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1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo Itaperuna

AO JUÍZO DA 2ª VARA DA COMARCA DE ITAPERUNA.

Inquérito Civil n. 04.22.0013.0007059/2022-26.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pelo Promotor de


Justiça que esta subscreve, por meio da 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva – Núcleo
Itaperuna, no exercício das atribuições que lhe são conferidas pelos artigos 127, caput e 129, inciso III,
todos da Constituição da República, e pelos artigos 25, inciso IV, da Lei Federal nº 8.625/93 e 34,
inciso VI, da lei Complementar nº 106/2003 e pelas Resoluções GPGJ nº 1.522/2009 e 2.227/18, vêm,
a V. Exa., propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA DEFESA DA HONRA E DIGNIDADE DE MINORIAS POLÍTICAS

em face de

1) MUNICÍPIO DE ITAPERUNA, Ente Federativo e Pessoa Jurídica de Direito Público


Interno, neste ato representado pelo Senhor Prefeito Municipal, Alfredo Paulo
Marques Rodrigues, inscrito no CNPJ nº 28.916.716/0001-52, sediado na Rua
Izabel Vieira Martins, nº 131, Presidente Costa e Silva, Itaperuna, RJ, CEP 28300-
000;
2) CÂMARA MUNICIPAL DE ITAPERUNA, órgão do Município de Itaperuna, neste
ato representado pelo Presidente da Câmara Municipal, Paulo César da Silva, ,
sediada Praça Getúlio Vargas, nº 94, Centro, Itaperuna, RJ, CEP 28300-000;

pelos fatos e fundamentos adiante expostos:

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BR 356, KM 30,
Presidente Costa e Silva, Itaperuna , RJ – Brasil
CEP 28.300-000
Telefone: (22) 3824- 5333
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1. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

O artigo 127, caput, da Constituição da República, dispõe ser o Ministério Público


instituição permanente, de caráter essencial ao próprio exercício da função jurisdicional, tendo-lhe sido
confiada a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.

Entre as muitas funções confiadas ao Parquet pela Lei Fundamental de 1988,


destaca-se a função de “...zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados nesta Constituição...”1, sendo que, para fazer cumprir este
mandamento, dotou-lhe do poder de “...promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção
do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”2.

Na esteira do preceito constitucional, seguiram-se diversas regras


infraconstitucionais, em especial a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), assim como a Lei
Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/93), que asseguram aos membros do Parquet,
respectivamente em seus art. 8º, §1º e 25, IV, “a”, a prerrogativa de “promover o inquérito civil e a ação
civil pública, na forma da lei, para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio
ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos”. (texto
da Lei nº 8.625/92 que, em essência, corrobora aquela existente na Lei nº 7347/85).

No que se refere a defesa da honra e dignidade de grupos raciais, étnicos ou


religiosos, nos termos da Lei nº 7.347/85, no seu art. 1, VII, cabe ao Ministério Público a proposição de
ação para defesa não apenas na defesa de direitos indisponíveis, mas também de direitos disponíveis
de relevante valor social. (STJ. REsp 1.585.794-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma,
por unanimidade, julgado em 28/09/2021 (info 712)).

Destarte, detém o Ministério Público legitimidade ativa ad causam para propor esta
ação civil pública em defesa da honra e dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e outros
interesses difusos e coletivos lesados.

1
Artigo 129, inciso II, da Constituição da República.
2
Artigo 129, inciso III, da Constituição da República.
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2. LEGITIMIDADE PASSIVA.

A legitimidade passiva ad causam nada mais é do que a pertinência subjetiva da


lide para ocupar o polo passivo da demanda.

A pertinência subjetiva do Município de Itaperuna e da Câmara Municipal de


Itaperuna para figurar no polo passivo da presente demanda é clara e decorre do fato de que é ela que
tem, de acordo com o Tema 1070 da jurisprudência do STF, competência para denominação de ruas,
próprios, vias e logradouros públicos e suas alterações, sendo comum aos poderes Executivo (decreto)
e Legislativo (lei formal) a competência destinada a denominação de próprios, vias e logradouros
públicos e suas alterações, cada qual no âmbito de suas atribuições.

A legitimidade da Câmara Municipal ex surge da prerrogativa do Poder Legislativo


Municipal para editar lei que imponha a denominação de ruas no Município de Itaperuna.

