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ano 14 . nº 53 . julho | agosto | setembro de 2015 .

Ano Buda 2581

Mente vazia – mente plena

Qual o princípio funda- tornaram mais conhecidos. Um deles foi verdadeiro, o profundo está exatamente aí.
mental do zen-budismo? chamado de Sexto Ancestral na China, Myô disse:
Por que praticamos? A que por ser o sexto sucessor de Bodidarma – Eu estive com os monges de Mestre
leva essa prática? O que – o monge que levou os ensinamentos Ôbai por muitos anos, mas não fui capaz
é o despertar da consci- da Índia para a China, no século VI. de realizar meu verdadeiro eu. Agora,
ência? Como sair do antropocentrismo e Simultaneamente, foi a 33ª geração de recebendo sua instrução, sei, assim como
desenvolver uma consciência cosmoló- sucessores do Buda histórico, Xaquiamuni um homem bebendo água sabe se está
gica e abrangente da vida? O que é a Lei, Buda. Seu nome era Daikan Eno, e viveu fria ou quente. Meu irmão leigo, você
o Darma, o cossurgir interdependente e de 638 a 713. agora é meu mestre.
simultâneo de tudo o que é e não é? O Caso 23 do Portal sem Portas O ancestral falou:
O vazio, o assim como é, a origem (Mumonkan), uma série de contos zen – Se assim você o diz... Mas vamos
codependente – reciprocidade e reversi- compilados pelo monge Mumon Ekai nós dois chamar Ôbai de nosso mestre.
bilidade. Não há nada unidirecional. Não (1183-1260), reconta um episódio impor- Lembre-se de que o que agora obteve é
é o absoluto. Não é o relativo. Por isso é tante desse Ancestral do Darma: um tesouro incalculável. Preserve-o bem.
chamado de vazio. No vazio tudo é assim O Sexto Ancestral foi perseguido pelo Eno era órfão de pai. Tornou-se
como é. As diferenças são claramente per- monge Myô até as distantes montanhas lenhador para sustentar sua mãe.
cebidas, bem como a sua interdependên- Taiyu. Certo dia, ouviu a seguinte frase:
cia. Por isso o vazio é pleno: a distinção de O ancestral, vendo a chegada de Myô, “Sem fixar-se em parte alguma, a mente
cada aspecto é claramente realizada. colocou o manto e as tigelas sobre uma funciona”. Era uma frase do Sutra do
Quem desperta para a realidade, rocha e disse: Diamante, e quem o recitava era um dos
quem compreende o cossurgir, a – Este manto representa a fé. Não se monges discípulos do Quinto Ancestral,
interdependência, o vazio, o tal qual é, pode brigar por causa dele. Se você o conhecido como Mestre Ôbai.
pode ser chamado de ser iluminado, de quer levar, leve-o agora. Eno desperta. Deixa a mãe e vai ao
Buda, de seguidor dos ensinamentos do Myô tentou levantar o manto, mas ele mosteiro. Serve, como leigo, durante
Buda histórico, de sucessor da linhagem, era mais pesado que uma montanha e oito meses. O mestre um dia o chama a
de Buda Ancestral. É alguém que entrou não se movia. seus aposentos e o reconhece como seu
na correnteza, que compreendeu o Tremendo e gaguejando, falou: sucessor. Auxilia-o a fugir levando a tige-
princípio fundamental, que sabe por – Vim para o Darma, não pelo manto. la e o manto, símbolos do Darma. Ele é
que pratica, sabe que, embora a prática Suplico: por favor, me instrua. seguido pelo monge Myô, que havia sido
não leve a lugar nenhum, nos leva a O ancestral disse: um general. O diálogo acima ocorre.
conhecer nosso eu original – nossa – Não pense nem no bem nem no mal. A mente vazia de Myô: não pensar
consciência pura, cosmológica. Podemos Neste exato momento, qual é o eu origi- no bem nem no mal, nem em si mesmo
sair do estado alterado de consciência nal do monge Myô? nem nos outros. As palavras do Sexto
em que muitos de nós nos encontramos: Ao ouvir essas palavras, Myô foi dire- Ancestral auxiliam a ruptura: o eu ori-
ansiedades, depressões, expectativas, tamente iluminado. Seu corpo, coberto de ginal é a mente vazia. No silêncio, onde
raivas, bipolaridades. Adentramos o suor. Chorou e prostrou-se, dizendo: todos os sons habitam. No não eu, onde
estado natural da consciência, da mente, – Além das palavras secretas e do sig- todos os seres intersão.
da compreensão da natureza Buda, de nificado secreto que agora o senhor me
Nirvana, de tranquilidade e harmonia revelou, existe ainda algo mais profundo? Mãos em prece,
com o fluir da existência. O Ancestral respondeu:
Entre os inúmeros Budas Ancestrais, – O que disse a você não é nenhum
na nossa linhagem Soto Zen, alguns se segredo. Quando você enxerga seu eu Monja Coen 1
Eventos Depoimento Tentava praticar uma escrita mais afetiva, apreender uma
comunicação menos objetiva e mais sentida, mais humana.
Coração e razão alinhados, quem sabe.
Acontece A escuta do coração: sentir-se Enquanto dizemos “desculpa”, os portugueses dizem “peço
desculpas”. E isso já é uma grande diferença. De maneira ativa,
no Zendo em zazen durante uma jornada os portugueses já se apropriam do reconhecimento de sua
ação como sujeito, e nós, brasileiros, muitas vezes demoramos
para enxergar nosso papel na relação com o outro.
Entre o final de abril e o começo de junho deste ano, tive a Nesses últimos quase três anos passei por dolorosas desilu-
oportunidade de conhecer Portugal e França. Na verdade, Portugal sões. Nunca ouvira a canção Meu Mundo Caiu, da Maysa, antes
não era um país que me despertasse curiosidade imediata, pois de a própria Monja Coen me apresentar. Ela mesma cantara
sempre havia outros a visitar e mais desafiantes para treinar outros para mim: “Se meu mundo caiu, eu que aprenda a levantar”.
idiomas. Mas aqui estava. E bem à minha frente. Num momento Esses versos, cantados há mais de um ano, reconectaram-se de
em que eu realmente precisava arejar. Enxergar novas cores para sentido nessa minha viagem.
reequilibrar minha visão, coração e discernimento. Etimologicamente, a palavra ilusão provém do latim ludus,
1.

