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Ana Lise Costa de Oliveira Santos

Flávio Aparecido de Almeida


(Orgs.)

PRÁTICAS EDUCATIVAS
ANTIRRACISTAS
DESAFIOS, PERSPECTIVAS E ESTRATÉGIAS
EM PESQUISA

VOL. 2

científica digital
EDITORA CIENTÍFICA DIGITAL LTDA
Guarujá - São Paulo - Brasil
www.editoracientifica.com.br - contato editoracientifica.com.br

Diagramação e Arte Edição © 2023 Editora Científica Digital


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XXX
Práticas educativas antirracistas: desafios, perspectivas e estratégias em pesquisa
/ Ana Lise Costa de Oliveira Santos (Organizadora), Flávio Aparecido De Almeida
ACESSO LIVRE ON LINE - IMPRESSÃO PROIBIDA

(Organizador). – Guarujá-SP: Científica Digital, 2023.


E-BOOK
Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
Inclui Bibliografia
ISBN 978-65-5360-526-8
DOI 10.37885/978-65-5360-526-8

1. Educação. I. Santos, Ana Lise Costa de Oliveira (Organizadora). II. Almeida, Flávio Aparecido
De (Organizador). III. Título.
CDD 370

Elaborado por Janaína Ramos – CRB-8/9166

Índice para catálogo sistemático:


I. Educação
2023
Ana Lise Costa de Oliveira Santos
Flávio Aparecido de Almeida
(Orgs.)

Práticas Educativas Antirracistas:


desafios, perspectivas e estratégias em
pesquisa

Volume 2

1ª EDIÇÃO

científica digital

2023 - GUARUJÁ - SP
CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. Humberto Costa
Prof. Dr. Joachin Melo Azevedo Neto
Prof. Dr. Jónata Ferreira de Moura
Prof. Dr. André Cutrim Carvalho Prof. Dr. José Aderval Aragão
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Prof. Dr. Carlos Alberto Martins Cordeiro Prof. Dr. Luiz Gonzaga Lapa Junior
Prof. Dr. Carlos Alexandre Oelke Prof. Me. Marcelo da Fonseca Ferreira da Silva
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Profª. Dra. Clara Mockdece Neves Profª. Dra. Maria Otília Zangão
Profª. Dra. Claudia Maria Rinhel-Silva Prof. Dr. Mário Henrique Gomes
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Prof. Dr. Cristiano Marins Prof. Dr. Octávio Barbosa Neto
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Prof. Dr. Flávio Aparecido de Almeida Prof. Dr. Wescley Viana Evangelista
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Profª. Dra. Geuciane Felipe Guerim Fernandes Prof. Dr. Willian Douglas Guilherme

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APRESENTAÇÃO

A obra Práticas Educativas Antirracista: desafios, perspectivas e estratégias


em pesquisa tem como finalidade ofertar ao meio acadêmico uma reflexão
pertinente e atual sobre a luta que travamos enquanto instituição de ensino
contra todo e qualquer tipo de racismo. Sabemos que tal prática no brasil é
estrutural e que ainda precisamos avançar de forma significativa na promoção
de políticas públicas e acesso a oportunidades, pois sabemos que um número
significativo de pessoas negras não frequentam escola e como consequência
não ocupam lugares no mercado de trabalho.
Racismo é crime e deve ser combatido com firmeza pela sociedade bra-
sileira, é inadmissível qualquer ser humano ser desqualificado e julgado por
sua cor de pele. A história da escravidão infelizmente deixou como resquício a
discriminação, a segregação e a desvalorização das pessoas afro-descentes.
Lutar por igualdade de condições e oportunidade é uma dívida histórica que
carregamos e que carregaremos ainda por longos anos.
Aproveite esta obra, na qual diferentes pesquisadores apresentam de forma
atualizada as práticas educativas antirracistas realizadas no bojo de cada escola
e universidade. Desejo uma excelente leitura e compreensão política, social,
cultural e antropológica do tema apresentado.

Flávio Aparecido de Almeida


Ana Lise Costa de Oliveira Santos
SUMÁRIO
Capítulo 01
ALAKOSO LARA GRIÔ: PRÁTICAS ANTIRRACISTAS JACUIPENSES DA
EDUCAÇÃO INFANTIL AOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Ana Lise Costa de Oliveira
10.37885/230613416....................................................................................................................................... 8

Capítulo 02

DA CONTRAVENÇÃO PENAL AO CRIME DE RACISMO: UMA HISTÓRIA DE


IMPUNIDADE
Alexandre de Castro; Jémerson Quirino de Almeida
10.37885/231215154 ....................................................................................................................................... 21

Capítulo 03

HÁ DISCRIMINAÇÕES NO ATENDIMENTO ÀS MINORIAS ÉTNICAS NO SISTEMA


DE SAÚDE?
Karine Lorenzen Molina; Claudia Carina Conceição dos Santo; Elizete Maria de Souza Bueno;
Daiana Nunes de Oliveira
10.37885/231215268 ...................................................................................................................................... 44

Capítulo 04

IRANTI TI AWON AGBALAGBA: A PEDAGOGIA GRIÔ ENREDANDO OS LAÇOS


ANCESTRAIS JUVENIS NA ESCOLA DE ENSINO MÉDIO
Ana Lise Costa de Oliveira
10.37885/230613415...................................................................................................................................... 54

Capítulo 05

POR UMA EDUCAÇÃO BRASILEIRA ANTICOLONIAL E ANTIRRACISTA


Camila de Freitas Moraes; Janaína da Silva Guerra; Roseane Torres de Madeiro
10.37885/230713581 ...................................................................................................................................... 69
SUMÁRIO

Capítulo 06

RENDIMIENTO ACADEMICO DE ESTUDIANTES CON Y SIN BECA EN LA


FACULTAD DE ECONOMIA DE LA UNIVERSIDAD NACIONAL DEL ALTIPLANO-
PUNO
René Paz Paredes Mamani; Sabino Edgar Mamani Choque; Roberto Arpi Mayta
10.37885/231114927 ....................................................................................................................................... 85

SOBRE OS ORGANIZADORES .................................................................................................... 97


ÍNDICE REMISSIVO................................................................................................................................... 99
01

ALAKOSO LARA GRIÔ: PRÁTICAS


ANTIRRACISTAS JACUIPENSES DA
EDUCAÇÃO INFANTIL AOS ANOS
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Ana Lise Costa de Oliveira


Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC)

10.37885/230613416
RESUMO

Objetivo: Nesta publicação tematizamos sobre a educação étnico-racial numa


escola pública municipal em Riachão do Jacuípe, estado da Bahia. Objetivou-se
fomentar uma educação étnico-racial centrada nas africanidades e ênfase na
pedagogia griô. Métodos: O estudo qualitativo teve suas bases na pesquisa-a-
ção, como lócus uma escola municipal da educação infantil aos anos iniciais do
ensino fundamental, como sujeitos os docentes, como instrumentos de coleta
a observação participante e o grupo focal. Resultados: evidenciou-se que as
práticas pedagógicas antirracistas, tendem para a superação do racismo, do
preconceito e da discriminação. A presença articuladora, formadora e transforma-
dora do coordenador pedagógico foi determinante para a mudança das práticas
em educação étnico-racial superando o folclorismo e buscando aproximar-se
cada vez mais das raízes griôs da cultura negra local. Conclusão: A prática
mediadora do coordenador juntamente com os docentes ressignificou o trabalho
coletivo em prol no antirracismo escolar e social.

Palavras-chave: Educação Étnico-Racial, Coordenador Pedagógico, Pedagogia Griô.

ISBN 978-65-5360-526-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


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INTRODUÇÃO

A temática da diversidade tem se tornado condição imprescindível para


o desenvolvimento da educação contemporânea. Nesta publicação, ensejamos
somar a discussão junto ao eixo discursivo práticas educativas antirracistas:
desafios, perspectivas e estratégias em pesquisa, evidenciando a educação
étnico-racial no contexto de uma escola pública da rede municipal, na cidade
de Riachão do Jacuípe, situada no sertão baiano. O título iniciado escrito em
expressão iorubá, alakoso lara griô, que quer dizer, o líder do grupo, convida-nos
a refletir sobre o papel de liderança confiado ao coordenador pedagógico em
prol do antirracismo nas escolas.
Motivados pela vigência das leis 10.639 (Brasil, 2003) e 11.645 (Brasil,
2008), pelo anúncio da década mundial da africanidade (2015-2024), conforme
UNESCO (2015), bem como a recorrente vivência de situações preconceituosas
no nosso cotidiano escolar, e os oportunos estudos latu sensu em Coordenação
Pedagógica, frutos da parceria entre os municípios e a Universidade Federal da
Bahia (UFBA), decidimos desenvolver a nossa pesquisa-ação que resultou em
um projeto vivencial “A África está dentro de nós: por uma pedagogia antirracista
na escola”, realizado desde 2015, estendendo-se até os dias atuais.
Nesse interim, a proposta suscita uma problemática que diz respeito
ao desafio de desenvolver uma nova cultura escolar que lide de uma forma
inovadora com a educação para as relações étnico-raciais, deixando para traz
práticas folcloristas, racistas, preconceituosas e discriminatórias, vistas comu-
mente nas relações sociais advindas de um passado escravocrata. Objetivamos
aqui refletir sobre a valorização da cultura afro-brasileira, destacando o papel
do coordenador pedagógico na promoção da educação antirracista nas esco-
las, indo ao encontro da pedagogia das africanidades, ao que denominamos
de pedagogia griô.

MÉTODOS

Os caminhos dessa investigação são frutos de uma abordagem qua-


litativa, com foco na pesquisa-ação, tendo como instrumentos de coleta de
dados a observação participante e o grupo focal. A escolha por tais caminhos

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justifica-se pela própria temática suscitada. Segundo Barbier (2002) a pesquisa
ação implica uma intervenção que visa a mudança social de um grupo, de uma
instituição. O nosso propósito foi agir para a mudança das práticas antirracistas,
para além das questões da colonialidade do poder, adentrando na descoloni-
zação do pensamento e na decolonialidade das práticas educativas. Trabalhar
a educação para as relações étnico-raciais na escola pública implica um olhar
diferenciado para o ato educativo visto como um “processo” de permanente de
desvelamento, (des)construção e ressignificação. Ao analisar práticas a partir
de um projeto vivencial, nos trouxe a preocupação com o processo e a dinâmica
tramada por seus sujeitos, ou seja, com o “vir a ser” e o “ser- sendo”, é condi-
ção sine qua non de um trabalho de natureza qualitativa e social (MINAYO, 2010).
No tocante ao universo da pesquisa e seus sujeitos, trabalhamos com uma
escola de grande porte da sede, situada em um bairro para além das margens
do Rio Jacuípe, onde se concentra boa parte da população carente. O projeto
vivencial foi realizado entre os meses de julho a novembro do semestre dos anos
letivos de 2015 a 2018. Foram analisadas as etapas de elaboração, vivência e
culminância dos projetos, juntamente com os professores e gestão da escola.
Como o intuito era acompanhar os impactos e as mudanças, exploramos o
campo de pesquisa através do nosso diário de campo e dos diálogos gerados
nas três sessões de grupo focal, realizadas após o projeto.
Assim, por meio do grupo focal e do diário de campo os dados foram
coletados e tratados pela análise de conteúdo do tipo temática, segundo Bar-
din (2009). Os sujeitos participantes foram os docentes da escola investigada,
perfazendo um total de oito professores da educação infantil, 1º ao 5º ano das
séries iniciais do ensino fundamental, nominados aqui por codinomes africanos,
e a coordenadora pedagógica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nessa seção, serão apresentadas asvisões dos professores acerca do


trabalho do coordenador pedagógico frente ao projeto de africanidades na
escola, a partir do desenrolar da temática central é que a educação étnico-ra-
cial da educação básica.Antes de adentrarmos nos pormenores da atuação

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do coordenador pedagógico, exporemos um breve panorama do projeto de
vivencial e em seguida um balanço crítico de realização.
Com relação à proposta de intervenção, a mesma foi originária de um
projeto pedagógico intitulado “Africanidade e Identidade Cultural: a nossa his-
tória passa por lá”, implantado pela nossa Secretaria Municipal de Educação,
Esporte, Cultura e Turismo (SMEECT) de Riachão do Jacuípe, no quadriênio
2015-2018. Buscando e entendendo a importância da temática para além do
processo de sensibilização e visando à superação da descontinuidade e da
superficialidade da mesma, reinventou-se o projeto, perdurando até os dias
atuais, cujo lema foi “A África está dentro de nós: por uma pedagogia antir-
racista na escola”, acrescentando assim uma proposta inovadora: a inserção
da pedagogia das africanidades, com inspiração na pedagogia griô, na prática
pedagógica escolar investigada.
Vale ressaltar que a iniciativa de continuidade dessa proposta partiu dos
estudos de uma coordenadora pedagógica negra que, conviveu com o precon-
ceito dentro de próprio espaço de atuação escolar e, diante de seus conheci-
mentos sendo aprimorados em um curso de especialização em coordenação
pedagógica também na mesma época, decidiu por em prática os conhecimentos
apreendidos; sentindo-se desafiada, lançou a proposta de trazer a pedagogia
griô pra dentro da dinâmica escolar.
Nesse interim, o projeto vivencial envolveu a participação coletiva de ges-
tores, professores e funcionários da escola investigada desde o seu nascedouro.
Sendo que o mesmo teve suas principais ideias forjadas nas reuniões de horário
de trabalho pedagógico coletivo (HTPC) e assim ocorreu toda construção do
mesmo. A dinâmica de construção planejada seguiu os seguintes passos: levan-
tamento das necessidades, estudos, planejamento das atividades. As escritas
das ideias do projeto compartilhadas no grupo eram sistematizadas pelo coor-
denador pedagógico e transcritas em textos e num plano de ação para todos
desenvolverem em suas respectivas funções no espaço de escolar.
O objetivo geral do referido projeto foi promover práticas em educação
étnico-racial na escola, evidenciando a cultura negra e tendo como preocupa-
ção fundamental o combate ao racismo, ao preconceito, à discriminação, bem
como a vivência da diversidade por meio do exercício de princípios e valores.
Metodologicamente, a linha de ação do projeto foi construída em três etapas

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estratégicas: a prática de oficinas pedagógicas interdisciplinares, a realização
de dias “D” das Africanidades na escola e, por último, a culminância do Projeto
para a comunidade escolar e sociedade.
Inspirados na pedagogia griô, apostamos no uso da tradição viva e na
oralidade como mola mestra para a partilha dos saberes (HAMPATÊ BÂ, 2010;
PAULA, 2015). Essa prática pedagógica nos permitiu a possibilidade de parti-
lhar os conhecimentos indo ao encontro das nossas raízes negras sertanejas,
acolhendo um mundo novo, trouxe encantamento e motivação para seguir
perpetuando uma educação antirracista.
Passemos então ao balanço crítico da realização do projeto, tendo em
vista a reflexão dos docentes sobre sua própria prática, com ênfase na atuação
da coordenação pedagógica como articulador desse processo.
Ressaltamos que, como todo projeto de intervenção, assim como toda
prática educativa, existem erros e acertos. Aqui traduzimos essas constatações
dos docentes e da coordenação, por meio de limitações e potencialidades.
Desse modo, em relação às limitações, no princípio a quase ausência da cultura
escolar coletiva comprometeu a execução do projeto, conforme é revelado no
diário de campo da coordenadora pedagógica:

O primeiro dia “D” de Africanidade que aconteceu aqui na escola


foi bastante complicado, porque quando cheguei à escola, o
espaço onde ia acontecer o evento nem existia. Fiquei triste e os
convidados já haviam chegado, nem o espaço do evento estava
arrumado! Os professores estavam nas salas com seus alunos e
os convidados estavam esperando. Pensei em desistir, no ato, mas
ergui a cabeça e segui em frente, chamei os outros funcionários
e arrumamos o ambiente, confortamos todo mundo e o projeto
mesmo atropelado se realizou. Vi que meu senso interventor,
a coragem de ser pesquisadora, a vontade de transformar me
fizeram ir adiante, superando as limitações e vencemos. (Diário
de Campo, outubro de 2015)

Os docentes também foram convidados a refletir sobre a trajetória do


projeto, apontando limitações e potencialidades. Sobre as limitações, alguns
docentes alegaram ter tido pouco tempo para preparar suas atividades, ficando
algumas questões atropeladas. Outros evidenciaram o tempo restrito para as
formações e capacitações na escola, sendo os momentos de HTPC (Horário

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de Trabalho Pedagógico Coletivo) os únicos para tal finalidade. Outra situação
limitante e negativa foi a postura inquieta dos estudantes durante a socialização
das apresentações. Também foi sentida a ausência da maioria dos pais dos alunos
e dos representantes da Secretaria de Educação para prestigiarem os eventos.
Sobre os acertos e potencialidades do projeto, o assunto mais manifesto
foi a valorização da autoestima dos estudantes. Durante o percurso, quer nas
salas de aula, quer na socialização dos Dias “D” de africanidades, os estu-
dantes foram cativados com as práticas educativas realizadas e se sentiram
mais valorizados. A ampliação dos conhecimentos sobre as africanidades foi
um item bastante comentado entre os professores, que passaram a conhecer
muito mais do que imaginavam aprender. O diário de campo também sinaliza
algo importante: “analiso ao final desse projeto que nós conseguimos anunciar
uma nova cultura escolar, de participação de todos; pude como coordenadora
pedagógica colaborar para o senso de coletividade dentro dessa metodologia
de projetos” (Diário de campo, novembro de 2015).
Ao discutirmos sobre as limitações e as potencialidades expostas em
parágrafos anteriores podemos inferir que um dos maiores desafios é a inser-
ção de uma prática pedagógica que atenda de fato as demandas do contexto
escolar que é por natureza diverso. Didaticamente falando, nos amparamos nas
discussões que focam no combate ao daltonismo cultural e na “reinvenção”
da escola, através da interculturalidade. Nesse sentido, situamos nosso agir
pedagógico considerando a interculturalidade como “um elemento central nesse
processo de ‘reinventar a escola’, articulando igualdade e diferença e construindo
saberes e práticas comprometidos com o fortalecimento da democracia e da
emancipação social.” (CANDAU, 2012, p. 13).
Concernente à participação da coordenação pedagógica no projeto
de intervenção, depreendemos que a totalidade dos docentes reconheceu o
papel formador, articulador e transformador desse profissional. No entanto, do
ponto de vista de quem articula, quase sempre há conflitos entre os docentes
e a coordenação, porque muitas vezes os primeiros se sentem pressionados e
a segunda se sente desvalorizada.

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Nos encontros de HTPC, sempre introduzia com um texto, slides,
tentando trabalhar bem os conceitos do projeto com os professores.
Estes, a princípio, diziam que já sabiam, que queriam logo saber
das sugestões de trabalho com os alunos. Isso me angustiava, pois
percebia que muitos deles não sabiam de fato o que realmente
significavam algumas palavras. Insistia em trabalhar primeiro os
conceitos para depois as estratégias. O embate estava posto!
Alguns conceitos como Africanidade, alteridade, consegui trabalhar;
outros, não como eu gostaria.(Diário de campo, setembro de 2015).

O diário de campo revela que o trabalho do coordenador pedagógico


diante da formação docente é cheio de embates, marcado pelo aligeiramento
das formações continuadas. De um lado, os docentes admitem querer ajuda
para fundamentar suas práticas. De outro, aparentam “recusar” a dedicaçãoao
aprofundamento teórico conceitual dos assuntos.
No tocante às dificuldades da execução do projeto, todos revelaram que
sentiram falta de uma maior capacitação para lidar com a temática da diversidade,
especialmente a questão da educação étnico-racial. Isso demonstra a carência
do uso do espaço escolar, até então não visto por eles como meio de formação
continuada. Uma docente demonstrou que a presença da coordenadora peda-
gógica não interferiu muito em seu trabalho, aparentando certa invisibilidade
desse profissional no contexto educativo. Já referente aos avanços, os docentes
sinalizaram que se sentiram acolhidos, que havia sempre o diálogo e a escuta
nas preparações para as atividades do projeto de intervenção, sendo as decisões
tomadas como base o consenso da coletividade. Alguns trechos sinalizam isso:

Nos nossos encontros de preparação dos trabalhos, a coordenadora


sempre se fazia presente nos apoiando em tudo, mas na minha sala
na execução ela vinha pouco e senti falta disso. Não houve muito
diferencial da presença da coordenadora na execução do projeto,
pois a gente sabendo o que ia fazer na sala, tendo o esquema do
que é proposta, a gente ia lá e fazia sem a presença dela. AjêXalugá.

A coordenação nos deu suporte, eu digo, até trabalhou e se envolveu


demais. Se não fosse a sua contribuição, o projeto não fluiria e
provavelmente não teria tanto sucesso. Yemanjá.

Eu gostei muito da atuação da coordenadora porque nos orientou


de fato, apresentou suas ideais, ouviu nossas sugestões, angústias
e contribuições e principalmente construiu junto com a gente,

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diferente de como a gente estava acostumado dos projetos virem
da Secretaria de Educação, de cima pra baixo e a gente ter que
“engolir” sem poder dizer nada. Agora foi diferente porque ela, a
coordenadora, caminhou junto com a gente. Olocum.

A gente aqui não tinha coordenador por muito tempo; muitos que
foram designados pra aqui, mas os que vinham não ficavam. Até
que veio essa coordenadora e ficou conosco. Com a chegada da
coordenação, senti que não só esse projeto, mas todas as outras
coisas fluíram, teve mais preparo com a gente, no sentido da
formação, um cuidado maior, sabe? Teve outra coisa, a participação
dos mestres na escola aproximou mais a comunidade e esse
sempre foi o nosso desafio aqui: trazer a comunidade pra escola
e nós conseguimos nesse projeto mais do que isso; fazer com
que ela, a comunidade, desse sua contribuição na escola. E foi a
coordenadora que articulou tudo isso e nos incentivou a buscar
esses mestres e trazer pra escola. Assim o nome da escola ficou
mais valorizado e nosso trabalho reconhecido. Eno.

