Celebra-se Aumenta Juízes Congo-Brazzaville:

em 8 de Maio desempenho comprometem-se Presidente da República

o Dia do Juiz funcional dos a lutar contra a Dennis Sassou Nguesso
Moçambicano P. 4 Tribunais P. 24 corrupção P. 2 e 3 expulsa 9 juízes P. 24

NAWU
PERIODICIDADE:
TRIMESTRAL

POR UMA MAGISTRATURA DIGNA E RESPEITADA amj.org.mz

Maio, 2023 I Ano I , n.º 3 I Director: Carlos Pedro Mondlane | Editor: Moisés Cuambe I Preço: 100,00Mt

MATILDE MONJANE DE ALMEIDA, JUÍZA

CONSELHEIRA DO TRIBUNAL SUPREMO E
PRESIDENTE DO COFRE DOS TRIBUNAIS

Os Tribunais
não podem agir
eficazmente
com recursos
humanos e
materiais
inadequados

“Não se faz “Os processos não meros “As redes sociais são uma
crescer um emaranhados de folhas. realidade a que os tribunais
país sem Por trás de cada caderno devem se adaptar com
Justiça” judicial há vidas, história urgência”
António Niquice, e cultura em jogo” Gracinda da Graça Muiambo,
deputado da AR Adelina Afonso, Juíza de Presidente do Tribunal Judicial
P. 10 Direito P. 9 da Cidade de Maputo P. 14
ACTUALIDADE
Juízes moçambicanos
comprometem-se em lutar
contra a corrupção
Realizou-se, nos dias 8 e 9 de Maio corrente, em Maputo, a Reunião Nacional dos Magistrados
Judiciais para Auscultação do Compromisso Ético dos Juízes Moçambicanos.
O
evento, organizado
pela AMJ, teve uma
participação de mais
de cento e vinte pessoas, entre
juízes, procuradores, advoga-
dos, técnicos jurídicos, oficiais
de justiça e demais convidados
com responsabilidades no sec-
tor da administração da justiça
que juntos reflectiram sobre os
rumos éticos a seguir pela clas-
se num momento em que são
apontados casos de corrupção
e outros desvios funcionais
Intervindo na ocasião, o
Presidente do Conselho Mu-
nicipal da Cidade de Maputo,
Eneias Comiche, congratulou
a classe dos juízes por assumir
que a corrupção é um mal que
grassa as instituições públicas
e que não só basta combater
no múnus profissional, mas
que é dever ético de cada juiz
não se deixar corromper. Dis-
se, ainda, “Está de parabéns a
AMJ pela coragem de colocar
os associados, que são juízes,
a discutirem a corrupção e
apontarem os caminhos para
a sua superação ”.
Para o Presidente do Tri-
bunal Supremo, Adelino Mu-
changa, a jornada contra a
corrupção insere-se num con-
junto de medidas de luta e
prevenção contra este mal que
tem sido adoptada pelos mais
elevados órgãos de gestão dos
tribunais e pelo Conselho Su-
perior da Magistratura Judi-
cial. “Recentemente, aprova-
mos e fizemos a apresentação
pública do Código de Ética dos
Magistrados Judiciais, para
além de apoiarmos os juízes
a estabelecerem eles próprios
um compromisso ético que
Maio, 2023 l NAWU l 2
lhes vai reger profissional-
mente”, afirmou.
A Agência Espanhola de
Cooperação Internacional e
Desenvolvimento (AECID),
através do seu representante,
Abel Piqueras, compromete-
-se em dar apoio financeiro
à todas as instituições da ad-
ministração da justiça para o
desenvolvimento de políticas,
códigos de ética e tudo que
se mostrar relevante para sua
maior capacitação. “O com-
promisso ético dos juízes mo-
çambicanos é uma plataforma
que vai seguramente elevar os
valores de profissionalismo,
legalidade e probidade no seio
da classe e é notadamente esta
a vontade dos membros com a
qual temos plena identidade”,
disse.
O Embaixador do Reino da
3 l NAWU l Maio, 2023 ACTUALIDADE

Espanha em Moçambique, Al-
berto Cerezo, destacou o apoio
total da União Europeia e do
Reino da Espanha, através da
AECID, para o combate à cor-
rupção no sector da justiça.
Da plêiade de oradores e
moderadores apresentaram-
-se o antigo Procurador-Geral
da República e Juiz Conse-
lheiro Jubilado do Tribunal
Administrativo, Sinai Nhatiti-
ma, a Presidente do Tribunal
Judicial da Cidade de Maputo,
Gracinda Muiambo, o filósofo
e Reitor da Universidade Téc-
nica de Moçambique, Severi-
no Nguenha, o Vice-Presiden-
te do Tribunal Supremo, João
Beirão, o Juiz Conselheiro Ju-
bilado do Tribunal Supremo,
Joaquim Luís Madeira, os ad-
vogados e docentes universitá-
rios, Benjamim Alfredo, Filipe
Sitoi e Custódio Duma, a Juíza
Desembargadora e antiga Pre-
sidente da AMJ, Vitalina Pa-
padakis, o Juiz Conselheiro do
Tribunal Supremo, Henrique
Carlos Xavier Cossa, a Juíza
de Direito, Sandra Fungula-
ne Emílio, a penalista Elysa
Vieira, o Secretário-Geral do
Tribunal Supremo, Jeremias
Manjate e a Directora do Cen-
tro de Formação Jurídica e Ju-
diciária e Secretária Executiva
da AMJ, Elisa Samuel, devida-
mente cerimoniados pelo Juiz
de Direito, Hélio Canjale.

Está de
parabéns
a AMJ pela
coragem de
colocar os
associados,
que são juízes,
a discutirem
a corrupção
e apontarem
os caminhos
para a sua
superação

Ficha técnica
Propriedade
Associação Moçambicana de
Juízes (AMJ)
Publicação
Jornal NAWU, Av. 25
de Setembro, n.º 916,
Porta 301, 3º Andar,
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+258848443382 e
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Pedro Chambal (2º Vice-
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Mondlane, Centro de
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Desenvolvimento da
Comunidade (FDC), Alcance
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EDITORIAL
Por uma Magistratura
digna e respeitada
O
dia 8 de Maio representa um mis-
to de emoções para a classe de
juízes moçambicanos. Se, por um
lado, traz ao de cima a nossa vulnerabilida-
de como profissionais e pessoas ordinárias
por remeter ao assassinato bárbaro de um
colega e amigo, o meritíssimo juiz de Di-
reito Dinis Silica, há nove anos, por outro,
faz-nos reflectir sobre o compromisso de
servir a sociedade onde estamos inseridos
e a assunção dos riscos relacionados.
O poeta romano Juvenal, nas suas Sáti-
ras ironizava “Quis custodiet ipsos custo-
des?”, ou seja, em português, “quem guar-
da os guardas?”
O conceito é fascinante.
Perscrutando mais sobre esse concei-
to, descobre-se que o mesmo é um termo
antigo proposto por Platão na sua obra A
República. A expressão é baseada numa
concepção simples. Numa sociedade, na
definição de papéis, existem as pessoas
normais e existem aquelas que as prote-
gem. Mas quem protegerá os protectores?
Quem os fiscalizará?
A máquina repressiva do Estado é com-
posta por todos aqueles que usando do jus
imperi do Estado podem condicionar com-
portamentos. São os guardiões da Repúbli-
ca moderna, cuja acção é legitimada pelo
contrato social de proteger a sociedade. O
mal sucede, sobretudo, quando os crimi-
nosos, embasados na ideia de impunidade
começam a violentar os agentes da ad-
ministração da justiça. No meio caminho
matam também advogados e jornalistas de
investigação criminal. E ante a incapacida-
de do Estado de dar resposta, encontran-
do os autores e os responsabilizando, vai
crescendo a sensação de que tudo podem.
São superiores à capacidade de resposta do
próprio Estado.
Para proteger os juízes, tarefa cumprida
primacialmente pelo Estado, impõe-se,
mais, que os próprios juízes olhem para a
sua condição e agrupados numa organiza-
ção passem a velar pela sua condição, tra-
balhando pelo fortalecimento da magistra-
tura, pela consolidação da independência
do poder judicial e afirmação do Estado de
direito. É assim que em 19 de Novembro
de 2004 foi criada a Associação Moçambi-
cana de Juízes (AMJ), sendo uma institui-
ção de direito privado, sem fins lucrativos,
dotada de personalidade, de autonomia
administrativa, financeira e patrimonial,
de âmbito nacional, voltada para a defesa
da casse dos juízes.
O PRIMEIRO ELENCO DIRECTIVO DA
AMJ teve a veneranda Vitalina do Carmo
Papadakis como Presidente da direcção e a
veneranda Osvalda Joana Secretária Exe-
cutiva.
Os desafios por elas assumidos foram, es-
sencialmente, de constituição da Associa-
ção e sua disseminação entre os membros
num quadro temporal em que o associati-
vismo era uma realidade pouco conhecida
e sem estímulo para a sua aderência. Ain-
da assim, a AMJ procedeu ao registo dos
interessados e iniciou um conjunto de ac-
tividades para a sua afirmação. Palestras,
seminários e simpósios nos planos nacio-
nal e estrangeiro permitiram a interacção
de juízes em actividades formativas e o
conhecimento de novas realidades. A par-
tilha de princípios jurídicos e de valores
comuns a todos os profissionais serviram
de semente para o estabelecimento da con-
fiança entre os colegas como pertencendo
a uma mesma família e que tinha a direc-
ção da Associação como sua interlocutora
válida. No domínio internacional, ainda,
a AMJ aliou-se à União internacional dos
Juízes da Língua
Portuguesa (UIJLP), com sede em Lis-
boa, e à União Internacional de Magistra-
dos (UIM), com sede em Roma.
O SEGUNDO ELENCO DIRECTIVO
DA AMJ, surgido das eleições de 2016 e
renovado em 2019, colocou Carlos Pedro
Mondlane, Presidente, José Alfredo Ma-
caringue, Vice-Presidente, Hermenegildo
Pedro Chambal, 2º Vice-Presidente, Elisa
Samuel Boerekamp, Secretária Executiva,
Virgínia Madeira Taula, Tesoureira, Berta
Tiane, vogal e César Zunguze, vogal.
A AMJ apresentou-se com uma compo-
sição mais jovem, mas experiente, apos-
tada no renascer de uma nova dinâmica
associativa.
Foram muitos desafios e entrega pela
causa de todos nós.
- No início, tivemos que arranjar INSTA-
LAÇÕES PRÓPRIAS, onde fixamos a Sede
da AMJ. Não existia um local físico onde
pudéssemos exercer as nossas actividades.
Conseguimos, por fim.
- O desafio seguinte era dotar as insta-
lações de EQUIPAMENTO e PESSOAL
de modo a colocar a máquina a funcionar.
Conseguimo-lo. Temos, hoje, mobiliário,
computadores, fotocopiadoras, scanners e
toda parafernália de tecnologia e comuni-
cação.
Temos, igualmente, uma sala de forma-
ção devidamente equipada com capacida-
de para 30 formandos.
- Contamos com um quadro de cinco co-
laboradores permanentes assalariados.
- Fizemos aprovar um PLANO ESTRA-
TÉGICO que serviu de bússola das activi-
dades da AMJ.
- Definimos em Assembleia Geral o 8 de
Maio como DIA DO JUIZ MOÇAMBICA-
NO. Esta data reflecte, com tristeza, o su-
cedido em 08/05/2014, o assassinato do
meritíssimo Juiz Dinis Silica.
- Definimos a ética e integridade profis-
sional como guias orientadores da acção de
juízes com vista a UMA MAGISTRATURA
DIGNA E RESPEITADA.
- Elaboramos a nossa identidade visual
com logotipo, símbolos e um lema idios-
sincráticos.
- Criamos o Gabinete de Apoio ao Juiz
(GAJ) para assistir, em particular, os
membros em caso de necessidade nas suas
relações com terceiros.
- Ao longo do nosso exercício, desenha-
mos e concretizamos vários ESTUDOS DE
IMPACTO para a compreensão do nosso
sistema de administração da justiça. Estes
estudos alcançaram a Assembleia da Re-
pública e instâncias governamentais pró-
prias para subsequente aproveitamento.
- Desenvolvemos muitas ACTIVIDA-
DES FORMATIVAS em matérias que vão
desde a protecção dos direitos da mulher
e rapariga em situação de vulnerabilidade,
indústria extractiva, ética, combate à cor-
rupção e divulgação da legislação, com co-
bertura nacional. Na verdade, em todas as
províncias de Moçambique, em momento
próprio, houve formações sobre matérias
de interesse a que participaram os juízes
membros da AMJ.
- Criamos o Fórum Nacional dos Magis-
trados que Actuam em Matérias de Violên-
cia Doméstica (FONAMAVID) que passou
a representar, nacional e internacional-
mente, a AMJ em matérias deste jaez.
- Estabelecemos parcerias com UNIVER-
SIDADES NACIONAIS e ESTRANGEIRAS
para um regime de redução de propinas
para os interessados nos níveis de pós-gra-
duação, mestrados e doutoramento, para
além de livre acesso às bibliotecas e toda a
infraestrutura universitária.
- Negociamos CUSTOS REDUZIDOS
para o acesso às mais prestigiadas escolas
privadas de inglês do país. Concebemos o
inglês como língua franca e a falta de do-
mínio traz implicações negativas para o
juiz que não estará confortável em ler li-
teratura internacional ou participar em
eventos onde a comunicação é feita nesta
língua.
- Negociamos FACILIDADES DE PA-
GAMENTO E TARIFAS MAIS BAIXAS
junto da principal agência de viagens do
País para viagens nacionais e internacio-
nais, o que traz impacto para actividades
formativas onde a mobilidade dos juízes é
essencial.
- Estabelecemos parcerias com alguns
HOTÉIS de Maputo, Chimoio e Tete que
fixam tarifas bonificadas para os membros,
com relevância para mobilidade para acti-
vidades formativas.
- As parcerias com entidades privadas
integram sempre cláusulas anti-corrupção.
- Celebramos parceria com o Fundo de
Fomento à Habitação (FFH) para PRO-
VER CASAS PARA MAGISTRADOS.
- Requeremos concessão de DUAT para
os membros junto do Distrito de Katembe.
- Requeremos concessão de DUAT para
os membros junto do Conselho Municipal
da Cidade de Maputo.
- Introduzimos CURSO DE PRÁTICAS
FORENSES para juízes, procuradores,
advogados, técnicos jurídicos e estudan-
tes finalistas do curso de Direito. Em sete
edições sucessivas tem-se revelado um
sucesso por agregar a componente teóri-
ca às práticas dos tribunais e permitindo,
outrossim, por força do aporte técnico ob-
tido, o ingresso nas carreiras das magistra-
turas ou para a advocacia quem delas se
5 l NAWU l Maio, 2023
beneficia.
- Participamos activamente junto da
AR, do Conselho de Ministros e de ou-
tros organismos públicos na defesa do
poder judicial e do nosso estatuto.
- Somos consultados no PROCESSO
DE REFORMA LEGAL em curso no
país.
- Consolidamos as nossas relações
com as demais ORGANIZAÇÕES DA
SOCIEDADE CIVIL no país, o que moti-
vou a que juízes fossem convidados para
perorar sobre temas variados de defesa
do direito, justiça e cidadania.
- Dirigimos um estudo ainda em curso
no País sobre o papel das OSC no com-
bate e prevenção à corrupção.
- Conseguimos excelente alcance ao
nível da COMUNICAÇÃO SOCIAL onde
juízes, com habitualidade, passaram a
abordar com criticismo o quadro jurí-
dico nos seus méritos e deméritos pro-
pondo igualmente soluções para o seu
aperfeiçoamento.
- Criamos um jornal da instituição
(NAWU), presente em mais uma edição.
- Estabelecemos parcerias com EDI-
TORAS no sentido de permitir que
juízes lançassem livros de interesse. É
nesta senda que temos juízes entre os
autores que mais obras lançam e ser-
vem de consulta nas universidades e no
desempenho profissional.
- Oferecemos livros dos nossos mem-
bros às faculdades de Direito, à algumas
organizações da sociedade civil e deter-
minadas secções dos tribunais por áreas
de interesse.
- Realizamos INÚMERAS PALES-
TRAS com personalidades de relevo
nacionais e internacionais. A título de
exemplo citamos o Presidente Joaquim
Chissano, os bastonários Gilberto Cor-
reia e Flávio Menete, a activista Graça
Machel, o escritor Mia Couto, os conse-
lheiros Sinai Nhatitima, Hermenegildo
Gamito, Augusto Raul Paulino, Benvin-
da Levi e Pedro Nhatitima, o Provedor
de Justiça Isaque Chande, o académico
Severino Nguenha, o antigo juiz brasi-
leiro Sérgio Moro, os constitucionalistas
portugueses Jorge Miranda e Bacelar
Gouveia, o criminalista português Paulo
Pinto de Albuquerque, o activista ango-
lano Rafael Marques e muitos outros.
- Propusemos e conseguimos fazer
aprovar INSTRUMENTOS LEGAIS de
interesse da magistratura, como o Códi-
go de Ética, o Regulamento da Licença
Sabática, entre outros.
- Participamos em muitas reuniões
governamentais para a DEFESA DO
NOSSO ESTATUTO PROFISSIONAL.
- Mobilizámo-nos para apoiar os
nossos concidadãos mais necessitados,
sobretudo vítimas de calamidades natu-
rais. A título exemplo, o nosso papel no
apoio às vítimas dos ciclones Idai e Ken-
neth foi assinável ao termos conseguido
chamar juízes nacionais e internacio-
nais para a solidariedade. Arrecadamos
mais de 10 mil euros que foram encami-
nhados para os necessitados.
- Participamos do NATAL SOLIDÁ-
RIO do Hospital Central de Maputo
onde oferecemos alento e prendas a
crianças doentes.
- Instituímos o TRIBUNAL DE POR-
TAS ABERTAS onde alunos de escolas
secundárias e estudantes de Direito vi-
sitaram algumas secções dos tribunais
e se permitiram interagir com juízes,
procuradores e advogados, compreen-
dendo, desta forma, o judiciário.
- Nas RELAÇÕES INTERNACIO-
NAIS, fomos indicados como relatores
internacionais no processo de integra-
ção de Angola e Guiné Bissau na União
Internacional de Magistrados (UIM).
- Estabelecemos relações ainda no
domínio internacional com associações
congéneres de Angola, Brasil, Cabo Ver-
de, Guiné Bissau, Portugal, São Tomé e
Princípe e Timor Leste.
Destacamo-nos e foi, por confiança,
cedida a presidência da União Interna-
cional dos Juízes da Língua Portuguesa
(UIJLP) a um juiz moçambicano.
- Criamos GRUPOS NAS REDES SO-
CIAIS contando, hoje, com mais de 10
mil seguidores no Facebook. Aliás, a
página da AMJ no Facebook é perma-
nentemente actualizada, recebendo vi-
sitas diárias de juízes e outros actores
da administração da justiça. As notícias
ali colocadas formam a opinião pública
nacional e são replicadas nos órgãos de
comunicação social nacional e interna-
cionais.
Mais importante, criamos um grupo
no Whatsapp que se tornou a casa de
todos os juízes. Espaço de debate, refle-
xão, partilha de ideias e solidariedade
entre os colegas. Cumprimentámo-nos
em datas festivas, prestamos apoio es-
piritual e material em caso de luto e,
fundamentalmente, praticamos o con-
ceito de sermos da mesma família no
judiciário. Mostramos que a pessoa do
juiz consideradA na sua individualidade
é o que realmente interessa. A Direcção
da AMJ está sempre disponível para
atender a cada um.
- Ao longo do mandato, apresentámo-
-nos em todas as Assembleias Gerais,
ordinárias e extraordinárias, da AMJ,
para a prestação de contas. Em todos os
anos prestamos contas das nossas acti-
vidades aos sócios.
- Estabelecemos parcerias com a
União Europeia, Agência Espanhola de
Cooperação e Desenvolvimento (AE-
CID), Fundação Masc, OXFAM, Salim
Omar, Leandro Paul, Fim de Sema-
na,Alcance Editores, Escolar Editora,
Faculdade de Direito da Universida-
de Eduardo Mondlane, Núcleo de Es-
tudantes de Direito-FDUEM (NED-
-UEM), UNIROVUMA, CFJJ, Centro
de Estudos Sociais da Universidade de
Coimbra (CES-UC), Escola da Magis-
tratura do Paraná (EMAP), Centro de
Estudos Sociais (CEJ), Fundação para
o Desenvolvimento da Comunidade
(FDC), Fundação para a Melhoria do
Ambiente de Negócios (FAN), Centro
de Integridade Pública (CIP), COTUR,
WILLOW, Câmara de Comércio Mo-
çambique e EMOSE.
- E mais, muito mais.
- Acreditem, distintos colegas e ami-
gos, tudo fizemos para prestigiar a nos-
sa magistratura, tornando-a mais digna
e respeitada.
Sabemos, porém, que muitas lutas
continuam em aberto e que devem ser
prosseguidas no interesse da classe.
Nesta altura, sentimos, outrossim,
que devemos dar oportunidade a outras
pessoas, entre os membros da AMJ, de
prosseguirem com a missão.
Esta é a vez do TERCEIRO ELENCO
DIRECTIVO DA AMJ.
Nenhuma das pessoas que integram a
actual Direcção, isto é nem o Presidente
e seus vice-presidentes, nem os vogais
têm interesse em continuar a fazer parte
dos próximos órgãos sociais.
Vamos, doravante, defender a renova-
ção da AMJ com novas pessoas, novas
ideias e novos desafios.
Apelamos à participação de todos nas
eleições do mês de Maio para tornar a
AMJ mais próxima dos seus membros,
na defesa do estatuto do juiz e na per-
manente busca por uma magistratura
digna e respeitada.
A luta continua, POR UMA MAGIS-
TRATURA DEFINITIVAMENTE DIG-
NA E RESPEITA.
CONVERSA Maio, 2023 l NAWU l 6

