NAWU

PERIODICIDADE:
TRIMESTRAL

POR UMA MAGISTRATURA DIGNA E RESPEITADA amj.org.mz

1 de Fevereiro de 2022 I Ano I , n.º 1 I Director: Carlos Pedro Mondlane | Editora: Sílvia Comissário I Preço: 100,00Mt

ADELINO MANUEL MUCHANGA, PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPREMO

“Não há
julgamentos
políticos em
Moçambique”

6 juízes e 580 “É provável que “Sou

8 oficiais candidatos reforme ainda este moçambicana
de justiça disputam 120 ano” de gema”
expulsos vagas no CFJJ (Achirafo Abdula) (Elysa Vieira)
P. 3 P. 5 P. 12 P. 22
 EDITORIAL

E
Ficha técnica m qualquer discussão em torno das características da
justiça moçambicana é comum concluir-se que ela é
Propriedade:
Associação Moçambicana de
“lenta, cara e politizada”. Alguns analistas defendem
Juízes (AMJ) que, na sua actuação, a Justiça prima por dois pesos
e duas medidas, para além de não ser transparente,
Publicação: sobretudo nos casos que levaram à desestruturação do
Jornal NAWU, Av. 25 tecido socio-económico e político do país e que envolvem, na maior
de Setembro, n.º 916, parte das vezes, titulares de cargos públicos. Outros, ainda, olham
Porta 301, 3º Andar, com desconfiança para as decisões do sector, entendendo que as mes-
Telef.: +258844193649,
mas advêm de actos de improbidade dos seus agentes.
+258848443382 e
+258870488247 Email:
Com as modernas técnicas de reprodução e de difusão (imprensa,
geral@amj.org.mz rádio, televisão, internet), a publicidade dos actos dos magistrados,
oficiais de justiça e advogados ultrapassam largamente o segredo de
Registo sob n.º 01/GABINFO- justiça atingindo um público a grande velocidade confundindo-se a
DEPC-2021 notícia com acontecimento. Sucede que notícias há que não acontece-
ram e acontecimentos há que não são verdadeiramente notícias, como
Director: nos ensina o desembargador português Orlando Afonso.
Carlos Pedro Mondlane
O cidadão, invadido por um fluxo de notícias, vê-se envolvido num
Editora:
mar imenso de críticas, debates, análises, mesas redondas e comentá-
Sílvia Comissário rios que, na verdade, correspondem a pontos de vista e argumentação
dos outros que o levam a uma opinião equivocada.
Redacção: A comunicação social transforma-se, assim, no porta-voz das e re-
Esmeraldo Matavel, Armando flexo dos interesses das pessoas. Desempenhando um papel essencial
Machona Júnior e Moisés para a afirmação da cidadania, hoje, porém, não se sabe onde acaba a
Cuambe informação e começa a manipulação, sendo tão perigoso um público
desinformado como um público mediaticamente manipulado.
Colaboradores
permanentes:
Em qualquer dos casos, entendemos que a Justiça não se deve colo-
Ezah Mondlane e Holden car na posição passiva de fonte de informações pedidas. Deve diligen-
Phele ciar no sentido de, ela própria, manter relações públicas activas para
poder aprofundar, junto dos cidadãos, a compreensão do mundo judi-
cial suscitando a confiança das populações. Se a Justiça não cuida da
sua própria imagem, corre o risco de não se reconhecer naquela que
os programas mediáticos projectam. O silêncio, quando sistemático
não serve os interesses da Justiça, da comunidade ou da Democracia.
A Associação Moçambicana de Juízes, prosseguindo a defesa da
Democracia e legalidade ínsita dos magistrados judiciais, mas, fun-
damentalmente da sociedade, vem instituir, nos termos estatutários,
um meio de difusão de informações de utilidade na área do Direito,
Justiça e Cidadania, a fim de trazer à compreensão do público a sua
função simbólica fundamental.
O jornal quer servir de meio para a promoção de valores de ética e
deontologia entre os seus membros e, no geral, da comunidade jurí-
dica nacional.
O nome NAWU, que significa “lei” numa das línguas nacionais,
ilustra o elemento de base do Direito e, nessa medida, o imperativo
de conduta que leva os sujeitos a agirem de acordo com os padrões
sociais. No fundo, é a reflexão sobre as muitas normas e os constran-
gimentos que advêm do seu incumprimento que justifica esta criação.
Impõe-se, em conformidade, neste primeiro número, prestar no-
tícias sobre a actualidade do judiciário nacional, os seus autores, as
grandes reflexões nacionais e internacionais de interesse e informa-
ções de utilidade.
Este Jornal, de tiragem trimestral, não sendo o porta-voz oficial
dos tribunais, visa constituir um espaço de diálogo e informação en-
tre magistrados judiciais e do Ministério Público, oficiais de justiça e
assistentes de oficiais de justiça, advogados, técnicos do Instituto do
Patrocínio e Assistência Jurídica, técnicos dos Serviços de Investiga-
ção Criminal, docentes e discentes de Direito.

Colaboradores:
Sandra Fungulane Emílio e
Luís Obadias Massingue

Assistentes
administrativas: Ummil
Satar, Telma Mulungo e
Distinção dos melhores Juízes
de categoria distrital
Juliana Graziano

Fotografia: Silvestre
Panguene (Blessed Panguene)
+258848605278 O Conselho Superior da Magistratura Judicial, através da Deliberação n.º 121/CSMJ/P/2021, de 17 de Dezembro, classificou os juízes de di-
+25882375739 reito C, que actuam ao nível dos tribunais judiciais de distrito, pelo desempenho ao longo do ano judicial de 2020.
Email: silvestre.maio@gmail. Do total de 33 juízes avaliados, 5 obtiveram a classificação máxima de Muito Bom com Distinção, 16 Muito Bom, 10 Bom e 2 Suficiente
com

Direcção da AMJ:
Carlos Pedro Mondlane
(Presidente), José Alfredo
Macaringue (1º Vice-
Presidente), Hermenegildo
Pedro Chambal (2º Vice-
Presidente), Elisa Samuel
Boerekamp (Secretária-
Executiva), Virgínia Madeira
Taula (Tesoureira), Berta
Morais Tiane (Vogal) e César
Jorge Zunguze (Vogal)
Parceiros:
Tribunal Supremo, Faculdade
de Direito da Universidade
Eduardo Mondlane, Centro
de Formação Jurídica
e Judiciária, COTUR,
Grupo Fim de Semana
(FDS), Instituto para a
Democracia Multipartidária
(IMD), Fundação para
o Desenvolvimento da
Comunidade (FDC), Alcance
Editores, Associação Ilhas da
Paz e Fundação Masc
Siga-nos
@AMJ.Mocambique
MUITO BOM COM DISTINÇÃO
• Ana Maria Luís Bazo, Juíza de Di-
reito do Tribunal Judicial do Distrito
de Bilene
• Dalilo Mussagy, Juiz de Direito do
Tribunal Judicial do Distrito de Xai
Xai
• Domingos Hilário Mucuagil, Juiz
de Direito do Tribunal Judicial do Dis-
trito de Mogovolas
• Faizal Fujuca Mutevueie, Juiz de
Direito do Tribunal Judicial do Distri-
to de Mandlakazi
• Isaura Maria da Graça Pereira,
Juiz de Direito da 2a Secção do Tribu-
nal Judicial do Distrito Municipal de
Kampfumo
MUITO BOM
• Belinha Maria Camoto, Juíza de
Direito do Tribunal Judicial do Distri-
to de Meconta
• Carlitos Araújo Marcelino Teófi-
lo, Juiz de Direito do Tribunal Judicial
do Distrito de Dondo
• Charmila Aissa Amaral, Juíza de
Direito do Tribunal Judicial do Distri-
to de Xai Xai
• Crimilda Marcos Fabião Bulande
da Silva, Juíza de Direito do Tribunal
Judicial do Distrito de Chibuto
• Edgar Maria Vasco Adão, Juiz de
Direito do Tribunal Judicial do Distri-
to de Guijá
• Egas Alfredo Munhame, Juiz de
Direito do Tribunal Judicial do Distri-
to de Homoine
• Esmeraldo Armindo Matavel,
Juiz de Direito do Juiz de Direito do
Tribunal Judicial do Distrito de Boane
• Eunice Eliudo Malenda, Juíza de
Direito do Tribunal Judicial do Distri-
to de Ile
• Francisca Luis Gimo António
Guerra, Juíza de Direito do Tribunal
Judicial do Distrito Municipal Kamp-
fumo
• Hélder Benigno Joaquim Cossa,
Juiz de Direito do Tribunal Judicial do
Distrito de Chicualacuala
• Holden Roberto Nhamiliane Phe-
le, Juiz de Direito do Tribunal Judicial
do Distrito de Massingir
• Iracema António Pale, Juíza de Di-
reito da 4a Secção do Tribunal de Me-
nores da Cidade de Maputo
• Júlio José Elias, Juiz de Direito do
Tribunal Judicial do Distrito de Nama-
curra
• Luís Obadias Massingue, Juiz de
Direito do Tribunal Judicial do Distri-
to de Manica
• Mara Sousa Ulombe, Juíza de Di-
reito do Tribunal Judicial do Distrito
de Chókwe
• Ramira Joaquim Comé, Juíza de
Direito do Tribunal Judicial do Distri-
to de Marracuene
Para além destes, de acordo com a Delibe-
rações n.º 69/CSMJ/P/2021, de 24 de Setem-
bro, outros nove juízes de categoria D foram
igualmente classificados.
Os juízes devem remeter, com carácter
obrigatório, até ao dia 1 de Março de cada ano,
o relatório circunstanciado da sua actividade
no tribunal ondem exercem a judicatura.
Aos juízes distritais que se destacaram reu-
nindo excelente desempenho quantitativo, de-
sempenho qualitativo, grau de administração e
organização do tribunal e cumprimento atem-
pado dos seus deveres profissionais e aqui des-
tacados com as classificações de Muito Bom
com Distinção e Muito Bom vão endereçados
os nossos parabéns e inspiração na sedimen-
tação de uma magistratura digna e respeitada.
 Cresce substancialmente o desempenho dos Tribunais Judiciais em Moçambique

Em regra, em Moçambique, quando se fala de acesso aos tribunais vem de cima a

ideia da morosidade processual. Não é incomum que as pessoas que recorrem à
Justiça vejam demora excessiva no andamento e resolução dos processos de
interesse. Quando um processo judicial leva 2, 5, 10, 15 ou mais anos para ser
decidido frustra as expectativas de quem impetrou o auto. Nem vale a premissa “a

3 l NAWU l Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022

ACTUALIDADE
justiça tarda, mas não falha” porque, pelo menos no nosso contexto, ainda que um
dia a justiça venha, o interesse e a utilidade da situação que deveria ser decidida se
terá perdido. A Justiça que não cumpre a sua função num prazo razoável é, em
qualquer dos casos, uma justiça inacessível.
De acordo com o Relatório do Tribunal Supremo, estima-se que 134.523 processos estão em
tramitação, hoje, no judiciário comum moçambicano, transitados de 2021. Num cenário em que deram

Cresce substancialmente o
entrada 155.115 e findaram 196.173, revela-se um desempenho dos tribunais francamente positivo em
que no concurso entre o número de processos entrados e o número de findos predominam estes
últimos. Pode-se afirmar que os tribunais findaram mais processos do que aqueles que deram
entrada.

desempenho dos Tribunais

O tempo médio de resolução de litígios melhorou de 1 ano (2020) para 8 meses (2021), não obstante a
taxa de congestionamento ser ainda elevada, variando de 2 anos e 2 meses (2020) para 1 ano e 3 meses
(2021).
Em média, a cada juiz são distribuídos 801 processos (2021) contra 886 (2020), sendo que a média de

Judiciais em Moçambique
processos findos se situa em 475 (2021) contra 402 (2020).
Apesar do aumento do número de processos pendentes para 2021, nota-se uma
tendência de redução do número de processos na confrontação com os findos.

E
m regra, em Moçam- em que deram entrada 155.115
bique, quando se fala e findaram 196.173, revela-se
Indicadores 2020 2021
de acesso aos tribunais um desempenho dos tribunais I. Rácio de juiz por 100.000 Habitantes 1.2 1.3
vem de cima a ideia da morosi- francamente positivo em que II. Rácio de processos findos em relação aos
dade processual. Não é incomum no concurso entre o número de 126%
entrados 94%
que as pessoas que recorrem à processos entrados e o número
Justiça vejam demora excessiva de findos predominam estes úl- III. Média de processos distribuídos por juiz 886 801
no andamento e resolução dos timos. Pode-se afirmar que os IV. Média de processos findos por juiz 402 475
processos de interesse. Quando tribunais findaram mais proces- V. Média de processos pendentes por juiz 484 326
um processo judicial leva 2, 5, sos do que aqueles que deram
10, 15 ou mais anos para ser de- entrada.
VI. Tempo médio de resolução de litígio 1 Ano 8 meses
cidido frustra as expectativas de O tempo médio de resolução de VII. Taxa de resolução 45,4% 59.3%
quem impetrou o auto. Nem vale litígios melhorou de 1 ano (2020) VIII. Taxa de congestionamento 2 Anos e 2 meses 1 ano e 3 meses
a premissa “a justiça tarda, mas para 8 meses (2021), não obstan- Movimento
IX. Aumentoprocessual (Crime, Cível,
de 5% de processos findosLaboral
em e Comercial - 2020/2021)
não falha” porque, pelo menos te a taxa de congestionamento Pendentes Entrados Findos Transitados
no nosso contexto, ainda que um ser ainda elevada, variando de 2 relação ao ano anterior
Tribunal
2020 2021 2020 2021
2.0% 2021
2020
34.3% 2021
2020
dia a justiça venha, o interesse e anos e 2 meses (2020) para 1 ano Tribunal
Movimento processual (Crime, Cível, Laboral e Comercial - 2020/2021)
a utilidade da situação que deve- e 3 meses (2021). Análise
Supremo global do381
Movimento movimento
processual 307
(Crime,
Pendentes processual
396
Cível, Laboral
Entrados172 e do 470
desempenho
e Comercial 129 dos307
- 2020/2021)
Findos Tribunais
350
Transitados
ria ser decidida se terá perdido. Em média, a cada juiz são dis- Tribunal
Judiciais,
Tribunais por cada2020
escalão 2021
Pendentes 2020 2021
Entrados 2020Findos2021 2020 2021
Transitados
A Justiça que não cumpre a sua tribuídos 801 processos (2021) Tribunal
Superiores de
função num prazo razoável é, em contra 886 (2020), sendo que Tribunal 2020 2021 2020 2021 2020 2021 2020 2021
Recurso 4,901 4,816 1,558 2,548 1,643 2,852 4,816 4,512
qualquer dos casos, uma justiça a média de processos findos se De um modo global,
Supremo
Tribunal 381 o ano judicial
307 de 2021
396 172iniciou com um
470 universo
129 307de 175.581
350
Tribunais
Tribunais
inacessível. situa em 475 (2021) contra 402 Supremo 381 307 396 172 470 129 307 350
Judiciais
processos,
Superiores dedetransitados do ano anterior. Durante o ano, deram entrada 155.115
De acordo com o Relatório do (2020). Tribunais
Província
Recurso de 62,964
4,901 73,282
4,816 57,199
1,558 60,417
2,548 46,881
1,643 83,470
2,852 73,282
4,816 50,229
4,512
Tribunal Supremo, estima-se Apesar do aumento do núme- Superiores
que 134.523 processos estão em ro de processos pendentes para
processos,
Tribunais
Tribunais foram findos 196.173 e transitaram 134.523 processos para o ano de 2022.
Recurso 4,901 4,816 1,558 2,548 1,643 2,852 4,816 4,512
tramitação, hoje, no judiciário 2021, nota-se uma tendência de Judiciais
Judiciais de
de
Tribunais
comum moçambicano, tran- redução do número de processos Distritais
Província 100,797
62,964 97,176
73,282 93,436
57,199 91,978
60,417 97,057
46,881 109,722
83,470 97,176
73,282 79,432
50,229
Judiciais de
sitados de 2021. Num cenário na confrontação com os findos. Total
Tribunais 169,043 175,581 152,589 155,115 146,051 196,173 175,581 134,523
Província 62,964 73,282 57,199 60,417 46,881 83,470 73,282 50,229
Judiciais de
Tribunais
Distritaisde
Judiciais 100,797 97,176 93,436 91,978 97,057 109,722 97,176 79,432
Total
Distritais 169,043 175,581
100,797 97,176 152,589
93,436 155,115
91,978 146,051
97,057 196,173 175,581
109,722 97,176 134,523
79,432
ANÁLISE GLOBAL DO MOVIMENTO PROCESSUAL E DO DESEMPENHO Movimento de detidos
Total
e condenados no ano de 2021146,051
169,043 175,581 152,589 155,115 196,173 175,581 134,523
DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS, POR CADA ESCALÃO Total detidos e
Tribunal Detidos Condenados
condenados
De um modo global, o ano ju- 80.2%, pelos Tribunais Judiciais Judicial
Movimento de detidos
2020 e condenados
2021 no ano de
20202021 2021 2020 2021
dicial de 2021 iniciou com um de Distrito.
Movimento
Província de detidos e condenados
2722 4,183no ano de 2021
2,269 5,854 Total
4,991 detidos10,037
e
universo de 175.581 processos, Durante o período foram con- Tribunal Detidos Condenados
transitados do ano anterior. denados a penas privativas de Distrito 15713 16,899 22,346 28,262 condenados
38,059 45,161
Total detidos e
Judicial
Durante o ano, deram entrada liberdade 34.116, sendo, 17.2%
Tribunal
Total 2020Detidos
18,435 2021
21,082
Condenados2021
2020
24,615 34,116 2020
43,050 2021
condenados55,198
155.115 processos, foram findos pelos Tribunais Judiciais de Pro- Judicial
Província 2020 2722 4,183
2021 2,269
2020 5,854
2021 4,991
2020 10,037
2021
196.173 e transitaram 134.523 víncia e 82.8%, pelos Tribunais
Distrito 15713 16,899 22,346 28,262
Nota-se que no ano de 2021, houve uma tendência de aumento do número de
Província 2722 4,183 2,269 5,854 38,059
4,991 45,161
10,037
processos para o ano de 2022. Judiciais de Distrito.
Fazendo uma análise compa- Nota-se que no ano de 2021, Total
detidos, na ordem
Distrito 18,435
de
15713 21,082vez que
14.4%, uma
16,899 24,615 34,116 21.082,
foram detidos
22,346 28,262 43,050 55,198
em 2021, contra
38,059 45,161
rativa entre 2020 e 2021, verifi- houve uma tendência de au- 18.435 detidos em
Total 2020.
18,435 21,082 24,615 34,116 43,050 55,198
ca-se que no ano de 2021 houve mento do número de detidos, na Nota-se que no ano de 2021, houve uma tendência de aumento do número de
uma redução de processos entra- ordem de 14.4%, uma vez que
detidos,
Nota-se
Comparaçãona ordem
que no anodede14.4%,
da evolução 2021, uma vez
houve
do número que tendência
deuma foram
Detidos detidos - 2020em
21.082,
de aumento
e Condenados do 2021,
número
e 2021 contra
de
dos, na ordem de 2.313, corres- foram detidos 21.082, em 2021,
pondente a 1.5%, e um aumento contra 18.435 detidos em 2020. 18.435 detidos
detidos, na em 2020.
ordem de 14.4%, uma vez que foram detidos 21.082, em 2021,
Detidos econtra
Tribunal Judicial Detidos Condenados
do número de processos findos, Os dados acima expostos evi- 18.435 detidos em 2020. condenados
pois, de 146.051 findos em 2020 denciam, também, que o núme- Comparação da evolução do53.7%
Província número de Detidos 158.0%
e Condenados - 2020 e 2021
101.1%
passou-se para 196.173 processos ro de julgados e condenados é Distrito 7.5%
findos em 2021. superior ao número de detidos, Comparação da evolução doDetidos
Tribunal Judicial número de Detidos e26.5%
Condenados
18.7% e
Condenados - 2020 eDetidos
2021
Total 14.4% 38.6% condenados
28.2% e
Detidos
Por outro lado, comparando o a aguardar pelo julgamento, na Tribunal Judicial Detidos Condenados
número de processos pendentes medida em que no ano de 2021, Província 53.7% 158.0% 101.1%
condenados
no início de 2020 (transitados do foram julgados e condenados Distrito
Província 7.5%
53.7% 26.5%
158.0% 18.7%
101.1%
ano anterior) e os pendentes no 34.116 arguidos contra 21.082 Total
ano de 2021, manteve-se a tendên-
Os dados acima expostos 7.5%
Distrito 14.4%
mento, 181 Tribunais
evidenciam, também, 38.6%
Judiciais Durante o ano
26.5%que o número de18.7%28.2%
dejulgados
2021, no âm-
e
início de 2021 (transitados para detidos, a aguardar pelo julga- cia de aumento do número de julga- criados, a destacar o Tribunal bito da expansão da rede judiciá-
condenados
Total é superior ao número
14.4% de detidos, a
38.6% aguardar pelo julgamento,
28.2%
dos e condenados, uma vez que fo- Supremo, 03 Tribunais Supe- ria, entraram em funcionamento na
2022), constata-se que houve mento.
uma redução da pendência na or- Tal é demonstrativo do esforço medida
ram julgadosem que no ano
e condenados de 2021,
34.116, rioresforam julgados
de Recurso, 11 e condenados
Tribunais 34.116 arguidos
os Tribunais Judiciais contra
dos Dis-
dem de 23.2%. que tem sido desencadeado pelos emOs
21.082dados
2021, contra acima
detidos,
24.615 expostospelo
a condenados
aguardar evidenciam,
julgamento.
Judiciais também,
de Província, que otritos
143 Tri- número de julgados
de Namarroi e
e Inhassun-
emcondenados é superior ao evidenciam,
número de detidos,
Tribunais Judiciais, em parceria 2020, representando
Os dados acima um cresci-
expostos bunais Judiciais
também,a que
de Distrito e aguardar
04 ge, na
o númeropelo julgamento,
de julgados nae
Província da Zambézia,
ESTADO DA LEGALIDADE com os demais órgãos do Sistema mento na ordem
medida em de
que38.6%.
no ano de Tribunais
2021, foram dejulgados
Competênciae Espe- que 34.116
condenados foram criados
arguidospelocontra
Decreto
Tal é demonstrativo
condenados é superior do esforço
ao número que tem
cializada de sido desencadeado
detidos,
(Tribunal nºpelos
a aguardar
de Menores Tribunais
pelo
49/84, Judiciais,
dejulgamento,
26 de Junho e na
pelo
Durante o ano de 2021, no que de Administração da Justiça, no
21.082
em
medida detidos,
parceria
em quecoma
no aguardar
EXPANSÃO DA REDE JUDICIÁRIA os
ano demais
de pelo
2021, julgamento.
órgãos
foram do Sistema
julgados e de Administração
condenados 34.116 da Justiça,
arguidos
da Cidade de Maputo, Tribunal Decreto nº 61/87, de 06 de Maio, contrano
a processos criminais diz respei- sentido de reduzir o número de
to, foram detidos 21.082 cida- arguidos presos preventivamen- sentido de reduzir
detidos,
No concernente
21.082 o número
àaexpansão
aguardar da pelodede arguidos
julgamento.
Polícia da Cidadepresos preventivamente,
de Maputo a aguardar pelo
e respectivamente.
dãos, dos quais 19.8%, pelos Tri- te, a aguardar pelo julgamento. Tal
rede é demonstrativo
judiciária,
julgamento. na Repúblicado esforço
de que
Tribunais tem
de sido desencadeado
Trabalho da Cidade pelos Tribunais
Igualmente, Judiciais,
entraram em fun-
bunais Judiciais de Província e Igualmente constata-se que no Moçambique, existem, neste mo- e Província de Maputo).
em parceria com os demais órgãos do Sistema de Administração da Justiça, cionamento, durante o anonode
Tal é demonstrativo do esforço que tem sido desencadeado pelos Tribunais Judiciais,
sentido
em de reduzir
parceria com oso demais
número órgãos
de arguidos presos preventivamente,
do Sistema de Administraçãoa da
aguardar
Justiça,pelo
no
julgamento.
sentido de reduzir o número de arguidos presos preventivamente, a aguardar pelo
julgamento.
ACTUALIDADE Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022 l NAWU l 4

Gestão e disciplina de Magistrados Judiciais

O Conselho Superior da Magistratura Judicial é o órgão de gestão de disciplina da

Magistratura Judicial, ao qual compete nomear, colocar, transferir, promover,
Igualmenteapreciar
exonerar, constata-se que no
o mérito ano de 2021,
profissional, manteve-se
exercer a tendência
a acção disciplinardee,aumento
em geral,do
número de julgados e condenados, uma vez que foram julgados e condenados
praticar todos
34.116, em 2021,actos de 24.615
contra idêntica natureza, em
condenados respeitantes aos magistrados
2020, representando judiciais;
um crescimento
na ordem
propor a de 38.6%. de inspecções extraordinárias, sindicâncias, inquéritos aos
realização
tribunais judiciais,
Expansão da rede dar parecer e fazer recomendações sobre a politica judiciária, por
judiciária
sua iniciativa ou a pedido do Presidente da República, da Assembleia da República
No concernente à expansão da rede judiciária, na República de Moçambique,
ou do Governo.
existem, neste momento, 181 Tribunais Judiciais criados, a destacar o Tribunal
Supremo, 03 Tribunais Superiores de Recurso, 11 Tribunais Judiciais de Província,

Créditos: O País
143 Tribunais Judiciais de Distrito e 04 Tribunais de Competência Especializada
Neste Contexto,
(Tribunal os Tribunais
de Menores Judiciais
da Cidade de contam
Maputo,actualmente comPolícia
Tribunal de um universo de 436
da Cidade de
Maputo e Tribunais de Trabalho da Cidade e Província de Maputo).
Magistrados Judiciais, dos quais 177 mulheres e 259 homens, sendo que 413, se
encontram em exercício
- 2021efectivo de funções, 18, em comissão de serviço e 05, em
Os Tribunais 2021, os Tribunais Judiciais dos
Distritos de Vanduzi, na Pro-
Tribunais Judiciais
N. registada ou por doença.
licença Total de
Judiciais víncia de Manica, e Limpopo,
na Província de Gaza, ambos Ordem
Tribunais Judiciais
Tribunais
6. Responsabilidade disciplinar
contam criados através do Decreto nº
77/2020, de 02 de Setembro.
1 Tribunal Supremo 01
2 Tribunais Superiores de Recurso 03
actualmente No âmbito da expansão da
rede judiciária há que referir que
No período em análise, no respeitante à gestão disciplinar, deram entrada 173
3 Tribunais Judiciais de Província 11
com um existem Tribunais Judiciais de
Distrito criados, mas que ainda
exposições,
4 das quais 139 contra Magistrados
Tribunais Judiciais de Distrito Judiciais, 34 contra oficiais de justiça,
143
das5 quaisTribunais de apreciadas
139 foram Competência e Especializada
decididas, 04 aguardam decisão da Comissão 04
universo não se encontram em funcio-
namento, por diversos motivos Tribunais Judiciais de Distrito criados e que não estão em
6
Permanente ou da Plenária, 05 aguardam pelo pronunciamento dos visados19e 19
de 436 dentre os quais, a falta de insta-
lações e de recursos humanos.
funcionamento
TOTAL
encontram-se em tramitação. 181
Magistrados GESTÃO E DISCIPLINA DE

Judiciais, MAGISTRADOS JUDICIAIS

O Conselho Superior da Ma-
Durante o ano
Procedimentos
Procedimentos
de 2021, no
Disciplinares âmbito
contra
Disciplinares
da expansão
Magistrados
contra
dae oficiais
Judiciais
Magistrados
rede judiciária,
Judiciais de justiça
e oficiais
entraram em
de justiça
dos quais 177 gistratura Judicial é o órgão de
gestão de disciplina da Magis-
funcionamento os Tribunais Judiciais dos
Procedimentos disciplinares
Magistrados
Distritos de Namarroi e Inhassunge, na
Judiciais
Oficiais de justiça
mulheres e tratura Judicial, ao qual compete
nomear, colocar, transferir, pro-
Província da Zambézia, que foram criados pelo Decreto nº 49/84, de 26 de Junho e
Arquivamentos 5 3
Devoluções
pelo Decretodos autos ao
nº 61/87, deinstrutor 2
06 de Maio, respectivamente. 0
259 homens, mover, exonerar, apreciar o mé-
rito profissional, exercer a acção Reprensão Pública 0 3
Igualmente, entraram em funcionamento, durante o ano de 2021, os Tribunais
sendo que 413, disciplinar e, em geral, praticar
todos actos de idêntica nature- Repreensão registada 1 0
Judiciais dos Distritos de Vanduzi, na Província
Multa 0 de Manica, e Limpopo,4 na Província
se encontram za, respeitantes aos magistrados
judiciais; propor a realização de Inactividade 1 0
de Gaza, ambos criados através do Decreto nº 77/2020, de 02 de Setembro.
em exercício inspecções extraordinárias, sin-
dicâncias, inquéritos aos tribu-
Demissão 1 1
Expulsão 6 8
efectivo de nais judiciais, dar parecer e fazer
recomendações sobre a politica Despromoção 0
No âmbito da expansão da rede judiciária há que referir que existem 1 Tribunais
funções, 18, judiciária, por sua iniciativa ou
a pedido do Presidente da Repú-
Nomeação de novo instrutor 1
Judiciais de Distrito criados, mas que ainda não se encontram em funcionamento,
0
Total 17 20
em comissão blica, da Assembleia da Repúbli-
ca ou do Governo. por diversos motivos dentre os quais, a falta de instalações e de recursos humanos.
de serviço e Neste Contexto, os Tribunais
Judiciais contam actualmente

05, em licença com um universo de 436 Magis-

trados Judiciais, dos quais 177 RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR justiça, das quais 139 foram apre- Durante o período, 6 magis-

registada ou mulheres e 259 homens, sendo

que 413, se encontram em exer-
No período em análise, no res-
peitante à gestão disciplinar, de-
ciadas e decididas, 04 aguardam
decisão da Comissão Permanente
trados judiciais e 8 oficiais de
justiça foram expulsos, para

por doença cício efectivo de funções, 18, em

comissão de serviço e 05, em li-
cença registada ou por doença.
ram entrada 173 exposições, das
quais 139 contra Magistrados
Judiciais, 34 contra oficiais de
ou da Plenária, 05 aguardam pelo
pronunciamento dos visados e 19
encontram-se em tramitação.
além de aplicação outras medi-
das a cada uma das categorias
profissionais.
5 l NAWU l Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022 ACTUALIDADE
Quinhentos e oitenta (580) candidatos
disputam cento e vinte (120) vagas no Centro
de Formação Jurídica e Judiciária da Matola
Quinhentos e oitenta (580) candidatos disputam cento e vinte (120) vagas abertas no âmbito do XXI Curso
de Formação Inicial para Ingresso nas Carreiras das Magistraturas Judicial e do Ministério Público, no Cen-
tro de Formação Jurídica e Judiciária da Matola (CFJJ).