Fotos: Maurício Kessler


Enquanto no Brasil nessa época do ano passamos pelo outo- ludere, cuja raiz se refere ao lúdico. Tudo o que é lúdico contém
no, ao chegar a Portugal deparei com a exuberância de coloridas o registro ambíguo gerado pela ludicidade, a qual paradoxal-
flores, um céu azul e longos dias iluminados de primavera. E mente é leve pelo divertimento do jogo, mas profunda pelo
senti-me abraçada. Primeiro pelo calor de minha mãe, com quem acesso ao conhecimento íntimo da manifestação criativa.
dividiria parte da viagem com seu companheiro, e depois por Ao longo das semanas, sentava, caminhava, alimentava
uma terra que se apresentava igualmente maternal. meu corpo, nutria minha alegria. Ao chegar a Paris, senti um
2. O aconchego da língua, a impacto. O ruído ampliado

Atílio Avancini
proximidade da culinária, a da cidade cosmopolita, a lín-
compreensão da origem da gua que não domino. Porém,
arquitetura de cidades como quando menos esperava, mais
1. Combate do Darma da Monja Kokai Eckert, no Templo 3 Salvador e Ouro Preto. O aco- uma vez deparei com o terno.
Zenguenji, em Mogi das Cruzes, em 4 de julho, com a lhimento proporcionado pelas Tinha o endereço de uma
presença do Reverendo Sookan Rôshi. trocas em boas e profundas amiga de minha mãe que eu
conversas com os portugue- não conhecia. E, mesmo sem