Sobre essa questão da formação dos professores no contexto da escola,


faz-se necessário refletir que “qualquer processo formativo e qualquer prática
educativa só avançam se abordados numa perspectiva do trabalho coletivo”,
afirmam Placco e Souza (2010, p. 27). A ação coletiva implica o enfrentamento
dos desafios presentes na escola. Nesse sentido, as autoras ratificam o sonho
da coordenadora, bem como dos professores e participantes desse projeto:
que o espaço escolar seja parâmetro para o desenvolvimento profissional. Para
que isso aconteça é preciso que os projetos de escola reflitam cada um de seus
participantes, seus desejos, anseios, limitações e potencialidades. E cabe ao
coordenador assumir o desafio de articular esse ideal da formação continuada
na e para a escola.
Coadunando nesta perspectiva, Gomes (2012), traz uma grande contri-
buição ao entendimento da dinâmica das práticas em educação étnico-racial.
Para que o trabalho com essa temática dê certo, é preciso muito mais do que
boas práticas em sala de aula. Faz-se necessária uma formação docente inicial
e continuada para a educação antirracista. A escola historicamente sempre foi
lugar de reprodução de desigualdades e, somente agora na contemporaneidade,
se abre para a diversidade. Considerando isso, é preciso também um investi-
mento nas políticas públicas para a diversidade. Além do mais, o investimento

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tem que ser na sua totalidade, envolvendo toda a comunidade escolar, para
se possa evitar a mera repetição do discurso politicamente correto, mas ao
mesmo tempo com práticas discriminatórias e preconceituosas, reinventando
assim o espaço escolar.
No tocante ao papel do coordenador no atendimento à diversidade,
André e Dias (2012) sugerem que é necessário formar professores que saibam
lidar com a diversidade no seu contexto educativo. Tal afirmação, associada à
experiência coletiva adquirida neste projeto, permite-nos algumas inferências:
devemos inserir nos processos de formação de professores reflexões acerca do
“reconhecimento, a aceitação do outro, os preconceitos, a ética, os valores, a
igualdade de direitos e, por último, a diversidade” (ANDRÉ e DIAS, 2012, p. 69).
Além disso, aprendemos que, para lidarmos com essas questões da diversidade,
sobretudo a afrodescendência, objeto deste estudo, devemos considerar os
professores e a nós mesmos como sujeitos socioculturais.

CONCLUSÃO

Para concluir, sem terminar, depreendemos desse estudo que a unani-


midade dos docentes reconhece o triplo papel protagonizante, “articulador”,
“formador” e “transformador” do coordenador pedagógico, no desenvolvimento
de projetos para a diversidade no contexto escolar, a exemplo da temática
educação étnico-racial, dentre outras. A maioria dos docentes também está a
favor da continuidade do projeto de africanidades, considerando que grande
parcela estudantil é afrodescendente. É preciso também adequar os projetos
às necessidades dos alunos e as suas especificidades. O tempo de realização
deve se estender para todos os próximos anos letivos.
Reiterando, toda a comunidade escolar foi instigada pela intervenção da
coordenadora pedagógica a buscar seus meios de contribuir com a temática
da educação étnico-racial. A parceira com a comunidade, através dos mestres
griôs, bailarinos, trancistas, professores, capoeiristas, sambadores de roda,
contadores de “causos”, jovens estudantes secundaristas, líderes comunitários,
contadores de história e fomentadores da pedagogia das africanidades, deve
permanecer; e ser ampliada para convidados além das fronteiras do bairro em
que a escola investigada está inserida.

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Portanto, para nós, muito mais do que um projeto de intervenção, este
foi um projeto de realização pessoal, em que nele se envolveram corpo e alma.
Isso foi um processo de libertação, especialmente para a coordenadora pedagó-
gica e também pesquisadora. Esperamos, nas próximas propostas, avançar na
pedagogia griô que, por enquanto, só foi uma aproximação ao cotidiano escolar.
Logo, concernente à análise aqui revelada por meio das categorias, pode-
mos concluir que a vivência da educação étnico-racial na escola investigada
ainda precisa caminhar no compasso da legislação oficial a respeito do tema.
Apesar das limitações encontradas na execução do projeto da intervenção e
confessadas pelos docentes em seus depoimentos nas sessões de grupo focal,
bem como nas descrições dos diários de campo da pesquisadora, podemos
afirmar que as práticas educativas, com ênfase na afrodescendência, realizadas
pelos docentes estão sendo tendenciadas para o reforço de uma pedagogia
antirracista, ao contrário de sua subversão. Enfim, todos almejam a concretização
de um atendimento à diversidade mais justo e democrático.
Finalizamos esse artigo, acreditando em algumas assertivas: não somente
boas práticas em educação étnico-racial dentro da sala de aula farão atenuar
o preconceito, o racismo e a discriminação social. É preciso uma mobilização
socioeducacional que contemple um efetivo processo de mudança que começa
na esfera da articulação das políticas públicas, na regulamentação da legislação
étnico-racial em âmbito municipal, na formação continuada dos profissionais
da educação, na parceria entre escola e sociedade.
Por fim, somos perseverantes em afirmar que as nossas humildes práticas
em educação étnico-racial são irradiadoras e provocadoras desse longo, intenso
e contraditório, mas necessário, processo de mobilização e efetivação; processo
esse que deve acontecer de maneira invertida, isto é, do chão das escolas para
o chão dos palácios governamentais. Há que se pensar também que a realiza-
ção de tais práticas implica a ressignificação das exigências de natureza ética,
epistemológica e pedagógica, como bem sugerem as legislações e publicações
apresentadas e que referendaram o nosso trabalho de conclusão de curso.

r tica d cati a Antirraci ta de afio er ecti a e e trat ia em e i a


18
Agradecimentos

Eterna gratidão à comunidade escolar investigada, aos mestres e mestras


griôs jacuipenses do bairro Bela Vista, ao amigo griô Jorge Calvancante, às
colegas coordenadoras pedagógicas Joélia e Camila, à minha família afrodes-
cendente, Vó Ana rezadeira, mainha Antonia parteira, meu filho Pedro Lucas,
minha filha Analuz, cuja ancestralidade fecunda e torna meus caminhos prós-
peros e esperançosos.

REFERÊNCIAS
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a diversidade. In: ALMEIDA, Laurinda R.; PLACCO, Vera Mª N.S. O coordenador Pedagógico e o
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______. Lei 11.645/08 de 10 de março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática
“História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil.
Brasília: DF, 10 mar. 2008. Disponível em:<www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/
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ISBN 978-65-5360-526-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


19
PLACCO, Vera M. N. S.; SOUZA, Vera L.T. Desafios do coordenador pedagógico no trabalho coletivo
da escola: intervenção ou prevenção? In: PLACCO, Vera M. N.S.; SOUZA, Vera L. T. In: PLACCO, Vera
M. N. S.; AALMEIDA, Laurinda R. O coordenador pedagógico e os desafios da educação. 3ª edição.
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people-of-african- descent/#c1465007. Acesso em: 4 de julho de 2015.

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20
02

DA CONTRAVENÇÃO PENAL AO CRIME


DE RACISMO: UMA HISTÓRIA DE
IMPUNIDADE

Alexandre de Castro
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)

Jémerson Quirino de Almeida


Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)

Artigo original publicado em: 2018 - Revista Mosaico – Volume 9 – Número 15


Oferecimento de obra científica e/ou literária com autorização do(s) autor(es) conforme Art. 5, inc. I da Lei de Direitos Autorais -
Lei 9610/98.

10.37885/231215154
RESUMO

Este artigo tem como objetivo central analisar e interpretar aspectos herme-
nêuticos relacionados ao crime de racismo no Brasil. A primeira lei com vistas a
combater o racismo foi promulgada em 1951, conhecida como Lei Afonso Arinos
seguida de disposições e nova redação, em 1985, pela Lei 7.437/85. Mas, foi
somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que o racismo
deixa de figurar como mera contravenção penal e passa a ser considerado crime
propriamente dito. Em 1989, a definição do racismo como crime é apresentada
pela Lei nº 7.716/89, conhecida como Lei Caó. Com a intenção de ampliar o rol
de crimes resultantes de discriminação, a Lei 9.459/97 acabou por acrescentar
um novo parágrafo ao Artigo 140, § 3º do Código Penal brasileiro introduzindo
a figura da injúria. A partir de então, a grande maioria de crimes de racismo
vem sendo relatados nos inquéritos policiais como injúria grave, em virtude
da argumentação da dificuldade em provar o ato criminoso. Problematizando
o argumento da falta de provas e de posse do referencial teórico de Bourdieu
(1989), realizamos uma revisão bibliográfica e apresentamos uma abordagem
jurídico-sociológica no sentido de discutir a histórica descaracterização do
crime de racismo que tem sofrido resistência das Instituições jurídicas e judi-
ciárias brasileira em reconhecer o preconceito racial como um verdadeiro crime
contra a etnia negra.

Palavras-chave: Racismo, Etnia Negra, Constituição Federal, Poder Simbólico.

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22
INTRODUÇÃO
As feridas da discriminação racial se exibem ao mais superficial olhar
sobre a realidade social do país. A ideologia oficial ostensivamente
apoia a discriminação econômica – para citar um exemplo – por
motivo de raça. Até 1950, a discriminação em empregos era uma
prática corrente, sancionada pela lei consuetudinária. Em geral,
os anúncios procurando empregos se publicavam com a explícita
advertência; “não se aceitam pessoas de cor.” Mesmo após a lei
Afonso Arinos, de 1951, proibindo categoricamente a discriminação
racial, tudo continuou na mesma. Trata-se de uma lei que não é
cumprida nem executada. Ela tem um valor puramente simbólico.
Depois da lei, os anúncios se tornaram mais sofisticados que antes:
requerem agora “pessoas de boa aparência”. Basta substituir “boa
aparência” por “branco” para se obter a verdadeira significação
do eufemismo. Com lei ou sem lei, a discriminação contra o negro
permanece: difusa, mas ativa. (NASCIMENTO, 2016, p. 97)

O Brasil é um país que possui em sua conformação social uma enorme


gama de etnias, constituindo-se num mosaico de grande diversidade cultural. Fato
que nos torna conhecido mundo afora pela esplêndida diversidade nos costumes.
Nosso trabalho realiza uma clivagem em relação a este xadrez cultural,
clivagem essa particularmente com relação aos negros. Após a assinatura da
Lei Áurea em 1888, a euforia denunciava a crença no fato de que se tornariam
cidadãos com tratamento formal e igual diante da lei, ou seja, de possuírem
as mesmas oportunidades, exercerem os mesmos direitos, podendo assim
usufruir todas as riquezas e oportunidades desta terra, num Brasil baseado na
“democracia racial”. Porém, a realidade se mostrou bastante adversa, pois os
reflexos do sistema colonial explorador e opressor de quinhentos e dezessete
anos ecoam até hoje, fazendo com que, não só negros, mas também índios
e minorias sejam explorados, desprezados, segregados e tratados de forma
diferente, muitas vezes desumana.
Embora muitos neguem tratamentos diferenciados, negativos e prejudiciais
às pessoas negras, insistindo na ideologia da “democracia racial”, basta certa
dose de sensibilidade social ou análise de pesquisas realizadas recentemente
sobre o assunto, para comprovar a grande desigualdade existente entre brancos
e negros. Segundo o IBGE, em 2013, os trabalhadores negros ganharam apenas

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pouco mais da metade dos rendimentos daqueles que exercem a mesma função
e possuem pele branca.
Nota-se também que a população negra se constitui nas maiores vítimas
da violência urbana. Nos casos de homicídios, estudos divulgados no fim de 2013
pelo Instituto de Pesquisa Econômico Aplicado – IPEA apontam um percentual de
duas vezes mais assassinatos de negros do que brancos: “O negro é duplamente
discriminado e tem a probabilidade aumentada de sofrer homicídio em cerca
de oito pontos percentuais no Brasil, por sua situação socioeconômica e por
sua cor da pele (preta ou parda)”, observa o estudo. (CERQUEIRA, 2013, p. 48).
A promulgação do Estatuto da Igualdade Racial, em vinte de julho de 2010,
encerra uma importante conquista resultante da constante luta empreendida pelos
negros, iniciada ainda no cativeiro, que nos permite reunir, analisar e interpretar
aspectos dos direitos (ou de sua negação) de uma cidadania negra no Brasil.
Do universo de problemas que a sociedade brasileira enfrenta no que
diz respeito à relação existente entre cor de pele e discriminação, elegemos um
aspecto importante a ser discutido neste trabalho, aspecto este relacionado
ao surgimento, sobretudo a capacidade de sobrevivência do crime de racismo
praticado contra o negro.
Nossa análise se baseia em destacar o percurso da trajetória de estatutos
legais que possibilitarão a compreensão da luta dos negros e como o crime de
racismo tem se reinventado, iniciando esta trajetória de luta nos anos oitenta do
século passado quando das reivindicações de políticas públicas que desembo-
caram nas denominadas Ações Afirmativas. As reivindicações são no sentido da
igualdade de condições corrigindo injustiças arrastadas desde o cativeiro. A con-
quista da liberdade seguiu por uma luta pela igualdade, numa igualdade de
condições pelo reconhecimento do negro, e de forma efetiva, como cidadão.
Apesar da conquista e a presença de vários estatutos legais no interior
de nosso sistema jurídico, o racismo apresenta-se vigoroso como prática cons-
tante no cotidiano da sociedade brasileira. As ferramentas de biologia, aliadas
a ideia de raça no âmbito social permitiram a disseminação de hierarquia entre
seres humanos e esta ideologia ganha os interstícios sociais gerando ódio, des-
construindo identidades, reforçando estereótipos, trazendo exemplos de como
a prática do racismo como forma de manifestação de preconceito, impede o
exercício de direitos básicos no Brasil.

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Para combater o racismo no Brasil, nosso sistema jurídico recepcio-
nou vários princípios de caráter internacional, hoje incorporados à legislação
vigente. Um passo importante foi dado na promulgação da Constituição Federal
de 1988 que criminalizou o racismo e passou a rejeitar a pratica de preconceito
de qualquer natureza. Em 1989 a Lei 7.716 se refere diretamente à discriminação
e preconceito, modificada e com maior abrangência oito anos depois, pela Lei
9.459/1997 que punia os crimes resultantes de discriminação e preconceito de
raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
No entanto, entendemos que a alteração contida neste mesmo instituto
descaracterizou o crime de racismo: trata-se da figura penal do crime de inju-
ria. A partir de então as autoridades encarregadas da aplicação da lei caracte-
rizam qualquer manifestação de preconceito contra o negro como injúria, não
como crime de racismo propriamente dito. Para que possamos melhor criticar
o sistema jurídico pátrio recorremos a referenciais da Sociologia para defender
nossa argumentação: de que a introdução da injúria racial descaracterizou o
crime de racismo e mais, abriu um perigoso precedente para a sobrevivência
desta prática delituosa no Brasil.

OS CAMINHOS DA IGUALDADE FORMAL

Na histórica luta pelo reconhecimento de direitos dos negros a bandeira


da cidadania foi hasteada mais uma vez e, com novo fôlego a partir dos anos
de 1980, com denúncias às dificuldades e barreiras de natureza racial imposta
aos jovens negros em sua ascensão social, “[...] fornecendo munição adicional
para ataques contra aquilo que era cada vez mais denominado de o ‘mito’ da
democracia racial” (ANDREWS, 1997, p. 105, grifos do autor).
Neste intuito o Senador Paulo Paim, representante do Estado do Rio
Grande do Sul, apresentou um substitutivo ao Projeto de Lei número 3198,
no ano de 2000, conhecido como o Estatuto da Igualdade Racial, afirmando
por ocasião da 1ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial que:

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As leis são instrumentos importantíssimos nessa guerra contra
julgamentos hipócritas, preconceitos arraigados, imposição de
violência e sofrimentos, discriminação pelo que quer que seja.
As leis precisam cercear os torturadores, os algozes, e proteger
os desamparados, os discriminados, os que sofrem a injustiça.
(PAIM, 2005, p. 02)

Contidas no projeto do Estatuto encontram-se propostas a serem incre-


mentadas pelo governo, com vistas a garantir direitos de natureza fundamental
no sentido de propiciar á população afro-brasileira condições dignas destinadas
a todos os cidadãos.

O Estatuto reúne um conjunto de ações e medidas especiais que,


adotadas pelo Governo Federal, contribuirão efetivamente para
assegurar direitos fundamentais, direitos econômicos e sociais
dos afro-brasileiros. A criação deste Projeto visa garantir direitos
fundamentais à população afro- brasileira, assegurando entre outros
direitos por exemplo: o acesso universal e igualitário ao Sistema Único
de Saúde para promoção, proteção e recuperação da saúde dessa
parcela da população; serão respeitadas atividades educacionais,
culturais, esportivas e de lazer, adequadas aos interesses e condições
dos afro-brasileiros, quanto ao direito à educação, à cultura,
ao esporte e ao lazer; será reconhecido o direito à liberdade
de consciência e de crença dos afro-brasileiros e da dignidade
dos cultos e religiões de matriz africana praticadas no Brasil; o
sistema de cotas buscará corrigir as inaceitáveis desigualdades
raciais que marcam a realidade brasileira na mídia, na educação,
no trabalho; os remanescentes das comunidades de quilombos,
segundo dispositivos de Lei,terão direito à propriedade definitiva
das terras que ocupavam; a herança cultural e a participação dos
afro-brasileiros na história do País será garantida pela produção
veiculada pelos órgãos de comunicação. (PAIM, 2005, p. 2-3)

A tramitação do Projeto do Estatuto da Igualdade Racial suscitou um


intenso debate na sociedade brasileira numa questão particular: a reserva de uma
porcentagem de vagas nas Universidades públicas para alunos afro-brasileiros.
De um lado “[...] intelectuais da sociedade civil, sindicalistas, empresários e
ativistas [de] outros movimentos sociais [...]” (FOLHA DE S. PAULO, 2008, p. C4)
protestando pela inconstitucionalidade das cotas e seu caráter racista dirigindo-
-se, ao então Ministro Gilmar Mendes, por intermédio de um manifesto alegando,
dentre outros fatos, que o acesso à educação é problema da má distribuição

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da renda e propondo a solução por intermédio do patrocínio de uma política
de tributação progressiva e consequente política de transferência da riqueza.
De outro, um manifesto reivindicando justiça e pela defesa da legalidade
das leis de cotas, fundamentados no próprio desenvolvimento histórico injusto,
como foi o caso brasileiro com relação aos negros e aos seus descendentes.

O que o “Manifesto à Nação Brasileira” propunha era uma ação


afirmativa que se fundamentava na reparação dos danos causados
pelo racismo da república brasileira, a qual havia decretado a
igualdade formal sem oferecer nenhuma política concreta que
ajudasse a superar a desigualdade fundante da condição sofrida
pelos negros como cidadãos livres após 1889 [...]. Após a instauração
da República, a comunidade negra foi simplesmente abandonada
pelos poderes públicos. (FOLHA DE S. PAULO, 2008, p. C5)

Diante da imensa repercussão que o caso suscitou, o então Ministro


do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, responsável pelo caso,
em 03 de março de 2010 “[...] decidiu convocar a audiência pública que se
estenderá até sexta-feira, com intervenções pró e anticotas.” (CAPRIGLIONE;
FERRAZ, 2010, p. C4).
Embora o sistema de cotas tenha sido adotado por sessenta e oito institui-
ções de ensino superior, a contestação legal da proposta foi levada ao Supremo
Tribunal Federal, pelo Partido dos Democratas, reiterando os argumentos das
manifestações de natureza anticotas, a flagrante inconstitucionalidade no interior
do diploma legal: de que reservar vagas para os descendentes afro-brasileiros
fere o princípio Constitucional da igualdade entre os estudantes.
Ironicamente a igualdade formal negada aos negros por ocasião da
Constituição brasileira de 1824 agora é invocada como princípio sagrado para a
não adoção do sistema de cotas raciais nas Universidades Públicas brasileiras.
Após dez anos de debate, em 20 de julho de 2010 fora sancionado pelo
Executivo a Lei n° 12.288 que contém em seu corpo as normas que objetivam a
igualdade de oportunidades, a defesa dos interesses e o combate à intolerân-
cia étnica, com a ausência do artigo que tratava das cotas raciais, retirado em
virtude das controvérsias e de sua impugnação legal.
Contudo, uma cidadania negra não se realizará com o simples fato de
uma elaboração e promulgação legislativas. A atenção e advertência ao fato de

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que somente processos legislativos para tornar efetivos os direitos dos negros
já era preocupação desde os primeiros movimentos na direção da luta contra
o cativeiro, anunciado por Joaquim Nabuco (1999, p. 198):

[...] eu não acredito que a escravidão deixe de atuar, como até hoje,
sobre o nosso país quando os escravos forem todos emancipados
[...]; mas é preciso muito mais do que esmolas dos compassivos,
ou a generosidade do senhor, para fazer desse novo cidadão uma
unidade, digna de concorrer, ainda mesmo infinitesimalmente,
para a formação de uma nacionalidade americana.

