Você está na página 1de 188

Flávio Aparecido de Almeida

(Org.)

ESTUDOS MULTIDISCIPLINARES EM
EDUCAÇÃO
tensões e desafios

VOL. 2

científica digital
EDITORA CIENTÍFICA DIGITAL LTDA
Guarujá - São Paulo - Brasil
www.editoracientifica.com.br - contato@editoracientifica.com.br

Diagramação e Arte Edição © 2023 Editora Científica Digital


Equipe Editorial Texto © 2023 Os Autores
Imagens da Capa 1a Edição - 2023
Adobe Stock - 2023 Acesso Livre - Open Access
Revisão
Os Autores

© COPYRIGHT DIREITOS RESERVADOS. A editora detém os direitos autorais pela edição


e projeto gráfico. Os autores detêm os direitos autorais dos seus respectivos textos. Esta
obra foi licenciada com uma Licença de Atribuição Creative Commons – Atribuição 4.0
Internacional, permitindo o download e compartilhamento integral ou em partes, desde
que seja citada a fonte, com os créditos atribuídos aos autores e obrigatoriamente no
formato Acesso Livre (Open Access) e sem a possibilidade de alteração de nenhuma forma.
É proibida a catalogação em plataformas com acesso restrito e/ou com fins comerciais.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


E82 Estudos multidisciplinares em educação: tensões e desafios: volume 2 / Flávio
Aparecido de Almeida (Organizador). – Guarujá-SP: Científica Digital, 2023. ACESSO LIVRE ON LINE - IMPRESSÃO PROIBIDA
E-BOOK
Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
Inclui Bibliografia
ISBN 978-65-5360-513-8
DOI 10.37885/978-65-5360-513-8

1. Educação. I. Almeida, Flávio Aparecido de (Organizador). II. Título.

CDD 370

Elaborado por Janaina Ramos – CRB-8/9166

Índice para catálogo sistemático:


I. Educação 2023
Flávio Aparecido de Almeida
(Org.)

Estudos Multidisciplinares em
Educação: tensões e desafios

Volume 2

1ª EDIÇÃO

científica digital

2023 - GUARUJÁ - SP
CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. Humberto Costa
Prof. Dr. Joachin Melo Azevedo Neto
Prof. Dr. Jónata Ferreira de Moura
Prof. Dr. André Cutrim Carvalho Prof. Dr. José Aderval Aragão
Prof. Dr. Antônio Marcos Mota Miranda Prof. Me. Julianno Pizzano Ayoub
Profª. Ma. Auristela Correa Castro Prof. Dr. Leonardo Augusto Couto Finelli
Prof. Dr. Carlos Alberto Martins Cordeiro Prof. Dr. Luiz Gonzaga Lapa Junior
Prof. Dr. Carlos Alexandre Oelke Prof. Me. Marcelo da Fonseca Ferreira da Silva
Profª. Dra. Caroline Nóbrega de Almeida Profª. Dra. Maria Cristina Zago
Profª. Dra. Clara Mockdece Neves Profª. Dra. Maria Otília Zangão
Profª. Dra. Claudia Maria Rinhel-Silva Prof. Dr. Mário Henrique Gomes
Profª. Dra. Clecia Simone Gonçalves Rosa Pacheco Prof. Dr. Nelson J. Almeida
Prof. Dr. Cristiano Marins Prof. Dr. Octávio Barbosa Neto
Profª. Dra. Cristina Berger Fadel Prof. Dr. Pedro Afonso Cortez
Prof. Dr. Daniel Luciano Gevehr Prof. Dr. Reinaldo Pacheco dos Santos
Prof. Dr. Diogo da Silva Cardoso Prof. Dr. Rogério de Melo Grillo
Prof. Dr. Ernane Rosa Martins Profª. Dra. Rosenery Pimentel Nascimento
Prof. Dr. Everaldo dos Santos Mendes Prof. Dr. Rossano Sartori Dal Molin
Prof. Dr. Fabricio Gomes Gonçalves Prof. Me. Silvio Almeida Junior
Profª. Dra. Fernanda Rezende Profª. Dra. Thays Zigante Furlan Ribeiro
Prof. Dr. Flávio Aparecido de Almeida Prof. Dr. Wescley Viana Evangelista
Profª. Dra. Francine Náthalie Ferraresi Queluz Prof. Dr. Willian Carboni Viana
Profª. Dra. Geuciane Felipe Guerim Fernandes Prof. Dr. Willian Douglas Guilherme

Acesse a lista completa dos Membros do Conselho Editorial em www.editoracientifica.com.br/conselho

Parecer e revisão por pares


Os textos que compõem esta obra foram submetidos para avaliação do Conselho
Editorial da Editora Científica Digital, sendo aprovados na revisão por pares e
indicados para publicação.

Nota: Esta obra é uma produção colaborativa, tornando-se uma coletânea


com reservas de direitos autorais para os autores. Alguns capítulos podem ser
derivados de outros trabalhos já apresentados em eventos acadêmicos, todavia,
os autores foram instruídos ao cuidado com o autoplágio. A responsabilidade
pelo conteúdo de cada capítulo é exclusiva dos/as respectivos/as autores/
as, não representando, necessariamente, a opinião da editora, tampouco dos
organizadores e membros do conselho editorial.
APRESENTAÇÃO

Esta obra constituiu-se a partir de um processo colaborativo entre professores,


estudantes e pesquisadores que se destacaram e qualificaram as discussões
neste espaço formativo. Resulta, também, de movimentos interinstitucionais e
de ações de incentivo à pesquisa que congregam pesquisadores das mais
diversas áreas do conhecimento e de diferentes Instituições de Educação
Superior públicas e privadas de abrangência nacional e internacional. Tem como
objetivo integrar ações interinstitucionais nacionais e internacionais com redes
de pesquisa que tenham a finalidade de fomentar a formação continuada dos
profissionais da educação, por meio da produção e socialização de conheci-
mentos das diversas áreas do Saberes.
Agradecemos aos autores pelo empenho, disponibilidade e dedicação para
o desenvolvimento e conclusão dessa obra. Esperamos também que esta obra
sirva de instrumento didático-pedagógico para estudantes, professores dos
diversos níveis de ensino em seus trabalhos e demais interessados pela temática.

Flávio Aparecido de Almeida


SUMÁRIO
Capítulo 01
A CONSTITUIÇÃO DO TEMA PESQUISA EM EDUCAÇÃO: MARCOS
METODOLÓGICOS
Alexandre Augusto e Souza; Tânia Cristina da Conceição Gregório

' 10.37885/231115004........................................................................................................................................ 9

Capítulo 02

A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO ORTOGRÁFICO NO CONTEXTO DAS


INTERAÇÕES ADULTO- CRIANÇA
Elaine C. R. Gomes Vidal; Silvia M. Gasparian Colello

' 10.37885/231115120......................................................................................................................................... 22

Capítulo 03

A PSICOPEDAGOGIA NO CONTEXTO DAS ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO:


POSSIBILIDADES E DESAFIOS
Anizia Araujo Nunes Marques

' 10.37885/231215200....................................................................................................................................... 44

Capítulo 04

AVALIAÇÃO DE PRODUTO EDUCACIONAL MATEMÁTICO: UM ESTUDO


META-AVALIATIVO FUNDAMENTADO EM CRITÉRIOS FUNDAMENTAIS
Lucí Hildenbrand; Renato Miguel de Moraes

' 10.37885/231114956........................................................................................................................................ 57

Capítulo 05

EDUCAÇÃO DO CAMPO NA FRONTEIRA ENTRE BRASIL E URUGUAI: O


DILEMA DE CRIANÇAS BRASILEIRAS QUE ATRAVESSAM A FRONTEIRA
PARA ESTUDAR NO URUGUAI
Marcia Lorena Rodrigues Vieira; José Guilherme Franco Gonzaga; Altacir Bunde

' 10.37885/231215271.........................................................................................................................................71
SUMÁRIO

Capítulo 06

ENSINO SUPERIOR NO BRASIL: BREVE HISTÓRICO E CONDIÇÕES DE


TRABALHO DOCENTE
Bruno José de Queiroz Brito
' 10.37885/231215191......................................................................................................................................... 90

Capítulo 07

O CASO AMALA E KAMALA: COMPREENDENDO O QUE É SER HUMANO


Patrícia Rodrigues Rocha

' 10.37885/231115105.......................................................................................................................................104

Capítulo 08

OS CAMINHOS PARA O DIAGNÓSTICO DA IMPERCEPÇÃO BOTÂNICA: UMA


PROPOSTA PARA ALUNOS DE ENSINO MÉDIO
Marcelo Henrique Torres de Medeiros; Victor Vieira Oliveira; Ervens Windson Dias Olimpio; Mayra
Gabriela Paiva de Lima; Ariele Pereira Nogueira; Vitor Saivo Regis da Silva; Wanessa Gabriela de
Oliveira Souza; Alice Evelyn Silva do Nascimento

' 10.37885/231115040...................................................................................................................................... 113

Capítulo 09

POR TRÁS DA CENA: DIMENSÕES DO ENSINO DE TEATRO NA ESCOLA


Daniele Lopes dos Santos

' 10.37885/231014706...................................................................................................................................... 127

Capítulo 10

SCRIBBLENAUTS UNMASKED: AVALIAÇÃO DO JOGO DIGITAL E SEUS


ASPECTOS EDUCATIVOS
Fabiano Naspolini de Oliveira; Eliane Pozzebon; Luciana Bolan Frigo

' 10.37885/231115094.......................................................................................................................................146
SUMÁRIO

Capítulo 11

VISÃO DE EDUCADORES SOBRE O ENADE: PRINCIPAIS CRÍTICAS E


SUGESTÕES/DEFESAS
Mariane da Silva Lira Ribeiro; Taiane da Silva Lira Ribeiro; Onário da Silva Lira Ribeiro

' 10.37885/231215263...................................................................................................................................... 177

SOBRE O ORGANIZADOR................................................................................................................ 184


ÍNDICE REMISSIVO.................................................................................................................................. 185
01

A CONSTITUIÇÃO DO TEMA PESQUISA


EM EDUCAÇÃO: MARCOS
METODOLÓGICOS

Alexandre Augusto e Souza


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Tânia Cristina da Conceição Gregório


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

' 10.37885/231115004
RESUMO

Este texto tem por questão a “pesquisa em educação”. Justifica-se a pesquisa ora
apresentada pela necessidade de sistematização da trajetória dos debates sobre
o tema “pesquisa em educação” no Brasil. Objetiva-se apresentar a pesquisa
em educação como tema de estudo considerando os debates metodológicos
selecionados em periódicos da área da educação. Metodologicamente foi reali-
zada uma pesquisa bibliográfica e a leitura de textos selecionados com posterior
síntese dessas leituras. Nos resultados verificamos três períodos distintos que
marcam os debates sobre a metodologia na pesquisa em educação. Concluímos
que os debates sobre a metodologia na pesquisa em educação possuem origem
multidisciplinar e de diferentes áreas de conhecimento.

Palavras-chave: Pesquisa em Educação, Metodologia de Pesquisa,


Periódicos da Educação.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


10
INTRODUÇÃO

Em nossos estudos temos nos dedicado à questão “pesquisa em edu-


cação”, considerando-a como tema de pesquisa e investigando as múltiplas
abordagens pelas quais esta questão é referenciada, visando compreendê-la a
partir de sua especificidade, ou seja, o que a caracteriza e a distingue das demais
áreas de conhecimento. Neste texto em específico, apresentamos a pesquisa
em educação como tema de pesquisa a partir dos debates metodológicos que
se constituíram enquanto um dos seus marcos de estudo.
Objetiva-se, portanto, apresentar, de forma sucinta e cronológica, uma
análise sintetizada e descritiva dos marcos metodológicos que perpassam a
prática da pesquisa em educação desde sua institucionalização em 1938, com
a criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep) – atualmente,
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
O percurso metodológico para apresentação dessa análise insere-se nas
características de pesquisa bibliográfica, tendo sido tomados como referências
bibliográficas textos publicados em periódicos brasileiros da área da educação
e escritos por pesquisadores que publicaram sobre a pesquisa em educação
no Brasil. Destaca-se a importância de estudos que se dedicam às produções
bibliográficas que têm a pesquisa em educação como cerne, posto ser relevante
acompanhar as diferentes questões sobre a “pesquisa em educação” no interior
da área da educação.
Discorre-se, pois, neste texto, considerações acerca da “pesquisa em
educação” enquanto tema de pesquisa e o contexto histórico dos marcos
metodológicos da pesquisa em educação no Brasil, e apresenta-se uma síntese
analítica dos marcos metodológicos para a pesquisa em educação.

A PESQUISA EM EDUCAÇÃO COMO TEMA DE PESQUISA

Reforçamos que a “pesquisa em educação” é o tema abordado neste


texto. E ao se tomar um tema por estudo, pretende-se identificar estudos já
realizados, que trazem questões relevantes e que compõem o acervo da área
de conhecimento em estudo. A educação é uma área abrangente, singular e
multifacetada. Nesse sentido, pesquisas na área da educação também são

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


11
abrangentes, singulares e multifacetadas. Tomar a “pesquisa em educação”
como tema e conceder-lhe destaque é igualmente considerar sua especificidade
e características em face das características da própria educação.
O que trazemos neste texto, portanto, é uma discussão sobre as pes-
quisas que têm por cerne a própria atividade de pesquisa, ou seja, as práticas
e as condições de realização dessa prática no decurso do tempo. E com esse
entendimento, consideramos o significado de “pesquisa em educação” enquanto
tema de estudo, especificamente, por não tratarmos dos conteúdos das pesquisas
em educação, cujas temáticas se inserem em questões sobre a educação – seus
contextos, suas práticas e suas políticas (grifos nossos).
Desde a institucionalização da pesquisa em educação no Brasil, em
1938, estudos têm sido publicados tendo a “pesquisa em educação” por tema,
dos quais podemos destacar o estudo pioneiro de Aparecida Joly Gouveia (“A
pesquisa educacional no Brasil”), publicado em 1971, no periódico Cadernos de
Pesquisa. Nesse estudo, Gouveia apresenta um mapeamento das tendências
predominantes nas temáticas e na metodologia das pesquisas em educação no
país desde a década de 1940 até 1971 (data de publicação do texto), demarcando
três períodos que caracterizaram as pesquisas em educação.
Em um novo momento da pesquisa em educação no Brasil, Bernardete
Angelina Gatti faz, em 1992, um levantamento de outras análises sobre a pes-
quisa em educação no país, especificamente acerca de textos sobre o tema
pesquisa em educação publicados no periódico Cadernos de Pesquisa entre
1971 a 1991. Tratam-se de estudos e pesquisas sobre diferentes questões em
pesquisa em educação, ou seja, um panorama das discussões sobre pesquisa
em educação no Brasil.
Desde o estudo pioneiro de Gouveia e o levantamento de estudos em
pesquisa em educação realizado por Gatti, outros advieram e apresentam novos
elementos que evidenciam a pesquisa em educação considerada a partir de si,
como tema de pesquisa.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


12
BREVE HISTÓRICO DOS MARCOS METODOLÓGICOS DA
PESQUISA EM EDUCAÇÃO NO BRASIL

Uma das questões que se constituíram ao longo dos anos para a pes-
quisa em educação foi a reflexão sobre sua prática e dentre os aspectos que
compreendem essa prática está o planejamento das pesquisas. Tal questão
evidencia-se desde os anos de 1960, com a publicação, na Revista Brasileira
de Estudos Pedagógicos (RBEP), do texto de Octávio Martins (1964), intitulado
“Metodologia das Pesquisas Educacionais”. Esse é o primeiro texto que aborda a
questão da metodologia na pesquisa educacional1, de que temos conhecimento.
Pode-se inferir que reflexões sobre metodologia nas pesquisas em edu-
cação certamente foram debatidas antes da publicação do texto de Martins em
1964. Contudo, foi com a criação do Inep que se deu início aos processos de
institucionalização e sistematização de pesquisas em educação, impulsionadas,
posteriormente, pela criação e funcionamento do Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais (CBPE), em 1955, e seus centros regionais de pesquisa, em 1956.
A criação do Inep inegavelmente possibilitou a constituição do debate
estruturado sobre a educação em um país em busca de desenvolvimento eco-
nômico e social, cujas indagações perpassam acerca das possibilidades de
transformações que poderiam ocorrer pelas vias da educação nacional. Tais
indagações motivaram investigações sobre a realidade educacional brasileira.
Desde então, a preocupação com a pesquisa em educação e, especifica-
mente sobre a prática da pesquisa envolta na questão metodológica, suscitou
debates sobre o que deveria fazer parte de um processo investigativo na área da
educação. Os anos de 1960, 1980, do século XX, e a passagem entre a primeira
e segunda décadas do século XXI foram dinâmicas em termos de publicações
e debates sobre a pesquisa em educação, em especial sobre a questão meto-
dológica para a prática de pesquisa na área da educação.
Os anos de 1960 do século passado incitaram uma série de proble-
matizações sobre as investigações na área da educação, especialmente por

1 Consideramos que termo utilizado pelo autor “pesquisa educacional” tenha sido pelo fato de que à época não
havia uma área de educação constituída como produtora de pesquisa em educação.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


13
pesquisadores das Ciências Sociais que participaram do CBPE e seus centros,
que foram espaços específicos para o desenvolvimento de pesquisas na área da
educação no país até 1964. Tais investigações passam por alterações significativas,
deixando de ser proposições a partir de iniciativas individuais cujas pesquisas
eram marcadas por estudos investigativos caracteristicamente empíricos, sendo
substituídos por pesquisas planejadas e ancoradas por método científico.
Com a da criação do CBPE e seus centros, o Inep ficou liberado para
dedicar-se a outras questões relativas à educação nacional, em particular no
apoio técnico ao desenvolvimento de um sistema educacional e a formulação
de políticas públicas, bem como prestar assessoria aos demais órgãos adminis-
trativos federais vinculados à execução das políticas destinadas à educação no
Brasil. Como se pode constatar a partir de um documento publicado pelo Inep,
no qual consta uma apresentação das realizações desse órgão:

No cumprimento do programa que se impôs diante da realidade


educacional brasileira, a atuação do INEP nesse período fêz-se
notar, sobretudo, pela organização dos Centros de Pesquisas
Educacionais, pela assistência técnica e pela assídua participação
no exame, estudo e debate dos problemas brasileiros (Brasil,
1961, p.93).

Infere-se, então, que a partir da criação do CBPE e seus centros, a pes-


quisa em educação, no contexto das políticas de desenvolvimento e segurança
nacionais dos anos de 1960, ganha impulso para a constituição de outras formas
de pesquisar, com influência de outras áreas de conhecimento como a econo-
mia, antropologia, sociologia e psicologia, posto que esses centros, como já dito
neste texto, “contou com o envolvimento de parte importante de uma geração
de destacados cientistas sociais [envolvidos] com a temática educacional
(Ferreira, 2008, p. 279-280)”.
A década de 80, do século passado, foi para a pesquisa em educação um
período de busca de identidade sobre a atividade de pesquisa, especificamente
quanto a um modo próprio de fazer pesquisa na área da educação, com menor
intervenção dos órgãos públicos federais. Nesse período, havia o contexto de
redemocratização no Brasil e a elaboração de uma nova Constituição que livraria
o país de uma série de regulamentos autoritários advindos de um longo período
de ditadura militar, que perdurou por 21 anos.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


14
Ainda nos anos de 1980, a pesquisa em educação consolida sua produção
hegemonicamente no âmbito das universidades públicas do país, no interior
dos programas de pós-graduação, que foram criados a partir de 1965. Esses
programas passam a se organizar a partir da constituição de linhas e grupos de
pesquisa voltados para problemas específicos na área da educação. Esses anos
se caracterizaram como um período de debates e de apropriações metodológi-
cas de outras áreas do conhecimento para a pesquisa em educação no Brasil.
Outro momento que entendemos que marca metodologicamente a pes-
quisa em educação, na sua constituição como tema de pesquisa, deu-se entre
a virada da primeira para a segunda décadas deste século. Após as primeiras
indagações sobre a prática de pesquisa em educação no século passado, espe-
cificamente quanto à questão metodológica da pesquisa nos anos de 1960, e o
intenso debate ocorrido quanto às possibilidades de fazer pesquisa nos anos
de 1980, a questão metodológica, entre os anos de 2000 e 2010, foi constituída
pelo balanço e pelos desafios metodológicos à pesquisa em educação.
Os desafios metodológicos deram-se pela diversificação de demandas e
a constituição de identidades em uma sociedade mais plural. Demandas essas
vinculadas aos direitos das mulheres, da população preta, da comunidade LGB-
TQIA+ e dos povos indígenas. Também, a presença massiva das tecnologias
digitais de informação e comunicação (TDIC) no dia a dia da população, e em
especial das crianças, a expansão das políticas de universalização da educação
básica pública e a expansão e reestruturação do ensino superior público no
Brasil não passaram despercebidos pelos pesquisadores da área da educação.

