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MÓDULO 6 Os Lusíadas – II
A narração da Viagem de Melin- no Palácio de Netuno, desembocan-
de até Calicute, na Índia, é retomada do na “llha dos Amores”, onde os planos
pelo poeta no Canto Vl. Seguem-se histórico e mitológico se fundem.
os episódios da conquista do Oriente.
No Canto IX inicia-se a viagem de re- ❑ Resumo dos cantos
gresso à pátria, interrompida na “Ilha
dos Amores”, onde os navegadores CANTO I
são recebidos por Tétis e pelas Ninfas, Proposição, invocação, de-
que amorosamente os recompensam dicatória, início da narração
dos duros trabalhos do mar; (rápida referência a que os portugue-
• a segunda ação histó- ses já navegavam no Oceano Índico);
rica, o relato da história de Portugal, Consílio dos Deuses no Olimpo; em
com dois narradores: Vasco da Gama Moçambique, Quiloa e Mombaça,
e seu irmão, Paulo da Gama. Vasco ciladas de Baco contra os navegado-
da Gama conta ao rei de Melinde a res e intervenções de Vênus e das
Luís de Camões fundação do País; os feitos dos reis e Nereidas a favor dos portugueses;
heróis portugueses, as principais bata- reflexões morais do poeta.
1. A NARRAÇÃO DO POEMA lhas que venceram (Ourique, Salado
e Aljubarrota); o episódio lírico-amoro- CANTO II
Já vimos, na aula anterior, que a so de Inês de Castro; o sonho proféti- Em Mombaça, narram-se as ma-
narração da viagem de Vasco da co de D. Manuel; o início da viagem; quinações de Baco e as interven-
Gama inicia-se na estrofe 19 do Can- o episódio do Gigante Adamastor, per- ções de Vênus e das Nereidas;
to I, com os navegadores já no meio sonificação do Cabo das Tormentas Vênus sobe ao Olimpo e queixa-se a
da viagem, em pleno Oceano Índico. e símbolo da superação do medo do Júpiter, que profetiza os feitos lusos;
Vimos também que a narração “Mar Tenebroso”. chegada a Melinde, onde os portu-
compreende duas ações históricas e A relação dos heróis portugueses gueses são bem recebidos.
uma ação mitológica. Dessas ações
e de seus atos é completada no Canto
destacam-se inúmeros episódios de CANTO III
Vlll, por Paulo da Gama, que conta ao
natureza simbólica, profética, lírica, Vasco da Gama invoca a inspira-
catual, a pretexto de explicar o signi-
naturista, histórica ou mitológica. ção de Calíope e inicia a narração da
ficado das bandeiras de Portugal, os
Particularizando melhor a nar- história de Portugal, destacando: os
feitos heroicos da gente lusitana.
ração, temos primeiros heróis (Luso e Viriato), a fun-
As narrativas são entremeadas de
• a primeira ação histórica, dação do País e os reis de Portugal, as
intervenções do poeta, principalmen-
que principia com os navegadores já batalhas de Ourique e Salado e o epi-
te no final dos cantos, em que Camões
em pleno Oceano Índico, próximos sódio lírico-amoroso de Inês de Castro.
lança suas reflexões morais, invectivas
de Moçambique.
contra o desprezo dos portugueses CANTO IV
Vencidos os perigos do mar e as
armadilhas de Baco, em Quiloa e pela arte, considerações sobre o ver- Vasco da Gama prossegue a nar-
Mombaça, os portugueses aportaram dadeiro valor da glória, sobre a sub- ração da história de Portugal: a Bata-
em Melinde. missão dos homens ao dinheiro e lha de Aljubarrota (centralização mo-
Do Canto lll ao V a ação (viagem) é sobre a decadência do país; nárquica — início da Dinastia de Avis).