O problema de se promulgar uma lei e, deixar que o fato que a gerou caia
no esquecimento, não passou despercebido pela então Ministra da Secretaria de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Luiza Bairros. Em sua conclamação
à sociedade brasileira para que o ano de 2011 fosse realmente um marco em
ações efetivas para as populações de ascendência africana, afirma que:

[...] a Seppir lança uma campanha intitulada “Igualdade racial é pra


valer”, convocando empresas púbicas e privadas, organizações
não- governamentais, associações patronais e de trabalhadores,
entre outros, a assumir a responsabilidade de fazer da inclusão
uma prática permanente. (BAIRROS, 2011, p. A3)

Nesta trajetória de quase cento e oitenta anos percorrida pela luta dos
negros por direitos, são possíveis algumas considerações. Do início da luta
por liberdade, liberdade aqui entendida como contraposição ao cativeiro, foi
conquistada na Constituição de 1891 em sua vertente formal. Apesar de agora
livres e iguais diante da Constituição Republicana:

[...] os negros que a partir do século XIX foram conseguindo comprar


sua alforria não conseguiram espaço na sociedade, porque o
estado brasileiro foi construindo ações para que a comunidade
negra não saísse dos porões dessa sociedade Por exemplo, as
primeiras Constituições brasileiras negavam aos negros o acesso
à escola. (PAIM, 2008, p. 01)

Num segundo momento, negros e descendentes sofreram com a difusão


das teorias científicas baseadas na concepção biologizada da sociedade, muito em
voga nos anos 1920 e 1930, sendo seus efeitos sentidos até hoje, aqui e alhures.

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Por ocasião do terremoto que arrasou o Haiti em janeiro de 2010, emblemático
foi o comentário do Cônsul haitiano, sediado na cidade de São Paulo: “Acho
que, de tanto mexer com macumba, não sei o que é aquilo. O africano em si tem
maldição. Todo lugar que tem africano está fodido.” (GALVÃO, 2010, p. A21).
Apesar da opinião do Cônsul em relação aos cidadãos de seu próprio país,
esta visão preconceituosa com relação aos negros, à sua cultura de forma geral,
já havia sido desmascarada na década de 1950 pelas pesquisas empreendidas
sob o patrocínio da Organização das Nações Unidas no Brasil. Marco deste
período foi a promulgação do primeiro instituto legal de combate ao racismo, a Lei
Afonso Arinos n 1.390/1951. Tipificando o crime como contravenção penal (não
como crime propriamente dito), esta lei foi resultado de incidente internacional
e não de um procedimento legislativo propriamente brasileiro o que denota o
pouco caso ou atenção ao crime de racismo praticado contra negros no Brasil.
Diante da ineficácia da Lei Afonso Arinos, a luta e reivindicação de
direitos dos negros ganha novos contornos, estratégias baseadas em políticas
americanas da década de 1940, conhecidas como Ações Afirmativas. As reivin-
dicações agora são no sentido da igualdade de condições corrigindo injustiças
arrastadas desde o cativeiro. A conquista da liberdade segue agora por uma
luta pela igualdade, numa equidade de oportunidades pelo reconhecimento do
negro, e de forma efetiva, como cidadão e os reflexos desta luta encontram-se
no interior de nosso ordenamento jurídico.

PRINCÍPIOS UNIVERSAIS DE DIREITOS HUMANOS NO


COMBATE AO RACISMO NO BRASIL

Todos os seres humanos possuem dignidade pelo simples fato de existir.


Assim sendo, a proteção da dignidade da pessoa humana é o fundamento dos
Direitos Humanos que foi criado para proteger todos os direitos indispensáveis
à vida, a integridade física, psíquica e social.
Neste sentido a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)
foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de
Dezembro de 1948, através da Resolução 217 A (III), um documento elaborado
por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões
do mundo como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e

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nações. Ela estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos
humanos e algumas das características mais importantes dos direitos humanos:

• Os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade


e o valor de cada pessoa;
• Os direitos humanos são universais, o que quer dizer que são
aplicados de forma igual e sem discriminação a todas as pessoas;
• Os direitos humanos são inalienáveis, e ninguém pode ser privado
de seus direitos humanos; eles podem ser limitados em situações
específicas. Por exemplo, o direito à liberdade pode ser restringido
se uma pessoa é considerada culpada de um crime diante de um
tribunal e com o devido processo legal;
• Os direitos humanos são indivisíveis, inter-relacionados e
interdependentes, já que é insuficiente respeitar alguns direitos
humanos e outros não. Na prática, a violação de um direito vai
afetar o respeito por muitos outros;
• Todos os direitos humanos devem, portanto, ser vistos como
de igual importância, sendo igualmente essencial respeitar a
dignidade e o valor de cada pessoa. (DUDH, 2005, grifo nosso)

Da Declaração em sua abrangência internacional destaca-se como marco


central do combate ao racismo a consignação de que “[...] todo homem tem
capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declara-
ção, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, opinião
pública ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento
ou qualquer outra condição.” (CALIXTO, 2015, p. 32, grifo nosso).
Como resultado desse processo de lutas do movimento negro e do
movimento social, o Brasil reconheceu e incorporou os Direitos Humanos no
seu ordenamento jurídico, político e social, e assim se materializou na Consti-
tuição brasileira de 1988 na garantia plena à proteção aos direitos fundamentais
do homem para todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo,
nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição (CARTILHA
SOBRE DIREITOS HUMANOS, 2005).
Em que sentido os Direitos Humanos passaram a ser incorporados na
legislação brasileira e influenciaram o combate ao racismo no Brasil? Ao assumir
o princípio do respeito aos Direitos Humanos o ordenamento jurídico brasileiro
se abre para o sistema internacional e, assim, a Carta de 1988 trouxe significativas
mudanças, repudiando a discriminação eo racismo, defendendo a igualdade

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de direitos para todos independentes de cor, raça, gênero, etnia, religião, idade,
cultura, classe social, etc. (CARTILHA SOBRE DIREITOS HUMANOS, 2005).
A mobilização do movimento negro brasileiro passou, gradativamente,
a recorrer ao sistema de proteção endereçado a pessoas ou grupos particu-
larmente vulneráveis. A partir de 1988 passa-se a reconhecer e tutelar direitos
endereçados às pessoas vítimas de discriminação racial, entre outros segmentos.
A partir do século XX surgiu e se fortaleceu em todo o mundo uma nova
visão positiva a respeito do valor da diversidade racial humana, da impor-
tância de defesa das oportunidades iguais e dos direitos humanos para todos
os indivíduos. O combate ao racismo foi auferindo espaço e obteve maior
relevância, sendo acolhido na organização do Estado brasileiro e aos poucos
foi incorporado em nossa legislação.
Os movimentos negro e social concentraram suas reivindicações e luta
para que as práticas discriminatórias raciais e o racismo saíssem da condição de
simples contravenção penal, disciplinada pela Lei nº 1.390/51, Lei Afonso Arinos
e fossem classificadas como um crime punível com maior rigor. As pressões da
luta antirracista chegaram até o Senado Federal e culminou na determinação
do artigo 5º, inciso XLII, da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu a
prática do racismo como um crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena
de reclusão, nos termos da lei e assim, tal preceito normativo passou a ser
incluído entre as cláusulas pétreas de nossa Constituição Federal.
Quando se diz que o crime é inafiançável significa que não é admitida a
fiança, ou seja, a autoridade policial não pode conceder diretamente a liberdade
para o acusado, que terá que responder todo trâmite do processual preso. Mas
observa-se, porém, que essa determinação legal não vem sendo cumprido a rigor.
Talvez por se tratar de uma imposição constitucional a Lei 7.716/89 não fazer
qualquer menção á imprescritibilidade e a inafiançabilidade e por entenderem
que vai de encontro ao princípio da proporcionalidade e da humanização das
penas (JESUS, 2011).
No que diz respeito à imprescritibilidade no crime de racismo, também
se nota dificuldade de sua interpretação e aplicação. Quando se diz que é
imprescritível, subentende-se que o crime não prescreve, ou seja, permite que
o Estado a qualquer tempo, independente de prazo dê resposta penal para a

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eventual prática criminosa (CAPEZ, 2014). Mas se já é difícil para a vítima pro-
var o crime no calor do acontecimento, como provar depois de algum tempo?

É notório que o combate à discriminação racial insere-se no sistema


especial de proteção dos direitos humanos. A tutela do direito à
igualdade e à dignidade é aqui endereçada a um sujeito de direito
concreto, historicamente situado, visto em sua especificidade e na
concreticidade de suas diversas relações, distinto pela cor, sexo,
classe social, dentre outros fatores. Assim, pode-se dizer que o
caráter “especial” dessa proteção contra o racismo embasou a
consagração da imprescritibilidade. (CALIXTO, 2015, p. 23)

Percebe-se a finalidade maior da Lei 7.716/89, quando da sua criação, em


colocar o racismo como um crime de grande relevância social e humanitário e
atender a determinações descritas na Constituição Federal. Talvez essa ideia
de inafiançável e imprescritível fosse uma estratégia penalista: regulamentar
tal comportamento humano grave e pernicioso á coletividade e que coloca em
risco valores fundamentais a convivência social, evitar o arbítrio e o casuístico
advindo da ausência de padrões, solucionar o problema “pelo medo da punição”,
ou seja, punir com as sanções e penas, buscando, assim, uma justiça igualitária
(CAPEZ, 2014), para que esta questão da discriminação ficasse eternamente
na memória das pessoas, alertando inclusive para a gravidade e a amplitude
que é uma discriminação, seja racial, cultural ou religiosa.
Além do artigo 5º, inciso XLII da Constituição Federal anteriormente
analisado, verifica-se também que o artigo 3º, inciso IV, também fundamenta
a Lei 7.716/89, ao preconizar como objetivo fundamental da república fede-
rativa do Brasil dentre outros o seguinte: “[...] IV- promover o bem de todos,
sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação.” (BRASIL, 1988).
Assim, a partir desse prisma do fortalecimento da luta dos negros e da
defesa de seus interesses, eis que, um ano depois, para regulamentar o artigo
5º, inciso XLII foi promulgada em 1989, a Lei nº 7.716/89, que formalmente
colocou o racismo na categoria de crime, apenando os “atos resultantes de
preconceitos de raça ou de cor”. Adverte-se que a lei 7.716/89 quando da sua
criação só se referia a discriminação e preconceito de raça ou de cor, mas
posteriormente sofreu algumas modificações, alterações e acréscimos pela

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Lei 9.459/97, passando a ter a seguinte descrição:“Art. 1º Serão punidos, na
forma desta lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça,
cor, etnia, religião ou procedência nacional”, contudo incluiu a figura da injúria,
alterando o Código Penal brasileiro.
Conforme Jesus (2011, p. 229):

A alteração legislativa foi motivada pelo fato de que réus acusados


da prática de crime descritos na Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989
(preconceito de raça ou de cor), geralmente alegavam ter praticado
somente delitos de injuria, de menor gravidade, sendo beneficiados
pela desclassificação. Por isso, o legislador resolveu criar uma
forma típica qualificada envolvendo valores concernentes à raça,
cor, etc., agravando a pena.

Desde então a Lei 9.459/97 alterou os artigos 1º e 20º da Lei nº 7.716/89


e acrescentou-se também novo parágrafo ao art. 140 do Código Penal a “injú-
ria racial”, ou seja, a ofensa à dignidade, dignidade traduzida pelo sentimento
próprio que a pessoa possui a respeito de seus próprios atributos morais
(JESUS, 2011). A pena mínima prevista para a injuria racial é a reclusão de um
a três anos e multa.
Entendemos que esta alteração legislativa abriu caminho para a impuni-
dade ao crime de racismo, cedendo às argumentações de que a utilização de
palavras num determinado contexto não tem a intenção racial; piadas sobre
negros não tem a intenção de ofender; apelidos, apesar de sua carga racista,
são carinhosos etc. Portanto, argumentações a justificarem o novo tipo penal
que acabam por naturalizar a visão negativa do negro na sociedade brasileira.
Emblemático desta naturalização foi o caso ocorrido numa partida de fute-
bol realizada no dia três de setembro de 2014 quando torcedores, inconformados
com o resultado de sua equipe, dirigiram palavras consideradas “injuriosas”
ao goleiro da equipe. Flagrada pelas câmeras e fotografada, uma torcedora foi
conduzida à Delegacia de Polícia onde foi atuada. Segundo seu advogado “[...]
a palavra “macaco”, usada no contexto de um jogo de futebol, não se configura
em racismo”. “É só mais um termo utilizado dentro do futebol.”. A autoridade
policial não teve nenhuma dúvida, “[...] trata-se de caso de injúria racial [...]”
(CANOFRE, 2014, p. D1).

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Este é mero exemplo de como a alteração legislativa, com a modificação
do Código Penal, ao incluir a “injúria” contribuiu e tem contribuído com a ine-
ficácia ao combate e promove a perpetuação do crime de racismo no contexto
social brasileiro.

DIFICULDADES NA CRIMINALIZAÇÃO DO RACISMO NO


BRASIL

A introdução da injúria racial que permite a impunidade àqueles que


praticam crime de racismo segue, hoje, a mesma lógica do período em que
abolicionistas e negros cativos lutavam pela sua liberdade contra o instituto
da escravidão: ou seja, os argumentos e práticas legais a impedir a emancipa-
ção do negro enquanto cidadão pleno, destinatário de direitos e obrigações.
Vale a pena recordar algumas passagens históricas nos quais procedimentos
legislativos foram usados na tentativa do impedimento da emancipação dos
negros no Brasil.
Sem contar com a proibição do tráfico negreiro de 1831, qual nunca foi
observada em virtude da força com a qual o regime escravista se impunha, outra
lei, de setembro de 1885, Lei Saraiva Cotegipe, mais conhecida na história como
Lei dos Sexagenários, trazia em seu conteúdo a seguinte prescrição: todos os
escravos, aos 65 anos de idade, automaticamente estariam livres. Esta foi a
forma encontrada pelos fazendeiros para se livrarem da responsabilidade de
alimentar e cuidar de um escravo velho e imprestável para o trabalho.
Com a pressão do movimento abolicionista, em setembro de 1871 era
aprovado o estatuto legal denominado Lei do Ventre Livre. Seu teor determinava
que filhos de escravos nascidos a partir desta data seriam livres. No entanto,
um senão constou desta lei e dizia respeito às crianças. Estas ficariam em poder
dos senhores de suas mães até a idade de oito anos, momento no qual o pró-
prio senhor decidiria: ou receberia uma indenização do Estado pela alforria da
criança ou poderia utilizar-se gratuitamente dos serviços deste menor até que
completasse vinte e um anos de idade a título de pagamento pelo seu sustento.
Evidente que a Lei do Ventre Livre e a dos Sexagenários constituíram
meras manobras jurídicas para iludir a opinião pública e manter interesses espe-
cíficos, mantendo a escravidão. Tais manobras jurídicas serão recorrentes no

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sistema jurídico brasileiro quando está em jogo direitos dos negros. Daí nossa
tese de que a emancipação dos negros encontra um de seus maiores óbices
no seio do próprio ordenamento jurídico.
Reforça nossa argumentação a liberdade concedida aos cativos, ou como
queiram alguns autores, a “conquista da liberdade” em 1888. A abolição no
Brasil se deu em virtude de vários fatores no interior das “[...] transformações da
estrutura econômica [que] impuseram a libertação do escravo” (IANNI, 2004, p.
30). A conquista da liberdade dos cativos foi resultado da pressão internacional,
sobretudo provenientes da Inglaterra com vistas a um mercado consumidor,
bem como das rebeliões empreendidas pelos escravos, muitas vezes incenti-
vados pelos Caifazes1, da recusa da polícia em recapturar os cativos fugitivos,
das grandes transformações sofridas no interior de uma sociedade agrária às
voltas com o início do desenvolvimento do capitalismo.
Para melhor esclarecer nossa tese com relação ao problema aqui suscitado
buscamos na sociologia os referenciais teóricos de nossa argumentação. Pois
seria impossível uma crítica dentro da própria lógica de nosso sistema jurídico.
Dogmaticamente a justificativa da diferença entre racismo e injúria racial está
plenamente de acordo com os preceitos dogmáticos legais: os tipos penais,
o elemento subjetivo do tipo, o concurso de agentes e o titular da ação penal.
No campo jurídico o crime de injúria é caracterizado pela ofensa à digni-
dade ou ao decoro da pessoa, “ser negro, baiano, judeu ou branco não significa
possuir qualidade negativa [...] o crime [de injúria] restará cometido se algum
outro elemento não verbal deixar nítido o sentido da “diminuição do conceito
moral” do receptor da mensagem” (SANTOS, 2010, p. 145-146, grifos do autor).
No entanto, uma exposição que possa embasar uma contra-argumen-
tação a respeito do tratamento universal dispensado ao crime de injúria racial,
ou do racismo propriamente dito, está fora da interpretação dogmática jurídica
brasileira, numa abordagem de natureza sociológica que nos permita interpretar
quais elementos e sua força de atuação no campo jurídico.

1 Caifazes: um grupo de homens liderados por Antonio Bento, advogado de formação que, assim como Luiz
Gama, procurou defender os escravos. Operavam em São Paulo e interior denunciando na imprensa os horrores
e injustiças da escravidão, arrecadavam dinheiro para alforrias, protegiam escravos fugidos além de incentiva-
rem fugas. (COSTA, 2008).

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Compreende-se que, numa sociedade diferenciada, o efeito de
universalização é um dos mecanismos, e sem dúvida dos mais
poderosos, por meio dos quais se exerce a dominação simbólica
ou, se se prefere, a imposição da legitimidade de uma ordem social.
A norma jurídica, quando consagra em forma de um conjunto
formalmente coerente regras oficiais e, por definição, sociais,
<universais>, os princípios práticos do estilo de vida simbolicamente
dominante, tende a informar realmente as práticas do conjunto
dos agentes, para além das diferenças de condição e de estilo de
vida: o efeito da universalização, a que poderia também chamar
efeito de normalização, vem aumentar o efeito da autoridade social
que a cultura legítima e os seus detentores já exercem para dar
toda a sua eficácia prática à coerção jurídica. (BOURDIEU, 1989,
p. 246, grifos do autor)

Portanto, tratar problemas de natureza racial existentes no campo social


brasileiro de forma universalizada, ou seja, destinar o mesmo tratamento dis-
pensando a mesma interpretação àquelas pessoas que ao se dirigirem a um
negro de forma pejorativa como “macaco” (como foi o caso do jogador de futebol
no exemplo anterior), na mesma proporção que alguém se dirige a um branco
católico como “papa hóstia” estamos impondo, por intermédio da “normalização”
descrita por Bourdieu (1989) uma visão de “ordem social” onde os tratamentos
são iguais, universais. No entanto, consideramos tal tratamento injusto em sua
natureza e dissimulados em seus resultados.
Considerando que tal fato é característico da ideia de “[...] campo que
substitui a de sociedade [...] uma sociedade diferenciada não se encontra
plenamente integrada por funções sistêmicas, mas ao contrário, é constituída
por um conjunto de microcosmos sociais dotados de autonomia relativa [...]”
(CATANI, 2011, p. 192).
Entendemos o campo jurídico não só caracterizado como o locus onde se
produz e se exerce a autoridade jurídica, traduzindo o poder da “[...] capacidade
de interpretar [...] um corpus de textos que consagram a visão legítima, justa,
do mundo social.” (BOURDIEU, 1989, p. 212), bem como o campo pela luta do
“monopólio do direito de dizer o direito” pelos agentes (juízes, promotores de
justiça, professores de direito, peritos criminais, advogados etc.) que compõem
o campo jurídico. Portanto, não há que se falar em consenso a respeito da
temática do racismo e da injúria racial no campo social brasileiro.

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Ao contrário.

A temática tem o condão de externalizar antagonismos entre os


próprios agentes do campo jurídico. O problema é que até agora
a visão de uma sociedade baseada na “democracia racial” e na
impossibilidade de maior condenação ao crime de racismo tem
sido imposta por agentes no interior do campo jurídico detentores
de capitais no sentido dado por Pierre Bourdieu (1989): “[...] capital
cultural, que se refere a conhecimentos ou saberes possuídos pelos
indivíduos [...]” (BERTONCELO, s/d, p. 44), além do “[...] capital
social, conjunto de relacionamentos a que os indivíduos podem
recorrer para alcançar seus objetivos [...] e capital simbólico, que
se refere à maneira como o indivíduo é reconhecido pelos demais.”
(BERTONCELO, s/d, p. 44).

Numa sociedade, ou campo social, como o brasileiro, onde os capitais


cultural, social e simbólico são mobilizados por seus agentes o sentido da ofensa
comparando o negro a um “macaco” possui uma carga histórica, cultural e social
despropositadamente ignorada pelos agentes do campo jurídico. Tal menção
nos remete a ideia de pessoa inferior desprovida de humanidade, tendentes aos
mais diversos vícios e práticas criminosas em virtude de sua incivilidade, portador
de uma cultura, ou melhor, uma subcultura de natureza idólatra, perniciosa e
má. Atributos estes presentes nos interstícios sociais a dominar nosso campo
social, denunciados e combatidos dentre outros por Abdias Nascimento (2016).
Exatamente tais aspectos são ignorados pelos agentes que compõem
nosso campo jurídico, pois a atuação (não sem resistência, pois os campos são
caracterizados pelo confronto e luta pelo poder simbólico), acaba por elaborar
o discurso politicamente correto no interior da ciência do direito, portanto no
interior do campo jurídico, tendendo a “[...] universalizar o seu próprio estilo de
vida, vivido e largamente reconhecido como exemplar, o qual é um dos efeitos
do etnocentrismo dos dominantes [...]” (BOURDIEU, 1989, p. 247). Ao dispensar
tratamento universal relacionado ao problema da prática do racismo, permite
sua sobrevida, patrocinando sua impunidade embora presente no cotidiano da
sociedade brasileira.
É no campo jurídico onde se encontram os argumentos e justificativas
para evitar encarar, de fato, o racismo como crime.