Foto: Monja Heishin


2. Monja Kokai entre seus filhos, após o ses, tudo isso me chamava à me conhecer, se ofereceu para
Combate do Darma. vida novamente. E de forma me acolher. Cheguei à noite
despretensiosa. O que era para a um prédio de mais de 100
3. A cerimônia foi oficiada pelo abade de Zenguenji, ser uma agradável viagem anos. Marie abriu a porta e me
Monge Koshu Sato Sensei. tornara-se um grande presente abraçou sorrindo. Ofereceu-me
para minha jornada. seu quarto. Preferia dormir na
4. Refeição durante o Treinamento Intensivo, realizado Em Lisboa, encontrei uma sala porque acordava muito
de 1º a 15 de julho no Templo Taikozan Tenzuizenji. querida amiga que se dedica cedo. Logo de manhã, tive uma
à arte japonesa da cerimônia surpresa. Vi Marie em silêncio,
5. e 6. Apresentação da dança Hagoromo por Emilie do chá e sorvemos respeito, meditando. Aproximei-me da
Sugai, com narração de Marilda Alface, em 30 de junho. 4. compaixão, alegria, amor. De luz da janela, em frente do
lá, parti para Braga. E nessa Canal Saint-Martin.
7. Celebração do aniversário da Monja Coen Rôshi no cidade participei de ciclos Nesse mesmo dia, fomos a
Fotos: Genzo André Spínola e Castro