Ainda assim, é imprescindível

Texto: Esmeraldo Matavele
Daquele número de candida-
tos, duzentos e sessenta e dois
(262) foram inscritos ao nível
da Província de Maputo, onde
se encontra sedeado o CFJJ; no-
venta e sete (97) na Província de
Sofala; setenta e seis (76) na Pro-
víncia de Nampula; trinta e um
(31) na Província de Tete; vinte
e seis (26) na Província de Ma-
nica; vinte e quatro (24) em cada
uma das Províncias da Zambé-
zia e Inhambane; treze (13) na
Província de Gaza e onze (11) na
Província do Niassa.
Relativamente às vagas, das
cento e vinte (120) disponíveis,
sessenta (60) estão reservadas
para os candidatos à Magistratu-
ra Judicial e outras sessenta (60)
para os candidatos à Magistratu-
ra do Ministério Público.
Elisa Samuel Boerekamp, Di-
rectora do CFJJ, garantiu ao
Jornal NAWU que estão criadas
todas as condições para o pro-
cesso de realização das provas
escritas de conhecimentos gerais
e técnico-jurídicos, cujo arran-
que está previsto para o dia 07
de Fevereiro de 2022.
Sublinhou que já foram cons-
tituídos os júris para todas as
Elisa Samuel, Directora do CFJJ
fases do processo, sendo que, o
primeiro, referente à avaliação
documental, já fez o seu trabalho,
que culminou com a publicação
dos respectivos resultados.
Ainda de acordo com a Direc-
tora do CFJJ, à semelhança do
que aconteceu o ano passado,
cada candidato irá realizar as
provas dos conhecimentos gerais
e técnico-jurídicos na respectiva
Província de inscrição, numa po-
lítica orientada à inclusão e me-
nos discriminação.
Da fase dos exames escritos
sobre os conhecimentos gerais e
técnico-jurídicos transita à fase
seguinte (das provas psicotécni-
cas e entrevista profissional), o
candidato que obtiver, pelo me-
nos, a média de dez (10) valores.
que nas áreas curriculares, as
técnico-jurídicas (Direito Cons-
titucional, Direito Penal e Pro-
cessual Penal e Direito Civil e
Processual Civil) o candidato ob-
tenha nota positiva.
Enquanto isso, o XX Curso de
Formação Inicial para Ingresso
nas Carreiras das Magistraturas
Judicial e do Ministério Público,
também ministrado na institui-
ção, encontra-se na recta final.
Os formandos encontram-se ter-
minando a fase teórico –prática
para depois seguir ao Estágio Ju-
risdicional.
Zulficar Momad Ramã, Chefe
do Departamento Pedagógico do
CFJJ, disse ao nosso Jornal que
não obstante os desafios impos-
tos pela situação da pandemia da
Covid-19, o XX Curso de Forma-
ção Inicial está a decorrer dentro
da normalidade.
Segundo aquele dirigente, foi
precisamente devido à situação
da Covid-19 que o XX Curso aca-
bou começando apenas em Abril
de 2021, devendo ser encerrado
em Maio de 2022, dado que o
Curso tem a duração de um (1)
ano. Esta situação irá condicio-
nar, igualmente, o XXI Curso,
referente a este ano, cujas aulas
só poderão arrancar em Abril.

Nova Lei do Ministério Público consolida

o papel do Ministério Público na
recuperação de activos e no combate
à criminalidade organizada
A aprovação pela Lei n.º
1/2022, de 12 de Janeiro, da Lei
Orgânica do Ministério Público
e o Estatuto dos Magistrados do
Ministério Público, veio consoli-
dar o papel do Ministério Público
na recuperação de activos e no
combate à criminalidade organi-
zada.
O Gabinete Central de Recu-
peração de Activos é um órgão
multissectorial subordinado ao
Ministério Público, com atribui-
ções de instrução no domínio
da identificação, rastreamento,
apreensão e recuperação de ac-
tivos, instrumentos, produtos e
vantagens de qualquer natureza
relacionados com a prática de ac-
tividade ilícita ou criminosa tanto
a nível nacional como a interna-
cional.
Segundo Eduardo Sumana,
magistrado do Ministério afecto
no Gabinete Central de Combate
à Corrupção, “Para uma actuação
mais concertada, haverá no Ga-
binete Central e nos Gabinetes
Provinciais de Recuperação de
Activos, dirigidos pelo Ministério
Público, funcionários ou agentes
do Estado do Serviço Nacional de
Investigação Criminal, das Con-
servatórias de Registo e Notaria-
do, do Gabinete de Informação
Financeira do Estado e da Autori-
dade Tributária, propostos pelas
respectivas instituições”.
A recuperação e gestão de ac-
tivos resultantes de actividade
criminosa competem, nos termos
da Lei n.º 13/2020, de 23 de De-
zembro, ao Gabinete de Recupe-
ração de Activos e de Gestão de
Activos, respectivamente. Eduardo Sumana, magistrado do Ministério Público
ACTUALIDADE
Multa e suspensão de remuneração
para quem não faz a declaração de bens
Através do Decreto n.o 17/2020, de 15 de Abril, foi aprovado o Regulamento de Pro-
cedimentos para a Suspensão da Remuneração Mensal e Pagamento da Multa a Apli-
car ao Titular de Cargo ou Função Pública sujeito à Declaração de Bens e Património
que não entrega a declaração ou a entrega fora do prazo.
O Decreto acima, prevê os
procedimentos a adoptar na sus-
pensão da remuneração mensal
e pagamento da multa, pelas
entidades sujeitas à declaração
de bens e património, sendo da
responsabilidade do Ministério
da Economia e Finanças, dos
Municípios e de cada órgão ou
instituição da Administração
Indirecta do Estado, garantir a
suspensão da remuneração e o
pagamento da multa aplicada às
entidades sujeitas à declaração,
afectas aos órgãos e instituições
do Estado que não apresentem a
declaração ou que o façam fora
do prazo.
Estão sujeitos à declaração de
rendimentos e bens patrimo-
niais, as seguintes entidades: i.
Titulares de cargo político pro-
vidos por eleição ou nomeação;
ii. Juízes e magistrados do Mi-
nistério Público, sem excepção;
iii. Gestores e responsáveis da
administração Central e Local do
Estado; iv. Membros do Conse-
lho de Administração do Banco
de Moçambique; v. Administra-
dores do Banco de Moçambique;
vi. Quadros de direcção da Auto-
ridade Tributária; vii. Gestores
do património público afecto às
Forças Armadas e à Polícia, in-
dependentemente da sua quali-
dade; viii. Gestores e responsá-
veis dos institutos públicos, dos
fundos ou fundações públicas,
das empresas públicas e os ges-
Associação Moçambicana dos Oficiais de Justiça pede revisão do Estatuto
A Associação Moçambicana
dos Oficiais de Justiça (AMOJ)
quer fazer desencadear a revisão
do Estatuto dos Oficiais de Jus-
tiça e de Assistentes de Oficiais
de Justiça dos Tribunais, do Con-
selho Constitucional e do Minis-
tério Público, aprovado pela Lei
n.º 9/2017, a fim de uniformizar
a carreira dos oficiais de justiça e
consolidar os seus direitos e re-
galias.
“É preciso dignificar e esti-
mular a carreira dos oficiais de
justiça de modo que estejam mo-
tivados a dar o máximo de contri-
buto, sobretudo neste momento
particular que o país atravessa”,
disse Maria Teresa Coutinho,
tores públicos das empresas par-
ticipadas pelo Estado; ix. Mem-
bros da Assembleia provincial.
A entidade depositária dos
bens é a Procuradoria-Geral da
República (PGR), a todos os ní-
veis, através das Comissões de
Recepção e Verificação.
Em conformidade, a PGR
emitiu a Instrução n.o 02/GAB-
-PGR/001.1/2021, de 13 de Ja-
neiro, orientando mecanismos
Presidente da AMOJ.
Coutinho, que exerce actual-
mente a função de Directora
Nacional dos Recursos Huma-
nos no Tribunal Supremo, tem
uma particular sensibilidade na
melhoria das condições de tra-
balho dos seus associados, para
quem se impõe a regularização
da progressão das carreiras com
o preenchimento das vagas exis-
tentes, a falta de um regime de
equiparação para reforma, con-
forme se trate de homem ou mu-
lher, e, no fundo, a valorização
total da carreira profissional.
“O papel dos oficiais de justi-
ça é essencial para o cabal fun-
cionamento do sistema judiciá-
de suspensão da remuneração
e descontos da multa das enti-
dades faltosas. Para o efeito, as
Comissões de Recepção e Ve-
rificação devem garantir, entre
outros, a remessa das listas das
entidades sujeitas à suspensão da
remuneração mensal e pagamen-
to da multa aplicada, à Direcção
Nacional de Contabilidade Públi-
ca, quando se trate de entidades
pertencentes aos órgãos de nível
Maria Teresa Coutinho, Presidente da Associação
Moçambicana dos Oficiais de Justica
Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022 l NAWU l 6
Licenciados
deixam de
leccionar
no ensino
superior
A aprovação do Decreto
n.º 46/2018, de 6 de Agos-
to, trouxe uma novidade no
perfil dos formadores para
as universidades e institutos
superiores em Moçambique,
incluindo o ensino de Direi-
to. Quadros com licenciatu-
ra deixam de leccionar nos
cursos de Direito.
Numa altura em que as
universidades moçambica-
nas se encontram em posi-
ções desprestigiantes nos
rankings africanos, o Go-
verno aposta na extensão
universitária como base de
comunicação entre universi-
dade e comunidade e que os
cursos privilegiem a afecta-
ção de habilidades práticas
dos estudantes de modo a
que tenham contacto com
a realidade do mercado,
Créditos: PressReader
desenvolvendo competên-
cias-chave para a sua em-
pregabilidade. Outrossim,
é a preocupação com maior
qualificação do corpo docen-
te, evoluindo de um quadro
de docentes com mero nível
central, e as Direcções Provin- de licenciatura para os de
ciais de Economia e Finanças, mestrado e doutoramento.
quando se trate de entidades A partir do ano em curso,
afectas aos órgãos de nível local e serão, doravante, sancio-
descentralizadas. nadas as escolas de ensino
Refira-se que, nos termos do superior que continuarem a
Decreto n.º 27/2014, de 6 de contar no seu quadro de do-
Junho, as actualizações dos da- centes com pessoas não ha-
dos da declaração deverão ser bilitadas com o nível agora
submetidas às entidades deposi- exigido.
tárias, até ao dia 31 de Março de
cada ano.
rio, desempenhando funções de Foi progredindo da categoria
grande complexidade e respon- de Dactilógrafa, passando por
sabilidade”, disse, acrescentan- Ajudante de Escrivão, Escrivão,
do que “uma prestação de quali- Distribuidora, Inspectora-Audi-
dade passa necessariamente por tora do Cofre dos Tribunais, Ad-
uma qualificação e especializa- ministradora Judicial até o mais
ção, mas, igualmente a melhoria alto grau de Secretária Judicial
substancial da remuneração e do Tribunal Supremo, nomeada
de condições de trabalho de to- em 2011.
dos. Desta forma, alcançar-se-ão Tem se engajado na promoção
maiores ganhos em termos de de reuniões, debates e formações
produtividade e celeridade, para com vista à valorização dos recur-
além de constituir factor de moti- sos humanos dos tribunais, mo-
vação para os mesmos”. dernização processual e harmo-
Coutinho, que foi eleita Presi- nização de procedimentos entre
dente para o triénio 2021-2024, os oficiais de justiça e outras ma-
iniciou a sua carreira como Esta- térias de interesse, cujas sínteses
giária no então Tribunal Popular são remetidas aos órgãos compe-
da Província de Gaza, em 1977. tentes para actos ulteriores.
7 l NAWU l Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022
Uma Associação de juízes
deve servir para a promoção
organizada de valores e
deontologia entre os seus
membros, mas, igualmente, como
1 plataforma para perceber as
necessidades dos juízes do ponto de
vista formativo, material e outros
e, de modo geral, defender os
interesses da classe com vista a um
poder judicial materialmente forte
e independente.
Luís Filipe Sacramento, a propósito
da defesa em 2004, na qualidade de
Vice-Presidente do Tribunal Supremo e
do Conselho Superior da Magistratura
Judicial, da necessidade de os juízes
criarem uma associação profissional.
Mais do que mera educação
judiciária, o exemplo superior é
o caminho por excelência para a
afirmação de valores de ética no
seio dos juizes e procuradores.
3
Prof. Rizuane Mubarak, Reitor da
Universidade Alberto Chipande (UNAC)
Em Angola, está a instalar-se
uma estranha predominância
das questões jurídico-legais sobre
todas as outras. Ora, não se pode
esperar que o direito resolva todos
4 os problemas da sociedade. O
direito nunca é a solução definitiva
e global de uma situação. Este é
o tempo de o governo apresentar
as suas conquistas e os seus
resultados políticos, económicos e
sociais, e de a oposição apresentar
as suas críticas e contrapropostas.
Não é tempo de juristas.
Rafael Marques, Jornalista e activista
angolano, ao se pronunciar sobre o que
chama de Perigo da Judicialização da
Política Angolana, Jornal MakaAngola
Investir na educação de qualidade
é o caminho inevitável para
criarmos um sistema de justiça
credível.
5 da Universidade Eduardo Mondlane,
Salim Omar, Advogado e Presidente da
Fundação Njelo, a propósito de atribuição
de bolsas de estudo a dezenas de jovens em
situação de vulnerabilidade económica
PÁGINA SOLTA
2
Prof. Adriano
Nuvunga, Newsletter
CDD, 9 de Janeiro, 2022
O CDD entende que mais do
que expulsar e/ou demitir, os
juízes prevaricadores devem ser
julgados, tal como sucede com
outros servidores públicos que
não cumprem com os seus deveres.
Os juízes corruptos devem ser
conhecidos pela sociedade, tal como
o são os governantes corruptos. Os
juízes corruptos devem ser detidos
e julgados em sessões públicas e
com transmissão em directo pelos
órgãos de comunicação social.
Não se pode conceber a educação
jurídica e judiciária feita, no todo,
separadamente. Justifica-se um
tronco comum, na primeira fase da
formação, em que os candidatos
6 às magistraturas e à advocacia
aprendem juntos os rudimentos
substantivos e processuais de
interesse. Numa segunda fase, sim,
ater-se-ia às especificidades das
carreiras.
Fernanda Lopes, Advogada,
reflectindo sobre os rumos da formação
A introdução de estudantes
universitários na prática das
profissões forenses permite
sedimentar os conhecimentos
teóricos aprendidos nas
7 universidades.
Atália Cecília Langa, Secretária-Geral
do Núcleo dos Estudantes de Direito
a propósito do Curso de Formação
em Práticas Forenses organizado pela
Associação Moçambicana de Juízes
Mais
 O desempenho dos tribunais
judiciais cresceu de 146.051
(2020) para 196.173 (2021)
processos
 É de louvar a Iniciativa Pre-
sidencial “Um distrito, “Um
distrito, um edifício condigno
para o Tribunal até 2023”, em
coordenação com o Cofre dos
Tribunais, ao colocar em cons-
trução edifícios para o fun-
cionamento de tribunais nos
distritos de Metuge, Ibo, Quis-
sanga e Muidumbe (Cabo Del-
gado); Nacarôa, Liúpo e Larde
(Nampula); Luabo, Mulevala,
Mocubela, Derre e Molumbo
(Zambézia); Zumbo, Marrara
e Doa (Tete); Macate (Mani-
ca); Maríngue (Sofala); Mapai
(Gaza) e KaNyaka (Cidade de
Maputo), o que permitirá a to-
tal cobertura territorial
 O Conselho Superior da Magis-
tratura Judicial deliberou criar
uma comissão para a elabora-
ção de propostas de medidas
especiais atinentes à protecção
e segurança dos magistrados
judiciais, constituída por João
António de Assunção Baptis-
ta Beirão (Juiz Conselheiro e
Vice-Presidente do Tribunal
Supremo), Joaquim Veríssimo
(Membro do Conselho Supe-
rior da Magistratura Judicial),
Vitalina do Carmo Papadakis
(Juíza Desembargadora), Car-
los Pedro Mondlane (Juiz de
Direito A), Flávia Vasco Mon-
dlane (Juíza de Direito A) e
José Alfredo Macaringue (Juiz
de Direito A).
Menos
 Malfeitores assaltam e man-
têm em cativeiro, na residên-
cia oficial, juíza do distrito de
Manhiça
 Indivíduos desconhecidos in-
vadem escritório do Advogado
João Nhampossa, em Maputo,
e subtraem material de traba-
lho
 Seis juízes foram expulsos e
um demitido ao longo do ano
de 2021
CONVERSA
AFIRMA ADELINO MUCHANGA, PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPREMO
“Não há
julgamentos
políticos em
Moçambique”
Há quem defende que, em Moçambique, a justiça está
politizada. Os defensores desta tese consideram que os
juízes moçambicanos são influenciados na tomada das
suas decisões. A Constituição da República de Moçam-
bique estabelece, contudo, que no exercício das suas
funções, os juízes são independentes e apenas devem
obediência à lei. Assim, em atenção àquele comando da
lei-mãe, os juízes não devem acatar nenhuma ordem,
interna ou externa, para decidir num ou noutro sentido,
seja qual for o processo em que estiverem a intervir.
Texto: Esmeraldo Matavele
O
Presidente do Tribunal
Supremo, Adelino Ma-
nuel Muchanga, que
falava em exclusivo ao Jornal
NAWU, considera que haverá
sempre conotações de alegada
falta de independência dos tribu-
nais, promovidas por certos seg-
mentos, com finalidades diver-
sas. É nesse contexto que se exige
foco aos juízes. O importante não
é decidir em função da opinião
pública ou publicitada. Os juízes,
no âmbito da sua independência
funcional, devem decidir, com
isenção e imparcialidade, apenas
com base nos elementos carrea-
dos aos autos.
Na entrevista, o timoneiro
do judiciário falou também dos
desafios do sector no âmbito do
combate à corrupção e a proble-
mática da morosidade proces-
sual.
A opacidade do sistema judi-
cial é outro problema que tem
sido levantado e foi abordado
pelo nosso entrevistado que con-
sidera que o Jornal NAWU, que
hoje é lançado em primeira edi-
ção aos estimados leitores, pode-
rá ser um importante instrumen-
to de educação do cidadão para
melhor compreender o funcio-
namento do sistema de justiça.
Acompanhe, de seguida, alguns
excertos da entrevista:
Venerando Presidente,
lançamos hoje o Jornal da
AMJ. Qual é a apreciação
que faz desta iniciativa?
Antes de responder à questão,
O Jornal, na
que me seja permitido, em meu
nome e de todos os colegas da
minha opin-
Magistratura Judicial, apresen-
tar a solidariedade às famílias
ião, será um
dos que pereceram no acidente
ocorrido na Província da Zam-
importante
bézia e por causa da tempestade
“Ana”. As nossas orações e os
instrumento
nossos corações estão com eles
neste momento difícil e ainda
de educação
com aqueles que estão a recupe-
rar das lesões sofridas e com os
do cidadão
que perderam os seus bens.
Sobre a questão que colocou,
para melhor
queria saudar à direcção da
AMJ por mais esta iniciativa que
compreender
considero pioneira e de grande
relevância na elevação do nos-
o funciona-
so sistema de administração de
justiça.
mento do
Reclama-se, com razão, sobre
a opacidade do sistema judicial;
sistema de
tal reclamação é ainda mais re-
levante se consideramos que o
justiça.
nosso Direito se baseia na tradi-
ção romanística, assente essen-
cialmente na lei escrita e com
emprego de termos técnicos nem
sempre compreensíveis, até para
o cidadão com uma elevada edu-
cação formal.
Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022 l NAWU l 8
O Jornal, na minha opinião,
será um importante instrumen-
to de educação do cidadão para
melhor compreender o funcio-
namento do sistema de justiça.
A compreensão da forma como
funciona o sistema judicial é, sem
dúvidas, um dos condimentos
para um acesso facilitado à jus-
tiça.
Porque o Jornal será um es-
paço privilegiado de debate de
questões técnicas, é minha con-
vicção que contribuirá para o de-
senvolvimento do Direito pátrio.
Que o Jornal tenha vindo para
ficar e seja uma referência a nível
nacional e internacional.
Venerando, quais os prin-
cipais desafios dos tribunais
judiciais neste momento?
Antes de falarmos propria-
mente dos desafios concretos, é
importante que se compreenda
a missão dos tribunais. A missão
dos tribunais resulta da Consti-
tuição da República, desdobran-
do-se em duas componentes: pri-
meiro, na função jurisdicional, de
dizer o Direito no caso concreto,
que tem como objectivo garan-
tir e reforçar a legalidade como
factor de estabilidade jurídica,
garantir o respeito pelas leis, as-
segurar os direitos e liberdades
dos cidadãos, assim como os in-
teresses jurídicos dos diferentes
órgãos e entidades com existên-
cia legal e, segundo, a função de
educar os cidadãos e a adminis-
tração pública no cumprimento
voluntário e consciente das leis,
estabelecendo uma justa e har-
moniosa convivência social.
Os tribunais, como órgãos de
soberania, administram a justiça
em nome do povo. Uma particu-
laridade dos tribunais, é que sen-
do a soberania titulada pelo Povo,
em princípio, deveria existir uma
relação orgânica directa entre o
povo e os titulares dos tribunais.
Os juízes, por razões que têm a
ver com a necessidade de inde-
pendência e imparcialidade, não
são eleitos.
Mas o que significa administrar
a justiça em nome do povo? En-
tendo que função dos tribunais é
expressão da soberania popular,
o que implica, a meu ver, entre
outras ilações que podemos tirar,
que tal função deve ser exercida
para a satisfação do seu titular
originário, o povo. Dessa neces-
sidade de satisfazer o “dono” da
soberania, emergem vários desa-
fios.
É na visão dos tribunais judi-
ciais, prevista no Plano Estraté-
gico vigente, que encontramos a
referência aos nossos principais
desafios. A nossa visão é de um
sistema judicial acessível, inde-
pendente, íntegro, célere e de
qualidade. A estes desafios, vêm
ganhando notoriedade, nos últi-
9 l NAWU l Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022 CONVERSA
mos tempos, outros dois, sendo
o primeiro da modernização e
o segundo da sensibilidade dos
operadores do judiciário.