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A legalização do capital simbólico confere a uma perspectiva
um valor absoluto, universal, livrando-a assim da relatividade
que é inerente, por definição, a qualquer ponto de vista, como
visão tomada a partir de um ponto particular do espaço social.
(BOURDIEU, 2004, p. 164)

Retornemos agora para o ponto de vista dos agentes que são encarre-
gados de elaborar a dicotomia entre racismo e injúria racial e suas argumen-
tações no campo jurídico. É este ponto de vista, bem particular, que prevalece
na efetividade jurídica e encontram, desde a Carta Magna até a legislação
infraconstitucional, uma forma integrada de hermenêutica do campo jurídico
brasileiro no trato do racismo.
Apesar de nossa Constituição Federal de 1988 ter inserido em seu bojo
o texto de lei dizendo que o racismo é um crime inafiançável e imprescritível
e punível, as pessoas ao se socorrerem no judiciário, se deparam com a difi-
culdade de provar que realmente sofreram um crime de racismo e não uma
“simples” ofensa pessoal.
Há casos em que a vítima, ou testemunha, faça prova por meio de
câmera celular, em contraposição a defesa alegue a ilegalidade da prova; há
em alguns casos dificuldades também de se comprovar que houve o dolo, ou
seja, a vontade livre e consciente de praticar o crime; para verificar a existência
do elemento subjetivo, seria necessário o reexame de provas, o que em alguns
casos é vedado pela Súmula 7 do STJ.
As maiores expectativas sobre a legislação penal a respeito da condenação
do crime de racismo se referem à falta de aplicação das normas e à impressão
de que o criminoso não responde da forma como deveria. Com relação a essa
afirmativa cita-se um posicionamento doutrinário crítico em relação as penas
do crime de racismo e da injuria racial defendendo que:

A cominação exagerada ofende o princípio constitucional da


proporcionalidade entre os delitos e suas respectivas penas.
Dificilmente um juiz irá condenar a um ano de reclusão quem
chamou alguém de “católico papa-hóstias”, ainda que tenha agido
com vontade de ofender e menosprezar. Se aplicado o novo tipo
penal, de ver-se que, além do dolo próprio da injuria, consistente
na vontade de ultrajar, o tipo requer a consciência de que o sujeito
está ofendendo a vítima por causa de sua origem, religião, raça,
etc. (JESUS, 2011, p. 230)

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A persistência da prática do racismo no Brasil é percebida cotidiana-
mente. Um dos casos de maior repercussão registrado no mês de fevereiro de
2015, diz respeito ao crime sofrido por um advogado baiano de trinta e qua-
tro anos de idade, que só queria curtir a festa de Carnaval na Bahia, mas foi
impedido por conta de um ato racista que sofreu no camarote Planeta Band.
Proibiram-lhe de entrar no tal camarote apesar de portar o ingresso que dava
acesso ao local do evento, provando ter pago por sua diversão e estar vestindo
a camiseta exigida para a ocasião: o motivo de sua recusa era a cor de sua pele.

Onde conseguiu essa camisa [que dá acesso ao camarote] seu


negro?, questionou o suposto chefe de produção, de prenome
Marcos, ao advogado, após barrá-lo na entrada do local. Após o
episódio, Oliveira foi empurrado e ameaçado, além de ter passado
mal devido ao aumento da pressão. “A gente se bate por aí e você
vai ver!”, disse o agressor. O caso foi protocolado no CDCN2, onde
foi realizada uma reunião ontem (16) à tarde com representantes da
Defensoria Pública (DP), Ordem dos Advogados do Brasil – Bahia
(OAB-BA), Sepromi e Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e
Desenvolvimento Social (SJDHDS). (Fonte: TV do Servidor público,
2015). [...] O colegiado, presidido pelo deputado Marcelino Galo
(PT), aprovou a realização de uma audiência pública conjunta com
a Comissão Especial de Promoção da Igualdade para debater o
tema racismo e violência no carnaval. [...] Galo alerta para que o
caso não fique impune. “Salvador é a maior cidade negra fora da
África e os negros tem uma participação definitiva na cultura e
na construção do carnaval. Vamos dar encaminhamento a este
caso e combater de forma mais efetiva para que este ato não
fique impune”, ressalta o deputado petista. No depoimento de 22
minutos, Leandro Oliveira relatou aos deputados que os seguranças
do camarote lhe abordaram de maneira seletiva e questionaram
aonde ele teria consigo a camisa. “Você conseguiu com quem
essa camisa nego? Essa camisa é só para convidado”. O advogado,
que é negro, afirmou ainda que apenas ele fora abordado pelos
seguranças. Ante o crime de racismo, Oliveira procurou autoridades
policiais no circuito Dodô para registrar a ocorrência, mas não
obteve êxito. “A omissão frente ao racismo no Estado é explícita.
Estou vindo nesta casa, pois acredito nessa comissão e na justiça”,
observou Leandro, que também procurou entidades ligadas aos

2 Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra (CDCN).

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Direitos Humanos, como o Conselho de Desenvolvimento da
Comunidade Negra, Observatório Racial e a Comissão de Ética e
Direitos Humanos da OAB. (BRASIL 247, 2015)

Conforme se observa na reportagem acima, essa vítima do racismo é


um conhecedor da lei e de seus direitos legais pela sua condição de advogado,
porém ainda deparou-se com diversas dificuldades na aplicação da lei 7.716/89
e necessitou denunciar o caso na Assembleia Legislativa da Bahia, para uma
melhor investigação de seu caso e o ajudassem na reparação de seu direito,
requisitando ainda o debate do tema racismo e violência no carnaval.
O direito Penal e Processual Penal brasileiro pode nos ajudar na questão
de crime de racismo, mas não é a solução eficiente para isso. É preciso que
se deixe essa percepção errônea que (da tal esperança de remédio na justiça
penal) para encarar a situação de frente, pois se trata de uma questão cultural.

Os juristas brasileiros ignoram o crime de racismo. [...] E os juízes


não veem o crime de racismo porque não aceitam o fato de que
há racismo no país. Muitas vezes as agressões são entendidas
como brincadeiras. Não existe a menor sensibilidade da Justiça
para o quanto isso é doloroso para quem sofre o preconceito.
(ABADE, 2015, p. 35)

O racismo ainda habita em nosso país de forma bem arquitetada desde


os tempos de colonização até a naturalização da escravização de forma men-
cionada no decorrer do presente trabalho. Não é um problema só brasileiro, é
um problema mundial. Este racismo dirigido à população negra está extrema-
mente enraizado em nosso cotidiano. A desigualdade de natureza racial e sua
permanência no cotidiano da sociedade brasileira é fruto da negação de direitos,
ocultação do racismo, propagação da falsa “democracia racial” e a reafirmação
de uma hierarquia racial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inserção do negro na sociedade brasileira não é apenas caso de políticas


públicas do patrocínio da igualdade; é antes de tudo uma reparação histórica.
Na reversão desse problema e promoção de um modelo de desenvolvi-
mento que tenha como ponto de sustentação a diversidade, a cultura da inclusão

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e da igualdade conforme prega o artigo 5º da Constituição Federal, faz-se neces-
sário encarar o racismo como um problema do Estado e de toda a sociedade.
É preciso que a sociedade brasileira entenda o processo de sua formação,
sobretudo do ponto de vista humanista pautado no respeito as diversidades
(étnicas, religiosas, gênero, cultura, nacionalidade, etc.), onde todas as pessoas
sejam capazes de enxergar as diferenças como algo valioso, algo normal da
humanidade e que não retira o valor, nem determine superioridade ou infe-
rioridade entre pessoas. É dever de todos assegurar que, não só negros, mas
independentemente da cor da pele, brasileiros possam viver de acordo com suas
próprias convicções e tenham todos, indiscriminadamente, direito de construir
a sua vida sem medo e sem ofensas.
Ao estabelecer, por intermédio deste trabalho, uma relação de interdis-
ciplinaridade entre História, Direito e Sociologia, acreditamos que nossa expo-
sição encontre muita resistência e principalmente críticas. Mas a intenção aqui
é fomentar o debate retirando a figura do racismo de sua zona de conforto no
interior do sistema jurídico brasileiro que lhe tem permitido agir e sobreviver.

REFERÊNCIAS
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em: http://www.jb.com.br/pais/noticias/2009/09/30/uma-justica-cega-para-o- racismo/ Acesso
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SANTOS, Christiano Jorge. Crime de preconceito e de discriminação.2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

ISBN 978-65-5360-526-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


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03

HÁ DISCRIMINAÇÕES NO ATENDIMENTO
ÀS MINORIAS ÉTNICAS NO SISTEMA DE
SAÚDE?

Karine Lorenzen Molina


(HCPA)

Claudia Carina Conceição dos Santo


(HCPA)

Elizete Maria de Souza Bueno


(HCPA)

Daiana Nunes de Oliveira


(HCPA)

10.37885/231215268
RESUMO

INTRODUÇÃO: O atendimento de saúde adequado a todos os usuários está pre-


visto na Constituição Federal e em todos os códigos de ética dos profissionais da
saúde. Mas no cotidiano os tabus e os preconceitos levam pacientes a não seguir
adequadamente o seu tratamento por serem discriminados ou estigmatizados
nas instituições de saúde (BRANCO, 2004). OBJETIVO: Estimular a discussões
sobre o tema e dar visibilidade para a compreensão de como a discriminação no
atendimento às minorias étnicas na saúde se permeia. MÉTODO: Para atender
os objetivos do estudo, foi realizada revisão integrativa que define cinco etapas
para a realização da revisão e que incluem a formulação do problema, coleta de
dados, avaliação dos dados, análise e interpretação dos dados e apresentação
dos resultados. DESENVOLVIMENTO: A busca no SciELO permitiu a identifi-
cação de vinte artigos, porém, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão
definidos para este estudo, foram selecionadas para análise final, quatro estudos
cujo tema foi: Discriminações no atendimento às minorias étnicas na saúde.
Segundo a Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas (2011) pesquisas têm
evidenciado que as manifestações do racismo nas instituições são verificadas por
meio de normas, práticas e comportamentos discriminatórios naturalizados no
dia-a-dia de trabalhadores. Já Kalckmann (2007) refere que a população negra
vem sendo e discriminada nos centros de saúde e que isso reforça um padrão
estabelecido para manter as relações desiguais historicamente instituídas. Relata,
também que isso é responsável pelo afastamento ou por restringir o acesso de
usuários e de grupos raciais ou étnicos discriminados aos benefícios gerados
pelo Estado. CONCLUSÕES: A importância desses estudos para enfermagem
se evidencia na preocupação dos autores em reconhecer o problema como
um dos causadores das iniquidades no processo de trabalho na saúde e que
a falta de investimentos em programas específicos para identificar práticas
discriminatórios colaboram para esse problema.

Palavras-chave: Discriminação, Saúde, Equidade.

ISBN 978-65-5360-526-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


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INTRODUÇÃO

O atendimento de saúde adequado a todos os usuários está previsto na


Constituição Federal e em todos os códigos de ética dos profissionais da saúde.
Mas no cotidiano os tabus e os preconceitos levam pacientes a não seguir
adequadamente o seu tratamento por serem discriminados ou estigmatizados
nas instituições de saúde (BRANCO, 2004) 4.
Apesar dos importantes avanços dos últimos anos na melhoria do valor
médio de seus indicadores de saúde, o Brasil está entre os países com maiores
iniquidades em saúde, ou seja, desigualdades de saúde entre grupos popula-
cionais que além de sistemáticas e relevantes são também evitáveis, injustas e
desnecessárias. “São um dos traços mais marcantes da situação de saúde do
Brasil”. (Whitehead, 1992) 12.
No cristianismo, iniquidade se assemelha muito a definição de pecado,
contudo entende-se que não se resume a “um pecado”, mas a “condição da
prática pecaminosa” e fazendo valer a explicação acima de que quando o ser
humano comete uma falta contra as orientações divinas, ele está demonstrando
o seu caráter carregado de maldade e perversidade indiferente às orienta-
ções do Eterno10.
A iniquidade constitui-se das desigualdades nos índices de saúde que
são consideradas inaceitáveis por sua desproporcionalidade e/ou caráter de
injustiça, o que reflete a extrapolação de diferenças biológicas na determina-
ção da saúde e traz à pauta a distinção social de extratos populacionais mais e
menos favorecidos na organização da sociedade, a iniquidade fomenta distintos
padrões de vulnerabilização ao adoecimento e chance de morte a depender do
grupo social que se enfatiza (Escorel, 2001) 6.
Um dos grandes problemas do país além da discriminação na saúde é,
o déficit de profissionais qualificados e equipamentos nos hospitais e centros
de saúde, indo de encontro às leis que regem os Direitos Humanos Universais,
que determinam que todo o ser humano deve ter o direito a uma assistência
em saúde de qualidade e gratuita2.
No Sistema Único de Saúde (SUS) a iniquidade, entre ricos e pobres
repousa na natureza dos procedimentos que o sistema disponibiliza aos mais
ricos, procedimentos que podem, em alguns casos, ser questionados quanto à

r tica d cati a Antirraci ta de afio er ecti a e e trat ia em e i a


46
prioridade social e até mesmo quanto à essencialidade, diante da escassez de
recursos do sistema. Poucos dos que pertencem aos grupos de maior renda
recorrem exclusivamente ao SUS, e a maioria nem sequer utiliza o sistema. Os que
utilizam, de forma frequente ou eventual, o fazem como complemento aos planos
privados de saúde ou à compra direta de serviços dos prestadores privados12.
A Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS),
intitulado as causas sociais das iniquidades em saúde no Brasil, integrada por
dezesseis personalidades da vida civil, científica, cultural e empresarial do país
e apoiada por uma secretaria técnica instalada na FIOCRUZ, desenvolveu uma
série de atividades que contribuíram para o debate nacional sobre a problemática
dos determinantes sociais e das iniquidades em saúde. Estas atividades estão
voltadas para a revisão e análise de políticas e programas de intervenção sobre
estes determinantes e para a comunicação aos diversos setores da sociedade
sobre a importância e as possibilidades de atuação sobre eles6.
Segundo o Relatório do Programa das Nações Unidas em 2007, com
dados de 2005, o Brasil está situado em 11º lugar entre os mais desiguais do
mundo em termos de distribuição da renda, superado apenas por seis países
da África e quatro da América Latina. O relatório analisa o impacto dos DSS
em seus diversos níveis sobre a situação de saúde, com especial ênfase nas
iniquidades em saúde.
Contemporaneamente, estudos mostram que a iniquidade impacta
incisivamente sobre a saúde das minorias, cujo reflexo se evidencia através de
seus mais altos índices de adoecimento físico e mental. (Batista, 2002; Clark,
Anderson, Clark, & Williams, 1999; Kazarian, 2001; Pieterse & Carter, 2007), o que
leva a uma pior qualidade vida (Cruz, 2010; Nazroo & Williams, 2006; Whitfield,
Weidner, Clark, & Anderson, 2003) 1.
As injustiças em saúde entre grupos e indivíduos, LGBT( Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros), ou seja, aquelas desigual-
dades de saúde que além de sistemáticas e relevantes são também evitáveis,
injustas e desnecessárias, segundo a definição de Margareth Whitehead, “são
um dos traços mais marcantes da situação de saúde do Brasil”.
No que se refere às condições de saúde e de vida da população negra, os
indicadores que nos ajudam na avaliação são: a escolaridade, a renda familiar,
as condições de moradia e saneamento.

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A justiça social no Brasil depende de mudanças atitudinais profundas,
das quais todos somos responsáveis. A equidade social é a garantia da univer-
salização de acesso aos direitos previstos em nossa Constituição e, portanto,
chave para um projeto de sociedade justa12.
A fim de promover a equidade no que diz respeito à efetivação do direito
humano à saúde dessa população, o Conselho Nacional de Saúde aprovou, no
dia 10 de novembro de 2006, a Política Nacional de Saúde Integral da População
Negra (PNSIPN). Instituída pela portaria nº 992, de 13 de maio de 2009, tem
como objetivo a promoção da equidade em saúde, em função de situações de
risco, com vistas ao maior cuidado com a saúde da população negra.
Do ponto de vista do usuário, são criados e recriados mecanismos para
a não percepção ou não aceitação de atitudes negativas por parte dos profis-
sionais. Enquanto aqueles simulam tratamento igualitário, estes fingem não
perceber que estão sendo maltratados ou fingem não saber que não têm suas
necessidades contempladas de forma insatisfatória11.
Em resumo, constata-se que em todas as dimensões da saúde, a popula-
ção negra encontra-se em nítida desvantagem quando comparada à população
branca. Mesmo os indicadores para os quais neste estudo não foi possível apre-
sentar dados desagregados por cor/raça, pode-se inferir, a partir das condições
globais que é impossível existir, para o momento, uma situação de igualdade
ou de pequena desigualdade5.
Desse modo, faz-se necessário compreender as narrativas dos profissio-
nais da área e como se posicionam diante dessa política.

OBJETIVO

Estimular a discussões sobre o tema e dar visibilidade para a compreensão


de como a discriminação no atendimento às minorias étnicas na saúde se permeia.

MÉTODO

Para atender os objetivos do estudo, foi realizada revisão integrativa que


define cinco etapas para a realização da revisão e que incluem a formulação
do problema, coleta de dados, avaliação dos dados, análise e interpretação dos

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48
dados e apresentação dos resultados. A estratégia de identificação e seleção
dos estudos foi a busca de publicações nas bases de dados Scientific Electro-
nic Library Online (SciELO) e outras publicações eletrônicas de relevância em
território nacional.
Os critérios de inclusão foram: artigos escritos em português; estar
disponível eletronicamente na íntegra; apresentar no título e/ou resumo, pelo
menos, dois das seguintes palavras chaves: Discriminação; Saúde; Equidade
e ter sido publicado durante o período de janeiro de 2000 a dezembro de 2018.
Foram excluídos artigos que não estavam disponíveis gratuitamente e eletro-
nicamente nas bases de dados estudadas.
Foi realizada a pergunta norteadora para a realização desse estudo: Há dis-
criminações no atendimento às minorias étnicas no sistema de saúde? Após a
confirmação de que o artigo entraria no estudo, foi realizado download de cada
um para leitura. A análise ocorreu no mês de abril de 2018 e se deu pela leitura
do artigo para o preenchimento do roteiro de coleta de dados, que buscava
investigar o ano de publicação, natureza dos estudos, população estudada
e os resultados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com relação à utilização das palavras-chaves “Discriminação”, “Saúde


em adição”, “Equidade” a busca permitiu a identificação de 20 artigos científicos
nas bases e, utilizados 04 (Quadro 1).

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Quadro 1. Caracterização dos artigos sobre Discriminações no atendimento às minorias étnicas na
saúde encontrados nas bases SciELO, no período de 2000 a 2018.
Ano/ Natureza
População estudada Resultados
autores dos estudos
Estudo exploratório de Participantes do 2º Semi- Evidenciam que a popu-
Kalckmann et al. (2007) natureza descritiva. nário de Saúde da Popu- lação negra vem sendo
lação Negra do Estado de discriminada nos ser-
São Paulo. viços de saúde, tanto
como usuários, quanto
como profissionais, nos
serviços públicos como
nos privados.
Ferreira et al. (2017) Pesquisa qualitativa. Participaram seis tra- A discriminação foi citada
vestis que residem em por todas as participantes
Teresina que acessam da pesquisa, mostrando
os serviços de saúde, se- que o SUS acaba refle-
lecionadas pela técnica tindo os valores de uma
metodológica Snowball. sociedade que coloca
o sujeito heterossexual
como padrão.
TRAD, Castellanos e Gui- Estudo etnográfico, an- Realizado com 18 famílias Os sujeitos associaram
marães (2012) corado na antropologia selecionadas de um bair- manifestações de es-
de base interpretativa. ro popular de Salvador, tigma e discriminação
BA, no período de dois social (observadas ou
anos. vivenciadas) mais à con-
dição de pobreza do que
à cor da pele, produzindo
cidadãos de primeira e
de segunda categorias e
parte dos entrevistados
encontrou na combina-
ção “ser negro e pobre”
um elemento que poten-
cializa as dificuldades na
relação com os serviços
de saúde.
LEAL, Gama e Cunha Estudo transversal. 9.633 puérperas, oriun- Verificaram-se dois ní-
(2005) das de maternidades veis de discriminação, a
públicas, conveniadas e educacional e a racial,
particulares no período que perpassam a esfera
de 1999 a 2001, no Mu- da atenção oferecida pe-
nicípio do Rio de Janeiro. los serviços de saúde à
população de puérperas
do Município do Rio de
Janeiro.

Em todos os trabalhos pesquisados a discriminação na saúde, tanto no


rede privada quanto na rede pública está associada aos determinantes sociais
da saúde, que estão relacionados às condições em que uma pessoa vive e
trabalha e aos fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicoló-
gicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde

r tica d cati a Antirraci ta de afio er ecti a e e trat ia em e i a


50
e fatores de risco à população, tais como moradia, alimentação, escolaridade,
renda e emprega.(Organização Mundial de Saúde (OMS).
Estudos destacaram as seguintes situações: A população negra vem
sendo discriminada nos serviços de saúde, tanto como usuários, quanto como
profissionais, nos serviços públicos como nos privados16.
Os resultados dos estudos de Leal, Gama e Cunha (2005) apresentaram
dois níveis de discriminação, a educacional e a racial, que perpassam a esfera
da atenção oferecida pelos serviços de saúde à população de puérperas9.
Discriminações no atendimento às minorias étnicas na saúde. Segundo
a Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas (2011), têm evidenciado que as
manifestações do racismo nas instituições são verificadas por meio de nor-
mas, práticas e comportamentos discriminatórios naturalizados no dia-a-dia
de trabalhadores.
Já Kalckmann (2007) refere que a população negra vem sendo e discri-
minada nos centros de saúde e que isso reforça um padrão estabelecido para
manter as relações desiguais historicamente instituídas. Refere, também que
isso é responsável pelo afastamento ou por restringir o acesso de usuários e de
grupos raciais ou étnicos discriminados aos benefícios gerados pelo Estado16.