interrompida, e Vasco da Gama • a ação mitológica, que prin- As primeiras conquistas, a Tomada de
conta ao rei de Melinde a história de cipia no Canto I, 20, com o episódio Ceuta, o sonho profético de D. Manuel,
Portugal, desde os heróis primitivos, do Consílio dos Deuses no Olimpo. que confia a Vasco da Gama o des-
passando por todos os reis, heróis e Baco é contrário aos portugueses: cobrimento do caminho marítimo para
feitos relevantes, até a inserção do Vênus é favorável a eles, e acaba con- as Índias. A partir desse ponto, Vasco
próprio narrador (Vasco da Gama) na vencendo Marte e Júpiter. A interven- da Gama passa a narrar a própria via-
história, narrando, ele próprio, a ção de divindades mitológicas (“ma- gem, a partida das naus e a adver-
partida das naus, os incidentes da ravilhoso pagão”) desdobra-se em ou- tência do Velho do Restelo (censura
viagem de Portugal a Melinde, a tros episódios: as ciladas de Baco, às navegações, representando a
travessia do Cabo das Tormentas, ou as intervenções de Vênus e das Nerei- sobrevivência da ideologia medieval,
da Boa Esperança. das, o Consílio dos Deuses Marinhos feudal e conservadora).
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CANTO V (a “Máquina do Mundo”), apontan- ❑ Inês de Castro (III,118-135)


Vasco da Gama conclui a nar- do os lugares onde os portugueses Episódio de natureza Iírico-amo-
ração da sua viagem. Fala do Cruzeiro iriam praticar grandes feitos. Camões rosa, simboliza a força e a veemência
do Sul, do fogo-de-santelmo, da narra o episódio de São Tomé, em do amor em Portugal.
tromba marítima, do episódio cômico que se fundem o “maravilhoso cris- Valendo-se de fontes medievais
de Veloso e do Gigante Adamastor tão” (bíblico), o “maravilhoso pagão” (as Trovas, de Garcia de Resende) e
(monstro de pedra que personifica o (mitológico) e o plano histórico. Tétis clássicas (a tragédia A Castro, de
Cabo das Tormentas, simbolizando a despede-se dos portugueses. Re- Antônio Ferreira), Camões, pela boca
superação do medo do “Mar Tene- gresso à pátria. Camões lamenta a de Vasco da Gama, inscreve na
broso”). De novo em Melinde, Vasco decadência de Portugal (Epílogo), epopeia a narrativa lírica da jovem
da Gama exalta a tenacidade portu- faz exortação a D. Sebastião e va- condenada pelo crime de amar. Inês,
guesa. Aqui se encerra o primeiro ticina as futuras glórias. jovem da pequena nobreza de
ciclo épico. Camões recrimina os por- Castela, apaixonou-se pelo Príncipe
tugueses pelo desapego à poesia. 2. EPISÓDIOS NOTÁVEIS D. Pedro (depois D. Pedro I, de Por-
tugal). A corte portuguesa opunha-se
CANTO Vl Os episódios de Os Lusíadas a tal união, e o Rei D. Afonso IV, mes-
Camões retoma a narração da via- são ações acessórias às ações mo reconhecendo a inocência da
gem de Melinde para a Índia. Os deu- principais. Além das ações históri- moça, não impede sua morte. Pedro,
ses reúnem-se no Palácio de Netuno cas, reais, narradas diretamente pelo na época em trabalhos de guerra na
para o Consílio dos Deuses Marinhos. poeta, por Vasco da Gama, ou por África, regressa a Portugal e encon-
A bordo das naus, os portugueses se seu irmão, Paulo da Gama, há epi- tra a amada morta (de onde vem a
entretêm com a narrativa cavaleires- sódios mitológicos, proféticos, líricos expressão popular “agora Inês é
ca do episódio dos Doze da Ingla- e naturistas (descrições da natu-
morta”). Diz a lenda que, treslouca-
terra (inspirada nos torneios da cava- reza), entremeados uns aos outros,
do, o príncipe teria desenterrado Inês,
laria medieval). Meditações do poeta de forma que um mesmo episódio
coroando-a rainha após a morte, e teria,
sobre o verdadeiro valor da glória. pode ter vários significados.
ainda, obrigado a corte a beijar a mão
da rainha-defunta. O certo é que, as-
CANTO VII ❑ O Consílio dos
sumindo o trono, foi um dos reis mais
Os portugueses chegam a Cali- Deuses no Olimpo (I, 20-41)
cruéis do país, obcecado pela vingan-
cute, na Índia. Camões descreve o Reunidos sob a presidência de
ça contra os algozes da amada.