O Venerando Presiden-
te falou de vários desafios,
mas há uma constante recla-
mação dos cidadãos sobre a
morosidade processual. O
que está sendo feito para al-
cançar a almejada celerida-
de processual?
É uma boa pergunta. É meu
entendimento que a celeridade
processual depende, essencial-
mente, de três factores: da ade-
quação do quadro legal; dos re-
cursos humanos e materiais e da
modernização.
O quadro legal deve ser facili-
tador da celeridade processual.
Num processo de partes, por
exemplo, temos o autor, que
pretende a rápida satisfação dos
seus direitos, mas o réu, que é o
demandado, utiliza o batalhão de
meios processuais à sua disposi-
ção para retardar a satisfação do
direito do autor. A reforma deve,
por isso, resultar num quadro le-
gal que permita a fluidez na tra-
mitação processual e desencora-
je a litigância irresponsável ou de
má - fé.
Não estou a dizer que a ce-
leridade deve ser um fim em si
mesmo. A celeridade não deve
sobrepor-se à qualidade das de-
cisões; há que respeitar todos os
princípios que devem nortear a
justa composição dos litígios, de-
signadamente, o contraditório e
uma ampla defesa.
Muito tem sido feito no âmbito
da reforma legal, mas creio que merecer tal tratamento, alocan- funcional, devem decidir, com para erradicar a corrupção nos
há espaço para mais. do-se um orçamento específico isenção e imparcialidade, apenas tribunais. Há que trabalhar no
e indicando-se as pessoas, numa com base nos elementos carrea- sentido de melhorar o proces-
Já que está a falar da re- base de interdisciplinaridade, dos aos autos. so de recrutamento, para que se
forma legal, afinal o que fal- para coordenar o processo. A re- garanta, desde o ingresso, um
ta? forma deve ser feita sem pressa, O que justifica a existência padrão de envergadura moral
Esta questão pode ser tema de
uma longa entrevista. Creio, con-
para que produza os resultados
que todos queremos.
Os tribunais de casos de corrupção nos
tribunais?
necessário para o exercício das
funções judiciais. Também temos
tudo, que há um consenso gene-
ralizado sobre a necessidade de Venerando, há quem de-
são indepen- Creio que as causas da corrup-
ção são várias, podendo incluir as
que reforçar o papel da Inspec-
ção Judicial, aprovar um Código
reforma legal. Sua Excelência o
Presidente da República tem fa-
fende que em Moçambique a
justiça está politizada. O que
dentes e apar- económicas, sociais e culturais.
Temos que admitir que as causas
de Ética e trabalhar no sentido
de uma rápida responsabilização
lado disso com alguma insistên-
cia e nós também. Aliás, há bem
se oferece a dizer?
Irei comentar apenas em re-
tidários, não são mais exógenas, pois os nos-
sos magistrados e funcionários
criminal dos que se envolvam em
actos de corrupção.
pouco tempo, os titulares dos ór-
gãos do sistema de administra-
lação aos tribunais, visto que o
termo justiça é abrangente. No
apenas em são oriundos da sociedade, na
qual se sente a necessidade de
A nível da sociedade no geral,
temos todos que trabalhar para
ção da justiça elaboraram uma
proposta de termos de referência
que toca aos tribunais, o meu co-
mentário é simples: os tribunais
teoria, mas elevação da consciência anti-cor-
rupção. Sente-se a necessidade
reavivar a moral pública nacio-
nal.
que foi submetida ao Governo.
O que falta? É fazermos a re-
são independentes e apartidá-
rios, não apenas em teoria, mas
também na de aprofundar a noção do inte-
resse público. Venerando, qual é o ponto
forma que, necessariamente,
deve ser baseada num diagnós-
também na prática. Moçambique
deve orgulhar-se de ter sido ca-
prática. O consenso a nível do Con-
selho Superior da Magistratura
de situação sobre os recur-
sos humanos no sector que
tico exaustivo da situação actual, paz de construir, continuamente, Judicial é de que a corrupção nos dirige? Temos quadros sufi-
como ponto de partida. a independência dos tribunais e tribunais é intolerável, seja qual cientes para responder à de-
E eu penso que a reforma deve dos juízes em particular. No que for a causa. Em todos os seg- manda e garantir a almejada
ser vista como fundamental para respeita à separação e interde- mentos do Estado a corrupção é celeridade processual?
sairmos da situação actual, ca- pendência dos poderes, não te- indesejável, mas, tendo em conta Pois, como disse antes, para
racterizada pela desadequação nho problema em admitir que a centralidade do papel dos tri- além da adequação da legislação,
do quadro legal às reais neces- Moçambique é dos países mais bunais no seu combate, não deve os recursos, humanos e mate-
sidades do país e do cidadão, avançados, quer em África, quer ser tolerada quando envolva juí- riais, são uma componente im-
excessiva formalidade, desarti- no Mundo. zes e funcionários judiciais. Este portante para a celeridade pro-
culação entre as várias ordens Haverá sempre conotações é o consenso e, por isso, qualquer cessual.
normativas e entre as várias ins- promovidas por certos segmen- situação de corrupção é severa- Já dissemos várias vezes que
tâncias de resolução de disputas. tos, com finalidades diversas. É mente sancionada, sobretudo o rácio de juiz por 100 mil habi-
Estou apenas a pensar alto, mas nesse contexto que se exige foco como forma de proteger o cida- tantes está muito abaixo do ideal.
o diagnóstico trará, certamente, aos juízes. O importante não é dão que recorre aos tribunais. Estamos ainda com um rácio
outros elementos. decidir em função da opinião Isso não significa que o Con- de 1.3 para 100 mil habitantes,
A reforma deve estar na lista de pública ou publicitada. Os juízes, selho entenda que as medidas quando o ideal, para um contexto
prioridades da agenda nacional e no âmbito da sua independência disciplinares sejam as únicas como o nosso, é de 8 juízes por
CONVERSA
100 mil habitantes.
Temos uma demanda que cres-
ce numa média de 10% por ano e
a nossa capacidade de resposta,
em termos de recursos humanos,
é limitada. E isso não é nenhuma
desculpa.
No ano passado, por exemplo,
entramos com um universo de
169.043 processos e deram en-
trada no mesmo ano 152.589 pro-
cessos. Isto significa que, no total,
no ano de 2020 tínhamos 321.632
processos para serem tramitados
por 389 juízes. Estamos a dizer
que se os juízes trabalhassem 356
dias de forma ininterrupta, para
debelar a pendência, deveriam
findar 3 processos por dia, o que
é impossível.
Aqui na Cidade de Maputo, te-
mos secções de tribunais de Dis-
trito com uma pendência de 5 mil
processos e com apenas um juiz.
O mesmo défice de recursos hu-
manos ocorre em relação aos ofi-
ciais de justiça.
O Centro de Formação Jurídica
e Judiciária tem estado a fazer um
trabalho extraordinário de forma-
ção de novos magistrados, mas o
caminho é ainda longo.
E tendo a quantidade, também
temos que ter a componente da
qualidade dos recursos humanos e
da sua motivação.
Os recursos materiais são uma
outra componente importante
para a celeridade.
Tivemos um enorme impulso
com a Iniciativa Presidencial Um
Distrito, Um Edifício Condigno
para o Tribunal. Esta iniciativa,
para além de criar as condições
adequadas para o funcionamento
dos tribunais, também concorrem
para a motivação dos próprios
operadores judiciais.
Quando falamos de condições
materiais referimo-nos aos edifí-
cios, equipamento como compu-
tadores e impressoras, meios para
diligências, como viaturas ou mo-
torizadas.
Quando os meios faltam, a mar-
cha processual é afectada. Se o tri-
bunal tem 3 juízes e uma só sala
de julgamentos, eles fazem escala.
Se o oficial de diligências tem uma
motorizada, ele pode notificar 10
pessoas num só dias mas se ele
tiver que depender do transporte
público, pode levar todo o dia só
para notificar uma pessoa. Po-
díamos continuar a dar exemplos
elucidativos, mas, como qualquer
outro serviço, os tribunais devem
ter meios para funcionar adequa-
damente.
Ainda relacionado com a com-
ponente de recursos, está a mo-
dernização. A transmissão em di-
recto do julgamento da B.O. tem
também a vantagem de permitir
que as pessoas se apercebam de
algumas fragilidades. Hoje existe
tecnologia para gravação de au-
diências, que permite reduzir o
tempo dos julgamentos em quase
50%. Ainda estamos a mobilizar
financiamento para aquisição e
implantação do equipamento.
Iniciamos um processo de mo-
dernização, com a implementação
do SEIJE, que é uma plataforma
de gestão documental e processual
electrónica. Mas o investimento
para a sua expansão é elevadíssi-
mo.
Há que trabalhar nos vários
factores para termos resultados
desejados. Portanto, a qualidade e
adequação dos recursos humanos,
uma gestão processual que garan-
ta transparência, a modernização
dos serviços, a existência dum
quadro legal facilitador da marcha
processual, entre outros factores,
concorrem para a celeridade pro-
cessual.
Mas pode perguntar-me, o que
tem sido feito, com os recursos
disponíveis, para assegurar a ce-
leridade?
A resposta é a seguinte: não
estamos parados. Várias acções
têm sido tomadas na perspectiva
de garantir celeridade, designa-
damente, a fixação de metas in-
dividuais e colectivas, a avaliação
anual de cada magistrado, a es-
pecialização das secções, criação
de secções de recursos a nível dos
tribunais de Província, a criação
de mais secções nos Tribunais
Superiores de Recurso, operacio-
nalização da Inspecção Judicial,
visitas de monitoria, premiação
dos juízes e funcionários baseada
no desempenho, implementação
de sistemas de gestão processual
electrónicos, aquisição de meios
para diligências, entre outras me-
didas.
Estou plenamente ciente de que
estamos ainda longe do ideal, mas,
gradualmente, vamos reduzindo
o tempo médio de tramitação de
processos. Há uma entrega e de-
dicação dos juízes e funcionários
judiciais que nos tem permitido
superar as metas anuais que fixa-
mos e creio que o futuro nos reser-
va uma contínua melhoria.
Aproveito, assim, dar um abraço
a todos os colegas que no dia-a-dia
consentem sacrifícios, que não são
poucos, na missão de administrar
a justiça em nome do povo.
A nível da
sociedade no
geral, temos
todos que
trabalhar
para reavivar
a moral
pública
nacional.
Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022 l NAWU l 10
Adelino Manuel Muchanga obtém o
grau de Doutor em Direito
No dia 10 de Janeiro de 2022, Adelino Ma-
nuel Muchanga prestou provas públicas de
Doutoramento em Direito Civil pela Faculdade
de Direito da Universidade Eduardo Mondlane
com a defesa da tese “A Responsabilidade Civil
dos Cônjuges entre si pela Violação dos Deve-
res Conjugais e pelo Divórcio” tendo obtido a
excelente nota final de 18 valores. É simbólico
que o Presidente do Tribunal Supremo seja o
primeiro juiz da magistratura judicial comum
a obter o grau de Doutor em Direito em Mo-
çambique.
Na verdade, depois de um período em que a
abertura para a formação dos juízes era limi-
tada, finalmente, Adelino Manuel Muchanga,
através do Conselho Superior da Magistratura
Judicial contribuiu para a aprovação de um
conjunto de regulamentos que estimulam os
juízes a dar continuidade aos seus estudos.
É assim que, hoje, muitos juízes estão a fre-
quentar mestrados e doutoramentos, o que é
incentivado pelo órgão de gestão e disciplina
das magistraturas. Mais do que isso, a partir
do Tribunal Supremo foram estabelecidas al-
gumas parcerias com universidades públicas
e privadas para facilitar a integração de juízes
em cursos de pós-graduação, mestrados e dou-
toramentos.
O actual Presidente do Tribunal é prosélito
da tese segundo a qual a principal obrigação de
um juiz é com o tribunal e, por isso, os juízes
não só devem estudar como devem ainda dar
aulas, porquanto é nas actividades formativas
que os juízes alcançam uma dimensão teórica
que servirá de esteio na prática da profissão.
Em conformidade, de modo ordenado, tem in-
centivado o exercício de docência pelos juízes.
Partindo da premissa que, para a cabal exe-
cução dos deveres judiciais se requer conheci-
mento legal, habilidade, minúcia e preparação,
todo o juiz deve submeter-se a formas de trei-
namento que lhe habilitem a executar o traba-
lho judicial profissional e diligentemente, im-
plicando a aquisição, manutenção e reforço de
saberes, só desta forma se alcança a necessária
competência.
Entende que um juiz deve desenvolver co-
nhecimentos profundos e diversificados, em
áreas técnicas da lei, jurisprudência e doutri-
na, mas, igualmente, em áreas de relevante
preocupação social, como as referentes ao gé-
nero, cultura, diversidade religiosa, pluralismo
jurídico, protecção da mulher e rapariga em
situação de vulnerabilidade, pessoa com defi-
ciência e outras que afirmem a dignidade da
pessoa humana.
A competência é um dos valores da ética ju-
dicial cuja promoção está no ADN de Adelino
Manuel Muchanga, responsável, entre outros,
pela adopção de um Código de Ética para os
magistrados judiciais.
O Presidente do Tribunal Supremo nasceu a
15 de Janeiro de 1974 em Chibaba, sul da pro-
víncia de Sofala.
Vale recordar que Chibabava é uma terra de
guerreiros, cujo nome deriva de “Chibaba” que,
por seu turno, advém de “Baba” que na língua
ndau significa “Pai”. O “Baba” é o chefe de to-
das as comunidades ali instaladas. Por volta do
século XIX, no despontar da guerra entre os lí-
deres tribais, o Baba aliou-se a Ngungunhana,
Perfil
tendo, durante o tempo da resistência, ido fi-
xar-se no espaço que corresponde, hoje, à pro-
víncia de Gaza. Deixou, porém, ficar no terreno
o seu filho para dar continuidade ao poder, de
acordo com os costumes da zona, passando en-
tão a ser dominado por “Chibaba” que significa
“Pai pequeno”. Foram os portugueses que atri-
buíram à região o nome de Chibabava.
Foi na sua terra natal, na Escola Primária
de Ucosse, em 1980, que Adelino Manuel Mu-
changa iniciou os estudos.
Devido ao recrudescimento da Guerra dos
16 Anos, a família mudou-se, em 1982, para a
Cidade da Beira, onde se estabeleceu no popu-
loso bairro da Munhava. Deu continuidade aos
seus estudos, tendo sido inscrito e concluído o
ensino primário na Escola Secundária Macom-
be.
Frequentou a 5a e 6a classes na Escola Se-
cundária Mateus Sansão Muthemba, Cidade
da Beira.
Concluiu a 11a Classe na Escola Secundária
Samora Moises Machel, Cidade da Beira.
Concluiu o Bacharelato em Direito no ano de
1994 pela Universidade Eduardo Mondlane,
ano em que ingressa no Estado como funcio-
nário da Inspecção Geral do então Ministério
das Finanças.
Concluiu a licenciatura em Direito em 1996,
pela Universidade Eduardo Mondlane, mesmo
ano em que ingressa para a Electricidade de
Moçambique onde exerceu várias funções, in-
cluindo as de Assessor Jurídico do Conselho de
Administração, Director de Assuntos Jurídicos
da EDM e Director do Gabinete do Conselho
de Administração.
Inscreveu-se para a Ordem dos Advogados
de Moçambique, após a sua constituição em
1997.
Em 2000, pela Universidade de Aberdeen,
Reino Unido, concluiu o Mestrado com distin-
ção.
De 2007 a 2009 foi designado Director da
Faculdade de Direito da Universidade Eduar-
do Mondlane.
Em 2010, foi nomeado Vice-Presidente do
Tribunal Supremo.
Em 2014, foi nomeado Presidente do Tribu-
nal Supremo cujo mandato renovou em 2019.
Em 2022, obteve o grau de Doutor em Direi-
to, com distinção, pela Faculdade de Direito da
Universidade Eduardo Mondlane.
É casado, pai de dois filhos.
Fala fluentemente ndau, português e inglês.
É amante de futebol, sendo Têxtil de Púngue
o seu clube de coração.
Os tempos livres, dedica-os ao enriqueci-
mento espiritual e físico, partilhando o dom da
vida com a família e amigos.
Tem a Bíblia como livro de cabeceira para a
sedimentação do seu espírito naturalmente re-
ligioso. É cristão praticante. Igualmente, gosta
da Astronomia para uma melhor compreensão
de todos os corpos celestes no Universo, desde
a sua formação, desenvolvimento, movimento
e perecimento.
Adora trabalhar na machamba. O contacto
com a natureza e os frutos que ela oferece são
uma satisfação sem igual.
Adepto de caminhada e de futebol, pratica e
assiste, sempre que a oportunidade se oferece.
11 l NAWU l Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022
OPINIÃO
Um olhar sobre a
justiça
em Moçambique
Mia Couto
Escritor

* Palestra proferida na Associação Moçambicana de Juízes,

11 de Julho de 2018

E
ste encontro era para ser uma conversa in-
formal com uns poucos magistrados. Tomou
Sou um homem de outras proporções e com isso fiquei feliz, mas
também embaraçado. O que pode um escritor
palavras e procurei trazer para uma área tão sensível que pede
que foram dramaticamente vividos como injustiças. Não im-
porta que esses momentos tenham sido inventados. As lágri-
mas eram verdadeiras e ficaram sem solução para toda a vida.
Na realidade, toda a criança sonha com um justiceiro que venha
castigar os malvados e premiar os bons. Na minha infância, eu

familiarizar-me uma formação específica e até um vocabulário

particular? Um dos primeiros receios era exactamente a lingua-
com a terminologia gem que deveria usar. Sou um homem de palavras e procurei
familiarizar-me com a terminologia jurídica. Consultei um di-
jurídica. Consultei cionário do jargão jurídico numa página da internet. Escolhi ao
acaso e procurei o significado da expressão «medida cautelar».
um dicionário do Vejam o que estava escrito:
«Medida cautelar — Ação destinada a garantir a efetivida-
jargão jurídico numa de da futura execução da prestação pleiteada num processo de
página da internet. conhecimento. Os requisitos para sua concessão são a proba-
bilidade de êxito na ação principal (fumus boni iuris) e o risco
Escolhi ao acaso e da prestação pretendida ser frustrada (periculum in mora).»
Pior não podia ser. Onde eu ia buscar sossego, apenas en-
procurei o significado contrei razões para susto. Ainda pensei renegociar este meu
compromisso, mas, como vocês dizem, pacta sunt servanda. A
da expressão «medida decisão já tinha transitado em julgado, não havia recurso nem
cautelar». Vejam o que instância que me pudesse salvar. Nesse momento de pânico,
porém, eu tinha tocado num assunto inicial que é a linguagem
estava escrito: fechada, uma espécie de vocabulário corporativo, que torna de
difícil acesso o conteúdo das leis (existe um idioma a que os
«Medida cautelar brasileiros já chamaram de juridiquês).
Diz a lenda que o jurista brasileiro Rui Barbosa, ao chegar a
— Ação destinada a casa, surpreendeu um ladrão a assaltar a sua criação de patos.
garantir a efetividade Aproximou-se do indivíduo e disse-lhe:
«— Oh, anacrónica criatura! Não te interpelo pelo valor in-
da futura execução da trínseco dos palmípedes que querias surripiar, mas sim pelo
ato vil e sorrateiro de profanares o âmago da minha habita-
prestação pleiteada ção, levando os meus ovíparos à sorrelfa e à socapa.»
E o ladrão, confuso, perguntou:
num processo de «— Doutor, desculpe, eu levo ou deixo os patos?»
conhecimento. Os Há um ou dois pressupostos nesta minha alocução. O pri-
meiro é o seguinte: é esperado que partilhe convosco um olhar
requisitos para sua sobre a Justiça. Ora é nesse olhar que começa a primeira ques-
tão. Na verdade, a Justiça é dessas entidades que existe quase
concessão são a sempre pelo seu próprio avesso. A justiça é convocada para re-
parar uma injustiça. A justiça é como a saúde do nosso corpo.
probabilidade de êxito Sabemos dela quando não a temos. Não se vê quando tudo
tinha ao meu serviço uma mão-cheia de heróis: o Super-Ho-
mem, o Batman, o Homem aranha, o Cisco Kid. Hoje vejo fil-
mes junto com os meus netos e a primeira pergunta que me
fazem é esta: este que está a aparecer agora é dos maus ou
dos bons? É como se essa definição fosse imprescindível para
entender tudo o resto.
Nesses enredos de ficção não havia meio-termo: ou ganha-
vam os maus ou venciam os bons. Na vida real também não há
meio-termo. Onde não funciona a Justiça prevalece a Injustiça.
A Justiça é o primeiro momento de encontro com o sentimento
social. E é o último reduto onde podemos ter esperança de
uma intervenção que reponha a ordem num mundo que, de ou-
tra maneira, deixa de ser nosso.
Eu tinha 17 anos quando me juntei a uma cau- sa que me fez
interromper os estudos e mudou toda a minha vida. Não era
apenas um ideário político que me movia. Era sobretudo uma
profunda indignação perante as injustiças. Como todos os jo-
vens eu era um juiz. Sem toga, sem salário, sem formação. Mas
eu tinha julgado esse mundo onde vivia e tinha sentenciado que
ele morresse dentro de mim. Infelizmente, esse mundo morreu
apenas por metade. Muitas das injustiças, das desigualdades,
das agressões contra a humanidade sobrevivem ainda hoje.
Muito se fala dos avanços económicos e sociais alcançados.
Muito se fala das infraestruturas construídas. Tudo isso é im-
portante. Mas tudo isso se torna secundário se nos falta um Es-
tado que nos proteja da violência e do caos, um Estado que nos
faça sentir seguros, um Estado que não deixe na impunidade os
que nos castigam como pessoas e como Nação. Sem esse sen-
timento de proteção não nos sentiremos nunca em casa. Sem
essa ordem feita de justiça seremos órfãos, seremos estranhos
na nossa própria Pátria.
Basta um meio olhar para perceber aquilo que vocês, melhor
que ninguém, já sabem: a nossa Justiça não vai bem, a sua cre-
dibilidade deixa a desejar e a sua eficiência não é das melhores.
Estas constatações dispensariam a minha presença aqui. Elas
são do domínio público e são os próprios magistrados a produ-
zir esse olhar crítico sobre o seu setor.

na ação principal está bem. E torna-se o centro do mundo quando adoecemos. A

linguagem popular dos moçambicanos dá bem conta dessa pre-
Acontece que somos demasiado intransigentes connosco
próprios, acontece que nos especializamos em dizer mal de nós
(fumus boni iuris) e sença pela negativa. As pessoas dizem «estou a sentir a cabeça»
quando lhes dói essa parte do corpo. Do mesmo modo falamos
mesmos. Vivemos ainda um momento de excessiva polariza-
ção. Falamos aqui em direitos cívicos e existe uma lacuna nesse
o risco da prestação de justiça sobretudo quando ela nos dói como uma ausência.
E assim talvez devêssemos introduzir um novo ajustamento
quadro de direitos que atinge todos os moçambicanos. Foi-nos
roubado o direito a termos uma opinião própria. Suspeita-se
pretendida ser no título inicial desta conversa. Que passaria a chamar-se «Um sempre que as nossas ideias não são nossas: pertencem a um

frustrada (periculum olhar sobre a injustiça».

O segundo pressuposto desta minha fala é o seguinte: o sen-
in mora).» timento de Justiça é anterior a tudo que em nós surge como
fala ou como ideia. Faz parte das nossas mais antigas raízes. O
sentimento de Justiça surge antes do pensamento sobre a Po-
lítica. A Justiça é da paixão. A Política é da Razão. O sentido
de justiça é uma janela que cedo se abre para a construção da
nossa relação com os outros.
Não há criança que não tenha sido marcada por momentos
dono escondido. A nossa voz não nos pertence. Está sempre ao
serviço de uma entidade oculta.
Ou seja, roubaram-nos o direito de sermos pessoas sobera-
nas e autónomas. Essa é a percepção que se generalizou. Apre-
sento-me neste evento como os árbitros de futebol: ou levanto
um cartão amarelo contra o governo e sou vaiado por uma cla-
que; ou deixo seguir o jogo e sou apupado pela outra bancada.
Não há vídeo-árbitro que me possa acudir.
(Cont.)
CONVERSA Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022 l NAWU l 12

VENERANDO ACHIRAFO ABUBACAR ABDULA, EM ENTREVISTA AO JORNAL NAWU

“Não aceitar se deixar

corromper é uma questão de
consciência pessoal” (1)

Numa altura em que a luta contra a corrupção no judiciário voltou a ser tema de actualidade, o Venerando
Juiz Desembargador Achirafo Abubacar Abdula considera que aceitar ou não deixar-se corromper é uma
questão de consciência individual. Na entrevista que concedeu ao Jornal Nawu, o magistrado, com cerca de
25 anos de judicatura, faz saber o seu perfil de futebolista, aprendiz de bate-chapa, gestor, contabilista, pára-
quedista, docente, secretário do Grupo Dinamizador, entre outros, revelando-se uma verdadeira história de
superação. Eis a entrevista.

Texto: Armando Júnior Quando e onde começa a

sua carreira estudantil?
Comecei a estudar na Escola
Primária Paiva Manso, actual