MARCOS METODOLÓGICOS PARA A PESQUISA EM


EDUCAÇÃO: SÍNTESE ANALÍTICA

Cabe a explicação prévia de que não há a intenção e nem o objetivo de


debater a metodologia de pesquisa em si. Não vamos entrar no mérito das formas
com que as(os) pesquisadoras(es) da área da educação utilizam a metodologia
para o desenvolvimento de suas pesquisas. Não cabe neste trabalho avaliar
as formas de reconhecimento da realidade educativa e educacional e como
cada pesquisador e pesquisadora entende ser a melhor forma de trabalhar.
Não vamos debater sobre pesquisa qualitativa e pesquisa quantitativa ou uma

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


15
possível oposição entre estas abordagens. O que pretendemos é demonstrar
a presença da metodologia no âmbito do trabalho de pesquisa e como uma
questão própria da pesquisa em educação, a metodologia se tornou parte de
estudo do tema “pesquisa em educação”.
Na síntese em apresentação destacamos três períodos que marcam o
debate metodológico na pesquisa em educação: os anos de 1960 e 1980, do
século passado, e a passagem entre a primeira e a segunda décadas deste
século, ou seja, os anos 2000 e 2010. Em se tratando dos anos de 1960, é nesse
período que a metodologia é difundida entre pesquisadores que investigavam
a pesquisa educacional2 no país. A introdução do debate metodológico ocorre
no momento em que a ciência e seus procedimentos de investigação se tornam
modelos para a produção de pesquisas educacionais no Brasil.
É importante destacar que havia uma exigência à época para aplicação
do conhecimento aos problemas práticos e para a construção do propósito de
utilidade da pesquisa. À pesquisa educacional foi demandada maior participa-
ção na resolução dos problemas nacionais, que centravam no desenvolvimento
econômico, especialmente em função de outras atividades econômicas em
ascensão que vinham contribuindo para a alteração de uma matriz econômica
essencialmente agrária para uma matriz industrial em nosso país. Em função
dessa realidade, um sistema educacional e métodos de aprendizagem deveriam
ser constituídos e postos em aplicação aos novos desafios sociais decorrentes
das novas transformações econômicas.
Nesse cenário é que o conhecimento científico passa a ser demandado
como ferramenta mediadora para a construção de soluções que eram postas
e a serem respondidas. No âmbito do trabalho de pesquisa educacional, tor-
nou-se obrigatória a presença de procedimentos baseados no conhecimento
científico que conduziriam a investigação e que fossem capazes de controlar
e verificar todas as etapas da pesquisa, ou seja, uma metodologia de e para
pesquisa (grifos nossos). Nesse contexto, o processo de pesquisa com base

2 Nomenclatura utilizada à época.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


16
nos critérios científicos passou, sistematicamente, a fazer parte do trabalho de
pesquisa educacional.
Em decorrência, exigiu-se um outro modo de trabalhar do pesquisador,
na condução do trabalho investigativo. A respeito desse processo, Martins
argumentava que

[...] a ciência está se tornando cada vez mais uma profissão, e o


trabalho individual, que a princípio dominava quase exclusivamente,
está sendo substituído, na maioria dos campos, pelo trabalho regular
realizado em equipe. Por isso se torna cada vez mais necessária
a sistematização dos trabalhos de investigação científica, isto
é, o estabelecimento de normas de trabalho que constituem a
metodologia das pesquisas científicas (Martins, 1964, p. 136).

Os anos de 1980 também foram momentos que consideramos marcantes


nas reflexões dos pesquisadores na área da educação sobre a metodologia da
pesquisa em educação. Nessa década, diferentemente da década de 1960, a
pesquisa em educação passou a ser produzida por pesquisadores que atua-
vam em espaços institucionais circunscritos à área da educação, ou seja, nas
universidades públicas, e não mais nos órgãos públicos federais diversos da
educação. As pesquisas em educação passaram gradativamente a ser produzidas
também por pesquisadores com formação na área da educação, em cursos de
Pedagogia, e antes eram predominantemente produzidas por pesquisadores
de outras áreas do conhecimento.
A década de 1980 também foi laboratório no uso de diferentes metodo-
logias adotadas nas pesquisas em educação, com a ávida circulação de formas
de trabalhar em pesquisa e a busca por um entendimento de como estavam
sendo metodologicamente realizadas as pesquisas. Era comum nessa década a
realização de eventos em forma de seminários e outros modos de socialização
entre pesquisadores, bem como a disputa da melhor forma de conduzir uma
investigação na área da educação.
Destacamos dois seminários realizados, um em 1980 na Fundação Carlos
Chagas e que foi organizado por Gatti, então diretora do departamento de pes-
quisas educacionais dessa Fundação; e outro realizado em 1987, na Associação
Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia, organizado por Menga
Lüdke. Para esses eventos, foram convocados pesquisadores reconhecidos na

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


17
área da educação, para a difusão de métodos e técnicas de pesquisa, e que
seriam reproduzidos em anos posteriores por outros pesquisadores da área da
educação, bem como para ampliar o debate sobre metodologia de pesquisa.
Tais eventos e práticas de pesquisa suscitaram debates acerca das trans-
formações no interior da educação, principalmente relacionadas à pesquisa em
educação. Uma das questões suscitadas nesses debates foi que

A educação parece campo fértil para a penetração de “novidades”,


em geral vindas de outras áreas, sem questionamentos, sem as
devidas ponderações. Falta uma análise das conseqüências e
implicações. Qualquer que seja a alternativa metodológica - mais
clássica, menos clássica [...] (Rosemberg apud Gatti, 1982, p.6).

Diferentemente dos anos de 1960, nos anos de 1980 a metodologia ganha


um significado mais abrangente e considera todo o processo de pesquisa,
desde a delimitação do problema, a escolha do referencial teórico, passando
pelos métodos de pesquisa e a escolha de técnicas e instrumentos de trabalho
utilizados. Em décadas anteriores, a metodologia estava atrelada à existência de
etapas para a realização da pesquisa, ao controle das correspondentes etapas
e à verificação dos propósitos desenvolvidos ao longo da pesquisa. Também
havia uma autoridade inquestionável quanto à importância da ciência e de
seus procedimentos.
Nos anos de 1980 pesquisadores da área da educação passaram a debater
e a ponderar sobre as abordagens metodológicas nas pesquisas em educação,
os aspectos quanto à cientificidade dos métodos e a considerar o contexto pelo
qual o trabalho metodológico se encontrava inserido. A pesquisadora Menga
Lüdke considera positivo esse momento:

Vejo a pesquisa em educação em nosso país numa situação de pleno


e intenso desenvolvimento, com uma riqueza de possibilidades
de realização, como até há bem poucos anos não dispúnhamos.
Costumo dizer a meus alunos que nos encontramos, justamente,
num período muito profícuo, onde as possibilidades de escolhas
são muitas, mas em conseqüência a responsabilidade por essas
escolhas é também muito aumentada (Lüdke, 1988, p. 61).

É com o cenário de mais possibilidades e modos de fazer pesquisa que


são produzidas as investigações na área da educação. Essas investigações

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


18
passam a sofrer influência direta na importação de referenciais, métodos e téc-
nicas de outras áreas do conhecimento. A busca por compreender os desafios
educacionais e escolares levaram os pesquisadores da área da educação à
leitura de autores nacionais e de outros países, especialmente os dos Estados
Unidos da América e de alguns países europeus. A essa busca foi se ampliando
o escopo dos problemas educacionais e escolares, bem como o modo de tratar
os problemas da educação.
Toda expansão da pesquisa em educação ao longo dos anos de 1980 e
seguindo os anos de 1990 levaram os pesquisadores da área a questionarem o
modo como as pesquisas estavam sendo realizadas, e um dos aspectos postos
em avaliação era a metodologia de pesquisa ou as inúmeras metodologias então
utilizadas na produção de pesquisas. Nesse caminho, nas primeiras e segundas
décadas dos anos 2000, ocorreu um movimento entre os pesquisadores da área
da educação para a formulação de critérios que pudessem nortear parâmetros
mínimos para a condução de pesquisas em educação.
Destacavam-se, nesse período, as preocupações quanto à presença ou
ausência de aspectos necessários ao trabalho metodológico, no planejamento
e na execução de pesquisas, considerando sua lógica, sua coerência com os
objetivos e os tipos de problemas a serem trabalhados. Tais preocupações
levaram inclusive a questionamentos sobre a questão do rigor nas pesquisas
em educação e alguns pesquisadores, como Marli André, colocou em discussão
essa questão ao destacar alguns problemas, tais como:

[...] a fragilidade metodológica dos estudos e pesquisas, que


tomam porções muito reduzidas da realidade, um número muito
limitado de observações e de sujeitos, levantamento de opiniões
com instrumentos precários, análises pouco fundamentadas, e
interpretações sem respaldo teórico (André, 2007, p.127).

Tais questões pontuaram-se fortemente como desafios às pesquisas em


educação, em especial ao trabalho metodológico nelas realizado. A expansão
do número de programas de pós-graduação na área da educação, e conse-
quentemente o quantitativo de mestrandos e doutorandos, novas faculdades
de Pedagogia, a presença de docentes de áreas diversas do conhecimento
lecionando e pesquisando na área da educação permitiram a expansão de temas

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


19
de pesquisa. Ao encontro desse contexto metodológico está a preocupação
com a aplicabilidade da pesquisa em educação aos desafios assumidos pela
área da educação, como questões próprias e com forte marca social quanto às
problemáticas escolhidas.
Considerando a presença de temas pouco usuais e que não sejam cor-
rentes ou próprios na pesquisa em educação ficam perguntas e questões que
desafiam metodologicamente o planejamento dessas pesquisas e a compreensão
sobre o que define ou caracteriza os estudos em educação. Esse aspecto passa
a ser debatido pela área da educação, visto que o planejamento das pesquisas
dependerá dos aspectos que a caracterizam, o entendimento do pesquisador
sobre a pesquisa e sua atuação na área da educação. Esse é um desafio apon-
tado para o planejamento das pesquisas.
Há certamente outros desafios metodológicos para a pesquisa em edu-
cação, bem como aqueles que de tempos em tempos têm suas problemáticas
renovadas. Esses desafios surgirão de acordo com o contexto social em que
as pesquisas estejam inseridas e como a área da educação reagirá aos novos
contextos e desafios do seu tempo. A esse respeito, Gatti considera que

São muitos os desafios à pesquisa em educação, nas últimas


décadas, que assistiram à recolocação dos problemas sócio-
culturais no mundo, à emergência de grupos diversificados, que
ganham espaços e abalam algumas de nossas enraizadas crenças
sobre o movimento social, o papel da educação e os modos de
formação humana (Gatti, 2012, p. 32).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa em educação é tratada em nossas pesquisas como um tema


próprio e demandado por questões ao longo da realização de pesquisas na
área da educação no Brasil. Como um tema próprio da área da educação, as
investigações na área passam, como qualquer outro tema da educação, por
discussões e especificidades que são constituídas ao longo do tempo e que
são, cada uma, debatidas conforme as condições de realização das pesquisas.
A metodologia de pesquisa na área da educação pode ser compreendida
de forma diferente. Essa compreensão se dá basicamente pelas referências
teórico-epistemológicas que os autores da área têm assumido nos últimos anos.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


20
Conclui-se que a definição de metodologia de pesquisa na área da educação,
repercutirá no modo de trabalhar de cada pesquisador.
Cada metodologia de pesquisa está associada a um problema de pesquisa
e cada problema de pesquisa está vinculado a um contexto e aos modos com
que outros pesquisadores da área vêm tratando determinados problemas. Nesse
sentido, para além da discussão metodológica está em discussão a prática da
pesquisa em educação, ou seja, a atividade de pesquisa, portanto, a pesquisa
como tema próprio da área da educação.

REFERÊNCIAS
ANDRÉ, M. E. D. A. Questões sobre os fins e sobre os métodos de pesquisa em educação. Revista
Eletrônica de Educação. São Carlos, v.1, n,1, 2007. https://www.reveduc.ufscar.br/index.php/reveduc/
article/view/6/6

BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS. Ação


do INEP e Centros de Pesquisas no quinquênio 1956-1960. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.
Rio de Janeiro, v.35, n.81, 1961. http://www.rbep.inep.gov.br/ojs3/index.php/rbep/issue/view/468/105

FERREIRA, M. Usos e funções dos estudos promovidos pelos Centros de Pesquisas do Inep entre as
décadas de 1950 e 1970. Brasília. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 89, n. 221, 2008.

GATTI, B. A. Alternativas metodológicas para a pesquisa educacional: conhecimento e realidade.


Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n.40, 1982. https://publicacoes.fcc.org.br/cp/article/view/1520

GATTI, B. A construção metodológica na pesquisa em educação: desafios. Revista Brasileira de Política e


Administração da Educação. Porto Alegre, v.28, n.1, 2012. https://seer.ufrgs.br/rbpae/article/view/36066

LÜDKE, M. Como anda o debate sobre metodologias quantitativas e qualitativas na pesquisa em


educação. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n.64, 1988. https://publicacoes.fcc.org.br/cp/article/
view/1185

MARTINS, O. Metodologia das pesquisas educacionais. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.


Brasília, v.41, n.94, 1964. http://rbep.inep.gov.br/ojs3/index.php/rbep/issue/view/476

SEVERINO, A.J. A pesquisa na pós-graduação em educação. Revista Eletrônica de Educação. São


Carlos/SP, v.1, n.1, 2007. https://www.reveduc.ufscar.br/index.php/reveduc/article/view/4/4

Textos citados e não referenciados:

GATTI, B. A. Pesquisa em educação: um tema em debate. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n. 80, p.
106-111, fev. 1992. https://publicacoes.fcc.org.br/cp/article/view/1009/1018

GOUVEIA, A. J. A pesquisa educacional no Brasil. Cadernos de Pesquisa, n. 1, jul. 1971. http://educa.


fcc.org.br/pdf/cp/n01/n01a01.pdf

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


21
02

A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
ORTOGRÁFICO NO CONTEXTO DAS
INTERAÇÕES ADULTO- CRIANÇA

Elaine C. R. Gomes Vidal


Faculdade de Educação da (USP)

Silvia M. Gasparian Colello


Faculdade de Educação da (USP)

' 10.37885/231115120
RESUMO

Partindo do problema do desempenho insuficiente nas habilidades de escrita


de estudantes brasileiros, o artigo tem o objetivo de apresentar uma pesquisa
sobre o papel da interação entre adulto e criança na construção do conheci-
mento ortográfico. Para tanto, recupera parte de um estudo de caso longitudi-
nal em curso, realizado com alunos de uma escola privada em Santos/SP, em
cinco etapas entre o 2º e o 4º ano do Ensino Fundamental (período em que o
escrever corretamente passa a ser um foco especial de conquista cognitiva e,
consequentemente, de ensino). Valendo-se do referencial teórico dos estudos
psicogenéticos e histórico-culturais (a concepção das crianças como sujeitos
ativos e protagonistas da aprendizagem; a língua como prática social e a inte-
ração como favorecimento da aprendizagem), o estudo centrou-se na proble-
matização, feita de modo interativo, sobre as formas de escrever. Realizada a
partir de dois eixos de atividade (ditado de palavras e reescrita de contos), a
coleta de dados visou apreender a compreensão das estratégias infantis ou das
reflexões empreendidas na busca de referências para a correção da escrita,
chegando, assim, a quatro categorias: a escrita validada pela pauta sonora, a
validação da escrita com base em alguém mais experiente (um “interlocutor
autorizado”), o apoio na imagem visual da palavra e, finalmente, a evocação
da norma ortográfica. Embora essas categorias estejam sempre presentes
nos diferentes estágios de escolaridade (e de conhecimento), a análise quan-
ti-qualitativa dos dados evidenciou o predomínio de umas sobre as outras
que, em movimentos ascendentes e descendentes, marcam um percurso de
crescente autonomia e consciência metalinguística. A partir da compreensão
sobre os processos cognitivos do conhecimento ortográfico – a variedade das
estratégias de escrita ou de validação da escrita e caminhos de progressão –, é
possível vislumbrar algumas implicações pedagógicas que subsidiam a revisão
de práticas pedagógicas.

Palavras-chave: Língua Escrita, Processos Cognitivos, Ortografia,


Práticas Interativas.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


23
INTRODUÇÃO

A escola, como instituição social responsável pela transmissão cultural


intergeracional, tem, entre suas principais funções, o ensino da língua escrita.
Considerada uma das aprendizagens primordiais a todo estudante, a escrita
constitui-se, a um só tempo, objeto de ensino e instrumento de aprendizagem
(COLELLO, 2012). Afinal, além de os alunos precisarem aprender a ler e escrever
para a sua constituição pessoal, social e política, o conhecimento da escrita é
uma importante via de acesso para outros conhecimentos.
Apesar da valorização do ensino da escrita ser uma constante em diferentes
períodos da história da educação, a prática pedagógica foi consubstanciada de
diversas formas e com diferentes ênfases. No fulcro dessa diversificação está
o modo como, em diferentes momentos e por diferentes autores, foi concebida
essa aprendizagem, ora mais centrada em aspectos notacionais (o como se
escreve), ora na dimensão discursiva (o como se organiza a linguagem escrita),
ambos inerentes à atividade de escrever. Barcellos (2013), ao analisar a história
do ensino de língua no Brasil, identifica três encaminhamentos pedagógicos
distintos. O modelo Prescritivo prioriza a norma culta, levando o aluno a subs-
tituir seus padrões linguísticos por produções pautadas em regras de suposta
correção linguística, como no Brasil Colônia (com o propósito de impor aos
indígenas um modo correto de falar), ou no Império (que se valia do modelo
europeu de educação). O modelo Descritivo, vinculado ao surgimento da lin-
guística como ciência no período da República, sem a pretensão de interferir
no comportamento linguístico do sujeito, chama a atenção para os modos de
funcionamento da língua. Finalmente, em meados do século XX, na esteira dos
estudos psicogenéticos e histórico- culturais, o modelo Produtivo postula o
ensino de novas habilidades linguísticas, ampliando a apropriação da língua, as
suas possibilidades de uso, de reflexão metalinguística e de trânsito na cultura
escrita. Nessa perspectiva, a exploração dos aspectos notacionais e discursivos
aparecem de modo articulados e equilibrados.
Em que pese a orientação oficial por um ensino produtivo, os indicadores
insatisfatórios obtidos pelos alunos brasileiros em diferentes avaliações (Prova
Brasil e PISA, entre outros) demonstram que a aprendizagem da língua está
aquém das metas desejáveis, o que se explica por fatores históricos, políticos,

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


24
sociais, econômicos e geográficos, com destaque para a dimensão pedagógica
(COLELLO, 2012).
A esse respeito, vale apontar para os descompassos, bastante frequentes,
entre o ensino e a aprendizagem e entre as diretrizes curriculares e a prática
pedagógica. No primeiro caso, como se sabe, o aprendido nem sempre cor-
responde ao ensinado e este, por sua vez, pode não levar em conta os saberes
já conquistados pelos sujeitos ou as dinâmicas de construção cognitiva. Nas
palavras de Weisz e Sanchez (2001, p. 65):

O processo de aprendizagem não responde necessariamente


ao processo de ensino, como tantos imaginam. Ou seja, não
existe um processo único de “ensino-aprendizagem”, como muitas
vezes se diz, mas dois processos distintos: o de aprendizagem,
desenvolvido pelo aluno, e o de ensino, pelo professor. São dois
processos que se comunicam, mas não se confundem: o sujeito
do processo de ensino é o professor, enquanto o do processo de
aprendizagem é o aluno.