Veneranda Juíza Conselheira

Matilde Monjane Maltez de
Almeida
A veneranda Matilde Monjane Maltez de Almeida é das mais brilhantes juízas da sua geração. Actualmente,
Juíza Conselheira do Tribunal Supremo e Presidente do Cofre dos Tribunais. Para além de uma civilista
brilhante, o que se manifesta na qualidade dos acórdãos de sua lavra, é, fundamentalmente, na expansão e
remodelação do tecido patrimonial dos tribunais onde imprime a sua mais expressiva marca. Nunca antes o
judiciário, em todos os distritos, se viu a crescer de forma tão significativa com a edificação de novos tribunais
e residência dos magistrados, para além de recondicionamento dos que já existem. A Iniciativa Presidencial
Um Distrito um Tribunal Condigno encontrou nela uma pessoa competente para a sua materialização, o que,
seguramente, deve implicar um desgaste na sua vida pessoal e familiar.
O Jornal NAWU conversou com a veneranda Matilde Monjane Maltez de Almeida que nos falou sobre os de-
safios da sua vida profissional e como concilia com o lado pessoal e familiar.

Texto: Elaborada por Armando Machona

Júnior, Juiz de Direito.

V
eneranda, ac-
tualmente é Juí-
za Conselheira e
Presidente do Cofre dos
Tribunais. Contudo, sa-
bemos que tem uma rica
e longa trajectória como
magistrada, gestora, for-
madora, docente, entre
outras funções. Pode di-
zer-nos, na primeira pes-
soa, quem é Matilde Au-
gusto Monjane Maltez de
Almeida (onde nasceu,
passou a sua infância,
principais brincadeiras,
filiação, número de ir-
mãos...)?
Nasci no Hospital Miguel
Bombarda, hoje, Hospital Cen-
tral de Maputo.
Sou filha de Augusto Mar-
tins Monjane e de Elina Ma-
nuel Pondja.
Tenho quatro irmãos. Pas-
sei a minha infância em vários
lugares, nomeadamente, no
Bairro da Costa do Sol, em Ma-
puto, onde vivi com os meus
pais desde a data do meu nas-
Veneranda Matilde Monjane de Almeida, Juíza Conselheira do Tribunal Supremo e Presidente do Cofre dos Tribunais.
cimento, até aos oito anos de
idade e onde desenvolvi fortes
laços, de tal sorte que, até hoje,
as suas gentes (da Costa do chamávamos na época, “ma- praia com os amigos, todos encontraram-me e usando são de São Pedro da Costa do
Sol), desde os mais velhos - ge- tacuzana”, às escondidas e com cerca de 15 anos de idade métodos de salvação bem co- Sol, hoje, Escola Primária Com-
ração dos meus Pais, dos meus nadávamos muito, na praia, e eu apenas 5 anos. Como deve nhecidos pelos pescadores fize- pleta da Costa do Sol, onde fiz a
irmãos mais velhos, da minha porque da casa dos meus pais calcular, a diferença de idades ram-me regurgitar toda a água pré-primária e a primeira clas-
geração e dos mais novos, co- à praia é só atravessar a estra- aconselhava que nadasse na que tinha bebido e fiquei bem. ses e, sob os auspícios do meu
nhecem-me e tratam-me com da. Por isso, no verão, perío- berma da praia, mas eu acha- Foi um episódio que, graças a professor e catequista Eduar-
muito carinho, sempre que do mais quente do ano, íamos va que podia nadar até onde Deus, terminou bem. Podia ter do Chone, no ano seguinte fui
vou aquele que é e será sempre sempre à praia, de tal sorte eles se encontravam e fui atrás corrido mal e hoje seria a fale- baptizada pelo Padre Januário
o meu Bairro. que, nessas nossas brincadei- deles, até perder o pé e desa- cida Matilde (risos). Machaze Nhangumbe, actual-
As brincadeiras foram as ras, houve uma vez que ia mor- parecer engolida pelas águas. mente, Bispo, residente no Ar-
mesmas que as dos meninos rendo afogada. Tinha apenas Quando o meu irmão e os ami- Quando e onde inicia os cebispado, em Maputo.
de outros Bairros similares cinco anos, sem grande noção gos se aperceberam que não seus estudos? Depois, frequentei a segun-
ao meu. Brinquei à neca, às de perigo, fui atrás do meu ir- me viam desataram aos gritos Iniciei os meus estudos com da classe na escola Primária D.
apanhadas (zoto-zoto) como mão mais velho que estava na a pedir socorro. Felizmente, 6 anos, na Escola Primária Mis- Leonor, hoje Escola Primária
7 l NAWU l Maio, 2023
do Alto Maé.
Quando terminei a segunda
classe fui viver para a Beira,
onde fiz a terceira e a quarta
classes na Escola Primária de
Matacuane.
Terminado o ensino pri-
mário, frequentei e concluí a
quinta classe no Ciclo Prepa-
ratório, também, na cidade da
Beira, actualmente Escola Se-
cundária Sansão Muthemba.
Após o que regressei a Ma-
puto, em 1976 e frequentei a
sexta classe na Escola Prepa-
ratória D. Ana da Costa Por-
tugal, anexa ao liceu Salazar,
hoje Escola Secundária Josina
Machel.
Seguidamente, frequentei
a 7ª, 8ª e 9ª Classes na Esco-
la Secundária da Maxaquene,
hoje o espaço onde funciona a
Universidade S. Tomás de Mo-
çambique.
Concluída a 9ª classe, fre-
quentei o Instituto de Educa-
ção Físic, para obter o grau do
Ensino Médio e poder ingres-
sar para a Universidade. Só
que, infelizmente, só frequentei
o 1º ano, porque, no início do
2º ano, emigrei para Portugal
onde continuei os meus estu-
dos até concluir o 12º ano. De
seguida, ingressei na Universi-
dade, em Lisboa, onde conclui
a Licenciatura em Direito. De
seguida, frequentei o Curso de
formação para o ingresso na
Magistratura, ministrado no
Centro de Estudos Judiciários
(CEJ), em Lisboa, Curso de
Registos e Notariado, ministra-
do pela Universidade de Coim-
bra, e o Mestrado em Direito,
pela Universidade Clássica de
Lisboa, em Portugal.
A veneranda é licencia-
da em Direito desde 1996.
Quando começa a ganhar
interesse pelo Direito?
(Risos) A minha família re-
fere, sistematicamente, que
desde tenra idade, sem plena
consciência, demonstrei um
certo interesse pelo Direito,
através do inconformismo
permanente (risos) e susten-
ta com “estórias” que não me
atrevo a contar na primeira
pessoa (risos).
De todo o modo, exceptuado
o período em que ainda crian-
ça da escola primária, como
todas as meninas dessa idade,
queria ser assistente de bordo
ou médica. Inscrevi-me no ins-
tituto de Educação Física com
o objectivo de seguir medicina
fisioterapêutica, mas quando
cheguei a Lisboa, ainda no en-
sino secundário, sem qualquer
margem de dúvida, optei pelo
Curso de Direito, desde sem-
pre, na firmeza de seguir a car-
reira da magistratura. Estou
muito feliz com a minha esco-
lha. Volvidos estes anos, não
me vejo a exercer outra profis-
são, senão a judicatura.
Termina a sua formação
em Direito e de seguida
frequenta o curso de in-
gresso na Magistratura no
Centro de Estudos Judiciá-
rios (CEJ) e o curso de Re-
gistos e Notariado, ambos
em Portugal. Qual foi a ex-
Ingressei periência vivida nesta fase
da sua vida?
para a Foi sem dúvida, uma expe-
riência extraordinária, de mui-
carreira da to empenho, dedicação e teste
magistratura de resiliência, pelo seguinte:
Terminei a licenciatura, em 1ª
judicial em 1 época - Julho de 1996. De 15 de
Setembro do mesmo ano a 15
Fevereiro de de Julho de 1997 frequentei e
concluí com sucesso o primei-
2001 e iniciei ro ano do curso para ingresso
o exercício na magistratura, no Centro de
Estudos Judiciário (CEJ), em
das minhas Lisboa. De 15 de Setembro de
1997 a 15 de Julho de 1998, fiz a
funções na formação prática – estágio, em
diversos Tribunais, em Lisboa.
11ª Secção, Em Outubro de 1998, iniciei a
Laboral, do frequência do período curricu-
lar de Mestrado, pela Universi-
Tribunal dade Clássica, em Lisboa. Em
Janeiro de 1999, iniciei o Curso
Judicial de Registos e Notariado, pela
Universidade de Coimbra, em
da Cidade Coimbra. Portanto, em 1999,
do Maputo frequentei, em simultâneo, o
Curso de Mestrado, em Lisboa,
(TJCM). e o Curso de Registos e Nota-
riado, em Coimbra. Foi um
período em que andei numa
verdadeira ”roda viva”, entre
Lisboa e Coimbra e terminei,
quer o Mestrado, quer o Curso
de Registos e Notariado, com
sucesso.
Quando inicia a sua car-
reira como Magistrada Ju-
CONVERSA
dicial e qual foi a sua tra-
jectória até atingir o topo
da carreira?
Ingressei para a carreira da
magistratura judicial em 1 Fe-
vereiro de 2001 e iniciei o exer-
cício das minhas funções na 11ª
Secção, Laboral, do Tribunal
Judicial da Cidade do Maputo
(TJCM).
Em Junho de 2003, fui no-
meada para exercer funções
na 4ª Secção Cível do mesmo
Tribunal, onde permaneci até
Abril de 2007, período em que
fui nomeada para a 1ª Secção
Comercial do Tribunal Judicial
da Cidade de Maputo, quando
foram abertas as quatro Sec-
ções Comerciais – piloto, no
país. Na 1ª fase exerci funções,
simultaneamente, na 1ª e 2ª
Secções comerciais do referido
Tribunal. Em 2010, foi aberto
concurso para promoção a Juiz
Conselheiro do Tribunal Su-
premo. Submeti-me ao concur-
so e fui aprovada, em 2º lugar.
Em Agosto de 2011, sou
nomeada Juíza Presidente do
Tribunal Judicial da Cidade de
Maputo, funções que exerci até
Outubro de 2012, período em
que fui nomeada e tomei posse
como Juíza Conselheira do Tri-
bunal Supremo.
A veneranda é conhecida
por ser uma das pessoas
mais inteligentes da nossa
magistratura. A qualidade
das suas sentenças, o seu
empenho na formação de
outros juízes e a abnega-
ção ao estudo são disso
elucidativos. Qual é o se-
gredo para esse estado de
coisas?
Não acredito na inteligência
como mera dádiva a ser recebi-
da passivamente. O cérebro é
como um músculo que precisa
ser exercitado. Quanto mais
exercitado mais eficiente ele se
torna. Como jurista e magis-
trada assumo como um sinal
de responsabilidade o estudo
contínuo para cada caso que
vou julgar. A leitura constante
é, não um sinal de vaidade, mas
de compromisso com a profis-
são e as expectativas da popu-
lação que acorre aos serviços
da administração da justiça
que terá decisões técnica e hu-
manamente fundamentadas.
A Veneranda desempe-
nha actualmente as fun-
ções de Presidente do Con-
selho Administrativo do
Cofre dos Tribunais. Quais
são as atribuições deste
órgão?
Bem, no âmbito da afirmação
da independência dos tribu-
nais, o Conselho de Ministros
aprovou e publicou o Decreto
nº 6/98, de 3 de Março, que
rege o modo de funcionamento
do Cofre dos Tribunais, cujas
atribuições competem: “asse-
gurar o aumento da eficiência
e qualidade dos serviços, bem
como contribuir para a melho-
ria das condições sociais e de
trabalho dos magistrados e dos
oficiais de justiça”. Certo é que
os tribunais não podem agir
eficazmente com recursos hu-
manos e materiais inadequa-
dos, daí a relevância do Cofre.
Uma das missões mais
CONVERSA
marcantes sob sua res-
ponsabilidade é a inicia-
tiva “Um Distrito um Tri-
bunal”. Quando surge esta
iniciativa?
A Iniciativa Presidencial
“um Distrito um Edifício Con-
digno para o Tribunal”, foi
anunciada por Sua Excelência
Presidente da República, Fi-
lipe Jacinto Nyusi, em 07 de
Agosto de 2021, em Massingir,
na Província de Gaza.
Quando iniciámos as nossas
actividades, no Cofre, fizemos
o 1º diagnóstico e constatamos
os pontos fortes e fracos do Co-
fre dos Tribunais. A partir daí,
desenhamos a nossa politica de
desenvolvimento institucional
que contribuiu para a elabora-
ção do Plano Estratégico 2017-
2021, traduzido num plano de
acção do qual constava, entre
outras actividades, a constru-
ção de residências para magis-
trados, como forma de melho-
rar as condições sociais e de
trabalho destes e dos oficiais de
justiça, por um lado, e planifi-
cámos a reabilitação de alguns
tribunais que funcionavam em
condições deploráveis, em edi-
fícios próprios e outros, em edi-
fícios a titulo de empréstimo,
pelo Governo, ou Organismos
não Governamentais.
Nessa senda, entre 2013 e
2020, adquirimos:
24 Apartamentos, na Cidade
de Maputo;
15 residências na Cidade de
Nampula
11 residências, na Cidade da
Beira;
11 moradias na Cidade de
Maputo;
20 apartamentos na Matola
Construímos a sede do Cofre
dos Tribunais e, posteriormen-
te, iniciamos a construção dos
Tribunais judiciais dos distri-
tos de Inharrime, na Província
de Inhambane, Chifunde na
Província de Tete, Massingir,
na Província de Gaza e Metari-
ca, na Província de Niassa.
Ora, com a inauguração dos
dois primeiros Tribunais –
Inharrime e Chifunde–, Sua
Excelência o Presidente da Re-
pública, Filipe Jacinto Nyusi,
mostrou-se sensível pelo es-
forço empreendido pelo Cofre
dos Tribunais, no projecto de
desenvolvimento Institucional