O
venerando Achi- Escola Primária do Alto Maé até
rafo é conhecido completar a 4ª classe, que fiz em
como sendo ho- tempo útil. Quando terminamos
mem de mil e uma facetas: a 4ª classe, tínhamos que passar
Juiz, pára-quedista, conta- para o secundário, ou seja , para
bilista, desportista, entre 5ª classe, o que naquela altura
outras. Afinal, quem é Achi- exigia exames de admissão.
rafo Abubacar Abdula?
Achirafo Abubacar Abdula, Que tipo de brincadeiras
também chamado Fito pelos fizeram parte da sua infân-
mais chegados, é um moçambi- cia?
cano que nasceu na então cidade Lembro-me que na escola era
de Lourenço Marques, a 12 de “craque”, não só da bola, como
Julho de 1952, sendo a quarta também de um jogo de “Polícia e
gesta masculina consecutiva de Ladrão”. Este consistia em duas
Abubacar Abdula e de Maimuna equipas, sendo que uma repre-
Cassamo. Note que o meu nas- sentava a Polícia e a outra o La-
cimento pode ter sido mais uma drão. Os polícias perseguiam os
desilusão para os meus pais, já ladrões e quando fossem todos
que os três filhos que me antece- capturados mudavam-se os pa-
deram eram do sexo masculino péis. O engraçado é que eu gosta-
e eles esperavam uma menina. va de estar na equipa de ladrões
Acabei sendo quem marcou o e, como era muito flexível, salva-
limite dos homens, pois, depois va sempre a equipa.
de mim, vieram duas meninas, Depois das aulas, havia desa-
para a felicidade da família. fios de luta. Um amigo, Ibrahi-
Nasci no Hospital Miguel mo, também conhecido como
Bombarda, actual Hospital Cen- Mito, era muito desafiado e como
tral de Maputo. No entanto, a andávamos juntos, entregava-
nossa família residia próximo -me a sua pasta para eu segurar
do mercado de Xipamanine, no e ele lutava. E lutava quase todos
bairro de Chamanculo, que foi os dias. O interessante é que ga-
onde comecei a me conhecer nhou todas as lutas até sairmos
como pessoa. Devia ter uns cin- da Paiva Manso.
co ou seis anos de idade e a mi-
nha mãe ainda me dava banho Mas, Venerando nunca
numa pedra que havia no quin- lutou?
tal da casa. Como a minha irmã, Eu não gostava disso, mas
a quinta, tinha umas amigas que como tinha uma boa compleição
vinham brincar no quintal e en- física não me provocavam. Havia
tendi que já não era tão criança dois colegas temidos, vindos do
e não podia continuar tomar ba- Bairro da Mafalala, que eram o
nho à vista das amigas da minha Divino e o Pascoal. Num desses
irmã, disse à minha mãe que a dias estávamos juntos quando
partir daquele momento queria alguém, em jeito de provocação,
passar a tomar banho sozinho. pergunta: “Pascoal, és capaz de
Ela percebeu e assim aconteceu. derrotar o Fito?” Fiquei aflito.
13 l NAWU l Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022
Fiz parte de
uma equipa
de futebol que
surgiu espon-
taneamente
na Escola. De
tão anima-
dos em jogar
contra equi-
pas de outras
escolas, mui-
tas vezes em
pleno perío-
do lectivo,
começamos
a faltar algu-
sem outros. Como o Liceu Antó-
mas aulas. nio Enes ficava perto de casa, o
meu pai me inscreveu lá.
Por causa Nessa altura prestavam-se
exames de admissão para poder
disso, quan- ascender ao ensino preparatório.
Submetemos toda a documen-
do saíram as tação para o efeito. No entanto,
numa sexta-feira que antecedia
pautas do fi- a segunda-feira em que iriam
decorrer os exames, chamaram
nal do segun- o meu pai para informar que eu
não poderia realizar o exame
do período, para o Liceu, mas sim para o
ensino Técnico. Isso porque no
perdemos o tempo colonial as pessoas que
nascessem no primeiro semestre
ano por faltas tinham um tratamento diferen-
te dos que nasciam no segundo
(PPF). Chum- semestre. Acontecia também no
Serviço Militar. Quando me in-
bamos. formaram, chorei e o meu pai
tentou acalmar-me. O meu pai
pediu, então, para que a Esco-
la enviasse o meu processo para
uma qualquer escola técnica,
sendo que na Cidade só existiam
duas, a General José Machado,
que funcionava nas instalações
que são hoje ocupadas pela Uni-
versidade Pedagógica, e a Escola
Felizmente, os dois responde- Secundária Joaquim de Araújo,
ram em uníssono que “Não, o hoje Escola Secundária Estre-
Fito é dos nossos”, o que me dei- la Vermelha. Mas já não se foi a
xou aliviado. tempo. O meu pai, como homem
de paz e bom religioso que era,
Termina a 4ª classe e tem conformou-me para o ano se-
de ir para o ensino secundá- guinte.
rio. Para onde foi estudar? Fiquei, assim, um ano sem es-
Nessa altura, só existiam os Li- tudar. Tive, porém, explicação
ceus António Enes (actual Escola com o senhor Chuquela, pai da
Secundária Francisco Manyan- procuradora geral-adjunta Ama-
ga), Liceu Salazar (actual Escola bélia Chuquela, na altura nosso
Secundária Josina Machel) e o vizinho. De alguma forma, ele
Liceu Dona Ana, este último era fica ligado a mim porque quando
privado. Provavelmente existis- ingressei para o ensino superior,
encontrei-o como Chefe da Se-
cretaria da Faculdade de Direito
da Universidade Eduardo Mon-
dlane.
Para um adolescente que
ficou um ano sem estudar,
como foi a sua inserção no
ensino técnico?
No ano seguinte, fui realizar o
exame de admissão, já devia ser
1959. Na altura, faziam-se exa-
mes de Português, Geografia e
História e em todas as discipli-
nas saí-me muito bem e fui assim
admitido para a Escola Joaquim
Machado.
No primeiro ano, os primeiros
três meses correram bem. Fiz
parte de uma equipa de futebol
que surgiu espontaneamente na
Escola. De tão animados em jo-
gar contra equipas de outras es-
colas, muitas vezes em pleno pe-
ríodo lectivo, começamos a faltar
algumas aulas. Por causa disso,
quando saíram as pautas do final
do segundo período, perdemos o
ano por faltas (PPF). Chumba-
mos.
Coisa interessante é que depois
da pauta, o grupo sentou-se para
conversar sobre a atitude a to-
mar perante os nossos pais, isso
porque eles iam nos entregar di-
nheiro para pagar as propinas do
trimestre seguinte. Ficou acor-
dado que só devíamos dizer que
perdemos o ano no fim. Aí veio
outra questão: e o dinheiro que
nos iriam entregar? A maior par-
te defendia que iríamos usar para
lanchar, como temos jogos.
E o Venerando concordou
com isso?
CONVERSA
Em absoluto, não. Disse a eles
que não ia gastar esse dinheiro
com brincadeiras numa situação
em que já havia gasto o dinheiro
dos meus pais não indo a escola.
Perguntaram, então, como iria
fazer. Tentaram insistir e fui ir-
redutível, não aceitei. Quando
cheguei a casa confessei ao meu
pai que tinha perdido o ano. Ele,
como não tinha muita formação
e confiava em mim, aceitou e
disse “prontos, vamos ver próxi-
mo ano”. Se tivesse dito ao meu
irmão mais velho, aí é que seria
um problema. O curioso é que a
partir daí nunca mais fui matri-
culado. Parei de estudar.
Parou de estudar para fi-
car em casa?
Por conta disso, tenho um per-
curso em que a partir dos meus
10 ou 12 anos, não estudo nem
trabalho.
Por quanto tempo ficou
sem estudar?
É um percurso longo. Desde
essa altura, 10 ou 12 anos, até aos
18 anos.
O APRENDIZ DE BATE-CHAPA
Não estuda, só ficava em
casa?
Meu pai sugeriu que procuras-
se aprender algum ofício. Surgiu-
-me, por acaso, a mecânica. Fui
admitido na oficina do senhor
Chemane, cuja empresa era Ga-
ragem Chemane, como aprendiz
de bate-chapa. Já estava anima-
do e o mestre já me entregava al-
guns trabalhos para fazer quando
no fim de um dia, ao empurrar
aquelas botijas de gás, a corrente
que segurava a botija à carrinha
soltou-se e a garrafa rolou em
direcção ao chão. Com medo de
que quando caísse poderia ex-
plodir, tentei dominar com o pé
e ficou inchado. Fui acudido, mas
como todos estavam interessados
em sair, ninguém tomou conta de
mim. Tive que sair me arrastando
até que uma senhora me ajudou
a atravessar a estrada. Quando
cheguei a casa, o meu pai levou-
-me ao hospital. Nunca mais vol-
tei para lá porque considerei que
não foram humanos comigo.
O meu irmão mais velho falou
com o dono da Garagem Lisboa,
perto do hospital de Chaman-
culo, para me admitir na sua
oficina. Fiquei satisfeito porque
vendo o meu irmão, que era me-
cânico, pintor, desenhador, um
autêntico “faz tudo”, pensei que
fosse aprender a arte. Sucede que
o patrão, ao saber que eu tinha a
4ª classe, sabia ler e me expres-
sava bem, decidiu pôr-me a tra-
balhar na ferramentaria. Mas vi
que só ia beneficiá-lo e, no fundo,
não iria aprender nada, por isso
deixei. Já aos 14 anos, o nosso in-
quilino, porque no nosso quintal
tínhamos quartos que estavam a
ser arrendados para o aumento
da renda da família, trabalhava
na garagem SIMAL, arranjou-me
uma vaga como aprendiz de ba-
te-chapa, onde trabalhei por uns
quatro meses.
Uma coisa interessante é que
havia lá dois mestres, um bran-
co e um preto. O branco tinha
aprendizes brancos e o negro só
trabalhava com negros. Como é
óbvio, eu fui trabalhar com o ne-
CONVERSA
gro. Um dia deu-se um episódio,
em que o mestre branco resolve
colocar maçarico aceso virado
para um “chumaço”, que é uma
almofada de chapa que se coloca
por dentro quando se faz bate-
-chapa. Coloca aquilo a queimar
o ferro e desconfiei, mas pensei
que estivesse a fazer aquilo como
armadilha para o seu aprendiz.
No entanto, meia volta vira para
mim e diz: olha lá miúdo, entre-
ga-me esse “chumaço” aí. Eu en-
trei dentro da oficina e fui buscar
um desperdício e quando me vê
disse que não precisava daquilo
porque tinha que pegar directa-
mente com a mão. Eu respondi
que não podia porque estava
quente. Ao invés de me felicitar
porque estava atento, a brincar,
faz um gesto com a mão que,
vindo de um branco naquela al-
tura não gostei e o empurrei. Foi
quando o meu mestre veio em
socorro e pergunta o que estava
a acontecer. E começa uma dis-
cussão entre o mestre branco e o
preto e depois vieram os pinto-
res brancos e pretos a lutar entre
eles. Apareceu, então, por fim, o
patrão, que era italiano, e man-
dou parar tudo. Levou-me para
o seu escritório e explicou que
nós vivíamos um regime colonial
com diferença entre negros e
brancos, mas, ele, como italiano,
não tinha nada a ver, mas os ou-
tros iriam me fazer a vida negra.
Sugeriu que, como eu tinha a 4ª
classe ficasse mais resguardado
a aprender a escrituração. Eu
recordei-lhe que ali trabalhavam
as mulheres daqueles senhores
que a qualquer momento po-
deriam me maltratar. Foi então
que ele decidiu pagar-me alguns
salários, o que o fez através des-
se nosso vizinho que me havia
apresentado na empresa, para
entregar aos meus pais.
O DESPORTISTA
Qual foi o passo seguinte?
Devo dizer que desde que co-
mecei a sair à rua tive um amigo
muito próximo, que é o Frederico
Jane, já falecido, foi até jogador
e capitão do Desportivo e da se-
lecção nacional. Com ele jogava
futebol e éramos considerados os
melhores jogadores. Além disso,
acabamos criando uma socieda-
de para fazer cremeces, jogar a
roda e jogo de castanha. E quan-
do íamos assistir jogos, comprá-
vamos amendoim que a mãe do
Frederico torrava e íamos vender
nas bancadas dos campos. Quase
sempre, antes de iniciar o jogo já
tínhamos esgotado o estoque e fi-
cávamos a assistir o jogo. Nossa
amizade foi tão forte que quando
vimos que poderíamos nos sepa-
rar, decidimos que o primeiro a
casar iria ser padrinho do outro.
Daí que em 1977 casou-se o Fre-
derico e em 1978 casei-me e ele
foi meu padrinho.
Foi com ele que quando eu
tinha 13 e ele 15 anos entramos
nos infantis na escola de joga-
dores do Desportivo. Aos 16, o
Frederico entra para Juniores.
Quando chega a minha vez para
entrar nos Juniores, os outros
amigos, que eram Mito, Betinho
e Nascimento, resolveram ir para
o Benfica e me arrastam consigo.
Quando chegamos, treinamos.
Depois começaram a formar as
equipas. Tinham a equipa A, que
era aspirante a seniores e a equi-
Fiz parte de
pa B, que era dos mais novos. Eu
fui para a equipa B e logo indica-
uma equipa
do capitão. Apesar disso, estreei
pela equipa A, num jogo contra
de futebol que
o Atlético Mahometano, porque
havia interesse do clube que eu
surgiu espon-
fizesse parte.
Lembro-me que nesse jogo
taneamente
fiquei no banco porque o Benfi-
ca estava a ganhar 5-0. Quando
na Escola. De
faltavam 15 minutos para o fim,
mandam-me entrar e marquei o
tão anima-
sexto golo. A partir daí, mesmo
sendo da equipa B, sempre que
dos em jogar
um jogador da zona central da
equipa A estivesse lesionado ou
contra equi-
indisponível, eu ia jogar no seu
lugar e assim passei a titular.
pas de outras
E, nesse ano, fomos campões
pela equipa “B”, vice-campeões
escolas, mui-
pela equipa “A” e vices no torneio
de abertura. E na festa de encer-
tas vezes em
ramento fui destacado como úni-
co jogador do clube que recebeu
pleno período
três medalhas.
Quando chegou a minha vez de
lectivo.
jogar nos seniores tive uma épo-
ca para esquecer. Queria jogar no
Desportivo e até fui treinar nesse
emblema. O Desportivo solicitou
ao Benfica uma carta de “Deso-
briga” e este não deu. Deixou-
-me treinar e só quando faltavam
cinco jogos, não da equipa prin-
cipal, mas das reservas, é quando
Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022 l NAWU l 14
passaram a carta. Só participei
em cinco jogos, com a equipa
sempre incompleta e perdemos
todos os jogos.
E quando aparece o inte-
resse pelo pára-quedismo?
O pára-quedismo fazia parte
do Serviço Militar. Nessa altura,
quem quisesse fazer o Serviço Mi-
litar na Força Aérea e Marinha,
para ser especialista tinha que ter
o 2º ano do Liceu concluído, por-
que iam aprender sobre profis-
sões, e como eu tinha apenas 4ª
classe, optei pelo pára-quedismo.
Também porque a duração do
Serviço Militar era diferente. Para
o pára-quedismo e outras tropas
normais eram três anos e para
especialistas eram seis anos. Foi
assim que enquanto treinava no
Desportivo, fui me inscrever na
Força Aérea. Realizamos exames
médicos em Lourenço Marques e
fizemos testes físicos no Quartel
de Boane e fomos considerados
aptos 36 concorrentes de toda a
então província de Moçambique.
E como o Aeroporto de Lourenço
Marques, na altura, tinha uma ca-
pacidade inferior ao da Beira e o
avião da Força Aérea era de gran-
de envergadura fomos apanhar o
voo na Beira. Passamos de Luan-
da até Lisboa. Lá fomos submeti-
dos a exames psicotécnicos e de
mais de mil candidatos vindos da
Portugal e das colónias, só havia
120 vagas. Metade dos 36 candi-
datos que saíram de Moçambi-
que foi excluída e eu fiz parte dos
apurados. Foi por esta via que me
tornei pára-quedista militar e o
pára-quedismo desportivo foi à
posterior.
E assim terminou a sua
carreira futebolística?
Quando estávamos na Beira,
encontramos o Moniz, que era
do curso anterior de pára-que-
dismo, também de viagem a
Portugal e perguntou se alguém
do nosso grupo jogava futebol e
as pessoas apontaram a mim e ao
Simões.
Quando chegamos a TANCOS,
em Portugal, eu e o Simões fomos
treinar numa equipa chamada
Almerinho, numa quinta-feira e
no domingo fomos a testes e fica-
mos aprovados.
Ficou por lá a jogar?
Como os jogos eram aos do-
mingos, dava para jogar estando
no quartel. Então, só treinava
um pouco na sexta-feira. Antes
de jogar no clube, havia o hábito
de os colegas portugueses convi-
darem os colegas de África para
as suas casas. Havia locais de
Portugal que nunca tinham visto
um negro. Num final de semana
vou para Coimbra. Quando che-
gamos, me levaram para jogar
na equipa local. E durante o jogo
só ouvia gritarias, dizendo: “cui-
dado com o preto. Cuidado com
o preto”. E quando marquei um
golo, foi outra gritaria: “nós já
dissemos cuidado com o preto”.
No fim, aquela equipa pediu-me
para ficar, mas como já estava
comprometido respondi que não
seria possível.
Quando termina o curso
de pára-quedismo?
Nós terminamos o curso em
1973. E quando terminamos o
curso iniciaram as colocações.
A maioria foi transferida para o
Ultramar, especificamente para
Guiné-Bissau, Angola e Moçam-
bique e outros ficaram em Portu-
gal. Do grupo de moçambicanos,
três fomos escolhidos para fazer
parte de dez pára-quedistas que
frequentariam o curso de Do-
bragem de Pára-quedas. Um dos
moçambicanos, como era elec-
tricista, ficou no quartel porque
necessitavam dos seus serviços.
E nós dois fomos para o curso de
Dobragem de Pára-quedas.
No final dessa formação, os
dois primeiros classificados,
coincidentemente, eu e António
dos Santos, idos de Moçambi-
que, juntamente com o terceiro
e o quarto classificados fomos
submetidos a uma segunda for-
mação que era de manutenção
de pára-quedas. Uns colegas, de
Portugal, acercaram-se de nós
e pediram para trocar, dizendo
que eles pretendiam ficar em
Portugal mais perto das suas
famílias e que nós sendo de Mo-
çambique também ficaríamos
perto das nossas famílias, com
o que concordamos de imediato
uma vez que não faríamos parte
das companhias de combate.
(Continua)
15 l NAWU l Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022
Enchentes nos bancos:
um insulto aos direitos do
consumidor em Moçambique
Qualquer cidadão que por razões diversas tem de se dirigir ao balcão de uma qualquer instituição financeira
nacional a fim de tratar assuntos do seu interesse sabe que é melhor dar o dia por perdido. Se for no fim do
mês, há maior probabilidade de ver o propósito gorado.
A
enchente que vai en-
contrar no balcão do
seu interesse só é com-
parada ao descaso que o próprio
banco faz em atender. Quanto
mais longa for a bicha, menos
atendentes disponibiliza o bal-
cão para o referido atendimen-
to. Muitas vezes, vêem-se filas
infindáveis na lógica ‘depósitos’
e ‘atendimentos’ mas na orga-
nização interna do banco te-
mos duas, se calhar uma, ou até
momentos há que nem sequer
nenhuma caixa está disponível.
Caricato é olhar que o balcão
tem 6 ou 7 caixas, mas só está a
funcionar uma.
Fica a ideia de se estar a fazer
um favor ao cliente que, por fim,
vê a sua vez chegar. E ai dele se,
por ventura, não tiver todos os
documentos em dia e tiver que
retornar para completar. É o re-
novar do calvário.
Não há em Moçambique insti-
tuição privada que mais falta res-
peito aos direitos do consumidor
como os bancos comerciais.
O interesse destes é essencial-
mente realizar lucro, aplicando
comissões às transacções dos
seus clientes e cumprir, no que
for conveniente, as ordens e ins-
truções do Banco de Moçambi-
que, entanto que entidade regu-
ladora.
O cliente é só um meio para in-
cremento dos seus ganhos.
Segundo a Pesquisa sobre o
Sector Bancário, realizada pela
Associação Moçambicana de
Bancos e KPMG, nos anos 2018
e 2019, os bancos em Moçambi-
que atingiram lucros estimados
de 17.275 biliões de meticais.
Foram elementos determinan-
tes a redução global do nível de
imparidades na demonstração
de resultados, a estabilidade da
taxa de câmbios e a contenção de
custos e iniciativas de redução de
custos.
Numa altura que a economia
nacional, de modo geral, reflecte
negativamente o impacto da CO-
VID-19, é animador saber que a
generalidade dos bancos comer-
ciais tem conseguido contornar
a crise.
Se é verdade que os bancos
estão preocupados em aumentar
os rácios de solvabilidade, atin-
gir as metas e outras obrigações
financeiras, não vemos, destar-
te, quaisquer políticas ou regras
de dignificação dos seus activos
mais relevantes: os clientes.
Se, por um lado, há cada vez
mais investimento nos serviços
remotos, dispensando a ida ao
balcão, não vemos, para quem é
conservador e recorre ao atendi-
mento presencial, preocupação
do banco em proporcionar uma
experiência que seja assentada
na sua dignificação, entanto que
pessoa humana. Não se escru-
tinam políticas para regular o
tempo de espera máximo que um
cliente deve ter para atendimen-
to no caixa. Não há mecanismos
de protecção contra chuva, sol e
poeiras para quem está do lado
de fora; não há ofertas de água
ou outros acepipes para quem,
por longas horas de espera está
desidratado e, sobretudo, nada
é feito para tratar o cliente como
ser humano.
Muitas vezes os clientes dos
bancos tradicionais vêem-se
obrigados a usar os serviços atre-
lados às companhias de telefonia
móvel cujas taxas de transacção
não só são proibitivas, como dão
espaço para o cometimento de
burlas por indivíduos de má-fé.
De entre os direitos do consu-
midor, a Lei de Defesa do Consu-
midor em vigor, Lei n.º 22/2009,
de 28 de Setembro, consagra no
seu artigo 5, n.º 1, alínea f), o di-
reito à prevenção e à reparação
dos danos patrimoniais ou não
patrimoniais que resultem da
ofensa de interesses ou direitos
individuais homogéneos.
O Código de Conduta das Ins-
JUSTIÇA
tituições de Crédito e Socieda-
des Financeiras, aprovado pelo
Aviso n.º 2/GBM/2018, de 22 de
Março, prevê, no seu artigo 20, a
obrigatoriedade das instituições
financeiras criar condições espe-
ciais de atendimento prioritário a
clientes idosos, doentes, em esta-
do de gravidez, com crianças de
colo e pessoas portadoras de ne-
cessidades especiais.
Não há qualquer menção a
tratamento célere e humano aos
demais clientes nem, por conse-
guinte, qualquer sanção na seara
da fiscalização pelo Banco Cen-
tral.
Nos termos do artigo 496, n.º
1, do C. Civil, os danos não patri-
moniais que, pela sua gravidade,
mereçam a tutela do direito, são
objecto de ressarcimento. No
entendimento de Pires de Lima
e Antunes Varela, “a gravidade
do dano há-de medir-se por um
padrão objectivo (conquanto a
apreciação deva ter em linha de
conta as circunstâncias de cada
caso), e não à luz de factores sub-
jectivos...” (Código Civil Anota-
do, Vol. I, 4ª ed., 1987, p. 499).
Não há dúvidas que a desidrata-
ção, o desmaio, a perda de tempo,
a dor, a angústia, o descaso, entre
outros, são reveladores de dano
sofrido pelo consumidor, nas
vestes de cliente bancário. Nes-
te particular, vale citar Graham
Greene, apud. Gilberto Correia,
Da Responsabilidade Civil por
Danos não Patrimoniais no Or-
denamento Jurídico Moçambi-
cano, 2020, p. 32, quando alude
que “Ninguém sabe quanto pode
durar um segundo de sofrimento”
para uma pessoa.
Cabe ao interessado, queren-
do, singularmente, impetrar
uma acção de responsabilidade
contra a entidade faltosa. Por
outro lado, dentre as competên-
cias ao Ministério Público con-
feridas por lei, existem aquelas
cuja substância faz recair sobre
a responsabilidade de acautelar
a defesa e salvaguarda de inte-
resses de carácter público (meio
ambiente, saúde pública, direitos
dos consumidores e património
cultural), no sentido de inte-
ressarem a sociedade como um
todo, e os interesses colectivos
e difusos de forma geral são al-
guns de tais interesses, e de en-
tre aqueles os direitos do consu-
midor (artigo 4, alínea d) da Lei
Orgânica do Ministério Público,
aprovada pela Lei n.º 1/2022, de
12 de Janeiro).
Medidas especialmente pro-
tectoras do indivíduo só terão o
condão de influenciar positiva-
mente o cenário económico na-
cional, ao conferir ao país maio-
res probabilidades de concorrer
no mundo globalizado, oferecen-
do, outrossim, produtos e servi-
ços de qualidade que sirvam não
só pelo escopo utilitarista, mas,
fundamentalmente, pelo respei-
to às pessoas que deles benefi-
ciam. No fundo, é da afirmação
da dignidade da pessoa humana
que falamos, razão da existência
das instituições…
OPINIÃO
Plantando em
terreno infértil
Prof. Doutor Jorge Ferrão
Reitor da Universidade Pedagógica
S
e há uma discussão que marca o continente
Africano desde os anos 1960, período das inde-
pendências, é a questão das reformas do Estado
e das administrações. É nesse “pacote de re-
formas” que a questão da reforma dos serviços
Moçambique públicos colocou-se com muita acuidade, pois
é nestas reformas que se vislumbrava a solução para os pro-
empreendeu um blemas mais importantes dos países africanos, como o subde-
senvolvimento e o disfuncionamento quase generalizado das
conjunto de reformas administrações africanas.
legais e políticas cujo O fraco desempenho dos serviços públicos e a corrupção
fito era introduzir generalizada são questões que afectam os cidadãos, as empre-
sas, as próprias instituições e, em última análise, a prosperi-
um Estado de direito- dade do país. Este problema, que é constitutivo dos processos
de construção dos Estados Africanos, ganha a sua pertinência
democrático, onde estrutural a partir dos anos 1980, momento em que os as-
pectos inerentes à boa governação tornam-se o paradigma
a lei devia ser o de avaliação da performance do funcionamento dos Estados,
eixo essencial para não só em África, mas, também, nos países da América Lati-
na, Europa e do Sudoeste da Ásia. Ora, se o problema da ine-
a gestão da res ficiência, da corrupção e desgaste dos serviços públicos tocava
grande parte dos países dos eixos geográficos supra-citados,
publica. Porém, é no continente africano que este problema parecia mais gra-
mais de trinta anos ve. Para o caso de Moçambique, em particular, com a guerra
“civil”, a crise económica, crise do Estado dito “socialista”, a
de reformas com o situação era grave. Ou seja, a questão da reforma estrutural
do Estado não era apenas uma impulsão estratégica. Ela era
intuito de combater imperativa e disso dependia a sustentabilidade do projecto do
Estado nacional.
a corrupção, instalar
É nesse contexto que Moçambique inicia um conjunto de
a transparência na reformas económicas, políticas e constitucionais que visavam
gestão do Estado, renovar e resolver parte dos problemas substantivos por que
passava o país. Moçambique empreendeu um conjunto de
o que parece reformas legais e políticas cujo fito era introduzir um Estado
de direito-democrático, onde a lei devia ser o eixo essencial
prevalecer é um para a gestão da res publica. Porém, mais de trinta anos de
reformas com o intuito de combater a corrupção, instalar a
Estado que ainda transparência na gestão do Estado, o que parece prevalecer é
padece de muitos um Estado que ainda padece de muitos aspectos que desca-
racterizam um Estado de Direito e de respeito pelos princípios
aspectos que da boa governação.