Templo Taikozan Tenzuizenji, em 30 de junho. de seminários, conhecer a Gratidão e sincretismo na Igreja do Bom Jesus, em Braga (Portugal) um templo budista. Durante a
Universidade do Minho, apren- prática da meditação, percebi
der sobre escrita criativa. Despertava minha curiosidade inte- uma goteira e me inquietei. Custou-me o retorno a tudo o que
lectual e a vontade de retomar, com afeto e leveza, meu projeto vinha me deliciando em Portugal. Terminada a prática, um dos
engavetado de doutorado. monges sorriu e me explicou sobre a fluidez da gota que eu
Um dia, levantei bem cedo e voltei à prática de hatha yoga. Os não deixava ir embora durante meu exercício. Entre palavras,
dias se passavam e eu agradecia, todas as manhãs, cada oportuni- práticas, eu, ela, ele, nós continuamos a caminhar até a saída
dade oferecida e vivenciada. Sem perceber, meus passos estavam do templo. E aprendi a conjugar não só um novo verbo, mas
mais curtos, minha respiração voltara a ser mais longa, sentava- apreedi mais um saber para o coração.
-me para a prática do zazen, e assim recomecei. Deixei-me guiar De Paris retornei a São Paulo e, hoje, me dou conta de que
por um sentido que estava aquecido e, pela primeira vez, senti-me foi o encontro de 40 dias e 40 noites alentando um novo hori-
5. habitando o que os japoneses chamam de “espaço Mah”. zonte. Agora inspiro. Expiro. E percebo que, por mais que tenha
Mah é o espaço intervalar, o vazio. Não no sentido que no voltado no inverno, trouxe comigo botões de flores. Lá se vai a
Ocidente conhecemos, como algo negativo, de falta, a ser pre- quarentena. Afinal, conscientizo-me de um processo de cura a
enchido. Entretanto, um valor de espaço de possibilidades que, trabalhar. Cada dia, um novo passo. Em frente, à frente...
para existirem, precisam habitar o não ocupado, o esvaziado e
livre para a circulação do novo. Mãos em prece, gasshô
Esvaziava meus pulmões, esvaziava meus pensamentos e
emoções acumuladas. Sentava-me. Assentava-me, praticava Juliana Kiyomura é comunicadora, pesquisadora em
zazen. Depurava uma escuta mais humilde e ativa. Passei a sociologia da imigração e novas mídias pela USP, e
2 7. 6. observar a apropriação que fazia da língua e suas linguagens. praticante de zazen há dois anos. 3
Estudos do Darma dias de muitas alegrias e encontros de familiares. Geralmente
no dia 15 todos vão a um templo para as celebrações, que ter-
minam com a dança de alegria por saber que todos os ances-
Celebrações trais estão bem e livres de sofrimento.
Para monges e monjas, é uma época de muito trabalho,
pois todos esperam pelos religiosos para rezar em seus altares
OBON ou URABON especiais de Obon. Geralmente iniciamos as preces na casa dos
devotos por volta das 5 ou 6 da manhã e oramos até cerca das
Durante os meses de julho ou de agosto, por volta do dia 15, 7 ou 8 da noite. Em algumas casas nos oferecem almoço e em
todos os templos budistas japoneses celebram o Obon Sejiki-e. outras um pouco de chá e doces.
Nas áreas de Tóquio e Yokohama, a cerimônia ocorre em julho; A celebração no templo é chamada de Obon Sejiki-e. Um
em Okinawa, Chugoku e Shikoku (mais ao sul), em torno de 15 altar especial é montado, distante do altar de Buda, e vários ali-
de agosto. Como nosso templo atende pessoas das várias áreas mentos são nele colocados. Entoa-se o Portal do Doce Néctar
do Japão, faremos a cerimônia tanto em julho como em agosto, (Kanromon), e a pessoa que oficia a celebração invoca todos
nos domingos próximos a essas datas. os espíritos a vir e ter condições de receber as ofertas, ficando
A cerimônia de Obon é para honrar os espíritos dos ancestrais. completamente satisfeitos.
A origem do nome vem de Ullambana – Urabon – Obon, que sig- Assim, todos se libertam de dores e sofrimentos e podem
nifica literalmente “pendurado de cabeça para baixo”. Os textos voltar tranquilos para o mundo dos espíritos.
budistas antigos relatam que Maha Maudgalyana, chamado no Neste ano, a cerimônia será celebrada no domingo 12 de
Japão de Mokuren Sonja, era um dos principais discípulos de Buda. julho, às 13 horas. Haverá outra celebração em agosto (confira
Mokuren Sonja possuía poderes sobrenaturais e, quando sua na programação, na última página).
mãe faleceu, viu que ela entrara em um mundo de sofrimentos
(de cabeça para baixo). Consultou Buda, que o orientou assim:
depois de três meses de treinamento intensivo, monges e mon- O-HIGAN – EQUINÓCIO DE PRIMAVERA E DE OUTONO
jas, leigos e leigas fariam uma grande celebração. Formariam
um altar especial, com uma grande variedade de alimentos, Na semana do equinócio, as pessoas preparam seus altares
e ele, Buda, faria uma prece especial, para chamar e abrir as familiares e os templos se organizam para receber muita gente.
gargantas dos espíritos famintos e dos que sofriam, para que É momento de orar pelos falecidos e também de pedir sabedoria
recebessem as ofertas e ficassem satisfeitos. aos vivos. Nos templos, a celebração se parece com a de Obon,
Assim foi feito, e Mokuren Sonja, vendo que sua mãe esta- pois o altar é semelhante e as preces são as mesmas do Sejiki-e.
va livre do sofrimento, começou a dançar de alegria. Essa é a A palavra O-higan significa atravessar para a outra margem,
origem do obon odori (dança de obon, geralmente realizada ao ou seja, sair do sofrimento causado pela ignorância e alcançar
final das celebrações). a tranquilidade da sabedoria perfeita. Os Seis Paramitas (ou
É, até hoje, no Japão, uma ocasião especial, em que familia- Haramitas) são a base dessa travessia: doação ou generosida-
res se reúnem. Na noite que antecede o dia 13 de julho, fazem de, preceitos ou vida ética, perseverança ou prática incessante,
um pequeno fogo com folhas secas de cânhamo, cedro ou paciência ou resiliência, meditação ou concentração correta,
pinheiro, na porta de casa, para chamar os espíritos ancestrais. sabedoria ou compreensão correta.
Durante três dias, um altar especial é colocado na sala princi- Quem pratica as Seis Perfeições ou os Seis Paramitas facil-
pal, com os tabletes memoriais e várias ofertas. Na noite do dia mente atravessa o oceano de sofrimento, nascimento, velhice e
15, ou na manhã do dia 16, novamente fazem um foguinho à morte para chegar à margem de Nirvana. A celebração é reali-
porta de casa para que os espíritos possam ir embora. São três zada nos equinócios, pois é quando o dia e a noite têm a mesma
duração e os opostos se equivalem, facilitando a travessia.
Essa cerimônia será realizada em nosso templo no mês de
setembro, no domingo próximo ao equinócio (veja na progra-
mação, na última página).