3. CABIMENTO DA PRESENTE AÇÃO.

O artigo 1°, IV e VII da Lei nº. 7.347/85 dispõe ser a Ação Civil Pública instrumento
idôneo para a defesa de qualquer interesse difuso ou coletivo, bem como a honra e a dignidade de
grupos raciais, étnicos ou religiosos, acompanhando os ditames constitucionais que conferem ao
Parquet atribuição para a tutela de direitos de relevância social, inclusive, os individuais homogêneos.

A presente ação tem como objetivo principal a alteração da nomenclatura de


rua do Município de Itaperuna em homenagem ao líder fascista Benito Mussolini, com a
declaração de inconstitucionalidade incidental da legislação municipal de Itaperuna nº 157/2002 que
impede a mudança do nome de ruas. Essa odiosa homenagem ofende os princípios democrático,
republicano e da dignidade da pessoa humana. Considerando que Benito Mussolini foi notoriamente
fascista, tendo perseguido diversos judeus e outras minorias, com genocídio, tortura e diversas
atrocidades, além de se levar em conta que a ideologia fascista ataca a existência dos povos judeus e
de outras minorias, tais como portadores de necessidades especiais, negros, população LGBTQIA+ e
outros. Esta homenagem vai de encontro aos princípios consagrados na ordem constitucional, em

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especial o fundamento da dignidade humana como eixo principal de estruturação do Estado


Democrático de Direito.

4. FATOS.

Em 05 de outubro de 2021 esta Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva recebeu


Notícia de Fato, decorrente de representação encaminhada pelo nobre Promotor de Justiça, à época
titular da 3ª Promotoria de Justiça de Itaperuna, noticiando, em síntese, a existência de nome de rua do
bairro Matadouro em homenagem ao ditador fascista Benito Mussolini.

Enquanto Notícia de Fato, foi solicitado à Câmara Municipal cópia do procedimento


legislativo que aprovou a nomenclatura da “Rua Benedito Mussolini” (localizada no bairro Matadouro,
via bairro Aeroporto), tendo sido encaminhado cópia da Lei Municipal que atribuiu a nomenclatura da
Rua Benito Mussolini, a atual rua “7” do loteamento Parque Av. Santos Dumont, no bairro Padre
Humberto Lindelauf, bem como cópia do parecer da Comissão de Justiça e Redação, além de ofício
dirigido ao Prefeito Municipal com cópia da citada lei municipal.

Foi recomendado à Câmara Municipal de Itaperuna que modificasse o nome da


Rua Benito Mussolini, localizada no bairro Matadouro, haja vista ser intolerável em um Estado
Democrático de Direito a homenagem a líderes de ideologias que preguem discursos de ódio,
aniquilação de minorias e genocídio, ainda que por meio de nomenclaturas de vias públicas.

Em atenção ao oficiado, a Câmara Municipal informa que após esclarecimentos da


Procuradoria Geral da Câmara, observou que a matéria obedeceu ao devido processo legislativo,
informando ainda que no Município de Itaperuna há a Lei Ordinária nº 157, de 07 de outubro de 2002,
que proíbe expressamente a modificação de denominação de ruas ou logradouros públicos já
existentes nesta cidade. Informou, entretanto, que membro da Comissão Permanente pertinente a este
tipo de matéria procederá a estudo para realização de audiência pública junto aos moradores a fim de
evitar possível prejuízo, principalmente quanto à correspondência, se existem lojas comerciais, dentre
outros.

Todavia, até a presente data, não houve qualquer atuação do Poder Legislativo de
Itaperuna para proceder a respectiva alteração da nomenclatura da rua.

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Abaixo, colaciona-se o a lei local que veda a alteração do nome de ruas que deve,
incidentalmente, ser afastada da aplicação do caso concreto, por se mostrar inconstitucional.

LEI Nº 157 DE 07 DE OUTUBRO DE 2002

ART. 1º - Fica expressamente proibida a modificação de denominação de ruas ou


logradouros públicos já existentes no Município de Itaperuna.

ART. 2º - Fica autorizado apenas a colocação de denominação em Ruas Projetadas


ou Logradouros que ainda não tenham denominação oficial.

ART. 3º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogam-se as


disposições em contrário.

Decerto, o presente diploma normativo encontra-se, no caso concreto,


inconstitucionalmente viciado, em ofensa direta aos postulados da dignidade humana e do Estado de
Direito, prerrogativa sine qua non para sua validade. Portanto, se faz necessário o controle jurisdicional
em defesa da honra e a dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, bem como demais
interesses difusos ou coletivos, a fim de que seja declarada a obrigação de fazer referente a alteração
da nomenclatura do logradouro público, tendo em vista a inconstitucionalidade incidental da legislação
que veda a referida alteração no caso concreto.

