é de Orixá.

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 146

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Obatalize-se
Dezesseis vezes infinito sorri
para que depois de tantas voltas chegasse onde estou
e de onde me reflito, vejo que ainda voltarei
pois quando voltar, novamente direi à Felicidade
“Mãe dos propósitos da vida, agô!”

Que em Aláfia contínua, ela então serena


pouse sobre a minha velha alma pequena
o norte de tão sagrada direção.
Transforma-me em ponto branco
fusão de todas as cores, e encantos
aquilo que eu preciso tanto ser.
Que Alafiem-se os sonhos
Que Alafiem-se os justos planos
Que Alafiem-se o bem-querer.
Que Alafiem-se as histórias
Que Alafiem-se as vitórias
Que Alafiem-se as alegrias de viver.
Que Alafie-se a coragem
de em mais um dia renascer.

Que Alafie-se o dizer e o fazer:


“Obatalize-se”

Poesia de Terreiro - Thais de Oyá 147

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SOBRE
A AUTORA

Thais de Assis nasceu na cidade do


Rio de Janeiro, em 1993. Apesar
de ter lecionado inglês durante
sua passagem pelos cursos de
licenciatura em Letras da UERJ
e UFRJ, se formou em Direito em
2018, quando também se tornou
advogada.

A autora vem de uma família religiosamente eclética, com criação majoritariamente


católica, mas iniciou seus estudos sobre Espiritismo aos 12 anos. Aos 16 teve seu
primeiro contato com a Umbanda onde foi médium e praticante até os 20 anos
quando se iniciou no Candomblé para Oyá, na nação Ketu.

Desde criança mantinha os hábitos de desenhar, ler e escrever, guardando


alguns diários e cadernos com poesias, textos e ilustrações autorais sobre
diversos assuntos. Mais tarde, em 2014, com a iniciação, começou sua trajetória
na publicação de poesias destinadas ao sagrado afrobrasileiro no coletivo
Barravento, em que atuou como escritora durante 5 anos.

Em 2020, migrou o acervo de seus escritos para sua página solo intitulada
“Thais de Oyá” (@thaisdeoya), conforme seu pseudônimo. Atualmente, a
autora também é colunista da revista digital “Koba” (@kobaexu), onde assina
semanalmente, às quartas-feiras, a coluna “Ojú Okàn - Os Olhos do Coração”,
com reflexões em prosa acerca das questões que permeiam o universo das
religiões de matriz africana.

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SOBRE
O UMBANDA EU CURTO
O UMBANDA EU CURTO foi criado em outubro de 2011 como uma fanpage
e hoje é o maior portal de informação para umbandistas na internet. Reunimos
alguns dos maiores nomes da Umbanda, além de muita notícia, interatividade e
conhecimento relacionado à religião. E é justamente este foco no conhecimento
que nos levou a desenvolver esta nova forma de conhecer a Umbanda: os
livros digitais (ou e-books).

Para isso criamos a iniciativa LIVROS DE UMBANDA, que funciona como uma
editora para facilitar o lançamento de novos autores que escrevem romances
inéditos (mediúnicos ou não). Neste você conhece o primeiro e tão aguardado
livro de poesias de Thais de Oyá, que pela primeira vez reúne seus poemas
neste formato, ricamente ilustrado pela arte de Breno Loeser.
Leia, divulgue, comente! A Umbanda é feita por todos nós!

Ajude-nos a manter vivo o trabalho de divulgação e desmistificação da


Umbanda, colaborando para estas e outras ações bacanas que estamos
preparando para vocês!

E se você é autor, gosta de escrever ou conhece alguém que possui este dom
e/ou talento, acesse:
http://editora.umbandaeucurto.com.br/
Muita luz a todos!

Editores
UMBANDA EU CURTO

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FICHA TÉCNICA
TEXTOS
Thais de Assis (Thais de Oyá)

REVISÃO
Alexandre Negrini Turina – MTB: 64.157

CAPA E ILUSTRAÇÕES INTERNAS


Breno Loeser

PROJETO VISUAL E DIAGRAMAÇÃO (MIOLO)


Natalya Osowiec

RELAÇÕES INSTITUCIONAIS
Daniel Fernando Marques

© 2020. Todos os direitos reservados ao Instituto Cultural Umbanda Eu Curto


– CNPJ: 34.999.860/0001-00.É proibida a reprodução total ou parcial deste
livro, incluso suas imagens, grafismos, tipos e textos.
www.umbandaeucurto.com

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