descaracterizam um É por isso que reverter os actuais cenários carece de uma
resposta firme, criteriosa, apropriada e urgente, pois o funda-
Estado de Direito mento de todas as reformas pós-1990, era a criação de Estado
e de respeito pelos onde a corrupção não fosse, se tal for o caso, substantiva ao
modus operandi e faciendi dos que têm responsabilidades de
princípios da boa garantir a gestão criteriosa dos bens do Estado. Foi nesse sen-
tido que o PNUD concluiu, por meio de uma pesquisa efec-
governação. tuada em Moçambique, entre 1996 e 2002, que muitos aspec-
tos ligados à boa governação estavam ainda longe de serem
o “munus” do funcionamento do Estado e administração em
Moçambique. O estudo foi baseado em três inquéritos parale-
los, dirigidos às famílias, empresas e aos funcionários. Foram
inquiridas 2447 famílias, 486 empresas e 992 funcionários,
distribuídos por todo o território nacional. Os questionários
visavam recolher informação sobre a percepção dos cidadãos
Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022 l NAWU l 16
sobre os serviços públicos, as suas experiências e a avaliação
sobre o grau de honestidade desses serviços, assim como uma
avaliação mais geral sobre os problemas estruturais e conjun-
turais do país.
O questionário dedicava especial atenção à percepção do
público sobre o funcionamento das instituições públicas e o
ambiente de negócios. Ademais, este questionário dedicou-se
outrossim a analisar as instituições consideradas mais proble-
máticas e que prejudicaram um bom desempenho económico
e social de Moçambique. Foram, na circunstância, identifica-
das evidências de realidades e percepções distintas entre as
zonas rurais e urbanas. Por um lado, para os cidadãos que
viviam nas áreas rurais, que são a maioria, a prioridade era
dispor de bens essenciais e ter acesso aos serviços ̧públicos
essenciais; por outro lado, para os cidadãos das áreas urba-
nas, a questão da qualidade dos serviços e da corrupção as-
sumiam uma dimensão nuclear. Comparando as conclusões
do inquérito, três décadas depois, e seguindo os mais recentes
episódios da justiça e dos escândalos financeiros (o que uns
chamam de dividas “não declaradas” ou “ocultas”), trouxe de
volta à memória a história do livro “O ser e o nada” de Jean-
-Paul Sartre, prémio Nobel de literatura (recusado pelo filóso-
fo) em 1964, e apelidado como “o homem do século”, alguém
que permanece como uma das mais brilhantes mentes da his-
tória do pensamento e das ideias politico-filosóficas.
Este livro foi escrito durante a ocupação nazi a alguns países
da Europa, precisamente em 1943. Todavia, prevalece como
um dos textos fundamentais do século XX. O livro marcou,
como nenhum outro, uma epopeia que abraçou o desmoro-
namento de uma civilização e, ao mesmo tempo, a bíblia do
existencialismo, como o último grande sistema filosófico.
Este livro coloca no centro a transcedentalidade do Ego e do
individuo. Entre outras coisas, Sartre pretendia fazer do Ho-
mem fundamental sobre o qual se funda qualquer viabilidade
do projecto político e social. Para Jean-Paul Sartre, o sentido
das nossas vidas não é predeterminado nem por Deus nem
pela natureza e não há nenhuma essência que preceda à exis-
tência, “l’existence précède l’essence”: o que nos define não é
dado a priori, mas decorre das escolhas que fizermos. Primei-
ro existimos e só depois nos definimos.
Como país soberano e independente existimos desde 1975.
Depois, fizemos um esforço colossal e inquestionável para
nos definirmos como povo, como nação e como Estado. Mar-
xista-leninistas no começo, mas capitalistas no final. Entre o
período da proclamação da independência nacional, muitos
dos projectos de Unidade Nacional, agrícolas, desenvolvimen-
to social e até tecnológicos falharam ou colapsaram antes ou
durante a sua implementação. Faltou o essencial. Uma base
firme e segura de apoio social e consenso nacional, o que o
Cientista Político moçambicano, Luís de Brito, chamou de
“mal-entendido” entre as elites e as populações. Foram os
paradoxos de uma jovem nação erguida com consciência po-
pular, instituições incapazes e um sistema de governação que
subestimou o seu tempo e espaço, para além de ter subestima-
do a vontade popular em relação ao processo de construção de
Moçambique pós-colonial. Porém, teve-se sempre presente a
17 l NAWU l Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022
ambição de estruturar uma base alargada de benefícios sociais
e de políticas de welfare state, as bases sobre as quais tudo as-
sentou provaram não possuir alicerces e fundamentos robustos
e nenhuma aceitação social ampla, como mostram diversos tra-
balhos de pesquisa sobre a Primeira República.
Nos anos 1990, muitos países africanos experimentaram
uma vaga de transições (terceira onda de democratização) de
regimes autoritários, sem uma clara separação entre os pode-
res executivo, legislativo e judicial, para regimes democráticos.
Procuravam a sua redenção e um novo alinhamento politico-
-ideológico. Moçambique fez a sua adesão às instituições da
Bretton Wood (FMI e BM) em 1987, ao multipartidarismo com
a constituição de 1990 e realizou as suas primeiras eleições ge-
rais, presidenciais e legislativas. Decorria o ano de 1994 e o país
transitava de um regime de partido único para o multipartida-
rismo. Actualmente, e quando já se celebraram os 30 anos de
democracia, com cerca de seis (6) eleições gerais e cinco elei-
ções locais realizadas, Moçambique continua refém da neces-
sidade de instauração e consolidação da paz e da reconciliação
nacional. Continua essa transição entre definição e existência
de uma vontade geral de pacificação e reconciliação generaliza-
Há, contudo, um da de Moçambique.
consenso geral A democracia, que aos olhos do Ocidente e da filosofia politi-
ca liberal é entendida como modelo de governação respaldado
em Moçambique no bem-estar de todos, liberdades fundamentais, reforço das
de que não é só o instituições do Estado, separação e autonomização dos pode-
res, transparência, constitui uma limitação e vigilância recípro-
sector da justiça ca entre os diferentes tipos de poder. Porém, no nosso caso,
ainda que, lamentavelmente, esses valores acabaram corroídos
que é problemático. por anos de conflito militar e crises económicas com graves
Existem constatações consequências sociais, mormente, nas populações vulneráveis.
Na realidade, este modelo democrático liberal-ocidental não
de que ele não resultou nem de uma escolha autónoma dos cidadãos nacio-
nais, muito menos de uma evolução política e modelos bem
tem merecido a orquestrados à partir das dinâmicas próprias ao nosso con-
texto. Esta democracia foi imposta para resolver os conflitos
devida atenção por político-militares, crises económicas e financeiras, imposição
de ideologias e, sobretudo, consolidar a dominação do modelo
parte do governo económico capitalista e político liberal ocidentais.
no concernente Deste modo, a jovem democracia enferma ainda, como toda
a democracia, de problemas, por não ter ainda conseguido for-
às preocupações talecer as instituições criadas e menos ainda o próprio princípio
constitucionalmente consagrado da separação de poderes. Entre
e problemas outros problemas, elas padecem de credibilidade, integridade
e até de uma aprovação pública mais ampla. As instituições e
(independência muitas das políticas e programas de governação revelam fra-
financeira, eleição quezas estruturais profundas, quer em termos de transparência
dos processos decisionais, como pelo respeito pelas regras no
dos juízes pelos recrutamento e gestão do pessoal, e, ainda, pela excessiva cen-
tralização das decisões, que reduzem o campo de participação e
seus pares sem responsabilização dos funcionários e gestores na esfera pública.
Para além destes problemas, as instituições, em Moçambique,
interferência dos parecem caracterizar-se por uma cultura de opacidade estrutu-
poder executivo, mais ral, onde as regras básicas da boa governação parecem não ser o
critério fundamental para o seu funcionamento.
recursos materiais Existe uma percepção pública, e muitas pesquisas assim o
para melhor atestam, de que entre as instituições existentes em Moçambi-
que, aquela que demonstra menor credibilidade é o sector de
funcionamento, entre justiça, mesmo depois de trinta anos de diversas reformas com
outros aspectos). o objectivo de o reforçar. Por conseguinte, as áreas da polícia e
justiça (Ministério Público e Tribunais) oferecem uma imagem
muito degradada. A polícia e os tribunais destacam-se entre os
sectores com a pior qualidade de prestação de serviços, sobre-
tudo, porque para além das interferências de ordem política e
económicas nesses sectores, parece que a corrupção é um dos
seus elementos mais visíveis, como muitos casos mediáticos as-
sim o atestam. No caso dos tribunais, a falta de independência
do sistema judicial em relação ao poder executivo, juntam-se
ainda, na opinião dos inquiridos, outros problemas como a
corrupção generalizada, a morosidade, burocratismo exces-
sivo, complexidade dos procedimentos e a não aplicação das
decisões tomadas pelos tribunais. A forma como funciona o sis-
tema de justiça em Moçambique é o reflexo do sistema político
moçambicano que é carregado de muitos problemas ligados à
má-governação.
Há, contudo, um consenso geral em Moçambique de que não
é só o sector da justiça que é problemático. Existem consta-
tações de que ele não tem merecido a devida atenção por par-
OPINIÃO
te do governo no concernente às preocupações e problemas
(independência financeira, eleição dos juízes pelos seus pares
sem interferência dos poder executivo, mais recursos materiais
para melhor funcionamento, entre outros aspectos). Prevalece
o sentimento de que a corrupção tem aumentado nos últimos
anos, sendo hoje um problema endémico em todo o aparelho
do Estado. Para além disso, o problema mais destacado no
que diz respeito à denúncia de actos de corrupção, é a falta
de efectivação dos mecanismos de protecção dos que denun-
ciam ou julgam estes casos. Um outro problema generalizado
em Moçambique no combate à corrupção é que as instituições
públicas para isso vocacionadas têm um papel reduzido, algu-
mas normas legais não são suficientemente duras para não in-
centivar esse tipo de práticas. Os que se destacam na denúncia
de casos de corrupção são as organizações da Sociedade Civil e
os média.
O sector da justiça não pode, e nem deve, nesse sentido, ser
isolado de toda uma conjuntura politica, económica e social
moçambicana. As debilidades de que padece este sector, po-
dem igualmente ser encontradas, salvaguardadas as devidas
proporções, nos serviços de saúde, educação, comércio, trans-
portes e, paradoxalmente, até o ensino superior que deveria ser
um dos eixos morais da sociedade moçambicana. Este leque
tão abrangente faz-nos recordar a história do “Rei que vai nu”,
pois seus conselheiros nem conseguiram alertar. Faltou-lhes
perspicácia e clarividência para alertar estes graves problemas
de que sofre Moçambique. Assim, tem sido a nudez do nosso
sistema político e judicial. As mais recentes revelações do caso
das dívidas “ocultas ou odiosas” provam uma realidade ainda
bem mais sombria, de que é no cerne das principais institui-
ções do Estado onde a corrupção é mais profunda, grave e
extensa. Temos e vivemos numa espécie de Estado capturado
e criminalizado. Pode-se assumir que o Estado moçambicano
está na sua fase cleptocrática, pois o que se constata é que o
sistema governamental, público e judicial está não só infiltrado
por corruptos, mas também por criminosos, como vimos com
os recentes relatos de agentes do Sernic envolvidos em raptos
e tráfico de drogas, o que vem aniquilando a eficácia da ad-
ministração pública. Urge acrescentar que esta cleptocracia do
Estado tem se manifestado pela institucionalização da corrup-
ção, do nepotismo e do peculato, práticas delitivas que ficam,
muitas vezes, impunes. Na realidade, a corrupção deixou de
ser conduta desviante para se assumir como norma no próprio
Estado, com as instituições de inteligência e serviços secretos
muito vulneráveis e em escândalos de diversa ordem e condu-
tas criminosas, o que mostra que o Estado em Moçambique
está enfermado de um dos piores males que uma sociedade
pode ter: corrupção generalizada.
À luz dos resultados do inquérito supra citado, a par dos es-
forços de reforma do sector público em geral e da Justiça, em
particular, carecemos de várias prioridades. Consolidar o pro-
jecto da independência política e económica, enveredar pelo
caminho da emancipação e reerguer o Estado de Direito, a con-
solidação da nação que se quer soberana num mundo integra-
do sem uma população educada – nos dois sentidos do termo
– e sem instituições democráticas que funcionem, com pesos
e contrapesos. Em outros termos, diferentemente da época da
proclamação da Independência nacional, em que a maior parte
da população não era alfabetizada e se via excluída do exercí-
cio da cidadania, hoje necessitamos que todos estejam aptos a
participar da definição dos destinos do país em que vivem, sem
deixar ninguém para trás.
Por conseguinte, isso demanda o pleno cumprimento do que
se estabeleceu na nossa Constituição e nos diferentes planos de
desenvolvimento nacionais e até internacionais; “Garantir uma
educação inclusiva, equitativa e de qualidade para todos”. Ou
seja, assegurar não só o acesso à escola, mas também à apren-
dizagem. Se esta não for a primeira prioridade na estratégia
de combate sistemático à corrupção, então, estaremos plan-
tando em terreno infértil. A educação é a chave para formar
cidadãos que tenham valores contrários à corrupção em todos
os seus sentidos. Não existe natureza humana à qual tenhamos
irresistivelmente de obedecer, como diriam os defensores do
fatalismo: estamos condenados a ser livres e somos os únicos
responsáveis pelos nossos destinos e por tudo o que acontece
nas nossas vidas individuais e colectivas. Muitos são os avanços
feitos nas reformas do sistema judicial, porém fica ainda muito
por fazer, mormente, no capítulo da independência da actua-
ção de todo o sistema judicial e dos serviços conexos.
JUSTIÇA
A vacinação compulsória
contra a pandemia da COVID-19
Numa altura em que são manifestos os esforços do Governo de Moçambique em adquirir as vacinas contra a
COVID-19, para a imunização da população, é notória a hesitação vacinal e o impacto do movimento contra a
vacinação, ao ponto de alguns cidadãos se recusarem a ser vacinados.
Segundo a Organização Mun-
dial da Saúde, a hesitação va-
cinal é definida como o acto de
recusar ou atrasar, apesar de sua
disponibilidade, a administração
de vacinas preconizadas. A recu-
sa é fruto de dúvidas ou convic-
ções próprias quanto a seguran-
ça e eficácia da vacina.
Dessa forma, quanto mais
rápido o processo de estudo e
elaboração do novo imunizante,
maior seria a sensação de des-
crença da população. Somado a
isso, a aceleração da avaliação
e autorização da produção em
larga escala, contribuem para
gerar falta de confiança, uma vez
que é criada a falsa ideia de que
as vacinas foram submetidas a
quantidade de testes insuficien-
tes, num contexto de pandemia
mundial.
As informações precárias so-
bre a patogénese do vírus e da
doença, proveniente tanto dos
órgãos públicos quanto dos
profissionais de saúde, também
contribuem de maneira decisiva
para agravar a hesitação vacinal.
Por sua vez, o movimento con-
tra vacina, virado à dissemina-
ção de informações falsas sem
respaldo da ciência, questiona a
eficácia e a segurança do proces-
so de vacinação.
O movimento que antigamen-
te estava mais restrito a grupos
marginalizados, hoje se encon-
tra democraticamente em todos
os estratos sociais. Segundo um
estudo recente da BBC, o movi-
mento pode ser encontrado de
forma activa em 7 países, desig-
nadamente Brasil, México, Ín-
dia, Ucrânia, França, Tanzania e
Quénia.
É preocupante o paradoxo
criado entre a aceleração do pro-
cesso de criação e produção de
novas vacinas e a descrença da
população com a sua segurança
e ecfetividade num momento em
que todos se encontram expos-
tos a um vírus bastante letal.
Acontece que, diante dessa re-
cusa, o Estado não pode obrigar
os seus cidadãos a se submete-
rem a nenhum tratamento inva-
sivo contra seu desejo, incluindo
a vacinação. Não pode o Estado
instituir a vacinação forçada, sob
risco de incorrer em inconstitu-
cionalidade e ilegalidade pela
violação dos direitos e liberda-
des fundamentais dos cidadãos.
Luis Massingue, Juiz de Direito
Em 1904, o cidadão brasilei-
ro, Manoel Furtunato de Arau-
jo Costa, viu agentes sanitários
invadirem sua casa para proce-
derem à desinfecção por motivo
de febre amarela. Não foi apenas
Manoel quem recebeu a “visita”
dos agentes, mas inúmeros ci-
dadãos se revoltaram contra a
vacinação forçada. Na história, o
episódio ficou conhecido como a
Revolta da Vacina.
O caso de Manoel foi parar no
Supremo Tribunal Federal em
1905, por meio do recurso de
habeas corpus. Naquela oportu-
nidade, os ministros do Supremo
decidiram ser inconstitucional
a disposição regulamentar que
faculta à autoridade sanitária pe-
netrar, até com o auxílio da força
pública, em casa particular para
levar a efeito operações de expur-
go; a coacção de que tal acto possa
provir é manifestamente injusta
e, portanto, a iminência dela im-
porta ameaça de constrangimento
ilegal que legitima a concessão do
Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022 l NAWU l 18
habeas corpus preventivo.
Poderá, porém, em alternati-
va, o Estado instituir a vacinação
compulsória?
Enquanto na vacinação forçada
há violação da integridade física
da pessoa humana, inclusive, por
meio de violência pelo Estado, na
vacinação compulsória há restri-
ção ao exercício de determinadas
actividades ou à frequência de
determinados lugares.
No Brasil, o Tribunal Regional
de Trabalho de São Paulo decidiu
que uma empresa pode demitir
com justa causa um trabalhador
que se recuse a ser vacinado con-
tra a covid-19, a pretexto do inte-
resse pessoal não poder sobrepor
ao colectivo. Esta decisão surge
depois de uma auxiliar de limpeza
que prestava serviços num hospi-
tal municipal em São Caetano do
Sul, no Estado de São Paulo, se
ter recusado a tomar a vacina,
acabando por ser demitida.
Diferentemente, em Moçam-
bique não há lei nem jurispru-
dência que institui a vacinação
compulsória. Mesmo no rol das
medidas de prevenção e combate
à pandemia da COVID-19, que se
acham no Decreto nº 50/2021,
de 16 de Julho, inexiste a me-
dida que imponha a vacinação
compulsória nem que restrinja o
exercício de determinadas activi-
dades ou à frequência de deter-
minados lugares.
Igualmente, no sentido amplo,
não há restrição ao gozo ou exer-
cício dos direitos e liberdades
fundamentais pela recusa de va-
cinação contra a COVID-19.
A adopção da vacinação com-
pulsória, que também poderá
atentar contra os direitos e liber-
dades fundamentais, por restri-
ção ao exercício de determinadas
actividades ou à frequência de
determinados lugares, careceria
de uma prévia e profunda análise
e estudo.
A exigência do cartão vacinal
actualizado, para o exercício de
determinadas actividades ou o
acesso a determinados lugares,
seria uma das manifestações da
vacinação compulsória. Os cida-
dãos só teriam de exercitar certas
actividades ou frequentar certos
lugares mediante a exibição do
cartão vacinal.
No nosso solo pátrio, enquanto
não houver a reflexão ou debate
sobre a vacina compulsória, urge
que o Estado supere as barreiras
causadas pela hesitação vacinal e
pelo movimento contra a vacina.
O resgate da capacidade de
mobilização, pelos canais de co-
municação social e pelas cam-
panhas porta a porta, com a di-
vulgação da verdade e da ciência
sobre a vacina, incluindo a sua
eficácia, assim como a fiscaliza-
ção com mais rigor da dissemina-
ção de informações falsas, são os
primeiros passos para o sucesso
da vacinação contra a COVID-19.
19 l NAWU l Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022
O Juiz de Instrução Criminal na Ordem
Jurídico-Penal Moçambicana
A Constituição de Moçambique
determina que a autoridade judi-
cial é a única competente para de-
cidir sobre a validação e a manu-
tenção da prisão preventiva. Nesse
âmbito, foi criada a figura do Juiz
de Instrução a quem compete o
pronunciamento sobre as medidas
de coacção e outras que ponham
em causa os direitos e liberdades
dos cidadãos. Primitivamente
institucionalizada no direito pro-
cessual penal moçambicano pela
Lei nº 2/93, de 24 de Junho, ade-
quou-se ao regime instituído pela
Constituição de 1990 que outorga-
va com exclusividade ao juiz poder
de validar e manter prisão sem
culpa formada “para exercer fun-
ções jurisdicionais que devam ter
lugar no decurso da instrução pre-
paratória dos processos-crime”.
Nos termos da Constituição de
2004 e na sequência do Acórdão
n.º 4/CC/2013, de 17 de Setembro,
houve a reafirmação do princípio
da dignidade da pessoa humana
remetendo unicamente à autori-
dade judicial o poder de autorizar
a detenção fora de flagrante delito
e aplicar às medidas de coacção
devidas. Este Acórdão foi mesmo
considerado revolucionário em
Carina Soares, Advogada
África, na salvaguarda dos direi-
tos, liberdades e garantias funda-
mentais.
Com o Código de Proces-
so Penal, aprovado pela Lei n.º
25/2019, de 31 de Dezembro, a
figura do Juiz de Instrução teve
as suas competências estendidas,
passando a “exercer as funções ju-
risdicionais relativas à instrução,
dirigir a audiência preliminar e
decidir quanto a pronúncia”.
Precisamente, na fase da instru-
ção, a figura do Juiz de Instrução
é cada vez de maior salvaguarda
do interesse público, com vista à
prevenção da criminalidade e, não
obstante não ter poderes investiga-
tórios, limitando-se a controlar o
quadro legal da actividade do Mi-
nistério Público de modo a mitigar
a violação dos direitos individuais,
é vista como um actor intervencio-
nista e imparcial de modo garantir
a protecção dos direitos, liberda-
des e garantias fundamentais, em
todos os processos em que haja a
sua restrição.
Contudo, gera desafios ao Mi-
nistério Público num sentido de
dificuldade de interpretação do seu
papel na defesa da legalidade pois,
sendo o Juiz de Instrução a entida-
de a quem é sujeita o controlo da
legalidade dos actos de instrução
que possam directamente con-
tender com direitos e liberdades
constitucionalmente garantidos,
assume também uma função de
fiscalização judicial da decisão do
Ministério Público, podendo ser
visto aqui como um “Juiz das Li-
berdades”, como aquele que veri-
ficará se a legalidade das normas
foi e está a ser cumprida, de modo
a acautelar as restrições impostas
pela Constituição no que respeita
aos direitos e à presunção da ino-
cência.
Por outro lado, esta tendência do
poder de instrução estar centraliza-
do no Ministério Público mitiga a
posição do Juiz de Instrução, colo-
cando em causa os direitos funda-
mentais do arguido, tornando-se o
objecto do processo e não a causa.
No entanto, a situação judicial
vivida até ao momento é de grande
preocupação na gestão de proces-
sos mais complexos, que gera um
sentimento impotente do sistema e
da necessidade de legislação, con-
siderando os problemas organiza-
tivos e gestionários dos tribunais.
Na fase da audiência preliminar,
que é facultativa do processo co-
mum, a direcção pelo Juiz de Ins-
trução, o qual decide se o processo
será arquivado ou submetido a
julgamento, exercendo essas com-
petências sempre a pedido dos su-
jeitos processuais e numa posição
distanciada destes de modo a pre-
servar a independência e a impar-
cialidade, se dá a pré-judicialização
do processo.
Iniciando-se com o requerimen-
to para a abertura da audiência
preliminar no prazo de 8 dias (pelo
arguido ou pelo assistente) após a
notificação da acusação ou do des-
pacho de arquivamento, que pode
ser rejeitado, esta fase é constituí-
da pelos actos que o juiz entenda
desencadear, sendo apenas obri-
gatória a realização do debate pre-
liminar que será dirigido pelo Juiz
de Instrução, e no qual poderá par-
ticipar o Ministério Público, o ar-
JUSTIÇA
guido (e o seu advogado), visando
permitir uma discussão perante o
juiz, por forma oral e contraditória,
sobre se do decurso da instrução,
resultam indícios de facto e ele-
mentos de direitos suficientes para
justificar a submissão do arguido a
julgamento.
Esta fase findará com a elabora-
ção de uma decisão instrutória que
poderá corresponder a um despa-
cho de pronúncia (o juiz entende
que se verificam os pressupostos de
que depende a aplicação ao argui-
do de uma pena ou medida de se-
gurança, razão pela qual se justifica
submeter o arguido a julgamento)
ou um despacho de não pronúncia
(não se verificam os pressupostos
e, sendo assim, não se justifica sub-
meter o arguido a julgamento).
Destarte, na sua função de as-
segurar o respeito pelos direitos e
liberdades fundamentais susceptí-
veis de serem lesados na actividade
instrutória, a presença do Juiz de
Instrução na fase das diligências da
audiência preliminar, tem levanta-
do algumas questões no processo
penal moçambicano no que res-
peita à garantia dos direitos fun-
damentais (designadamente o di-
reito à liberdade), em alguns casos,
podendo entender-se estarmos
na presença de um julgamento
antecipado. Contudo, é de crucial
importância a intervenção desta
autoridade judiciária atendendo à
necessidade de controlar e evitar a
violação dos direitos fundamentais
dos suspeitos no início do procedi-
mento criminal. Tem, pois, muito
mérito a previsão legal instituída
que inibe do julgamento da causa,
o juiz que tenha intervindo na pro-
ferição do despacho de pronúncia.
É a afirmação máxima da garantia
da imparcialidade do juiz.

