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Um novo projeto de Deus

Como a graça sacramental transformou nossas famílias?

Neste 20.º Domingo do Tempo Comum, estamos diante de um Evangelho de


difícil interpretação (Lc 12, 49-53). Parece até mesmo algo escandaloso de
se dizer em pleno dia dos pais!

Por que, justamente hoje, a Igreja proclama um Evangelho que parece falar
da destruição da família? Em que Jesus se declara como quem veio trazer a
divisão?

"...ficarão divididos: o pai contra o filho, o filho contra o pai"


— São Lucas 12, 53b

Como podemos interpretar corretamente esse Evangelho? Primeiramente,


precisamos entender o que é uma família.

Em primeiro lugar, é evidente que a família tem uma base biológica. É um tipo
de relacionamento que, inicialmente, é constituído por vínculos sanguíneos:
um homem e uma mulher se unem e dali nascem filhos; e é da própria
natureza frágil do ser humano quando nasce que decorre o fato de que ele
precisa ser educado, cuidado e alimentado para chegar à sua plenitude.

Só que não para por aí! Afinal, não somos simplesmente um corpo que
precisa ser cuidado. Nós temos também uma alma.

É exatamente porque a família não é composta somente de animaizinhos que


têm corpo, mas de seres humanos que têm corpo e alma, que podemos dizer
que a família é uma realidade, sobretudo, espiritual.

Deixando a ideia mais clara: os animais têm o vínculo biológico de sangue.


Mas a família não é uma realidade que se encontra no mundo animal.

No caso dos mamíferos, por exemplo, você vai encontrar (no máximo) um
vínculo materno, que permanece enquanto o filhote está sendo amamentado.
Passado este período, acabou. Quando aquele filhote se tornar adulto, se
estiver na época do acasalamento, ele não vai se preocupar se aquela é a
mãe dele ou não!

Não existem, no mundo animal, os papéis de pai, mãe, irmão, irmã, filhos.
Porque estes só existem entre os seres humanos que, além do vínculo
biológico, têm um vínculo espiritual.

Quer entender o que é realmente uma família?

Então nós temos de olhar para o mundo espiritual e nos perguntar: o que é
ser filho? O que é ser pai?

Ser filho é ter virtudes suficientes para ouvir e seguir as orientações e os


paternos conselhos. Ser pai é ser um homem de virtude, ser mãe é ser
uma mulher de virtude, para que eles possam conduzir o filho ao seu principal
caminho de realização e felicidade: sua salvação.

A família se constitui, então, como um ambiente de virtude.

Santo Tomás de Aquino, na Suma Teológica, quando trata da questão da lei,


se pergunta: "Será que a lei é necessária?" E ele responde de uma maneira
que nos faz pensar muito a respeito da família: "Existem duas maneiras de
orientar o comportamento de uma pessoa: se é virtuosa, você vai orientá-la
com paternos conselhos, mas se é má, não tem outro jeito a não ser impor a
força e o rigor da lei".

Neste ponto, já dá para compreendermos o quanto nossa sociedade está se


desarticulando: exatamente porque não está voltada para essa verdade da
família que se une ao redor da virtude, dos paternos conselhos que orientam
os filhos na direção do Céu e da salvação eterna.

Nosso Senhor quer que sejamos família e tenhamos virtude. Mais do que
isso, quando veio a este mundo, Jesus pegou essa realidade da família e a
elevou a algo ainda mais sublime.

Os seres humanos, Adão e Eva, foram criados para ser família no paraíso. Ali
já havia uma determinação espiritual maravilhosa, uma missão para que,
através da virtude e da obediência a Deus, os filhos fossem conduzidos para
a felicidade.

No entanto, nossos primeiros pais quebraram esse projeto de Deus, e


terminaram jogando fora a felicidade que estava preparada para eles. Mas o
Senhor não se deixou vencer, em sua bondade e misericórdia.

Jesus veio para nos dar a sua felicidade: a felicidade do próprio Deus!

Veja que maravilha! Somos chamados a participar da família trinitária,


destinados a ser família no Céu!

É debaixo dessa luz que podemos ler o Evangelho deste domingo. Jesus
inicia dizendo assim:

"Eu vim para lançar fogo sobre a terra, e como gostaria que já estivesse aceso!
Devo receber um batismo, e como estou ansioso até que isso se cumpra!"
— São Lucas 12, 49-50

É inevitável pensarmos nas palavras de São João Batista: "Eu batizo com
água, mas virá aquele que irá batizar com fogo e com o Espírito".

Sim, o batismo de Cristo é de fogo e do Espírito Santo porque Ele quer


infundir em nossos corações aquela caridade ardente, que ultrapassa todo
amor humano.

A partir de Cristo, somos uma nova família!


No Antigo Testamento as pessoas eram parte da família de Deus, do povo
eleito, pelo vínculo de sangue: você precisava nascer judeu, carregar a
herança genética de Abraão.

Agora, com a vinda de Jesus, vemos que Deus abriu a salvação para todos
os povos, porque o vínculo agora não é mais o de sangue; agora, a nova
família está vinculada a Jesus.

É esse batismo de fogo que nos une a Cristo e que nos faz família com Ele.
Jesus veio para chamar todos, mas é claro que, sendo realista, Nosso Senhor
está dizendo que, infelizmente, nem todas as pessoas irão acolher esse
convite.