CONCLUSÕES

Concluímos com este estudo que a minorias étnicas, os adictos e os grupos


Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros (LGBT) são
socialmente marginalizados, alvos de preconceitos e discriminação nos centros
de saúde e que isso dificulta, afasta e ou diminui o tempo de tratamentos desses
pacientes fazendo com que eles não desfrutem do acesso universal e igualitário
às ações e aos serviços de saúde que o SUS propicia aos demais.
A importância desses estudos para enfermagem se evidencia na preo-
cupação dos autores em reconhecer o problema como um dos causadores das
iniquidades no processo de trabalho na saúde e que a falta de investimentos
em programas específicos para identificar práticas discriminatórios colaboram
para esse problema.
Nesse sentido, é importante que dirigentes institucionais, coordenado-
res de cursos e docentes estimulem essa discussão com os profissionais e os

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futuros profissionais da área da saúde para que haja uma quebra nos padrões
que permeiam essas desiguais historicamente instituídas e identificar práticas
discriminatórios.
Este estudo nos mostra que devemos buscar a ética como parâmetro para
identificar caminhos e intervenções direcionadas e eficientes para combater e
erradicar as imensas desigualdades no acesso à saúde.

REFERÊNCIAS
1- BASTOS, J. L, Celeste, R. K., Faerstein, E., & Barros, A. J. D. (2011). Raça, racismo e saúde: A desigualdade
social da distribuição do estresse http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
294X2011000300009. Acesso em:17/09/2019.

2- BATISTA, L. E. (2002). Mulheres e homens negros: saúde, doença e morte (Tese de doutorado
não publicada). Universidade Estadual Paulista, Araraquara, SãoPaulo.< Http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2011000300009.> Acesso em: 17/09/2019.

3- BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Saúde da população negra no Brasil: contribuições para
a promoção da eqüidade / Fundação Nacional de Saúde - Brasília: Funasa, 2005. 446 p.: il. <http://
bvsms.saude.gov.br/bvs/pop_negra/pdf/saudepopneg.pdf>. Acesso em:16/09/2019

4- BRANCO, Viviane M. Castello; Dilma C. Medeiros; Mª de Fátima G. Coutinho; Sônia Melges; Luciana
Phebo. Saber Viver Comunicação, 2004.

5- CRUZ, Isabel CF da. Saúde e Iniquidades. Raciais no Brasil: O caso da população Negra. <http://
www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/rt/printerFriendly/400/95>. Acesso em: 15/09/2019.

6- ESCOREL, S. Os dilemas da equidade em saúde: aspectos conceituais. Brasília: OPAS, 2001.


Disponível em: <http://biblioteca.planejamento.gov.br/biblioteca-tematica-1/textos/saude-epidemias-
xcampanhas-dados-descobertas/texto-83-2013-os-dilemas-da-equidade-em-saude-aspectos-
conceituais.pdf>. Acesso em 17/09/2019.

7- FERREIRA, Breno de Oliveira et al. Vivências de travestis no acesso ao SUS. Physis: Revista de
Saúde Coletiva, [s.l.], v. 27, n. 4, p.1023-1038, dez. 2017. FapUNIFESP (SciELO). <http://dx.doi.org/10.1590/
s0103-73312017000400009.> Acesso em: 18/09/2019.

8- GRANADA, Daniel et al. Discutir saúde e imigração no contexto atual de intensa mobilidade
humana. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, [s.l.], v. 21, n. 61, p.285-296, jun. 2017. FapUNIFESP
(SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0626. Acesso em :19/09/2019/.

9- LEAL, Maria do Carmo; GAMA, Silvana Granado Nogueira da; CUNHA, Cynthia Braga da.
Desigualdades raciais, sociodemográficas e na assistência ao pré-natal e ao parto, 1999-2001.
Revista de Saúde Pública, [s.l.], v. 39, n. 1, p.100-107, jan. 2005. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.
org/10.1590/s0034-89102005000100013. Acesso em:19/09/2019.

10- LEME, Miguel. < https://projetogospel.com/ Significado de iniquidade/>. Acesso em:17/09/2019.

r tica d cati a Antirraci ta de afio er ecti a e e trat ia em e i a


52
11- LOPES, Fernanda. Experiências desiguais ao nascer, viver, adoecer e morrer: Tópicos
em saúde da população negra no Brasil. < https://pdfs.semanticscholar.org/b506/
b73bbefd0f65bef3d8ffcbc633d58a97c3b4pdf.>. Acesso em:17/09/2019

12- SCHULZE, Clenio Jair. Equidade e Iniquidade no SUS e a Judicialização da Saúde. <Https://
emporiododireito.com.br/leitura/>. Acesso em 17/09/2019.

13- SECRETARIA de Políticas de Ações Afirmativas. Disponível em URL: <http://www.seppir.gov.br/


noticias/ultimas_noticias/2011/10/a-equidade-na-saude-tem-que-ser-pra-valer-o-racismo-como-
determinante-social-de-saude.>Acesso em: 15/09/2019.

14- TRAD, Leny Alves Bomfim; CASTELLANOS, Marcelo Eduardo Pfeiffer; GUIMARÃES, Maria Clara
da Silva. Acessibilidade à atenção básica a famílias negras em bairro popular de Salvador, Brasil.
Revista de Saúde Pública, [s.l.], v. 46, n. 6, p.1007-1013, dez. 2012. FapUNIFESP (SciELO). <http://dx.doi.
org/10.1590/s0034-89102012000600010>. Acesso em:17/09/2019.

15 - WHITEHEAD, M., Dahlgren G. As causas sociais das iniquidades em Saúde no Brasil.


<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/causas_sociais_iniquidades.pdf.>. Acesso em:17/09/2019.

16- KALCKMANN, Suzana; et al. Racismo institucional: um desafio para a eqüidade no SUS?. <Saúde.
soc. 2007, vol.16, n.2, pp. 146-155.>. Acesso em: 15/09/2019.

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04

IRANTI TI AWON AGBALAGBA: A


PEDAGOGIA GRIÔ ENREDANDO OS
LAÇOS ANCESTRAIS JUVENIS NA
ESCOLA DE ENSINO MÉDIO

Ana Lise Costa de Oliveira


Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC)

10.37885/230613415
RESUMO

Objetivo: Neste artigo,protagonizamos a educação étnico-racial numa escola


pública de ensino médio, no distrito de Chapada, zona rural de Riachão do Jacuípe,
estado da Bahia. Objetivamos fomentar uma ação antirracista decolonizadora
centrada na pedagogia griô. Métodos: De uma pesquisa-ação, fruto do projeto
interdisciplinar Batuques de Ancestralidade, nasceu este estudo. Resultados:
Evidenciamos que as práticas pedagógicas antirracistas promoveram um encontro
ancestral entre a juventude e os griôs mais velhos da comunidade. Esse enlace
griô foi reconhecido por meio de uma epistemologia emergente, transgressora
e decolonial traduzida nos valores da ancestralidade, da reverência aos mais
velhos e, ao mesmo tempo (re)afirmação da identidade afro-brasileira e indígena
juvenil. Conclusão: Logo, a escola pública contemporânea tem assumindo um
papel central no cultivo pedagógico das raízes culturais dos povos originários
afro-indígenas e os sertanejos da comunidade local.

Palavras-chave: Educação Étnico-Racial, Juventude e Ensino Médio, Pedagogia Griô.

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INTRODUÇÃO

Este artigo inicia-se com a expressão iranti ti awọn agbalagba, que significa
memórias dos mais velhos. É com as lembranças e vivências dos nossos griôs
mais velhos que seremos guiados na leitura e reflexões deste texto. Antes, peço
licença e a benção de meus mais velhos aqui representados por minha avó paterna
Ana Maria, rezadeira ainda em atividade aos 99 anos, que se pudesse escrever
aqui me diria: - Deus te crie pro bem, com sabedoria e graça! E ela certamente
escreve comigo, porque ninguém anda sozinho nesse mundo, estamos cada
um com uma proteção, foi um ensinamento que aprendi com esta minha griô.
Oxalá todas as pessoas sejam também abençoadas pelas guianças de seus
mais velhos, seus ancestrais, assim com foram os envolvidos nesta pesquisa.
O presente texto discute a temática da educação das relações étnico-raciais
sob a ótica da juventude numa escola pública de ensino médio, no povoado de
Chapada, em Riachão do Jacuípe, na Bahia. O desejo pela pesquisa partiu de
uma problemática que contextualizou a dificuldade da escola, dos docentes e
dacoordenadora pedagógica de contribuírem para a efetivação da uma peda-
gogia antirracista. Dessa forma, indagamos: como os estudantes e docentes
do ensino médio têm lidado com a temática da diversidade, especialmente a
afrodescendência, em seus contextos formativos? Decorrente disso,aspráticas
docentes, discentes vêm subvertendo ou reforçando oracismo? As práticas em
Pedagogia Griô na escola podem potencializar a educação antirracista numa
perspectiva decolonizante?
Nesse sentido, objetivamos aqui refletir sobre a valorização da cultura
afro-brasileira e indígena local, expressa através da Roda de Bençãos e do álbum
de expressão cultural, práticas de uma autêntica aula griô, destacando-os como
relato de experiência de pesquisa-ação com foco na promoção da educação
étnico-racial no Colégio Professor Dídimo Mascarenhas Rios, indo ao encontro
da pedagogia griô. A Roda de bênçãos tem sido a etapa de sensibilização e o
álbum cultural têm sido a sensibilização e o produto do Projeto interdisciplinar
Batuques de Ancestralidade que vem sendo realizado desde o ano de 2019 e
perdura no nosso calendário pedagógico escolar deste ano letivo de 2023. Sendo
que na atualidade o referido projeto, em virtude da nova realidade pandêmica,

r tica d cati a Antirraci ta de afio er ecti a e e trat ia em e i a


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tem sido realizado e aquilombado virtualmente e, a aos poucos vem retomando
o formato presencial.
Assim, este trabalho empírico, está referendado pela legislação educa-
cional antirracista, (Brasil 2003;2008); pelas práticas em educação étnico-racial
(Gomes, 2012;Santana,2014), pela Pedagogia Griô (Pacheco, 2015), pela Pedago-
gia decolonial (Quijano, 2005; Walsh, Candau, Oliveira, 2018, Rufino, 2018) e os
estudos sobre Juventude e cultura (Ferreira, 2014). Por meio das reflexões teóricas
a acerca do tema, buscamos, ao longo das formações centradas da escola e
nos centros acadêmicos, desenvolver metodologicamente práticas conceituais
e que dessem conta de explorar os que dizem há décadas as leis antirracistas.
Nosso intuito é a busca de superação dos expectros da colonialidade
que ainda subalterna muitas consciências. Ao romper com a tal colonialidade,
rumamos descolonizar nossas mentes (re) conhecendo novas epistemologias
do saber, que advém dos povos africanos e indígenas. Como num movimento
sankófico e cosmológico das divinidades afro-indígenas, experimentamos
outras práticas antirracistas que nos permita com a comunidade local enegre-
cer os currículos.

MÉTODOS

Nesta seção apresentamos os caminhos da pesquisa que é fruto de


abordagem qualitativa, com foco na pesquisa-ação, tendo como instrumentos
de coleta de dados a observação participante e o grupo focal. A escolha por
tais caminhos justifica-se pela própria temática suscitada. Trabalhar a educação
para as relações étnico-raciais na escola pública implica um olhar empírico e
investigativo diferenciado para o ato educativo visto como um “processo” de
permanente de desvelamento, (des)construção e ressignificação. Ao analisar
práticas a partir de um projeto vivencial, nos trouxe a preocupação com o
processo e a dinâmica tramada por seus sujeitos, ou seja, com o “vir a ser” e o
“ser- sendo”, é condição sine qua non de um trabalho de natureza qualitativa
e social (MINAYO, 2010).
A pesquisa-ação foi a técnica de pesquisa desenvolvida nesta investi-
gação, tendo em vista que a mesma suscita uma metodologia propositiva de
transformação de realidades, seja no campo social investigado, seja na produção

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do conhecimento. Para Barbier (2002, p. 10), a pesquisa-ação é uma atividade de
“compreensão e de explicação das práxis dos grupos sociais por eles mesmos,
com ou sem especialistas em ciências humanas e sociais práticas, com o fito
de melhorar sua práxis.” Além disso, Thiollent (2009) assinala a importância de
considerar a ótica político-social da pesquisa-ação , a qual vincula o objeto de
pesquisa a uma política de transformação da realidade.
Desse modo, a pesquisa por nós desenvolvida na comunidade de Cha-
pada, distrito de Riachão do Jacuípe, teve como lócus a única escola estadual
do distrito, os participantes foram docentes e estudantes do ensino médio e da
educação de jovens e adultos, além de alguns mestres griôs da comunidade.
Como ação pedagógica foi realizado o projeto interdisciplinar Batuques de
ancestralidade, na referida escola, no intuito de promover ações antirracistas de
combate ao racismo e fortalecimento das identidades locais. Os instrumentos
de coleta de dados foram a observação participante com os diários de campo,
na qual mergulhamos no universo da cultura popular local no contato com os
mestres griôs, e o grupo focal com os estudantes, para interpretarmos a práxis
de pesquisa realizada.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A vivência da educação étnico-racial pela juventude na escola básica


entrelaçando educação e cultura é o tema em investigação nesse trabalho.
Essa vivência pedagógica tem sido realizada sempre no segundo semestre do
ano, começando em julho e culminando na Semana Nacional da Consciência
Negra no mês de novembro, no Colégio Estadual do Campo Professor Dídimo
Mascarenhas Rios (CEPCDMR), no povoado de Chapada, em Riachão do Jacuípe,
cidade situada no território da Bacia do Jacuípe, sertão da Bahia. Sabemos que o
nosso tempo, sobretudo neste contexto de pós-pandemia Covid 19, é um tempo
de “que fazer”, no qual não podemos nos furtar de buscar entender, refletir e
descrever a dinâmica que perfaz a juventude contemporânea nos caminhos de
sua formação identitária.
O Projeto Batuques de ancestralidade representou uma ação investigativa
e propositiva de caráter interdisciplinar em prol da Educação para as relações
étnico-raciais no contexto escolar, tendo em vista o pronto atendimento das

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Leis nacionais de amparo à cultura afro-brasileira e indígena. (BRASIL, 2003;
BRASIL, 2008). No nosso projeto político pedagógico do CECPDMR diagnosti-
camos a escassa prática de valorização da cultura negra e indígena na escola e
na comunidade. A própria comunidade de chapada em sua maioria, a despeito
de ser residente em terras consideradas quilombolas, não aceita a condição de
negritude, em pleno sertão baiano. Tal constatação, rebervera em não “aceitação”
dos jovens da comunidade que repete o comportamento de seus familiares em
não se “misturar” com esses assuntos. Muitos se consideram pardos e outros
tantos nem se quer identificam suas origens.
No desafio de buscar a superação desse contexto de preconceito, racismo
e discriminação presente na comunidade de Chapada, procuramos fazer um
trabalho pedagógico de pretensão decolonizante, com inspiração na pedago-
gia griô. Sobre pedagogia griô a entendemos como aquela que une escola e
comunidade valorizando os saberes ancestrais do povo brasileiro, através da
tradição oral potencializa e pedagogia e revoluciona o jeito de pensar e sentir
a educação antirracista.

A Pedagogia Griô é uma pedagogia facilitadora de rituais de vínculo


e aprendizagem entre as idades, entre a escola e a comunidade,
grupos étnico-raciais, de gênero, territórios identitários, saberes
ancestrais de tradição oral e as ciências/artes/tecnologias
universais, por meio de um método de encantamento, vivencial,
dialógico e partilhado para a elaboração do conhecimento, geração
da consciência comunitária e de um projeto de comunidade/
humanidade que tem como foco a expressão da identidade, o
vínculo com a ancestralidade e a celebração do direito à vida.
(PACHECO, 2015, p. 10.)

Destacamos que, a inspiração na perspectiva decolonizadora, advém da


necessidade de trabalharmos na direção contrária ao epistemicídio dos saberes
afro-indígenas, povos subjulgados no processo de colonização do nosso país,
cujas marcas insuperáveis reverbera na colonialidade do poder e do saber.
QUIJANO (2005). Na desobediência e insubmissão às práticas colonizadoras
que bestializam os nossos povos originários e buscando conhecer, revelar e
valorizar a nossa cultura popular que sobrevive à duras penas realizamos essas
práticas tendo os griôs como centro do diálogo com o saber cientifico escolar,
para que seja edificada uma epistemologia outra na escola.

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A experiência de pesquisa que vamos descrever corresponde às etapas
de sensibilização e culminância do Projeto Batuques de Ancestralidade, ocorri-
das entre os meses de julho e novembro. Sabíamos do risco que iríamos correr
ao inovar trazendo uma experiência diferente para o contexto escolar. Nosso
intento foi superar o discurso colonizador contido, muitas vezes, nas práticas
folclorizantes e pontualmente comemorativas, a respeito da consciência negra
na escola. Os sujeitos da pesquisa foram os líderes de classe das turmas tra-
balhadas que reviveram momentos de muita reflexão e aprendizagem em 2
sessões de grupo focal.
Assim começamos a sensibilização com uma prática da pedagogia griô
chamada de roda de bênçãos. Trabalhamos em todas as turmas do ensino
médio e da Educação de Jovens e Adultos da escola. A prática consistiu em
reunir os jovens em cada turma para uma vivência dialógica focada nos sabe-
res afro-indígenas. Houve uma fala introdutória sobre o tema e os propósitos
do projeto através de contação de história e leitura de imagens sobre ances-
tralidade e identidade dos nossos povos originários. A facilitadora do ritual
foi a coordenadora pedagógica, estudiosa da pedagogia griô. Primeiro os/ as
estudantes foram convidados/as a integrar uma grande roda no chão da sala,
dançando a cantando uma modinha de Ciranda, que aprendemos com a griô
cirandeira Lia de Itamará e que também é conhecida e cantada pelos griôs da
comunidade de Chapada.
Em seguida num silêncio os jovens foram convidados a lembrar de seus
mais griôs mais velhos deitados na roda, ou sentados de olhos fechados. A faci-
litadora sugeriu que fosse pedida uma permissão, licença ou benção em voz
alta, um por um na roda, listando uma qualidade do (a) mais velho (a) e em
seguida afirmando seu nome e como gesto de lembrança e agradecimento se
perfumando com o cheiro da alfazema. Cada jovem estudante presente fez esse
ritual e este foi partilhado por todos.

Ao ser convidada a participar da roda me deu um certo pânico,


até a gente cantar a ciranda foi muito divertido.Juntar mão com
mão, balançar os pés, a cabeça, olho no olho. Que jeito diferente
se começar esse projeto!Depois parar sentar, deitar, lembrar de
alguém pra pedir a benção... meus pensamentos voaram lembrei
de vovó e de Dona Zifinha uma rezadeira amiga dela. A fé delas
me comove. Lembrei que sem fé a gente não é nada. O cheiro de

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alfazema embriagou meu ser e com coragem disse: A bença vó,
meu exemplo de fé! Eu sou Hiasmim, 17 anos, 3º ano.

Eu a princípio resisti...esse negócio de pedir benção não era comigo,


confesso que pedi para não participar. Depois que muita gente falou
eu fique quieto espiando os outros falarem e me lembrei do meu
avô sambador. Eu sempre fui admirador das cantorias dele, das
chulas inventadas e da alegria, mesmo na tristeza. Senti vontade
de falar quando o frasco de alfazema passou por mim. Aí me deu
um nó na garganta e vontade falar. Ai pronto falei, pedindo bença a
meu voinho, lembrando de sua alegria e esperança na vida e gritei
meu nome. Luiz, 15 anos, 1º ano A

Desses depoimentos depreendemos que a juventude quer se (re) conhecer


num contexto identitário próprio e contextualizado. O ritual da roda de bênçãos
como se vê representou uma possibilidade do estudante buscar sua ancestrali-
dade, a partir de suas referências culturais de lugares e pessoas importantes na
constituição de seu ser histórico. Sabemos que a condição juvenil nos tempos
contemporâneos é plural muito inconstante e diversa e que, muitas vezes, pode
desviar o foco das raízes ancestrais, aproximando-se de aparente identificação
cultural superficial, mídiática e globalizadora, escamoteando as verdadeiras
origens afro-índígenas.
Para Ferreira (2014) a juventude vem a ser uma categoria social que está
permeada pelo desejo, pela emoção, pela inconstância, carregada de elementos
da cultura globalizada e cheia de simbolismos, mas que pode também ser (re)
construída diante do tempo-espaço e da história. Com esses depoimentos, a
juventude em sua maioria foi despertada a buscar sua identidade cultural na
contramão da história recente, (re) conhecendo a si mesma a partir do chama-
mento de seus ancestrais e percepção da importância desses, no sentido da
reverência e do respeito traduzido pelo pedido da benção aos seus ancestrais.
A partir do acesso aos mais velhos e o avivamento do próprio nome, verda-
deiro símbolo identitário marca pessoal, histórica e singular, os jovens puderam
viver uma experiencia de conexão consigo e com seus antepassados. Como
num movimento sankófico, que remota a simbologia adinkra, os jovens puderam
experienciar o sentido profundo do “volte e pegue”, simbolizando a ave mítica
na sabedoria africana que faz no seu voo a volta para adquirir conhecimento

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do passado, a sabedoria e a busca da herança cultural dos antepassados para
construir um futuro melhor, para construir sua identidade.
Sendo assim, “identidade juvenil” é uma construção social e deve ser
compreendida diante do contexto que lhe confere sentido, das identificações
em grupos e da singularidade dos encontros. O encontro despertado pela roda
de bênçãos, do começo ao fim, provocou conexões com as memórias, novos
voos na ave mítica afro-indígena de cada um, a percepção de si e do outro e
principalmente a assunção da ancestralidade oral como episteme africanizante
e antirracista, raiz da formação identitária do sertão baiano, que parte da cultura
local para a cultura global. (Júnior, Correa, 2018).
Outra análise importante a ser registrada e discutida diz respeito à inova-
ção do trato com a temática das relações étnico-raciais na escola. Da roda de
bênçãos em diante, os jovens vivenciaram outras rodas de diálogo, pesquisa de
campo e construção de saberes científicos e saberes comunitários. Os jovens
entrevistados afirmaram que a abordagem tomada pela gestão e professores
despertou neles um interesse em discutir e entender melhor sobre a cultura
afro-brasileira e indígena, a partir da construção histórica da sua comunidade
e a relação de pertencimento a esta por meio da busca da ancestralidade via
tradição oral e da aproximação com os griôs mais velhos. O trabalho de cada
etapa do projeto e a atuação de cada área do conhecimento possibilitou a
inversão no currículo. Ao invés de se buscar os conhecimentos globais sobre a
história dos negros, fizemos um retorno às origens da comunidade, colocando
os saberes locais como ponto de partida para conhecermos um pouco dessa
história. A aceitação pelo “novo”, não foi “o novo” conhecimento em si, mas a
forma inovadora como esse conhecimento foi apreendido pelos estudantes.