O segundo caso - distanciamento entre as diretrizes pautadas pelo modelo


Produtivo e as práticas pedagógicas - parece ser uma constante, tendo em vista
que a singularidade das instituições e a condição histórica e idiossincrática
dos professores marcam um estado nebuloso das próprias concepções de
ensino. Em função disso, a análise da escola contemporânea demonstra como os
três modelos – Prescritivo, Descritivo e Produtivo - convivem simultaneamente,
com diferentes ênfases e graus de influência sobre o desenvolvimento do currí-
culo. Em muitos casos, o foco excessivo na metalinguagem descontextualizada
compromete os efetivos propósitos comunicativos, prejudicando o sentido da
aprendizagem, como destaca Geraldi (2006, p. 45):

[...] o mais caótico da situação atual do ensino de língua portuguesa


em escolas de primeiro grau consiste precisamente no ensino,
para alunos que nem sequer dominam a variedade culta, de uma
metalinguagem de análise dessa variedade – com exercícios
contínuos de descrição gramatical, estudo de regras e hipóteses
de análise de problemas que mesmo especialistas não estão
seguros de como resolver.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


25
Esse cenário justifica o interesse em compreender, ainda mais e melhor,
o modo como as crianças aprendem a leitura e a escrita e, por essa via, repen-
sar os procedimentos de ensino. No caso da presente pesquisa, entendendo a
dimensão notacional como parte integrante do complexo desafio de produção
textual e de formação do usuário competente da escrita, o objetivo é analisar
a construção da ortografia. Apresentando resultados parciais de uma inves-
tigação mais ampla1, os dados analisados neste artigo procuram apresentar
especificamente o papel da interação entre adultos e crianças na especificidade
dessa trajetória cognitiva. Para tanto, partindo da explicitação da estrutura e
metodologia adotadas na pesquisa, faremos uma exposição das categorias de
respostas infantis mediadas pela intervenção da pesquisadora. Na sequência,
será apresentada, através de análise quanti-qualitativa, a progressão dos alunos
ao longo de três anos de escolaridade. Finalmente, a título de conclusão, serão
discutidas possíveis implicações pedagógicas decorrentes desses achados.

METODOLOGIA DA PESQUISA E PERSPECTIVAS DE ANÁLISE

A pesquisa foi desenvolvida em uma escola da rede privada, situada em


Santos/SP. A instituição, cuja comunidade é formada por crianças e famílias de
classe média, apresenta-se como escola construtivista. O Projeto Político-Pe-
dagógico pauta-se pelo ensino da língua baseado em práticas sociais de leitura
e escrita, com atividades didáticas elaboradas pela própria equipe pedagógica.
A pesquisa, realizada em cinco etapas com um intervalo de 6 meses
entre si (1º semestre do 2o ano; 2º semestre do 2º ano; 1º semestre do 3º ano;
2º semestre do 3º ano e 1º semestre do 4º ano do Ensino Fundamental), assume
caráter longitudinal, estudando um grupo de 12 a 18 sujeitos (dependendo da
variação no número de alunos da turma). A investigação, portanto, ocupou-se
de um período escolar em que as crianças, tendo dominado o sistema alfabético,

1 Tese de doutorado, “A aprendizagem da ortografia sob o viés das práticas interativas”, de Elaine Cristina R.
Gomes Vidal, em fase final de elaboração, a ser apresentada na Faculdade de Educação da USP em 2020. A
pesquisa original procura compreender a construção do conhecimento ortográfico a partir de diferentes etapas
de aprendizagem, contextos de produção da escrita e modos de interação.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


26
passam a enfrentar os desafios ortográficos com maior frequência. A esse
respeito, vale lembrar que

Se na história da humanidade os sistemas de escrita alfabética


surgiram antes das normas ortográficas, algo semelhante ocorre
no desenvolvimento individual. A criança inicialmente se apropria
do sistema alfabético: num processo gradativo, descrito pelas
pesquisas da psicogênese da escrita, ela aos poucos domina
a “base alfabética”. [...] O que o aprendiz nessa fase ainda não
domina, porque desconhece, é a norma ortográfica. Ele pode já
ter notado algumas incongruências de nosso sistema alfabético,
[...] mas ainda não internalizou as formas escritas que a norma
ortográfica convencionou serem as únicas autorizadas. (MORAIS,
2003, p. 20-21)

Para analisar os procedimentos de interação entre adulto e criança,


as cinco etapas de coleta de dados mantiveram os mesmos procedimentos,
incidindo sobre dois tipos de atividades realizadas individualmente, coletados
respectivamente em duas sessões na mesma semana:
Escrita de palavras: ditado individual de uma lista de palavras contex-
tualizadas pela leitura prévia - feita pela pesquisadora - de um conto de fadas
(“A princesa e o grão de ervilha”).
As palavras selecionadas para a lista a ser ditada para as crianças obe-
deceram ao critério das categorias de dificuldades ortográficas. Entre tantas
classificações possíveis, para fins deste trabalho, optou-se pela classificação
proposta por Nóbrega (2013): regularidades diretas (subdivididas em interferência
da fala na escrita; oposição entre consoantes surdas e sonoras e representação
de sílabas não canônicas); regularidades contextuais e irregularidades. Para
cada um desses critérios foram selecionadas três dificuldades ortográficas dife-
rentes, elegendo-se uma palavra para cada uma delas. Desta forma, chegou-se
à seguinte seleção de palavras:

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


27
Quadro 1. Critérios de seleção das palavras do conto que foram ditadas.
Categoria da dificuldade Dificuldade ortográfica Palavras selecionadas
1 Troca de – E > - I Príncipe
Regularidade – Interferência 2 Troca de – L > - U Calcanhar
da fala na escrita
Ditongação em sílabas travadas por /s/
3 Vez
(acréscimo de – I)
4 P/B Sapatos
Regularidade – Oposição
5 T/D Tempestade
surda/sonora
6 F/V Certificar
Omissão ou substituição da consoante
7 Grão
líquida do ataque
Regularidade – Representação
Inversão da consoante líquida do ataque
de sílabas não canônicas 8 Encontrara
ou da consoante da coda
9 Omissão do H em dígrafos Ervilha
10 M antes de P e B Relâmpago
Regularidade contextual 11 R/RR Horrível
12 S/SS Disse
13 CH/X em contextos arbitrários Colchões
14 G/J em contextos arbitrários Exigente
Irregularidade
C/Ç/S/SS/SC/XC em contextos arbi-
15 Nascença
trários

Reescrita individual de um texto: reescrita de um texto conhecido, já


utilizado na sessão anterior (contextualizado, portanto, pela leitura prévia da
pesquisadora), com o propósito de ler o texto elaborado para outra turma (con-
signa dada como garantia de um contexto de produção e de um destinatário
para nortear a escrita).
Em cada sessão, gravada em vídeo e posteriormente transcrita, foram
utilizadas três estratégias para a coleta de dados: observação participante (com
interações problematizadoras, previamente previstas, com o objetivo de gerar
reflexão sobre a ortografia das palavras), observação não-participante (com
o objetivo de captar os mecanismos de decisão da criança por uma determi-
nada grafia) e análise documental (considerando o processo interlocutivo e a
produção final).
Para se evitar, por um lado, intervenções em todas as escritas (o que
poderia tornar a tarefa cansativa para as crianças), ou, por outro, que cada
intervenção fosse vista pelos alunos como um indício de que a palavra estava
grafada de modo incorreto (o que poderia ocorrer caso fossem feitas intervenções

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


28
em todas as situações de erro), optou-se por um procedimento padronizado de
intervenções nas sessões do ditado das cinco etapas de coleta. A cada dificul-
dade ortográfica, a pesquisadora escolheu uma das três palavras da lista para
fazer a intervenção. No que diz respeito ao foco da intervenção, a escolha recaiu
prioritariamente, mas não exclusivamente, sobre palavras que continham erros
ortográficos. Nos casos em que mais de uma palavra da mesma categoria con-
tivesse erro, ou que nenhuma das três os apresentasse, a escolha foi aleatória.
Todas as intervenções foram realizadas após o término do ditado ou da
reescrita. Durante sua produção, a pesquisadora manteve-se o mais “neutra”
possível, sempre “devolvendo” à criança as perguntas que eventualmente sur-
giram, respondendo, por exemplo: “Com que letra você acha que é?”; “Escreva
do seu melhor jeito” etc.
Na medida do possível, as intervenções apoiaram-se em consignas-pa-
drão (problematizações) que já induziam a criança à reflexão sobre a natureza
do erro ortográfico, conforme tabela a seguir:

Quadro 2. Padrão das intervenções feitas na escrita de lista de palavras.


Categoria da dificuldade Intervenções planejadas
“Você escreveu [palavra X] do jeito que a gente fala. Será que existem
1 Interferência da fala na escrita palavras que a gente fala de um jeito e escreve de outro? Essa poderia
ser uma delas?”
“Você escreveu [palavra X] assim [mostrar à criança sua própria escri-
ta]. Eu vou te mostrar como se escreve uma outra palavra [mostrar à
2 Oposição surda/sonora criança a escrita convencional de uma outra palavra contendo a sílaba
que ela errou, na mesma posição]. Observando essa outra palavra, você
mudaria alguma coisa na sua escrita?
“Se eu disser que nessa palavra está faltando uma letra [nos casos de
omissão; nos casos de substituição, dizer que tem uma letra errada; se
Representação de
3 for caso de inversão, dizer que tem letras com a posição trocada e, nos
sílabas não canônicas
casos de acréscimo, dizer que tem uma letra a mais], você consegue
descobrir qual é?”
“Olhando para as letras que vêm antes e depois do [mostrar a letra
4 Regularidade contextual
errada], você mudaria o jeito de escrever a palavra?”
“Uma outra criança escreveu essa palavra assim [mostrar a escri-
5 Irregularidade ta convencional]. É possível escrever assim? Quem você acha que
acertou? Por quê?”

Já nas sessões de reescrita de textos das cinco etapas, a pesquisadora


buscou, no texto da criança, uma palavra com cada tipo de dificuldade ortográfica
para realizar a intervenção (ainda que não fossem palavras presentes na lista da

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


29
primeira entrevista). Mais uma vez, privilegiou-se, sempre que possível, palavras
escritas com erros ortográficos. As intervenções seguiram o mesmo padrão das
consignas propostas nas sessões de ditado. Na escrita textual, porém, outra
dificuldade ortográfica poderia surgir: problemas na segmentação (hipo ou
hipersegmentação). Nesse caso, a pesquisadora fez intervenções como: “Nesta
linha, deveriam existir [X] palavras. Vamos contar quantas tem? Por que será que
tem X [colocar a quantidade] palavras a mais [ou a menos]? O que você mudaria?
Com esses procedimentos, buscou-se promover reflexões pertinentes
para a compreensão sobre os processos infantis de construção do conheci-
mento ortográfico.
Para fins de análise, buscou-se, nas respostas para as interações com
o adulto, estratégias de referência ou de reflexão para a correção linguística, a
evolução longitudinal ao longo das cinco etapas e a comparação entre índices de
desempenho nos dois tipos de atividades (palavras ditadas e reescrita de textos).

RESPOSTAS INFANTIS ÀS INTERAÇÕES COM O ADULTO

Em uma perspectiva que privilegia a construção do conhecimento,


mais do que observar o resultado final, importa compreender o percurso que
levou até ele. Por trás dos “erros” infantis, é preciso identificar a lógica que os
subsidia. Tal como as hipóteses sobre a escrita que as crianças desenvolvem
antes de se apropriarem da base alfabética, é razoável supor que, antes de se
apropriarem das normas ortográficas, elas também realizam tentativas lógicas
de escrever “corretamente”, tentativas que, longe de ser aleatórias, têm a sua
lógica ou razão de ser.

Do ponto de vista heurístico, é muito mais rentável supor que


tudo o que a criança diz, tudo o que faz, quando fala ou quando
se cala, tem motivo. Busquemos o sentido de suas palavras e de
seus silêncios. E, principalmente, esqueçamos por um momento
que nós “já sabemos” as respostas; enfim, as respostas interessam
menos que o caminho para se chegar a elas (FERREIRO, 2001, p. 24)

Sob esta óptica, antes de analisar o quanto as interações com a pes-


quisadora levaram os alunos a modificar o modo como escreviam, importa
considerar as respostas que as crianças deram às intervenções feitas, o que

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


30
permitiu o delineamento de quatro categorias a partir de tendências comuns
nas justificativas evocadas pelos alunos.

a) Escrita a partir da pauta sonora

Embora a escrita não seja um código com correspondência biunívoca


entre grafemas e fonemas, as crianças recém-alfabetizadas, que vêm de um
processo intenso de fonetização da escrita para compreensão da base alfa-
bética, tendem a buscar uma regularidade nessa relação. Segundo Nóbrega
(2013), é comum que crianças, nessa fase, escrevam operando com o valor de
base dos grafemas, ou seja, atribuindo a cada letra somente aquele fonema
que ela representa com maior frequência. Seguindo essa tendência, as crianças
justificaram sua escrita (bem como sua posterior opção por alterá-la ou não
a partir da intervenção realizada) relacionando os grafemas ao modo como o
“escutam”. Em algumas das respostas dessa categoria, essa regularidade foi
buscada pelo critério de valor de base das letras utilizadas. Em outras, embora
não utilizassem o valor de base, a pauta sonora continuava sendo o fator de
maior influência na decisão sobre o modo de grafar as palavras, orientando
também as reflexões metalinguísticas. Eis um exemplo dessa categoria no ditado:

Como exemplo típico dessa categoria, Maitê demonstra claramente


que opera com o valor de base dos grafemas, utilizando S para o fonema /s/
e atribuindo ao C o fonema /k/. Sua resposta traz à tona, ainda, uma confusão

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


31
comumente encontrada na escrita de crianças recém- alfabetizadas, com utili-
zação do H para representação da sílaba “GA”. Maitê explicita como o princípio
acrofônico interfere nessa decisão, ou seja, como o nome da letra H pode induzir
ao erro nesse caso. Por estar segura da utilização do valor de base, a aluna não
aceita modificar sua escrita original.
Na reescrita de textos individuais, essa categoria de respostas também
apareceu. Um exemplo é o caso de Laura que, tendo cometido um erro de
segmentação, justifica-o com base na sonoridade:

Como se trata de outra natureza de dificuldade ortográfica (segmentação),


Laura utiliza também outros critérios para justificar sua escrita: a semântica
(“uma é sozinho porque é um número”); a recusa à repetição de letras, prova-
velmente um resquício de hipóteses anteriores à escrita alfabética, quando as
crianças não admitem duas letras iguais lado a lado (“ia ficar estranho, ia ficar
dois E juntos”). Note-se, porém, que é a pauta sonora que predomina em suas
justificativas (“a gente fala assim”; “dá pra ouvir”; “se a gente prestar atenção
em como a gente fala”).

b) Escrita validada por um “interlocutor autorizado”

Na segunda categoria de respostas, encontram-se os casos em que as


crianças, para justificarem as suas escritas, baseiam-se predominantemente
na escrita de outra pessoa (supostamente “interlocutores autorizados”, que se

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


32
constituem como referências para a própria escrita, geralmente a professora,
mas também a pesquisadora, a mãe ou uma criança mais adiantada), tanto
para explicarem suas opções originais, como para justificarem as decisões de
modificação. A escrita de Elias é um exemplo representativo dessa categoria:

Elias identificou a diferença entre a sua escrita e a da pesquisadora e,


mesmo sem fazer nenhuma reflexão metalinguística ou menção às normas lin-
guísticas e ortográficas, optou por endossar o modo de escrita da pesquisadora,
que lhe pareceu mais experiente para orientar sua própria escrita.
No exemplo abaixo, Aline, valendo-se de uma justificativa semelhante
à de seu colega Elias, recorreu à autoridade da professora como critério de
correção da escrita:

Em suas respostas, Aline buscou informações sobre o autor da escrita que


lhe foi apresentada, de forma a decidir se essa “outra criança” era um locutor

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


33
autorizado ou não. Com a resposta da pesquisadora, que tentou eliminar o cri-
tério de “tamanho” (supostamente atrelado à idade e ao grau conhecimento),
ela preferiu garantir-se na interlocutora supostamente mais autorizada: a
professora. A justificativa com base no que a docente “ensina” pareceu-lhe,
definitivamente, mais confiável.
Nas produções textuais, outros exemplos dessa categoria surgi-
ram. Um deles é o caso de Milena:

Nas sessões anteriores, tanto nas escritas de listas quanto de textos,


Milena escrevera “grão” de modo convencional. Portanto, é possível supor que
seu “erro” tenha, de fato, sido uma distração, e não um desconhecimento da
norma ortográfica. De qualquer forma, para justificar a escrita convencional, ela
utiliza a validação da professora, reconhecida como interlocutora autorizada.

c) Escrita baseada em “imagem visual” da palavra

A terceira categoria reúne casos em que as crianças justificaram suas


escritas com base na “imagem visual” que já tinham das palavras. Em alguns
casos, alegavam já terem visto a palavra em outro contexto ou suporte textual
(em um livro, um cartaz, uma placa etc.); em outros, escreviam a palavra de duas
maneiras e decidiam a partir da observação, alegando que, “vendo” a palavra,
um dos modos lhes parecia “melhor” que o outro. Ao contrário da primeira
categoria de repostas, nos quais predominavam os verbos “ouvir” e “escutar”,
nessa, predominaram os verbos “ver”, “enxergar” e “olhar”: assim como na pri-
meira categoria, as crianças pediam muitas vezes para a pesquisadora repetir a
palavra, para que pudessem discriminar melhor os sons, nesta, elas escreveram

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


34
muitas vezes as palavras, para que pudessem vê-la. A seguir, um exemplo de
resposta desse tipo:

Neste caso, Elias citou explicitamente o contexto de onde tirou a “infor-


mação visual” que subsidia a sua resposta. Mencionou o estudo de um conto
visto na escola, buscou um dos personagens como referência e, com base nisso,
modificou sua resposta, aproximando-se da escrita convencional (deixando
apenas de colocar o acento). A atitude reflexiva até que ele pudesse fazer sua
opção gráfica e a expressão de seu rosto ante a descoberta de uma base segura
de escrita indicam que, de fato, ele buscava uma referência em “algo” já visto.
Ao citarem outros portadores, outras crianças não se limitaram à esfera
escolar, recorrendo também a referências de escritas vistas fora da escola. Erick
usa essa estratégia para justificar sua escrita de ervilha:

Em sua justificativa, Erick recuperou um suporte textual de seu cotidiano,


recorrendo à sua memória visual para decidir a grafia da palavra. Mostrou-se

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


35
seguro da escrita desde o início e, apesar de já ter conseguido explicitar a norma
ortográfica de outros termos, aqui, ainda se valeu da referência visual.
Além da busca por lembranças de imagens visuais de escritas já vistas,
alguns alunos utilizaram, nessa categoria, outro recurso: escreveram a palavra
de duas formas diferentes, numa tentativa de lembrar qual delas lhes parecia
mais familiar. Thiago é um desses exemplos:

Neste caso, Thiago sentiu a necessidade contextualizar a escrita e visua-


lizar novamente as palavras para resgatar a imagem visual. Ele citou o suporte
e o contexto onde a viu (livro didático de Ciências, no estudo de trovões e
relâmpagos) e, para decidir, colocou ao lado da palavra “relâmpago” a palavra
“trovão”, provavelmente na tentativa de criar um contexto similar àquele em
que vira a palavra pela primeira vez.

d) Escrita orientada pela norma ortográfica

A última categoria de respostas é justamente aquela em que as crian-


ças justificaram sua escrita original - e também sua decisão pela mudança ou
permanência após as intervenções - com base na norma ortográfica. Lançando
mão de reflexões metalinguísticas, elas citaram a existência de regras, ainda que
não soubessem explicá-las detalhadamente. A justificativa dada por Ricardo
ilustra esta categoria:

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


36
Em sua resposta, Ricardo demonstrou que a imagem visual da palavra
também foi um recurso utilizado por ele, já que citou o leite condensado (cuja
marca líder - “Moça”- vem estampada em tamanho grande no rótulo). Entre-
tanto, esse critério não foi a principal base de sua resposta. Sem explicitar em
termos técnicos, ele conseguiu explicar com muita clareza a norma ortográfica
para leitura de S entre vogais, quando o grafema assume o valor do fonema /z/.
Outro exemplo dessa categoria foi a justificativa de Erick, na situação a seguir:

Erick havia escrito a palavra “horrível” de modo convencional no ditado


de palavras, mas omitiu um R ao redigir o vocábulo em seu texto. Isso indica
que, provavelmente, não se tratava do desconhecimento do modo convencio-
nal de se escrever. Outro indício de que ele conhecia a palavra foi o fato de ter
colocado o H inicial, irregularidade que, em tese, é mais difícil para as crianças
do que a regularidade contextual de uso de dois R entre vogais. Ao identificar

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


37
seu erro, ele foi claro ao lembrar da regra: “no meio fica horrível” (embora não
tenha mencionado o fato de estar entre vogais, parece perceber isso de modo
intuitivo). O menino mencionou ainda o estudo já realizado (“Já aprendi isso”)
e citou, inclusive, o “caderno de combinados ortográficos” (estratégia metodo-
lógica adotada pela escola para o ensino de ortografia).
Tendo explicitado as categorias encontradas para as justificativas de
opções ortográficas, passamos ao estudo dos índices dessas ocorrências ao
longo das cinco etapas de investigação.