RYOSO-KI

Esta é a grande celebração memorial anual (ki) para nossos


dois fundadores (RyoSo) da ordem Soto Shu, no Japão: Mestre
Eihei Dogen Daiosho Zenji e Mestre Keizan Jokin Daiosho Zenji.
Celebrada em todos os templos e mosteiros da Soto Shu - e ALTAR DE OBON
aqui no nosso templo, no dia 29 de Setembro -, demonstra
nossa gratidão e respeito aos dois monges fundadores. Altar familiar montado especialmente para a Celebração de Obon.
Mestre Dogen Zenji (século XIII) fundou o Mosteiro de Eiheiji Tabletes memoriais com o nome da família e dos falecidos,
e Mestre Keizan Zenji (século XIV) fundou o Mosteiro de Sojiji. velas, flores, incensário, sino, ofertas de alimentos, algas mari-
A obra principal de Mestre Dogen Zenji é o Shobogenzo nhas penduradas entre os bambus dos quatro cantos do altar e
(Olho Tesouro do Verdadeiro Darma) e de Mestre Keizan Jokin é animais representados por vegetais.
o Denkoroku (Anais da Transmissão da Luz). Nos mosteiros sede Monges e monjas budistas, no Japão, oram de casa em casa,
Família medieval japonesa preparando o fogo na entrada da casa - usado
tanto no início (mukaebi) como no final da Celebração de Obon (okuribi), de Eiheiji e de Sojiji as celebrações duram mais de uma semana nesta época do ano, em frente a altares como esse.
para chamar e depois se despedir dos espíritos ancestrais. Ilustração de e a maioria dos monges e monjas participam, de acordo com Dia 15 de julho é feita a grande celebração nos Templos e
4 de J. M. W. Silver (domínio público/Wikimedia Commons) sua linhagem, em um dos mosteiros principais. Mosteiros da Soto Zen Shu. 5
Conv ite A semente continua semente até o tempo de ser semente. prática se entrecruzando e coexistindo. Cada coisa com seu valor intrín-
A vocação de ser flor está íntegra na semente. Temos em nós a seco e relacionada a tudo o mais em função e posição, a vida
flor a ser despertada. Temos em nós a essência de tudo o que comum se encaixando no Absoluto, como diz o sutra. As coisas
As sementes da flor de lótus existe. A natureza da essência que é transformação, interação, Como um bobo, como um tolo... penetravam em mim e eu estava dentro delas. Eu não estava mais
movimento. E essa transformação interdepende de infinitas cau- olhando pelo caleidoscópio; eu estava dentro dele, eu era ele.
sas e condições. Nela já estão o lodo, a água, o ar, os pássaros, Há uma interpenetração recíproca do relativo e do Absoluto.
Fiquei surpresa ao colocar em minhas mãos aquelas sementes os insetos, a mata, a nossa presença e a de todos os seres. “O caminho que sobe e o caminho que desce são um Seria como aceitar miríades de circunstâncias sem cair em
de flor de lótus que encomendei para cultivar no sítio, em um lago Romper a “casca dura” é um processo de cuidado e determi- único e mesmo.” várias existências.
que se formou lentamente por nascentes escondidas na mata. nação, como quando Sidarta Gautama o fez, ao se colocar no Heráclito O zazen, os ensinamentos, as cerimônias e as tarefas coti-
Conhecemos a beleza da flor de lótus, tanto em botão quanto Caminho do Despertar. Sidarta já estava sentindo a “pressão” dianas não são coisas separadas. Entretanto, cada uma tem seu
em flor. Conhecemos as suas hastes longas, que saem do lago da florescência da flor de lótus nele, bem antes de se colocar a “Nosso corpo é a árvore Bodhi, lugar e posição: a cenoura e a sacola são Um, mas não se pode
em meio a grandes folhas. Seu nome científico, Nelumbo nuci- caminho – ao olhar a doença, a velhice e a morte, seu filho dor- E nossa mente, um espelho brilhante. comer a sacola.