e criação de condições para os
magistrados e oficiais de justi-
ça, com os parcos recursos de
que dispunha. Por isso, em 07
de Agosto de 2021, aquando da
inauguração do Tribunal Judi-
cial do Distrito de Massingir,
na Província de Gaza, brindou
o Judiciário, com o anúncio
da iniciativa Presidencial “um
Distrito, um Edifício Condigno
para o Tribunal”, cuja imple-
mentação ficou a cargo do Co-
fre dos Tribunais, com o objec-
tivo de dotar todos os Distritos
de tribunais condignos, a nível
nacional e requalificar os de-
mais, em funcionamento.
Só nos falta um Tribunal
Supremo.
Teremos um edifício de raiz
do Tribunal Supremo. Estamos
a trabalhar nisso.
Qual é o principal desa-
fio do Cofre dos Tribunais
hodiernamente?
Garantir a sua sustentabili-
dade, a sua sobrevivência.
De que forma?
Os recursos do Cofre dos Tri-
bunais provêm, fundamental-
mente, da receita arrecadada
nas diversas secções dos Tribu-
nas Judiciais e suas delegações,
através das percentagens sobre
o imposto de justiça fixado e
outros encargos, nos termos
do Código das Custas Judiciais.
O produto da venda de bens
do Cofre que sejam abatidos
à carga também constituem
receita. Refira-se que o Cofre
não possui bens de valores sig-
nificativos para abate; a receita
do Cofre também pode advir
de doações, no entanto nunca
recebemos doações. Por isso,
os fundos do Cofre, na prática
provêm única e exclusivamen-
te da cobrança do imposto de
justiça e outros encargos nos
processos e são estes montan-
tes que, com base numa ges-
tão criteriosa e consistente,
nos permitem realizar acções
produtivas, algumas das quais
enunciamos anteriormente.
Como se situa, na quali-
dade de Presidente do Co-
fre dos Tribunais, face à
discussão em torno da re-
visão do Código das Custas
Judiciais?
Neste momento, o Código
das Custas Judiciais está em
processo de revisão, com reco-
mendação clara e inequívoca
de redução das percentagens
do imposto de justiça e reco-
menda-se, em alguns casos a
sua eliminação, privilegian-
do-se a gratuitidade de acesso
à justiça. Ora, a compreensão
da redução e/ou eliminação do
imposto de justiça como pres-
suposto para o acesso à justiça
e ao direito pelo cidadão é mis-
ter. Todavia, como gestores do
Cofre não podemos deixar de
expressar a nossa preocupação,
se tivermos em conta que, por
regra, o OE alocado aos tribu-
nais é exíguo, e para colmatar a
situação, o Cofre dos Tribunais
e as respectivas delegações pro-
vinciais e distritais tem vindo,
através das dotações atribuídas
anualmente, a assegurar o fun-
cionamento normal dos tribu-
nais, sempre que o OE se mos-
tra insuficiente. Nesta medida,
a pergunta óbvia é: na circuns-
tância de fragilização do Cofre,
através da diminuição da recei-
ta e ou falta dela, como garantir
o funcionamento dos tribunais
nos casos em que, tal como tem
acontecido no nosso quotidia-
no, o OE é insuficiente?
A resposta também é ób-
via. Se não forem encontrados
mecanismos alternativos de
substituição da “mão invisível
– Cofre,’’ que vezes sem con-
ta, tem propiciado a eficiência
funcional dos tribunais, não
será surpreendente encontrar
tribunais às escuras, por falta
de pagamento de energia; ou-
tros por falta de papel ou ton-
ner, outros ainda, sem a devida
limpeza, já que, na sua maioria,
o pessoal auxiliar e guardas são
contratados com recurso a va-
lores da dotação alocada pelo
Cofre, às suas delegações.
Com a sua vasta expe-
riência não só da judicatu-
ra, mas também na gestão
de fundos públicos e na
formação de novos magis-
trados, qual é o conselho
que gostaria de deixar?
Começo por dizer que, por
regra, os conselhos pedem-se
Maio, 2023 l NAWU l 8
e se com a sua pergunta está
a pedir-me conselhos para os
colegas, permita-me que diga
o que habitualmente ouvimos
dizer. É preciso escalpelizar a
expressão: “a magistratura é
um sacerdócio”. Quer isto sig-
nificar que a magistratura não
é uma profissão, mas sim uma
função. Por conseguinte, quan-
do ingressamos na magistratu-
ra, assumimos uma função e
um Estado, razão porque o juiz
decide em nome da República.
Desde logo, este pressuposto
encerra consigo exigências aci-
ma dos demais profissionais.
A humildade, a sensibilida-
de, a sensatez, a prudência, a
ponderação, o espírito forte e
a grandeza da coragem sere-
na são atributos que a justiça,
como elemento intrínseco ao
ser humano, apela às suas ins-
tituições, como último refúgio
dos valores individuais a que
o Juiz deve ser garante, atra-
vés da coerência narrativa e da
hierarquia material dos princí-
pios, sem cair, no entanto, no
mero decisionista ou no prag-
matismo exacerbado.
A humildade, aliada à vir-
tude da modéstia e do bom
senso, permitem ao Juiz a ca-
pacidade de compreender as
próprias limitações e trabalhar
para melhorar.
A sensibilidade impõe a
compreensão dos tempos, das
culturas e o reconhecimento
das dinâmicas sociais para en-
contrar o equilíbrio da decisão,
tomada com prudência, sensa-
tez de um Juiz que no exercício
das suas funções deve perma-
necer sempre “exegeta”.
A análise e interpretação
da lei constituem pressuposto
da intervenção do Juiz e
um necessário princípio
“metódico” que o vincula à lei.
Por isso, o Juiz deve seguir
por um caminho estreito entre
a lei, o pragmatismo possível, o
uso dos princípios e a aceitável
coordenação entre a prudên-
cia das situações contextuais
da vida, ingredientes seguros
para uma decisão legitimada,
ainda que em circunstâncias
difíceis, por convencimento
errado das massas. É neste
momento que o Juiz fará, sem
atropelos, o apelo aos espíritos
fortes e à grandeza da coragem
serena.
Para terminar, Vene-
randa, há alguma outra
questão que gostaria de
abordar?
Sim. Gostaria de aproveitar
este momento para agradecer
a oportunidade por vós conce-
dida, para falar não só do tra-
balho desenvolvido pelo Cofre
dos Tribunais, como da minha
infância e trajectória de vida.
Termino com a seguinte frase,
do autor António Machado: “O
caminho faz-se caminhando”
9 l NAWU l Maio, 2023
Adelina Afonso, Juíza de
Direito da 2ª Secção Criminal do
Tribunal Judicial da Cidade de Pemba
F
ale-nos da Adelina
Afonso
Adelina é uma me-
nina/ mulher de 27 anos, na-
tural da cidade de Chimoio.
Uma das filhas mais velhas de
5 irmãos, sendo as duas mais
velhas (Adelina e Adelaide) gé-
meas. Iniciou na Escola Primá-
ria Amílcar Cabral no ano de
2000 e se licenciou em Direito
pela Universidade Católica de
Moçambique em 2019, mesmo
ano em que concorreu e ingres-
sou para o XIX Curso Inicial
para Ingresso nas Carreiras de
Magistratura Judicial e do Mi-
nistério Público do CFJJ.
Sonhou sempre em ser
juíza?
O ingresso na área da Justiça
aconteceu de uma forma sur-
preendente e inesperada. Ten-
do no ensino médio escolhido a
área da ciências com desenho,
ao ingressar no ensino superior
enveredei, como era esperado e
incentivado pela minha famí-
lia, pelo curso de Engenharia
Civil na UCM. Frequentei o
curso por um ano lectivo. Su-
cede que não gostava do cur-
so. Não me identifiquei com
as ciências exactas. Ainda no
primeiro ano, no segundo tri-
mestre, precisamente por não
me sentir realizada pela área
de formação que havia escolhi-
do, decidi que no ano seguinte
iria mudar. Não comuniquei
a decisão aos meus pais, pelo
menos até chegarem as férias.
Lembro de ter elaborado uma
carta que deixei ficar antes de
viajar de férias. A princípio,
não sabia muito bem que curso
iria seguir. Estava confusa. Por
orientação de uns professores
amigos, optei pelo Direito.
Encontrou, então, o cur-
so da sua vida?
Engraçado que nos primei-
ros meses não estava muito
animada nem interessada no
curso. Tudo mudou, porém,
quando começamos com a ca-
deira de Direito Penal. Diria
que foi amor à primeira vista
e então disse para mim mesma
que eu seria um juíza penal,
decisão essa que veio a se con-
cretizar poucos anos depois. O
que de facto pesou para a esco-
lha de Direito, foi a perspectiva
de poder usar a lei e a justiça
para de alguma forma dar vi-
sibilidade e lutar pelos direitos
e protecção jurídica e social da
pessoa com albinismo (como
PERFIL
eu) uma vez que, na época,
eram relatados muitos casos de
violação grave e ameaça pela
sua condição biológica.
Sendo jovem mulher,
como tem sido a sua inte-
gração?
A integração, em termos ge-
rais, tem sido boa e desafiante.
Entretanto, os desafios que en-
frento são inerentes à profissão
em si e não a condição de ser
mulher na justiça. A carreira
exige de nós maior responsabi-
lidade e entrega porque, como
concluí ao longo do tempo, a
judicatura é muito mais do que
uma mera carreira profissional,
mas, sim, um estilo de vida. O
início foi extremamente estres-
sante e intimidador. Deslocar-
-me a Maputo pela EN1, sozi-
nha, de autocarro, numa época
em que ocorriam ataques arma-
dos pela via, acrescido, passe a
repetição, de ataques às pessoas
com albinismo e depois passar
a residir a cerca de 1200 km de
distância da minha família foi
incrivelmente assustador. Ain-
da assim, eu tinha um sonho à
realizar e com a ajuda dos meus
país que são meus maiores fi-
nanciadores e incentivadores,
pude realizar. Actualmente,
trabalhando na 1° Secção Cri-
minal do Tribunal da Cidade de
Pemba, sinto-me realizada, sa-
tisfeita e orgulhosa. Estou feliz
por ter tido a coragem de cor-
rer atrás do meu sonho e mais
ainda pelo tribunal onde me
encontro afecta porque tenho
colegas prestativos e por estar
a actuar na área do meu maior
interesse (área penal).
Como tem conciliado a
profissão com a sua vida
familiar e afectiva?
Adelina Afonso justiça no feminino
Por ora, sou apenas mulher,
filha e profissional. A concilia-
ção entre o lado mulher (ser hu- Minha maior inspiração maiores referências são as Algum conselho para as
mano) e profissional é cada vez decorre, sem sombra de dúvi- mulheres da minha famí- mulheres que queiram in-
mais pertinente e importante das, das minhas experiências lia. No topo da lista, a minha gressar para a magistratura?
neste ramo de actuação. Não e vivências ao longo dos anos. mãe e a minha irmã gémea. O maior e mais importan-
lidamos com processos como Igualmente busco inspiração Profissionalmente, os meus te conselho que posso deixar
meros emaranhados de folhas. em cada um dos professores pontos de referência são as às mulheres é que estudem.
Lidamos sobretudo com vidas, que tive, com maior destaques minhas admiráveis formado- Se puderem estudar, estudem
histórias e culturas, o que exi- aos que tive no CFJJ, eles são ras e colegas de formação e de muito. Se não puderem, façam
ge do julgador humanismo no para mim, exemplos do que um profissão. A Dra Elisa Samuel com que seja possível. Em to-
momento de decidir. Relativa- bom juiz deve ser. e a Dra. Sílvia Comissário re- das as circunstâncias busquem
mente ao ser filha, busco acima presentam toda a dedicação, a educação, o aprendizado e o
de tudo dar orgulho aos meus Alguma mulher que a comprometimento e afinco conhecimento. Só com mulhe-
pais e garantir-lhes a minha as- inspira, em particular? profissional dignos da judi- res estudadas e tecnicamente
sistência e presença dentro das Tive o privilégio de, ao longo catura. As meritíssimas Dras capazes podemos construir um
minhas possibilidades. da vida, conhecer e aprender Celeste Gino, Madalena Si- mundo mais justo e seguro para
muito com grandes mulheres. dumo e Saquina Lambate são nós e para as mulheres do ama-
O que a inspira para se No quesito força, determina- referências diárias de zelo e nhã. Parafraseando um tio meu
superar? ção e persistência as minhas responsabilidade profissional. “Prioridade é ESTUDAR”.
ENTREVISTA Maio, 2023 l NAWU l 10

PARA ANTÓNIO ROSÁRIO NIQUICE, PRESIDENTE DA COMISSÃO DO PLANO E ORÇAMENTO DA

ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

Não se faz crescer um país

sem Justiça
Em Moçambique, os tribunais são independentes, de forma efectiva. As percepções de uma
eventual falta de independência, em especial, devido à componente financeira, resultam da
limitação de recursos que o País enfrenta, advoga António Niquice, deputado e Presidente da
Comissão do Plano e Orçamento da Assembleia da República, para quem o sector da justiça é
prioritário, e não se faz crescer um país sem justiça.