Oriente exótico. Júpiter, os deuses discutem o futuro
das navegações portuguesas e da ❑ O Velho do
CANTO Vlll viagem de Vasco da Gama. Baco é Restelo (IV, 94-104)
Paulo da Gama, atendendo a um contrário aos portugueses, pois teme Quando as naus de Vasco da
pedido do catual (autoridade re- que eles suplantem seus feitos no Gama se despediam do porto de Be-
gional da Índia), explica o significado Oriente. Também Netuno (deus do lém, um velho, o Velho do Res-
das bandeiras de Portugal e refere- mar) fará depois oposição aos nave- telo, elevando a voz, manifestou sua
se aos heróis portugueses e aos gadores, invejoso de seus sucessos oposição à viagem às Índias. A sua
seus feitos. Camões narra os perigos marítimos. Vênus (deusa do amor) e fala pode ser interpretada como a
enfrentados no Oriente. Vasco da Marte (deus da guerra) tomam par-
Gama é feito prisioneiro e é res- sobrevivência da mentalidade feudal,
tido dos lusos, considerados pela deu- agrária, oposta ao expansionismo e
gatado em troca de mercadorias sa como os maiores amantes e, por-
europeias. Camões tece conside- às navegações, que configuravam os
tanto, seus protegidos, e tidos por interesses da burguesia e da monar-
rações sobre a onipotência do ouro.
Marte como os guerreiros mais valen- quia. É a expressão rigorosa do con-
tes. Após o debate, Júpiter decide a servadorismo. Certo é que Camões,
CANTO IX
favor dos portugueses. Baco, incon- mesmo numa epopeia que se propõe
Os portugueses iniciam a viagem
formado, desce à Terra e tenta im- a exaltar as Grandes Navegações,
de regresso. Vênus e as Ninfas prepa-
ram a “llha dos Amores”, prêmio e re- pedir o êxito da viagem, armando ci- dá a palavra aos que se opõem ao
pouso para os navegadores. É a fusão ladas e ataques traiçoeiros. projeto expansionista.
dos planos histórico e mitológico. Essa ação mitológica, a disputa
entre Vênus e Baco, interfere no plano ❑ O Gigante
CANTO X histórico, e tem o claro propósito de ele- Adamastor (V, 37-60)
Na “llha dos Amores”, Tétis e as var os navegadores à altura dos deu- Quando a esquadra de Vasco da
Ninfas oferecem um banquete aos ses olímpicos. Inspiradas na tradição Gama atravessava o Cabo das Tor-
navegadores. Tétis mostra a Vasco clássica, essas alegorias constituem mentas, passando do Oceano Atlân-
da Gama uma miniatura do Universo alguns dos pontos altos do poema. tico para o Índico, um monstro disfor-
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me e ameaçador interpela os navega- portugueses iriam fincar sua ban- De outras belas senhoras e Princesas
Os desejados tálamos enjeita,
dores, condenando sua ousadia, pro- deira, incluindo aqui o Descobri-
Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas,
fetizando desgraças e miséria. O Gi- mento do Brasil. Quando um gesto suave te sujeita.
gante narra, a seguir, a causa de sua Esse longo episódio é riquíssi- Vendo estas namoradas estranhezas,
transformação na figura monstruosa O velho pai sisudo, que respeita
mo em sugestões e significados.