fera. É uma planta aquática, nativa da Ásia, onde seu habitat mindo ao se despedir. Cuidadosamente devemos limpá-lo hora após hora, Não devemos dizer que tudo é prática, mas que tudo pode
são cursos de água lentos ou lagoas de água doce, vivendo Sidarta cultivou, cultivou, cultivou, cultivou com Para não deixar nenhum pó se acumular.” ser transformado em prática.
em pouca profundidade. É enraizada no fundo lodoso, em determinação. No Caminho do Meio, sentou-se, observou o Shin Shau (Jinshu) Posso estar sentado sem realmente fazer zazen, posso lim-
caules horizontais vigorosos, onde surgem essas belas folhas movimento incessante da mente, rompendo a casca dura de par o incensário sem estar praticando e me transformar num
arredondadas, sustentadas no espelho-d’água. E, segundo algu- todos os condicionamentos, até que, enfim, soltou, se abriu, “Não há nenhuma árvore Bodhi, erudito sem estar seguindo o Caminho.
mas fontes bibliográficas, é conhecida pela longevidade das realizou a grande sabedoria... Nem lugar para um espelho brilhante. Na minha posição, de leigo que não segue o catolicismo, eu
suas sementes, que podem germinar após 13 séculos. ... o movimento do desabrochar da mente bodhai, impossível Uma vez que tudo é vazio, estava plenamente presente naquela missa, estava dentro dela,
A flor de lótus é associada à pureza espiritual: ao nascer na evitar seu florescimento! Onde irá a poeira se assentar?” o incenso entrava em mim, então era uma prática.
lama ou no lodo, convida ao “caminho da purificação, da trans- Sem dentro e fora, onde está a flor? Hui Neng (Eno) Se estivesse numa cerimônia budista, sem plena atenção, só
cendência”. E, nas representações em estátuas ou pinturas, Buda “Se desde o início nada existe, onde pode se assentar?” observando, não seria uma prática.
e bodisatvas se encontram sobre uma flor de lótus. Surge Buda! “Eu, a Grande Terra e Todos Os Seres Prestar plena atenção, mas ficando de fora, tendo um Eu
“A flor de Lótus não se suja de lodo, nossas Nos Tornamos o Caminho.” Numa certa época, tendo realizado a unicidade de todas as que presta atenção, ainda é dualidade. Temos que prestar aten-
mentes devem ser assim puras...” Buda, semente, água, ar, lodo, flor de coisas (tudo era um), fiquei muito fascinado por isso. Achava ção estando dentro, fazendo parte do ato, sendo o ato.
Mas, afinal, o que me surpreendeu? lótus, todos os seres, uma mesma realida- que tinha chegado a algum lugar e estava muito satisfeito Por isso acho que os dois poemas acima, de uma certa forma,
As sementes são extremamente duras. de, como você, agora, lendo este texto. comigo mesmo. Eu tinha entendido o Darma... Mas coisas devem ser lidos juntos. Jinshu fala do relativo, e Eno, do absoluto.
Lisas, duras e escuras... Abri o papel Como você está diante da semente estranhas começaram a acontecer na minha vida. Ia à feira A dualidade está na nossa mente, nós a criamos. Mas não
que continha as recomendações de do despertar? A mantém guardada? ecológica com minha sacola de pano do Fórum Social Mundial podemos cair na ilusão oposta e criar apenas a ideia de que
como dar início ao cultivo e uma Uma vez que poderá se manter ainda e comprava algumas verduras. Aí chegava em casa, colocava tudo é um. Enquanto “achamos” que é isto ou aquilo, ainda há
delas era cortar ou raspar uma de por séculos? as verduras num gancho, cozinhava a sacola e comia. Mas, por dualidade, porque ainda há alguém que se põe de fora e obser-
suas pontas com cuidado para não O Caminho do Despertar nos sorte, minhas dores de barriga não duraram muito. Outro acon- va. Enquanto há um Eu que diz que tudo é Um, há dualidade.