Texto: Esmeraldo Matavele

A
Constituição preco-
niza que os juízes,
no exercício das suas
funções, são independentes,
devendo obediência, apenas,
à lei. Todavia, sob o ponto de
vista financeiro, há percepções
que entendem que os tribunais
dependem, em grande medida,
de outros poderes, criando-se,
não raras vezes, a sensação
de que não há independência
efectiva do judiciário. O Presi-
dente da Comissão do Plano e
Orçamento da Assembleia da
República defende que o prin-
cipal problema de Moçambi-
que está relacionado com a
limitação dos recursos.
António Rosário Niquice
considera que não é verdadeira
a percepção de uma eventual
falta de independência efectiva
dos tribunais, por conta do fi-
gurino adoptado, no âmbito da
aprovação do orçamento e sua
alocação às diversas entidades.
Falando, em exclusivo, ao
Jornal NAWU, Niquice afirma
que a Assembleia da Repúbli-
ca, quando debate o Orçamen-
to Geral do Estado, faz a de-
vida ponderação, porém, tem
que se dividir o pouco para Dr. Antonio Niquice, Presidente da Comissão do Plano e Orçamento da Assembleia da República
todos os sectores.
Acompanhe, de seguida, al-
guns excertos da entrevista: res. A separação de poderes que é o Plano e o Orçamento do que é um mecanismo extrema- gente discute se as custas ju-
prevê o Judicial com compe- Estado. Nós somos um Estado mente interessante de gestão diciais serão um impedimento
Senhor Presidente da tências específicas no âmbito unitário, o orçamento é uno e daquilo que são os recursos do acesso à justiça ou não. Será
Comissão do Plano e Or- da administração da justiça, a nesse sentido há que se repar- provenientes dos emolumentos que a condição imposta pelas
çamento da Assembleia da Assembleia da República como tir esse pouco “bolo”. Eu pen- das diferentes etapas proces- custas não encarece a natureza
República, há quem diga o mais alto órgão legislativo e so que o grande problema não suais. São esses recursos que da justiça que temos? A posição
que o poder judicial não é o Executivo com o múnus de tem a ver com a independência permitem subsidiar, de forma é que os serviços de adminis-
independente dos demais, fazer o governo do dia, a ad- em si, porque a independência autónoma, as entidades envol- tração da justiça, como serviços
devido à vertente financei- ministração da coisa pública e preconiza também a interde- vidas nos actos processuais, públicos não gratuitos, devem
ra. Como é que olha para a gestão de recursos públicos. pendência entre os poderes. O incluindo remunerar os magis- implicar um pequeno sacrifí-
esta questão? E nesse sentido, sendo o nosso grande problema reside na li- trados. Além disso, com o Cofre cio monetário para quem a eles
Bom, para começar devo Estado Democrático e de Direi- mitação de recursos e quando surgem, igualmente, iniciativas recorre. O Estado precisa arre-
dizer que nós temos garantias to, o pressuposto que norma- não se tem ovos é difícil fazer na área de infra-estruturas, cadar receitas para aplicar em
constitucionais, uma das quais tiza o funcionamento das ins- omeletes. acabando por cobrir uma limi- muitas áreas da despesa públi-
é o princípio da separação e tituições, sob o ponto de vista É preciso referir que o Judi- tação que o Governo enfrenta. ca. A justiça, como a educação,
interdependência de pode- financeiro, é em função daquilo cial tem o Cofre dos Tribunais, Interessante que, às vezes, a saúde, telecomunicações, água
11 l NAWU l Maio, 2023
e outros serviços fixa contra-
partidas pelo seu uso. Devem
assim prevalecer as custas
judiciais, desde que sustentá-
veis. Naturalmente que a lei
também prevê que nenhum
cidadão deve ficar lesado de
aceder à justiça por ser pobre.
Há mecanismos de assistência
judiciária a operacionalizar.
Senhor Presidente,
quando visitamos alguns
distritos, notamos uma
grande disparidade entre
as condições da institui-
ção distrital “tribunal” re-
lativamente a outras como
as da “saúde”, “educação”,
“planeamento e infra-es-
truturas”. A partir do edi-
fício, gabinete, material
do trabalho…regra geral,
em termos de condições,
o tribunal distrital encon-
tra-se abaixo das demais
instituições. Será que a
distribuição do “bolo” é
mesmo equitativa?
Penso que essa é uma ques-
tão estrutural que tem a ver
com o problema conjuntural
que nós vivemos. Primeiro,
é preciso compreender que
a classe de juízes é uma clas-
se bastante importante em
qualquer Estado de Direito e
Democrático, entretanto, por
conta do processo histórico
de Moçambique, a pergunta
seria quantos juízes tínhamos
na altura da independência e
quantos juízes temos hoje? Há
um processo contínuo que visa
formar e apetrechar as insti-
tuições de justiça, em parti-
cular a magistratura judicial e
começamos a ter, hoje, juízes
de direito formados em todo
o País. É preciso destacar, em
segundo lugar, uma iniciativa
extraordinária que foi agora
impulsionada pelo governo,
que é “Um Distrito, um Edifí-
cio Condigno para o Tribunal”
que é exactamente resultante
desta constatação da neces-
sidade de se conferir maior
dignidade à actividade desem-
penhada pela magistratura ju-
dicial. Volto a dizer que o Judi-
cial é um pilar extremamente
importante em qualquer Es-
tado de Direito e Democrático
e Moçambique não constitui
excepção. O nosso País é bas-
tante extenso e há um proces-
so para se assegurar que cada
distrito possa ter um tribunal.
Mas não é isso só. Não se tra-
ta da simples existência de
um tribunal. São infra-estru-
turas modernas bem apetre-
chadas, concorrendo, assim,
igualmente para a dignificação
do judiciário. Acredito que a
constatação do desnível entre
alguns tribunais distritais e
outras instituições públicas de
mesmo nível é resultante de
um processo histórico, tendo
em conta factores estruturais e
conjunturais, mas que o Estado
está a encarregar-se de corrigir
a situação.
Senhor Presidente, há
quem entenda que o judi-
ciário é prejudicado por-
que não participa da apro-
vação dos instrumentos
financeiros (…)
Não! O processo de plani-
ficação e orçamentação na
República de Moçambique é
um processo interinstitucio-
nal que é feito em função das
necessidades reais do País. As
diferentes entidades intervêm
nesse processo. O Ministério
da Economia e Finanças faz a
globalização das necessidades
de todos os sectores. No ciclo
de planificação e orçamenta-
ção, todas as entidades subme-
tem, dentro dos prazos previs-
tos na lei, as suas necessidades
principais ao Ministério da
Economia e Finanças. Exem-
plo, se tivemos como meta
para 2023 a integração de mais
magistrados, foi preciso plani-
ficar quantos tribunais eram
necessários, quantos magistra-
dos, oficiais de justiça e outros
funcionários eram necessários
e quais as necessidade em ter-
mos materiais. Tudo tem que
estar planificado. Portanto, o
ciclo de planificação é integra-
do; a única coisa que ocorre é
que por conta das necessidades
que o País tem, regista-se um
conflito de prioridades. O que é
mais prioritário, já que tudo é
prioritário? É claro que a justi-
ça é prioritária. É também mui-
to prioritária. Há muita sede
da justiça, por isso, tem que se
criar condições para que os ci-
dadãos tenham acesso à justiça
como um direito fundamental,
exactamente, por isso, que es-
tão a ser construídos novos edi-
fícios para que os magistrados
tenham condições e exerçam as
suas atribuições e competên-
cias tendo em conta o princípio
da independência que guia, na
essência, na letra e no espírito,
a actividade do juiz. Isso tudo
á luz do pressuposto da sepa-
ração e interdependência dos
poderes.
Portanto, no meu entender, a
questão central tem a ver como
processo de consolidação, pri-
meiro, das instituições, depois,
a questão dos recursos. Temos
que assegurar que o país conti-
nue a produzir para que se au-
mentem os recursos públicos e,
por conseguinte, seja possível
a satisfação daquelas priorida-
des prementes do Estado.
Senhor Presidente, o
Brasil tem uma experiên-
cia interessante nestas
matérias de garantia da
independência efectiva do
judiciário. Uma das for-
mas que encontraram, no
domínio financeiro, foi de
consagrar, na Constitui-
ção uma percentagem mí-
nima do orçamento para o
poder judiciário, a retirar
do Orçamento do Estado
como um todo. O que acha
de uma experiência seme-
lhante para a realidade
moçambicana?
Repito que o grande proble-
ma actual é das prioridades.
Temos prioridades, no País,
na área da educação, saúde e
infra-estruturas. Ainda não
temos, por exemplo, estradas
que permitam capitalizar as
ENTREVISTA
cuja distribuição não permite
muita invenção, se podermos
usar o termo, ou reinvenção.
Há limitações que não nos per-
mitem dar para além daquilo
que se dá a cada uma das áreas.
Certo é que o desafio que
temos ao nível da Assembleia
da República quando nos é re-
metido o Orçamento Geral do
Estado, é precisamente esse.
Ter que fazer os check and
balances à volta de tudo. Por
exemplo, temos a questão da
desnutrição crónica, a saúde,
a educação, enfim…, todo um
conjunto de sectores muito
prioritários, que concorrem
igualmente com o sector da
justiça. Naturalmente que nós,
como Assembleia da Repúbli-
ca, como legislador, estamos
sensibilizados com a necessi-
dade de se continuar a alocar
recursos ao sector da justiça
para que possa desempenhar
cabalmente o seu papel.
BREVE BIOGRAFIA
potencialidades que o País tem
O Professor Doutor An-
do Rovuma ao Maputo e do
tónio Rosário Niquice é
Zumbo ao Índico, incluindo o
deputado e Presidente da
fluxo de pessoas e bens. A co-
Comissão do Plano e Or-
locação que faz, embora tenha
çamento da Assembleia da
a sua lógica, tem que ser bem
República. A sua carreira
pensada. Por exemplo, é preci-
como parlamentar iniciou
so ver a natureza dos Estados.
em 2004, tendo sido reelei-
Brasil é um Estado Federado,
to por três mandatos con-
enquanto Moçambique é uni-
secutivos, onde exerceu,
tário. Brasil tem uma econo-
entre outras, as funções
mia com outra robustez. Mo-
de Presidente do Gabinete
çambique é um Estado ainda
da Juventude Parlamentar
em vias de desenvolvimento. A
e Presidente da Comissão
termos que caminhar para esse
de Relações Internacio-
modelo, se julgarmos que é
nais. Actualmente presi-
desejável, teríamos que verifi-
de a Comissão do Plano e
car as premissas. O grande pro-
Orçamento.
blema das percentagens é que
Doutorado pela Faculda-
essa percentagem pode mutilar
de de Ciências Económicas
a flexibilidade, se isso for de lei,
da Universidade Federal
que se deve ter na reorientação
do Rio Grande Sul em Es-
do orçamento, dos parcos re-
tudos Estratégicos Interna-
cursos de que o País dispõe, em
cionais, especialização em
função das prioridades que po-
Economia Internacional, é
dem existir. Só para ver, o País
Professor universitário há
é, ciclicamente, violentado por
mais de 20 anos, tendo de-
calamidades naturais. Isso nos
senvolvido vários trabalhos
remete ao desvio, inclusive das
de pesquisa e investigação
prioridades, por conta das ne-
científica, com estudos e
cessidades prementes de aten-
artigos publicados em re-
der às populações necessita-
vistas de especialidade. Fez
das. Hoje em dia temos, ainda,
várias formações no exte-
a problemática de terrorismo.
rior, com destaque para o
Então, poderíamos peneirar e
Japão, EUA, França e In-
definir em termos de reenge-
glaterra. É Mestre em Ad-
nharia financeira o que é mais
ministração Pública, espe-
prioritário. Sim, à consolidação
cialização em Governação
do Estado de Direito e Demo-
e Políticas Públicas. Detém
crático e a questão da justiça
duas licenciaturas, uma em
são extremamente importan-
Relações Internacionais e
tes. Não se faz crescer um país
Diplomacia e outra em Di-
sem justiça. Mas temos ainda
reito.
algumas lacunas a preencher
É poliglota, sendo fluen-
de forma a assegurar e garantir
te em português, changa-
que o País possa crescer de for-
na, inglês, francês, espa-
ma equitativa. O problema que
nhol e japonês.
se coloca é que nós temos um
volume de recursos limitados,
NOTÍCIAS
80 anos
de Sinai
Nhatitima
80 anos de Sinai Nhatitima ladeado do jovem advogado Victor Gomes da Fonseca e do juiz
conselheiro jubilado do Tribunal Supemo Augusto Raul Paulino
AMJ e FDC em defesa dos direitos
da mulher e rapariga em situação de
vulnerabilidade
A Fundação para o Desen-
volvimento da Comunidade
(FDC), inserido no Projecto
Viva Mais, contribuiu para a
formação de 400 magistra-
dos judiciais e do Ministério
Público espalhados pela ge-
neralidade das províncias de
Moçambique. Através deste
projecto, no seguimento de um
memorando de entendimento
entre as duas entidades, visa-
va-se sensibilizar os actores
do sistema de administração
da justiça para um maior com-
prometimento no tratamento
de matérias ligadas ao assédio,
violação sexual e casamentos
prematuros.
O director de projectos da
FDC, Adelino Xerinda, ao reve-
lar a gravidade dos casos regis-
tados em todas as províncias,
considerou-os “preocupantes”,
destacando ser uma realidade
em todo o país que os crimes
relacionados à mulher têm um
passado intenso por questões
Texto: Esmeraldo Matavele
O Antigo Procurador-Geral
da República e Juiz Conselheiro
Jubilado do Tribunal Adminis-
trativo, Sinai Josefa Nhatitima,
celebrou em 14 de Abril corren-
te 80 anos de idade. Familiares,
colegas e amigos aproveitaram
a oportunidade para desenrolar
sobre a vida e obra daquele que
foi um dos arautos do sistema
da justiça de Moçambique numa
cerimónia de homenagem que
levou um pouco mais de 5 horas
de duração, na Sala Armando
Emílio Guebuza nas instalações
culturais. Disse ainda que “o
programa de apoio às mulheres
está a aumentar a consciência
sobre os seus direitos e falta
que os prevaricadores sejam
exemplarmente punidos”.
Por seu turno, Berta Tiane,
em representação da AMJ, en-
tende que a violação dos direi-
tos humanos das populações
chave são a principal causa de
inibição de mulheres e rapari-
gas desfrutarem os seus direi-
tos. Ela entende que os agres-
da Procuradoria-Geral da Repú-
blica, Cidade de Maputo.
Dirigindo-se aos presentes, na
ocasião, a Procuradora Geral da
República, Beatriz Buchilli, ma-
nifestou orgulho em receber na
casa esse que constitui “patrimó-
nio da Procuradoria Geral da
República” pelo exemplo da sua
direcção assente no profissiona-
lismo, ética e humanismo.
Por seu turno, o Antigo Pre-
sidente da República, Armando
Emílio Guebuza, destacou o per-
curso do homem cujo historial de
vida se confunde com a história de
Moçambique pelo engajamento
emprestado no Ministério Públi-
sores das mulheres são, em
regra, os parentes com que ela
convive, mas, no lugar de as de-
fender, cometem, eles próprios,
agressão. Sentenciou, por isso,
que “a justiça não apenas deve
pugnar pela punição exemplar
com base nas leis, mas tem de
traduzir um carácter educativo
para uma mudança de compor-
tamento e atitudes dos agres-
sores”.
Participaram nas oficinas de
discussão, magistrados judi-
Maio, 2023 l NAWU l 12
co e nos tribunais, mas também,
nas organizações da sociedade ci-
vil onde, de forma complementar,
buscou colocar sempre os interes-
ses do povo moçambicano em pri-
meiro lugar nas áreas onde actuou.
Delfina Nhatitima, mulher, fa-
lou do marido apaixonado, pai
engajado e fundamentalmente do
homem de família que, ao longo
da vida, soube gerenciar os desa-
fios profissionais sem prejudicar
a estabilidade familiar. Afirmou-
-se grata a Deus por haver colo-
cado o Sinai na sua vida e juntos
terem iniciado uma caminhada
que, regada de muitas realiza-
ções, dura até aos dias de hoje.
ciais e do Ministério Público,
membros do Governo, advoga-
dos, técnicos do IPAJ, para-le-
gais e activistas de organizações
da sociedade civil promotores
dos direitos humanos.
Através do Programa Viva
Mais, iniciado em 2021, a FDC,
em parceria com a AMJ, pre-
tende massificar a consciência
sobre direitos humanos a 1.8
milhão de mulheres e rapari-
gas em 96 distritos do país até
2023.
13 l NAWU l Maio, 2023
AMJ junta-se ao CIP no
combate à corrupção
O Centro de Integridade Pú-
blica (CIP) e a Associação Mo-
çambicana de Juízes (AMJ)
assinaram Memorando de En-
tendimento, destinado a estabe-
lecer os termos e princípios ge-
rais tendentes à implementação
de uma parceria entre as duas
instituições.
O acto foi celebrado por inter-
médio dos representantes das
duas instituições, sendo o CIP
pelo seu Director Executivo Ed-
son Cortês, e a AMJ por seu Pre-
sidente Carlos Mondlane.
Diante dos presentes, Carlos
Mondlane considerou que com
este Memorando abre-se um espa-
AMJ e UNIROVUMA firmam
Memorando de Entendimento
Com vista a elevação de níveis
técnicos dos juízes moçambi-
canos, nomeadamente na fre-
quência a pós-graduações, mes-
trados, doutoramento e outros
cursos específicos de interesse
para a classe, a AMJ celebrou,
em Nampula, um Memorando
de Entendimento com a UNI-
ROVUMA.
Com esta iniciativa, segundo
o presidente da AMJ, Carlos
ço para que o CIP, enquanto actor
incontornável no quadro da luta
contra a corrupção em Moçam-
bique, pela promoção da trans-
parência e integridade públicas,
passe a colaborar com a AMJ no
alcance desse desiderato, através
da denúncia de casos de corrupção
no sector da justiça, da obtenção
de evidências que consubstanciam
esses actos, bem como no apoio à
formação em matérias de ética e
deontologia dos juízes.
Para o Presidente da AMJ, ter
o CIP como parceiro no combate
à corrupção no sector da justiça
contribuirá para garantir a boa
imagem do país em matéria de
Mondlane, para além de estabe-
lecer laços de cooperação com
a maior universidade pública
da zona norte do país, os juí-
zes encontrarão um lugar para
se capacitarem tecnicamente e
ligarem à comunidade através
da participação em palestras,
seminários, conferências, aces-
so à biblioteca e tudo que for
relevante de modo a aumentar
a competência e diligência ju-
ACTUALIDADE
judicial accountability, na eleva-
ção da confiança das instituições
judiciais pelos cidadãos e no re-
forço da integridade dos magis-
trados judiciais que o país tem
vindo a formar.
Por seu turno, Edson Cor-
tês apontou que o CIP poderá
apoiar, dentro das suas possibi-
lidades, através do trabalho dos
seus colaboradores, à AMJ para
que haja um efectivo combate à
corrupção no país, visando pro-
mover a boa imagem e integrida-
de dos magistrados judiciais do
país, pois as pessoas e empresas
só sentirão persuadidas a inves-
tir num país em que haja maior
dicial. Juízes melhor formados
são o garante de um sistema de
justiça mais credível e transpa-
rente.
Por seu turno, Arsénio Cuco,
Director da Faculdade de Direi-
to da UNIROVUMA, referiu que
através deste Memorando de
Entendimento serão promovi-
dos intercâmbios de publicações
jurídicas e científicas, maior
participação de juízes em ban-
confiança, transparência e inte-
gridade das instituições da Ad-
ministração da Justiça.
O Director Executivo do CIP
também apontou que, assinado
o memorando de entendimento
entre as duas instituições, era
hora de se arrancar, de imedia-
to com quadros de formação em
todo o país.
Efectivamente, juízes das pro-
víncias de Niassa, Cabo Delgado,
Nampula, Zambézia, Inhambane
e Cidade de Maputo participa-
ram, em momentos próprios, em
actividades variadas de forma-
ção em matérias de combate à
corrupção.
cas examinadoras de trabalhos
de fim de curso, na leccionação
e tudo que for relevante para a
consolidação das relações entre
o sector judiciário e académi-
co, não para a área territorial
da província de Nampula, mas,
igualmente, qualquer outra
onde se situar a UNIROVUMA
na zona norte do país.
A AMJ tem, igualmente, em
curso, parcerias nacionais com
OFICIAIS DE
JUSTIÇA SEM
CORRUPÇÃO
Realizou-se, nos dias 11
e 12 de Abril corrente, na
Cidade da Beira, a III Reu-
nião Nacional de Oficiais e
Assistentes de Oficiais de
Justiça dos Tribunais Ju-
diciais, realizada pela As-
sociação Moçambicana de
Oficiais de Justiça (AMOJ),
cujo lema foi “Por um ofi-
cial de justiça livre da cor-
rupção”.
O evento apoiado pela
Agência Espanhola de Coo-
peração e Desenvolvimen-
to (AECID) e pelo Tribunal
Supremo tinha em vista co-
locar os oficiais de justiça a
reflectir e debater sobre os
mecanismos de controlo de
risco à deontologia profis-
sional e a busca por novas
perspectivas, incluindo a
adopção de um Código de
Ética para a classe profis-
sional.
Adelino Muchanga, Pre-
sidente do Tribunal Supre-
mo, disse, na ocasião, que
o Código de Ética, não obs-
tante a relevância extrema
que possui, não pode ser
visto como um fim em si
mesmo. Importa é a inte-
riorização de condutas na
vida profissional e pessoal
que dignifique o oficial por
conta da sua ligação ao po-
der judicial.
Por seu turno, Maria Te-
resa Coutinho, Presidente
da AMOJ, vincou o com-
promisso de todos por um
judicial sem corrupção e
com os oficiais de justiça a
se colocarem como verda-
deiros generais para obstar
que casos desse jaez se ma-
nifestem no sistema.
a Universidade Eduardo Mon-
dlane (UEM) e Universidade
Alberto Chipande (UNIAC) e,
no estrangeiro, com a Esco-
la da Magistratura do Paraná
(EMAP – Paraná/Brasil) e Cen-
tro de Estudos Judiciários (CEJ
- Portugal), augurando, ainda,
finalizar o Memorando com a
Universidade Católica de Ango-
la (UCAN) e Universidade Ma-
ckenzie (são Paulo – Brasil).
CONVERSA Maio, 2023 l NAWU l 14

ATRAVÉS DAS REDES SOCIAIS

Tribunal Judicial da Cidade

de Maputo promove o
engajamento dos cidadãos
De modo a que se
tornem conscientes
dos seus deveres
cívicos e se sintam
protegidos.