Eu gostei da forma como a coordenadora e os professores conduziram


o projeto. A gente está acostumado a virem com tudo pronto,
mostrarem um mundo cheio de pessoas negras de fora, distantes
de nós. Aí de repente a gente vê que tem uma cultura negra forte
aqui na nossa comunidade. (Maria José, 16 anos, 1º ano B).

Bacana aprender mais sobre a nossa cultura negra não a partir


dos livros e das revistas que a gente vê na escola, mas ouvindo,
contando e aprendendo as histórias de gente da nossa comunidade.
Aluna, 28 anos, EJA (Eixo IV).

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Meu avô é sambador. Na roda de bênçãos lá na sala eu saudei ele.
Meu vô é meu orgulho negro, quero ser sambador que nem ele. Vei,
sabido, cheio das rimas. Eu vou ainda aprender uns versos com ele,
criar os meus também. Aluno, 15 anos, 1º anoA.

Lembrei de meu pai que é um homem negro de valor. Um vaqueiro


que me ensinou uns aboios tão bonitos. Aí a professora pediu pra eu
fazer um aboio pra ele. Eu fiz um aboio contando a história da vida
dele. Me senti importante nesse dia. Vi que eu tenho valor, mesmo
com a vida dura que eu levo na roça e a escola nesse projeto me
ensinou isso. Felipe, 24 anos, EJA (Eixo VI).

Os dados acima revelam a importância da educação étnico-racial para


a construção e (re) afirmação da identidade. A escola é um lugar privilegiado
para a descolonização do saber e do combate ao racismo, preconceito e discri-
minação, através de uma pedagogia antirracista, afirma Gomes (2012). O traço
inovador do projeto que despertou a atenção dos jovens estudantes em sua
unanimidade foi a tradição oral traduzida em vivência, através da ativação das
memórias afetivas ancestrais de cada um. Mais do que isso da abertura ao
diálogo intergeracional entre jovens e mais velhos e da oportunidade de cada
um dizer a sua palavra.
Dessa forma, esse diálogo intergeracional ocorreu na etapa de pesquisa
de campo, na qual os estudantes emergiram no contato com os mestres griôs
ao irem às casas desses mais velhos vivenciar a ancestralidade. No contato,
em cada entrevista, os jovens puderam (re) conhecer os saberes, os modos de
fazer, os ofícios, tendo como fio condutor as memórias da cada griô. De grupo
em grupo, liderados pelos docentes e pela coordenadora os estudantes diante
de um roteiro de perguntas e temas geradores previamente construídos nas
aulas de Ciências Humanas, iam tecendo uma rede de saberes comunitários,
devidamente registrados nos diários de bordo, nas gravações de áudios e ima-
gens devidamente autorizados.
Assim, como produto final, cada turma construiu um álbum cultural
homenageando a história de vida e os ofícios/modo de fazer de cada griô
entrevistado. Na culminância cada álbum biográfico foi apresentado pelos líde-
res de sala, apreciado pela comunidade que prestigiou a valorizou os saberes
construídos no referido projeto. Foram reconhecidos mais de dozes mestres
griôs dentre eles/elas: artesãos, rezadeiras, contadores de histórias, parteiras,

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quituteiras, vaqueiros, cordelistas, mestre de capoeira, sambadores (as), dentre
outros/as. Ao final esses álbuns ficaram no acervo da biblioteca escolar como
fonte de pesquisa e valorização da memória local.
A escrita dos/das jovens sobre os saberes da comunidade, por meio dos
álbuns culturais, deu notoriedade ao projeto e, consequentemente, inaugurou
um modo autêntico e insubordinado de se contar e legitimar a história dos povos
africanos e indígenas. Ao escrever sobre e com a comunidade, cada jovem
experimentou a possibilidade de (re) contar a história de sua comunidade, à luz
das narrativas construídas e capturadas pelos próprios moradores. A versão da
história local foi contada por protagonistas estudantes que se comprometeram
em registrar a história dos seus ancestrais e que é de cada um deles, delas. “A
gente aprendeu que existem outras histórias diferentes do oficial nos livros. Com
história dos nossos mais velhos que palavra tem poder, que a historia também
é contada pela fala que puxa a memória do que cada um viveu”, disse Maria
Alice, 17 anos, 3ª série B.
Com efeito, essa descoberta de Maria Alice e dos/as demais estudantes,
de que não existe uma única história sobre a vivência de um povo, traz à tona
uma discussão levantada pelo professor de História da referida escola, Gabriel
Almeida, nas aulas deste componente: a preocupação de contar uma nova his-
toriografia e a oralidade, para além daquela contada pelos “vencedores” aqueles
que detêm o poder que frequentemente manipulam a forma de relatar a contar
os fatos. Quanto aos “vencidos”, durante muito tempo ficaram invisibilizados
quanto à sua versão dos fatos. É preciso que suas vozes e suas memórias sejam
ouvidas e registradas, para que outras histórias sejam construídas.
Hoje, com o crescimento da historiografia oral, da necessidade mundial
de reparação de injustiças histórias, sobretudo para com os povos originários,
africanos e afro-brasileiros, urge que a escuta, o debate sobre as lutas de resis-
tência desses povos, seja pauta de debate na sociedade e, sobretudo, nas salas
de aula. Práticas pedagógicas com esse teor crítico coadunam com a perspectiva
de Chimamanda Ngozi Adichie sobre o perigo de uma história única. Em suas
reflexõesela destaca que nossas memórias estão sempre interligadas aos fatos
que somos obrigados a enxergar do modo a sociedade dominante determina.
Para autora é impossível falar sobre a história única sem falar sobre poder, este
traduzido em igbo língua africana como nkali “ser maior do que o outro”. “O

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poder é a habilidade não apenas de contar a história de outra pessoa, mas de
fazer que ela seja sua história definitiva, diz Adichie (2009, p.9).
Nessa perspectiva, para além colonialidade do poder, buscamos avançar
para “águas mais profundas” no mar do saber e do ser que se aproxima muito
mais de ubuntu, “ser-com-os-outros”, do que nkali. Intentamos um processo
de (des)construção de conhecimentos e principalmente romper com o euro-
centrismo que durante muito tempo subjulgou nossa ancestralidade africana,
afro-brasileira e indígena. Através de uma pedagogia decolonial, buscamos
romper não apenas com a colonialidade de poder, mas também romper como
a colonialidade do saber e do ser que, no que se refere aos afro-índígenas,
sempre os subjulgou e os desumanizou ao longo da nossa história. (OLIVEIRA
e CANDAU, 2010). Aqui os/as nossos/as jovens, por meio da pedagogia griô,
tiveram a oportunidade de vivenciar a tradição oral em primazia, descobrindo
assim o valor da palavra falada da boca do griô, seu mais velho da comunidade,
irrompendo com a história oficial contada dos livros didáticos.
Da consciência juvenil ingênua e povoada de preconceitos e esqueci-
mentos, brotou uma consciência tendendo a criticidade que trouxe também à
tona uma etnicidade singular e diversa concomitantemente. Em se tratando
de juventude o diferente atrai, mas a o traço étnico negro marcante foi além
dos traços físicos e aparentes, tomando o formato de cultura, como assinala
Santana (2014).O contexto pedagógico da roda de bênçãos e do álbum sensibi-
lizou com encantamento e vivência os jovens para romper com a colonialidade
do ser afro-indígena sertanejo, tanto em relação ao ato de existência destes
enquanto seres humanos, como também em relação às suas capacidades e
valores éticos e morais, postos à comparação do padrão colonizador, e assim
olharem seu interior juvenil, para enxergarem as memórias orais da cultura,
das histórias de vida de seus ancestrais e por meio deles se (re) conhecerem
também pertencentes a uma cultura negra e campesina singular.
De acordo com os jovens foi convidativa e assertiva também a ideia de
valorizar a cultura local por meio da tradição oral. O sucesso da sensibilização do
projeto, bem como seu meio e sua culminância se deu muito pela simplicidade
e valorização da oralidade e do diálogo saudável entre as gerações de jovens e
mais velhos da comunidade, que conquistou a empatia dos estudantes, docentes
e toda a comunidade escolar. Com a tríade acesso, identidade e pertencimento,

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conseguimos com efetividade realizar boas práticas de educação étnico-racial,
pois jovens que estão na escola, ainda mais vivenciando experiências decolo-
nizadoras e insubmissas, tem mais chance de apropriaçãodosbens culturais
materiais e imateriais. (Oliveira, Silva e Rodrigues, 2006; Júnior, Correa, 2018).

CONCLUSÃO

Vivemos em uma sociedade com valores eurocêntricos ainda dominan-


tes, que sempre privilegiaram uma versão única da história e o padrão escrito
em detrimento da oralidade. Tendo percebido esta premissa, na contra-mão
do poder nkali, lutamos com o poder ubuntu, para que nosso Projeto Batuques
da Ancestralidade fosse mais vivencial e científico que apenas informativo ou
comemorativo. Coube à nossa escola assumir o compromisso de verdadeira-
mente promover uma educação antirracista, inverter essa lógica colonizadora do
saber e do ser e, valorizar no seu contexto comunitário chapadense e jacuipense,
a tradição oral, histórias e memórias de um povo negro, com eles e por eles.
Ao ousarmos investir em uma pesquisa-ação orientada pela prática
antirracista da pedagogia decolonial, apostamos no chamamento da oralidade
permitindo uma episteme africanizante e afrodescendente, dos griots de Mali no
continente africano, aos griôs brasileiros, que outras histórias fossem contadas
pelo e para os negros da nossa terra. Assim, acreditamos ter logrado sucesso
diante da busca pela valorização da memória, identidade e o pertencimento da
população afro-indígena, sendo conduzidos pelo veio da tradição oral, e com
inspiração nas práticas de pedagogia griô.
Diante disso, a roda de bênçãos e o álbum cultural representaram um
marco operacional curriculante antirracista decisivo para a mudança das
práticas pedagógicas em educação étnico-racial em nossa escola. Mais do
que vivências formativas, suscitou na juventude um jeito novo de descobrir o
mundo, reconhecer e estranhar o familiar entranhar-se no seio da cultura local,
se perder e se achar, concordar e discordar, desejando- se encontrar no voo
mítico do pássaro sankofa, para que nada que foi herdado, pereça no rio do
esquecimento. Logo, a escola ressignificando seu lugar na educação antirracista
colabora com a afirmação das nossas heranças e assunção de identidades

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jovens negras, afrodescendentes e indígenas no sertão baiano, sob a benção
e proteção dos mais velhos.

Agradecimentos

Agradeço com um gesto de ubuntu ao professor Gabriel Almeida, à Pro-


fessora Daniela Lima, aos estudantes, em especial à Maria Alice, aos mestres e
mestras griôs do distrito de chapada em Riachão do Jacuípe.

REFERÊNCIAS
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“História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil.
Brasília: DF, 10 mar. 2008. Disponível em:<www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/
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05

POR UMA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


ANTICOLONIAL E ANTIRRACISTA

Camila de Freitas Moraes


Universidade Católica de Pelotas (UCPEL)

Janaína da Silva Guerra


Universidade Católica de Pelotas (UCPEL)

Roseane Torres de Madeiro


Universidade Federal do Pará (UFPA)

10.37885/230713581
RESUMO

O presente trabalho analisa o alcance da Lei 10.639/2003 como uma impor-


tante ferramenta em direção a construção de uma educação antirracista no
Brasil, a partir de ações afirmativas e políticas públicas de educação. Com este
propósito, o texto tem como um conceito central o racismo, em especial na sua
dimensão epistemológica. Trata-se de um estudo teórico que se apoia em uma
metodologia qualitativa. Conclui-se, que uma educação antirracista e anticolo-
nial é um compromisso necessário para superar as desigualdades históricas e
para tanto, se exige uma análise crítica acerca das estruturas e práticas exis-
tentes que privilegiam o eurocetrismo e reiteram o racismo, bem como, outras
desigualdades estruturantes. Além de, ser de suma urgência ações concretas
frente as políticas públicas no âmbito educacional a fim de derruir o racismo e
o colonialismo em todas as suas formas.

Palavras-chave: Racismo, Educação, Colonialidade, Lei 10.639/2003, Corpo.

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70
INTRODUÇÃO

A educação de modo geral desempenha um papel crucial na formação


dos indivíduos, pois a partir dela se adquire conhecimentos e habilidades que
por meio do ensino-aprendizagem corroboram com o desenvolvimento humano,
bem como, na construção de uma sociedade mais equânime. No entanto, ao
se pensar a educação brasileira em seu sentindo político-social, a mesma vem
sendo estruturada, implementada e alicerçada por interesses políticos, econô-
micos, culturais, históricos e sociais. Uma vez que, a educação tem sido mais
um dos mecanismos de poder que vem sendo utilizada para sustentar sistemas
de poderes díspares, perpetuando desigualdades e opressões, especialmente,
quando se tem como pano de fundo a disputa acerca da temática das relações
étnico-raciais no currículo escolar a partir da Lei 10.639/03.
Por conseguinte, se faz ainda de suma urgência trazer à tona a discussão
sobre a educação brasileira à luz das relações de poder instituídas durante o
processo colonizador e as influências capitalistas, imperialistas e racistas que
se coadunam afim de manter as desigualdades sociais, além de uma formação
educacional que não tem buscado promover uma consciência crítica e eman-
cipatória, mas o seu contrário, uma educação alicerçada na segregação, no
racismo e no classismo (FREIRE E GUIMARÃES, 1982).
Pois a educação, nesse contexto, pode ser apreendida como uma forma
de reprodução das relações de poder existentes, avigorando a exclusão e a
marginalização dos corpos racializados e periféricos. Para tanto, toma-se como
discussão central na seara da política social brasileira o que fora instituído a
partir da Lei 10.639/03. Legislação essa, que tem como condição primordial no
território brasileiro a promoção e valorização da diversidade étnico-racial, e na
busca contígua da construção da identidade negra e a superação de estigmas
historicamente e culturalmente associados a tal população. Além disso, visa
romper com os estereótipos racistas, contribuindo assim, para a construção de
uma sociedade mais inclusiva, igualitária e antirracista. Dessa forma, as escolas
do ensino fundamental ao ensino médio têm como condição primária abordar
em suas disciplinas regulares temas como a história da África, a cultura afro-
-brasileira, a influência dos povos africanos na formação da sociedade brasileira,

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a luta contra a escravidão e a valorização dos protagonistas e escritores negros
na história do Brasil.
Vale ressaltar, que tal legislação foi criada como resultante de debates
públicos e políticos empreendidos pelo movimento negro, na busca de enfrentar
a discriminação racial, ou seja, tendo como objetivo sine qua non o de combater
as assimetrias históricas e estruturais oriundas do racismo, avalizando por sua
vez, a efetivação dos direitos humanos fundamentais à população negra no
território brasileiro (BRANDÃO, 2007).
Com essa finalidade, ainda se faz necessário discutir sobre o modus
operandis do racismo enquanto processo que se funda no colonialismo, para
somente a posteriori, se tratar sobre os avanços e os entraves experienciados
após os dez anos de vigência da referida lei enquanto marco legal e histórico
para a população negra. No contexto desse trabalho, ainda se tem como fim
circunscrever uma reflexão sobre o corpo negro enquanto subproduto da
exploração do poder colonial, sendo esse corpo dotado de significações e que
não se finda em sua materialidade em si, mas, um corpo que faz nó com o
social. Logo, se pensar sobre o corpo negro, é ater-se que este é simbolizado
pela via da dor, da subjugação e da negação de direito, ações essas que se
fazem pungente ainda na contemporaneidade, quer seja pela via da violência,
quer pela negação de sua historicidade ou dos estigmas frente à cultura de tal
população (LAZZARINI, 2006).
Essa matriz colonial estabelece uma norma eurocentrada, branca e elitista,
que perpetua desigualdades e hierarquias sociais. Essa estrutura normativa
coloca em posição de subalternidade e marginalização os corpos e identidades
que não se enquadram nesses padrões estabelecidos. Ao analisar essas ques-
tões, é necessário adotar uma perspectiva crítica às experiências e vivências
da população negra, buscando fissurar não só as estruturas opressivas, mas,
lutar por uma sociedade de fato compromissada com o antirracismo em sua
prática material e simbólica.
Nesta linha de raciocínio, compreende-se que, é a partir de uma educação
antirracista e anticolonial que a valorização e o reconhecimento histórico das
contribuições da cultura afrodescendente, poderão vir a se dar. Haja vista que,
a inclusão da história da cultura afro-brasileira e africana no currículo escolar
permite que os estudantes tenham acesso a informações e conhecimentos

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basais sobre a história do país, contribuindo para uma visão mais abrangente
e concisa da formação étnico-cultural do Brasil e além disso, essa medida visa
instigar a reflexão crítica, o respeito à diversidade e a valorização da cultura
afrodescendente, bem como, possibilita com que estudantes negros não sejam
mais compelidos a negar suas origens e sua ancestralidade. Busca-se então, de
modo geral, por uma educação que tenha como instrumentos de transformação
social e emancipação à valorização do sujeito negro.

A CARNE NEGRA E A MERCANTILIZAÇÃO DA VIDA

A concepção de corpo negro aqui apreendida, transcende em si a mate-


rialidade corpórea, isto é, sobrepuja os fatores determinantes da biologia, haja
vista que, desde a Invasão Colonial os significantes atrelados ao corpo negro
trazem consigo as insígnias simbólicas da violência e da morte. Por isso, ser
importante reconhecer que a relação entre a história colonial e a contempora-
neidade no contexto latino-americano, especialmente no Brasil, ainda apresenta
assimetrias significativas. Essas relações são particularmente visíveis quando se
trata do corpo negro e das dinâmicas culturais, psicológicas, sociais, políticas,
educacionais e urbanas experienciados a partir do processo de racialização.
Assim sendo, pode-se inferir que, a ideia de superioridade racial e cultu-
ral foi fundamental na materialização para concretização da Invasão Colonial,
onde a violência e aniquilação do corpo negro eram utilizadas como estratégias
para estabelecer uma sociedade moderna. Ou seja, as desigualdades raciais
são efeitos de uma tecnologia de poder relacional e complexa, que envolvem
estruturas sociais, instituições, práticas discriminatórias e estereótipos arrai-
gados que se fundam no período colonial.
A respeito de, Mbembe (2018, p. 35-36) explica:

[...] Os selvagens são, por assim dizer, seres humanos ‘naturais’, que
carecem do caráter específico humano, da realidade especificamente
humana, de tal forma que, ‘quando os europeus os massacravam,
de certa forma não tinham consciência de que cometeram um
crime (MBEMBE, 2018, p.35-36).

De acordo com Quijano (2005) na conjuntura do colonialismo, o corpo


negro cumpriu um papel central, pois a escravidão africana foi uma das principais

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instituições que emergiram durante esse período, com milhões de africanos
sendo sequestrados de suas terras e a posteriori, enclausurados em navios e
transportados como escravos para as colônias europeias nas Américas, Caribe
e outras regiões. De tal modo, o corpo negro foi visto como mercadoria, uma
propriedade dos colonizadores, sendo estes submetidos a um tratamento
degradante e desumanizante.
Pode-se inferir então, que a concepção de raça enquanto um pressuposto
da dominação colonial contribuiu para a manutenção de estruturas de poder
desiguais, em que determinados grupos raciais foram subjugados e oprimidos
em favor dos grupos considerados superiores. Essa hierarquia racial, natura-
lizada ao longo do tempo, perpetua a marginalização e a exclusão social de
comunidades não brancas.
E ainda nesse aspecto, Schucman (2010) pontua que a população negra
tende a se estabelecer como preterida, segregada e exclusa frente as diversas
dimensões, influenciadas pela matriz colonial, sendo a raça contiguamente
apreendida no território brasileiro como:

A raça como categoria social é um importante componente nas


estruturas sociais, pois […] embora a ideia de raça biológica
não faça mais eco entre os discursos científicos, a raça é uma
categoria que diferencia, hierarquiza e subjuga diferentes grupos
que são marcados fenotipicamente […], tanto brancos como negros
são cotidianamente racializados em um processo relacional.
(SCHUCMAN, 2010, p. 48).