“comprometer o núcleo”, facilitando convida a iniciar a raspar a nossa tecimento me livrou desse estado de “iluminação”. Mas, quando abandonamos o pensamento discursivo e a prá-
assim a penetração da água. Deixar “casca dura” com determinação e Um dia, estava assistindo a uma missa numa igreja católica tica de observar de fora, quando estamos vazios de um Eu que
de molho em água morna, trocar a cuidado, seguindo orientações sábias. e, de repente, realizei que aquela missa e uma cerimônia zen- se separa, fazemos parte de tudo aí entramos no Tão, que não
água todos os dias e, ao nascer das Nos “aninhando” em condições que -budista eram ao mesmo tempo a mesma coisa e diferentes. Não pode ser dito nem pensado....
folhas, transferir para o local definitivo permitam a adubação e a florescência. foi uma descoberta feita com raciocínio discursivo; foi um estalo, Como um bobo, como um tolo,
– o lago, a lagoa... Em Buda, em seus ensinamentos e na uma sacação. Claro que eu tinha lido (e várias vezes) o Sutra da O relativo e o Absoluto se integram.
...natureza berço, lama, lodo, águas nas- sanga budista. Identidade entre o Relativo e o Absoluto e o o Sutra do Espelho É o que é.
centes... causas e condições... Na casca dura, a mente de apegos, aversões Precioso, de modo que, de uma certa maneira, as ideias de abso-
Muni Edmundo Arregui Dantas iniciou sua prática
Ao ver a semente, levei-a à boca, como uma criança- e a indiferença. Na casca dura, a ganância, a raiva e a luto e relativo já estavam em mim. Mas – como vou dizer? – pare- em 2007, recebeu os preceitos em 2008 e é o primeiro
-bebê que leva à boca tudo aquilo que deseja conhecer. Curiosa e ignorância. Na casca dura, os condicionamentos da mente delu- cia que era por turnos: uma hora vinha um, outra hora outro. leigo em nossa família Zen que foi Shusso no ViaZen
atenta, toquei-a com os dentes para sentir a sua resistência. dida, que tece, freneticamente, realidades fixas, fonte de sofri- Mas agora era tudo ao mesmo tempo: o absoluto e o relativo de Porto Alegre, onde fez o Combate do Darma.
Comecei a estudar com maior determinação o texto de orien- mento. Na casca dura, também a realidade da proteção, o que
tação do cultivo, para compreender o que estava à minha frente, nos indica a considerarmos o cuidado para não ferir tudo o que
no grande desafio de agora facilitar a sua germinação. Nesse nos constitui, em transformação. Com a compreensão do olhar Cecy Ayumi Costa
momento, percebi estar diante do significado da “prática-Buda”. em profundidade, do acolhimento a tudo o que existe.
Meus olhos perpassaram aquelas misteriosas sementes escuras Do reconhecimento de nossas limitações ao reconhecimento
e de casca dura, o lodo onde se aninharão e a sua realização, de nossa natureza essencial. Do que se constitui lodo à trans-
expressa em um lago de flores de lótus desabrochadas. formação necessária, à transcendência...
A prática do despertar. A Comunidade Zen Budista convida você a mergulhar no lago
A prática enquanto um processo atento e de reconhecimento de lótus da mente desperta. A estar em comunidade, atuando
da necessidade de romper a casca dura, que impede que a água juntos, juntas nesse despertar, como crianças-buda, com deter-
da sabedoria penetre, e, ao mesmo tempo, enquanto cuidado minação, alegria e fluidez, para que a água da sabedoria penetre
para não ferir o núcleo essencial, DNA da natureza, com clareza e desabroche, em Mente Buda, para o bem de todos os seres.
do correto cultivo, seguindo a orientação de uma mestra. Bem-vindo! Bem-vinda!
Ilustração: Fugetsu Regina Cassimiro