Texto: Esmeraldo Matavele

O Tribunal Judicial da Ci-

dade de Maputo está, desde o
ano passado [2022] nas redes
sociais. A Veneranda Presi-
dente do Tribunal Gracinda
da Graça Muiambo considera
que as redes sociais às quais
o Tribunal acaba de aderir
representam uma mudança
radical na forma como a insti-
tuição aborda a comunicação
com os cidadãos. Acompanhe,
de seguida, alguns excertos da
entrevista: Gracinda da Graça Muiambo, Veneranda Presidente do Tribunal

Veneranda Presidente,
pode falar-nos sobre a ao futuro. Aspiro que a interac-
nova Plataforma Tecnoló-
gica introduzida ano pas-
sado?
Esta é a nossa contribuição
inovadora na transformação
digital, com fortes probabili-
dades de definir a nossa mar-
ca, no que concerne ao acesso à
justiça e à criação de mecanis-
mos participativos ao dispor
dos cidadãos. As redes sociais
lançadas são intencionalmente
ambiciosas e inspiracionais.
Representam uma mudança
radical – um ponto de viragem
e de transformação digital na
forma como abordamos a co-
municação com os cidadãos,
condition sine qua non para
a construção da confiança do
público alicerçada na relação
biunívoca: top down e bottom
up. É um facto inegável, à me-
dida que o mundo continua
a mudar ao nosso redor uma
estratégia de comunicação e
de engajamento de vários be-
neficiários. Só juntos podemos
construir um sistema de admi-
nistração da justiça adequado
ção seja pautada pela transpa-
rência e verdade.
Mas, não bastam as inten-
ções. É preciso passar de ideias
à execução.
As palavras competitividade
e excelência estão na agenda
das instituições. A verdade é
que a resposta ao questiona-
mento do nosso sucesso está
na equipe multidisciplinar
do TJCM. As habilidades dos
meus colaboradores ditam a
diferença no sucesso das redes
sociais.
O que é que traz esta pla-
taforma tecnológica, Vene-
randa?
O mundo ao nosso redor
mudará significativamente nos
próximos cinco a dez anos.
Compreender o que isso sig-
nifica para nós é fundamental,
pois os tribunais devem estar a
par do estágio da evolução da
sociedade, sob pena de serem
considerados instituições que
operam com ferramentas obso-
letas. A condição de autoridade
requer actualização permanen-
te.
Esta plataforma abre espa-
ço para a comunicação direc-
ta, interactiva – por oposição
ao modelo de actores activos
(emissores de ordens) e acto-
res passivos (cumpridores de
ordens). É que não mais os tri-
bunais garantem unicamente
a paz jurídica nas suas juris-
dições com o uso exclusivo da
sentença – a persuasão garante
a prevenção de infracções. As
redes sociais do TJCM pros-
seguem a persuasão que pode
revestir de diversas formas de
modo a que possamos ter um
cidadão consciente e seguro
no exercício do seu direito,
em oposição a cidadãos cum-
pridores das normas e ordens,
sem capacidade de entender as
complexas formalidades foren-
ses. Esta vasta panóplia de for-
malidades afasta os cidadãos
dos tribunais, sendo parado-
xal porque os tribunais admi-
nistram a justiça em nome do
povo.
Veneranda, o que é que
significa esta iniciativa
para o Tribunal Judicial da
Cidade de Maputo, no que
concerne ao acesso à justi-
ça?
O nosso investimento na ca-
pacidade digital ajuda a adap-
tarmo-nos à sociedade em rá-
pida mudança, melhorando a
forma como a justiça é feita, é
administrada e percepcionada
pelos cidadãos. As medidas que
coarctam as liberdades dos ci-
dadãos (penas de prisão) não
são as únicas medidas para ga-
rantir a paz social. A educação
cívico-jurídica já deu mostras
de eficácia nas sociedades hoje
consideradas mais equitativas
e, por isso, pacíficas.
No nosso contexto, todo o ci-
dadão tem o direito à protecção
jurídica e a todos é assegura-
do o acesso aos tribunais para
a defesa dos seus direitos. As
redes sociais do TJCM propor-
cionam o acesso à informação
fiável – o que faz a diferença
entre o estado de desespero e a
atitude consciente perante um
facto com relevância jurídica.
As redes sociais do TJCM
prosseguem o desiderato de
garantir o acesso à justiça su-
portado por uma capacidade
digital. Portanto, pretendemos
promover activamente o enga-
jamento dos cidadãos de modo
a que se tornem conscientes dos
seus deveres cívicos e se sintam
protegidos, o que passa neces-
sariamente pela construção da
confiança entre os cidadãos e
instituições de justiça através
das nossas redes sociais.
A plataforma tecnológi-
ca já está a trazer
resultados satisfatórios,
Veneranda?
Bom, todos os processos de
transformação requerem tem-
po e consistência, o que quer
dizer que a melhor avaliação
só será feita a posterior, num
tempo se calhar muito distante,
sem preconceitos e com termos
de comparação e de impacto
bem consolidados.
Ninguém pode, eficazmente,
ser juiz em causa própria. Ne-
15 l NAWU l Maio, 2023
nhum réu confesso aplaude o
juiz que o condenou a pena de
prisão efectiva.
Para dizer que muitas vezes
são as gerações vindouras que
avaliam os actos das lideranças
passadas.
Poderia, Veneranda Pre-
sidente, falar-nos dos gan-
hos que têm com a
introdução das
digitais?
páginas
Bom, como deve saber, os
tribunais administram a justi-
ça em nome do povo. E, a boa
administração da justiça pres-
supõe o engajamento de todos
os beneficiários. E a harmonia
entre as partes assenta na boa
comunicação, sendo mais efi-
caz o canal que permite a inte-
ractividade entre as partes.
Assim, como ganhos, as re-
des sociais são uma plataforma
de comunicação aberta e vir-
tualmente ilimitada - todos os
interessados passam a dispor
de um espaço virtual para exer-
citar o seu direito de opinião,
sugerir rumo a seguir – enfim,
participar na vida do TJCM.
Sobre o Tribunal Judi-
cial da Cidade de Maputo,
neste momento quantos
juízes tem o tribunal, Ve-
neranda?
Neste momento o TJCM tem
um total de 50 magistrados,
dos quais 30 estão afectos nas
diferentes secções do Tribunal
da Cidade e os restantes 20 nos
7 Tribunais Judiciais dos Dis-
tritos Municipais.
Em termos de género, no tri-
bunal da cidade temos 15 ho-
mens e 15 mulheres e nos tribu-
nais distritais temos 8 homens
e 12 mulheres.
Veneranda, como o Tri-
bunal tem lidado com os
principais tipos de crimes
que tem assolado a cidade
de Maputo?
Quando fala em principais
tipos de crimes, não sei a que
se refere, concretamente. Mas,
o que lhe posso dizer é que a
função dos tribunais é de jul-
gar processos cuja competên-
cia lhes seja atribuída por lei,
independentemente do tipo de
crime. E é o que o TJCM tem
estado a fazer.
Quais os constrangimen-
tos no desempenho das
suas funções, Veneranda?
Em primeiro lugar gosta-
ria de referir que colocar uma
mulher num posto de direcção
como este é muito significativo,
nesta longa jornada de igual-
dade e equidade do género na
carreira da Magistratura Judi-
cial, outrora exercida exclusi-
vamente por homens. Significa
dar as mesmas oportunidades
aos homens e às mulheres. Mas
a particularidade da mulher
na direcção carrega consigo a
expectativa de liderança terna,
onde todos se sentem incluídos
(como uma mãe tem a capaci-
dade de distribuir o seu carinho
de forma equitativa por todos
seus filhos). Só que os recursos
são escassos, mas esforço-me
para proporcionar medidas de
inclusão e incentivos sociais.
Quanto aos recursos huma-
nos, debatemo-nos com exi-
guidade de pessoal: juízes e
oficiais de justiça em quantida-
CONVERSA
des insuficientes para atender
à demanda processual - volu-
me de trabalho que ultrapassa
a nossa capacidade de manu-
seamento e decisão em tempo
razoável. Mas, o que
Outrossim, o pessoal carece
de habilidades técnico-profis- lhe posso
sionais actualizadas. Os cursos
de formação contínua tem sido
dizer é que a
escassos, facto que impede a função dos
acumulação e consolidação de
experiência profissional – o que tribunais é de
conferiria maior celeridade e
eficácia no desempenho das fun-
julgar pro-
ções a que estão incumbidos. cessos cuja
Quanto às infra-estruturas,
alguns tribunais debatem-se competên-
com escassez de salas de au-
diências. A partilha das parcas
cia lhes seja
salas tem sido a alternativa em atribuída por
uso, mas em detrimento da
qualidade dos serviços presta- lei, indepen-
dos ao cidadão e frustração das
expectativas do pessoal (juízes
dentemente
e oficiais) cujo desempenho do tipo de
profissional é seriamente afec-
tado negativamente. É nestas crime.
circunstâncias que homens e
mulheres do TJCM prestam o
serviço público – a administra-
ção da justiça ao povo.
OPINIÃO
Stalking:
Uma ameaça
omnipresente
Carina Soares
Advogada
O
stalking enquanto problema social não é
consensual, sendo frequente o debate em
torno do seu conceito, atendendo à con-
duta do/a stalker tender a manifestar-se
de forma reiterada e indubitavelmente
afrontar com o direito fundamental à vida
privada, consagrado no artigo 41º da Constituição da Re-
pública de Moçambique.
O Stalking, palavra inglesa derivada do verbo “tostalk”,
significando “a perseguir”, só nas últimas duas décadas
do séc. XX é que foi reconhecido enquanto problema so-
cial, na sequência da apropriação do termo pelos media
norte-americanos para designar um padrão de conduta
O Stalker, que precedia crimes violentos, por vezes fatais, contra as
celebridades. E, paralelamente, a atenção dedicada pelos
individuo movimentos sociais e consequentes mudanças legislativas
que pratica a
implementadas nalguns países, conferiram maior notorie-
dade ao problema.
perseguição, Comummente é preconizado que o stalking envolve um
padrão de comportamentos de assédio persistente, perpe-
mostra-se trado através de formas diversas de comunicação, contac-
to, vigilância, e monitorização de uma pessoa – alvo por
omnipresente na parte de outra – o/a stalker. Por outro lado, o facto de não
existir um vocábulo português que apreenda na íntegra
vida da sua vítima, o conceito de stalking, é optada a designação de “assédio
demonstrando persistente.”
No entanto, a prática consubstancia-se em ações de per-
que exerce seguição, intimidação e ameaças, em que o autor procura
aproximação com a sua vítima por diversas motivações
controlo sobre (amor, ciúmes, idolatria, ódio, inveja, etc.), atentando
contra a sua integridade, principalmente psicológica,
ela, muitas vezes física, intimidade e privacidade.
não se limitando Com efeito, significa que o stalking é omnipresente no
quotidiano da vítima, sendo expectável antecipar que a ex-
a persegui-la, mas periência da vítima se torna disruptiva, negativa e, por ve-
zes, severa, mesmo que não envolva necessariamente um
também proferindo elevado grau de ameaça explícita ou medo. Pois, a forma
maus usual e prática de perseguição dá-se por meio das
ameaças ou redes sociais e telefone, mas também pessoalmente, por
humilhá-la perante exemplo, vigiando a casa do seu alvo ou o seguindo. Além
de que, quando o stalking é perpetrado por pessoas conhe-
outras pessoas. cidas os comportamentos tendem a ser mais frequentes, ao
que não será alheio o facto de nesse contexto relacional ser
expectável existir um maior conhecimento por parte do/a
stalker acerca da vítima e das suas rotinas, sendo mais fá-
cil embrenhar-se na vida desta. Já pelo contrário, quando
o stalker é desconhecido/a é possível que sejam necessários
esforços adicionais para dominar todas as informações e de-
talhes acerca da vítima, o que se poderá repercutir na menor
frequência de comportamentos. Ou seja, o Stalking envolve
geralmente comportamentos de assédio e de ameaça por
parte de um indivíduo que os manifesta de forma continua-
da (ex.: perseguir uma pessoa, aparecer na casa dessa pes-
soa ou no local de trabalho, fazer chamadas telefónicas para
assediar, deixar mensagens escritas ou objetos, ou vandali-
zar algo que seja da propriedade da pessoa “perseguida”).
Maio, 2023 l NAWU l 16
É de notar que apesar do stalking se manifestar habitual-
mente por comunicação e vigilância constantes, o/a stalker
não tem um padrão único de atuação, podendo existir uma
similitude comportamental entre os episódios em causa,
ou, contrariamente, existirem diferenças substanciais
entre si. A vigilância constante pode ocorrer através do
meio digital (telefonemas, emails, SMS, contacto ou
perseguição através das redes sociais) ou presencial
(perseguições à vítima e controlo dos seus movimentos;
agressões físicas/ psicológicas; aparecimento em locais
que a vítima frequente; deixar presentes indesejados;
entre outros).
Destarte, o stalk decorre de perseguição silenciosa e des-
percebida, pela qual, até mesmo por computador se dá a
perseguição reiterada e muitas vezes anónima de determi-
nados sujeitos.
Portanto, o stalking representa a existência de um per-
seguidor com comportamento obsessivo direcionado a
alguém, cuja conduta inclui a procura, por informações
inerentes à vida íntima, controlando-a, sendo assim o
stalking, uma forma de violência na qual o sujeito ativo
invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo inces-
santemente a mesma ação. A perseguição pode-se dar das
mais variadas maneiras, todas elas impossibilitando que
a vítima siga normalmente a sua vida, com a intenção de
adquiri poder psicológico e controlar os seus movimentos.
Com efeito, cometer stalking é instigar o medo, criar incer-
tezas podendo este comportamento, muitas vezes envolver
inclusive, violência e até morte.
Esta prática tornou-se um fenómeno internacional, pode
ser uma conduta danosa e poder estar ligada diretamente
com a internet e outros meios de comunicação (cybers-
talking), uma modalidade de stalking cujo perseguidor
utiliza a tecnologia para se aproximar da vítima, importu-
nando-a psicologicamente e/ou fisicamente.
Contudo, o stalking e o cyberstalking podem interrela-
cionar-se havendo as duas formas concomitantemente.
O Stalker, individuo que pratica a perseguição, mostra-
-se omnipresente na vida da sua vítima, demonstrando
que exerce controlo sobre ela, muitas vezes não se limi-
tando a persegui-la, mas também proferindo ameaças ou
humilhá-la perante outras pessoas.
No entanto, no contexto moçambicano não existe um
termo especifico que corresponda ao conceito, nem uma
lei especifica “antisstalking”. Mas o desreconhecimento
não anula, de forma alguma, a possibilidade desta forma
de vitimização ocorrer. Em vez disso, reduz a possibilidade
de uma intervenção atempada e eficaz e, destarte, potencia
a vitimização secundária, decorrente da inexistência em
Moçambique de qualquer ferramenta que permita captar
o fenómeno na vitimização por stalking, e da ausência do
seu reconhecimento social.
Imprescindível para caracterizar a prática do stalking ou
cyberstalking é a violação não autorizada da vida privada
da vítima que indubitavelmente viola o direito fundamen-
tal à vida privada.
17 l NAWU l Maio, 2023 PÁGINA SOLTA

Todos os juízes em exercício Mais

de funções jurisdicionais são
titulares do órgão de soberania
Tribunal
Carlos Mondlane, Presidente da Associação
Moçambicana de Juízes, em Grande Entrevista na
TVM
No Judiciário, o princípio da integridade
é mais do que uma virtude; é uma
necessidade
- Elisa Samuel, Juíza de Direito e Directora do Centro de Formação
Jurídica e Judiciária, durante a apresentação do Código de Ética
dos Magistrados Judiciais aprovado pelo Conselho Superior da
Magistratura Judicial

 A Iniciativa Presidencial “Um

Distrito, Um Edifício Condig-
É preciso combater os vendilhões do tempo no para o Tribunal, até 2023”,
que, implementado pelo Cofre
– Augusto Raúl Paulino, Juiz conselheiro jubilado, dos Tribunais, visa dotar os
Tribunais Judiciais de edifícios
parafraseando o conselheiro Luís Filipe Sacramento condignos para o seu funciona-
no respeitante a relevância da ética na magistratura. mento, através de construção
de raiz ou sua requalificação

 O desempenho funcional dos

Os juízes são mimados e se fazem
de analfabetos
Deputado António Muchanga, na FTV Live, a
propósito da reivindicação pelos juízes de um estatuto
tribunais judiciais cresce ultra-
passando os 200 mil processos
findos por ano
A nossa organização judiciária evoluiu,  A aprovação do Código de Éti-
mas na nossa modesta opinião, sem ca dos Magistrados Judiciais,
prejudicar a especialização das jurisdições,
pela Resolução n. 2/CSM-
J/P/2022, de 24 de Outubro,
temos que caminhar para um quadro de mostra o engajamento dos juí-
zes moçambicanos na adopção
uma reforma estratégica devidamente de ética e integridade no seio
pensada, estruturada e executada, da classe

remuneratório que obedece ao previsto da sua seguindo um processo de edificação de

condição de titular de órgão de soberania. tribunais de base para o topo

– Adelino Manuel Muchanga, Presidente do Tribunal

Supremo no seu discurso na sessão de abertura do
Ano Judicial.