PERCURSO DAS JUSTIFICATIVAS NA PROGRESSÃO DO


CONHECIMENTO ORTOGRÁFICO

A cada etapa, foram obtidas 10 respostas por criança para a intervenção


da pesquisadora nas respectivas dificuldades ortográficas (cinco para a sessão
de ditado de palavras e cinco para a sessão de reescrita do texto). Como a
quantidade de alunos participantes foi diferente a cada etapa, converteu-se o
resultado final em índices percentuais, de forma a observar a evolução de cada
categoria longitudinalmente:

Quadro 3. Percentuais de respostas por categoria a cada etapa.


Escrita validada
Escrita a partir da Escrita baseada na Escrita orientada pela
por interlocutor
pauta sonora imagem visual norma ortográfica
autorizado
1ª etapa 53% 30,80% 9,20% 6,70%
2ª etapa 38,50% 34,20% 18,50% 8,50%
3ª etapa 21,10% 27,80% 29,40% 21,70%
4ª etapa 12,20% 17,20% 36,70% 33,90%
5ª etapa 7,80% 10% 25,50% 56,60%

A evolução de cada categoria de respostas, observada de forma longi-


tudinal, apresenta um percurso linear que, tanto na vertente ascendente como
na descendente, e, ainda, nas relações entre si, parecem bastante compreen-
síveis na progressão do conhecimento. Aquela em que as crianças justificam
sua escrita a partir da pauta sonora apresenta um decréscimo conforme elas
avançam na escolaridade: a cada etapa de coleta de dados, a quantidade de
respostas dessa categoria diminui. Já os casos em que a escrita é justificada

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


38
pelos ensinamentos ou exemplos de um interlocutor autorizado apresentam
crescimento da primeira para a segunda etapa e, então, passam a decrescer
também. Por sua vez, as respostas que se pautam na imagem visual que os
alunos têm da palavra apresentam movimento ascendente da primeira à quarta
etapa de coleta, diminuindo na quinta. Finalmente, as respostas que justificam
a forma de grafar através da explicitação da norma ortográfica apresentam
crescimento progressivo ao longo de todas as etapas pesquisa. O gráfico a
seguir torna ainda mais explícitos esses percursos:

Gráfico 1. Evolução longitudinal das categorias de respostas.

O gráfico demonstra, de forma inequívoca, o movimento da distribuição


das quatro categorias. Nos dois extremos, estão os maiores índices percentuais
encontrados: 53% das crianças baseavam-se na pauta sonora para justificar
suas grafias na primeira etapa, enquanto 56,6% delas utilizavam a norma orto-
gráfica para explicar suas opções de escrita, na última. Em consonância com
essas tendências, parece compreensível que a terceira etapa de coleta de dados,
metade do percurso estudado, tenha trazido uma distribuição mais equitativa
entre as categorias de respostas.
Embora nas duas primeiras etapas a maior parte das crianças tenha
respondido às intervenções com base na pauta sonora, a diferença percen-
tual registrada nos dois momentos já marca uma redução na segunda etapa.
Observe-se também que a diferença entre essa categoria e a segunda maior
(escrita validada por um interlocutor autorizado) diminuiu significativamente,
chegando quase a uma equivalência na segunda etapa.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


39
Da segunda para a terceira etapa (passagem do 2º para o 3º ano do
Ensino Fundamental), registrou-se a mudança da categoria que, a princípio,
tinha maior incidência. Na terceira e quarta etapas, enquanto as crianças cur-
savam o 3º ano, predominaram as respostas baseadas na imagem visual que
os alunos tinham das palavras. Essa categoria aumentou durante esse período,
passando de uma quase equivalência com a dos interlocutores autorizados na
terceira etapa, mas distanciando-se dela na quarta, justamente em função da
progressão do conhecimento, que foi se tornando mais autônomo.
A próxima mudança de ano escolar das crianças coincide, mais uma vez,
com a mudança na categoria de respostas predominante: na quinta etapa coleta
de dados, quando os alunos já se encontravam no 4º ano do Ensino Fundamen-
tal, passam a prevalecer as respostas em que os alunos explicitaram as normas
ortográficas, uma evidência do crescimento da consciência metalinguística.
Em uma outra possível configuração de análise dos dados, vale desta-
car a diferença nos índices de acertos nos dois eixos estudados - sempre (em
todas as etapas) maior no ditado do que nas reescritas de texto. Essa diferença
justifica-se porque, como se sabe, a produção textual, em relação à escrita de
palavras isoladas, amplia as frentes de elaboração para as quais os sujeitos
devem estar atentos, o que aumenta a complexidade da tarefa. Enquanto no
ditado o aspecto notacional é a principal fonte de atenção, na redação, o sujeito
deve se preocupar também com a integridade do conteúdo, o fio condutor da
narrativa, a organização e coesão do texto, a adaptação ao interlocutor de modo
a garantir a sua inteligibilidade etc. Mesmo assim, vale registrar que a diferença
do índice de acertos no ditado e na reescrita foi menor nos dois períodos extre-
mos da coleta: na primeira etapa porque a escrita, em si, ainda representava
uma grande dificuldade para os alunos (apresentando, portanto, mais erros nas
duas atividades); e, pela lógica inversa, na 5ª etapa, justamente porque nesse
momento o escrever estava mais estabilizado (portanto, com menos erros nas
duas atividades).
A análise desses percursos parece demonstrar que a progressão dos
alunos não se dá somente na mudança nas grafias, quando se aproximam
paulatinamente da escrita convencional, mas também no modo como pensam
para elaborar e justificar suas escritas, aproximando-se gradativamente dos
modos mais convencionais e de reflexões mais autônomas e conscientes. Assim,

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


40
mesmo com a presença e dispersão de categorias evocadas em cada etapa
da pesquisa, fica delineado um continuum no processo de aprendizagem com
base no que prevalece em cada etapa da escolaridade.

CONSIDERAÇÕES: DOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM ÀS


IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS

Ainda que de forma não exaustiva, a análise dos dados permite algumas
conclusões sobre a construção da ortografia que, como não poderia deixar
de ser, remetem a importantes implicações pedagógicas, funcionando como
subsídios para se repensar as práticas de ensino. De fato, ao compreender o
percurso trilhado pelas crianças em seu processo de aprendizagem da ortogra-
fia e suas estratégias na busca de referências ou de procedimentos reflexivos,
o professor pode assumir uma postura investigativa, a fim de identificar não
apenas o índice de escritas convencionais registrado por seus alunos, mas
também - e principalmente - interferir produtivamente na progressão desse
conhecimento. Assim, considerando as relações entre processos cognitivos e
diretrizes pedagógicas, alguns pontos merecem destaque.
Em primeiro lugar, vale defender a construção do conhecimento ortográ-
fico como um esforço travado com base em diferentes caminhos de elaboração.
Trata-se de um processo que, mais uma vez - se considerarmos os estudos de
tantos outros aspectos da psicogênese da língua escrita – comprovam a ina-
dequação de princípios ainda arraigados na cultura escolar: “a aprendizagem
como um percurso linear, fixo e cumulativo”; “a aprendizagem como conse-
quência direta do ensino”; “o ensino projetado a priori e calcado na lógica do
adulto, isto é, incapaz de considerar o ponto de vista do sujeito-aprendiz e a sua
dinâmica de construção cognitiva”; e “o ensino planejado de modo inflexível,
dosado em etapas do mais fácil para o mais difícil”. De fato, quando se coloca a
criança no centro da aprendizagem e, no caso específico deste estudo, quando
se compreende seus “tateios cognitivos” na busca pela escrita convencional,
evidencia-se a complexidade do papel do professor, entendendo a interven-
ção pedagógica como prática flexível, diversificada, investigativa e construtiva
também na perspectiva docente. O desafio do professor não é simplesmente
ensinar (como quem apenas transmite conhecimentos), mas principalmente,

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


41
em conjunto com seus alunos, colocar-se como um produtor ativo do trabalho
em sala de aula.
Nos referidos caminhos de construção do conhecimento ortográfico,
observa-se, em segundo lugar, uma tendência de progressiva reflexão, autono-
mia e abstração linguística. A criança recém-alfabética, que tende a se apegar
mais à discriminação auditiva buscando a relação direta fonema-grafema,
passa por referências heterônomas (a palavra segundo interlocutores auto-
rizados ou registrada por outros sob a forma de imagem visual), chegando a
critérios de compreensão da língua para lidar com a ortografia de modo mais
autônomo. A compreensão desse percurso (um verdadeiro continuum de pro-
gressiva aproximação com o convencional) traz ao professor o desafio de lidar
com diferentes critérios de interação, valorizando-os não como etapas suces-
sivas e previsíveis de ensino, mas como caminhos que se sobrepõem (ainda
que com diferentes ênfases) na problematização da língua. Assim, não se pode
dizer que exista uma interação adulto-criança melhor ou pior; o que existe é a
interlocução inteligente, pensada em diferentes vias, para diferentes alunos e
em contextos específicos.
Em terceiro lugar, vale dizer que a progressão da aprendizagem da orto-
grafia não se manifesta apenas pelo aumento do índice de “acertos” na escrita.
Conforme avançam, as crianças não apenas escrevem mais vezes de forma
convencional, como também alteram e ampliam a maneira como explicam,
justificam ou validam o modo de grafar as palavras. Ao longo dessa trajetória,
ainda que a escrita não convencional seja baseada em critérios nem sempre
eficientes, o simples fato de a criança buscar outros critérios e de ampliar refe-
rências pessoais de validação já é, em si, um indício e, ao mesmo tempo, um
componente de evolução na medida em que comprova a ampliação de caminhos
reflexivos. Assim, justifica-se, na escola, a pertinência de revisão dos mecanismos
de acompanhamento e de avaliação dos estudantes, podendo considerar, para
além dos acertos e erros, aspectos nem sempre valorizados pelos professores
(como são os casos dos processos de elaboração cognitiva ou das descoberta
de estratégias que, bem ou mal, sustentam uma opção de escrita).
O quarto aspecto de destaque nos obriga a reconhecer que a assimilação
da ortografia não pode ser entendida pala dicotomia estável de “conhecer e apli-
car” e “não conhecer e não aplicar”. Isso significa que escrever convencionalmente

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


42
em um contexto (por exemplo, em um ditado) não garante a correção em todos
os contextos (ditados, produções de textos de autoria, reescritas etc.). Na ten-
tativa de explicar essa oscilação, mais uma vez, é preciso considerar o ponto
de vista do sujeito: um “escritor” que opera em diferentes planos de reflexão,
em diferentes contextos de produção, sempre buscando atender aos apelos do
propósito da escrita ou da prática comunicativa. Como frentes de processamento
cognitivo, os diferentes conhecimentos sobre a escrita levam algum tempo para
se estabilizarem, e se articularem em produções cada vez mais eficientes. Isso
traz ao professor a necessidade de propor atividades diversificadas a fim de
estimular/provocar/desafiar o aluno a partir de diferentes demandas e apelos
da cultura escrita.
Com base nos aspectos mencionados, fica evidente que, no contexto
da sala de aula, partindo da perspectiva dos sujeitos - suas estratégias de
busca e de validação da base ortográfica, seus esforços para a ampliação das
alternativas reflexivas, seus caminhos de progressão rumo a comportamentos
mais autônomos do escrever - justifica uma escola capaz de lidar com a com-
plexidade inerente à língua, visando não apenas a aquisição e apropriação da
escrita mas, sobretudo, a constituição do sujeito-autor e o fortalecimento da
postura reflexiva em face do conhecimento.

REFERÊNCIAS
COLELLO, Silvia Mattos. Gasparian. A escola que (não) ensina a escrever. São Paulo: Summus, 2012.

FERREIRO, Emilia. Atualidade de Jean Piaget. Porto Alegre: Artmed: 2001.

GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula. São Paulo: Assoeste, 2006. MORAIS, Artur Gomes.
Ortografia: ensinar e aprender. São Paulo: Ática, 2003. NÓBREGA. Maria José. Ortografia. São Paulo:
Melhoramentos, 2013.

WEISZ, Telma; SANCHEZ, Ana. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. SP: Ática, 2001.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


43
03

A PSICOPEDAGOGIA NO CONTEXTO DAS


ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO:
POSSIBILIDADES E DESAFIOS

Anizia Araujo Nunes Marques


Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

' 10.37885/231215200
RESUMO

O presente estudo tem como objetivo analisar as contribuições da intervenção


psicopedagógica para a aprendizagem dos estudantes com altas habilidades/
superdotação (AH/SD). Realiza-se uma pesquisa bibliográfica, de abordagem
qualitativa, a partir da revisão da literatura, abrangendo livros, dissertações,
teses, artigos e periódicos. O referencial teórico envolveu a teoria de super-
dotação dos três anéis de Joseph Renzulli (2004, 2014) em interlocução com a
teoria das inteligências múltiplas de Gardner (2010) e com os estudos na área
da Psicopedagogia (FERNANDEZ, 1991; BOSSA, 2000). Os resultados apontam
como possibilidades de intervenção psicopedagógica a identificação dos estilos
de aprendizagem, das áreas de interesse, habilidades e necessidades da pes-
soa com altas habilidades/superdotação, de modo a estabelecer as melhores
estratégias de aprendizagem. Dentre os desafios ressalta-se a necessidade de
mais produções e pesquisas na área da Psicopedagogia envolvendo as altas
habilidades/superdotação que subsidiem a prática psicopedagógica.

Palavras-chave: Altas Habilidades, Educação, Psicopedagogia.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


45
INTRODUÇÃO

O processo de avaliação e intervenção psicopedagógica perpassa pela


compreensão do sujeito cognoscente e as múltiplas dimensões que permeiam
seu processo de aprendizagem: biológica, cognitiva, social e emocional. Diversas
pesquisas têm apontado as possibilidades de intervenção psicopedagógica no
âmbito das dificuldades de aprendizagem (BOSSA, 2000; FERMINO, BORU-
CHOVITH, DIEHL 2001), mas percebe-se que há uma carência de pesquisas
que envolvam as altas habilidades/superdotação.
Neste estudo se propõe aproximações teóricas do campo das altas habi-
lidades com a área da Psicopedagogia, entendendo que esta pode contribuir
para o enriquecimento curricular e estratégias pedagógicas diferenciadas para
os estudantes com AH/SD.
Inicialmente se analisa o percurso histórico e as concepções de super-
dotação no meio acadêmico e nas políticas públicas na área da educação ao
longo dos últimos anos no Brasil. Em seguida, se discute as altas habilidades/
superdotação com base no referencial teórico de Joseph Renzulli (2004,2014),
em diálogo com a teoria das inteligências múltiplas de Gardner (2010) e seu
impacto no âmbito da educação. Por fim, se estabelece uma interface com
a área da psicopedagogia, suas possibilidades de intervenção e os desafios
encontrados nesse processo.

DESENVOLVIMENTO

A psicopedagogia é uma área do conhecimento que têm como objeto


de estudo a aprendizagem humana. Os estudantes com altas habilidades
tem o direito de receber suplementação em seus estudos, rompendo o mito
de que não necessitam de apoio educacional e recursos diferenciados (DEL-
PRETTO; ZARDO, 2010).
A legislação educacional brasileira inclui as pessoas com altas habilida-
des/superdotação como público-alvo da Educação Especial e que necessitam
ter atendidas suas necessidades especificas de aprendizagem.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


46
Altas habilidades/superdotacão: breve contexto histórico

O conceito de superdotação tem apresentado diferentes significados ao


longo do tempo e inda hoje não há consenso no meio científico e acadêmico
por uma única definição.
No âmbito internacional se observa uma multiplicidade de termos a
exemplo de “supernormal” utilizado na China, “mais capazes” ou “altamente
capazes” na Inglaterra, ‘sobredotados’ em Portugal, crianças excepcionais’ na
Indonésia, ‘alunos mais capazes’ na Austrália e ‘dotado’ (gifted) nos Estados
Unidos. (ALENCAR E FLEITH, 2001)
No Brasil, em diferentes marcos temporais foram utilizadas diferentes
terminologias. Pessoas com capacidades acima da média já receberam deno-
minações como “bem-dotados”, “super-normais”, “precoces” e “superdotados”.
Em 1924 no documento elaborado por Ulisses Pernambuco constava
o termo “bem-dotados” (NOVAES, 1979) para caracterizar crianças que apre-
sentavam um nível mais elevado de aprendizagem. Segundo Delou (2007) a
nomenclatura “super-normais” foi utilizada originalmente em 1929 por Leoni
Kaseff no documento Reformado Ensino Primário, Profissional e Normal do
Estado do Rio de Janeiro.
Nesse contexto histórico destaca-se as contribuições de Helena Antipoff
que trouxe ao Brasil discussões importantes quanto ao atendimento das pessoas
“excepcionais”, consideradas tanto as que possuíam deficiência como as que
apresentavam elevadas habilidades, fundando em 1938 a Sociedade Pestalozzi
em Belo Horizonte e promovendo a identificação e de oito crianças “super-nor-
mais”, também chamadas de “bem- dotadas” (DELOU, 2007; RANGNI, 2005).
Em documentos oficiais no âmbito da educação, o termo “excepcionais”
foi utilizado nos artigos 88 e 89 da Lei de Diretrizes e Bases de 1961, que previa a
educação de excepcionais e seu enquadramento no sistema geral de educação,
a fim de integrá-los na comunidade e tratamento especial mediante bolsas de
estudo, empréstimos e subvenções. (BRASIL, 1961).
A terminologia “superdotado” constou na Lei de Diretrizes e Bases
5.692/71, que estabelecia tratamento especial a esse público:

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


47
Art.9: Os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os
que se encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de
matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial,
de acordo com as normas fixadas pelos competentes conselhos
de educação (BRASIL,1971)

O termo superdotado utilizado no Brasil sofre influência do referencial


teórico norte americano que utiliza a nomenclatura gifted (dotação) para carac-
terizar as habilidades, capacidades e inteligência acima da média. No relatório
Marland, elaborado pelo departamento de saúde, educação e bem-estar dos
Estados Unidos em 1972, percebe-se uma compreensão da superdotação de forma
multifatorial, reflexo da teoria das inteligências múltiplas de Gardner (2010). Nesse
documento sobressaem-se 6 áreas fundamentais para definir a superdotação:

São consideradas crianças portadoras de altas habilidades as que


apresentam notável desempenho e/ou elevada potencialidade
em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados:
capacidade intelectual, aptidão acadêmica ou específica,
pensamento criador ou produtivo, capacidade de liderança, talento
especial para artes visuais, artes dramáticas e música e capacidade
psicomotora (MARLAND, 1972, p.4).

