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Frank Usarski
Introdução
FIGURA 1
Proporções das Correntes Budistas no Brasil
Problematização
1. Citado no título do Manchetes como “O budismo está deixando os templos”1, ladeadas por
artigo principal “Além uma série de artigos e notícias na mídia brasileira sobre um suposto boom
do templo – o budismo da sangha brasileira2, sugerem que, depois de décadas de relativa encapsula-
atrai mais adeptos no
ção, o budismo japonês tradicional entrou com sucesso em um processo de
Brasil e seus seguidores
assumem práticas en- aculturação e transformou-se em uma religião “da moda”. Essa imagem
gajadas”, da revista se- otimista foi severamente desafiada por um artigo publicado na edição de
manal ISTOÉ, 1º out. 19 de janeiro de 2001 da revista Istoé, cujo título – “Não deixe o budismo
2003. desaparecer do Brasil” – não combina em nada com as reportagens anterio-
2. Apenas para citar res acerca do avanço quase inevitável dessa religião. Segundo o artigo, a
quatro exemplos: “O questão urgente, pelo menos entre representantes das instituições budistas
Brasil dos budas”, Istoé,
japonesas tradicionais, não era como responder a um dramático aumento
mar. 1997; “Onda zen”,
Elle, junho de 1998; “O
de conversões ou a superlotadas sessões, retiros e workshops, mas sim como
budismo conquista o responder às comunidades declinantes e a dificuldades internas, tais como
Brasil”, Corpo & Men- a falta de staff em certos templos locais.
te, out. 2000; “Aascen- A reportagem de Istoé não está apenas em sintonia com afirmações se-
são do budismo no Bra- melhantes provenientes das comunidades budistas japonesas tradicionais,
sil”, Época, junho de
mas também com os resultados de pesquisa empírica acerca do assunto.
2003.
Um exemplo para uma avaliação “êmica” pessimista da situação atual do
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FIGURA 2
População do Brasil de Acordo com a Cor ou Raça (%)
BRANCO PRETO AMARELO PARDO INDÍGENA
Fonte: IBGE.
Basta perguntar a qualquer um em meio a essas centenas de participantes que 3.Afirmação feita no
fórum eletrônico budd
afluem ao templo nos finais de semana se eles são budistas, para cairmos prostrados
hismo@topica.com via
por surpresa: menos de 1% talvez (este número não é oficial... talvez seja menor) se mensagem enviada no
denomina budista, mesmo que nem saiba exatamente o que é a essência da doutri- dia 23 de setembro de
na budista3. 2004.
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FIGURA 3
Evolução Numérica do Budismo no Brasil (1970-2000)
Fonte: IBGE.
FIGURA 4
Preferência Religiosa entre os Japoneses Imigrantes em % – 1958
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FIGURA 5
Afiliação Budista ao Longo de Três Gerações (%)
FIGURA 6
O Budismo de “Cor Amarela” Segundo Grupos de Idade em 1950 e 2000 (%)
Fonte: IBGE.
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Problemas na manutençã
Problemas manutençãoo da rreligiosidade
eligiosidade tradicional dentr
dentroo da comunidade étnica
FIGURA 8
Manutenção da Linguagem e da Religião em 1940 (%)
Fonte: IBGE.
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havia perdido seu significado. Uma vez que os jovens não mais compreen-
dem por inteiro seu significado religioso, o butsudan é com freqüência asso-
ciado ao nostálgico interior esteticamente peculiar da casa dos avós, onde
supõe-se que seja mantido como parte de uma coleção de parafernálias fora
de moda e obsoleta8. 8.Citado em minha
entrevista com Shaku
Riman (Ricardo Mário
Problemas na manutenção da rreligiosidade
Problemas eligiosidade japonesa tradicional no nível individual
Gonçalves), 10 de mar-
ço de 1999.
Nas últimas décadas, um alto número desproporcional de nipo-brasilei-
ros tem feito uso, com sucesso, das oportunidades oferecidas por um país
“emergente” e suas instituições de educação superior (cf. Adachi, 2004).
Em 1985, 13% dos estudantes e 47% do corpo docente na Universidade
de São Paulo eram descendentes de japoneses (cf. Carvalho, 2003, p. 38).
De acordo com o último censo nacional, cerca de 18% da população brasi-
leira pertence a uma faixa economicamente privilegiada da sociedade, com
rendimentos mensais mais altos do que cinco salários mínimos, isto é, na
época, mais do que R$ 1.900,00. A porcentagem de brasileiros de “cor
amarela” era, nesse nível de rendimento, mais do que três vezes mais alta
(55,33%).
Esses e outros dados similares provam: a) “a amplitude em que a segun-
da – ou terceira – geração de imigrantes mudou dos padrões de atividade e
emprego de seus pais ou avós” (Carvalho, 2003, p. 45); b) a identificação
dos descendentes japoneses mais jovens com o Brasil como sua terra natal,
merecedor de um “investimento” a longo prazo, e ênfase na educação e no
treinamento necessários para uma carreira individual que será remunerada
de acordo com o sistema de gratificação inerente a uma sociedade capitalis-
ta e tecnológica; e c) seu consentimento aos princípios e valores modernos,
tais como individualismo, racionalismo, autonomia e competição.
Em oposição a esse pano de fundo, a questão das possíveis causas do
declínio do budismo de “cor amarela” no Brasil, no âmbito individual, pode
ser respondida de duas maneiras.
Primeiramente, comparados com a identidade da primeira geração de
imigrantes, os avançados processos de “aculturação” individual e a ativa
integração dos descendentes mais jovens em sua “sociedade anfitriã” cor-
respondem a uma personalidade na qual três componentes relevantes fo-
ram reconfigurados segundo uma nova ordem hierárquica: o auto-reco-
nhecimento associado à existência secular como brasileiro, a origem
étnica como japonês e o compromisso religioso com o budismo (cf.
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Conclusão
Calendário de 2007 (mês de janeiro) distribuído pela Comunidade Budista Soto Zenshu da América do Sul.
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Resumo
Declínio do budismo “ amarelo” no Brasil
Abstract
The decline of “ yellow buddhism” in Brazil
Empirical research shows that ‘Yellow Buddhism,’ primarily associated with Japanese
immigrants in Brazil, is steadily declining in terms of its ‘explicit’ followers. After some
methodological observations, the article examines the relevant statistical data. The
final part of the text discusses possible reasons for this negative dynamic at three levels
of explanation: namely, internal motives related to Buddhist institutions, configura-
tions within the ethnic community, and factors at individual level. Texto recebido e apro-
vado em 8/8/2008.
Keyw ords: Japanese Immigration; Ethnic Buddhism; Preservation of Tradition; Accul-
turation. Frank Usarski é profes-
sor no Programa de
Estudos Pós-Gradua-
dos em Ciências da
Religião da PUC-SP.
E-mail: usarski@pucs
p.br.
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