Menos
A matéria remuneratória dos juízes,
pelas suas implicações naturais, é um
terreno particularmente sensível e O direito à manifestação está consagrado
perigoso, podendo dar azo a eventuais como um direito fundamental. Portanto,
instrumentalizações políticas e redundar qualquer acção tendente a coarctar este
em fortes consequências e prejuízos para exercício contraria a Constituição e a lei,
o funcionamento do Estado do direito, acarretando, por isso, responsabilidade
juntando ainda mais crise à crise que criminal, civil e disciplinar
legitimou tais medidas negativas. Não
– Beatriz Buchilli, Procuradora Geral da República,
estamos a dizer que os juízes são mais durante o Informe Anual da PGR à Assembleia da
importantes que os médicos e outros República
funcionários públicos, dizemos, apenas,  A aprovação da Tabela Sala-
que, por força do seu estatuto profissional rial Única desrespeita, na parte
respeitante aos juízes de cate-
têm um tratamento especial goria inferior a de conselheiro,
o estabelecido no artigo 178, n.
2, alínea q) da Constituição
Pedro Nhatitima, Juiz Conselheiro do Tribunal Supremo, em Noite
Informativa da STV Notícias.  A recorrência de casos de iin-
segurança dos juízes, como,
de resto, sucedeu em finais
de Abril de 2022 quando um
condomínio onde vivem juí-
zes, na Cidade de Chimoio, foi
assaltado e famílias perderam
bens valiosos, além de terem
a integridade física e moral
ameaçadas

Por causa da TSU, juízes zangados com

o Governo: alegam não ser quaisquer Até que és bonita
funcionários do Estado
Deputado António Muchanga, dirigindo-se à Procuradora Geral
da República, Beatriz Buchilli, durante o Informe Anual da PGR à
– Jornal Dossiers & Factos
Assembleia da República
JUSTIÇA NO FUTURO
A Justiça no Futuro
Rocina Cumbe, 25 anos, recém-graduada em Direito pela Faculdade de Direito da
Universidade Eduardo Mondlane, formada no II Curso de Formação em Práticas Forenses
da Associação Moçambicana de Juízes foi admitida ao XXII Curso de Formação Inicial para
Ingresso nas Carreiras da Magistratura Judicial e do Ministério Público
Texto: AMJ
O
que levou a esco-
lher a formação
em Direito?
Devo confessar que durante a
minha adolescência sempre que
tivesse oportunidade de acom-
panhar um programa televisi-
vo sobretudo os de debate, boa
parte dos convidados eram pes-
soas formadas em Direito.
Mais do que apreciar a quali-
dade do debate, a forma de ser
e estar chamava muito atenção
daquela menina, foi naquela
época que sem conhecer muito
sobre o Direito, decidira que iria
cursar Direito no ensino supe-
rior.
Concluído o ensino pré uni-
versitário, dotada de mais co-
nhecimentos, decidi seguir
aquele sonho da adolescência
porque já percebia a importân-
cia do curso e desenvolvi o inte-
resse em compreender como a
sociedade funciona na perspec-
tiva das leis e, mais do que isso,
nasceu em mim o interesse em
fazer parte, de alguma forma,
dos pilares da administração da
justiça.
Como qualquer outro
curso, há desafios a enfren-
tar durante a formação,
quais são os principais de-
safios que um estudante de
Direito enfrenta?
A doutrina jurídica em Mo-
çambique está ainda em fase
de ascensão, não existe muita
doutrina jurídica nacional, na
academia os estudantes acabam
enfrentando algumas dificul-
dades em adquirir manuais de
Direito para facilitar os estudos.
Em jeito de ironia, um professor
da faculdade quando não con-
seguíamos ir a aula com toda a
legislação necessária para o es-
tudo, dizia: “ O Direito não é um
curso para pobres” mas percebo
que a intenção era mesmo de di-
zer que a formação exigia algum
investimento em manuais e le-
gislação pertinente e, diga-se,
não é pouca a legislação.
Não se pode descurar que as
bibliotecas têm desempenhado
o seu papel com alguma eficácia,
no entanto, se muitos estudan-
tes tivessem poder económico
bastante para adquirir seus pró-
prios manuais, seria uma mais-
-valia. Afinal, não é mentira que
as obras e legislação jurídicas
Rocina Cumbe
não são tão acessíveis (ao bolso
do pacato cidadão).
Um outro desafio intrinseca-
mente ligado ao curso é a carga
de leitura.
O curso exige muita leitura e
na academia percebi que esta
leitura não se deve circunscrever
apenas aos textos jurídicos, isto
porque a interpretação dos tex-
tos, o senso crítico das leis, exi-
ge do estudante conhecimentos
que vão além do âmbito jurídico.
Quais são as expectativas
e receios de um estudante
para a entrada no mercado
de trabalho na área jurídi-
ca, após o término da for-
mação?
O curso de Direito é um cur-
so bastante atractivo e, uma
das principais motivações na
escolha deste curso tem que ver
com a ampla diversidade de car-
reiras. Então a primeira expec-
tativa que o estudante tem é de
ver no campo prático toda esta
diversidade. O estudante espera
assim que ao entrar no mercado
de trabalho tenha muitas opções
de trabalho e possibilidade de
actuar como um profissional li-
beral.
Por ser um curso atractivo e
consequente bastante renhido
um dos receios é de ver frustra-
das todas essas expectativas, ou
por não conseguir pôr em práti-
ca os conhecimentos adquiridos
na faculdade ou então por não
conseguir sobressair face a cres-
cente concorrência destes pro-
fissionais no mercado laboral.
Isto é não conseguir se destacar
face à crescente concorrência.
O que se pode esperar de
si durante a frequência do
XXII Curso de Formação
Inicial para Ingresso nas
Carreiras da Magistratura
Judicial e do Ministério Pú-
blico?
Maio, 2023 l NAWU l 18
Considero-me privilegiada
por ter conseguido materializar
o meu sonho de ser admitida
num concurso tão concorrido
quanto esse. Não foi fácil dada
a exigência que o CFJJ imprime
nos seus candidatos, mas colo-
quei-me a contento no sentido
de me capacitar com bastante
propriedade. Para além da ob-
tenção do grau de licenciatura,
aonde procurei ser boa aluna,
a frequência do curso de prepa-
ração em práticas forenses da
AMJ ajudou a limar as dúvidas
e a consolidar os conhecimentos
técnicos. Agora sou formanda
do CFJJ e tenho que fazer valer
essa condição com muita dedi-
cação aos estudos e, fundamen-
talmente, aprendendo com os
mais experientes no sentido de
ser, não só boa técnica do Direi-
to, mas uma magistrada huma-
na e eticamente comprometida.
Que conselhos deixa aos
estudantes de Direito?
Há uma “máxima” que diz:
“uma vez estudante de Direito,
para sempre estudante de Direi-
to”, isto porque a leitura e cons-
tante actualização são requisitos
sem os quais não se pode falar de
um bom profissional Forense.
Por isso aconselho aos es-
tudantes a aprimorar o hábito
de leitura, para acompanhar as
constantes mutações legislati-
vas, desenvolver o senso crítico
e até melhorar a capacidade in-
terpretativa.
Outra forma de lidar com es-
tas mutações é investindo em
formações de curta duração,
privilegiando formações com-
plementares e cursos de espe-
cialização.
O curso é de extrema impor-
tância social e os profissionais
do Direito lidam com uma parte
sensível da sociedade, são res-
ponsáveis por garantir a igual-
dade e zelar pela dignidade das
pessoas, para tal, num merca-
do extremamente competitivo,
é crucial que o estudante ou o
profissional busque formas de
se destacar para que mesmo
sem ser visto, seja sempre lem-
brado.
Mas, mais do que se dotar das
competências técnicas, entendo
que com a realidade actual, um
bom profissional deve também
ser lembrado pelas competên-
cias comportamentais, isto é,
deve mesclar conhecimento, ha-
bilidade e atitude.
19 l NAWU l Maio, 2023
OPINIÃO
Um brevíssimo olhar
sobre a caminhada
da Justiça em
Moçambique

Dr. Leonardo Simão,

Médico e Antigo Ministro da Saúde e dos Negócios Estrangeiros

C
omo médico recém-graduado, em 1981 fui
colocado no Hospital Rural de Chicumbane,
Província de Gaza, situado a cerca de 10 Km
da Cidade de Xai-Xai. O troço da Estrada
Nacional N° 1, entre Chicumbane e Xai-Xai,
situa-se na chamada Baixa de Chicumbane,
onde é frequente a formação de nevoeiros, devido às águas
do Rio Limpopo e lagoas aí existentes, sobretudo na época
Saúdo a AMJ fresca. Por esta razão, eram frequentes acidentes de via-
ção, principalmente de madrugada e fins-de-semana, devi-
pela criação do à fraca visibilidade, associada a viagens de longo curso e
consumo de bebidas alcoólicas.
desta revista,
em sessões de julgamento. É assim que estabeleci excelen-
tes relações de trabalho e amizade com o falecido Dr. Luís
Sacramento, então Juiz Presidente, tendo sido, mais tarde,
substituído pela Dra. Ana Pessoa, com quem continuei a
trabalhar.
Ao longo da minha carreira nas Provincias, era aguda a
falta de magistrados, quer da Magistratura Judicial, quer
do Ministério Público, sendo o padrão mais frequente o da
existência de apenas um quadro de cada uma destas car-
reiras. Quanto a advogados, a situação era bem pior, pois
quase todos vinham de Maputo, regressando depois dos
julgamentos. A carência de magistrados era tal que, na

instrumento Os feridos e mortos eram, na maioria das vezes, trazidos

para o Hospital de Chicumbane, para tratamento e emis-
Província do Niassa, o então Director Provincial da Saúde,
o Dr. Sam Patel, teve de desempenhar este papel, durante
privilegiado de são de certidões de óbito, conforme os casos. Em relação
aos óbitos, no meu primeiro caso de múltiplas vítimas, o
algum tempo!

comunicação entre agente da então-Polícia de Investigação Criminal (PIC) exi-

giu a autópsia de cada corpo, porque simplesmente queria
É com muita satisfacção que hoje verifico que o quadro
que acima expus passou para a história. O país tem vindo
os profissionais mostrar que conhecia as regras da Medicina Legal e estas a fazer um esforço notável de formação de magistrados e

da justiça. Que ela

deviam ser aplicadas à letra, por mais evidente que fosse
a causa da morte. Obedeci as suas instruções e comecei as
também contribua autópsias, mas também exigi que ele fosse o secretário do
processo, na sua qualidade de representante do Ministério
para a educação Público, registando o que lhe ia ditando. Afinal eu também
conhecia as regras.
de nós, o público,
Eram mais de 15 autópsias a fazer, resultantes de um
nestas matérias tão choque frontal entre dois camiões, um deles transportando
complexas quão trabalhadores de uma empresa estatal local. Já na terceira
autópsia, o exigente oficial mostrou sinais de claudicação,
delicadas. Que a com náuseas, dores abdominais e vómitos. Ele só tinha
assistido uma única autópsia durante a sua formação po-
Nawu tenha uma licial. Assim, tivemos de fazer algumas pausas para ele re-
cuperar o fôlego, no processo penoso que experimentava e,
longa vida. quando terminamos o trabalho, concordamos que, quando
a causa da morte fosse evidente, como é o caso na maioria
dos acidentes, era suficiente uma autópsia sumária, mas
sem perda do rigor técnico. Ficamos amigos, o jovem mé-
dico e o jovem polícia, ambos determinados em exercer as
nossas respectivas profissões com seriedade.
sua afectação nos distritos, onde a sua carreira profissional
se inicia. Eu louvo vivamente esta decisão, porque estes
jovens profissionais ficam assim expostos às realidades e
desafios do seu próprio país, juntam-se aos quadros de ou-
tros sectores na resolução dos problemas locais, aprendem
a interagir com todas as camadas sociais, vivem aspectos
da cultura local, iniciam-se no enfrentamento e gestão dos
sucessos e riscos diversos da sua profissão e posição social
naqueles meios, num processo de amadurecimento como
cidadãos e profissionais moçambicanos. A experiência da
saúde mostra, sem dúvida, o valor do início da vida profis-
sional no distrito, sem que tal signifique falta de acesso à
informação profissional e oportunidades de formação, que
a evolução na carreira exigem.
Saúdo a AMJ pela criação desta revista, instrumento pri-
vilegiado de comunicação entre os profissionais da justiça.
Que ela também contribua para a educação de nós, o pú-
blico, nestas matérias tão complexas quão delicadas. Que a
Nawu tenha uma longa vida.