Manejo, prática, perseverança, contemplação, olhar em pro- Mãos em prece,


fundidade e de longo alcance, transformações da semente à flor,
em redes sincrônicas e simultâneas...
Monja Heishin (Maria de Lourdes Ribeiro Gandra)
...sangas, lagos, lagoas, lodo, barro, mãos, papéis, árvores, é pedagoga, com especialização em orientação
palavras, relacionamentos, preces, incenso, velas, zafus, paredes, educacional, magistério e gestão ambiental. Atua há
um copo d’água, nuvem... lágrima, silêncio, vazio – nada fixo... 31 anos no governo estadual, em políticas públicas
6 contentamento... das áreas de Direitos Humanos e Meio Ambiente. 7
Programação Semanal Agenda da Comunidade Livros

A SABEDORIA DA
Segunda-feira
TRANSFORMAÇÃO
20h - Zazen (meditação) e Teisho Julho Em textos leves e
1 a 15 Treinamento Intensivo bem-humorados,
(palestra formal do Darma)
4 Combate do Darma da Shusso Monja Monja Coen nos
Kokai Eckert (Zen Vale dos Sinos/RS), no convida a rever valores
Terça-feira Templo Zenguenji, em Mogi das Cruzes, com e conceitos. R$ 25
20h - Curso de Introdução ao Zen-Budismo* o Monge Koshu Sato Sensei
12 Zazen para iniciantes, às 11h. A Coisa Mais
Quarta-feira Cerimônia de Obon, às 12h30. Preciosa da vida
Cerimônia de Preceitos, às 18h O sensível olhar de
20h - Curso de Zen-Budismo* Shundo Aoyama Roshi
17 e 18 Encontro Zen em Uberlândia, MG sobre as coisas simples
19 Aula de Shodô (Caligrafia Japonesa), às 15h e fundamentais.
Quinta-feira 22 a 24 Encontro Zen em Petrópolis, RJ R$ 30
20h - Palestra do Darma com Monja Coen 24 a 26 Sesshin Zendo Rio, Sta. Teresa – RJ
Para uma
Rôshi ou suas discípulas e/ou discípulos 16/7 a 2/8 O Templo Taikozan Tenzuizenji
Pessoa Bonita
de São Paulo estará fechado para pintura Ensaios escritos por
Sexta-feira interna Shundo Aoyama
Roshi, professora da
20h - Zazen e Dokusan Monja Coen no Japão.
Agosto
(entrevista para discípulas/os) 3 Reinício da programação semanal no
R$ 40

templo, com Zazen e Teisho (palestra formal PALAVRAS DO DARMA


Sábado do Darma), às 20h 108 reflexões
18h - Zazen para iniciantes 4 Início da nova turma do Curso de extraídas das
palestras de Monja
(aula prática de meditação zen-budista)** Introdução ao Zen-Budismo
Coen na Comunidade
5 Início do Curso de Zen-Budismo Zen Budista Zendo
15 Zazenkai (retiro de um dia), Brasil. R$ 10
Domingo das 9h30 às 17h
11h - Zazen para iniciantes 16 Zazen para iniciantes, às 11h. ZAZEN — A PRÁTICA
(aula prática de meditação zen-budista)** ESSENCIAL DO ZEN
Cerimônia de Obon, às 12h30.
Um guia passo a
12h30 - Encerramento Aula de Shodô (Caligrafia Japonesa), às 15h. passo para o zazen.
15h - Aula de Shodô - caligrafia japonesa
(no 3o domingo do mês) Setembro R$ 25 Preço promocional
4 a 7 Sesshin no VilaZen (RS)
* É necessário fazer inscrição para participar 19 Zazenkai (retiro de um dia),
VIVA ZEN
** Chegar 15 minutos antes das 9h30 às 17h Monja Coen mostra
20 Zazen para iniciantes, às 11h. que viver Zen não
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zendobrasil@gmail.com 17/10 Zazenkai (retiro de um dia) Monja Coen volta a
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Supervisão e edição: Monja Coen 27/12 a 10/1 Treinamento Intensivo nos ensinamentos
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Fugetsu Regina Cassimiro
Revisão: Shobun Andrea Caitano Ordenações Leigas

Participe você também! 5/4 Lilian Maria Nakhle – Jishin (bondade, Programa de Rádio
Mande fotos, sugira pautas, envie sua amor – coração, mente) Momento Zen: segunda, às 19h30,
dúvida sobre o Zen, escreva um artigo. 12/7 Thiago Fonseca Veras, de Fortaleza-CE. na Rádio Mundial (FM 95.7, AM 660,
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