Governantes podem circular acima do limite

de velocidade em deslocações não oficiais?
Para quem circula nas nossas vias não deixa
de notar a prolixidade de governantes que cir-
culam com escoltas. Dir-se-á, em forma jocosa,
que há mais escoltas do que estradas para tan-
tos dirigentes.
Não é incomum verificarem-se acidentes de
viação devido à velocidade imprimida nas es-
coltas, com todos os danos em sede de vidas,
integridade física e património que se perdem.
A sinistralidade rodoviária, constituindo
uma das fontes de problemas de saúde pública
mais graves que enfrentamos em Moçambique,
vem na proporção directa do aumento acele-
rado do parque automóvel, características do
condutor do veículo, estado das vias, ambiente,
conservação do veículo, entre outros. Agrava o
quadro as escoltas a que muitos titulares fazem
juntar na via pública e a consequente inobser-
vância das regras e sinais de trânsito.
Tem se indagado se as escoltas, com tudo
que representam, ao circularem sem obser-
vância das regras de trânsito, nomeadamente
as dos limites de velocidade estão a cometer
algum tipo de contravenção.
Em relação à velocidade, em especial, en-
contramos na Secção III, artigos 29 e seguintes
do Código de Estrada (CE), a regra que obriga
todas as viaturas a não excederem os limites
impostos e as sanções associadas a quem não
respeitá-los.
Compulsando, porém, o artigo 15, n.º do CE,
resulta que “os condutores de veículos prioritá-
rios podem, se necessário, não observar as re-
gras e os sinais de trânsito,…”. Trata-se de uma
faculdade conferida a quem goza de prioridade
na circulação na via pública mercê de algumas
idiossincrasias.
Para não haver dúvidas, são classificados
como veículos prioritários os que transitam em
missão urgente de socorro e comitivas gover-
namentais, assinalando adequadamente a sua
marcha (artigo 15, n.º 3 do CE).
O artigo 65 do CE ao reger sobre “trânsito de
veículos em serviço de urgência” estatui que só
os veículos que “transitem em missão urgente
de socorro ou de polícia” (n.º 1) podem deixar
de observar as regras e os sinais de trânsito.
A mesma lei (artigo 65, n.º 3) proíbe, em
conformidade, a utilização dos sinais que
identificam a marcha como veículo prioritário
quando não transite em missão urgente.
O serviço urgente de interesse público é pre-
cisamente o que pode ser invocado, no caso
dos membros do Governo ou outros titulares,
para justificar o não cumprimento dos limites
de velocidade e inobservância de outras regras
e sinais de trânsito quando em escolta. Precisa-
mente, a natureza de funções governamentais
faz permitir a associação com o relevante servi-
ço de interesse público a atender.
Dúvidas residem, por outro, em justificar a
não observância das regras por escoltas quan-
do se trate de viagens de regresso para casa
ou destinadas a sítios de lazer ou, no geral, de
interesse privado do governante, estranho, no
imediato, ao serviço. É que, não provando o
governante o serviço urgente de interesse pú-
blico que o leve a deixar de observar as regras
de trânsito, estará o automobilista e, eventual-
mente, toda a escolta, a violar o previsto no n.º
4 do artigo 65 do CE.
Outrossim, não é aceitável que apenas o mo-
torista e os elementos da escolta assumam uni-
camente a responsabilidade porque quem tem
responsabilidade pela ilicitude não é só quem
vai conduzir, mas quem também pode deter-
minar a forma como essa condição é feita por
ter o domínio de facto. O governante, enquanto
superior hierárquico do motorista e de toda a
escolta, tem o dever legal de ordenar ou instruir
que circule dentro das regras de trânsito, obe-
decendo os limites da velocidade, a prioridade
de passagem e outras manobras de conformi-
dade com a lei.
OPINIÃO
Incidência de burnout nos
magistrados judiciais em
Moçambique
Sandra Fungulane Emílio
Juiza de Direito
INTRODUÇÃO
E
m Moçambique, não são conhecidos avalia-
ções e estudos sobre burnout, geralmente
traduzido por esgotamento profissional. No
O burnout foi entanto, há estudos internacionais com re-
sultados que revelam que os profissionais
considerado, durante de Justiça experienciam estresse, burnout,
depressão ou trauma secundário devido a diversos factores,
muitos anos, uma como o excesso de trabalho (quantidade elevada de processos
realidade exclusiva por tramitar), pressão de alcançar as metas de desempenho,
falta de recursos humanos ou mesmo preocupações relativas à
das profissões com sua segurança. No nosso país desconhece-se a extensão deste
problema.
maior envolvimento
Até hoje não é conhecido nenhum levantamento rigoroso
interpessoal (como e científico sobre como este fenómeno afecta os profissionais
as da área da de justiça, especialmente os magistrados judiciais, em Mo-
çambique. Como afirma Mauro Paulino, saber ao certo de
saúde). No entanto, que forma o contexto profissional e também a pandemia por
COVID-19 interfere com a saúde mental dos magistrados, é
hoje sabe-se que contribuir para a saúde dos profissionais da área e para uma
melhor, mais eficiente e célere administração da Justiça.
pode acontecer em
qualquer profissão, O burnout foi considerado, durante muitos anos, uma reali-
dade exclusiva das profissões com maior envolvimento inter-
estando associado, pessoal (como as da área da saúde). No entanto, hoje sabe-se
que pode acontecer em qualquer profissão, estando associado,
por exemplo, a por exemplo, a ambientes de grande competitividade, em que
as actividades atribuídas não são adequadas a cada indivíduo
ambientes de grande ou quando há sobrecarga de tarefas e/ou de horários.
competitividade, em O burnout inclui três características importantes, nomea-
que as actividades damente a exaustão emocional, a baixa realização pessoal no
trabalho e a despersonalização e é considerada uma questão
atribuídas não são de saúde pública.
adequadas a cada
CONCEITO DE BURNOUT
indivíduo ou quando O burnout é um conceito novo ou até estranho para muitos,
há sobrecarga de havendo por isso, necessidade da sua determinação para me-
lhor compreensão do que nos propomos abordar.
tarefas e/ou de A designada síndrome de burnout, provêm do inglês “to burn
horários. out”, qualquer coisa como “queimar por completo” e é também cha-
mada de síndrome do esgotamento profissional. Foi o psicanalista
alemão Freudenberger quem assim o designou, após constatá-la em
si mesmo, no início dos anos 1970.
De acordo com Trigo Scheleski e Adriane Fabrício, o termo
burnout significa “aquilo que deixou de funcionar por absolu-
ta falta de energia”. Ou seja, a Síndrome de Burnout caracte-
riza uma pessoa que chegou ao seu limite e se sente esgotada.
No entanto, há uma ligação da Síndrome que a desvincula da
depressão, do estresse rotineiro, da ansiedade. Para ser consi-
derada Síndrome de Burnout, necessariamente, toda esta es-
tafa física, mental e emocional tem de estar ligada ao trabalho.
Por isso se afirma que, há uma ligação da síndrome que a
Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022 l NAWU l 20
desvincula da depressão, do estresse rotineiro e da ansiedade.
Para ser considerada Síndrome de Burnout, necessariamente,
toda esta estafa física, mental e emocional tem de estar ligada
ao trabalho.
Assim, pode-se definir a síndrome de burnout como um
distúrbio psíquico de carácter depressivo, precedido de esgo-
tamento físico e mental intenso, definido por Herbert J. Freu-
denberger como “(…) um estado de esgotamento físico e men-
tal cuja causa está intimamente ligada à vida profissional”.
O burnout ou síndrome do Esgotamento Profissional é um
distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, es-
tresse e esgotamento físico resultante de situações de traba-
lho desgastante, que demandam muita competitividade ou
responsabilidade.
A principal causa da doença é justamente o excesso de tra-
balho. Esta síndrome é comum em profissionais que actuam
diariamente sob pressão e com responsabilidades constantes,
incluindo os magistrados judiciais. O burnout está intima-
mente ligado com o desejo de ser o melhor e sempre demons-
trar alto grau de desempenho.
Nos últimos tempos, o trabalho foi ficando mais profissio-
nalizado, burocrático e isolado. A combinação destas caracte-
rísticas ocasionou a alta das expectativas e maior número de
frustrações. A isso se aliam, também, determinadas caracte-
rísticas pessoais favorecedoras para se estabelecer a Síndrome
de Burnout. Situações que envolvam esforço excessivo, curtos
intervalos e desejo de ser e fazer o melhor entre seus colegas
de trabalho também auxiliam para o aparecimento de sinto-
mas.
INCIDÊNCIA DO BURNOUT NOS MAGISTRADOS JUDICIAIS
Segundo Lipp e Tanganelli, os mecanismos de acção do es-
tresse no funcionamento humano têm recebido a atenção de
pesquisadores em nível internacional que identificaram con-
sequências negativas no funcionamento físico e no mental, na
medida em que o estresse pode contribuir para a ontogénese
de várias doenças físicas e psiquiátricas. Há também indicação
de que um estado prolongado de estresse possa interferir com
o bem-estar psicológico e a qualidade de vida das pessoas. E
os magistrados judicias não estão isentos desse estresse.
O Burnout é a resposta prolongada ao estresse crónico no
trabalho. Verifica-se que magistrados judiciais são susceptí-
veis a desenvolver tal síndrome, pois quotidianamente lidam
com intensas emoções, cargas excessivas de trabalho e situa-
ções estressantes.
No entanto, as pesquisas sobre os efeitos negativos do es-
tresse no que se refere à profissão, têm incidido sobre diversas
profissionais como miliares, executivos, psicólogos, pessoal
do sistema se saúde, funcionários bancários, atletas, entre
outros.
Contudo, são poucos os estudos sobre a incidência e os efei-
21 l NAWU l Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022
tos do estresse e burnout entre os
funcionários do sistema de admi-
nistração da justiça, em particu-
lar dos magistrados judiciais. Os
poucos existentes se referem a
realidade norte americana, sen-
do de mencionar as conclusões
de Showalter e Martell (1985)
que estudaram características
da personalidade de juízes, Zi-
mmerman (1981) que analisou
o conflito enfrentado pelos juí-
zes gerado pelo que seria o ideal
num caso e a realidade da esfera
legal e Eells e Showalter (1994)
que analisaram o nível de es-
tresse em juízes de tribunal e seu
impacto na habilidade de tomar
decisões judiciais.
Em Moçambique, como referi-
do, não são conhecidos quaisquer
estudos sobre a incidência e as
consequências do burnout entre
os magistrados judiciais.
Como argumentam Lipp e
Tanganelli, a actividade judican-
te encontra-se entre as mais con-
ceituadas e respeitadas univer-
salmente, mas ao mesmo tempo,
ela envolve uma responsabili-
dade de grande monta pelo seu
impacto na sociedade no geral
e uma solidão pronunciada que
envolve o acto de julgar.
A estes factores, acrescentam-
-se uma carga grande de pro-
cessos a serem julgados e o peso
emocional do julgamento, além
das expectativas da comunidade
quanto a um comportamento e
um viver absolutamente exem-
plar por parte das pessoas que a
exercem.
O próprio acto de julgar já foi
identificado como um factor de
grande impacto. No que se refere
à sobrecarga dos processos, veri-
fica-se que quando os processos
a serem julgados se acumulam,
surge uma sensação de falta de
controle, desalento e angústia
mesmo nos mais competentes e
dedicados dos juízes.
As investigações internacio-
nais que fizemos menção já de-
monstraram que os profissionais
de justiça sofrem estresse, bur-
nout, depressão ou trauma se-
cundário em função de múltiplos
factores como, a título de exem-
plo, o facto de deterem números
elevados de processos, a falta de
recursos ou até mesmo preocu-
pações relativas à sua segurança.
Em Moçambique, também
não podemos, nem devemos pas-
sar ao lado do tema, não fossem
os tribunais, à luz da Constitui-
ção, os órgãos de soberania com
competência para administrar a
Justiça em nome do povo.
As principais fontes de bur-
nout nos magistrados são a so-
brecarga de processos, as exigên-
cias do acto de julgar, os conflitos
entre valores profissionais e pes-
soais e determinadas caracterís-
ticas de personalidade.
A carreira de juiz é especial-
mente difícil, por exigir muitos
sacrifícios de ordem pessoal e
uma clareza das limitações im-
postas. Por outro lado, o juiz não
se mantém indiferente e imper-
turbável diante dos múltiplos
problemas e situações que se lhe
apresentam. O juiz, no seu papel
de intérprete e administrador de
justiça, deve ter a permanente
preocupação de bem aferir as de-
sigualdades sociais, o que pode
gerar um considerável nível de
estresse.
Mauro Paulino afirma então
que o burnout na magistratura
terá impacto na capacidade de
tomada de decisão dos juízes,
dados os sintomas que acarre-
ta, inclusive no declínio de fun-
ções cognitivas como a atenção
e a memória, levando inevitavel-
mente à deterioração da qualida-
de da administração da Justiça.
CONCLUSÃO
Do exposto, resulta incon-
testável que os juízes, tal e qual
outras que demandam exigência
física, psíquica ou intelectual,
desempenham uma profissão
estressante.
Apesar de não conhecida, a
percentagem de juízes com sin-
tomas significativos de estresse,
em Moçambique, é muito alta.
A qualidade de vida dos juízes
pode ser muito prejudicada em
vários aspectos, principalmente
nas áreas da saúde e afectiva. Os
níveis de qualidade nestas duas
áreas podem estar correlaciona-
dos com o nível alto de estresse
que os juízes experimentam.
A fonte de estresse e burnout é
o número excessivo de processos
a julgar, a falta de segurança dos
magistrados e as exigências da
sociedade (em particular da co-
municação social) na actividade
dos juízes. Contribui, também, o
sedentarismo e a falta de prática
de exercício físico.
Uma vez que não existem es-
tudos sobre os níveis de estresse
e de burnout entre os magistra-
dos judiciais, não existem, por
conseguinte, quaisquer formas
de tratamento apuradas para
aliviar estes profissionais. Ainda
assim, uma das estratégias para
o efeito seria justamente a busca
de uma terapia especializada que
lhes garantisse melhores formas
de lidar com o problema. Acções
preventivas de carácter mais
amplo devem ser especialmente
identificadas para os juízes, uma
vez que as condições estressan-
tes inerentes ao seu cargo segu-
ramente sejam agravadas com as
condições sociais às quais estão
sujeitas no seu dia-a-dia.
OPINIÃO
Advogado-
delator,
não!
Gilberto Correia
Advogado
U
ma das traves mestras da advocacia foi des-
de sempre e deve ser para o sempre segredo
profissional.
Ainda que autorizado pela Ordem para o
quebrar; no meu entender, em circunstância
alguma, o Advogado deve aparecer publica-
mente como um mero delator do seu constituinte ou dos seus
antigos constituintes. Pode quebrar o sigilo para explicar fac-
O Advogado tos que contribuem para a defesa da sua dignidade, direitos e
interesses legítimos; mas não divulgar deliberadamente factos
tem a função de que tomou conhecimento no exercício profissional e que saiba
defesa do cliente. contribuírem para condenar o seu constituinte.
O dever de segredo profissional é perpétuo, não tem fim, só
Não a qualquer sendo possível de ser afastado legalmente em casos excepcio-
nalmente apertados definidos na lei, mas em meu entender
custo, mas nos nunca para permitir que o Advogado delate o seu constituinte.
O delator não deve ser Advogado, pois coloca em causa de
termos definidos forma grave a confiança que a sociedade tem no Advogado. A
pela lei. Porém, principal razão pela qual um cidadão procura um Advogado
para tratar dos seus assuntos e lhe conta tudo - mesmo aqui-
quando se trata lo que não contaria aos seus pais, filhos, esposo ou esposa,
melhor amigo - é precisamente porque sabe que o que estará
de revelar factos fortemente protegido pelo sigilo profissional e que o Advoga-
do tem prerrogativas constitucionais e legais para conservar
sigilosos que teve a confidencialidade do que tomou conhecimento no exercício
conhecimento profissional acima de qualquer pressão.
Sem o segredo profissional é impossível estabelecer a rela-
no exercício da ção entre de confiança entre Advogado e constituinte.
Num Estado de Direito não é- e nem pode ser - através do
profissão para Advogado que se recolhe prova para o constituinte ser acusa-
do e condenado. Não será por ser constituído declarante ou
produzir prova até réu que o Advogado se deve sentir motivado ou coagido a
para condenar delatar o seu constituinte. O sistema de administração da jus-
tiça tem outros meios e poderes legais para obter prova para a
o constituinte, condenação do réu, nunca através da delação do seu advogado.
Talvez já não me surpreenderia muito se um dia um tribunal
o Advogado moçambicano notificasse um padre para vir delatar o que o
crente lhe confidenciou, com interesse para os autos, no con-
tem o direito ao fessionário da igreja.
O advogado delator para além de um paradoxo funcional,
silêncio e o dever é uma aberração do próprio sistema de administração da jus-
de se calar. tiça. O sistema não deveria permitir, mas sobretudo o verda-
deiro Advogado nunca se deveria permitir, desempenhar tal
papel execrável para a confiança na profissão e nos respectivos
profissionais.
O Advogado tem a função de defesa do cliente. Não a qual-
quer custo, mas nos termos definidos pela lei. Porém, quando
se trata de revelar factos sigilosos que teve conhecimento no
exercício da profissão para produzir prova para condenar o
constituinte, o Advogado tem o direito ao silêncio e o dever
de se calar.
Alias, é para garantia da absoluta confidencialidade do que
o que o Advogado toma conhecimento através do cliente que
o artigo 79, n.º 5 do Estatuto da Ordem determina que ”Não
fazem prova em juízo as declarações feitas pelo advogado em
violação do segredo profissional”.
Ou se é Advogado ou se é delator (sendo ambos papéis im-
portantes para a boa administração da justiça), mas Advoga-
do-delator nunca!
QUOTIDIANO DOS TRIBUNAIS
Justiça no feminino
O Jornal NAWU entrevistou a Mestre Elysa Vieira, docente universitária e uma das mais brilhantes crimi-
nalistas de Moçambique. Nos últimos 20 anos formou a actual geração de juízes, procuradores, advogados,
oficiais de justiça, técnicos de investigação criminal, entre outros profissionais de Direito. Terminou o man-
dato como Directora-Adjunta para Pós-Graduação e é regente de Direito Criminal na Faculdade de Direito
da Universidade Eduardo Mondlane, para além de jurista no Conselho Constitucional.
F
ale-nos de Elysa Viei-
ra.
Penso que a caracte-
rística mais marcante em mim
são as minhas inúmeras raízes.
Sou guineense de sangue e alma,
senegalesa de nascença e afini-
dades, portuguesa de educação
e vivências e moçambicana de
gema e coração. Vim para tra-
balhar. Mas hoje faço parte da
moçambicanidade. Aos 8 anos,
saí de Bissau para estudar num
Colégio interno em Portugal.
Apesar da distância geográfica
ser encurtada pelas visitas, car-
tas, telefonemas e pelas férias es-
colares, que eram momentos de
reencontro, as saudades sempre
me fizeram companhia. E talvez
por isso aprendi a ser autónoma
mas também a valorizar imen-
samente a minha família que,
na minha óptica, é uma família
rica em experiências únicas de
vida. Sou uma pessoa reservada,
mas menos séria do que aparen-
to. Confesso que sou impaciente,
tenho essa falha de “feitio”. Em
tudo, oriento a minha vida por
princípios e valores (e não por
convicções). Profissionalmente,
sou jurista e docente universitá-
ria. Formei-me na Faculdade de
Direito da Universidade de Lis-
boa. No início da minha carreira
fui advogada, inscrita no Conse-
lho Distrital de Lisboa e aí traba-
lhei 4 anos no escritório “Carlos
de Sousa Brito & Associados”.
A mudança de carreira foi de-
terminada pela deslocação para
Moçambique onde, por conta da
nacionalidade, não pude exercer
a advocacia por falta de acordo de
reciprocidade.
É uma mulher na Justiça.
Conte-nos como foi a esco-
lha para a área?
Não me recordo de ter pensa-
do em ser engenheira, psicóloga,
cientista espacial ou qualquer
outra coisa. Por isso diria que as
nossas aparentes escolhas são
reflexo das nossas circunstâncias
e personalidade. Mas devo dar
mérito ao meu avô materno, Nhu
(Sr.) Olímpio Medina da Silva.
Ele era enfermeiro mas, acima de
tudo, um contador de histórias.
Tenho memória de, no final dos
dias, sentarmo-nos no quintal de
casa para ouvi-lo. Entre muitas
histórias, ele costumava relatar,
quase ipsis verbis, as alegações
orais de advogados. Penso que
ele deveria assistir a sessões de
julgamento tomando notas. As
suas histórias davam muita ên-
fase ao papel do advogado de
defesa e reproduzia as frases e
os argumentos que registara ou
memorizara. Palavras muito so-
fisticadas, como seria próprio dos
causídicos portugueses na época
dele. Considero que a minha es-
colha profissional foi a advoca-
cia. A mudança para a carreira
docente acabou coincidindo com
a profissão da minha mãe, que
foi Professora. A minha caligrafia
é parecida com a da minha mãe
porque ela me segurava na mão
para escrever.
Como diria que foi a inte-
gração na carreira, sendo
mulher? Os desafios e as be-
nesses?
A minha integração foi boa.
Na docência, em Novembro de
2000, tive a dificuldade inerente
à discrepância entre o que havia
estudado em Portugal e o que
era suposto ensinar em Moçam-
bique. Desde logo, a legislação
quase totalmente desconhecida.
O juiz João Carlos Trindade e o
Dr. António Balate tiveram muita
paciência para me ajudar a “ac-
tualizar”. Por isso, incluo entre
as benesses os meus mentores e
amigos. Tanto quanto me recor-
do, a condição de mulher nunca
constituiu entrave para a minha
integração em qualquer activida-
de. Não sofri discriminação (pen-
so) mas tenho registo de atitudes
reveladoras de um preconceito
(inconsciente) de que certas tare-
fas são, por definição, atribuíveis
a mulheres. Lembro de um co-
lega, advogado, que, em mais de
uma ocasião, no final de reuniões
que não convocou nem presidiu,
orientou a mim e às outras cole-
gas para elaborarmos a síntese
e enviar-lhe (risos). No geral, a
condição feminina não me fa-
voreceu nem prejudicou porque
não tenho os desafios que outras
mulheres têm, como é o caso da
necessidade de conciliar o traba-
lho com a maternidade.
Era capaz de trocar a do-
cência pela advocacia?
Vejo a advocacia como acti-
vidade indispensável para a ad-
ministração da justiça. Na sua
função social, o advogado detém
capacidade de postular em juízo,
defende os interesses das par-
tes em juízo e fora dele e presta
assessoria e consultoria. É um
meio, por excelência, para a pa-
cificação social. A docência, por
seu turno, permite formar os que
serão melhores advogados e con-
tribui para o aperfeiçoamento do
sistema legal e de justiça. Creio
que podemos impactar mais a
vida das pessoas através da do-
cência.
É mulher, mãe, filha, espo-
sa e profissional. Como con-
cilia tudo?
Não tenho os desafios que ad-
vêm, nomeadamente, do tempo
de qualidade que deve ser dis-
pendido com os pais, filhos e par-
ceiros. A vida familiar é gerida à
distância. Mas, o que se ganha
em disponibilidade de tempo
perde-se em tranquilidade ou
paz de espírito porque vivo com
“o coração nas mãos”. Um tele-
fonema de insistência pode le-
var-me a pensar o pior. E tenho
a tendência de pensar que estão a
camuflar a verdade para me pou-
par. Esses medos atrapalham o
trabalho, a concentração e a per-
formance.
O que a inspirou, inspira
ou motiva?
Inspira-me e motiva-me a ab-
Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022 l NAWU l 22
negação e o altruísmo. A maioria
de nós age no intuito de alguma
forma de reconhecimento social
ou ganho material ou financeiro.
E embora isso tenha o seu mérito
e a sua justiça, a mim inspiram
pessoas com ambição mas não
pessoas ambiciosas. Ambiciosas
são pessoas que plantam para
colher aplausos. Em contraparti-
da, ter ambição é ter a saudável
aspiração de fazer algo que pro-
duza impacto na vida dos demais.
Pessoas assim, têm a minha ad-
miração.
Sendo mulher de referên-
cia, diga-nos outra que seja,
para si, uma referência.
O que significa ser “mulher de
referência”? Ou melhor, como
me enquadraram nesta categoria
(risos)? Quando recebi o convite
para participar nesta iniciati-
va encarei-o como um gesto de
amizade por parte do Dr. Carlos
Mondlane. Mas, respondendo
à sua questão e assumindo que
“ser de referência” significa ser
alguém que serve de exemplo
para os outros seguirem, eu diria
que sinto-me confortável trilhan-
do o meu próprio caminho. Não
obstante, indicaria a Sra. Graça
Machel, a Doutora Ana Comoane
e a Prof. Doutora Lúcia Ribeiro.
Estas mulheres, entre outras,
têm percursos dignos de registo.
Mas, a mulher por quem tenho a
mais profunda admiração é a mi-
nha irmã mais nova, Rosa Maria
Vieira.
Como passa os seus tem-
pos livres?
Há alguns anos, quando tinha
mais energia, fazia aulas de ténis
no Tunduru e mais tarde no Indy
Village. O meu pai jogava quase
diariamente e eu aprendi a gos-
tar. Desde sempre sou aficionada
pelo bom cinema e, sempre que
a oportunidade se coloca, vejo
filmes. De vez em quando, jogo
xadrez online. A leitura também
preenche os meus tempos livres.
Para além de livros de Direito,
tenho fascínio por obras atem-
porais de autores como Gabriel
Garcia Marques, F. Scott Fitz-
gerald, Marguerite Duras, Milan
Kundera, Mia Couto, entre ou-
tros. Infelizmente, virei sedentá-
ria porque não me exercito.
Conselho para mulheres
moçambicanas
As mulheres são representan-
tes uma das outras. O conselho
que daria é de que precisamos
ter sempre presente que temos
a potencialidade de elevar as ou-
tras mulheres. Por isso, devemos
manter o foco e estar conscientes
do efeito das nossas actuações
sobre as demais. A ideia de re-
presentatividade do género não
é bem acolhida em todos os qua-
drantes. Por isso, quando uma
mulher está numa posição, com
mais ou menos destaque, como
é o caso das mulheres que são
titulares de órgãos de relevância
a nível nacional, deve agir como
se fosse mandatária ou Embai-
xadora de todas. Também como
forma de não dar razão aos ne-
gacionistas da competência das
mulheres. O outro conselho é
o de que as mulheres precisam
intervir mais em termos de par-
ticipação em eventos científicos!
A representatividade das mulhe-
res nem sempre foi a desejável.
Tenho registo de já ter acompa-
nhado eventos científicos em que
apenas uma mulher constava
como oradora, facto que já acon-
teceu comigo. Actualmente, as
mulheres vão ocupando, por di-
reito, certos espaços, mas outras
ainda são muito “recatadas”. É
preciso ousar!
23 l NAWU l Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022
Justiça no feminino
Definitivamente, a juventude tomou de assalto os tribunais. A ideia outrora vigente de que a carreira da ju-
dicatura só podia ser exercida por quem fosse homem, velho e com ar sacerdotal vai sendo afastada e no seu
lugar assomam, também, pessoas do sexo feminino, com ar moderno, atraentes e espargindo toda a sensibil-
idade da condição de mulher, sem colocar em causa o profissionalismo expectável para o judiciário.
O preconceito em se ser julga-
do por uma mulher ou a facili-
dade de aceitação da sua coloca-
ção em áreas tradicionais como
família e menores parece, cada
vez mais, fazer parte do passado.
Temos, hoje, juízas nas secções
criminais, civis, laborais e outras
de especialidade, sem quaisquer
laivos de diferenciação com os
homens. É interessante notar
que, no ordenamento jurídico
nacional, 40,6% dos juízes são do
sexo feminino.
A corporizar este conceito,
o Jornal NAWU entrevistou
Edleusa Merry, jovem juíza de
27 anos de idade, da categoria de
iniciação na magistratura e que
se notabilizou por ter sido a me-
lhor formanda no XIX Curso de
Ingresso nas Carreiras da Magis-
tratura Judicial e do Ministério
Público.
Fale-nos da Edleusa Merry
É uma jovem mulher de 27 anos
de idade, natural de Nampula, filha
única de mãe natural de Maputo e
de pai proveniente da Zambézia.
Começou a estudar na década de
90, precisamente no ano de 1999.
É licenciada em Direito e mestre
em Direito Civil pela Universidade
Católica de Moçambique. Iniciou a
sua carreira como técnica jurídica
estagiária no Instituto do Patrocí-
nio e Assistência Jurídica (IPAJ)
em 2016 e, posteriormente, como
advogada devidamente inscrita na
Ordem dos Advogados de Moçam-
bique (OAM).
É uma mulher na justiça.
Conte-nos como foi a esco-
lha da área.
Tenho uma forte paixão pela
leitura, facto que ditou a escolha
do grupo a seguir na 11ª classe, o
grupo A (Letras). Sucede, porém,
que no ano de 2011, enquanto
frequentava a 12ª classe, acom-
panhei uma palestra dirigida por
magistrados judiciais e do Minis-
tério Público na qual explicavam
aos presentes as funções levadas
a cabo por um e outro profissio-
nal no âmbito da administração
da justiça. Foi a partir desse mo-
mento que passei a interessar-me
mais pelo Direito e seus cultores,
deixando, assim, para trás o so-
nho de cursar relações interna-
cionais e diplomacia.
Como diria que foi (está a
ser) a integração na carrei-
QUOTIDIANO DOS TRIBUNAIS
ra, sendo mulher? Os desa- não é apenas uma decisão, é algo
fios que encontrou, quer em mais.
termos de dificuldades e das
benesses. Sendo mulher de referên-
A integração na carreira está cia, diga-nos outra que seja
sendo muito boa, mas é fruto de para ti uma referência.
muita entrega e dedicação, mo- Tenho a minha mãe como a
tivada pela responsabilidade que primeira mulher de referência,
a profissão exige. Tenho com- quer enquanto profissional no
preendido cada vez mais que para geral, quer enquanto exemplo de
além de função, ser juíza é uma mãe e educadora. E em termos
forma de ser e estar na família e de profissionais de Direito tenho
na sociedade. É uma grande hon- as formadoras Elisa Samuel e
ra fazer parte desta grande classe Sílvia Comissário como mulhe-
de profissionais com os quais te- res de referência.
nho aprendido muito.
Tive dificuldades financeiras
durante a formação, mas com
ajuda de pessoas próximas con-
segui ultrapassar. Para integra-
ção na carreira não encontrei
dificuldades.
Quanto as benesses, dizer que
sou feliz pelo facto de ter sido a
única mulher que compôs o gru-
po dos três melhores classifica-
dos no XIX Curso de Formação
Inicial para Ingresso nas Carrei-
ras da Magistratura Judicial e do
Ministério Público, ocupando a
segunda posição e, enquanto juí-
za da 4ª Secção Cível do Tribunal
Judicial da Cidade de Tete, sou
mais feliz ainda, porquanto o di-
reito civil e processual civil é área
que mais gosto e na qual mais me
dedico.
É mulher, mãe, filha, esposa e
profissional. Como concilia
tudo?
Feliz ou infelizmente, sou, por
ora, apenas mulher, filha e profis-
sional. Portanto, não encontro di-
ficuldades em conciliar estes três
papéis. Como mulher, sonho em
ser mãe e esposa, um dia, quem
sabe.
O que a inspira ou inspi-
rou e motiva?
Tive a oportunidade e o privilé- Um conselho para
gio de conviver com um profissio- outras mulheres mo-
nal da área que, pelas qualidades çambicanas.
pessoais e profissionais, motiva- Que, numa sociedade
ram-me a seguir a carreira. democrática como a nos-
No passado acompanhei alguns sa, tudo é possível. Ou
casos de injustiça. Saber que faço seja, que nunca deixem de
parte do grupo de pessoas que dia sonhar e lutar de forma a
e noite pensam como solucionar tornar o sonho real.
casos, isso me motiva bastante. Acreditar em si, nos
Essa vontade de querer ajudar seus potenciais, isso fará
para o bem comum. com que às mulheres che-
Procurar forças para defender guem longe. Além de que,
a verdade para que às pessoas ter Deus/Allah, é a melhor
continuem a confiar na justiça. coisa para alcançarmos
Aliás, sabemos que uma sentença tudo que desejamos.
INTERNACIONAL
A confusão sobre o papel dos
tribunais no combate à corrupção
Um facto muitas
vezes não passa
de um azar, uma
distracção, um erro
técnico. Quando
assim é, corrige-
se facilmente. No
entanto, a sua
repetição implica
outra classificação:
um facto
sistematicamente
repetido torna-se
uma norma.
Texto: Rui Verde e Rafael Marques
O
ra, há um facto prove-
niente dos juristas que
apoiam o presidente da
República que se está a transfor-
mar numa norma. Esse facto re-
petido é a confusão permanente
sobre o papel e o estatuto dos tri-
bunais num Estado de direito. Pa-
rece que para os juristas da Presi-
dência, os tribunais são mais um
órgão do poder executivo, funcio-
nando como um braço integrado
de uma majestática estrutura
unificada. De facto, assim é na
China. Nesse país, as Comissões
de Assuntos Políticos e Jurídicos
do Partido Comunista coordenam
e têm controlo directo sobre todo
o sistema judiciário. Em 2017,
Zhou Qiang, presidente do Supre-
mo Tribunal Popular da China,
explicitou o conceito e o papel
dos tribunais de forma muito ex-
pressiva: “[Os tribunais da China]
devem resistir firmemente à ideia
ocidental de ‘democracia consti-
tucional’, da ‘separação de pode-
res’ e da ‘independência judicial’.
Essas são noções ocidentais er-
róneas que ameaçam a liderança
do Partido Comunista no poder
e difamam o caminho socialista
chinês no império da lei. Temos
de levantar a nossa bandeira e
mostrar a nossa espada para lu-
tar contra esses pensamentos.
Não devemos cair na armadilha
dos pensamentos ocidentais e da
independência judicial. Devemos
permanecer firmes no caminho
do socialismo chinês em relação
ao Estado de direito.”
Não é esta a visão adoptada
pela Constituição angolana de
2010, que no seu artigo 2.º con-
sagra o Estado democrático de
direito de estilo ocidental, e no
seu artigo 175.º estabelece que os
tribunais, no exercício da função
jurisdicional, são independentes e
imparciais, estando apenas sujei-
tos à Constituição e à lei. Ambas
as formulações seguem as tradi-
ções do direito ocidental a que
se referia Zhou Qhiang, e não as
sino-marxistas. Já se sabe que o
doutrinador clássico da separação
de poderes ocidental é Montes-
quieu, que no seu famoso livro Es-
pírito das Leis escreveu: “Não há
liberdade se o poder judicial não
for separado do legislativo e do
executivo. Se o poder judicial se
juntasse ao legislativo, a vida e a
liberdade do súbdito estariam ex-
postas ao controlo arbitrário; pois
o juiz seria então o legislador. Se
ingressasse no poder executivo,
o juiz poderia comportar-se com
violência e opressão.”
É fundamental repetir os prin-
cípios acerca da separação de po-
deres e a sua justificação face a
determinadas regras menos pen-
sadas e confusas que têm saído da
assessoria legal da Presidência.
A primeira proposta descabida
– entretanto já corrigida – con-
sistia naquilo que se previa na
revisão constitucional acerca do
poder judicial, criando-se um
poder representado por um ór-
gão administrativo, o Conselho
Superior da Magistratura Judi-
cial, com uma estrutura soberana
muito duvidosa que o fazia pare-
cer um Exército, e não um corpo
independente de adjudicação.
Felizmente, muito sensatamente,
os deputados dos vários partidos
na Assembleia Nacional percebe-
ram o erro e, com o apoio da larga
maioria, rapidamente deixaram
cair essa parte estapafúrdia da
revisão constitucional. Aqui tive-
mos um belo exemplo do poder
legislativo a funcionar e a ouvir a
sociedade civil.
Entretanto, surgiu outro ab-
surdo. O Decreto Presidencial n.º
69/21, de 16 de Março, que apro-
va o Regime de comparticipação
atribuída aos Órgãos de Admi-
nistração da Justiça pelos activos,
financeiros e não financeiros, por
si recuperados.
A ideia subjacente é positiva.
Trata-se de entregar aos órgãos de
justiça alguns dos bens obtidos no
combate à corrupção, criando um
estímulo para actuação efectiva e
eficiente na recuperação de acti-
vos, e em parte inspira-se vaga-
mente no que se passa em Portugal
com o Decreto-Lei n.º 11/2007, de
19 de Janeiro, que define o regime
jurídico da avaliação, utilização
e alienação de bens apreendidos
pelos órgãos de polícia criminal.
Esse Decreto-Lei permite, no seu
artigo 2.º, que os bens apreendi-
dos pelos órgãos de polícia crimi-
nal, no âmbito de processos-crime
e contra-ordenacionais, que ve-
nham a ser declarados perdidos
a favor do Estado, sejam afectos
a esses órgãos quando possuam
interesse criminalístico, histórico,
documental ou museológico, ou
caso se trate de armas, munições,
veículos, aeronaves, embarcações,
equipamentos de telecomunica-
ções e de informática ou outros
bens fungíveis com interesse para
o exercício das respectivas com-
Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022 l NAWU l 24
petências legais. Ademais, o n.º 2
do mesmo artigo permite que os
mesmos bens possam ser utiliza-
dos provisoriamente pelos órgãos
de polícia criminal em determi-
nadas condições expressamente
previstas.
Consequentemente, pode acon-
tecer que um Inspector da Polí-
cia Judiciária (PJ) apreenda um
belo Ferrari vermelho e depois o
conduza em operações da PJ. No
entanto, a lei portuguesa men-
cionada é clara em atribuir estas
possibilidades apenas aos órgãos
de polícia criminal, os quais, para
guiarem o tal Ferrari, têm de pas-
sar pelo crivo do Ministério Públi-
co, de um juiz ou de ambos. Face
a esta lei, se um juiz vir o Ferrari
e quiser passar a conduzi-lo não
tem a prerrogativa de o apreender
e passar a sentir diariamente o
ronronar do seu motor.
No entanto, não é isto que acon-
tece como o Despacho Presiden-
cial angolano acima mencionado.
De acordo com artigo 1.º, n.º 2 os
órgãos de justiça a que se aplica o
regime de uso dos bens recupera-
dos são a Procuradoria-Geral da
República (PGR) e os Tribunais.
E no artigo 3.º determina-se que
quer a PGR quer os Tribunais re-
ceberão 10% do valor líquido de
cada activo recuperado. O Des-
pacho levanta algumas dúvidas
interpretativas sobre a operacio-
nalização desta medida, as quais
não vamos, por agora, discutir.
O conteúdo do Despacho Presi-
dencial n.º 69/21 de 16 de Março,
em termos simples, é o seguinte:
a PGR e os Tribunais dividirão
entre si 10% do valor de todos
os activos recuperados. Como se
referiu acima, não repugna que a
PGR, que tem como função e ob-
jectivo recuperar activos e lutar
contra a corrupção, beneficie dos
seus sucessos. Contudo, não pode
ser a PGR a decidir quando ven-
ce e fica com os bens. Tem de ser
uma entidade independente: os
Tribunais. E o problema começa
aqui: ao ser atribuída uma parte
de 10% aos Tribunais, estes pas-
sam a ter um interesse directo na
recuperação de activos, pelo que
deixam automaticamente de ser
independentes e imparciais. O
juiz sabe que, se condenar e de-
clarar o Ferrari perdido a favor do
Estado, há uma hipótese de be-
neficiar disso. Esta possibilidade
viola totalmente a função sobe-
rana de administração da justiça,
porque cria um incentivo para a
condenação e perda de bens a fa-
vor do Estado. Isto é uma confu-
são e um erro.
O juiz não é um lutador contra a
corrupção, não é um recuperador
de bens. É o fiel da balança que
decide o direito e o justo, defen-
de em simultâneo o acusador e
o acusado, o Estado e o arguido.
Que arguido acreditará na justiça
se sabe que quem o está a julgar
pode beneficiar da sua condena-
ção? É por esta razão que a ex-
tensão deste Despacho aos juízes
é um grave atentado ao Estado
de direito e à independência dos
juízes. A visão funcionalista que
predomina na assessoria legal do
presidente em relação aos Tribu-
nais tem de acabar. Há aqui um
erro que se repete…
Makangola
25 l NAWU l Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022 INTERNACIONAL

União Europeia processa

Governo da Polónia por
interferência no Judiciário
A União Europeia acaba de demandar o governo polaco por alegada interferência no judiciário por conta
de um conjunto de reformas em curso naquele país prevendo o controlo político aos juízes sob pretexto de
combate à corrupção no seio da magistratura. A União Europeia classifica a atitude adoptada pelo Governo
da Polónia, quanto ao novo regime disciplinar contra juízes, como sendo desrespeitoso ao Estado de Direito.