Este foi o início da minha colaboração com a administra-

ção da justiça que, mais tarde, continuou na Província da
Zambézia, onde fui muitas vezes requisitado como perito, ************
ENTRETENIMENTO
As dez tentações na vida
profissional de um juiz
A
o referir-me
a juiz, estou
abrangendo
juízes e juízas
de todas as ins-
tâncias, des-
de um recém-nomeado até ao
mais experiente magistrado de
uma Corte Suprema ou Cons-
titucional. Incluem-se, de certa
maneira, agentes do Ministério
Público, cuja carreira no Brasil
é semelhante à dos magistra-
dos. Afinal, todos, ainda que em
diferentes situações e circuns-
tâncias, são submetidos a tenta-
ções e podem sucumbir diante
de seus encantos. Não há como
evitá-las. Mas há como, a elas,
resistir.
Feitas estas necessárias ob-
servações, vale aqui mencionar
que a Bíblia registra a tenta-
ção em nada menos do que
dezesseis versículos. Porém, é
na oração “Pai Nosso” que ela
é mais lembrada: “E não nos
deixeis cair. em tentação, mas
livrai-nos do mal”. Um juiz, na
sua vida, está exposto continua-
mente à tentação. Vejamos dez
hipóteses.
1ª — A tentação aos afagos. A
partir da posse, o juiz vê mudar
a sua vida. Pessoas simpáticas
surgem no seu caminho, pron-
tas a remover os empecilhos
próprios da vida. Facilidades
para alugar um imóvel no local
para onde foi nomeado, para a
compra de um carro, convites
para festas, matrícula dos filhos
na escola e situações semelhan-
tes. Estes agrados são, por vezes,
desinteressados, por vezes não.
É preciso que sejam recebidos
com cuidado, bem avaliados e,
por vezes, rejeitados. Atrás da-
quela maravilhosa churrascada,
com carne da melhor qualidade,
música e alegria, pode estar um
empresário interesseiro com
grandes ações na Justiça ou um
funcionário corrupto.
2ª — A tentação de crer-se
superior. O exercício da fun-
ção, decidindo casos impor-
tantes para a vida de centenas
de pessoas, pode, com o tem-
po, levar o juiz a acreditar que
é, realmente, um ser superior.
E, a partir daí, afastar-se dos
amigos de infância, evitar os
parentes economicamente
malsucedidos e outros em si-
tuações semelhantes. Tola rea-
ção. A vida mostrará que estas
pessoas ser-lhe-ão importantes
nos momentos de dor, nos reve-
zes e em outras armadilhas das
quais, na vida, ninguém escapa.
Junto com esta errônea crença
vem a tentação de exibir o seu
sucesso. Não será raro que me-
lhorar a situação econômica,
vestir-se com boas roupas ou
comprar uma SUV das mais
caras é uma aspiração legítima
de quem se esforçou tanto para
subir na escala social. No entan-
to, estes adornos não devem ser
excessivos nem ser vistos (prin-
cipalmente em encontros com
velhos amigos que lutam com
dificuldades) ou lembrados
através da descrição de custosas
viagens ao exterior ou da dura-
bilidade de uma linda camisa
do Hermenegildo Zegna.
3ª — A tentação da vaidade.
Somos todos vaidosos, até no
reino animal isto se verifica e o
pavão é o maior, mas não o úni-
co, exemplo. Muitos juízes, es-
pecialmente quando assumem
posições de maior destaque,
como a presidência de tribunais
ou em decisões de casos de re-
levância para a vida nacional,
são seduzidos pelos bajuladores
e holofotes. E correm o risco de
supor-se atores globais, muito
embora com dotes físicos em
queda pela perda da juventude.
Falta aí um velho amigo para,
com grosseira franqueza, fazer-
-lhes ver o quão ridícula é esta
conduta para um juiz, de quem
se espera, acima de tudo, discri-
ção e equidistância dos proble-
mas que deve examinar. Nun-
ca será demais lembrar antiga
máxima judiciária: “juiz só fala
embaixo da conclusão”.
4ª — A tentação da vingança.
Contrariado em algum desejo,
legítimo ou ilegítimo, logo vem
o pensamento e, por vezes, a
possibilidade, de “dar o troco”.
Tal situação é mais comum em
comarcas ou subseções judiciá-
rias de menor porte. Por óbvio,
fere a ética que deve acompa-
nhar o juiz em todas as suas
decisões. Exemplo: não ter sido
convidado para a mesa em uma
solenidade, em hipótese algu-
ma deverá ser motivo para um
tratamento rigoroso contra o
organizador do evento, pois isto
seria um ato indigno de quem
tem como missão ser justo. Por
outro lado, a culpa talvez nem
tenha sido dele, mas sim de
quem organizou o cerimonial.
5ª — A tentação do sexo. Fun-
ção vital, instinto puro, nada há
Vladimir Passos de Freitas
Juiz desembargador aposentado
de errado com o sexo, antes,
sim, é um dos prazeres da vida.
Só que, por vezes, vem acom-
panhado de circunstâncias que
mais tarde serão um longo des-
prazer. Juízes novos, muitas
vezes solitários e em cidades
distantes de suas raízes, passam
por carência afetiva. Por vezes
se aproximam belas moradoras
locais e pronto. Algum tempo
depois, às vezes já em outra
comarca, uma citação para pe-
dido de Alimentos de um her-
deiro não será uma surpresa
agradável. Afinal, 1 terço dos
vencimentos de um juiz equiva-
lem ao salário de um disputado
emprego. As mulheres estão
sujeitas à abordagem de um
vistoso sedutor. Aí o risco pode
ir além. Ele pode ter interesses
políticos (namorar a juíza é um
forte marketing) ou até perten-
cer a uma facção criminosa e ter
acesso a informações sigilosas.
Os mais velhos não escapam da
tentação que podem alcançar
até idosos desembargadores,
encantados com uma ilusória
volta à juventude.
6ª — A tentação da corrup-
ção. Esta é uma tentação em
plena ascensão. Assunto sequer
cogitado até os anos 1990, pas-
sou a ser tratado de forma banal
recentemente. Mas, afinal, se a
corrupção cresce mais forte do
que o agronegócio, por que es-
tranhar que alcance até o Poder
Judiciário? A corrupção pode
ser pequena, até mesmo ingê-
nua, e ir até elevados valores
em dinheiro, passando por uma
garrafa de vinho Château Pe-
trus, no valor de R$ 38.990,90
É preciso que o tema seja discu-
tido com franqueza nas Esco-
las da Magistratura e, uma vez
constatado, combatido com ri-
gor extremo. Ninguém deixa de
ser corrupto por meio de aulas
de ética, mas sim, e apenas, pela
perda do cargo.
7ª — A tentação da inveja.
Ainda que gozando de um bom
nível de vida, um juiz poderá ter
inveja de terceiros, normalmen-
te advogados de grande sucesso
profissional, que transitam em
lanchas de 70 pés nos fins-de-
-semana. Tolice! Cada profissão
tem suas vantagens e desvanta-
gens, nenhuma é perfeita e nin-
guém pode ter tudo ao mesmo
tempo. A advocacia, ainda que
rendosa, tem suas dificuldades
que não são as mesmas de um
juiz, mas nem por isso meno-
res. Valorizar o que tem, usu-
fruir seus benefícios (p. ex., 60
dias de férias por ano) é o certo.
Mas, se no fundo do peito bate
aquele sentimento negativo,
então que tenha a coragem de
pedir exoneração e enfrentar a
arena com muitos concorren-
tes ou então que estude muito e
submeta-se a um concurso para
um Cartório extrajudicial, onde
terá ganhos bem superiores aos
da carreira.
8ª — A tentação de virar sin-
dicalista. A magistratura é uma
carreira e como tal exige segu-
rança para quem a exerce. As-
sim, remuneração digna é um
dos pilares, porque ninguém
terá tranquilidade para julgar
se estiver pressionado por dí-
vidas assumidas para a pró-
Maio, 2023 l NAWU l 20
pria sobrevivência. Portanto,
reivindicar vencimentos justos
está absolutamente correto.
Todavia, passar disto para tor-
nar-se um contínuo e exclusi-
vo reivindicador de vantagens
pessoais, algumas dificilmente
justificáveis, vai muito além do
razoável e gera animosidade da
sociedade, onde muitos passam
por necessidades básicas.
9ª — A tentação de expandir
seus poderes. Inebriado com o
poder que a Constituição lhe
outorga, muitas vezes o ma-
gistrado não se contém, quer
ir além. E aí julga-se no direito
de levar a toga a outros locais.
Isto pode dar-se em situações
diversas, como na Faculdade
de Direito onde leciona, ao su-
por que merece tratamento di-
ferenciado, até no avançar de
suas decisões a órgãos ou pode-
res. Por exemplo, entrando em
minúcias de como os órgãos de
segurança pública devem atuar
(usando ou não balas de bor-
racha) ou explicitando como
o Poder Executivo Municipal
deve executar uma política pú-
blica educacional ou a Câmara
de Vereadores editar uma lei.
10ª — A tentação de ser mais
um desanimado. Last but not
least, a mais recente tenta-
ção: cumprir o dever dentro
do horário, de preferência em
uma Vara pouco trabalhosa
(ou perigosa) e largar o resto.
Este mal, que já se alastrou en-
tre bons policiais há um bom
tempo, começa a contaminar
o Judiciário. Juízes de Varas
Criminais pedem remoção para
Varas de Execuções Fiscais, de-
sanimados com a inutilidade
de empenho e risco pessoal na
prisão de lideranças de facções
criminosas, que, por isto ou por
aquilo, são colocadas por limi-
nar em liberdade. Sem falar nos
riscos de serem denunciados
por abuso de autoridade, fruto
de legislação recente. Só que o
desânimo é uma coisa que faz
mal à sociedade e também ao
desanimado. Leva, invariavel-
mente, a problemas físicos (p.
ex., úlceras) ou psicológicos
(depressão).
Encerrando, em Domingo de
Páscoa, celebrando-se a ressu-
reição de Jesus Cristo, sempre
é bom lembrar, sobre tentação,
o Provérbio 1:10 do Antigo Tes-
tamento, que diz: “Meu filho,
se os maus tentarem seduzi-lo,
não ceda!”
21 l NAWU l Maio, 2023
Queria ter sido menino
C
erca das 8h, no Posto de Saúde, em
Angoche, recebi a menina que apa-
rentava uns 11 anos, acompanhada do
seu pai, um senhor simpático que fa-
zia TARV, desde o ano passado, nessa
Unidade.
Chovia, dada a época do ano em que nos encon-
trávamos.
- Sr. Hassan, parabéns. Um homem na sua idade
preocupar-se com a saúde reprodutiva da sua filha é
raro. Dera mais homens assim!
O homem sorriu simplesmente. Nada disse, po-
rém. Era homem de pouco verbo.
- Agora, peço para aguardar lá fora. Preciso con-
versar a sós com a sua princesa. Precisamos de algu-
ma privacidade. Aguarde lá fora por uns 10 minutos.
Vai ser rápido.
O Sr. Hassan olhou fixamente para a menina e dis-
se qualquer coisa em língua local que não percebi. De
seguida, perguntou-me se era mesmo imprescindível
que não acompanhasse a conversa.
- Sr Hassan, pai coruja, não se preocupe. Não vou
fazer qualquer mal à sua pequena. Prometo. É só um
momento de avaliação da técnica de saúde para a pa-
ciente juvenil.
O homem saiu, deixando-me com a rapariga. Pe-
quenina, pareceu-me.
Vi a atenção que ela dirigia a uma gravura da Fro-
zzy que tinha em cima da minha mesa. Desviou o
olhar quando se apercebeu que eu olhava para ela.
Dirigi-lhe um sorriso.
- Como te chamas, menina bonita?
Não respondeu.
Olhava fixamente para baixo, como se concentrada
nalguma coisa.
Vi na ficha de admissão depositada na secretária
que o nome era Halima Hassan Viage. Tinha 12 anos
e era natural de Mopeia, província da Zambézia. Fi-
lha de Hassan Hassan Viage e de Lumaína Ismail
Carimo.
- A tua mãe, Halima, onde está? - Indaguei para
quebrar o gelo.
A menina não respondeu. Continuava a olhar para
não sei o quê fora dali. Não parecia estar comigo.
Ocorreu-me logo, por ser criança, que as minhas
roupas de enfermeira talvez a intimidassem. Normal.
Nenhuma criança gosta da ideia de vir ao hospital.
- Halima, acredito que na escola já ouviu falar do
aparelho reprodutivo feminino. Certo?
Ela continuava com o olhar esquivo e o espírito
fora da sala.
Nada disse.
Eu continuei:
- O seu pai trouxe-lhe aqui porque a Halima está
a entrar numa fase em que começa a se transformar
Ana Paula Sebastião Manheue é Juíza desembargadora,
actualmente exercendo funções como Juíza Presidente do
Tribunal Judicial da Província de Nampula.
Ezah Mondlane
Juíza de Direito
numa mulherzinha. O seu pai quer garantir que esta
fase de transformações da Halima seja vivida de for-
ma saudável. Não precisa ter medo.
A menina continuava sem esboçar qualquer reac-
ção.
Eu disse:
- A Halima não tem idade para se iniciar em relações
sexuais. É criança. Tem que estudar e brincar. Mas
em atenção à idade é bom que saiba que uma mulher
se se iniciar sexualmente corre o risco de gravidez
indesejada e de doenças sexualmente transmissíveis.
Ela continuava a ouvir. Pelo menos isso.
Elencou o seu Top 5 de livros indispensáveis.
Paulino Chiziane – NIKETCHE: Uma História de Poligamia
Mia Couto – Cronicando e Terra Sonâmbula
André Schwarz Bart – O Último Justo
Eurico-Lopes Cardoso – Manual da Acção Executiva
CRÓNICA
Continuei:
- Hoje, existem vários métodos de prevenção de gra-
videz e o nosso Centro intervém ajudando quem quer
conselhos a encontrar o que melhor se adequa à sua
condição.
Puxei num contraceptivo intrauterino com formato
de T.
Ela, pela primeira vez, olhou para mim. Ficou curio-
sa com o objecto a sua frente.
- Chama-se contraceptivo - disse-lhe. - É introdu-
zido no útero da mulher a partir do canal da vagina.
Pela primeira vez, ouvi a sua voz.
- É introduzido assim como o papá faz para tirar o
medicamento para a cura da tosse dele em mim? -
disse ela.
- Já estamos a ficar amigas - respondi-lhe para a co-
locar a vontade - A tua voz é tão bonita!
Halima voltou a fechar-se em copas e devolveu o
olhar para o chão.
- Tenho uma ideia. Vamos mudar de conversa. O teu
pai tem tosse?
- A medicação para a tosse dele causa-me dores no
corpo. Ele é pesado. Sufoca-me.
- A medicação para a tosse? - Não estava a entender.
- O peso dele sobre mim. Ele transforma-se num
animal quando se deita por cima de mim. Faz movi-
mentos que me deixam assustada. No primeiro dia da
medicação saiu sangue entre as minhas pernas. Fiz
xixi e cocó na cama. Senti muita dor. Agora já não sai
sangue, mas continuo a sentir dores. O papá diz que o
medicamento está dentro de mim e só pode ser dado
assim, de pernas abertas, e ele por cima de mim. Eu
não gosto de dar a medicação ao meu pai.
Senti o meu estômago embrulhar. Os meus olhos
encheram-se de lágrimas e de fúria.
- Há quanto tempo a Halima dá a medicação ao
papá? - Perguntei, disfarçando o pânico que me
acometeu. Desta vez, a minha voz saía fraca.
- Porque Allah escolheu o interior das minhas per-
nas para deixar o medicamento do papá? - Desviou-se
da minha pergunta. - Eu queria que a tia procurasse
uma forma de de me abrir as pernas e tirar de uma vez
por todas a medicação da tosse do meu pai para que
eu não volte a passar por dores. Todas as noites ele vai
ao quarto onde durmo.
Pareceu-me ouvir passos a se arrastaram do lado
de fora do corredor do pequeno gabinete onde está-
vamos. Era só a minha imaginação. Para desanuviar a
tensão, perguntei:
- O que a Halima quer ser quando crescer?
- Eu queria ter sido menino, como o meu irmão Ali,
e não ter nenhum medicamento entre as pernas.
O que pareceu imaginação, afinal era real. De re-
pente, a porta do gabinete abriu-se. Era o Sr. Hassan.
- Demoram?
CRÓNICA Maio, 2023 l NAWU l 22

Atrás duma grande

mulher está um
grande homem
Holden Phele
Juiz de Direito

Uma grande mulher

precisa estar - Desculpa pela demora e da hora - disse o director
Adérito, mostrando-se nervoso com a situação - É que o
do Trabalhador. Estava acompanhada de um Senhor, que
mais tarde fiquei a saber que era o seu marido. Com o de-
acompanhada de assunto é bastante importante, delicado e há muito que
tento falar dele, mas tem me faltado coragem. Espero que
vido respeito, aquele Senhor não tem nada a ver com a
doutora. Parecia seu Segurança, ADC ou motorista. Lem-
um grande homem me compreenda. Não me leve a mal. Sabe que quero o seu bre-se, antes vale só que mal acompanhada. Uma grande

e vice-versa. Mais bem e se fosse comigo, de certeza, faria a mesma coisa.

- Diga Excelência, já passam das 15h:30, tenho que pe-
mulher precisa estar acompanhada de um grande homem
e vice-versa. Mais um detalhe, para exercer correcta e
um detalhe, para gar estrada, na hora de ponta é complicado conduzir até
Matola - disse a Sónia.
convenientemente o seu cargo e tantos outros que almeja,
precisa estar casada com o homem certo, verdadeiramen-
exercer correcta e - Mais uma vez, peço imensas desculpas pela ousadia,
mas prefiro arrepender-me por ter falado e é preferível
te apresentável e que cause uma boa imagem de si aos ou-
tros, afinal, atrás de uma grande mulher está um grande
convenientemente que se chateie comigo pelo que tiver falado no lugar de homem. É isso aí, já falei. O que tem a me dizer?

o seu cargo e
arrepender-me por não ter falado. - Obrigada Sr. director pela aula, mas permita-me que o
- Excelência sabe que não tenho tempo para estórias esclareça algumas coisas: Primeiro, aquele Sr. com quem o
tantos outros que mal contadas. Sou muito prática. Talvez seja por isso que
me foi confiada o trabalho que faço no meu sector, que
chefe viu-me é meu esposo. No próximo ano vamos casar
e o Sr. será meu convidado de honra. Segundo, aquele Sr.,
almeja, precisa imagino que não é o que está em causa nesta mesa, caso
contrário estaríamos na sala de reuniões.
que o chamou de não apresentável, é o homem mais bonito
da face da terra para mim. Terceiro, aquele Sr., Sr. Director
estar casada com - Calma Dra. Sónia, certamente que vou falar, ainda que leva-me até onde eu quiser, até à lua, basta que as crianças
custe. saiam por um instante do nosso ninho. Para o seu consu-
o homem certo, - Então, fale logo ou cale-se para sempre - exclamou a mo, não é atrás de uma grande mulher que está um grande
verdadeiramente Sónia, a sorrir.
- Tudo bem, deixe-me tirar o casaco porque estou a
homem, senão a mulher ofusca o homem. É ao lado de uma
grande mulher que está um grande homem. E, nesse quesi-
apresentável e que transpirar.
Fez-se um silêncio enquanto pendurava o casaco no en-
to, o meu Massanguinho está aprovadíssimo.
O director ficou calado, não acreditando no que ouvia.
cause uma boa costo da cadeira. Ela retomou:
Disse, a seguir: - Sr. Director, aquele homem que chamou de meu ADC,
imagem de si aos - Bom, é assim doutora Sónia, o que vou falar aqui es- que não convém ser considerado meu marido quando as-
outros, afinal, atrás pero que fique aqui mesmo, que encare como assunto de
colega para colega. Esqueça que eu sou seu superior hie-
cender à níveis superiores na instituição, foi ele quem me
tirou de baixo, quando era iletrada, pagou a minha for-
de uma grande rárquico, que sou homem, assédio e não quero ver este
assunto nos Facebook, Whatsapp ou qualquer outra rede
mação e cuidava dos nossos filhos enquanto eu estudava.
Sabe, Director, em matéria de administração institucional
mulher está um social. o Sr. é um génio, mas em matéria de homens, com todo
- Tudo bem - respondeu a Sónia. o respeito, o Sr. é um burro. Mas para preservar a sua
grande homem. É - É assim doutora, eu vejo que a ilustre tem um grande reputação, como sugeriu antes, este assunto morre aqui