5. FUNDAMENTOS JURÍDICOS.

A Constituição Federal em seu art. 1º, incisos III e V, estabelece que a República
Federativa do Brasil se fundamenta, dentre outros, na dignidade da pessoa humana e no pluralismo
político. A partir do art. 5º, caput, a Carta Magna assegura extenso rol de direitos civis, políticos,
econômicos, culturais e sociais que, além da própria cláusula do princípio democrático, obriga a
administração pública e à ordem constitucional que dali emerge a observar os postulados decorrentes
do ideal de Direitos Humanos.

O ato que ensejou a nomenclatura do logradouro situado no bairro Matadouro, via


bairro Aeroporto, no município de Itaperuna/RJ, denominado Benito Mussolini, bem como a legislação
municipal que proíbe qualquer alteração na nomeação dos logradouros públicos vai de encontro aos

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valores referidos no parágrafo anterior, sem deixar de observar os parâmetros do Sistema


Interamericano de Direitos Humanos.

Observa-se que, conforme jurisprudência consagrada do Superior Tribunal de


Justiça, é possível a declaração incidental de inconstitucionalidade em processo subjetivo de controle
de demandas coletivas subjetivas, “desde que a controvérsia constitucional não figure como pedido,
mas sim como causa de pedir, fundamento ou simples questão prejudicial, indispensável à resolução
do litígio principal, em torno da tutela do interesse público.” (STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp
1352498/DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 05/06/2018.)

O Município de Itaperuna, portanto, deve ser obrigado a promover a alteração da


nomenclatura do logradouro referido, afastando-se incidentalmente a constitucionalidade da lei
municipal nº 157/2002 para se permitir a alteração pretendida, a despeito do ato administrativo de
nomeação de rua ter seguido pelos devidos trâmites do processo legislativo formal.

5.1. DIREITOS HUMANOS COMO FUNDAMENTO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Como é cediço e expresso no contexto da ordem jurídica que se construiu no Brasil


a partir da Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, a união indissolúvel dos entes federativos
constitui um Estado Democrático de Direito, fundamentado, entre outros valores, na Dignidade da
Pessoa Humana e no Pluralismo Político, além de consagrar em seu parágrafo único o princípio
democrático, que irradia para o restante do ordenamento, conforme transcrito abaixo:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos


Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como FUNDAMENTOS:

I. a soberania;
II. a cidadania;
III. a dignidade da pessoa humana;
IV. os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V. o pluralismo político.

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Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Ademais, o paradigma Democrático de Direito que surge com a CR/88 não deixa
dúvidas quanto ao investimento político e social que se consagra e pretende construir a partir deste
marco, não só pelos valores fundamentais já referidos, mas também pela convergência dos demais
fundamentos para proteção do ideal de Direitos Humanos – que devem ser interpretados na medida de
seu fortalecimento - e da presença da Dignidade Humana em demais dispositivos, como o art. 170 que
disciplina a finalidade da ordem econômica, voltada a assegurar a todos uma existência digna, dentre
outras previsões.

No mesmo sentido, a presença do Estado Brasileiro no plano internacional,


aderindo, como principais exemplos, tanto à Declaração Universal dos Direitos Humanos quanto aos
dois Pactos Internacionais da Organização das Nações Unidas sobre (i) Direitos Civis e Políticos e (ii)
Sociais Econômicos e Culturais, que sedimentam a relação entre Dignidade Humana e os sistemas de
proteção ao ideal de Direitos Humanos.

Essa sedimentação, da qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano,


protegendo-o contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa, recebe ainda mais uma
proteção positiva, no art. 5º, §2º, que prevê uma cláusula geral de não exaustividade dos direitos que
foram previstos nos incisos do caput deste mesmo dispositivo – que protegem o direito à vida,
liberdade, igualdade, segurança e propriedade – e que abrem constitucionalmente o sistema jurídico a
estas categorias jurídicas como status de unidade axiológica do sistema jurídico e substrato material
para o florescimento dos demais direitos, que, nas palavras de André de Carvalho Ramos:

“reflete-se também no funcionamento de todo o sistema de justiça. Novas


demandas exigem reflexão sobre a implementação judicial dos direitos humanos,
bem como o papel dos atos do sistema de justiça na promoção dos direitos.”
(RAMOS, A. Curso de Direitos Humanos, 9º ed., São Paulo: SaraivaJur, 2022).