“Abrimos, formalmente, um cesso contra Polónia por com-

processo contra o governo pola-
co. As autoridades polacas adop-
taram uma nova lei, em 2017, que
entre outras coisas estabelece um
novo regime disciplinar para juí-
zes, prevendo que, juntamente
com a restante reforma judiciá-
ria, sejam sujeitos a um controlo
político, nomeadamente por uma
Câmara Disciplinar de Justiça es-
tranha à magistratura”, elucida
o Vice-Presidente da Comissão,
Frans Temmermans, citado pela
agência Lusa.
De resto, a interferência de
poderes estranhos ao judiciário
representa um grave empecilho
ameaçando enfraquecer e colocar
em causa os valores da indepen-
dência e imparcialidade no exer-
cício da judicatura com corolário
no respeito pelo Estado de Direi-
to. O problema é bem antigo e
ao que tudo indica está longe do
fim. O tema atravessa fronteiras
e diferentes quadrantes do mun-
do. A recente acusação da União
Europeia contra a Polónia é ape-
nas uma gota no oceano naquilo
que é a tendência dos governos
mundiais na sua relação com o
judiciário.
“O governo da Polónia está a
comprometer a imparcialidade
do judiciário, o Estado de Direito
e os valores do bloco”, justifica a
União Europeia, deixando crista-
lino o ambiente de animosidade
e tensão instalado na relação en-
tre as partes desde que a Comis-
são Europeia decidiu no último
trimestre do ano transacto san-
cionar o regime da Polónia com
pesadas multas para o obrigar a
recuar na sua posição de escrutí-
nio aos juízes. O regime polaco já
tinha tomado uma posição clara
no sentido de sancionar os juízes
que se posicionassem formal-
mente em relação ao novo regime
disciplinar.
O final ano 2021 foi a altura
em que se atingiu o cume da ten-
são ao fechar com notícias pouco
simpáticas em matéria de rela-
ções entre as duas partes quanto
à interpretação do conjunto de
reformas em curso na Polónia em
contraposição com os princípios
da independência e imparciali-
dade no judiciário, depois que se
tornou destaque na imprensa in-
ternacional que a União Europeia
abriu processo contra a Polónia
alegadamente por comprometer
a imparcialidade do judiciário
polaco, incluindo os valores do
bloco. Lembre-se que o referido
processo tem como mote uma sé-
rie de reformas que o governo de
Varsóvia tem vindo a levar a cabo
sob pretexto de acabar com a cor-
rupção no seio de juízes.
Vários órgãos de expressão re-
levante no panorama mundial
fizeram notar que a União Euro-
peia desencadeou o expediente
contra a Polónia por comprome-
ter a independência e a impar-
cialidade do judiciário, de resto
pilares para a garantia do Estado
de Direito e democrático, bem
como para o estabelecimento da
confiança na justiça e na tutela de
direitos pelo Estado, em qualquer
sociedade civilizada ou comuni-
dade.
“A União Europeia abre pro-
prometimento da imparcialidade
do judiciário”, titulou a CNN um
dos expoentes da imprensa inter-
nacional clarificando que a Co-
missão Europeia abriu um pro-
cedimento de infracção contra a
polónia por comprometimento
do poder judiciário polonês, de-
pois que o Tribunal Constitu-
cional da Varsóvia questionou
a supremacia da lei europeia e a
autoridade do poder do tribunal
de justiça europeia.
“Consideramos que esta ju-
risprudência viola os princípios
gerais da autonomia, primazia,
eficácia e aplicação uniforme de
Mateusz Morawiecki
direito da união, e as decisões Primeiro-ministro polaco
vinculantes do Tribunal de Justi-
ça da União Europeia”, declarou
o comissário europeu para a eco-
nomia, Paolo Gentilone, citado A iniciativa da Comissão Eu-
pela RFI, para quem “a justiça ropeia mostra que o desenvol-
polaca sofre pressão do governo vimento do centralismo bu-
nacionalista conservador e já não rocrático de Bruxelas avança,
cumpre os requisitos de um tri- lamentavelmente, e é preciso pôr
bunal independente e imparcial fim nisso, reagiu imediatamente
estabelecido por lei, conforme o primeiro-ministro polaco, Ma-
exigido pelo Tratado da União teusz Morawiecki asseverando
Europeia”. que é um Tribunal Constitucional,
Paolo Gentilone também con- aquele que se ocupa da Constitui-
sidera que o Tribunal Constitu- ção, com o objectivo de que esta
cional já não responde às exigên- seja, verdadeiramente, a lei supre-
cias de um tribunal independente ma da República da Polónia.
e imparcial estabelecido pela lei, “Se a Comissão Europeia enten-
tal como exige o tratado europeu, de mal o princípio dos poderes
daí que, “o executivo europeu que conferidos pelo artigo 5º do Tra-
monitora os tratados do bloco, tado da União Europeia, é eviden-
enviou uma comunicação para o temente um problema”, lamentou
governo da Polónia se pronunciar o primeiro-ministro para, por fim,
no prazo de dois meses” garantiu defender que o Tribunal Consti-
para depois assegurar a comissão tucional da Polónia respondeu a
irá prosseguir até às últimas con- todas as exigências de indepen-
sequências. dência.

Relações entre a UE e a Polónia

As relações entre a União Europeia e a Polónia são
presentemente de tensão tudo por causa de uma sé-
rie de reformas judiciais promovidas pelo governo
polonês, e que estão a ser alvo de duras críticas por
consideradas “polémicas”. Bruxelas entende que as
medidas entram em choque com as liberdades demo-
cráticas enquanto para a polónia são necessárias para
acabar com a corrupção dos juízes.
Em Outubro do ano passado [2021], a União Eu-
ropeia sancionou a polónia com uma multa de 1 mi-
lhão de euros por dia caso continuasse a desobedecer
a ordem de suspensão da câmara disciplinar. Sobre a
medida, o Primeiro-Ministro da Polónia reagiu ime-
diatamente afirmando alto e bom som que a União
Europeia interpretara mal os poderes concedidos pelo
artigo 5º do tratado da União Europeia, naquilo que
pode ser entendido como sendo uma queixa da Poló-
nia no sentido que a União Europeia está-se a imiscuir
em assuntos internos. Mas a União Europeia enten-
de ser oportuno activar o mecanismo com medidas
preventivas quando haja receio de grave violação dos
valores da comunidade, incluindo sanções no caso de
violação grave e persiste dos mesmos valores comuni-
tários. Nawu
INTERNACIONAL
Juízes apoderam-se de casa
de antigos governantes
ANGOLA - A nova lei que permite os juízes e procuradores
angolanos de ficaram com 10% dos bens e património
aprendidos pelo Serviço de Recuperação de Activos da
Procuradoria-Geral da República (PGR), está a dar azo a
cerradas disputas no seio de magistrados para apropriar-se de
residências confiscadas a antigos membros do regime.
Em meios da magistratura cor-
re que um juiz de garantia terá se
apoderado de uma residência no
município do Talatona que as au-
toridades confiscaram ao antigo
ministro da comunicação social,
Manuel António Rabelais.
Ainda no Talatona, um outro
Juiz de comarca, Isidro Gourgel,
que trabalha no gabinete do Pre-
sidente do Tribunal Supremo,
apoderou-se há cerca de dois
mês de uma casa pertencente ao
antigo Director-Geral do INEA,
Joaquim Sebastião, no condo-
mínio Vila Mar. A casa encon-
trava-se lacrada e sob guarda do
Cofre Nacional de Justiça (CNJ).
Durante os três anos de ausên-
cia do verdadeiro proprietário, a
casa foi acumulando dívidas por
falta de pagamento das tarifas de
condomínio.
Durante as últimas semanas,
os moradores do condomínio
notaram que o imóvel estava
ocupado decidindo cortar a água
até que os proprietários regulari-
zassem a situação. O ocupante,
neste caso o Juiz Isidro Gourgel
dirigiu se a uma esquadra da po-
lícia para dar queixa que lhe foi
cortada a água. Por sua vez, os
Em meios da magistratura
corre que um juiz de garantia
terá se apoderado de uma
residência no município do
Talatona que as autoridades
confiscaram ao antigo
ministro da comunicação
social, Manuel António
Rabelais.
moradores denunciaram ao Co-
fre Nacional de Justiça e a PGR
que o imóvel havia sido ocupado
por um intruso, registrando um
caso que resultou no despejo do
juiz. A casa foi desocupada e se-
gundo apurações terão colocado
guardas para evitar que outros
juízes voltem a ocupar.
Segundo apurou o Club-K, um
outro Juiz do Tribunal Supre-
mo, Daniel Modesto Geraldes,
apoderou-se de uma outra casa
no mesmo condómino Vila Mar,
também pertencente a Joaquim
Sebastião.
Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022 l NAWU l 26
“Querem o Lula
Presidente” Bolsonaro
insurge-se contra juízes
do Supremo
O Presidente da República Fe-
derativa do Brasil, Jair Messias
Bolsonaro, acusou, semana pas-
sada, dois juízes do Supremo Tri-
bunal Federal (STF) de tomarem
partido nas eleições deste ano e
quererem Lula Presidente.
Os juízes Luís Roberto Barroso
e Alexandre de Moraes estão na
mira de Bolsonaro em virtude de
defenderem a regulação das re-
des sociais como meio de evitar a
propagação de notícias falsas na
campanha eleitoral que se avizi- rito que investiga o financiamen-
nha. to e organização de actos contra
Para Bolsonaro, essas medidas as instituições e a democracia.
propostas pelos dois magistrados Disse aos seus apoiantes, “Dizer
servem unicamente para limi- a vocês, que qualquer decisão do
tar as liberdades individuais, no senhor Alexandre de Morares,
caso, a liberdade de expressão esse presidente não mais cumpri-
e as liberdades democráticas e rá. A paciência do nosso povo já
quem assim age “são os defenso-
res de Lula porque querem Lula
se esgotou, ele tem tempo ainda
de pedir o seu boné e ir cuidar
Presidente”, disse, citado pelo
jornal Público.
da sua vida. Ele, para nós, não
existe mais. Ou esse ministro se
Recorde-se que em Setembro
de 2021, Bolsonaro havia atacado
enquadra ou ele pede para sair.
Sai, Alexandre de Moraes. Deixa
Luís Roberto Barroso, igualmen- de ser canalha. Deixa de oprimir
te Presidente do Tribunal Supe-
rior Eleitoral a quem chamou de
o povo brasileiro, deixe de censu-
rar o seu povo”.
“imbecil” por se negar à volta,
hoje, pelo Brasil de um sistema
A Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB) endereçou
de voto impresso, o que, a seu
ver, constitui retrocesso.
uma nota de repúdio ao Palácio
do Planalto, lembrando, entre
“Não tenho medo de eleições. outros, que pela Constituição
Entrego a faixa para quem ga- ninguém pode se furtar ao cum-
nhar, mas somente no voto au- primento das decisões judiciais e
ditável e confiável”, disse Bol- que “o direito brasileiro não com-
sonaro, citado pelo Público, porta discursos autoritários”.
acrescentando que “O que está “Um juiz não pode ser coagido
em jogo é o nosso futuro e a nossa por ameaças à sua vida, integri-
vida. Não pode um homem que- dade e liberdade pelo simples
rer sozinho decidir o futuro do facto de tomar decisões no cur-
Brasil na fraude. Um cara destes so de processos judiciais. E será
tinha que estar em casa”. por nós protegido no seu exercí-
Pronunciou-se, também, em cio funcional”, afirma a nota da
particular sobre Alexandre de AMB, assinada pela respectiva
Moraes, responsável pelo inqué- presidente, Renata Gil.
27 l NAWU l Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022
O futuro
É seguro que a família judiciária em Moçambique está a passar por uma mudança de gerações. A celebração
da memória do nosso sistema de administração da justiça constitui um acto com imenso significado simbóli-
co, mas também com a densidade da substância de um encontro com a História.
T
udo começou quando
após a proclamação da
Independência Nacional,
em 1975, a Directiva do III Con-
gresso da Frelimo sobre a Justiça,
destacou a necessidade de “des-
truição da estrutura judicial exis-
tente, como parte da destruição
do aparelho colonial-capitalista”.
Pretendia-se construir um siste-
ma judicial popular que se inspi-
rasse nas experiências do povo,
sobretudo as vividas nas zonas
libertadas, uma vez que elas mos-
travam que a legislação colonial
e capitalista era profundamente
incompatível com as tradições,
modo de vida e características da
sociedade moçambicana e do seu
povo. Foi neste sentido que, após
um debate nacional, nasceu a lei
da organização judiciária, aprova-
Caio Raposo, 24 anos, estudante finalista do Curso de Direito na
Faculdade de Direito da Universidade Eduardo e Presidente do Núcleo
dos Estudantes de Direito.
O que o levou a escolher a
formação em Direito?
Diversas foram as razões que
me levaram a optar pelo curso de
Direito, de entre elas, o conheci-
mento das leis e a defesa da justi-
ça. O curso de Direito, em si, pos-
sibilita o melhor entendimento
sobre a sociedade, desde peque-
no, sempre quis contribuir para
a melhoria da sociedade e nunca
tive dúvidas que a minha contri-
buição seria maior conhecendo
as regras que orientam esta mes-
ma sociedade e o curso simboliza
a chave mestra para o efeito.
Como qualquer outro cur-
so há desafios a enfrentar
durante a formação acadé-
mica, quais os principais de-
safios que um estudante de
Direito enfrenta?
O curso de Direito em si, dada
a sua nobreza, tem particulari-
dades que se demarcam das difi-
culdades gerais de todo o curso,
destacam-se por isso, três prin-
cipais desafios que nos últimos
anos passei a chamá-los de “je-
juns jurídicos”, que são: “A Fra-
seologia jurídica e a Oratória” –
traços constantes na construção
de frases com cunho jurídico e a
habilidade de falar em público;
“a escassez de alguma biblio-
grafia”, pois, ainda que seja no-
da pela Lei n. 12/78, de 2 de De-
zembro.
Um problema que o país, de
modo geral, enfrentava e a área
da justiça não escapava tinha a ver
com o êxodo de técnicos e quadros
portugueses, a quem lhes tinha
sido reservada a administração e
gestão da administração pública
e outros serviços. Em consequên-
cia desse êxodo, o Estado passou
a enfrentar grandes desafios a sua
frente, nomeadamente a falta de
quadros para as áreas económicas
e sociais, acrescidas da sabotagem
económica e a ameaça externa à
segurança nacional iniciado pelo
regime de Ian Smith e continuado
pelo Apartheid.
O Estado definira a necessidade
de formação rápida de quadros
para todos os sectores da vida so-
tório o esforço das bibliotecas
nacionais em adquirir obras,
ainda existem áreas do curso
que ainda se ressentem da falta
de livros; “a predominância de
trajes formais – tenho dito que
o Direito não é apenas um curso,
mas um estilo de vida, dai a sua
larga distinção com as outras
áreas de estudo. Os que já vêm
com esse estilo de vida se encai-
xam rapidamente e os que es-
tão habituados aos “looks” mais
despojados durante a sua rotina
precisam se adaptar. Perseguir
estes desafios, demanda tempo
e foco, o que leva à solidão. Ve-
nho dizendo que não se estuda
com sucesso o curso de Direito
na multidão, dai o termo jejum
jurídico empregado acima.
As agremiações académi-
cas conseguem colmatar al-
guns destes desafios? De que
forma?
Em parte sim, uma vez que as
agremiações académicas são, em
grande medida, lugares de inte-
racção e intercomunicação, o que
ajuda os estudantes a perderem o
medo e isso contribui na oratória.
De igual modo, são, ao mesmo
tempo, lugares de busca de solu-
ção dos diversos desafios que esta
camada busca ultrapassar, o que
insere o estudante num ambiente
JUSTIÇA NO FUTURO
cial e económica, como forma de
assegurar a normalização da vida
em todo o país. Para o Presidente
Samora Machel, no seu discurso
de 8 de Março de 1977, “o proble-
ma da falta de quadros surgiu
desde o início da luta armada e
só foi ultrapassado utilizando
soluções populares”. Foi assim
que alunos que deveriam prosse-
guir com os seus estudos na 10 e
11 classes receberam tarefas em
diversos sectores de actividades.
Muitos jovens abandonaram os
seus sonhos e aceitaram as várias
missões que lhes foram indica-
das como a educação para serem
professores, a saúde, as forças de
defesa e segurança para defender
a integridade territorial, a agricul-
tura, etc. com uma breve prepara-
ção nos estabelecimentos criados
de resolução de conflitos. Sabe-se
que o jurista passa a vida a resol-
ver problemas ou, ao menos, a
tentar resolver, para além dos
diversos eventos, tais como os
julgamentos fictícios e outros que
ajudam a socializar o estudante,
incluindo e em grande medida, a
relação com os práticos que mui-
para o efeito, estes jovens assegu-
raram a defesa e a reconstrução
nacional.
No sector da justiça não foi di-
ferente.
O país não tinha juízes, procu-
radores, advogados e escrivães li-
cenciados em direito em número
suficiente.
A edição n.º 2 da Revista Jus-
tiça Popular (1981), num artigo
assinado por Cláudio Nhandamo,
proclama que “Quando tomou
posse o Governo de Transição
não havia no nosso
Pais um único moçambicano
nomeado para exercer funções
judiciais e de Ministério Público.
Cinco anos após a proclamação da
Independência Nacional, todos os
Tribunais Populares Provinciais
estão dotados de elementos mo-
to ajuda neste processo.
O Direito é vasto e há sem-
pre aquela área que é a eleita
da nossa actuação. Qual ou
quais as áreas do Direito que
mais se identifica?
A beleza do curso de Direito,
está, mas não necessariamente,
na sua vasta área de actuação,
çambicanos equipados com uma
certa qualificação jurídica de nível
universitário.”
Nos mais de 43 anos da his-
tória da justiça moçambicana, o
país se debate ainda com falta de
quadros. Não se trata meramente
de um critério quantitativo, mas
sobretudo de qualidade e se olha,
em consequência, para a nova
vaga de juristas como a réstia de
esperança de um futuro promis-
sor para o sector.
O Jornal NAWU conversou com
três jovens estudantes de Direito,
a saber Caio Raposo, Auria Mavie
e Osvanildo Mathe, líderes das
agremiações estudantis da Uni-
versidade Eduardo Mondlane e da
Universidade Técnica de Moçam-
bique e continuadores da Revolu-
ção na Justiça Moçambicana.
de entre estas, a Magistratura e
a Advocacia parecem ser aquelas
que conquistaram o meu cora-
ção, pois, realizar e perseguir a
realização da justiça encontra o
seu fim último na Magistratura e
na Advocacia.
Um Conselho que deixa
aos estudantes de Direito?
Gostava de, em primeiro dar
os parabéns a todos os estudan-
tes de Direito por terem esco-
lhido o melhor curso. A escolha
que fizeram exige muita entrega,
que passa por dedicação, foco e
muita solidão. Defino a vida de
um académico como uma pere-
grinação. O peregrino sabe que
na sua caminhada haverá mui-
tas provações, que exigirão de
si muita coragem e determina-
ção para chegar ao tão almejado
objectivo, e quando o curso é de
Direito, o esforço deve ser acres-
cido. Se pretenderem levar este
curso a sério, poderão perder
muitos amigos durante o percur-
so. Deverão abster-se de muitos
convívios familiares e de amigos,
se o objectivo for formar-se com
sucesso e depois da vossa forma-
ção, todo esse jejum, deverá se
tornar um estilo de vida. Esco-
lher o curso de Direito é escolher
uma forma de viver. Não se estu-
da Direito na multidão.
JUSTIÇA NO FUTURO
Auria Mavie, 22 anos, estudante finalista do Curso de Direito
na Faculdade de Direito da Universidade Técnica de Moçambique
e Presidente do Núcleo dos Estudantes de Direito.
O que a levou a escolher a
formação em Direito?
Sou apaixonadíssima pelo Di-
reito desde criança. Sempre quis
fazer Direito. É algo que sinto que
nasci para ele, o que me leva a que-
rer contribuir, para o bem da nossa
justiça, a defender os injustiçados.
Ao me deparar com algumas situa-
ções de injustiça na vida, sinto-me
invadida, como se tivessem a per-
furar uma parte do meu corpo.
Que desafios a sua geração
enfrenta na expectativa de
verdadeiramente vir a servir
a sociedade?
A vida é feita de desafios, todos
estamos sujeitos a desafios. Se for-
mos a fazer um arrolamento dos
desafios que os estudantes enfren-
tam durante a formação, acredito
que podemos levar todo o tempo
do mundo, em sentido figurativo.
De modo geral e igualmente com-
parativo, importa frisar que os es-
tudantes dos tempos actuais têm
acesso a quase tudo, diferentemen-
te dos estudantes dos anos 80/90.
Os estudantes de hoje têm acesso
às bibliotecas e aos profissionais
de Direito com quem trocam vá-
rias experiências. Não obstante,
uma das dificuldades que os estu-
dantes, de modo geral, enfrentam
é o acesso a internet. Este dado
foi levantado com mais robustez
Osvanildo Judas Nelson Mathe, 24 anos, mestrando em Ciência
Política, licenciado em Filosofia e finalista de Direito pela Faculdade
de Direito da Universidade Eduardo Mondlane
Olhando para o seu percur-
so estudantil, o que o levou a
escolher, por fim, a formação
em Direito?
Simples, a escolha da formação
em Direito teve como fundamento
o sonho de ser advogado, na expec-
tativa de desenvolver fluentemente
a capacidade argumentativa e de
questionamento; defender os mais
necessitados e “buscar” a justiça.
Os principais desafios que um
estudante de Direito enfrenta são:
fazer do Direito uma ferramenta
para prossecução da justiça e não
de satisfação de interesses particu-
lares, movidos pelo interesse finan-
ceiro; conciliar a teoria e prática e
compreender que o Direito não é
uma área de conhecimento que se
circunscreve a uma elite, mas, está
ao serviço de toda sociedade.
O Direito é vasto e há sem-
pre aquela área que é a eleita
da nossa actuação. Qual ou
quando surgiu a covid-19, e fomos
obrigados a adoptar o método mis-
to, em que estudamos a partir de
casa. Foi uma das maiores dificul-
dades porque para aceder às aulas
online era necessário o estudante
dispor de um computador ou um
telemóvel compatível, meios estes
que a maior parte dos estudantes
decididamente não têm.
Enquanto Presidente do
Núcleo dos Estudantes de Di-
reito da UDM que actividades
têm desenvolvido e que im-
pactam para a comunidade
estudantil?
Considero-me uma mulher
muito activa em relação às causas
estudantis e, por isso, são várias as
actividades que a minha direcção
tem realizado. A título meramente
exemplificativo, destaco o papel
na difusão da Nova Lei da Família,
particularmente na explicação da
figura da união de facto, em que
pude constatar que a nossa socie-
dade desconhece essa figura e os
procedimentos para o seu registo.
Participamos, igualmente, na cam-
panha de legalização das associa-
ções estudantis, em palestras do
Ministério dos Transportes e Co-
municações, em que se discutiam
as principais dificuldades dos es-
tudantes nos tempos da pandemia
e muitas outras. Temos procurado
quais as áreas do Direito que
mais se identifica?
As áreas do Direito que mais me
identificam são: Direito constitu-
cional - por compreender que esta
área, fornece princípios que dizem
respeito a organização do Estado;
Direito Fundamental - por ser um
campo que lhe dá com os direitos
fundamentais dos cidadãos; Direi-
to Penal - pelo facto de discutir ma-
térias que dizem respeito a um dos
direitos mais fundamentais do todo
ser humano (a liberdade) e por úl-
timo, a área adjectiva (Processual
Civil e Penal) pelo facto de fornecer
dados formais, para a materializa-
ção de todo direito substantivo.
A actividade que me envolvi e
que considero uma mais valia a
minha formação, foi ter feito o Cur-
so em Práticas Forenses da AMJ,
pois, das várias disciplinas que fo-
ram objeto de análise, foi possível
aprender aspectos indispensáveis
para qualquer profissional em Di-
manter o NED activo, envolvendo
a comunidade estudantil no co-
nhecimento e busca de soluções
dos problemas reais da nossa so-
ciedade.
Quais as expectativas e re-
ceios de um estudante para a
entrada do mercado de traba-
lho, na área jurídica, após o
termino da formação?
Bom, as expectativas são várias.
Uma delas é básica e tem a ver com
a aspiração de qualquer estudante
em tornar-se um bom profissional
e reconhecido no mercado de em-
prego. O seu receio é de ver o mer-
cado renhido por existirem vários
bons profissionais e ter que iniciar
do zero no meio a muitas dificulda-
des e desafios.
reito. No âmbito da Ética foi possí-
vel aprender que aos magistrados
é exigido um nível elevado de inte-
gridade; ao advogado se exige um
estrito compromisso a defesa dos
direitos do cidadão, o que não se
confunde com o recurso a artima-
nhas e uso de meios fraudulentos
Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022 l NAWU l 28
A solução para um estudo con-
tínuo para maior capacitação do
estudante. A participação con-
tínua em cursos e palestras, por
exemplo, pode incentivar os mes-
mos a caminhar, pois faz parte do
processo começar do zero. Todo o
bom profissional sempre começou
de baixo e é preciso incentivar aos
mesmos a nunca desistir. Um dos
contributos é a realização de activi-
dades para que eles sintam-se aco-
lhidos nos mesmos e tenham mais
robustez de continuar.
Uma vez licenciada em Di-
reito, onde se vê a actuar pro-
fissionalmente?
Todas áreas do Direito são lindas
e contribuem para o desenvolvi-
mento e prol da justiça. Ser jurista
para a defesa da causa. Na Juris-
dição Civil foi possível aprender a
razão de inúmeras petições serem
objecto de indeferimento, a neces-
sidade do profissional em Direito
estar comprometido com a questão
dos prazos, como e quando lançar
mão a uma providencia cautelar,
é ser eterno estudante. Eu, em par-
ticular, gostaria de enveredar pela
área da advocacia. Amo o conten-
cioso e sou muito activa. Acredito,
doravante, que, sendo advogada,
poderei pleitear em juízo e fora
dele, na defesa dos meus consti-
tuintes e, ainda, envolver-me em
várias actividades, desde que não
entrem em conflito com a profis-
são e os estatutos da agremiação.
Um conselho que deixa aos
estudantes de Direito?
Tenho um amigo com o qual
aprendo bastante, através das suas
observações e críticas o que, me-
diatamente, contribui para fazer
de mim uma boa estudante de Di-
reito. O conselho que deixo para os
estudantes é que acreditem neles
próprios e se entreguem mais ao
curso, pois é um curso que ensina
a lidar com a parte mais sensível
da vida das pessoas, em que se
tomam decisões que podem criar
vários impactos na vida das pes-
soas. É preciso dedicar-se a com-
preender o Direito ainda na facul-
dade. O que acontece é que muitos
estudantes só tentam aprender
verdadeiramente depois de termi-
narem o curso e acabam sofrendo
várias consequências no mercado
de emprego, que exige qualidade.
É preciso nos entregarmos mais e
levarmos a nossa vida estudantil
com mais seriedade.
os elementos indispensáveis numa
petição inicial, como elaborar uma
contestação e quando se justifica
o recurso. Na Jurisdição Penal
tive o ganho de ter aprendido com
profissionais da área as inúmeras
alterações do novo Código Penal e
Processo Penal. Foi possível extrair
do estudo, os avanços e recuos, as
razões objectivas do alargamento
dos prazos da prisão preventiva,
suas implicações em torno dos
princípios constitucionais, bem
como, as razões das constantes re-
vogações de disposições do Código
de Processo Penal. No âmbito do
Direito Judiciário tive enormes
ganhos na minha carreira estu-
dantil, visto que, se trata de um
campo que não tem sido objecto de
estudo nos planos curriculares das
academias; ajudou a compreender
como são feitos os cálculos para o
pagamento de preparos e custas,
seus prazos e que razões estão por
de trás da cobrança desta quantia.
29 l NAWU l Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022
Luís Filipe Ferrão Castel-Branco
Sacramento, Juiz Conselheiro
Jubilado do Tribunal Supremo
E
m 1945 chegava ao fim a
Segunda Grande Guerra.
Dos destroços humanos e
materiais registados, uma leva de
esperança voltada à paz, justiça e
bem-estar passou a se colocar para
a humanidade. Foi nesse ambien-
te, em Aveiro, Portugal, que nasceu
Luís Filipe Ferrão Castel-Branco
Sacramento.
Estudou e formou-se na Metró-
pole.
Foi na Universidade de Coim-
bra, em 1969, que se graduou em
Direito. Dois anos depois foi envia-
do para a colónia de Moçambique
a fim de integrar a máquina de
administração da justiça, servindo
como delegado do procurador da
república, em comissão de serviço,
nas funções de inspector da Polícia
Judiciária da Directoria de Lou-
renço Marques.
A paixão por Moçambique foi
fulminante de tal sorte que quando
adveio a Independência Nacional,
em 1975, entre uma vida na Euro-
pa, com todas as possibilidades de
realização para quem tinha nível
superior, e uma vida de sacrifício
num país neófito recém-indepen-
dente, com todas as dificuldades
que se adivinhavam, optou, sem
pestanejar, em ficar.
Convenhamos. Para quem pro-
curasse conforto e estabilidade,
não devia ser estimulante ser ser-
vidor público em Moçambique na-
quela altura. Ser servidor público
significava abdicar muito de si, so-
bretudo do ponto de vista material,
financeiro e familiar. Significava,
outrossim, não criar raízes, sendo
colocado nos diversos distritos do
Norte, Centro e Sul, em atenção às
necessidades reais do País. Signi-
ficava, num País onde a iliteracia
beirava os 90% da população não
ser compreendido ao enveredar
por uma área técnica inalcançada
pelos prosélitos. Significava, nos
primeiros anos da Revolução, não
ser compreendido ao defender a
Independência do Poder Judicial
e ser até visto como contra-revolu-
cionário. Significava, enfim, abdi-
car de si próprio e dedicar toda a
vida aos outros, a paz social.
O Dr. Sacramento aceitou es-
ses desafios com um sentido de
missão. Defendia que a magis-
tratura é um sacerdócio. Tra-
balhou em Sofala, em Nampu-
la, na Zambézia, em Maputo e
em outros locais do nosso belo
Moçambique. Não há ponto do
País onde não tenha trabalhado.
Consentiu muitos sacrifícios.
Andou a pé, sem carro. Em algum
momento esteve separado da
família, por razões profissionais.
Foi mal compreendido quando
profissionalmente se fazia de cego
e arremessava com a flamejante
espada da justiça contra qualquer
um, sem olhar para a cor, raça, ori-
gem étnica, sexo ou qualquer laivo
de diferenciação. Era prosélito da
máxima de “ninguém está acima
da lei”.
Era conhecido como um homem
de nobre coração, mas duro e infle-
xível no que tange à transgressão.
Tinha um sentido de missão nos
termos do qual a MAGISTRATU-
RA TINHA QUE SER DIGNA E
RESPEITADA. E, para tal, o exem-
plo próprio contava.
Em 1986, foi indicado para di-
rigir a Inspecção Judicial que veio
mais tarde a funcionar junto do
Conselho Superior da Magistra-
tura Judicial. Ele acreditava que a
bandeira do combate à corrupção
só podia ser plenamente hasteada
se as próprias magistraturas expur-
gassem do seu seio todos os focos
de infidelidade. Promoveu, entre
os juízes, valores de ética e deonto-
logia profissional e nunca se coibiu
de propor a demissão ou expulsão
contra colegas magistrados e ofi-
ciais de justiça ímprobos.
Foi no início de 2004, na quali-
dade de Vice-Presidente do Tribu-
nal Supremo e do Conselho Supe-
rior da Magistratura Judicial que
defendeu a necessidade de os juízes
criarem uma associação profissio-
nal. Essa Associação serviria para
a promoção organizada de valores
e deontologia entre os membros,
mas, igualmente, como plataforma
para perceber as necessidades dos
juízes do ponto de vista formativo,
material e outros e, de modo geral,
defender os interesses da classe
com vista a um poder judicial ma-
terialmente forte e independente.
Defendia que a justiça só podia
ser alcançada com uma articulação
entre todos os actores. Nem o juiz,
nem o Ministério Público, nem o
advogado, nenhum é mais impor-
tante que o outro. Nenhum se su-
bordina ao outro, mas, cada um,
consciente das suas competências,
concorre com os demais para que a
justiça seja feita.
Homem de saber e de cultura
sem igual. Mais que delegado de
procurador da república, agente da
polícia judiciária, juiz nas diversas
categorias, dirigente do aparelho
judiciário, o que mais lhe assentou,
na sua vida pública, foi ter sido pro-
fessor.
Foi professor de todos nós. Da
MEMÓRIA
primeira à actual geração de juris-
tas Made in Mozambique. Quem
não teve a oportunidade de receber
directamente aulas suas, há-de ter
recebido indirectamente por meio
dos seus escritos. Manual do Direi-
to das Sucessões, Accão Executiva e
Recursos, Código das Custas Judi-
ciais Anotado e Comentado, entre
outros. O homem era um manan-
cial de conhecimentos.
Num momento de mudança de
gerações no Tribunal Supremo,
muitos juristas mais novos não
terão tido oportunidade de co-
nhecê-lo na qualidade de juiz. Na
verdade, a nova geração de juízes,
magistrados do Ministério Público,
advogados, técnicos do IPAJ, ofi-
ciais de justiça e, no geral, técnicos
forenses nunca teve oportunidade
de, com ele, pleitear em foro.
Conhecem-no, porém, se calhar
até mais que aos outros, pela qua-
lidade das suas decisões ilustradas
nas colectâneas de jurisprudência
editadas pelo Tribunal Supremo.
Não há jurista que se preze que
não tem na sua mesa de trabalho
o acervo dessas colectâneas que,
pelo papel didáctico, ilustram a
compreensão de muitos casos com
relevância jurídica de cuja jurispru-
dência ele foi relator.
Já não estamos a falar de um
juiz, mas de um professor cujos
ensinamentos passarão para além
destas a outras gerações.
Contudo, nem só de Direito ti-
nha o homem paixão. Áreas como
a biologia, agronomia, botânica e
similares eram de seu interesse.
Foi marcante, certo dia, no final
de trabalho numa comissão ele ter
sido ouvido a explicar à saudosa Se-
cretária Judicial, Dra Arlete Carlos
Tembe o seguinte:
“Para semear ervilhas, faça-o
em linhas que distem pelo menos
45 cm umas das outras (nas varie-
dades rasteiras) e pelo menos 65
cm nas variedades trepadeiras. As
sementes devem ser colocadas no
solo a uma profundidade de pelo
menos 5 cm, distanciando-as umas
das outras na linha pelo menos 7
cm.”
Pois.
Esse era o Dr. Sacramento.
Um sujeito apaixonado. Apaixo-
nado pelas coisas e pelos projectos
em que se envolvia. Mas, mais ain-
da, apaixonado pela mulher e pelos
filhos.
Há sobre ele uma inconfidência
que vale a pena revelar.
No dia 14 de Fevereiro de 2018,
uma quarta-feira, estando reunido
no Centro de Formação Jurídica e
Judiciária, na Matola, a preparar o
ano lectivo respectivo, no final da
sessão, ele despediu-se apressa-
damente. Estava sem tempo para
as habituais conversas de ocasião.
Precisava ir comprar flores para
a sua amada Argentina, já que ela
era a flor que flores merecia receber
nessa data.
Esse é o retrato do Juiz cuja par-
tida equivale a uma nuvem cinzen-
ta a pairar sobre os guardiões do
Estado de Direito e de todos com
quem privava.
Ele não só foi um excelente juiz,
autor de livros, professor universi-
tário, formador, amigo, conselheiro
no sentido coloquial, mas, sobretu-
do foi um humanista cujo contribu-
to na edificação e consolidação da
Justiça Moçambicana é incontor-
nável.
Consola-nos apenas a ideia de,
apesar de ele não mais estar pre-
sente fisicamente entre nós, os seus
ensinamentos servirão não só para
esta, mas também futuras gerações
de juristas, rumo à consolidação
do Estado de Direito e de Justiça
Social e a uma magistratura digna
e respeitada.
CRÓNICAS Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022 l NAWU l 30