O documento supracitado influenciou as diretrizes educacionais brasileiras


para área da superdotação. A lei de diretrizes e bases da educação nacional
utiliza a nomenclatura altas habilidades ou superdotação e a inclui na moda-
lidade da Educação Especial, conforme exposto no artigo 58 da Lei 9.394/96:

Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a


modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente
na rede regular de ensino, para educandos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação (BRASIL, 1996, p. 6)

Destaca-se em 2005 a implementação dos Núcleos de Atividades para


Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S),1 nos 26 Estados brasileiros e no

1 O Núcleo de Atividades para Altas Habilidades/Superdotação (NAAHS), instituído pelo Ministério da Educação
em 2005, tem por objetivo incentivar os Estados Brasileiros a ofertarem atendimento às necessidades educacio-
nais de estudantes com altas habilidades/superdotação.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


48
Distrito Federal, oportunizando o atendimento educacional a esses alunos na
educação básica.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva (BRASIL, 2008), denomina altas habilidades ou superdotação da
seguinte maneira:

Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial


elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou
combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade
e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na
aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse
(BRASIL, 2008. p. 9).

De forma mais recente foi definida como estratégia no Plano Nacional de


Educação (PNE), Lei nº. 13.005/2014, a identificação dos estudantes com altas
habilidades/superdotação, em todas as etapas, níveis e modalidades de ensino
(BRASIL, 2014). E no ano seguinte foi instituído o cadastro nacional de alunos
com AH/SD por meio da Lei n.13.234/2015, que regulamentou a identificação,
o cadastramento e o atendimento, na educação básica e na educação superior,
de alunos com altas habilidades/superdotação (BRASIL, 2015).
A partir desse retrospecto histórico é possível afirmar que o tema das
altas habilidades/superdotação tem sido contemplado nos documentos legais
e diretrizes educacionais no Brasil. Percebe-se um avanço na compreensão
das altas habilidades/superdotação para além da mensuração do quociente
de inteligência (QI), considerando outros elementos como a criatividade, a
psicomotricidade e a liderança.

Altas habilidades/superdotação: aproximações teóricas

A Organização Mundial de Saúdes (OMS) utiliza como mecanismo de


identificação de superdotação a mensuração psicométrica de inteligência,
considerando superdotada a pessoa que possui quociente de inteligência
(QI) acima de 130.
O relatório de Marland (1972), contudo influenciou uma concepção mul-
tifatorial de superdotação envolvendo além da dimensão cognitiva, questões
psicológicas, da esfera da motricidade, das artes, da liderança e da criatividade.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


49
Contudo, ainda existem dissensos quanto às compreensões de super-
dotação, habilidades e talento. Alguns pesquisadores a exemplo de Gagné
estabelecem distinções conceituais entre superdotação e talento:

Dotação designa posse e uso de capacidades naturais notáveis


chamadas aptidões, em pelo menos um domínio de capacidade, a
um grau que coloca o indivíduo pelo menos entre 10% mais altos
no grupo de pares etários. Talento designa desempenho notável
de habilidades sistematicamente desenvolvidas, em pelo menos
um campo de atividade humana, a um grau que coloca o indivíduo
entre pelo menos os 10% mais altos no grupo de pares etários que
são ou já foram ativos naquele campo. (GAGNÉ, 2010, p.1)

No Brasil, observa-se nos documentos oficiais na área da educação o


alinhamento da concepção de superdotação à teoria de Joseph Renzulli, que
envolve em sua definição o elevado potencial em uma ou mais áreas do conhe-
cimento, a criatividade e o envolvimento com a tarefa na área de interesse.
Essas três características gerais compõe o que ficou conhecida como a teoria
dos três anéis ( RENZULLI, 2004, 2014).
Renzulli (2004) propõe dois tipos de superdotação: a do tipo acadêmico
e a do tipo criativo-produtivo. A superdotação escolar ou acadêmica carac-
teriza-se pela alta capacidade cognitiva, pela facilidade de memorização, de
captação de informações e pelo raciocínio dedutivo. Costumam ser estudantes
dedicados, com bom rendimento e que se adaptam com facilidade ao método
tradicional de ensino.
A superdotação do tipo criativo-produtiva tem por elementos centrais a
criatividade, a busca por soluções pouco convencionais, o raciocínio indutivo e o
pensamento divergente. Costumam ser aprendentes questionadores e que podem
se sentir desmotivados com a repetição de exercícios e com a rotina escolar.
Em sua teoria, Renzulli também aborda o modelo triádico de enrique-
cimento, a partir de três tipos ou etapas. O enriquecimento do tipo 1 engloba
atividades específicas para a identificação das áreas de interesses e inspirar os
estudantes por meio de desafios que possibilitem o despertar da curiosidade
em buscar conhecimento; o tipo 2 prevê atividades de pesquisa, treinamentos,
comunicação oral, escrita e visual, por meio de experimentações e métodos de

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


50
como fazer; já o tipo 3 aprofunda o tema de interesse, permitindo a criação de
produtos ou serviços e o aperfeiçoamento de habilidades (RENZULLI, 2014).
Além dos determinantes cognitivos, os aspectos emocionais, sociais e
ambientais também são considerados na teoria de Renzulli (2004, 2014) na
identificação da pessoa com AH/SD.
Nessa conjuntura teórica é possível estabelecer um diálogo com a teoria
das múltiplas inteligências referenciadas por Gardner (2010): a linguística, lógi-
co-matemática, cinestésica, musical, naturalista, visual/espacial, intrapessoal
e interpessoal. A inteligência é compreendida como uma multiplicidade de
capacidades mentais, sendo possível coexistir várias inteligências e apenas
uma ser a mais dominante, o que explica que a pessoa com altas habilidades/
superdotação pode manifestar elevado potencial em várias ou em apenas 1
área do conhecimento.
Essa compreensão é importante para superação do mito de que a pessoa
superdotada precisa ter alto desempenho em todas as áreas do saber humano,
dificultando a identificação e atendimento de pessoas com indicativo de AH/SD.

A psicopedagogia no contexto das altas habilidades/superdotação

O campo da Psicopedagogia vem se consolidando no Brasil nas últimas


décadas, contribuindo para a compreensão do processo de aprendizagem em
suas múltiplas dimensões, biológicas, psicoemocionais, ambientais e culturais,
que precisam ser consideradas para que cada discente, em sua individualidade
e estilo de aprendizagem, possa aprender em toda sua potencialidade.
Por muito tempo a atuação do psicopedagogo esteve atrelada às difi-
culdades de aprendizagem e ainda na atualidade pouco se discute e pesquisa
sobre os processos de avaliação e intervenção psicopedagógica no âmbito das
altas habilidades/superdotação.
Os mitos associados aos conceitos de superdotação, a exemplo da crença
de que os estudantes superdotados não precisam de intervenções para desen-
volverem suas habilidades, interferem de maneira negativa nesse processo.
Os discentes com altas habilidades precisam de estímulos e estratégias
de ensino que propiciem não só seu desenvolvimento cognitivo, mas também
criativo, emocional e social. A atuação psicopedagógica pode contribuir na

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


51
busca de estratégias de intervenção nos currículos, nos planejamentos e ati-
vidades pedagógicas pensadas a partir das próprias características do sujeito
aprendente, considerando seus interesses, habilidades, estilos e necessidades
de aprendizagem.
Na educação da pessoa com altas habilidades, o estímulo do pensamento
criativo e da liderança são aspectos que precisam ser oportunizados, conforme
destaca Neto (2015, p.15):

Desenvolver o talento potencial dos alunos de forma sistemática;


oferecer um currículo diferenciado, no qual os interesses, estilos de
aprendizagem e habilidades sejam prioritariamente considerados;
estimular um desempenho acadêmico de excelência por meio de
atividades enriquecedoras e significativas; promover o crescimento
auto orientado, contínuo e reflexivo por meio de atividades que
estimulem a liderança e o pensamento criativo.

A psicopedagogia por compreender o processo de aprendizagem em


sua relação com as múltiplas dimensões humanas, possibilita um olhar sobre
a pessoa com altas habilidades em todas as suas características, considerando
as necessidades individuais de cada sujeito aprendente.
Isso significa considerar que as pessoas com altas habilidades/superdota-
ção tem características peculiares que afetam seu processo de desenvolvimento,
a exemplo dos processos de assincronismo e sobre-excitabilidade.
O assincronismo é a ausência de sincronia entre a idade cronológica,
maturacional, cognitiva e emocional, evidenciando uma discrepância no desen-
volvimento em comparação aos pares da mesma idade (SILVERMAN, 2014)
A sobre-excitabilidade é um termo apontado por Dabrowski (1972) que
significa uma predisposição a apresentar forte intensidade e sensibilidade a estí-
mulos e situações. Essa condição pode acontecer na área psicomotora, sensorial,
intelectual, imaginativa e/ou emocional. Quando reside na área psicomotora
costumar manifestar agitação, inquietação, excesso de energia; na sensorial
há uma intensidade nos sentidos e vivacidade das cores, cheiros, textura, sons
e sabores; na área intelectual a sobre-excitabilidade consiste na curiosidade
intensa, análises e observações aguçadas; na imaginativa a intensidade está
na criação de histórias, poesias e inventividade; e na sobre-excitabilidade emo-
cional, como o nome já sugere, há amplitude dos sentimentos.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


52
As questões psíquicas e emocionais precisam ser consideradas na com-
preensão do sujeito aprendente com altas habilidades, pois tem impacto no seu
processo de desenvolvimento acadêmico.
Silverman, (1993, p. 3) ressalta a relação das dimensões cognitivas e
emocionais na compreensão da superdotação:

A superdotação tem uma subestrutura emocional além da sua força


cognitiva: a complexidade cognitiva dá origem à profundidade
emocional. Assim, as crianças superdotadas não apenas pensam
de maneira diferente de seus colegas, mas também se sentem de
maneira diferente. Se pensarmos em um superdotado no sentido
clássico, temos um conjunto de características e/ou aspectos que
são mais comuns

A atuação do psicopedagogo perpassa pela compreensão desses proces-


sos e orientação tanto à escola, quanto à família das necessidades pedagógicas
e emocionais desses estudantes, bem como a necessidade de enriquecimento
curricular nas áreas em que o discente manifesta maior habilidade, podendo
envolver projetos de pesquisa e extensão, mentorias, cursos extracurriculares,
monitorias e outras atividades que agreguem ao processo de aprendizagem.
Medidas de aceleração escolar também podem ser avaliadas e propostas de
acordo com as necessidades formativas do discente.
A escuta psicopedagógica é indispensável para observar e compreender
os fatores envolvidos, bem como o processo de anamnese, a entrevista com a
família, análise do ambiente, envolvendo os pais ou responsáveis, a escola e o
sujeito. (FERNANDEZ, 1991).
É importante enfatizar que os estudantes com AH/SD compõe o públi-
co-alvo da Educação Especial, tendo direito ao Atendimento Educacional
Especializado (AEE). O psicopedagogo institucional pode contribuir junto à
equipe multidisciplinar dialogando com os professores do AEE e da sala de aula
regular comum na busca das melhores estratégias de ensino e enriquecimento
curricular para cada estudante. No caso da Educação Básica, a Psicopeda-
gogia pode estar contribuindo também com as famílias, ofertando o suporte
necessário para que possam entender os processos emocionais e cognitivos
envolvidos nesse contexto e ajudar no processo de aprendizagem das crianças
e adolescentes com AH/SD.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


53
No âmbito clínico pode contribuir na avaliação da pessoa com AH/SD,
identificando o tipo de altas habilidades/superdotação, conhecendo suas áreas
de interesse, potencialidades, assincronicidades e perfil de aprendizagem. Essa
avaliação, que envolve o sujeito aprendente, a família e a instituição educativa,
subsidiará o processo de intervenção psicopedagógica. Esta pode envolver
o aprofundamento temático nas áreas de interesse, o desenvolvimento de
atividades que estimulem habilidades, a criatividade e a liderança e possíveis
lacunas de aprendizagem em outras áreas de conhecimento que não sejam de
interesse temático.
Contudo, alguns desafios permeiam esse processo: são poucos os estu-
dos e pesquisas na área da Psicopedagogia com envolve a temática das altas
habilidades/superdotação conforme demonstram as pesquisas de Alves e Sihler
(2021), sendo necessário o fomento de produções cientificas e acadêmicas que
subsidiem a formação teórico e prática do psicopedagogo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criação de estratégias para a efetivação do enriquecimento curricular


dos alunos com altas habilidades/superdotação é uma possibilidade de inter-
venção psicopedagógica que tem demonstrado resultados significativos na
evolução escolar desses alunos.
Fomentar reflexões acerca da necessidade de aprofundamento de
conhecimentos acerca das necessidades específicas de aprendizagem dos
alunos com AH/SD, ampliando os estudos e pesquisas sobre a temática é um
movimento que se faz necessário no meio acadêmico. Para tanto, os cursos de
formação em Psicopedagogia precisam contemplar em sua estrutura curricular
disciplinas na área das altas habilidades/superdotação e suas possibilidades
de intervenção tanto no âmbito clínico quanto institucional.
Esse movimento de estudos e pesquisas na área é importante para a
visibilização de um público ainda subidentificado e que precisa ter seu direito
social à educação pública e de qualidade garantido e o atendimento educacional
especializado oportunizado.
Esta pesquisa almeja somar a produção acadêmica existente, ao apon-
tar possíveis caminhos para a intervenção psicopedagógica na área das AH/

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


54
SD, contribuindo para o processo de educação inclusiva, pautada no princípio
fundamental do direito à educação para todos.

REFERÊNCIAS
ALENCAR, E. M. L. S.; FLEITH, D. S. Superdotados: determinantes, educação e ajustamento. 2. ed.
revista e ampliada. São Paulo: EPU, 2001.

ALVES, C. G. M.; SIHLER, A. P. A psicopedagogia diante do contexto das altas habilidades/superdotação.


In: Revista AMAzônica, vol XIII, n. 1, jan-jun, 2021, pág. 427-450. Disponível em: https://periodicos.ufam.
edu.br/index.php/amazonica/article/view/8332. Acesso em: 12 ago, 2023.

BOSSA, Nádia. Dificuldades de Aprendizagem: o que são e como tratá-las. Porto Alegre: ARTMED, 2000.

BRASIL. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil. Brasilia, DF. Disponível em: wwwp.fc.unesp.br/~lizanata/
LDB%204024-61.pdf.Acesso em: 13 ago, 2022.

BRASIL. Diretrizes e Bases para o Ensino de 1º e 2º graus. Poder Executivo. Lei nº 5.692, de 11 de
agosto de 1971. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 12 de agosto de 1971.
Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Leis/L5692.htm> Acesso em: 13 ago, 2022.

BRASIL. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1996. Disponível em: http://
portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf. Acesso em: ago. 2022.

BRASIL. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da


Educação Inclusiva. Brasília, DF, 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=16690- politica-nacional-de-educacao-especial-na-perspectiva-da-
educacao-inclusiva- 05122014&Itemid=30192. Acesso em: 3 ago. 2022.

BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá
outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 26 jun. 2014. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em: 13 abr. 2022.

BRASIL. Lei nº 13.234, de 29 de dezembro de 2015. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor sobre a identificação, o cadastramento
e o atendimento, na educação básica e na educação superior, de alunos com altas habilidades ou
superdotação. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 30 dez. 2015. Disponível em: https://bityli.
com/UKIn4. Acesso em: 22 mai. 2022.

DABROWSKI, K. Psychoneurosis is not an illness: neuroses and psychoneuroses from the perspective
of positive disintegration. London: Gryf, 1972.

DELOU, C. M. C. Educação do aluno com altas habilidades/superdotação: legislação e políticas


educacionais para a inclusão. Brasília, DF, 2007.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


55
DELPRETTO, Bárbara Martins de Lima; ZARDO, SinaraPollom. Aluno com Altas Habilidades/
Superdotação no contexto da educação inclusiva. In: DELPRETTO, Bárbara Martins de Lima; GIFFONI,
Francinete Alves; ZARDO, SinaraPollom. Altas habilidades/superdotação. Brasília, DF: MEC, Secretaria
de Educação Especial; Fortaleza, CE: Universidade Federal do Ceará, Coleção: A educação especial
na perspectiva da inclusão escolar: Altas Habilidades/Superdotação, 2010

FERMINO, Fernandes Sisto; BORUCHOVITH, Evely; DIEHL, Tolaine Lucila Fin. Dificuldades de
aprendizagem no contexto psicopedagógico. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

FERNÁNDEZ, Alicia. A Inteligência Aprisionada: abordagem Psicopedagógica clínica da criança e


sua família. Porto Alegre: Artmed, 1991.

GAGNÉ, F. Construindo talento a partir da dotação. Breve visão do DMGT2.0. In: Anais VII Encontro
Internacional de Educadores do CEDET/Aspat: caminhos para desenvolver potencial e talento, 17 e
18 de setembro de 2010, Poços de Caldas, Minas Gerais. p. 8. Disponível em: https://docplayer.com.
br/38365523-Construindo-o-talento-a-partir-da-dotacao-breve-visao-do-dmgt-2-0.html. Acesso
em 21.09.2023.

GARDNER, H. et al. Inteligências múltiplas ao redor do mundo. Porto Alegre: Artmed, 2010.

MARLAND, S. P. Education of the gifted and talented: Report to the Congress of the United States
by the U.S. Commissioner of Education. Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 1972.

NETO, M. R. R. S. Intervenção Psicopedagógica para pessoas com Altas Habilidades e Superdotação.


II Congresso de Psicopedagogia Popular do Brasil. São Luis, MA. 2015.

NOVAES, M. H. Desenvolvimento psicológico do superdotado. São Paulo: Atlas, 1979.

RANGNI, R. A. O atendimento às pessoas com altas habilidades no estado de São Paulo. Dissertação
(Mestrado em Educação)–Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Cidade de São
Paulo, São Paulo, 2005.

RENZULLI, J. S. O que é esta coisa chamada superdotação e como a desenvolvemos? Uma retrospectiva
de vinte e cinco anos. Educação, v.27, n.52, p.75-131, 2004.

RENZULLI, J. S. Modelo de enriquecimento curricular para toda a escola: um plano abrangente para
o desenvolvimento de talentos e superdotação. In: Revista Educação Especial, v. 27, n.50, p. 539-562,
dez. 2014.

SILVERMAN, L. K. A developmental model for counseling the gifted. In: L. K. Silverman (Ed.), Counseling
the gifted and talented. Denver: Love, p. 51-78, 1993.

SILVERMAN, Linda Kreger . What is Giftedness?. The Boulder Parent, p. 13-14,jul. 2014. Disponível
em: <http://www.gifteddevelopment.com/sites/default/files/What%20is%20Giftedness. pdf>. Acesso
em: 17 jul. 2022.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


56
04

AVALIAÇÃO DE PRODUTO EDUCACIONAL


MATEMÁTICO: UM ESTUDO META-
AVALIATIVO FUNDAMENTADO EM
CRITÉRIOS FUNDAMENTAIS

Lucí Hildenbrand
Faculdade Cesgranrio (FACESG)

Renato Miguel de Moraes


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

' 10.37885/231114956
RESUMO

Objetivo: O estudo meta-avaliou a “Avaliação de um produto educacional sob a


perspectiva dos professores que ensinam Matemática”, realizada durante a Oficina
de Capacitação para o Uso do Geogebra, e considerou critérios fundamentais
de Davidson (2005), excetuando-se Custos. Técnicas analíticas viabilizaram
a apropriação dos dados qualitativos. Dentre os resultados, evidenciaram-se
a(o): coerência entre os achados e o levantamento bibliográfico; encadeamento
lógico entre o desenvolvimento do estudo e as conclusões; convergência entre
a temática e o interesse do público-alvo; e cumprimento de padrões normativos,
éticos, profissionais e culturais. Com isso, esta meta-avaliação, somativa, ex post
fato e externa, concluiu pelo atendimento dos quatro critérios considerados.