O murmurar do povo e a fantasia
que guarnecia o Cabo das Tormentas: Simboliza a elevação dos navega- Do filho, que casar-se não queria,
tendo-se apaixonado por Tétis (filha dores à condição de semideuses, (III, 122)
de Dóris e Nereu), foi por ela repudia- interseccionando os planos histórico
do e tentou tomá-la à força. Derrota- Tirar Inês ao mundo determina,
e mitológico. Na exibição da Má- Por lhe tirar o filho que tem preso,
do e punido pelos deuses, foi transfor- quina do Mundo, os portugueses tor- Crendo com sangue só da morte indina11
mado num monstro de pedra. Inspi- nam-se senhores dos segredos do Matar do firme amor o fogo aceso.
rada na mitologia clássica (Homero e Que furor consentiu que a espada fina,
Universo, e Vasco da Gama triunfa Que pôde sustentar o grande peso
Ovídio), é uma das alegorias mais mais uma vez sobre Adamastor, tor- Do furor Mauro12, fosse alevantada
ricas do poema. Simboliza, no plano Contra hũa fraca dama delicada?
nando-se amante de Tétis, ninfa do
histórico, a superação, pelos portu- (III, 123)
mar. Inspirado em Virgílio, Horácio e
gueses, do medo do “Mar Tenebro-
Ovídio, o episódio é um hino ao amor (...)
so”, das superstições medievais. No
e à sensualidade.
plano lírico, desenvolve o tema do A corte, contudo, exige a morte
amante infeliz e desenganado (Tétis de Inês (nobre, mas bastarda), com
era esposa de Peleu, e enganou o TEXTOS quem o príncipe tinha filhos e de
Gigante); o amor-tragédia. Curiosa- quem não queria se afastar. Levada à
mente, o primeiro navegante a atraves- EPISÓDIO DE INÊS DE CASTRO presença do rei, Inês suplica a cle-
sar o Cabo das Tormentas, Bartolomeu (fragmentos) mência de D. Afonso IV, não por ela,
Dias, morreu exatamente ali, quando, ou pela sua vida, mas por seus filhos.
Passada esta tão próspera vitória1,
12 anos depois, em 1500, comanda- Tornado Afonso à Lusitana Terra, Observe a elegância e concisão do
va uma das quatro naus que Pedro A se lograr da paz com tanta glória poeta na estrofe que se segue:
Álvares Cabral perdeu na costa afri- Quanta soube ganhar na dura guerra,
cana, num naufrá gio. Era a O caso triste e digno da memória, Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito
Que do sepulcro os homens desenterra, (Se de humano é matar uma donzela,
vingança do Gigante, ou do Cabo Aconteceu da mísera e mesquinha Fraca e sem força, só por ter sujeito
da Boa Esperança, como o batizou Que depois de ser morta foi Rainha. O coração a quem soube vencê-la),
Bartolomeu Dias, em 1488. (III, 118) A estas criancinhas tem respeito,
Pois o não tens à morte escura dela;
Tu, só tu, puro Amor, com força crua, Mova-te a piedade sua e minha,
❑ A llha dos Pois te não move a culpa que não tinha.
Que os corações humanos tanto obriga,
Amores (IX, 18 a X, 143) Deste causa à molesta2 morte sua, (III, 127)
Após a conquista do Oriente, lan- Como se fora3 pérfida inimiga. Vocabulário e Notas
çadas as sementes do Império Por- Se dizem, fero Amor, que a sede tua 1 – Esta... vitória: refere-se à vitória dos cris-
Nem com lágrimas tristes se mitiga4, tãos na Batalha do Salado.
tuguês que aí surgiria, os navegado-
É porque queres, áspero e tirano, 2 – Molesto: lastimoso, lamentável.
res estão voltando a Portugal. Vênus, Tuas aras5 banhar em sangue humano. 3 – Fora: fosse.
entretanto, prepara-lhes uma surpre- (III, 119) 4 – Mitigar: abrandar.
sa, como recompensa aos seus es- 5 – Ara: altar.
Estavas, linda Inês, posta em sossego, 6 – Fruito: fruto.
forços e sacrifícios. Numa ilha para- 7 – Engano: êxtase, enlevo.