Para que efetivamente haja implementação e irradiação dessas normas, no sentido


dessa abertura axiológica do sistema jurídico, a participação dos órgãos do Poder Judiciário cumpre
fundamental relevância. Seja pela singular hierarquia que detém no ordenamento, mas também pelo
novo papel desempenhado pelo Poder Judiciário na reconstrução do Sistema de Justiça dos países
que objetivavam construir um Estado Democrático de Direito que superasse as experiências de
banalização dos direitos humanos ocorridas principalmente nos países da Europa do séc. XX, como os
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movimentos nazista, na Alemanha, e fascista, na Itália. Benito Mussolini foi um dos principais
expoentes deste odiosa ideologia.

Nesse sentido, a interpretação dos direitos fundamentais consagra-se como um


desses principais reflexos, tendo em vista que seu alto grau de abstração e forte carga valorativa, além
de uma estabilidade acentuada na ordem constitucional, desafiando um contorno singular na
hermenêutica jurídica, que não apenas dotem essas normas de objetividade, mas que emprestem
coerência que vá afetar a ordem constitucional.

Em concreto, não restam dúvidas que a lei nº 157/2002, que proíbe expressamente
a alteração da denominação do referido logradouro público vai de encontro aos preceitos aludidos
nesse capítulo, sendo imprescindível que seja afastada a incidência da aludida norma para que se
obrigue a administração pública a alterar a nomenclatura, como forma de cumprir o mandamento
constitucional no que se refere aos Direitos Humanos como principal alicerce da ordem jurídica,
reforçado, inclusive, pela própria previsão no inciso VII da Lei nº. 7.347/85, que disciplina esta Ação
Civil Pública.

Não se pode permitir a existência de uma homenagem pública a um


representante de uma ideologia que no seu cerne e modo de governo, dispensou às minorias de
raça, gênero, religiosa e de orientação sexual, tratamento odioso como principal fundamento de
sua própria constituição política. A aliança do fascismo italiano com o nazifascismo alemão é de
amplo conhecimento e inequívoca a representação de seu antagonismo ao ideal de Direitos
Humanos, inclusive dando ensejo a mudança paradigmática do próprio Estado de Direito e a
construção dos diversos tribunais internacionais de proteção e promoção desses valores, como
da própria Organização das Nações Unidas.

Se é possível dizer, junto de Hannah Arendt, que a essência dos Direitos Humanos
está no direito a ter direitos, também não restam dúvidas que os valores explicitados no art. 1º da
Constituição da República, com especial destaque aos incisos III e V, não se compatibilizam com
qualquer referência ao pensamento totalitário que tinha como objetivo não apenas incutir convicções,
como também de impedir a capacidade de formar alguma.

5.2. INTERPRETAÇÃO HERMENEUTICA CONCRETIZADORA DA DIGNIDADE HUMANA EM FACE


DA LEGISLAÇÃO MUNICIPAL.
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Uma terceira dimensão da difícil tarefa que o paradigma constitucional impõe, como
destaca Jane Reis Gonçalves Pereira, atrela-se a dificuldade contramajoritária em relação com o
legislador democrático, representantes constitucionais do poder popular:

“Embora seja uma premissa amplamente aceita, a noção de que a Constituição


deve limitar a atuação do legislador é ponto de partida de uma série de problemas
interpretativos. É o que o estabelecimento de uma tutela constitucional eficaz dos
direitos fundamentais através dos condicionamentos impostos à legislação ordinária
desencadeia um constante paradoxo, consubstanciado no fato de que os direitos
fundamentais, ao mesmo tempo em que operam como limites à atividade legislativa,
dela dependem para ser implementados. No plano da atividade judicial, este
paradoxo também ocorre. A jurisdição constitucional tem a missão de proteger os
direitos, mas a necessidade de conciliá-los entre si e com outros princípios importa
na reiterada necessidade de restringi-los. Assim, o problema dos limites aos direitos
fundamentais gira em torno do equilíbrio que deve decorrer da tutela coordenada
dos diversos direitos entre si e dos fins que com eles entram em tensão e, ainda, da
simultânea necessidade de preservar um espaço decisório para o exercício da
soberania popular.” (PEREIRA, Jane R. G., Interpretação constitucional e direitos
fundamentais, 2º ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2018.)