Palavras-chave: Meta-Avaliação, Ensino de Matemática, Tecnologias


Educacionais Digitais, Critérios Fundamentais, Geogebra.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


58
TECNOLOGIAS EM EDUCAÇÃO: INOVAÇÕES À VISTA

Crianças, jovens e adultos vêm passando mais e mais tempo expostas


às tecnologias digitais. Esse comportamento vem modificando as suas formas
de pensar, agir, se relacionar (DAVIS; MEYER, 1999) e, também, impactando
diretamente as instituições sociais, onde se incluem as escolas, que precisam
acompanhar e se adaptar às mudanças (LEVY; COSTA, 2004). É certo que
essas tecnologias podem ser úteis ao ensino e à aprendizagem, se seleciona-
das e utilizadas adequadamente, o que requer, em grande parte, a aquisição
de competências específicas por parte dos professores. Diante desse cenário,
a formação continuada de professores, para a apropriação das tecnologias
educacionais digitais (TEDs), ganha relevância, requerendo atenção do Estado
para implementar políticas educacionais consoantes às necessidades.
Assim, torna-se fundamental a escola alinhar o uso das TEDs à situa-
ções de ensino-aprendizagem pautadas nos princípios da aprendizagem ativa,
significativa e autônoma (FREIRE, 2011), tendo em vista facilitar apropriações
no âmbito escolar e na vida cotidiana. Essa nova relação com a informação e
o conhecimento é uma necessidade imposta pela sociedade contemporânea,
onde a tecnologia se faz cada vez mais presente e influencia diretamente a forma
pela qual as pessoas aprendem e interagem com o mundo. Portanto, a utilização
crítico-reflexiva das TEDs se torna indispensável para garantir uma educação de
qualidade que prepare estudantes para exigências atuais e futuras do mundo.
A eterna busca pela melhoria do ensino e da aprendizagem, em especial
no campo da Matemática, tem atraído o olhar avaliativo de estudos referentes
às diversas ferramentas digitais, a exemplo do Geogebra (HOHENWARTER,
2023) - plataforma que objetiva apoiar processos didático-pedagógicos em
Matemática dentro ou fora da sala de aula. Dentre as características desta TED,
destacam-se: disponibilidade em vários sistemas operacionais, englobando tanto
computadores quanto smartphones; disponibilidade de versão portátil, permi-
tindo execução sem instalação prévia; extensibilidade, viabilizando criação de
materiais didáticos a partir da própria ferramenta (PEREIRA, VICTER; FREITAS,
2017). A sua relevância é evidenciada em diversos estudos que almejam contri-
buir para a inovação das práticas pedagógicas em Matemática. Dois estudos
ilustram essa realidade: de um lado, Barbosa et al. (2021); de outro, Tenório,

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


59
Costa e Tenório (2014). A partir do primeiro, pretende-se utilizar o Geogebra
para propor abordagens investigativas aplicadas à Trigonometria; e do segundo,
analisar diferenças na aprendizagem de funções polinomiais do primeiro grau,
confrontando situações de ensino tradicional e com o uso do software.
Considerando o exposto, destaca-se a importância de conhecer a qua-
lidade desses estudos, ferramentas e experiências porque, sendo inovadores,
podem cooperar tanto para o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem
em Matemática, quanto motivar construções colaborativas entre discentes e
docentes. Dessa forma, talvez, seja possível romper com crenças limitadoras,
como a que difunde que estudar Matemática é difícil; com conceitos distorcidos,
a exemplo de que é impossível aprendê-la; e centrada ainda no ensino livresco
e memorístico, que tende a engessar mentes e distanciar alunos.
De acordo com esses entendimentos, acerca da importância da inova-
ção em Educação, o presente estudo meta-avaliou o artigo de Pereira, Victer e
Freitas (2017), que apresenta a avaliação da qualidade de produto educacional,
desenvolvido a partir do Geogebra e destinado a professores de Matemática
do ensino médio.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A fundamentação teórica deste estudo não resulta da busca avançada de


autores que, historicamente, tenham se dedicado ao estabelecimento de critérios
norteadores para (meta-)avaliações. Ao contrário, centra-se na contribuição
particular de Davidson - pesquisadora de notório reconhecimento por seus
estudos, experiências e contribuições na área da Avaliação, que, debruçando
sobre bases teóricas consagradas da especialidade - os padrões internacionais
de avaliação, estabelecidos pelo Joint Committee on Standards for Educational
Evaluation (2011), e a lista-chave de verificação da avaliação de Scriven (2003)
-, elaborou proposta, misto de sínteses e reflexões, voltada para a realização
de meta-avaliações, visando conhecer o mérito ou a qualidade intrínseca de
avaliações (ELLIOT, 2011). Os cinco critérios fundamentais de Davidson (2005)
são dispostos a seguir, acrescidos de suas caracterizações.
Validade. Associa as conclusões às justificativas do estudo, reque-
rendo, portanto, identificação das fontes de dados e das associações que as

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


60
conectaram aos valores atribuídos ao ato de julgar. Pressupõe questionar se
foi(foram): formuladas as questões devidas; dimensionada adequadamente a
avaliação; procedidas às inclusões e exclusões pertinentes. Este critério incide
sobre: a) cobertura abrangente do processo, resultado e custos (não conside-
rados no estudo); b) levantamento extensivo das fontes relevantes de valor;
c) desconsideração de critérios irrelevantes ou ilícitos; d) inclusão de análises
quantitativas e qualitativas, quando procedentes; e) esclarecimentos acerca
da interpretação dos dados; f) explicitação da procedência das conclusões; g)
formulação de recomendações válidas e factíveis, embasadas em resultados e
conclusões do estudo.
Utilidade. Relaciona-se ao valor atribuído à avaliação e aos seus resul-
tados, por parte dos stakeholders e demais interessados, viabilizando respostas
relevantes para as questões e tomadas de decisão, em relação ao avaliando.
Para o alcance do critério, recomenda-se que a avaliação e os seus resulta-
dos: sejam relevantes e interessantes para o contexto avaliativo e o público
envolvido; estejam disponíveis para consulta e tomadas de decisão em tempo
oportuno; utilizem linguagem, mídia e/ou canais adequados, objetivando a
efetiva comunicação.
Conduta. Refere-se ao cumprimento de padrões legais, éticos, profis-
sionais, de adequação cultural e de não impedimento ao processo avaliativo;
relaciona-se à (a, as, ao, aos): legislação e/ou normas aplicáveis ao estudo;
padrões profissionais acerca da atuação dos avaliadores; não exposição dos
participantes a quaisquer situações arriscadas ou perigosas; consentimento dos
stakeholders quanto à sua participação; confidencialidade dos dados fornecidos;
respeito às questões culturais relativas ao contexto da avaliação; incentivo à
participação no processo avaliativo.
Credibilidade. Resulta da atribuição de fiabilidade à avaliação e aos
seus resultados (e a consequente aceitação) pelos interessados, considerando
a responsabilização do estudo e a aprendizagem interna. Assim, pressupõe
que o avaliador possua: a) familiaridade com o contexto avaliativo; b) indepen-
dência, imparcialidade e/ou inexistência de conflitos de interesse ao longo da
avaliação; e c) domínio de competências e habilidades avaliativas e do conhe-
cimento do avaliando.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


61
METODOLOGIA META-AVALIATIVA

A presente meta-avaliação considerou quatro Critérios Fundamentais de


Davidson (2005) - Validade, Utilidade, Conduta e Credibilidade – também expres-
sos em texto clássico sobre meta-avaliação elaborado por Elliot (2011). O critério
Custos foi desconsiderado porque não foram encontrados dados suficientes no
estudo avaliativo para subsidiar a sua análise.
A caracterização de cada um dos critérios selecionados constituiu-se
condição sine qua non para orientar o julgamento do avaliando em relação à
metodologia escolhida. A consistência e a precisão das ideias atinentes a cada
critério avaliativo foi buscada individualmente por cada autor, confrontando os
teores dos textos originais de Elliot (2011) e de Davidson (2005), cabendo, nesse
caso, a tradução para a língua portuguesa. O consenso dos autores quanto à
caracterização de cada um dos quatro critérios avaliativos consta da seção
Fundamentação Teórica.
Metodologicamente, cada um dos critérios considerados correspondeu
a uma categoria avaliativa, que abarcou indicadores, nem sempre explicitados
por Elliot (2011) ou por Davidson (2005), mas representados na forma de itens ou
questões abertas. Sendo assim, a meta-avaliação foi orientada pelo conjunto das
questões formuladas por ambos os textos originais, dispensando a construção de
instrumento avaliativo e a validação de conteúdo dos itens. Durante o processo
meta-avaliativo, os dados coletados, de natureza qualitativa, foram submetidos
às análises textual, temática e interpretativa, apresentadas por Severino (2017).
A meta-avaliação foi classificada como somativa e ex post fato porque
centrou-se em informações avaliativas construídas ao fim do processo, e externa,
por ter sido conduzida por profissionais alheios a ele. Por ser uma avaliação da
avaliação, justifica-se a descrição do objeto e do contexto avaliativos.
Quanto ao objeto, trata-se do artigo que avaliou produto educacional,
concebido a partir do Geogebra, para uso em aulas de Matemática (PEREIRA;
VICTER; FREITAS, 2017), e decorrente de dissertação de Mestrado do Programa
de Pós-Graduação no Ensino das Ciências na Educação Básica, da Universidade
do Grande Rio. No que tange ao contexto, o estudo avaliativo foi realizado durante
três oficinas, que aconteceram no laboratório de informática da Universidade,

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


62
possibilitando a livre interação dos participantes com a tecnologia, realização
de debates sobre descobertas e possíveis melhorias.
Os participantes das oficinas foram selecionados de modo a formar um
grupo o mais heterogêneo possível, sendo considerados como critérios os seus
perfis profissionais e as suas experiências em Matemática e Educação. Dessa
forma, dentre os 19 indivíduos que participaram do estudo havia 13 licenciandos,
dois especialistas no Ensino da Matemática, três mestrandos no Ensino das
Ciências na Educação Básica e uma bacharela em Engenharia de Produção.
Deles, 13 possuíam experiência de magistério entre dois meses a um ano, e três
outros, entre três e 20 anos. Um questionário foi aplicado junto a esse público
para obter informações acerca do produto, como a sua utilidade em sala de
aula, as suas potencialidades, as dificuldades encontradas na sua utilização e
as sugestões de aperfeiçoamento.
O estudo expôs os seus resultados por meio de oito quadros, onde cada
um aborda um núcleo temático e expõe os relatos dos participantes. A síntese
descritiva desses achados é apresentada a seguir:

1. Quanto ao uso da tecnologia em sala de aula. Embora identificada


a preocupação dos professores em relação à qualidade do ensino mi-
nistrado, houve concordância acerca da contribuição da tecnologia
para ampliação do dinamismo das aulas e das possibilidades de ex-
ploração conceitual em Matemática.

2. Quanto às necessidades para inclusão de recursos tecnológicos


computacionais na prática profissional. Este tópico foi alvo da pre-
ocupação de 10 participantes, que enfatizaram a importância da for-
mação profissional, do planejamento para a introdução do produto
educacional em atividades didáticas, do acesso e apoio institucional
para o uso crítico de TEDs em sala de aula.

3. Quanto ao contato inicial com o software Geogebra. Oito partici-


pantes informaram que a ferramenta apresenta facilidade de uso e
de exposição de abstrações, dinamicidade e interatividade durante
a apresentação de definições e conceitos matemáticos. Após a ex-
periência, destacaram que a ferramenta é capaz de contribuir para a
aprendizagem.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


63
4. Quanto à utilização do produto educacional nas aulas de Mate-
mática. Dezoito participantes manifestaram vontade de empregar, em
sala de aula, o produto educacional, visando promover conteúdos ma-
temáticos e auxiliar a aprendizagem.

5. Quanto às potencialidades do produto educacional. Os partici-


pantes destacaram que o produto dispensa instalações de softwares
extras, facilita o acesso de professores de Matemática e oportuniza
atividades comunicacionais interativas.

6. Quanto às dificuldades na exploração do produto educacional.


Embora os participantes tenham encontrado dificuldades na utiliza-
ção do Geogebra, que atribuem serem superáveis com o tempo, ad-
mitem ser o produto de fácil uso.

7. Quanto à clareza dos conteúdos do produto educacional. Os atri-


butos relacionados unanimemente ao produto foram clareza, simpli-
cidade, ordem da linguagem, compreensibilidade textual e fácil trans-
missibilidade de conteúdos.

8. Sugestões a respeito do produto educacional. Dez participantes re-


lacionaram sugestões de melhorias ao produto educacional: aumento
da diversidade e da quantidade de conteúdos, classificação dos con-
teúdos por ano de escolaridade e elaboração de guia para facilitar o
uso do Geogebra, permitindo o desenvolvimento de materiais didáti-
cos próprios.

Nas conclusões, os autores destacam que, embora identificados possí-


veis obstáculos ao seu uso, o produto educacional foi avaliado positivamente
pelos participantes. As 12 atividades pedagógicas disponibilizadas pelo produto
foram consideradas como bons exemplos de exploração das TEDs, podendo
ser extensíveis a outras situações didáticas em Matemática.
Por fim, o estudo de Pereira, Victer e Freitas (2017) expõe a avaliação do
produto educacional, revelando-o como ferramenta pedagógica que permite
aos docentes explorar potencialidades de TEDs em Matemática e, ainda, expe-
rimentar o seu uso crítico.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


64
APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS

Os resultados da meta-avaliação encontram-se organizados segundo os


quatro critérios considerados; são produto das análises de conteúdo realizadas
sobre os dados que se manifestaram como respostas aos itens privilegiados
pelo processo meta-avaliativo.
Validade. A abordagem deste critério priorizou aspectos destacados por
Davidson (2005) e, também, comuns à Lista Chave de Verificação da Avaliação
de Scriven e aos padrões de avaliação do Joint Committee on Standards for
Educational Evaluation (2011). Relativo às fontes relevantes de valor, o estudo
meta-avaliado conferiu grande importância à literatura dedicada à utilização
de plataformas de ensino, conteúdos educacionais digitais e tecnologias edu-
cacionais dentro da sala de aula, especialmente àquelas voltadas para o ensino
da Matemática. Ainda referente ao aspecto, o estudo cotejou os achados nas
oficinas de capacitação de professores e licenciandos, com os conhecimentos
propagados pelas referidas literaturas.
No que tange à compreensibilidade do processo e dos resultados ava-
liativos, as descrições das partes do estudo propiciam informações claras e
objetivas sobre tudo o que foi concebido e implementado pelos responsáveis
pela avaliação. O encadeamento das etapas do processo não revelou qualquer
lapso lógico, contribuindo, assim, para a construção da conclusão formulada.
Para abordar a (ir)relevância e a (i)licitude dos critérios avaliativos,
considerados pela avaliação, buscou-se identificar quais deles subsidiaram o
estudo. A leitura e análise dos títulos dos oito quadros, propostos por Pereira,
Victer e Freitas (2017), permitiram identificar que os critérios correspondem aos
seus núcleos temáticos, a saber:

uso da tecnologia, inclusão de recursos tecnológicos computacionais


na prática profissional, interação do professor(ando) com o
software Geogebra, utilização do produto educacional no ensino de
Matemática, potencialidades do produto educacional, dificuldades
da exploração do produto educacional, clareza dos conteúdos do
produto educacional, sugestões a respeito do produto educacional
(MORAES; HILDENBRAND, 2022, p. 9).

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


65
Dessa forma, ao conhecer os critérios avaliativos, os meta-avaliadores
puderam opinar acerca de sua pertinência, adequação e suficiência. O primeiro
foi positivamente avaliado porque inclui aspectos concernentes ao tema do
estudo; quanto ao segundo, adequação, também obteve avaliação favorável
porque os aspectos privilegiados pela avaliação mostraram-se consoantes com
o conteúdo temático; no que diz respeito ao terceiro, porque a amplitude do
conjunto dos aspectos focalizados remeteu a questões centrais da avaliação.
Adotou-se metodologia qualitativa para a análise dos dados coletados
porque todos derivaram de questões abertas ou de declarações. Referente à
propriedade da(s) técnica(s) utilizada(s), considera-se que, embora não iden-
tificada(s) a(s) sua(s) enunciação(ões), cumpriu(ram) o esperado, revelando
elementos bastantes e consistentes para a plena compreensão dos achados
do estudo avaliativo.
Os dois últimos aspectos apreciados foram plenamente atendidos, favore-
cendo a Validade do estudo. A primeira, a procedência das conclusões, porque
comunicaram densamente as análises decorrentes dos dados derivados das
questões do estudo; e a segunda, a pertinência das recomendações, porque se
mostraram alinhadas com o desenvolvimento da própria avaliação.
Utilidade. Diretamente associada ao quanto os resultados da avaliação
interessam a determinado(s) grupo(s), no estudo meta-avaliado, a Utilidade
se evidenciou tanto junto àqueles que propuseram o produto educacional
quanto àqueles que o avaliaram. Para os primeiros, os resultados da avaliação
favoreceram o acesso a informações relativas ao ensino da Matemática, que
emergiram a partir das reflexões construídas em torno dos critérios considerados
e respectivos núcleos temáticos. Para os segundos, os seus engajamentos nas
atividades das oficinas, “oportunizaram-lhes [também] a capacidade de aprender
a avaliar, que foi praticada durante o processo avaliativo” (ELLIOT, 2011, p. 948).
Observa-se, ainda, que a avaliação e os seus resultados apresentaram-se
relevantes para os seus desenvolvedores, porque as contribuições concretas de
especialistas e potenciais usuários são informações resultantes do estudo, que
permitem realizar ajustes no produto educacional. De outro lado, para o grupo
de participantes das oficinas, e também avaliadores do produto, a relevância
dos resultados está diretamente associada à sua (futura) aplicação no contexto
das práticas pedagógicas.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


66
Por fim, os quesitos relativos à disponibilidade dos resultados também
foram cuidadosamente observados pelos desenvolvedores do produto educa-
cional, favorecendo aos envolvidos e a outros interessados o acesso a todas
as informações cabíveis, o que, dentre outras possibilidades, viabiliza algumas
tomadas de decisões. Ainda no que tange ao critério, cabe registrar que os
usos da linguagem escrita e da mídia digital caracterizaram-se como escolhas
adequadas, contribuindo significativamente para alcançar o público-alvo e se
fazer compreender junto a ele, concorrendo para a Utilidade do estudo.
Conduta. O critério da Conduta abarca diversos padrões de variadas
naturezas: legais ou normativos, éticos, profissionais e culturais. Em relação às
questões associadas aos padrões legais ou normativos, houve o atendimento
a duas normativas do Programa de Pós-graduação no Ensino das Ciências na
Educação Básica (UNIGRANRIO, 2021), interna à Universidade:

A primeira requereu a proposição de atividade de extensão, objetivando


a divulgação do produto educacional desenvolvido, realizada a
partir das oficinas ofertadas aos professores e professorandos de
Matemática. A segunda, disse respeito à elaboração, submissão e
publicação de artigo acadêmico, relacionado ao tema da dissertação
desenvolvida, em revista científica, o que se deu quando o artigo
meta-avaliado foi encaminhado e aprovado para publicação na
Revista Conhecimento Online, da Universidade FeeValle, em
dezembro de 2016 (MORAES; HILDENBRAND, 2022, p. 10).