Top Mais
livros
Excelência
não me
atrai
Ezah Mondlane
Juiza de Direito
Silvia Comissário
Juíza de Direito

E
ram 7h, horário de
Brasília, quando a
delegação moçam-
bicana aterrou no
Aeroporto Interna-
cional Presidente
Juscelino Kubitschek, o terceiro
Para Cândida era maior aeroporto do Brasil em núme-
ro de passageiros transportados e
a primeira viagem primeiro da América do Sul em ope-
internacional e, ração com pistas simultâneas.
Estava frio, muito frio.
na companhia O voo vinha lotado com passagei-
do PCA da sua ros de partes diferentes do mundo.
Os provenientes de Moçambique
instituição e eram quatro e o móbil da viagem era
de mais dois a sua participação no Seminário In-
ternacional sobre Economia Verde
colegas, estava no Séc. XXI.
Para Cândida era a primeira via-
maravilhada gem internacional e, na companhia
com as linhas do PCA da sua instituição e de mais
dois colegas, estava maravilhada
modernas com com as linhas modernas com que
que o Aeroporto o Aeroporto tinha sido desenhado.
Era uma belíssima obra. Em rigor,
tinha sido até se podia dizer que o Aeroporto
desenhado. Era era um verdadeiro Shopping Center
de onde partiam voos domésticos
uma belíssima e internacionais. Era nesse espaço
possível comercializar tudo e as coi-
obra. Em rigor, sas sucediam num ritmo frenético.
até se podia A entonação do ‘s’ sibilante era
Nesta rubrica, em cada edição, um jurista de
conseguiria arcar com todas as des- reputado mérito dará a conhecer cinco obras rele-
pesas. No fundo, era o seu noivado vantes de autores moçambicanos. A Juíza de Direi-
em vista, e tudo faria para que nada to e editora do Jornal NAWU, Sílvia Comissário,
faltasse. indica:
Com tristeza, lembrou ter ouvido - Lúcia da Luz Ribeiro, Fiscalização Abstracta
de uma colega que a sua indicação da Constitucionalidade e da Legalidade no Direi-
para estar nessa comitiva não fora to Moçambicano, Escolar Editora, 2021
pacífica. Muitos se perguntaram - Albano Macie, Descentralização em Moçambi-
que, Escolar Editora, 2021
‘porquê ela’. Isso a deixou devastada
porque, apesar de nova na institui- - Carlos Serra e Sheila Menezes, Colectânea de
Legislação de Trabalho, 2a edição, Escolar Edito-
ção, sabia ser muito aplicada. Tra-
balhava muito. Consentia muitos sa- ra, 2021
crifícios e estava sempre disponível - Gilberto Correia, Da Responsabilidade Civil
por Danos não Patrimoniais no Ordenamento Ju-
para o trabalho. Há-de ter sido por
essa razão que o senhor PCA a es- rídico Moçambicano, Quality Mark, 2020
colheu pessoalmente para essa via- - Tomás Timbane, Lições de Processo Civil, 2a
edição, Escolar Editora, 2020
gem. Quando a pessoa é dedicada ao
trabalho, há quem esteja a ver e as
recompensas surgem naturalmente.
Está aí o exemplo.
Ligou para o namorado, em Ma-
puto, que numa voz ensonada, aten-
deu:
- Alô, amor, já chegaste?
- Que horas são aí? - Perguntou,
agradecendo mentalmente à What-
sapp por facilitar a comunicação em
tempo real e à custo zero.
- São 2h. - Respondeu Mário, an-
sioso por apaziguar o seu coração.
- Estava a sonhar contigo. Viajaste
bem?
Conversaram durante uma hora,

dizer que o
a marca idiossincrática do sotaque
brasiliense só vencido pela simpa-
Aeroporto era tia revelada pelos locais desde o
Aeroporto, passando pela van que
um verdadeiro os transportou, até chegar ao Royal
Shopping Center Tulip Brasília Alvorada Hotel onde
se alojariam.
de onde partiam Quando entrou no luxuoso quarto
e se deixou cair pesadamente sobre a
voos domésticos cama, não pôde deixar de agradecer
e internacionais. a Deus pelas bênçãos que têm der-
ramado sobre si. As coisas estavam
Era nesse a acontecer com muita rapidez na
espaço possível sua vida profissional. Era o seu pri-
meiro emprego e a possibilidade de
comercializar fazer uma viagem internacional era
boa, não só para troca de experiên-
tudo e as coisas cias com todo o condão de enrique-
sucediam num cê-la técnica e humanamente, mas,
também pelas ajudas de custo que,
ritmo frenético. nesta altura de crise, muita falta
fazem para melhorar a renda. Esse
dinheiro seria usado para apoiar nas
cerimónias do seu próprio noiva-
do. Mário, o seu namorado, era or-
gulhoso, mas com o salário que ele
ganhava no Município, sozinho não
destacando as saudades próprias de
namorados que muito se queriam e
teriam de passar uma semana dis-
tantes.
Ela disse, por fim:
- Deixa-me dormir um bocado. O
PCA pediu para todos almoçarmos
juntos hoje. Quero recuperar do
cansaço.
- Espera um bocado - disse Mário
- vamos conversar mais um bocado.
Não esquece que tu me acordaste.
Riram-se ambos e continuaram a
conversar sobre os planos de vida
em comum.
As 14h, conforme combinado,
Cândida desceu para o restaurante
do Hotel. Usou uns informais cal-
ções e uma t-shirt vermelho e preto
da selecção de futebol de Moçambi-
que.
O restaurante não estava muito
cheio para a sua dimensão naquela
hora.
Procurando, localizou numa das
mesas de tampo transparente o
PCA. Estava sozinho trajando cal-
Você sabia
• Em 2021, cada juiz moçambicano findou, em
•
média, 475 processos
Do total de 436 Juízes que corporizam os tri-
bunais judiciais em Moçambique, 177 são do
•
sexo feminino e 259 do sexo masculino
Os Procuradores-Gerais Adjuntos e os Sub-
-Procuradores-Gerais têm o título de “Dignís-
simo”, recebendo o tratamento de “Excelên-
cia”, e os Procuradores da República o título de
“Digno”, merecendo o tratamento de “Exmo
Senhor”
• Os juízes Conselheiros e Desembargadores
têm o título de “Venerando”, recebendo o tra-
tamento de “Excelência”, e os juízes de Direito
o título de “Meritíssimo”, merecendo o trata-
•
mento de “Exmo Senhor”
O Novo Código Penal, aprovado pela Lei n.º
24/2019, de 31 de Dezembro, tipifica a cor-
rupção no sector público, mas, igualmente, ex-
pressamente, no sector privado e no domínio
das relações internacionais
31 l NAWU l Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022
ções brancos e camisete branca. Era estranho vê-lo assim
visto que, habitualmente, trajava fato escuro.
Ele era um senhor de meia idade, careca e com a barriga
avantajada, o que mostrava o seu desinterese com a apa-
rência fisica. No entanto, era intelectualmente estimulan-
te. Um homem deveras inteligente.
Cândida não percebeu onde estariam os outros dois co-
legas. Mesmo assim, aproximou-se da mesa e, sorrindo,
cumprimentou o seu chefe:
- Boa tarde, Excelência. Desculpe-me o atraso.
- Sente-se, Cândida - disse o PCA, sorrindo.
- Obrigada - respondeu Cândida, aquiescendo. - Os ou-
tros colegas, será que estão atrasados ou foram traídos
pelo fuso e se deixaram dormir?
- Não sei, querida. O que é certo é que tenho a sorte de
poder contemplar sozinho as pernas mais bonitas deste
espaço e arredores.
Cândida ficou sem saber o que dizer. Pareceu-lhe
inapropriado ouvir isso da boca do seu superior hierár-
quico.
Teve a tentação de cobrir as pernas, mas o vidro trans-
parente do tampo teimava em mostrá-las. Desviou o olhar
e sentiu que o PCA na cadeira em frente a devorava com
os olhos.
Ele disse:
- Tomei a liberdade de pedir algo para nós dois. Eu gos-
to de comer bem.
- Muito obrigada, Excelência.
- Esse obrigado saiu muito rápido. Não o ouvi quando
falamos das tuas pernas grossas e cumpridas. Que gosto-
sa que tu és, miúda. - Sorriu o PCA, mostrando todos os
seus dentes que denunciavam que há muito não iam ao
dentista.
Ela não conseguia evitar o desconforto ante o olhar fixo
do seu PCA. Sentiu que ele a via como um presa a cami-
nho de abate.
Fez sinal de quem limpava a garganta. Sorveu alguns
goles de água. Decidiu puxar a conversa para outro sen-
tido.
- O tema que Excelência vai apresentar amanhã é bas-
tante cativante. Por sinal foi o tema do meu trabalho de
fim do curso de licenciatura. Defendi que neste dealbar do
séc. XXI o Planeta vai viver o fim da era do petróleo como
a principal fonte de energia. É o fim das energias fósseis e
a afirmação de energias limpas.
- Desculpa, - interrompeu o PCA - eu, concentrado nas
tuas pernas, nem sequer percebi o par perfeito que se de-
senha por detrás dessa camisete. Fico a imaginar...
Cândida apercebeu-se que o seu interlocutor dirigia o
olhar para os seus seios e não estava minimamente inte-
ressado em ouvir o que ela dizia sobre o tema a apresentar
no dia seguinte.
Rezou para que um dos colegas descesse para se lhes
juntar à mesa. Arrependeu-se de ter deixado o telefone
no quarto.
Ainda assim, continuou:
- A resposta que Excelência deu na conferência de im-
prensa na semana passada foi fantástica. ‘Cabo Delgado
não pode ser visto como a solução de todos os problemas
de Moçambique’. Não podia estar mais certo.
- Didinho.
- Perdão? - Perguntou, sem entender.
- As minhas amigas chamam-me Didinho. - Disse,
vendo ao longe a sua comida que já vinha. - Acho que já
estamos nesse nível. Não é, minha princesa? Não somos
amigos?
Cândida esboçou um sorriso amarelo. Sem mostrar os
dentes, fez sinal de aceitação com a cabeça.
- Estou a ficar preocupada com os colegas que não che-
gam. Se calhar é melhor eu ir ligar para os quartos.
- Uma lição de vida, miúda. Aprenda a não se preocupar
com os outros. Preocupa-te com quem está vivo e a tua
frente.
- Não é isso. É que...
- Estou a ficar com ciúmes. Qual deles é teu namorado?
- Nenhum. Somos só colegas...
- Então... preocupa-te comigo. Só comigo, princesa!
O almoço foi servido. O PCA comia falando. Falava de si
próprio, da sua inteligência, do seu bom gosto, do muito
CRÓNICAS
dinheiro que tinha, das suas relações pessoais com o Pre-
sidente da República, com o Papa, da sua importância e
influência no sistema e das mulheres que o cortejam. No
fundo, a ideia geral que transmitia o senhor PCA era de
ser uma quase divindade, um mini deus.
Cândida dispensou a sobremesa e pediu para se retirar.
- Amanhã teremos um dia de trabalho intenso. Preciso
terminar os tópicos da sua apresentação. Com a sua per-
missão, Excelência, vou me retirar.
O almoço foi servido.
- O que é isso, mulher? A conversa está agradável e é O PCA comia falando.
muito cedo para cessar. A vida não é só trabalho a toda
hora. Estamos no outro lado do mundo. Vamos aprovei-
Falava de si próprio,
tar. da sua inteligência, do
- É que preciso fazer uns pequenos acertos.
- Calma, princesa - disse, segurando a mão dela. - Não seu bom gosto, do muito
me falaste de ti. Esses lábios, eu quero sentir... - disse, dinheiro que tinha, das
olhando nos olhos dela.
Cândida estava com o semblante de alguém com von- suas relações pessoais
tade de vomitar.
- Excelência, com todo o respeito, eu não me sinto con-
com o Presidente da
fortável em ter esse tipo de conversa com o senhor - disse, República, com o Papa,
soltando a mão.
- Menina, francamente, ninguém é criança aqui - retru-
da sua importância e
cou o PCA, não disfarçando a ira - Pessoas inteligentes influência no sistema
e competentes são muitas. Tu não és tão especial assim.
Queres que te diga? Profissionalmente acho-te um pouco e das mulheres que o
fraca. Como tu há muitas. Não imaginas quantas queriam cortejam. No fundo,
estar no teu lugar, fazer uma viagem com o PCA. Sê inte-
ligente, menina. Colaborar com os meus interesses bioló- a ideia geral que
gicos pode ser muito proveitoso para ti.
- Excelência, eu tenho namorado. Vou noivar quando
transmitia o senhor PCA
voltarmos para Maputo. - Disse Cândida, sem disfarçar o era de ser uma quase
semblante triste...
- Não me faz essa cara de virgem decepcionada, meni-
divindade, um mini
na. Não estou para fingimentos. Trouxe-te nesta viagem deus.
porque te quero na minha cama. Simplesmente isso.
- Excelência, os meus princípios, os meus valores. Juro
que acreditei que fui escalada para esta viagem por ter um
potencial profissional aproveitável.
- Quem não tem?
- Eu gosto de trabalhar. Sou jovem. Sinto que ainda te-
nho muito que aprender. A par disso, Excelência, embora
o considere uma pessoa inteligente e aplicada, o senhor
não é o tipo de homem que me atrai. Ter trato sexual com
o senhor, sem qualquer atracção física, para mim signifi-
caria prostituir-me. Eu definitivamente não conseguiria.
Me desculpe, mas não sou assim.
O PCA olhou para a rapariga a sua frente, com um esgar
que mal disfarçava ódio. Parecia odiar-lhe.
Disse, então:
- Quem falou dos teus princípios e valores? Há coisas
que se calhar não sabes ou nunca interiorizaste. Tu tra-
balhas para mim. Eu é que dito as regras. Valem os meus
princípios e valores.
Cândida nada disse. Parecia não estar ali.
O PCA voltou à carga:
- Pronto, já não tenho clima para hoje. Podes ir dor-
mir, Dra Cândida. Reflecte sobre cada detalhe desta nossa
conversinha que, creio, foi muito esclarecedora!
Ela levantou.
Ele disse:
- Amanhã quero-te bem animada para compensarmos o
Ao abrir a porta do
dia de hoje. A tua inteligência vai te fazer perceber que só quarto compreendeu,
tens uma alternativa para cresceres profissionalmente do
meu lado. É colaborar com os meus desejos. Tão simples
por fim, que o seu
quanto isso. esforço e dedicação ao
Ela virou-se e deu dois passos em direcção à saída.
Ele, ainda, disse: trabalho não valiam
- Princesa, para o Seminário, põe um vestido. Gosto de nada. A sua valia, como
te ver de vestido. Preto de estampa se der...
Ela foi caminhando até ao elevador, carregando os pas- profissional, resumia-
sos lentamente já em direcção ao quarto com a cabeça a
martelar as palavras na voz grave do PCA: ‘tu não és nada,
se, afinal, às suas
senão as tuas pernas grossas’. ‘lindas pernas grossas’.
Ao abrir a porta do quarto compreendeu, por fim, que
o seu esforço e dedicação ao trabalho não valiam nada.
A sua valia, como profissional, resumia-se, afinal, às suas
‘lindas pernas grossas’.
Ver-se-ia amanhã...

Associação Moçambicana
de Juízes é galardoada
A
Associação Moçam-
bicana de Juízes foi
galardoada pela Facul-
dade de Direito da Universida-
de Eduardo Mondlane com um
diploma de reconhecimento pela
parceria entre as duas institui-
ções de integrar a componente
teórica e prática da profissão.
No seguimento do Memorando
de Entendimento assinado entre
as duas instituições, juízes têm
beneficiado de descontos no pa-
gamento de propinas, preferên-
cia para a frequência de cursos
de mestrados e doutoramento,
para além de participação em ac-
tividades formativas de interesse
das partes.
AMJ oferece preparação em práticas forenses
Uma das maiores aspirações de quem conclui o curso de Direito é o ingresso numa
qualquer carreira jurídico-judiciária. A advocacia e as magistraturas, judicial e do
Ministério Público, são as mais apetecíveis, não obstante implicarem para quem deseja a
sua submissão a exames de admissão, incluindo provas técnicas e entrevista profissional.
Em regra, ano após ano, os resul-
tados têm sido catastróficos. Tanto a
Ordem dos Advogados de Moçam-
bique como o Centro de Formação
Jurídica e Jurídica ilustram repro-
vações em massa dos candidatos o
que compromete as aspirações in-
dividuais, mas também do próprio
Estado em ter mais advogados e
magistrados, respectivamente. Este
estado de coisas tem sido justificado
com a fraca qualidade de ensino de
Direito nalguns universidades do
país o que determina a incapacidade
dos graduados se situarem na pleni-
tude técnica para os desafios que se
colocam.
A Associação Moçambicana de
Juízes oferece, em conformidade,
um curso de preparação em práticas
forenses, que vai, seguramente, aju-
dar a compor os futuros profissio-
nais da justiça no país. Áreas como
a Jurisdição Civil, Jurisdição Penal
e Direito Judiciário são ministradas
por magistrados e oficiais de justiça
com larga experiência profissional
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE
Ministério Público
Gabinete Central de Combate à Corrupção
EM CASA
na aliança dos elementos teóricos e Constitucional); Sílvia Comissário,
teóricos de interesse. Fazem parte do Hermenegildo Chambal, Délio Por-
núcleo duro de formadores da AMJ, tugal e Manuel Castiano (Jurisdição
entre outros, Carlos Mondlane, José Penal), Berta Tiane, Virginia Taula,
Macaringue e Francisca Guerra (Éti- Esmeraldo Matavel, Marquinha Pin-
ca e Deontologia profissional); Pedro to Basto e Álvaro Pinto Basto (Juris-
Nhatitima e David Ucama (Direito dição Civil) e Benjamim Mondlane
Gabinete Central de Combate à Corrupção
82 34 04/ 84 34 04/ 8634 04 000
Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Maputo
82 38 01 / 84 15 150
Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Inhambane
82 34 05 / 84 34 05 / 86 34 05 000
Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Sofala
82 34 06 / 84 34 06 / 86 34 06 000
Terça - feira, 1 de Fevereiro de 2022 l NAWU l 32
Graca
Machel e
AMJ no
combate
às uniões
prematuras
A activista moçambicana
Graça Machel instou, atra-
vés da Fundação para o De-
senvolvimento da Comuni-
dade, os juízes no combate
às uniões prematuras e pro-
tecção da mulher e rapariga
em situação de vulnerabili-
dade.
Para Graca Machel “O po-
der judicial não pode estar
alheio da educação da socie-
dade onde serve para maior
valorizacao da mulher e ra-
pariga”.
Graça Machel proferiu es-
tas palavras numa cerimó-
nia realizada em Maputo
no seguimento de um me-
morando de entendimento
firmado com a Associação
Moçambicana de Juízes no
qual estiveram presentes
juízes, procuradores, advo-
(Direito Judiciário). gados, polícias, activistas
O actual curso, iniciado em 12 de da sociedade civil e outras
Janeiro, vai decorrer até 18 de Feve- entidades.
reiro e se espera que, no final, os for-
mandos estejam melhor habilitados
para os desafios profissionais que se
colocarem.
LINHAS VERDES
Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Tete
82 38 02 / 84 15 15 02 / 86 34 02 001
Gabinete Provincial de Combate à Corrupção da Zambézia
82 38 03 / 84 15 15 03 /86 34 02 002
Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Nampula
82 34 07 / 84 34 07 / 86 34 07 000