Por meio dessa análise histórica, compreende-se que, a aniquilação do


corpo negro, foi estabelecida com base na imagem do homem europeu como
portador da civilidade em contraste com a suposta “barbárie” do corpo negro
colonizado e sendo tais táticas de poder persistentes até os dias de hoje, seja
através do desemprego, da falta de saneamento básico, da não efetividade de
políticas públicas educacionais ou do próprio genocídio de jovens negros no Brasil.

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O PROTAGONISMO DO MOVIMENTO NEGRO: A LUTA PELA
EDUCAÇÃO E A LEI 10.639/2003

Movimento negro e educação são categorias indissociáveis quando se


trata de Brasil. Isto porque a luta pelo direito à educação tem sido constante e
prioritária desde antes mesmo da abolição da escravatura1, quando, para além
de todas as violências sofridas, o povo negro escravizado também era privado
da alfabetização, do letramento.
Ainda que a Constituição de 1891 ampliasse o direito ao voto – pondo fim
ao voto censitário (instituído pela Constituição de 1824) que garantia esse direito
apenas a homens e de classe social abastada – excluía as pessoas analfabetas2
e, portanto, mantinha apartado daquele direito a maioria do povo negro. Também
por esse motivo a educação tornou-se historicamente a principal bandeira dos
movimentos negros do país.
Na história da organização e mobilização do povo negro pela educação
em nosso país vemos que até final de 1980 estava focada num discurso mais
universalista no acesso à educação muito baseado no que depois constou na
Constituição Federal de 1988 ou Constituição Cidadã, como ficou conhecida.
Porém, com o passar do tempo viu-se que o caráter universal na verdade se
restringia a um pequeno grupo, excluindo a maioria das classes populares entre
elas a população negra e os povos indígenas.

Essa nova fase dos movimentos negros se caracteriza sobretudo


pelo distanciamento com relação à primeira etapa da organização
negra no pós-abolição, tipificada, como um período no qual ‘as
associações de negros no Brasil tinham uma tendência culturalista
e objetivos assimilacionistas’ (Telles, 2003, p. 69), visavam à
integração dos negros à sociedade de classes, sem questionar

1 Sales Augusto dos Santos em seu livro EDUCAÇÃO um pensamento negro contemporâneo, ao apresentar
uma linha do tempo da luta do povo negro escravizado pela educação destaca o artigo 69 do Decreto 1331A,
de 17 de fevereiro de 1854, que “impedia os escravos de frequentarem escolas públicas de primeiras letras”
(2014, p. 46). Diante disso, o mesmo autor destaca o importante movimento de resistência de dois professores
autodeclarados pretos da época: Pretextato dos Passos e Silva e Philippe José Alberto Júnior, que, mesmo frente
a tantas adversidades, criaram alternativas clandestinas para alfabetizar “meninos de cor preta” (ibidem, p. 44)
2 O trabalho intitulado Educação e Cidadania: o voto das pessoas analfabetas, de autoria de Simone França
Ribeiro e Rosemary Dore Soares sintetiza muito bem esse processo histórico. Disponível em: https://www.
anped.org.br/sites/default/files/t1810.pdf Acesso em: 28 mai. 2023.

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profundamente os princípios fundantes da sociedade, além de terem
os valores dos brancos como referência” (SANTOS, 2014, p. 97)

Neste sentido os movimentos negros, mais especificamente o Movimento


Negro Unificado (MNU) combinava a luta antirracista à luta anticapitalista,
realizando a intersecção entre raça e classe e seguia tendo como principal
reivindicação a educação formal.
O MNU junto aos movimentos indígenas foram as(os) grandes prota-
gonistas na luta antirracista tanto na educação básica, quanto na educação
superior. Entre as conquistas de maior relevância destacamos nesse trabalho
a Lei 10.639/2003, cuja importância será abordada no próximo item, mas não
podemos deixar de mencionar também a Lei 12.711 de 29 de agosto de 2012,
conhecida como Lei de Cotas.
Podemos citar aqui três pré-requisitos indispensáveis do ponto de vista
político e histórico que deram as condições para que movimentos antirracistas,
em especial o MNU, pressionassem o Estado brasileiro a adotar políticas (ainda
que muitas delas governamentais) de promoção da igualdade racial: o primeiro
diz respeito a própria desconstrução do mito da democracia racial que mascara
o racismo estrutural e institucional; segundo, os movimentos conseguiram
desmistificar os argumentos de que a explicação da desigualdade social no
Brasil se restringisse, exclusivamente, à questão de classe e não de raça3; e o
terceiro, é que os movimentos por igualdade racial conseguiram transcender
o discurso de que as políticas governamentais, ou políticas públicas, direcio-
nadas ao combate à pobreza e a miséria podem ser as mesmas para reduzir a
desigualdade racial.
Da mesma forma citamos três eventos que foram fundamentais nas
discussões de combate ao racismo e na promulgação da Lei 10.639/2013: 1)
a Marcha Zumbi dos Palmares contra o racismo, pela cidadania e a vida, reali-
zada em 20 de novembro de 1995, que ascendeu a questão racial para a esfera

3 Quijano nos traz que a ideia de raça passou a ser constituída e conhecida a partir da chegada dos colonizadores
à América e “converteu-se no primeiro critério fundamental para a distribuição da população mundial nos
níveis, lugares e papéis na estrutura de poder da nova sociedade” (2005, p. 108), dividindo-a em proprietários/
não-proprietários, contribuindo para que os brancos europeus mantivessem sua hegemonia de classe
dominante, perpetuando-lhes o direito de exploração da população negra, principalmente.

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parlamentar, despertando o interesse de políticos com viés progressista para a
elaboração de projetos de lei em conformidade com as reivindicações daquele,
e, ainda que de forma tímida, para o executivo; 2) A Conferência de Durban4
promovida pela ONU, realizada de 31 de agosto a 8 de setembro de 2001, cujas
discussões contribuíram para a implementação das primeiras políticas de ações
afirmativas no ensino superior, para que o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística passasse a utilizar o critério de autodeclaração de cor/raça nos seus
censos demográficos, e para aprovação do Estatuto da Igualdade Racial que teve
origem nos debates travados pós-Conferência (FERREIRA, 2020); e 3) O próprio
Estatuto da Igualdade Racial5, Projeto de Lei de iniciativa do Senador Paulo
Paim (PT/RS), que visa o combate ao racismo a partir da promoção social da
população negra brasileira.
As ações dos movimentos negros juntamente com os três eventos
destacados tiveram eco apenas em 2003 quando a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB) é alterada e passa a valer a Lei 10.639/2003 instituída no
governo progressistas representado pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva.
Ainda que tenha sido um avanço importantíssimo na luta por uma
educação antirracista, é preciso salientar a preocupação que se tem quanto
à implementação desta lei. A não aplicabilidade dela nas escolas demonstra
que é preciso atenção e constância quando se trata da garantia de direitos às
minorias políticas como pretendemos abordar a seguir.

A IMPORTÂNCIA DA LEI 10.639/2003: QUAL O SEU ALCANCE?

A lei 10.639/2003 consiste em uma alteração da lei 9.394/1996, e dispõe


sobre a inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da
temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Vejamos o que diz a lei de 2003:

4 Como ficou conhecida a Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e
Formas Correlatas de Intolerância, representou importante marco nos esforços empreendidos pela comunidade
internacional “para abarcar diversos temas que incluíam intolerância religiosa, populações indígenas e
quilombolas, pessoas LGBTIs, várias minorias étnicas, e outras questões que envolvessem racismo, xenofobia e
discriminação” (FERREIRA, 2020, p.03).
5 Estatuto da Igualdade Racial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/
l12288.htm> Acesso em: 20 ago. 2021.

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Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio,
oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História
e Cultura AfroBrasileira. § 1º O conteúdo programático a que se
refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e
dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira
e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a
contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política
pertinentes à História do Brasil. § 2º Os conteúdos referentes à
História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de
todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística
e de Literatura e História Brasileiras. (...) Art. 79-B. O calendário
escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da
Consciência Negra” (Brasil, 2003).

Segundo o olhar crítico de Nascimento (2020, p. 92), na letra da lei “não


há referências explícitas, na redação legal, à educação antirracista e nem ao
objetivo da lei. Se nos ativermos apenas ao corpo da norma, não há nada que
indique que se deva abordar tais conteúdos desde a perspectiva antirracista da
educação das relações raciais. ” Por isso, o referido autor defende a importância
da complementariedade de pareceres6 e resoluções legais que explicitam de
forma mais contundente as ações necessárias ao combate ao racismo episté-
mico e educacional.
Esses pareceres e resoluções legais complementares têm o objetivo de
preencher as lacunas deixadas pela legislação principal, trazendo orientações
e diretrizes mais evidentes sobre como abordar o racismo na educação. Eles
podem fornecer instruções pedagógicas, orientações curriculares e estratégias
para a promoção da igualdade racial e o combate ao racismo.
Essa abordagem de complementariedade das leis é defendida por Nas-
cimento como uma forma de fortalecer e reforçar as ações necessárias para
enfrentar o racismo no âmbito educacional. É uma maneira de garantir que
as políticas e práticas educacionais estejam alinhadas com os princípios de
igualdade racial, promovendo uma educação mais inclusiva, justa, anticolo-
nial e antirracista.

6 Ver o Parecer CNE/CP nº 3/2004, aprovado em 10 de março de 2004, que trata as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana.

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Nesta mesma direção, Severino (1995) afirma:

O desafio essencial que a educação enfrenta é o de como preparar


as novas gerações para o trabalho, para a vida social e para a
cultura da subjetividade, sem degradá-las, sem submetê-las à
opressão social ou aliená-las. (p.100)

Isso implica em romper com modelos de ensino hegemônicos, autoritários,


racistas e mecanicistas, promovendo uma pedagogia que seja participativa,
anticolonial e antirracista. Logo, é preciso reconhecer e valorizar os saberes e
experiências dos estudantes, criar ambientes de aprendizagem acolhedores e
estimulantes, e promover uma educação que respeite a diversidade e a dig-
nidade de cada indivíduo. Por isso, ser importante ressalvar que a legislação
deve fornecer uma base sólida e explícita para que as ações antirracistas sejam
efetivadas, mas é igualmente importante contar com diretrizes mais específicas
para orientar as práticas educacionais e garantir a implementação efetiva das
políticas de igualdade racial (NASCIMENTO, 2020).
Nessa direção, podemos interrogar qual o alcance desta lei até o presente
momento? Estariam as escolas públicas e particulares em amplo território bra-
sileiro cumprindo não somente o ensino dos conteúdos referentes à História e
Cultura Afro-Brasileira, mas atuando através de ações que visem uma educação
antirracista? A lei não vem sozinha, é preciso muito mais.
É preciso colocarmos algumas questões, que não se pretende esgotar
aqui, nem tão pouco respondê-las, mas, que possamos fazer delas indaga-
ções, reflexões para uma prática outra, e que esta não seja coadunada com
o capitalismo, racismo, dentre outros sistemas de opressões, dentre esses
questionamentos, cita-se: quantos professores negros trabalham em escolas
particulares? Quando ocorre um caso de denúncia de racismo entre alunos ou
de professores para alunos, ou entre professores, como a escola conduz esse
tipo de ocorrido?
Para superar esses desafios, é necessário repensar o sistema edu-
cacional brasileiro, levando em consideração as relações de poderes que o
permeiam. É preciso investir em políticas públicas que promovam a equidade,
garantam o acesso universal à educação de qualidade e valorizem os profissio-
nais da área. Além disso, é fundamental promover uma educação que incentive

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o pensamento crítico, a reflexão sobre as desigualdades sociais, sobretudo ao
que compete à questão racial no sentindo de promover uma educação antico-
lonial e antirracista.

UMA APOSTA EM EDUCAÇÃO ANTICOLONIAL E


ANTIRRACISTA.

O racismo em sua dimensão epistêmica é uma realidade brutal em nossa


educação brasileira. Meinerz & Ramírez (2018, p. 378) afirmam que: “epistemo-
logicamente, atentamos para a relação entre o racismo e a supremacia de uma
visão única de mundo – racional, colonial, eurocentrada e branca, enquanto
característica do contexto político de produção de conhecimento científico na
modernidade”. Epistemologicamente, é preciso enegrecer a educação.
Mas o que seria uma educação antirracista? Nascimento (2020, p.
89) nos responde:

Não apenas a educação para as relações raciais – que desde o


início da colonização brasileira ensinou, e com bastante eficácia,
quais lugares raciais as pessoas deveriam ocupar em nossa
sociedade. Não apenas uma educação que acrescentasse a um
currículo elementos sobre histórias e culturas africanas e afro-
brasileiras faltantes, até porque há conteúdos sobre escravidão,
pobreza, guerra etc. Trata-se de uma abordagem antirracista em
educação que busque ressignificações. Mudanças de posturas,
de pensamento.

Rumo a uma educação antirracista, algumas ações são urgentes e


necessárias de serem implementadas no campo da educação. Entre estas,
destacamos as seguintes:

a) O reconhecimento da escravidão do corpo negro e racializados como


um crime contra a humanidade;

b) A demarcação do racismo na sua dimensão estrutural e mais ampla;

c) A implementação de ações afirmativas;

d) A criação e o acompanhamento de políticas públicas que visem repa-


rar os grupos mais afetados;

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e) Capacitação contínua para educadores, facilitadores, professores e
toda a comunidade escolar ou universitária que trate as questões ra-
ciais;

Ou seja, as ações pontuadas acima se referem ao espaço da sala de aula,


pensando como o “chão da fábrica” do sistema educacional formal, até as esferas
mais amplas das políticas públicas de educação. Tomando por exemplo a sala
de aula como um poderoso espaço para se desenvolver ações que mirem em
uma educação antirracista, apoiamo-nos no “pressuposto de que o educador
não apenas leciona conhecimentos e saberes específicos, mas também pratica
e administra relacionamentos sociais – do ponto de vista étnico e racial, de
gênero, socioeconômico, geracional, de pertencimento religioso. ” (MEINERZ
& RAMÌREZ, 2018, p. 380).
Uma educação antirracista anda de mãos dadas com uma educação
anticolonial, no sentido de que ambas fazem parte da luta anticolonial, luta
esta que implica em:

(...) delimitar de que forma se dá o processo de descolonização


e de superação da dependência em face da nação colonizadora,
uma vez que no Brasil “tratou-se de uma das independências mais
conservadoras e oligárquicas da América Latina e a única sob a
forma de monarquia, com o que se criaram as condições para
que o colonialismo externo sucedesse o colonialismo interno (...)
(LINS et al, 2022, p. 38)

Lins et al (2022, p. 38) defendem uma educação baseada nos fundamentos


da pedagogia freiriana a qual tem como pressuposto uma educação libertária
e crítica ao sistema educacional e hegemônico, portanto afirmam que

A construção de um verdadeiro movimento anticolonial tem como


necessidade principal o desenvolvimento da educação para a
libertação ideológica do colonizado, uma vez que os movimentos
pela liberdade que forem realizados pelo próprio poder dominante
são completamente infrutíferas, de forma que a libertação de
regimes opressores somente se realiza através do próprio oprimido.

Nessa direção, é urgente apostar em uma educação antirracista a partir


dessa herança de uma educação racista aprisionada em um projeto iluminista

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de levar a “luz” às trevas. Rumo a uma educação anticolonial e antirracista, “não
seria equívoco dizer que a aposta está no passado e a herança habita o futuro,
fazendo da educação crítica e criativa uma ação do presente e fundamental-
mente antirracista. ” (NOGUERA, 2020).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste texto, buscamos refletir sobre a necessidade de repensar o sis-


tema educacional brasileiro e considerar as relações de poder que o permeiam,
principalmente, quando se está em voga o território brasileiro fruto do poder
colonial no entrelace com a inventiva da raça e a posteriori, o aparelhamento
do racismo. Porquanto, promover uma educação anticolonial e antirracista é
um passo importante para combater o racismo estrutural e as disparidades
socioeconômicas que afetam a educação no Brasil.
Todavia, é salutar reconhecer que o campo educacional também reflete um
histórico de dominação institucional e a reprodução de desigualdades, fazendo-se
valer dos marcos eurocêntricos frente a essa dinâmica de ensino-aprendiza-
gem. Ou seja, no transcorrer da história, o conhecimento produzido por povos
historicamente excluídos, como afro-brasileiros e indígenas, foi marginalizado
ou extinto dos currículos e das narrativas educacionais e isso resultou em um
sistema de ensino que privilegia perspectivas eurocêntricas, negligenciando
outras formas de conhecimento e contribuições culturais.
No entanto, ainda há muito a ser feito. Embora após a promulgação da lei
10.639/2003 tenham ocorridos avanços na seara da educação ao que compete
as relações raciais, o progresso tem sido lento e ainda há uma lacuna significa-
tiva nesse sentido. É essencial que todas as instituições de ensino reconheçam
a importância de incluir as disciplinas que versam sobre a história, cultura da
população negra em seus currículos, a fim de proporcionar uma formação mais
vasta, diversa rumo a uma perspectiva antirracista e anticolonial.
Além disso, é necessário investir na formação de professores, para que
estejam preparados para abordar sobre as nuances que atravessam as relações
raciais de maneira adequada e inclusiva em sala de aula. Isso envolve não ape-
nas o conhecimento teórico. Isso implica em repensar os materiais didáticos,
desenvolver estratégias pedagógicas e proporcionar espaços de discussão

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e reflexão sobre questões raciais, mas também, sobre as próprias atitudes e
preconceitos, a fim de garantir uma prática educativa mais equitativa.
Conclui-se então, que a promoção de uma educação antirracista e anti-
colonial é um caminho basilar para superar as desigualdades e transformar o
sistema educacional brasileiro. É preciso reconhecer as vozes e os conheci-
mentos dos grupos marginalizados, dialogar com os movimentos sociais negros
e repensar as práticas educacionais hegemônicas, de modo a construir uma
sociedade equânime e emancipatória.

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nacional. In: Educação, Arte e Cultura Africana de Língua Portuguesa. GONÇALVES, Maria Alice
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incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-
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SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia da educação. São Paulo: FTD, 1995.

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84
06

RENDIMIENTO ACADEMICO DE
ESTUDIANTES CON Y SIN BECA EN LA
FACULTAD DE ECONOMIA DE LA
UNIVERSIDAD NACIONAL DEL
ALTIPLANO-PUNO

René Paz Paredes Mamani


Universidad Nacional del Altiplano, Puno

Sabino Edgar Mamani Choque


Universidad Nacional del Altiplano, Puno

Roberto Arpi Mayta


Universidad Nacional del Altiplano, Puno

10.37885/231114927
RESUMEN

Objetivo: Medir la brecha del rendimiento académico de los estudiantes con beca
y sin beca de la Facultad de Ingeniería Económica de la Universidad Nacional
del Altiplano, Puno. Métodos: Se emplea la prueba de medias y los datos de
los estudiantes del I al IX semestre correspondiente al año académico 2020-I.
Resultados: Primero, existe una brecha en el rendimiento académico de 2.19
puntos a favor de los estudiantes beneficiaries de una beca de estudios. Segundo,
entre los estudiantes beneficiaries de una beca, no existe diferencia significati-
vamente entre hombres y mujeres. Tercero. Existe una brecha en el rendimiento
académico a favor de las mujeres entre los estudiantes sin beca. Conclusión:
Estos hallazgos resaltan la importancia de las becas como una herramienta
efectiva para mejorar el rendimiento académico de los estudiantes de bajo nivel
socioeconómico. Existe desigualdades en el rendimiento académico entre los
estudiantes sin beca. Las becas se orientan a la población pobre y vulnerable,
pero no existe becas orientadas explícitamente a la población de raza indígena.

Palabras-clave: Beca, Rendimiento Académico, Sexo, Estudiante, Puno.

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86
INTRODUCIÓN

La beca permanencia en el Perú es una iniciativa que busca mejorar la


retención de estudiantes en el sistema educativo. La permanencia en el sistema
educativo puede estar influenciada por factores contextuales, como el nivel
socioeconómico, el compromiso instrumental y la calidad de la infraestructura
educativa. En este sentido, la beca permanencia exige como uno de los requisitos
la acreditación de la condición de pobreza o pobreza extrema. Para mejorar la
retención de estudiantes en el Perú, es importante considerar estos factores y
tomar medidas para abordarlos (CAMACHO, 2019).
El rendimiento académico de los estudiantes universitarios con beca de
permanencia es un tema de interés en la investigación educativa. Varios estu-
dios han examinado diferentes factores que pueden influir en el rendimiento
académico de estos estudiantes.
La beca permanencia en el Perú tiene como objetivo principal brindar apoyo
económico a los estudiantes de educación superior que se encuentran en situa-
ción de vulnerabilidad socioeconómica, con el fin de garantizar su permanencia
y culminación de sus estudios. Esta beca busca reducir la deserción estudiantil
y promover la igualdad de oportunidades en el acceso a la educación superior.
La importancia de la beca permanencia radica en su impacto positivo
en la vida de los estudiantes beneficiarios. Según estudios realizados en otros
países, como México y Brasil, se ha demostrado que los programas de becas
condicionadas tienen efectos significativos en la asistencia escolar, la reduc-
ción de la repetición de cursos y el mejoramiento del rendimiento académico
(LUND et al., 2009).
La beca permanencia también tiene un impacto en la reducción de la
desigualdad social y en la promoción de la movilidad social. Estudios realizados
en América Latina han mostrado que los programas de transferencias condi-
cionadas, como la beca permanencia, contribuyen a disminuir la desigualdad
y la pobreza (POMÉS, 2017). Al brindar apoyo económico a los estudiantes de
bajos recursos, se les brinda la oportunidad de acceder a la educación superior
y mejorar sus perspectivas de empleo y calidad de vida en el futuro.
Otro objetivo de la investigación fue medir el efecto de la beca sobre el
rendimiento académico, según genero del estudiante.