Identificou-se também o atendimento do estudo avaliativo a padrões


éticos, considerando: os cuidados tomados para favorecer a divulgação e
a realização das oficinas, a seleção dos participantes; o resguardo de suas
identidades e dos dados por eles fornecidos. Em relação ao primeiro aspecto,
foram priorizados: “professores que atuam ou já atuaram em escolas públicas
[...] e em escolas privadas” (PEREIRA; VICTER; FREITAS, 2017, p. 27). Quanto
ao segundo, embora o estudo não tenha caracterizado as oficinas como ativi-
dades de extensão, elas o são inegavelmente e, como tal, precisam estar em
conformidade com as diretrizes normativas institucionais para as ações desta
natureza. No que tange ao terceiro aspecto, o texto meta-avaliado relacionou os
nomes dos participantes a letras de A a S durante a divulgação dos resultados,
substituindo e protegendo as suas identidades.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


67
Credibilidade. No que tange à credibilidade, os cinco princípios orien-
tadores relativos ao desempenho dos avaliadores (AMERICAN EVALUATION
ASSOCIATION, 2019) foram atendidos, pois, conforme Moraes e Hildenbrand
(2022, p. 10), a avaliação: a) realizou inquéritos sistemáticos que permitiram o
acesso a conhecimentos e dados relevantes sobre o objeto de estudo; b) foi
conduzida por profissionais que prestaram serviços qualificados dos pontos de
vista técnico e político; c) foi encaminhada de forma reta e íntegra, conforme
denuncia a leitura profunda do texto analisado; d) demonstrou respeito pelas
pessoas, resguardando as suas autoestimas na medida em que reforçou e
valorizou os conhecimentos e as habilidades matemáticas e tecnológicas; e e)
promoveu o bem-estar geral e público, agregando às suas vidas profissionais
novas oportunidades de atualização/educação continuada.
Adicionalmente, houve atendimento ao padrão cultural da Universidade,
quando os desenvolvedores do estudo avaliativo dispuseram-se a mobilizar e a
envolver potenciais interessados no estudo. Outro aspecto relativo ao critério
da credibilidade, e afeto à aceitação dos resultados e das fontes da avaliação,
também foi satisfeito pelo estudo meta-avaliado, quando os autores, a partir do
próprio trabalho, evidenciaram que suas formações e vivências acadêmicas são
bastante para garantir-lhes familiaridade e domínio do tema e contexto, além de
condições para conduzir do processo avaliativo com autonomia e imparcialidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A avaliação conduzida por Pereira, Victer e Freitas (2017) atende aos


critérios fundamentais de Davidson (2005). No que tange à Validade, porque
as fontes de valor mostraram-se críveis e pertinentes à construção da funda-
mentação teórica do estudo, além de oportunas à abordagem das realidades
acadêmico-profissional dos interessados. A clareza e consistência da descrição
do processo avaliativo, também, concorreram para a apropriação integral do
avaliando, facilitando o seu julgamento perante os critérios adotados. De igual
modo, a integração harmoniosa entre os elementos estruturais do estudo conferiu
coerência e unidade à avaliação e aos produtos educacionais desenvolvidos,
além de Utilidade, pois os resultados da avaliação mostraram-se relevantes

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


68
para os envolvidos, tendo em vista os seus interesses e as expectativas de uso
das TEDs nas aulas de Matemática. A disponibilização do artigo, em ambiente
virtual, também reitera o atendimento ao critério, quando publiciza a informação
acadêmica junto aos envolvidos e demais interessados. Por seu lado, também,
o critério Credibilidade é igualmente atendido porque as titulações e experiên-
cias acadêmico-profissionais dos autores os associam à temática da avaliação,
evidenciando suas familiaridades com o assunto e, consequentemente, com
competências capazes de qualificar o processo avaliativo; Em relação à Conduta,
porque padrões legais ou normativos, éticos, profissionais e culturais foram
preservados durante o processo avaliativo, onde se incluem também diretrizes
da Instituição formadora, ficando evidenciado o atendimento da avaliação ao
critério em pauta.

REFERÊNCIAS
AMERICAN EVALUATION ASSOCIATION. Guiding principles. Washington, 2019. Disponível em:
https://www.eval.org/About/Guiding-Principles. Acesso em: 18 nov. 2023.

BARBOSA, M. R. et al. Proposta Investigativa para o Estudo das Relações Trigonométricas Utilizando
o Software Geogebra. Revista Instituto GeoGebra Internacional do Rio Grande do Norte, Mossoró:
UFERSA, v. 2, n. 1, p. 1–16, 22 jul. 2021. DOI: https://doi.org/10.21708/ISSN24478318.v2.n1.id10723.2021.
Disponível em: https://periodicos.ufersa.edu.br/rigirn/article/view/10723. Acesso em: 7 nov. 2023.

DAVIS, Stanley M.; MEYER, Christopher. Blur: the speed of change in the connected economy. Warner
Books ed. New York, NY: Warner Books, 1999.

DAVIDSON, E. J. Evaluation methodology basics. Thousands Oaks, CA: Sage, 2005.

ELLIOT, Ligia Gomes. Meta-avaliação: das abordagens às possibilidades de aplicação. Ensaio: Avaliação
e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 941-964, out./dez. 2011. https://doi.
org/10.1590/S0104-40362011000500011.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz
e Terra, 2011. Acesso em: 18 nov. 2023.

HOHENWARTER, Markus. Geogebra. c2022. Disponível em: http://www.geogebra.org. Acesso em:


18 nov. 2023.

JOINT COMMITTEE ON STANDARDS FOR EDUCATIONAL EVALUATION. The program evaluation


standards: a guide for evaluators and evaluation users. 3rd. ed. Thousands Oaks, CA: Sage, 2011.

LEVY, Pierre; COSTA, Carlos Irineu da. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na
era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 2004.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


69
MORAES, Renato; HILDENBRAND, Lucí. Avaliação de Produto Educacional Matemático: um olhar
meta-avaliador amparado em critérios fundamentais. Anais do CIET:CIESUD:2022, São Carlos, set.
2022. ISSN 2316-8722. Disponível em: https://cietenped.ufscar.br/submissao/index.php/2022/article/
view/2078/1603. Acesso em: 5 nov. 2023.

PEREIRA, Renan Marques; VICTER, Eline das Flores; FREITAS, Adriano Vargas. Avaliação de
um produto educacional sob a perspectiva dos professores que ensinam matemática. Revista
Conhecimento Online, v. 1, p. 24–35, 2017. Disponível em: https://periodicos.feevale.br/seer/index.
php/revistaconhecimentoonline/article/view/455. Acesso em: 3 nov. 2023.

SCHUHMACHER, Vera Rejane Niedersberg. Limitações da prática docente no uso das tecnologias
da informação e comunicação. Orientador: José de Pinho Alves Filho. 2014. 346 f. Tese (Doutorado
em Educação Científica e Tecnológica) - Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e
Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina, 2014. Disponível em: https://repositorio.ufsc.
br/bitstream/handle/123456789/129032/332127.pdf. Acesso em: 9 nov. 2023.

SCRIVEN, M. Evaluation thesaurus. 4th. ed. Newbury Park, CA: Sage, 1991.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 24 ed. São Paulo: CORTEZ
EDITORA, 2017.

SILVA, J. DE S.; SILVA, E.; ALBUQUERQUE, C. H. DE. Alfabetização Digital para Professores da
Educação Básica: Um Relato de Experiência. Anais do XXII Workshop de Informática na Escola
(WIE 2016). Anais [...] In: WORKSHOP DE INFORMÁTICA NA ESCOLA. Brasil: Sociedade Brasileira
de Computação - SBC, 24 out. 2016. Disponível em: https://sol.sbc.org.br/index.php/wie/article/
view/16483. Acesso em: 9 nov. 2023.

TENÓRIO, André; COSTA, Zélia de Souza Santos; TENÓRIO, Thaís. Resolução de exercícios e problemas
de função polinomial do 1º grau com e sem o Geogebra. Revista do Instituto Geogebra Internacional
de São Paulo, São Paulo, v. 3, n. 2, p. 104–119, 2014. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.
php/IGISP/article/view/21771/16108. Acesso em: 18 abr. 2022.

UNIGRANRIO. Regulamento interno do programa de pós-graduação stricto sensu em ensino das


ciências. Rio de Janeiro, set. 2021 Disponível em: https://3960387.fs1.hubspotusercontent-na1.net/
hubfs/3960387/REGULAMENTO_PPGEC.pdf. Acesso em: 25 out. 2023.

WORTHEN, B. R.; SANDERS, J. R.; FITZPATRICK, J. L. Avaliação de programas: concepções e práticas.


São Paulo: Ed. Gente, 2004.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


70
05

EDUCAÇÃO DO CAMPO NA FRONTEIRA


ENTRE BRASIL E URUGUAI: O DILEMA DE
CRIANÇAS BRASILEIRAS QUE
ATRAVESSAM A FRONTEIRA PARA
ESTUDAR NO URUGUAI

Marcia Lorena Rodrigues Vieira


Universidade Federal do Pampa (Unipampa)

José Guilherme Franco Gonzaga


Universidade Federal do Pampa (Unipampa)

Altacir Bunde
Universidade Federal do Pampa (Unipampa)

' 10.37885/231215271
RESUMO

O trabalho a seguir trata-se de uma pesquisa qualitativa feita para se obter um


conhecimento mais aprofundado sobre as consequências positivas e negativas
que o uso de dois idiomas em uma escola do campo da fronteira pode gerar
na aprendizagem. As consequências muitas vezes não são pelo uso em si dos
dois idiomas, mas pela forma com que é trabalhada e de como o professor na
sala de aula encara essa situação. Para a elaboração da presente pesquisa, foi
realizado uma pesquisa em artigos e reportagens semelhantes ao assunto. E, a
partir dos resultados, presume-se que contribua para que esse tema esteja mais
presente nas licenciaturas, principalmente na do Curso de Educação do Campo
e nas escolas, com uma maior ênfase da direção em diálogo com a comunidade
escolar, para que todos naquele meio saibam e busquem formas de lidar com
essa questão sem prejudicar a aprendizagem e que o convívio escolar seja
saudável e enriquecedor.

Palavras-chave: Idiomas, Escolas do Campo, Escolas da Fronteira, Aprendizagem.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


72
INTRODUÇÃO

O tema da pesquisa surgiu a partir das observações feitas nas escolas


do campo da fronteira do Brasil com o Uruguai em visita de campo realizada
no dia 23 de abril de 2023, onde a mistura do idioma português e espanhol é
comum, pois brasileiros estudam nas escolas uruguaias e vice-versa.
Neste sentido, entendesse que se faz necessário aprofundar o tema,
analisar as questões sobre o uso das duas línguas dentro da sala de aula e,
principalmente, as consequências positivas e negativas que isso pode gerar na
aprendizagem desde o início da vida letiva na pré-escola até a vida adulta pós
ensino médio ou após sair da escola, coisa que é comum no campo.
O Brasil compartilha 320 km de “fronteira seca” com o Uruguaia abran-
gendo 11 municípios do estado do Rio Grande do Sul (RS). São eles: Chui, Santa
Vitória do Palmar, Jaguarão, Erval, Aceguá, Dom Pedrito, Santana do Livramento,
Quaraí, Uruguaiana e Barra do Quaraí (PUCCI, 2010). Tau Golin (2002), diz que
a fronteira entre os dois países é uma construção social construída ao longo
do tempo, que vão além de noções jurídicas.
No que se refere a presença de escolas do campo na fronteira entre Brasil
e Uruguai pode ter tanto aspectos positivos quanto negativos para os alunos
fronteiriços. Por um lado, a presença dessas escolas pode proporcionar um
ambiente educacional mais próximo das realidades locais dos/das estudantes,
com uma abordagem pedagógica mais voltada para as necessidades da comu-
nidade em que vivem. Isso pode contribuir para um ensino mais contextualizado
e significativo para os estudantes, além de fortalecer a identidade local e o
sentimento de pertencimento à região.
Por outro lado, a ausência ou falta de qualidade dessas escolas pode resul-
tar em desvantagens para os/as estudantes, como a falta de acesso a um ensino
de qualidade e a uma formação adequada a sua realidade. Além disso, a falta
de investimentos em infraestrutura e recursos educacionais pode comprometer
a qualidade do ensino e a formação dos estudantes, afetando negativamente
o seu desenvolvimento educacional e profissional. A falta de escolas também
pode contribuir para o êxodo rural, levando as famílias a se deslocarem para
áreas urbanas em busca de melhores oportunidades de emprego e de educação

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


73
para seus filhos. Isso pode gerar um desequilíbrio demográfico na região, com
o envelhecimento da população e a diminuição da mão de obra no campo.
Outro impacto negativo da ausência de escolas no meio rural é a redução
da oferta de serviços públicos na região. Sem escolas, é possível que outros
serviços também sejam afetados, como postos de saúde e transportes escolares,
o que pode prejudicar ainda mais a qualidade de vida das pessoas que vivem
no campo. Por fim, a ausência de escolas no campo contribui para a perpe-
tuação da desigualdade social, uma vez que as pessoas que vivem nas áreas
mais afastadas dos centros urbanos têm menos acesso a serviços básicos e a
oportunidades de educação.
Dessa forma, é preciso buscar soluções para garantir a presença de
escolas do campo de qualidade na região de fronteira entre Brasil e Uruguai,
com investimentos em infraestrutura e recursos educacionais, além de uma
abordagem pedagógica mais contextualizada e inclusiva, capaz de atender às
demandas e necessidades dos alunos fronteiriços.
Neste sentido, o objetivo da presente pesquisa é refletir sobre a Educação
do Campo nas escolas da região de fronteira entre Brasil e Uruguai. A hipótese
aqui apresentada inicialmente aponta que a ausência de escolas no campo
na fronteira entre Brasil e Uruguai faz com que crianças brasileiras busquem
escolas no país vizinho, o Uruguaia e vice-versa.
A justificativa para a realização da presente pesquisa nasce a partir de uma
experiência pessoal, da qual surgiu a vontade de aprofundar o tema. Soma-se a
isso, a inexistência de estudos e/ou artigos abordando o tema. Anteriormente,
havia preconceito por parte dos professores ao trabalhar com alunos do país
vizinho. Exigiam que falasse só a língua do país. No meu caso e de vários colegas,
tínhamos que falar e escrever somente em espanhol. O problema é que nem
todos se adaptaram e isso causava impactos no aprendizado porque muitos,
além de ficarem desestimulados, ficavam tristes e envergonhados.
No que diz respeito a metodologia, a pesquisa busca refletir sobre a Educa-
ção do Campo nas escolas da região de fronteira entre Brasil e Uruguay. No que
se refere à localização, ela trata do município brasileiros de Dom Pedrito e
Santana do Livramento - RS e Rivera, no Uruguai. Para o desenvolvimento da
presente pesquisa forma pesquisados artigos e reportagens que tratam do
tema e uma abordagem com pesquisa de campo realizada em abril de 2023.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


74
Também se utilizou de análise bibliográfica de estudos já realizados em outras
fronteiras do Brasil. Trata-se de um estudo de caso de uma pesquisa, que se
encontra em andamento, do trabalho de conclusão de Curso de Licenciatura em
Educação do Campo da Universidade Federal do Pampa – Unipampa, campus
Dom Pedrito - RS.

Fundamentação teórico

As fronteiras costumam ser vistas como limites e como metáforas,


mas elas também podem ser compreendidas como territórios
de integração cultural. A partir das fronteiras nacionais, por
exemplo, é possível refletir, experimentar e vivenciar as relações
entre duas ou mais nacionalidades e entre várias culturas que se
misturam e formam “espaços compartilhados”, com singularidades
e diversidades culturais, caracterizados pela memória e gastronomia
comuns, pelo bilinguismo, por literaturas híbridas, por atividades
transfronteiriças etc. A cultura popular hegemônica ainda apresenta
um perfil “regional-nacionalista” e exerce o papel de demarcação
dos Estados-Nação, mas está se modificando em função de essas
regiões estarem constituindo-se em verdadeiras rotas da integração
econômica, política e cultural, com base em novos acordos políticos
e comerciais transnacionais (ALMEIDA, 2023, p. 260).

Existem diversos estudos sobre a fronteira entre Brasil e Uruguai, que


abordam desde questões políticas e econômicas até aspectos culturais e sociais.
Essa região de fronteira é marcada por uma intensa interação entre os dois
países e pela presença de diversas cidades binacionais, onde as fronteiras são
mais fluidas e as identidades são híbridas. Entre os temas que são abordados
nos estudos sobre essa fronteira estão a migração, o comércio, o turismo, a
segurança, as políticas públicas e a gestão ambiental. A compreensão desses
aspectos é fundamental para se pensar em estratégias de desenvolvimento que
considerem as particularidades dessa região e aproveitem as oportunidades
geradas pela integração entre Brasil e Uruguai, em especial, do estado do Rio
Grande do Sul com o Uruguaia.
Desde a origem de sua ocupação, o atual território do estado do Rio
Grande do Sul, teve multiplicidades de fronteiras, com a preocupação descritiva
dos territórios e das gentes. Quando os primeiros navegadores europeus come-
çaram a bordejar pela costa atlântica, o espaço continentino era dominado por,

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


75
no mínimo, quatro povos indígenas, além de outras etnias: os Gê (Kaingang),
Guarani, Minuano e Charrua, viviam hora em alianças, hora em conflitos, sendo
o de maior implicação colonial o dos Guarani missioneiros com os Minuano e
os Charrua (GOLIN, 2012).
No movimento ocupacional sul-rio-grandense, Portugal aproximou-se
pelo Atlântico, e a Espanha pela bacia do Prata. O processo de ocupação dual
começara ainda no início do século XVI. Desde Buenos Aires e Paraguai, os
espanhóis movimentaram-se na ocupação territorial, regidos pelo meridiano
de Tordesilhas. Foi durante a Grande Guerra na República Oriental do Uruguai
(1838-1851), do Partido Colorado (com o apoio de Portugal) contra os blancos,
que se impôs a assinatura do tratado de limites (GOLIN, 2012).
Este processo deu um novo formato a fronteira entre Brasil e Uruguai,
restabelecendo uma convivência pacífica e harmoniosa, mas, ao mesmo tempo,
pontos de questionamentos por parte do Uruguai ainda permanecem, como
aponta GOLIN (p. 1109-1110)

Em 1851, tomou-se a fronteira da Cisplatina como parâmetro,


alterando-se os espaços na lagoa Mirim e no rio Jaguarão, que
passaram a pertencer ao Brasil, e o arroio São Miguel ao Uruguai.
Em 1909, o Brasil concedeu ao Uruguai acesso às águas da lagoa
Mirim e Jaguarão, recebendo, em contrapartida, a partilha do
arroio São Miguel. A iniciativa brasileira unilateral de condomínio
das águas implicou em amplas comemorações de amizade entre
os países lindeiros. No entanto, mais tarde, em 1931, estudiosos
uruguaios começaram a questionar as demarcações realizadas
entre 1852 e 1862, motivando, em seguida, um pedido formal do
governo uruguaio de revisão da divisa no Rincão Artigas, nas
cabeceiras do Quaraí, e na ilha Brasileira, no rio Uruguai. Por sua
vez, a diplomacia brasileira sustenta desde então que não existem
erros demarcatórios. Uma revisão dos dois pontos contestados pelo
Uruguai implicaria retroagir às demarcações e a todas as decisões
tomadas posteriormente, o que levaria também para a mesa de
negociação as fronteiras da lagoa Mirim, rio Jaguarão e arroio
São Miguel. Algo que política e praticamente parece improvável.
Portanto, supõe-se que os dois países deverão encontrar outras
formas de compartilhamento e convivência de fronteira.