De teus anos colhendo doce fruito6,
disíaca, os navegadores são recebi- Naquele engano7 da alma, Iedo e cego, 8 – Fortuna: na crença dos antigos, deusa que
dos pelas ninfas do mar, que Cupido, Que a Fortuna8 não deixa durar muito, presidia ao bem e ao mal; destino, fado.
Nos saudosos campos do Mondego9, 9 – Mondego: rio que banha Coimbra.
por ordem de Vênus, fez enamora-
De teus formosos olhos nunca enxuito10, 10 – Enxuito: enxuto.
das dos portugueses. Emoldurados 11 – Indino: indigno.
Aos montes ensinando e às ervinhas
por uma natureza exuberante, vivem O nome que no peito escrito tinhas.
12 – Mauro: mouro.
instantes de prazeres ilimitados. (III, 120)
EPISÓDIO DO VELHO DO RESTELO
Homenageados por Tétis com um
Do teu Príncipe ali te respondiam
banquete, uma ninfa profetiza os Mas um velho, de aspecto venerando,
As lembranças que na alma Ihe moravam, Que ficava nas praias, entre a gente,
futuros feitos portugueses. Após, Que sempre ante seus olhos te traziam, Postos em nós os olhos, meneando
Tétis, do alto de um monte, mostra a Quando dos teus formosos se apartavam; Três vezes a cabeça, descontente,
Vasco da Gama a Máquina do De noite, em doces sonhos que mentiam, A voz pesada um pouco alevantando,
De dia, em pensamentos que voavam; Que nós no mar ouvimos claramente,
Mundo, espécie de miniatura do
E quanto, enfim, cuidava e quanto via C’um saber só de experiências feito,
Universo. Particularizando o globo Eram tudo memórias de alegria. Tais palavras tirou do experto1 peito:
terrestre, aponta os lugares onde os (III, 121) (IV, 94)

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“Ó glória de mandar, ó vã cobiça Deixas criar as portas o inimigo, Que a tua estátua ilustre não tivera
Desta vaidade, a quem chamamos Fama! Por ires buscar outro de tão longe, Fogo de altos desejos que a movera!
Ó fraudulento gosto, que se atiça Por quem se despovoe o Reino antigo, (IV, 103)
C’uma aura popular, que honra se chama! Se enfraqueça e se vá deitando a longe!
Que castigo tamanho e que justiça Buscas o incerto e incógnito perigo Não cometera o moço miserando8
Fazes no peito vão que muito te ama! Por que a Fama te exalte e te lisonje O carro alto do pai, nem o ar vazio
Que mortes, que perigos, que tormentas, Chamando-te senhor com larga cópia, O grande arquitector com o filho9, dando,
Que crueldades neles exprimentas2! Da Índia, Pérsia, Arábia e Etiópia. Um, nome ao mar, e o outro, fama ao rio.
(IV, 95) (IV, 101) Nenhum cometimento alto e nefando
Por fogo, ferro, água, calma e frio,
Condenando a temeridade de Oh! Maldito o primeiro que, no mundo, Deixa intentado a humana geração.
se lançarem os portugueses na con- Nas ondas vela pôs em seco lenho5! Mísera sorte! Estranha condição!”
Digno da eterna pena do Profundo6, (IV, 104)
quista do Oriente, adverte para o pe- Se é justa a justa Lei que sigo e tenho!
rigo representado pelos árabes e Nunca juízo algum, alto e profundo, Vocabulário e Notas
amaldiçoa as navegações: Nem cítara sonora de vivo engenho, 1 – Experto: experiente, sábio.
Te dê por isso fama nem memória, 2 – Exprimentas: experimentas.
Não tens junto contigo o Ismaelita3, Mas contigo se acabe o nome e glória! 3 – Ismaelita: referente a Ismael, filho de
Com quem sempre terás guerras sobejas? (IV, 102) Abraão, segundo o Velho Testamento.
Não segue ele do Arábio a Lei maldita, 4 – Pola: pela.
Se tu pola4 de Cristo só pelejas? Trouxe o filho de Jápeto7 do Céu 5 – Seco lenho: embarcação, navio.