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87
La importancia de estudiar el rendimiento académico según el sexo radica
en comprender las posibles diferencias y desigualdades que pueden existir entre
hombres y mujeres en el ámbito educativo. Varios estudios han demostrado
que el género puede influir en el rendimiento académico de los estudiantes. Por
ejemplo, un estudio realizado por (ARIAS et al., 2013) encontró que la autoeficacia
académica, es decir, la creencia de los estudiantes en su capacidad para tener
éxito académico, está relacionada con el rendimiento académico. Además, se
observó que los estudiantes con alta autoeficacia académica tienden a tener un
mejor rendimiento. Sin embargo, también se encontró que las mujeres tienden
a tener una autoeficacia académica más baja que los hombres, lo que podría
afectar su rendimiento. Otro estudio realizado por SOTO y DUARTE (2018)
examinó las estrategias de aprendizaje de los estudiantes de enseñanza media
y encontró que el rendimiento académico está influenciado por factores como
la edad, la autoestima y la motivación. Estos factores pueden variar según el
género, lo que sugiere que las diferencias de género pueden tener un impacto
en el rendimiento académico. Estudiar el rendimiento académico según el sexo
es importante para comprender las posibles diferencias y desigualdades que
pueden existir en el ámbito educativo. Factores como la autoeficacia académica,
las estrategias de aprendizaje y el contexto socioeconómico pueden influir en
el rendimiento académico de los estudiantes, y estas influencias pueden variar
según el género. Comprender estas diferencias puede ayudar a desarrollar
estrategias y políticas educativas más equitativas y efectivas.

METODO

La prueba de la t de Student para dos muestras independientes es


comúnmente utilizada para contrastar si hay una diferencia significativa en la
media de una variable de resultado entre dos poblaciones diferentes e indepen-
dientes (VARÓN et al., 2019). Esta prueba se basa en el cálculo del estadístico
t, que tiene en cuenta la diferencia de medias a comparar y su error estándar
(MARTÍNEZ-CAMBLOR, 2010). Aunque los estudios mencionados no se centran
específicamente en esta prueba, proporcionan información relevante sobre la
aplicación de técnicas científicas en diferentes contextos y las diferencias en
los resultados según diferentes variables.

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88
=

2 1
Donde X CB y X SB son los promedios con beca y sin beca; SCB y SCB
son las varianzas con beca y sin beca; nCB y nSB . Para comparar dos medias
independientes, es necesario asegurarse de que los grupos sean independien-
tes, que la variable de resultado sea continua y siga una distribución normal
en ambos grupos, y que se cumpla el supuesto de homocedasticidad. Estas
condiciones son fundamentales para poder aplicar la prueba t y determinar si
hay una diferencia significativa entre las medias de los dos grupos. La hipótesis
nula: = , por consiguiente, t=0.
Datos. La tabla 1, muestra los datos empleados para ver la brecha en
el rendimiento académico entre estudiantes con beca y estudiantes sin beca.
Según la Tabla 1 de un total de 622 estudiantes correspondiente al I semestre
del 2020, el 15% recibieron una beca. Asimismo, el 50% de los estudiantes
son de sexo hombre.

Tabla 1. Estadísticas descriptivas de los datos.


Variable N Promedio Std. dev. Min Max
Promedio de nota 622 13.59 3.82 0 20
Beca (1 si el estudiante tiene beca y 0 en otro caso) 622 0.15 0.36 0 1
Sexo (1 si hombre y 0 si es mujeres) 622 0.50 0.50 0 1
Fuente: Registro de notas de docente de la Facultad de Ingeniería Económica.

Localizacion. La Facultad de Ingeniería Económica de la Universi-


dad Nacional del Altiplano Puno se encuentra ubicada en Puno en la Macro
Región Sur del Perú.

RESULTADOS

Según la Tabla 2, de un total de 622 estudiantes de la Facultad de Inge-


niería Económica, el 15.27% son beneficiarios de diferentes becas. Del total de
becarios (95 estudiantes) el 83.15% reciben apoyo de la Beca Permanente y el

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resto corresponden a la Beca 18, Beca Continuidad, Beca Hijo de Docencia y
Beca Inclusión. Los estudiantes de la Facultad de I.
Si bien estas becas estan orientadas a estudiantes em situacion de pobreza
y vulnerarabilidad, en la busqueda de la equidade es fundamental incluir a los
jóvenes indígenas. La UNESCO ha destacado la importancia de garantizar el
acceso a la educación de calidad para los jóvenes indígenas, promoviendo la
inclusión y la igualdad de oportunidades. Esto implica la necesidad de imple-
mentar políticas y programas que aborden las barreras y desafíos específicos
que enfrentan los jóvenes indígenas en su acceso a la educación. Según la
UNESCO, la educación inclusiva y equitativa es un derecho fundamental
para todos los jóvenes, incluidos los indígenas (JIMENEZ; REYES; RIVERA,
2022). Es importante garantizar el acceso a la educación de calidad para los
jóvenes indígenas y promover la igualdad de oportunidades. En el caso de la
Beca 18 en Perú, se implementó para financiar estudios en carreras técnicas o
universitarias a jóvenes de escasos recursos económicos que han culminado la
educación secundaria con calificaciones por encima del promedio. Sin embargo,
no se menciona específicamente a cuantos estudiantes indígena se beneficia.
Incorporar a la población indígena en estas becas podría ayudar a reducir las
desigualdades y brindar oportunidades educativas a aquellos que enfrentan
barreras específicas. Aunque según el Censo de Población y Vivienda del año
2017, la población según el idioma o lengua materna, el 42% es de origen que-
chua, 28% español y 27% aymara.

Tabla 2. Procedencia de becas que reciben los estudiantes.


Tipo de beca Frecuencia Porcentaje Porcentaje acumulado
BECA 18 2 0.32 0.32
BECA CONTINUIDAD 11 1.77 2.09
BECA HIJO DE DOCENCIA 2 0.32 2.41
BECA INCLUSION 1 0.16 2.57
BECA PERMANENTE 79 12.7 15.27
SIN BECA 527 84.73 100
Total 622 100
Fuente: Registro de notas de docente de la Facultad de Ingeniería Económica.

La situación económica familiar puede influir en el desempeño aca-


démico de los estudiantes. Se encontró que aquellos estudiantes de familias

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90
más humildes tienen una mayor probabilidad de abandonar los estudios. Esto
podría ser relevante para comprender la distribución de las becas entre los
estudiantes. Aquello reciben la beca permanente provienen de familias con
menos recursos económicos y, por lo tanto, tienen una mayor necesidad de
apoyo financiero. La Beca Permanencia está dirigida a jóvenes universitarios
talentos del segundo al antepenúltimo ciclo de la carrera. Los estudiantes recibi-
rán una mensualidad de 920 soles que será destinada para cubrir los gastos de
alimentación, movilidad local y material de estudio. La Beca Permanencia busca
fomentar la permanencia de los estudiantes en la universidad, brindándoles un
apoyo económico que les permita cubrir sus necesidades básicas y concentrarse
en sus estudios. Se ha demostrado que la autoeficacia y la autorregulación
están vinculadas al rendimiento y desempeño académico, lo que sugiere que
los estudiantes con una mayor confianza en sus habilidades académicas tienen
más probabilidades de tener un mejor rendimiento (ALEGRE, 2014). La Beca
Permanencia está dirigida a jóvenes talentos con alto rendimiento académico
en etapas avanzadas de su carrera universitaria. El apoyo económico propor-
cionado les permite cubrir sus gastos básicos de alimentación, movilidad local
y material de estudio, lo que contribuye a su permanencia en la universidad
y a su éxito académico. Además, se espera que los beneficiarios de la beca
demuestren liderazgo ejecutivo y autonomía en sus estudios, lo que puede
fomentar su desarrollo emprendedor (ALEGRE, 2014, 2014B; GARCÍA et al.,
2022; ZAPATA-HUAMANÍ et al., 2019).
La Tabla 3, muestra la diferencia de medias para estudiantes con y sin
beca. Los estudiantes que tienen beca tienen un promedio mayor (15.44 puntos)
mayor con respecto a los estudiantes sin beca (13.25) em 2.19 puntos. Estos
resultados son estadísticamente significativos a un nivel del 1% de significancia.

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Tabla 3. Prueba t para diferencia de medias para estudiantes con beca y sin beca.
[Intervalo de confianza
Grupo Obs promedio Std. err. Std. dev.
al 95% ]
Sin beca 527 13.25 0.17 3.96 12.91 13.59
Con beca 95 15.44 0.21 2.07 15.02 15.86
Combinado 622 13.59 0.15 3.82 13.28 13.89
Diferencia -2.19 -0.41 -3.01 -1.37
diferencia= media (sin beca) -media (con beca) t = -5.2622
H0: diferencia= 0 Grados de libertad = 620
Ha: diferencia < 0 Ha: diferencia != 0 Ha: diferencia > 0
Pr(T < t) = 0.0000 Pr(|T| > |t|) = 0.0000 Pr(T > t) = 1.0000

La Tabla 4, muestra los resultados de la prueba t para diferencia de medias


de estudiantes mujeres con beca versus estudiantes hombres con beca. Los
resultados, muestra que las mujeres con beca obtienen una nota promedio de
15.32; mientras que los hombres obtienen una nota de 15.63. La prueba t indica
que no existe diferencia de notas entre ambos grupos.

Tabla 4. Prueba t para diferencias medias para estudiantes con beca según sexo.
Grupo Obs promedio Std. err. Std. dev. [Intervalo de confianza al 95% ]
Mujer con beca 59 15.32 0.26 1.97 14.81 15.84
Hombre con beca 36 15.64 0.37 2.23 14.88 16.39
Combinado 95 15.44 0.21 2.07 15.02 15.86
diferencia -0.32 0.44 -1.19 0.55
diferencia= media (mujer) -media (hombre) t = -0.7232
H0: diferencia= 0 Grados de libertad = 93
Ha: diferencia < 0 Ha: diferencia != 0 Ha: diferencia > 0
Pr(T < t) = 0.0000 Pr(|T| > |t|) = 0.4714 Pr(T > t) = 0.7643

La Tabla 5, muestra los resultados de diferencias de medias según sexo


para estudiantes sin beca. Los resultados sugieren que las mujeres tienen un
promedio mayor (13.85) con respecto a los hombres (12.70) en 1.15 puntos, lo
cual resulta significativo al 1%.

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Tabla 5. Prueba t para diferencias medias para estudiantes sin beca según sexo del estudiante.
[Intervalo de
Grupo Obs promedio Std. err. Std. dev.
confianza al 95% ]
Mujer sin beca 252 13.85 0.20 3.24 13.45 14.26
Hombre sin beca 275 12.70 0.27 4.46 12.17 13.23
Combinado 527 13.25 0.17 3.96 12.91 13.59
diferencia 1.15 0.34 0.48 1.83
diferencia= media (mujer) -media (hombre) t = 3.3762
H0: diferencia= 0 Grados de libertad = 525
Ha: diferencia < 0 Ha: diferencia != 0 Ha: diferencia > 0
Pr(T < t) = 0.0000 Pr(|T| > |t|) = 0.0004 Pr(T > t) = 0.0008

DISCUSION

Los estudiantes de la Facultad de Ingeniería Económica con beca obtie-


nen 2.19 puntos adiciones en promedio con respecto a los estudiantes sin beca.
Los mecanismos de transmisión del efecto de la beca sobre el rendimiento
académico pueden ser diversos y están influenciados por diferentes factores.
Algunos de estos mecanismos incluyen la influencia de la autoeficacia acadé-
mica y la asistencia a clases (ALEGRE, 2014). La autoeficacia académica y la
autorregulación del aprendizaje están relacionadas con el rendimiento acadé-
mico de los estudiantes universitarios. Esto implica que los estudiantes que
tienen una mayor confianza en sus habilidades académicas y que son capaces
de regular su propio aprendizaje tienen más probabilidades de tener un mejor
rendimiento académico. Por lo tanto, si los estudiantes reciben becas, es posible
que se sientan más seguros y motivados, lo que podría contribuir a un mayor
rendimiento académico. Esto sugiere que las políticas y programas educativos,
como las becas, pueden tener un impacto en el rendimiento académico de los
estudiantes. Si se implementan adecuadamente, las becas pueden proporcionar
a los estudiantes recursos adicionales y apoyo financiero, lo que puede influir
positivamente en su rendimiento académico (MIRANDA, 2015). Si los estudian-
tes reciben becas, es posible que tengan acceso a recursos y oportunidades de
aprendizaje adicionales, lo que puede adaptarse a sus estilos de aprendizaje
individuales y mejorar su rendimiento académico.
No existe diferencia en el rendimiento académico para estudiantes con
beca según el sexo del estudiante. Este hallazgo, puede deberse a la autoeficacia

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93
académica y las estrategias de aprendizaje (ARIAS et al., 2013). En esta misma
dirección. Asimismo, SOTO & DUARTE (2018) examinó las estrategias de apren-
dizaje de estudiantes de enseñanza media en establecimientos educacionales
municipales. Aunque el estudio no se centró específicamente en estudiantes con
beca, los resultados mostraron que las estrategias de aprendizaje no variaban
significativamente según la condición geográfica o el tipo de enseñanza.
La diferencia en el rendimiento académico según sexo entre los estu-
diantes sin beca, podría estar relacionado con el ausentismo, principalmente
con estudiantes de bajos recursos.
Existe una brecha en el rendimiento entre estudiantes con y sin beca. Los
estudiantes con beca tienen mejor desempeño, obtienen una nota promedio
de 15.44, mientras que los estudiantes sin beca obtienen un promedio de 13.25,
lo cual sugiere que es necesario buscar algunas estrategias para elevar la nota
de estudiantes sin beca, debido a que es la gran mayoría (85%). La existencia
de una brecha en el rendimiento académico entre estudiantes con y sin beca
sugiere la necesidad de implementar estrategias para mejorar las calificaciones
de los estudiantes sin beca. Factores como el ausentismo voluntario, la confianza
académica y los estilos de aprendizaje pueden influir en el rendimiento acadé-
mico de los estudiantes. Por lo tanto, es importante considerar estos factores
al desarrollar estrategias para cerrar la brecha en el rendimiento académico
(ARIAS et al., 2013; BRAVO et al., 2019; CIFUENTES & MÉNDEZ, 2018).

CONCLUSIONES

Basado en los estudios realizados en la Facultad de Ingeniería Económica


de la Universidad Nacional del Altiplano, se puede concluir que los estudian-
tes que son beneficiarios de beca tienen un rendimiento académico mayor en
comparación con los estudiantes que no reciben beca. Esto indica que el apoyo
económico proporcionado a través de las becas tiene un impacto positivo en el
desempeño académico de los estudiantes.
Sin embargo, también se encontró que no existe una diferencia significativa
en el rendimiento académico entre los estudiantes con beca en la Facultad de
Ingeniería Económica. Esto sugiere que, aunque las becas pueden influir en el

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94
rendimiento de los estudiantes, hay otros factores que también pueden afectar
su desempeño académico.
Además, se observó que, entre los estudiantes sin beca, las mujeres tienen
un rendimiento promedio mayor en comparación con los estudiantes hombres.
Esto puede indicar que las mujeres tienen una mayor motivación.
Las becas tienen un impacto positivo en el rendimiento académico de los
estudiantes en la Facultad de Ingeniería Económica de la Universidad Nacional
del Altiplano. Sin embargo, es importante tener en cuenta que hay otros factores
que también pueden influir en el rendimiento académico de los estudiantes,
y que las diferencias de género pueden existir entre los estudiantes sin beca.
Estos hallazgos pueden ser útiles para informar las políticas y programas de
apoyo a los estudiantes en la universidad.

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96
SOBRE OS ORGANIZADORES
Ana Lise Costa de Oliveira Santos
Mestre em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia
(UNEB). Especialista em Psicopedagogia (IBPEX) e em Educação e Pluralidade
Sócio-Cultural, (UEFS). Especializanda em Coordenação Pedagógica (UFBA).
Possui Graduação em Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Estadual
de Feira de Santana (UEFS). Atua como Coordenadora Pedagógica na Prefeitura
Municipal de Riachão do Jacuípe. Tem experiência na área de Educação, Docência,
Consultoria e Coordenação Pedagógica do ensino fundamental e de programas
sócio-educativos como o PETI, o Projovem, a Campanha Pró-Selo Unicef e a Escola
de Música Tocando em Frente. Como ênfase de pesquisa se dedica à temática da
formação docente, na relação entre escola, juventude, pedagogia universitária e a
ética e valores humanos. É membro do Grupo de estudos Docência Universitária e
Formação de Professores (DUFOP). Integrou o quadro dos docentes do Curso de
Pedagogia, Campus XI, pela Universidade do Estado da Bahia, onde lecionou as
disciplinas Currículo, História da Educação e História da Educação Brasileira. Integra
o quadro de Professores do curso de Pedagogia da Faculdade Regional de Riachão
do Jacuípe (FARJ). É tutora de sala do Curso de Pedagogia da UNOPAR nesta
cidade. Também tem atuado como professora em alguns cursos de Licenciatura
da Plataforma Freire nos municípios de Serrinha, Irecê e Ibititá.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6305009406217344
Flávio Aparecido de Almeida
Graduado em Psicologia (UNIFAMINAS), História (UEMG), Pedagogia (FINOM),
Educação Especial (UNIFAVENI), Sociologia (UNIFAVENI), Filosofia (FAERP
-UNIETEP) e Ciências da Religião (UNICV). Especialista em: Educação Inclusiva,
Especial e Políticas de Inclusão (UCAM), Psicopedagogia Clínica e Institucional
(UCAM), Gestão em Saúde Mental (UCAM), Ensino Religioso (FINOM), Gestão de
Processos Educativos: Supervisão e Inspeção Escolar (UEMG), Psicologia Social
(INTERVALE), Psicologia Comportamental e Cognitiva (FAVENI), Psicologia Escolar
e Educacional (FAVENI), Psicologia Existencial Humanista e Fenomenológica
(FANENI), AEE - Atendimento Educacional Especializado (IBRA), Ética, Filosofia
e Sociologia (IBRA), ABA - Análise do Comportamento Aplicada (IBRA), Autismo
(FCE), Psicologia Clínica (IBRA), Neuropsicologia (UCAM), História do Brasil
(UCAM), Psicomotricidade Aplicada à Educação Especial (IBRA), Ética e Filosofia
Política (INTERVALE), Docência do Ensino Superior (UCAM), Gestão Escolar
(Administração, Supervisão, Orientação e Inspeção) (FAVENI), Antropologia
(FAVENI) e Neuropsicopedagogia (UCAM). Mestre em Ciências das Religiões
(UNIDA) e Doutor em Ciências da Educação (UML). Como psicólogo clínico atua
com terapias focadas em crianças autistas, com Deficiência Intelectual, Transtornos
de Aprendizagens e Psicoterapia com adultos. Atualmente tem dedicado as suas
pesquisas em Atendimento Educacional Especializado, Dificuldades e Transtornos
de Aprendizagem, Educação Especial e Inclusiva, Espiritualidade e Psicologia
Clínica, Autismo, Ensino Religioso Escolar, Educação, Diversidade e Inclusão.
Pesquisa também sobre os Direitos Humanos, a Educação Popular e libertadora e
vulnerabilidades que permeiam a comunidade LGBTQIAPN+. Membro do Conselho
Editorial da Editora Científica Digital desde 2020.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2192204324890376
Saúde: 26, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53
ÍNDICE Sexo: 30, 32, 86, 88, 89, 92, 93, 94

REMISSIVO
B
Beca: 85, 86, 87, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95

C
Colonialidade: 11, 57, 59, 65, 68, 70, 84
Constituição Federal: 22, 25, 31, 32, 38, 41, 45,
46, 75
Coordenador Pedagógico: 9, 10, 11, 12, 15, 17,
19, 20
Corpo: 18, 27, 70, 72, 73, 74, 78, 80, 83

D
Discriminação: 9, 12, 18, 22, 23, 24, 25, 26, 30,
31, 32, 33, 43, 45, 46, 48, 49, 50, 51, 59, 63, 72, 77

E
Educação: 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19,
20, 26, 52, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 63, 66, 67, 68,
69, 70, 71, 72, 73, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84
Educação Étnico-Racial: 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17,
18, 55, 56, 57, 58, 63, 66
Equidade: 29, 45, 48, 49, 52, 53, 79, 90
Estudiante: 86, 87, 89, 93
Etnia Negra: 22

J
Juventude e Ensino Médio: 55

L
Lei 10.639/2003: 70, 75, 76, 77, 82

P
Pedagogia Griô: 9, 10, 12, 13, 18, 19, 54, 55, 56,
57, 59, 60, 65, 66, 68
Poder Simbólico: 22, 37, 42
Puno: 85, 86, 89

R
Racismo: 9, 12, 18, 21, 22, 24, 25, 27, 29, 30, 31, 32,
33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 45, 51, 52,
53, 58, 59, 63, 70, 71, 72, 76, 77, 78, 79, 80, 82, 84
Rendimiento Académico: 86, 87, 88, 89, 91, 93,
94, 95

S
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