Então, isso irá introduzir uma divisão naquela realidade do povo de Israel:
com a vinda de Jesus, todos os descendentes de Abraão são convidados a
fazer parte da Igreja, mas haverá aqueles que não irão aceitar o convite e,
por isso, essa família do povo eleito será dividida. E é por isso que vai
acontecer o que está escrito aqui:

"Vós pensais que Eu vim trazer a paz sobre a terra? Pelo contrário, eu vos digo,
vim trazer divisão"
— São Lucas 12, 52

Que paz é essa que Jesus diz que não irá trazer sobre a terra?

É a falsa paz, carnal, humana, do homem que quer simplesmente satisfazer


seus instintos. Ele vem nos dar uma outra paz. O próprio São Paulo aos
Efésios nos diz que Jesus é a nossa paz, aquela que acontece quando nós,
com a espada da Palavra de Deus, nos dividimos, nos separamos das
pretensões humanas e começamos a ser família divina.

Pelo vínculo da fé, agora fazemos parte da família de Deus.

Então, não é de se admirar que, assim como aconteceu com o povo judeu,
em que nem todos aceitaram Jesus, isso vá acontecendo também em nossas
famílias.

Jesus não veio para abolir a lei do Antigo Testamento, ou seja, o quarto
mandamento de "honrar pai e mãe" continua valendo, sim! Mas ele só tem
sentido quando os pais cumprem sua missão de levar seus filhos para fazer
parte dessa nova família de Deus.

É por isso que os pais católicos ficam muito felizes ao batizarem, o quanto
antes, seus filhos: sabem que o mais importante não é transmitir a vida
biológica, mas dar a eles a vida sobrenatural.

O projeto de Deus não é o de dividir ninguém, é exatamente o contrário! Deus


quer fortalecer a família para que esta tenha agora, em Cristo, um novo
impulso, uma nova razão para estar unida e se amar mais verdadeiramente.

Neste dia dos pais convidamos você a viver o projeto de família de Deus em
sua família. O que isso quer dizer, na prática?

Por causa do pecado original, a união natural entre o homem e a mulher


terminou prejudicada. Afinal, o que são os casamentos quando se afastam de
Deus? Uma verdadeira guerra! Palco de insegurança, ciúmes, brigas,
traições, crimes passionais, vinganças, todo tipo de miséria.

Mas Jesus quer que essa união, que constitui a família humana, seja agora
um sacramento, um vínculo espiritual que nos fala de uma outra família, a de
Deus.

Jesus restaurou aquele projeto inicial — quebrado pelo pecado original — e o


restaurou de forma ainda mais preciosa e esplendorosa. No matrimônio
sacramental, o vínculo não é mais somente carnal, mas uma união em Cristo.

Ao abrir a porta da sua casa, um pai e uma mãe devem fazê-lo da mesma
forma que abririam a porta do sacrário: abrir a porta de sua casa para
encontrar Jesus — em sua esposa, em seu marido, em seus filhos.

Na nova família, o "mais importante" é aquele que mais serve, que mais se
entrega. Esse é o batismo pelo qual todos nós precisamos passar: unidos a
Cristo, precisamos amá-lo e servi-lo.

O pai deve se aproximar de seus filhos e de sua esposa como aquele


que é responsável pela salvação eterna deles, para levá-los cada vez
mais perto de Cristo.

E se, por acaso, em sua família, as pessoas infelizmente não estiverem


nesse mesmo projeto de amor, não faça disso uma pedra de tropeço —
procure amá-los e servi-los cada vez mais, mesmo que isso lhe custe,
mesmo que a dor seja o seu salário.

Neste domingo, vamos fazer um propósito de restaurar as nossas


famílias! Creia neste projeto de Deus, sabendo que isso não termina
simplesmente na carne e no sangue, mas que encontra no Pai do Céu a sua
verdadeira raiz.

O Senhor também quer que vivamos, já aqui na terra, esse projeto de


doação, de serviço mútuo, em que nós aprendemos a derramar o nosso
sangue uns pelos outros, a transformar a dor do dia a dia em amor, por amor
a Cristo.

Quando vier o fogo divino da graça e da caridade, derramado em nossos


corações, para que possamos nos amar como Cristo nos amou, aí, sim,
seremos família de verdade.

Ao se aproximar de Cristo na Comunhão neste domingo, peça a Ele a graça


de transformar sua família em um sacrário onde cada um se esforça para se
doar e se entregar pela salvação do outro.

Senhor, nós vos pedimos humildemente, restaurai nossas


famílias!

Resgatai, Senhor, o projeto divino que, quebrado por nossos primeiros


pais, transformou a família num grupo de pessoas que brigam entre si
e se destroem.
Transformai, ó Deus, nossas famílias neste novo projeto sacramental,
em que Jesus é amado e servido a partir de cada um de seus
membros.

Que Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, seja aquele que une as
famílias!

Fazei, Senhor, que essa graça nos visite e que Nossa Senhora, Virgem
Santíssima e Mãe da Graça, seja nossa intercessora, resgatando as
nossas casas.

Amém.

Deus abençoe esse dia dos pais e toda a sua semana!

Equipe Christo Nihil Praeponere | padrepauloricardo.org

Instituto Padre Pio, Londrina, Brasil


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