Nesse sentido, duas manifestações dessa soberania aqui estão em conflito: (i) o
argumento lançado pelo ente municipal de que o ato seguiu o devido processo legislativo, mas também
o decreto nº 10.932/2022 – que promulga a Convenção Interamericana contra o Racismo, a
Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, incorporado com status de emenda
constitucional, nos termos do § 3º do art. 5º da Constituição, introduzido pela emenda
constitucional 45/2004.

Isso porque a referida convenção dispõe, entre outras provisões, em seu art. 4, dos
Deveres do Estado:

Os Estados comprometem-se a prevenir, eliminar, proibir e punir, de acordo com


suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, todos os atos
e manifestações de racismo, discriminação racial e formas correlatas de intolerância,
inclusive:

i. apoio público ou privado a atividades racialmente discriminatórias e racistas


ou que promovam a intolerância, incluindo seu financiamento;
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Assim, não só é imperioso o controle de constitucionalidade em face da convenção


que passa a integrar o chamado bloco de constitucionalidade que a partir da sua promulgação passa a
integrar, mas a própria convenção deve servir como parâmetro de controle da validade dos atos
emanados pelo poder público, a partir da jurisprudência do Tribunal Interamericano de Direitos
Humanos.

Nesse sentido, no caso Villamizar Durán e outros vs. Colômbia. Exceção preliminar,
mérito, reparações e custas. Sentença de 20-11-2018, a Corte como dever das autoridades estatais,
em uma sociedade democrática, ao decidir sobre assuntos de interesse público: “estão sujeitas a
certas limitações na medida em que devem verificar de forma razoável, embora não necessariamente
exaustiva, os fatos sobre os quais baseiam as suas opiniões, devendo fazê-lo com ainda maior
diligência do que a devida por particulares, devido à sua elevada investidura, ao amplo alcance e aos
eventuais efeitos que as suas expressões podem ter sobre determinados setores da população”.

Como servidores públicos têm uma posição de garantidor dos direitos fundamentais
das pessoas e, portanto, suas declarações não podem ignorá-los ou constituir formas de interferência
direta ou indireta ou pressão prejudicial aos direitos de quem pretende contribuir para a deliberação
pública através da expressão e divulgação de seus pensamentos, devendo-se observar esse especial
dever de cuidado na proteção da honra tanto na sua expressão subjetiva, como objetiva, como é o
caso que aqui se apresenta.

6. TUTELA ANTECIPADA DE CARÁTER URGENTE.

Dispõe o art. 300 do CPC que a tutela antecipada em caráter de urgência será
concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o período de dano ou
risco ao resultado útil do processo. Cabe, aqui, simplesmente apontar as evidências do caso concreto
que demonstrem o preenchimento destes requisitos.

O fumus boni iuris se extrai do próprio arcabouço normativo e valorativo instituído


pela Constituição da República, especialmente no seu art. 1º, III e V (dignidade da pessoa humana e
pluralismo político como fundamentos da ordem constitucional). Além disso, são objetivos fundamentais
da nossa República Federativa a promoção do bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Estas normas, na classificação do Professor
José Afonso da Silva, são de eficácia limitada. Todavia, por esta doutrina, muito embora estas as
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normas não consagrem diretamente direitos exigíveis, elas possuem eficácia mínima para
impedir a vigência de legislação infraconstitucional que viole o seu núcleo duro ou até mesmo
ato do Estado ou de particular que atente contra a sua hermenêutica.

A existência de rua com nome em homenagem a ditador fascista claramente viola a


memória dos povos judeus, brasileiros ou não, e de todas as minorias massacradas durante a Segunda
Guerra Mundial. Admitir a perpetuação desta nomenclatura viola, diariamente, a dignidade da pessoa
humana, o pluralismo político e a obrigação constitucional de construir uma sociedade livre de
preconceito e qualquer forma de discriminação. A própria existência da ideologia nazi-fascista atenta
contra todos esses fundamentos e objetivos da nossa República, pois essa odiosa vertente de
pensamento atenta contra a existência daqueles considerados seres humanos inferiores.

O Estado Democrático de Direito jamais pode tolerar ou admitir a existência de


pensamentos ou homenagens a qualquer cidadão que tenha atentado e violado sistematicamente
direitos humanos, notadamente em nomes de ruas, praças ou locais públicos.

Quanto ao periculum in libertatis, deve-se atentar para o fato de que há mais de um


ano o Ministério Público recomenda ao Município e à Câmara Municipal de Itaperuna que realizem a
alteração da nomenclatura da rua Benito Mussolini, sem que, até a presente data qualquer medida
fosse efetivamente adotada. A manutenção deste nome de rua, por prazo ainda maior, violará a honra,
a dignidade e a memória de todas as minorias que foram aniquiladas por esta maldita ideologia.