isso aí, já falei. O potencial, que daqui a alguns anos ascenderá ao topo da
carreira nesta instituição e aproveito agora para endereça-
que tem a me dizer? -la os meus parabéns.
- Thank you - disse a Sónia.
- You are welcome - retorquiu Adérito - Mas não é so-
mente do seu capital intelectual que quero, apenas, falar.
Vi a doutora no último social do serviço, alusivo ao Dia
mesmo e nunca mais volte a me dirigir palavra salvo em
matéria laboral. E mais, fui!
Levantou-se em direcção à porta.
Parou e voltou-se para o chefe que continuava com ar
de estupefacção.
- Não se esqueça de pagar a conta antes de sair. Passar
bem.
23 l NAWU l Maio, 2023
Jubilou o Juiz Achirafo Abdula, o homem
que julgou o processo dos 144 milhões
desviados do BCM, popularmente
conhecido como “O Caso BCM”.
Texto: AMJ
F
amiliares, colegas e
amigos ofereceram-
-lhe um jantar de ho-
menagem regada de muita
cumplicidade e amizade.
O Jornal Nawu ouviu esse
embondeiro da justiça mo-
çambicana.
Como entra para a área
de Direito até se transfor-
mar no grande Venerando
Doutor Achirafo Abuba-
car?
Veja que cursar Direito
nunca foi meu sonho. Depois
de concluir o Instituto Comer-
cial, o meu sonho era fazer o
curso de Economia. Em 1991
fui inscrever-me na Universi-
dade Eduardo Mondlane para
fazer o referido curso. Sucede
que, por azar, repete-se algo
parecido com o que me acon-
teceu na Escola António Enes.
Na sexta-feira que antecedeu a
segunda-feira em que se iriam
realizar os exames, somos co-
municados que na qualidade
de funcionários do Estado não
podíamos continuar a estudar
sem que tivéssemos trabalha-
do para o Estado por pelo me-
nos três anos depois da con-
clusão do Instituto Comercial.
E pelo tempo em que fomos
informados não dava para
fazer nada. Eu fiquei tão in-
dignado que jurei nunca mais
voltar a estudar. Cumprindo
a minha zanga, um mês antes
da realização dos exames para
o ano lectivo de 1992, um ami-
go, o Alfredo Muchanga, con-
vidou-me a ir inscrever para o
ensino superior. Eu expliquei
a minha zanga e disse-lhe que
ainda mais faltava um mês
para a realização dos exames,
tempo que não era suficien-
te para estudar matemática
o suficiente para admitir. Foi
quando ele se espantou e per-
guntou: Matemática? Tu sabes
que não entendo nada de ma-
temática.
Nessa atura perguntei: afi-
nal a que curso vamos nos
inscrever? E ele disse que era
Direito. Questionei quais eram
as cadeiras do exame e ele
respondeu que era Português
e História. E disse logo que
se for Português e História já
estou admitido, porque me
sentia confortável nestas disci-
plinas.
Como foi frequentar o
curso de Direito?
Foi um desafio. Isso porque
quando entrei para a APIE
fizeram questão de arranjar
uma casa para que arrendas-
se. Com a minha ida à Base
Aérea, o apadrinhamento que
havia acabou e eu não dei con-
tinuidade ao processo. Quando
voltei a precisar, não consegui.
Então, quando ingressei para
a Faculdade já estava desem-
pregado porque a empresa em
que trabalhava entretanto en-
cerrou. Por isso, tinha o desafio
de, apesar das aulas de manhã,
dar aulas no Instituto Comer-
cial e mais tarde na escola da
União Geral das Cooperativas
(UGC) para poder sustentar
a família e pagar as rendas.
Mesmo assim, fiz a faculdade,
com particularidade de que só
chumbei a uma cadeira, Direi-
to da Família, curiosamente a
cadeira que mais gostava e no
ano seguinte fui assistindo não
a tempo inteiro, numa outra
turma, porque me sentia à von-
tade, tanto é que acabei dispen-
sando.
Quando entra para a Ma-
gistratura Judicial?
Em 1997, quando estava a
concluir o curso de Direito, o
Dr. Mabjaia, que era juiz dis-
trital na altura, nos chamou
atenção de que o Tribunal Su-
premo estava a procura de li-
cenciados. Foi no mesmo ano
em que a Faculdade de Direito
me convidou para dar aulas de
Direito Penal e Direito Proces-
sual Penal.
Ainda em 1997, nos últimos
meses da faculdade, fomos
chamados ao Tribunal para fa-
zer em estágio de três meses.
Lembro-me que éramos cerca
de 30 candidatos. No fim do
estágio, acabamos ficando me-
nos de dez.
Quais são os colegas com
os quais ingressou na ma-
gistratura judicial?
Lembro-me dos colegas Au-
gusto Paulino, José Maria de
Sousa, Hermenegildo Jone,
Pascoal Jussa, Niquisse, Ma-
temula, entre outros que a me-
mória me falha.
Em que tribunal iniciou
suas funções como juiz?
Muitos dos colegas foram en-
viados para as províncias. Eu, o
Dr. Paulino e o Dr. Rafael Se-
bastião, este último que já era
juiz e estava apenas a concluir
o curso de licenciatura, ficamos
na Secção de Instrução Crimi-
nal (SIC) do Tribunal da Cida-
de de Maputo.
Quais sãos as melhores
memórias desse período
em que esteve na SIC?
Lembro-me que nessa altura
a demanda era grande. Chegá-
vamos a fazer, cada juiz, cerca
de 40 “legalizações” por dia.
Era entrar as 8 horas e ir até
as 16 horas, sem sequer almo-
çar. Achávamos que não ficava
CONVERSA
bem nós sairmos para almoçar
enquanto os arguidos, guardas
penitenciários, agentes da PIC,
advogados e outros estavam à
espera. Por isso decidimos não
fazer intervalo para almoço.
Depois da SIC, qual foi a
etapa seguinte?
Depois fui transferido para
a 10ª Secção, que era Crimi-
nal. Desta fui para a 9ª Secção
Laboral e mais tarde para a 7ª
Secção Criminal, onde traba-
lhei até 2004. Nesta Secção ja-
zia o processo do “Caso BCM”
que se achava que não estava
a andar. E tive que julgar esse
processo.
O que mais lhe marcou
neste processo?
Primeiro, marcou-me ser um
processo com muitos arguidos.
Segundo, o assédio para decidir
em dado sentido. Foi terrível.
Está a querer dizer que
foi aliciado a decidir a fa-
vor de algum réu do caso
BCM?
Não necessariamente isso.
Em muitos casos, não só neste
processo, houve algumas ten-
tativas. Pior do que isso, foi
perceber que até alguns colegas
estavam interessados que deci-
disse a favor de alguns réus.
Como conseguiu lidar
com essas tentações?
Uma das formas de lidar
com os assédios é educando a
consciência e saber que aquele
indivíduo que hoje pede o seu
“favor” em troca de alguma
coisa não é seu amigo e nunca
vai falar bem de si. Sempre vai
dizer que aquele juiz é só dar
dinheiro que vai decidir a seu
favor. Então, cabe a cada um
decidir não se aceitar deixar
corromper. No meu caso, é que
todo aquele que me corrom-
per passará a receber de mim,
sempre que o vir, uma vénia
de respeito porque terá conse-
guido ser meu “dono”. E como
não estou interessado em
olhar para as pessoas de forma
diferente, não recebo dinheiro
de ninguém para facilitar o que
quer que seja.
Sabemos também que
foi Director do Centro de
Formação Jurídica e Judi-
ciária (CFJJ) e Juiz-Presi-
dente do Tribunal Judicial
da Província de Nampula.
Quando foi isso?
Fui Juiz-Presidente do Tri-
bunal Judicial da Província
de Nampula de 2004 a 2008.
De 2008 a 2013 fui Director
do CFJJ. Só que antes de ir ao
CFJJ já havia concorrido para
juiz desembargador e passei.
Por isso que desde 2013 fui
colocado na 3ª Secção do Tri-
bunal Superior de Recurso de
Maputo, sendo que actual-
mente presido a secção.
De 1997 para 2022 são
quase 25 anos na Magis-
tratura. Sente-se realiza-
do ou nem por isso?
Apesar dos percalços que
são próprios da vida, sinto-me
profundamente realizado. E a
grande satisfação de ser juiz
é de ter desempenhado uma
função de tamanho prestígio
e durante este exercício ter
criado mais amigos do que ini-
migos. Se for a falar com algu-
mas pessoas que me conhecem
dificilmente ouvirá alguém a
reclamar de mim. É com um
sentimento de dever cumprido
que jubilo.
O que pretende fazer
nessa nova fase da sua
vida?
Ainda não decidi o que vou
fazer. Verei nessa altura. O cer-
to é que eu não quis reformar.
A jubilação foi a melhor opção.
Talvez me dedique a cuidar dos
meus netos e a escrever o meu
livro de memórias, consciente
de que se mais não fizera foi
porque mais não pudera! (JN)
 EM CASA 24 l NAWU l Maio, 2023

AMJ oferece preparação em práticas forenses

Uma das maiores aspirações de
quem conclui o curso de Direito
é o ingresso numa qualquer car-
reira jurídico-judiciária. A advo-
cacia e as magistraturas, judicial
e do Ministério Público, são as
mais apetecíveis, não obstante
implicarem para quem deseja a
sua submissão a exames de ad-
missão, incluindo provas técni-
cas e entrevista profissional Em
regra, ano após ano, os resulta-
dos têm sido catastróficos. Tanto
a Ordem dos Advogados de Mo-
çambique como o Centro de For-
mação Jurídica e Jurídica ilus-
tram reprovações em massa dos
candidatos o que compromete as
aspirações individuais, mas tam-
bém do próprio Estado em ter
mais advogados e magistrados,
respectivamente. Este estado de
coisas tem sido justificado com a
fraca qualidade de ensino de Di-
reito nalguns universidades do
país o que determina a incapaci-
dade dos graduados se situarem
na plenitude técnica para os de-
safios que se colocam.
A Associação Moçambicana de
Juízes oferece, em conformi-
dade, cursos de preparação em
práticas forenses, que, segu-
ramente, ajudam a compor os
futuros profissionais da justiça
no país. Áreas como Ética e Inte-
gridade, Jurisdição Civil, Juris-
dição Penal e Direito Judiciário
são ministradas por magistra-
dos e oficiais de justiça com lar-
ga experiência profissional na
aliança dos elementos teóricos
e práticos de interesse. Carlos
Mondlane, Francisca Guerra,
Esmeraldo Matavel, Armando
Machona Júnior, Firmino Emí-
lio, Sandra Emílio, César Zungu-
ze, Zvika Manikidzua Costino e
Benjamim Mondlane são alguns
dos formadores. Flávio Menete,
Benvinda Levy, Fernanda Lopes
e Severino Nguenha são algumas
das personalidades de reputado
mérito convidadas.
O actual curso, iniciado em 28
de Fevereiro, vai decorrer até 18
de Maio e se espera que, no final,
os formandos estejam melhor
habilitados para os desafios pro-
fissionais que se colocarem.

Congo Brazaville: Presidente da

ANGOLA:
Juízes do Tribunal Supremo em Greve
Pela primeira vez na história
de Angola temos nove juízes do
Tribunal Supremo em greve, re-
cusando a distribuição e julga-
mento de processos. Tal ocorreu
no passado dia 17 de Março e foi
tornado público através de uma
“deliberação” assinada pelos se-
guintes noves juízes conselhei-
ros: Teresa Buta, João da Cruz
Pitra, José Martinho Nunes, Efi-
génia Lima (presidente da Câ-
mara do Cível e Administrativo),
Norberto Sodré, Norberto Cape-
ça, Aurélio Simba, João Pedro
Fuantoni e Anabela Vidinhas.
Não subscreveram a referida
“deliberação” os juízes conse-
lheiros Joaquina Nascimento,
Agostinho Santos, Domingos
Mesquita, Miguel Correia e os
Presidentes das Câmaras Daniel
Modesto e Teresa Marçal.
Registe-se que incluindo o
Presidente, Joel Leonardo, nes-
te momento são 16 juízes con-
selheiros aqueles que compõem
o Tribunal Supremo, embora
Agostinho Santos aguarda por
decisão judicial sobre a demis-
são que lhe foi imposta pelo
Conselho Superior da Magistra-
tura Judicial (CSMJ). Aparente-
mente, as ausências de Joaquina
do Nascimento e Teresa Marçal,
foram justificadas por se encon-
trarem no exterior do país, en-
quanto Daniel Modesto Geraldes
e Domingos Mesquita alegaram
razões de saúde.
Joel Leonardo apenas contará
com dois ou três aliados indefec-
tíveis, havendo já uma maioria
clara de 9 em 16 juízes que se
recusa a trabalhar com o ainda
presidente do Tribunal Supre-
mo. A matemática é clara.
Em nome da honra e digni-
dade, a Joel Leonardo só resta
a demissão. Será uma desolação
para a justiça ver a situação ar-
rastar-se, e tal deve ser evitado,
garantindo-se o bom funciona-
mento das instituições.
Tecnicamente, esta actuação
dos juízes preenche o requisito
do artigo 138.º da Constituição
que exige que o Presidente da
República garanta o normal fun-
cionamento das instituições.
Temos um caso exemplar: o
plenário do Tribunal Supremo
deixou de funcionar a partir do
momento em que nove juízes (a
maioria) se recusa a julgar pro-
cessos sob a presidência de Joel
Leonardo.
Estes juízes não têm o poder
Blessed Panguene
Fotos de qualidade para quem sabe tirar.
+258848605278
+258825375739
Email: silvestre.maio@gmail
legal de afastar Joel Leonardo.
O poder de afastamento perten-
ce ao CSMJ e/ou, de acordo com
a opinião que temos expendido
nestas colunas, a dois terços dos
deputados em efectividade de
funções da Assembleia Nacio-
nal.
Se Joel Leonardo não se demi-
te, os outros órgãos devem inter-
vir e afastá-lo. Tal não implica
um juízo de valor sobre as acusa-
ções que pendem sobre ele, mas
apenas uma necessidade impe-
rativa de salvaguardar a imagem
e credibilidade da justiça.
Posteriormente, um traba-
lho de reconstrução do Tribu-
nal Supremo deveria começar,
iniciado pela entrada de uma
larga e abrangente “fornada” de
novos juízes. Só após a renova-
ção dos juízes do Tribunal se
deveria proceder à nomeação de
um novo presidente do Tribunal
Supremo.
A crise actual do sistema judi-
cial não deve ser tratada como
uma eventual luta de poder entre
juízes nem entre outras facções à
espreita. Pelo contrário, deve ser
um momento institucional de
renovação e reforma do Tribunal
Supremo.
República expulsa juízes
Em Congo Brazzaville, o Presi-
dente da República Denis Sassou
Nguesso expulsou com o próprio
punho um total de 9 juízes durante
uma sessão do Conselho Superior
da Magistratura por si presidida em
finais de Março passado. O Presi-
dente não precisou de fundamentar
a decisão, senão como medida de
combate à corrupção que desgasta
o sector. A medida foi bem recebi-
da pelas organizações da sociedade
civil que exigem, inclusive, que se
deve ir mais longe para extirpar o
mal que tantos danos provoca ao
país.
“A conclusão a que chegamos é
que a corrupção encontrou no sec-
tor da administração da justiça uma
árvore frondosa para se multiplicar.
Não nos resta outra solução senão
destruir essa árvore pelo impacto
negativo na justiça, mas, igualmen-
te em outros sectores do Estado”,
disse o Presidente da República,
avocando a competência própria do
Melhora o desempenho dos tribunais
De um modo global, o ano de
2022 iniciou com um universo de
134.523 processos transitados do
ano anterior. Durante o ano, de-
ram entrada 218.607 processos,
foram findos 210.361 e transita-
ram 142.772 para o ano corrente.
Comparativamente aos anos
2021 e 2022, verifica-se que em
2022 houve aumento de pro-
cura dos serviços de justiça na
ordem de 40,9%. De um total
de 155.115 processos que deram
entrada em 2021 passou-se para
218.607 entrados em 2022. Em
igual sentido, houve aumento da
capacidade de resposta, partindo
de 196.173 findos em 2021 para
Conselho Superior da Magistratura.
Estas declarações fizeram reagir
Maixent Hanimbat Emeka, respon-
sável do Forum para a Governação
e Direitos do Homem (FGDH) que
apela ao Presidente que faça um
pouco mais.
“Na qualidade de representante
de uma organização da sociedade
civil, não agirei de forma hipócrita
tirando lágrimas de crocodilo por-
que o Presidente agiu como agiu.
Sabemos o quão danosa a corrup-
ção se afigura no nosso país e o
sistema judicial que deveria com-
batê-la é, ele próprio, o seu maior
promotor, revelando-se, entre ou-
tros, nas fraudes eleitorais em que
joga um papel determinante para a
manutenção do status quo”.
Não é a primeira vez que o Pre-
sidente da República Denis Sassou
Nguesso interfere no judiciário,
aplicando penas de expulsão para
juízes notadamente envolvidos na
corrupção.
210.361 findos em 2022.
O rácio de juiz por 100 mil ha-
bitantes evoluiu de 1.3 (2021) para
1.5 (2022).
A média de processos distribuí-
dos por juiz variou de 801 (2021)
para 759 (2022).
O tempo médio de resolução de
conflitos caiu de 8 meses (2021)
para 7 meses (2022).
Os tribunais contam actualmen-
te com um universo de 489 ma-
gistrados judiciais, dos quais 208
mulheres e 281 homens, sendo
que 465 se encontram em exercí-
cio efectivo da função, 20 em co-
missão de serviço e 4 em licença
registada ou por doença.

LINHAS VERDES
Gabinete Central de Combate à Corrupção Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Tete
82 34 04/ 84 34 04/ 8634 04 000 82 38 02 / 84 15 15 02 / 86 34 02 001

Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Maputo Gabinete Provincial de Combate à Corrupção da Zambézia
82 38 01 / 84 15 150 82 38 03 / 84 15 15 03 /86 34 02 002

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Inhambane Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Nampula
82 34 05 / 84 34 05 / 86 34 05 000 82 34 07 / 84 34 07 / 86 34 07 000
Ministério Público Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Sofala
Gabinete Central de Combate à Corrupção 82 34 06 / 84 34 06 / 86 34 06 000