Não tem cidades mil, terra infinita, O fogo que ajuntou ao peito humano, 6 – Profundo: inferno.
Se terras e riqueza mais desejas? Fogo que o mundo em armas acendeu, 7 – Filho de Jápeto: Prometeu.
Não é ele por armas esforçado, Em mortes, em desonras (grandeengano!). 8 – Miserando: digno de pena.
Se queres por vitórias ser louvado? Quanto melhor nos fora, Prometeu, 9 – Grande arquitector com o filho: Dédalo
(IV, 100) E quanto para o mundo menos dano, (da mitologia grega) e seu filho, Ícaro.

MÓDULO 7 Barroco
1. CONCEITO E ÂMBITO tações liberais do protestantismo e ção do espaço é perceptível em Vitória,
racionalismo na Inglaterra, Holanda e Palestrina, Bach e Haendel, no vir-
A apreciação do Barroco França. Nessa dimensão, o Barroco tuosismo dos esquemas polifônicos,
oscila entre a recusa e a posi- designa um certo número de estrutu- geradores do contraponto e da fuga.
ção negativista dos críticos ras formais que tendem a fundir e a Em sentido mais restrito, es-
que acusam o estilo de rebuscado, conciliar atitudes opostas, correspon- pecialmente espanhol, Barroco é a
artificial e vazio de conteúdo e a dentes à coexistência e interdepen- expressão artística e literária da Con-
apologia entusiasmada de ou- dência, mesmo conflituosa, de formas trarreforma católica e do absolutismo
tros, maravilhados com a engenho- sociais profundamente diferentes na das cortes dos Habsburgos. Expres-
sidade e sutileza da linguagem artís- Europa. Essa ânsia de fusão dos con- sa a dualidade cultural da Contrar-
tica barroca, voltada para a novida- trários fornece os principais elemen- reforma: Humanismo renascentista
de, para a alusão, para a suges- tos para a cosmovisão do Barroco: (valorização da cultura pagã do
tão e para a ilusão, entendida como 1) na Filosofia, a passagem de mundo greco-latino) mais a religiosi-
fuga da realidade convencional. uma concepção finitista e estática do dade tridentina, gerada na estufa da
Em sentido amplo, tomado como mundo para uma concepção infini- nobreza e do clero romano, espanhol,
constante universal, no homem e na tista, energética e dinâmica, com austríaco e português (valorização
arte, barroco designa um conjunto de Pascal, Newton e Giordano Bruno; da cultura cristã do mundo medieval).
características estéticas e formais que, 2) nas Artes Plásticas, essa A dualidade, o bifrontismo (Teo-
aparentemente, ressurgem em certas ânsia de expressar o movimento, a centrismo x Antropocentrismo, Fé x
épocas, como no Helenismo, no profundidade e a irregularidade pro- Razão, Céu x Terra, Alma x Corpo,
Gótico flamejante, no século XVII, no jeta-se em Michelângelo, Bernini, Virtude x Prazer, Ascetismo x He-
Romantismo e no Impressionismo, mar- Rubens, Velásquez, El Greco, Cara- donismo, Cristianismo x Paganismo),
cadas pela tendência à intensifica- vaggio, Rembrandt, Tintoretto e faz do Barroco ibérico-jesuítico a ex-
ção, ao exagero, e pela ânsia de ex- Zurbarán, na criação de um espaço pressão de um sentimento de dese-
pressar a tensão e a irregularidade. tumultuado que busca sugerir atmos- quilíbrio, de frustração e de instabili-
O Barroco designa as caracterís- feras ora místicas, ora imprecisas, dade, relacionado com a repressão
ticas que assumem a arte e a cultura repletas de elementos ornamentais e inquisitorial, com o terror político e re-
seiscentistas, condicionadas, de início, pormenores significativos; ligioso e com a decadência do mun-
pelo Absolutismo e pela Contrar- 3) na Música, esse mesmo sen- do católico, abalado com a derrota
reforma, incluindo, depois, manifes- tido de profundidade labiríntica e dilui- da invencível Armada, em 1588.
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