O Poder Judiciário não pode admitir que a perpetuação sistemática de violação aos
direitos acima relatados continue com a manutenção do nome da Rua Benito Mussolini no bairro
Matadouro. É urgente que qualquer referência a estas pessoas cesse imediatamente.

7. PEDIDOS.

Ante o exposto, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro requer:

a. Seja a presente registrada, autuada (juntamente com os documentos que


a acompanham – IC 049/22 – e recebida como AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE PROTEÇÃO DA HONRA E
DIGNIDADE DE MINORIAS POLÍTICAS E DEMAIS INTERESSES COLETIVOS E DIFUSOS, com
fulcro no artigo 1°, IV e VII da Lei nº. 7.347/85;
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b. Seja deferida tutela antecipada, in aldita altera pars, para determinar


que o Município de Itaperuna e a Câmara Municipal de Itaperuna adotem, no prazo de 30 (trinta)
dias, todas as medidas necessárias, tais como, proposição legislativa, discussão, deliberação,
votação e promulgação, de lei municipal para alterar a nomenclatura da Rua Benito Mussolini,
no bairro Matadouro, a fim de que nenhuma homenagem a ditador fascista, nazista ou violador
sistemático de Direitos Fundamentais sejam atribuído a rua ou logradouro público, com a
cominação de multa diária ao Prefeito Municipal e ao Presidente da Câmara Municipal de
Itaperuna;

c. Sejam os requeridos citados para, querendo, apresentarem contestação;

d. Sejam os pedidos julgados procedentes para:

d.1. para declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 1º da lei


Municipal I Nº 157 DE 07 DE OUTUBRO DE 2002, do Município de Itaperuna, que impede a alteração
da nomenclatura da Rua Benito Mussolini, localizado bairro Matadouro, Itaperuna/RJ;

d.2. A condenação dos requeridos MUNICÍPIO DE ITAPERUNA E CÂMARA


MUNICIPAL E ITAPERUNA na obrigação de fazer consubstanciada na alteração da nomenclatura do
logradouro já referido, nos termos do art. 3º Lei nº. 7.347/85, com a adoção de todas as medidas
necessárias, tais como, proposição legislativa, discussão, deliberação, votação e promulgação, de lei
municipal para alterar a nomenclatura da Rua Benito Mussolini, no bairro Matadouro, a fim de que
nenhuma homenagem a ditador fascista, nazista ou violador sistemático de Direitos Fundamentais
sejam atribuído a rua ou logradouro público, com a cominação de multa diária ao Prefeito Municipal e
ao Presidente da Câmara Municipal de Itaperuna;

e. Sejam os requeridos condenados ao ônus de sucumbência e demais


cominações legais, a serem revertidos para o Fundo Especial do Ministério Público do Estado do Rio
de Janeiro;

f. Sejam encaminhadas cópias desta inicial, do relatório do TCE-RJ, das Leis


Municipais nº 007/1997 e nº 512/2010, além do Decreto Municipal nº 1350/2010 ao Procurador-Geral
de Justiça para análise da (in) constitucionalidade da questão em abstrato, mediante a via de controle
concentrado no TJRJ;

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BR 356, KM 30,
Presidente Costa e Silva, Itaperuna , RJ – Brasil
CEP 28.300-000
Telefone: (22) 3824- 5333
e-mail: 1pjtcoita@mprj.mp.br
1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo Itaperuna

O Ministério Público protesta pela produção de todos os meios de prova admitidos


no ordenamento jurídico, notadamente documental.

Em atenção ao que consta no art. 319, VII, do CPC, cumpre informar que, devido à
indisponibilidade do direito tutelado, o Parquet se manifesta contrariamente à realização de audiência
de conciliação ou mediação.

Dá-se à causa do valor de R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais), em homenagem


ao número de pessoas assassinadas nos campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra
Mundial.

Itaperuna, 20 de junho de 2023.


Assinado de forma digital
MATHEUS GABRIEL DOS por MATHEUS GABRIEL DOS
REIS REIS REZENDE:08717962609
REZENDE:08717962609 Dados: 2023.06.20 21:15:38
-03'00'

MATHEUS GABRIEL DOS REIS REZENDE


PROMOTOR DE JUSTIÇA
MAT. 7625

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