Nos anos 1980, com o advento da Comunidade Andina, do Mercosul,


da Globalização e da internet intensificaram-se a integração nas fronteiras da

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


76
América do Sul, revelando novas e antigas manifestações de cooperação e de
hibridismo cultural. As novas gerações ampliaram as suas relações históricas
passando a se conectar com outros países, regiões e povos, configurando uma
nova realidade regional-global complexa e multifacetada. Diversas construções
simbólicas vigoram nos países da América do Sul ao longo do tempo, muitas delas
são modelos mentais herdados dos colonizadores, que entendem diversidade
cultural apenas como uma soma de territórios, de etnias e de comunidades.
Entretanto, existem muitas outras construções mais abertas, complexas e sin-
gulares, oriundas das contribuições culturais que possuem uma cosmovisão
da realidade (ALMEIDA, 2023).
No que se refere as complexidades das regiões de fronteiras, muitas
concepções não conseguem traduzir o interculturalismo (hibridismo cultural)
que está explícito nessas regiões. As comunidades transfronteiriças, sem
ignorar as diferenças legais dos países, criaram uma constelação de conceitos
e de sentimentos de pertencimento muito mais amplos do que uma cultura
nacionalista. Em função destas complexidades experimentadas e/ou vividas, as
comunidades das fronteiras podem contribuir a realização do diálogo necessário
entre as mitologias, as ciências e as artes. Neste sentido, as línguas oficiais dos
países, não representam um entrave aos sentimentos de pertencimento, devido
a já existência um vasto e complexo conjunto de valores simbólicos e mensagens
iconográficas comuns que acabam por definir e, ao mesmo tempo, ampliar a
abrangência dos territórios de integração cultural, dando origem inclusive aos
portunhóis, os guaranhóis y otras mezclas (ALMEIDA, 2023, p. 261).
Já, no que se refere a educação, existem diversos autores que realiza-
ram estudos sobre a educação na fronteira entre Brasil e Uruguai. Dentre eles,
destacam-se pesquisadores como Vera Lúcia Gaspar da Silva, que analisou as
políticas educacionais em cidades de fronteira; Luiz Fernando Cerri, que estu-
dou a formação de identidades culturais em escolas binacionais na fronteira; e
Ana Carolina da Cruz Lima, que investigou as práticas pedagógicas em escolas
bilíngues na região. Esses autores contribuem para a compreensão dos desafios
da educação na fronteira Brasil-Uruguai.
Para maior esclarecimento sobre o assunto foram lidos artigos científicos
sobre escolas situadas em territórios de fronteira. A partir dessas leituras poderá
ser feita uma comparação e servir de base durante a pesquisa, analisando

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


77
pontos positivos e negativos de como cada uma trabalha. Em alguns estudos
estão evidenciadas outras questões como preconceito no ambiente escolar,
faltando empatia com quem deveria ser acolhido, o que também não deixa de
ser um crime de xenofobia.
A seguir será apresentado citações retiradas de alguns dos textos, o
primeiro é de uma escola situada na fronteira do Brasil com o Paraguai onde
foram feitos testes com 252 alunos da Educação básica para verificar se havia
bullying e, lamentavelmente, foi constatado que sim, o que prejudica não só a
vida social do aluno, mas também no aprendizado dentro da sala de aula.

Sob o escopo teórico e metodológico da sociolinguística laboviana,


aplicou-se testes de percepção e atitude linguística a 252 alunos
da Educação Básica do município e foram obtidos também relatos
escritos sobre situações de discriminação linguística. Dentre os
resultados encontrados, destaca-se a configuração multilíngue
da região estudada, onde circulam, principalmente, o português,
o espanhol, o guarani e o inglês e identifica-se muitas atitudes
linguísticas negativas diante da(s) língua(s) e das variedades faladas
pelos participantes da pesquisa, o que indica a inexistência de
uma política linguística plurilíngue (ROCHA, 2020, p. 311).

No artigo “Nação e integração nas escolas de fronteira: a mobilidade


docente e a aprendizagem das línguas nacionais entre o Brasil e a Argentina’’
aborda a questão de “nacionalizar as crianças” tentando evitar que os alunos
falassem uma língua diferente da que a escola usa.

Em relação às escolas situadas em áreas de fronteira internacional,


elas se constituem em uma espécie de trincheira cultural (Castells
2001) do Estado-nação, particularmente em contextos históricos de
afirmação do nacionalismo. Os professores geralmente são vistos
como missionários da nação e responsáveis por “nacionalizar as
crianças”, combatendo, no cotidiano educacional, as palavras
estrangeiras e misturadas advindas da influência da nação vizinha.
As escolas nas zonas fronteiriças entre o Brasil e a Argentina
tentaram cumprir, até mais ou menos a década de 1980, o objetivo
predominante de nacionalizar a fronteira. Na região fronteiriça do
Brasil, as instituições escolares foram concebidas como freios à
presença estrangeira, sobretudo nos contextos do governo de
Getúlio Vargas (1930-1945) e da Ditadura Militar (1964-1985).
Na Argentina, as escolas próximas aos rios Uruguai e Paraná

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


78
funcionaram respectivamente como uma defesa da fronteira contra
o `’intruso brasileiro” e a “fala paraguaia”, especialmente durante
a Ditadura argentina (1976-1983). Era preciso argentinizar todo o
território nacional. (SOUZA, 2019, p. 628)

Os artigos encontrados até aqui são de escolas de fronteiras distantes


da qual este trabalho se refere, que é entre o Estado do Rio Grande Do Sul e a
República Oriental Del Uruguay. Mas envolve outros países que fazem fronteira
com o Brasil e convivência com outras línguas estrangeiras e percebe-se que
os problemas são semelhantes, que a maioria enfrenta alguma dificuldade na
hora de trabalhar, na elaboração dos materiais e com os preconceitos.
Os resultados sinalizam avanços como a construção de materiais peda-
gógicos pelas professoras, considerando a diversidade cultural e linguística
dos estudantes paraguaios, que têm como língua materna o guarani e/ou
espanhol. Contudo, as professoras apontaram também dificuldades em razão
das barreiras linguísticas, que podem levar os estudantes a uma deficiência
secundária. Pesquisas futuras poderão ampliar esses achados, com a investi-
gação da realidade e do cotidiano dos estudantes no ambiente de sala de aula,
assim como da relação entre a família dos estudantes paraguaios e a escola.
(PINTO, 2020, p. 495)
A educação no campo busca superar desafios como a distância geográfica
entre as comunidades rurais e as instituições de ensino, a falta de infraestru-
tura adequada, a escassez de recursos e a valorização da cultura e identidade
local. Ela promove a inclusão e a valorização dos conhecimentos e práticas
tradicionais das comunidades rurais, além de estimular a educação ambiental
e a sustentabilidade.
A educação do campo aborda a temática da educação voltada para o
campo, ou seja, a formação de professores e profissionais da educação que
estejam preparados para atuar nas áreas rurais, compreendendo as particulari-
dades do contexto e buscando estratégias pedagógicas adequadas. A educação
do campo busca formar profissionais comprometidos com a transformação
social, com o respeito às diversidades e com a promoção de uma educação de
qualidade para todos.
Se a educação do campo engloba a formação de profissionais capacita-
dos para atuar nesse contexto, quando se trata de regiões de fronteira, faz-se

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


79
necessário incluir novos aspectos na formação de profissionais, especialmente
professores, que atuam em escolas na região de fronteira.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A região de Fronteira entre o Brasil e o Uruguai tem enfrentado a ausência
e/ou o fechamento de escolas no meio rural. Isso tem gerado problemas para
as crianças e adolescentes que vivem nessas áreas, pois muitas vezes precisam
se deslocar para locais distantes para ter acesso à educação. Além disso, a falta
de escolas também prejudica o desenvolvimento das comunidades locais, uma
vez que a educação é um fator importante para o desenvolvimento econômico
e social dessas regiões. Nas Imagens 01, pode-se observar o fechamento de
uma escola estadual na zona rural, fronteira com o Uruguai, no município de
Dom Pedrito – RS.

Imagem 01 – Escola Estadual de Ensino Fundamental Serrilhada que se encontra fechada, Dom
Pedrito – RS.

Fonte: Autora.

O fechamento desta escola fez com que as crianças brasileiras que


residem no campo na fronteira entre o Brasil e Uruguai, no município de Dom
Pedrito – RS, buscassem como opção estudar do país vizinho, o Uruguai.
Entre as escolas de fronteira em que alunos brasileiros estudam, está
a Escola Rural Nº 52 de Cerrillada, localizada a 139 quilômetros da capital

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


80
departamental, Rivera– UY. A instituição atende 77 crianças do ensino funda-
mental ao nono ano. Nas imagens 02 pode-se visualizar a Escola Rural Nº 52.

Imagem 03 - Escola Rural Nº 52 de Cerrillada, Rivera – República Oriental do Uruguai.

Fonte: Ministério de Gado, Agricultura e Pesca (MGAP) - UY.

Em reportagem de Léo Gerchmann, publicado na folha de São Paulo em


10 de abril de 2000, denominado Sem escola, estudantes brasileiros de zona rural
do RS aprendem espanhol e história do Uruguai: Alunos cruzam fronteira para
estudar1, traz os problemas enfrentados por crianças brasileiras que vivem no
campo para frequentarem a escola.
Segundo a reportagem, devido ao fechamento de escolas brasileiras na
zona rural da fronteira entre Brasil e Uruguai, crianças do campo do lado brasileiro
tem buscado como alternativa estudar em escola do campo no Uruguai. Todo
este processo tem feito com que estas crianças aprendam a língua espanhola
e história daquele país. Ainda, segundo a reportagem, “[...] a consequência
imediata disso é o surgimento de brasileiros familiarizados mais com a cultura
de um país estrangeiro do que com a do seu próprio país”.

1 Para maiores informações consultar: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1004200007.htm

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


81
Um dos exemplos mostrado pela reportagem ocorre com a Escuela
65, da localidade de Villa Indart, no qual 15 dos 30 alunos (50% das crianças)
são brasileiros. A presente escola está localizada na Villa Indart, no departa-
mento (Estado) de Rivera, que faz divisa com a cidade brasileira Santana do
Livramento (RS), localizada a cerca de 100 km. Nas imagens 03 e 04, pode-se
visualizar a escola 65.

Imagem 03 – Escola 65, Rivera – República Oriental Imagem 04 – Vila Indart, Rivera – República
do Uruguai. Oriental do Uruguai.

Fonte: https://www.facebook.com/VillaIndart/ Fonte: https://www.facebook.com/VillaIndart/


photos?locale=pt_BR photos?locale=pt_BR

Ainda, segundo a reportagem de Léo Gerchmann,

A escola brasileira mais próxima fica a 40 km de distância, em


Três Vendas (no município de Dom Pedrito, lado brasileiro). Há
18 anos, havia outra, a escola Alaídes Euriche, que ficava a três
km de distância, em São Ramão. Os brasileiros estudavam nela.
Hoje, o prédio da Alaídes Euriche está em ruínas, e é habitado
pela família da brasileira Roseli Assunção, cujo filho Rogério, 10,
estuda na Escuela 65, seguindo o exemplo dos outros dois, Júlio,
17, e Paulo, 19. “Meus filhos são brasileiros e, por isso, votam no
Brasil. Como aprendem a história uruguaia, como é que vão votar
direito?”, questiona ela. A Escuela 65 é desconhecida da maioria
das pessoas, sejam uruguaias ou brasileiras. Chegar a ela, a partir
de Rivera, é difícil. Composta de três prédios amarelos de madeira
(duas salas de aula e um refeitório com cozinha), a escola mantém
um estilo rústico. No pátio, onde vacas e cavalos pastam, há um
mastro com a bandeira uruguaia. As crianças brasileiras atravessam
a fronteira na garupa do cavalo montado pela mãe ou dirigindo sua
própria bicicleta. Junto com os colegas uruguaios, permanecem
nas aulas, que vão da pré-escola até a 6ª série, das 9h às 15h. No
almoço, o cardápio varia. Basicamente, há bife, feijão brasileiro

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


82
com arroz e salada de tomate, pimentão e alface. Para beber, água.
Todo o suprimento é adquirido no único armazém existente perto
do prédio, pertencente ao brasileiro Francisco Solano Ferreira, 38,
que mora no Uruguai e cujas filhas, as gêmeas uruguaias Betina
e Bruna, estudam na pré-escola da Escuela 652.

A reportagem de Léo Gerchmann também mostra o dilema de professoras


que, para exercer suas atividades, precisam morar no local.

Duas professoras uruguaias, Valeria Neme, 35, e Sandra González,


26, vivem na escola durante os dias úteis. Vão para casa, em
Rivera, nos finais de semana. “É normal que o nosso ensino seja
diferente do que é dado no Brasil. Por exemplo, para nós, a troca
das Missões por Colônia do Sacramento foi um mau negócio. As
crianças estudam pelos nossos livros”, disse a uruguaia Sandra
González [...] As Missões tinham forte pecuária. De acordo com
as professoras, as crianças aprendem espanhol, mas mantêm
sotaque português e a própria essência da língua portuguesa por
meio da televisão. “Para nós, esse negócio de nacionalidade não
tem tanto sentido. As crianças brasileiras e uruguaias crescem
convivendo com naturalidade. Nós chegamos aonde o Mercosul
não chega. Temos orgulho disso”, afirmou Valeria Neme3.

Também, segundo a mesma reportagem, as crianças brasileiras que


estudam na Escola 65 veem pontos positivos e negativos em estudar em escola
do campo no Uruguai.

Entre as desvantagens está a de que não têm contato com o seu


país. Entre as vantagens, a de aprender duas línguas. “Vai ser
bom para o meu futuro falar duas línguas”, diz Jenifer Padilha,
7, repetindo o que costuma ouvir dos professore. Nas aulas, as
crianças conversam em espanhol. “Hoje, eu fiz um desenho grande
(a tarefa era fazer desenhos a respeito das férias. Invariavelmente,
eles incluem uma casa com grama e cavalos). Foi bom. Mas eu
gosto de saber coisas do Brasil”, disse Vanessa Corrêa, 7 anos4.

2 Extraído de: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1004200007.htm


3 Idem
4 Ibidem

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


83
Em pesquisa de campo realizada no dia 23 de abril de 2023, pode-se
perceber que, mesmo mais de 20 anos após a reportagem de Léo Gerchmann,
os problemas permanecem. Outras escolas do campo na região de fronteira
do lado brasileiro foram fechadas o que agravou ainda mais as dificuldades de
as crianças brasileiras frequentarem as escolas do campo.
Entre as escolas da região de fronteira fechadas recentemente estão:
Escola Estadual Ensino Fundamental Dr. Cristiano Fischer, localizada na comu-
nidade rural de Três Vendas, município de Dom Pedrito – RS; Escola Municipal
Rural Maneco Martins, localizado na comunidade rural do Obelisco, município
de Dom Pedrito – RS; Escola Municipal Rural de Ensino Fundamental Cruz de
São Pedro localizada no 4º subdistrito do Ponche Verde, município de Dom
Pedrito – RS. Nas imagens 05, 06 e 07 pode-se visualizar as três escolas do
campo que se encontram fechadas na região de Fronteira entre Brasil e Uruguai,
no município de Dom Pedrito – RS .

Imagem 05 – Antiga escola Cristiano Fischer, município de Dom Pedrito – RS.

Fonte: Autora.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


84
Imagem 06 – Antiga escola Maneco Martins, município de Dom Pedrito – RS.

Fonte: Autora.

Imagem 07 – Antiga escola Cruz de São Pedro, município de Dom Pedrito – RS.

Fonte: Autora.

Nas imagens 08 e 09, pode-se visualizar algumas das atividades realizadas


durante pesquisa de campo, realizada no dia 23 de abril de 2023, na fronteira
entre Brasil e Uruguai, entre os municípios de Dom Pedrito – RS e Rivera/UY.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


85
Imagem 08 – Trabalho de campo realizado na Imagem 09 – Marco na comunidade Rural de
escola 52, Rivera - UY. Cerrillada, linha divisória entre Brasil e Uruguai,
Rivera - UY.

Fonte: Autora. Fonte: Autora.

Diante do que foi observado a partir do material bibliográfico pesquisado,


de análise de reportagem e de pesquisa de campo realizada, aponta-se que a
iniciativa de estudantes brasileiros do campo na fronteira do RS em aprender
espanhol e história do Uruguai é um aspecto positivo. O fato de cruzarem a
fronteira para estudar mostra o interesse e a determinação de familiares dessas
crianças e jovens em buscar conhecimento, mesmo diante de desafios geográ-
ficos e de acesso à educação.
Aprender espanhol e conhecer a história do Uruguai contribui para
ampliar o horizonte cultural e educacional desses estudantes. Além disso, o
contato com uma cultura diferente e a possibilidade de interagir com estudantes
uruguaios também é enriquecedor, promovendo o diálogo e a compreensão
entre diferentes povos.
No entanto, é importante ressaltar que a falta de escolas e oportunidades
educacionais no campo da fronteira do RS com o Uruguai é um problema que
precisa ser abordado e superado. Todos os estudantes, independentemente
de sua localização geográfica, devem ter acesso a uma educação de qualidade
e igualitária. Para isso, se faz necessário que sejam implementadas políticas
públicas que garantam o acesso à educação do e no campo a todos os estu-
dantes, independentemente de sua localização geográfica. Investimentos em

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


86
infraestrutura, transporte e formação de professores são fundamentais para
garantir que os estudantes do campo possam estudar em suas próprias comu-
nidades, sem precisar cruzar a fronteira.
Mas, enquanto essas medidas não são implementadas, é admirável ver a
determinação dos familiares de estudantes brasileiros em buscar conhecimento
além das fronteiras. Eles são exemplos de superação e de como a vontade de
aprender pode vencer diferentes obstáculo.
Diante disso, corrobora-se com as ideias de Souza e Albuquerque (2019)
de que as escolas de fronteira são criadoras e geradoras de ações simbólicas,
pois trazem diversos aspectos políticos, sociais e culturais construído por meio
de ideais e práticas transfronteiriços por docentes, por materiais didáticos
distintos e experiências pedagógicas diversas a partir de ações profissionais
que envolvem o idioma, a cultura, os diferentes símbolos, valores, normas e
desejos de integração.
Em resumo, os impactos sobre crianças brasileiras que residem no meio
rural na Fronteira entre o Brasil e Uruguai e estudam em escolas do campo no
Uruguai são diversos e podem ser tanto positivos quanto negativos. É impor-
tante que as escolas, as famílias e as comunidades trabalhem juntas para
minimizar os diferentes desafios e, com isso, maximizar os benefícios dessa
experiência educacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As crianças que estudam em escolas do campo no Uruguai e vice-versa,


podem enfrentar diversos desafios. Em primeiro lugar, a distância entre suas
casas e as escolas pode ser bastante grande, o que pode fazer com que che-
guem na escola cansados devido a precariedade do transporte. Além disso, as
escolas do Uruguai e do Brasil têm uma dinâmica diferente, com currículos e
metodologias de ensino distintos.
Outro impacto importante é o cultural. As crianças brasileiras podem se
sentir deslocadas em um ambiente em que a língua, as tradições, a comida são
diferentes das que estão acostumadas. Isso pode afetar sua autoestima e seu
desempenho escolar, especialmente se houver algum tipo de preconceito. Por
outro lado, estudar em escolas no campo do Uruguai pode trazer benefícios,

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


87
como o contato com a natureza e a aprendizagem de habilidades práticas,
como agricultura e criação de animais. Além disso, a convivência com crian-
ças de outra nacionalidade pode enriquecer sua experiência cultural e ampliar
sua visão de mundo.
No que diz respeito ao preconceito linguístico entre alunos brasileiros que
estudam em escolas do meio rural no Uruguai este é um problema que precisa
ser abordado e estudado. Isso porque muitas vezes, esses alunos sofrem dis-
criminação por falarem português e não terem um domínio completo da língua
espanhola, que é a língua oficial do país.
Mas, por outro lado, as escolas de fronteiras desempenham um papel
fundamental na promoção da integração e na construção de relacionamentos
entre diferentes culturas e países. Essas escolas oferecem um ambiente mul-
ticultural, onde os alunos têm a oportunidade de aprender sobre diferentes
perspectivas, valores e tradições.
A importância das escolas de fronteiras pode ser vista em diferentes
aspectos. Em primeiro lugar, essas instituições promovem a tolerância e o
respeito pela diversidade. Ao conviverem diariamente com alunos de diferen-
tes nacionalidades, os estudantes desenvolvem habilidades de comunicação
intercultural e aprendem a valorizar as diferenças.
As escolas de fronteira entre Brasil e Uruguai são de extrema importân-
cia, pois desempenham um papel fundamental na promoção da integração e
cooperação entre os dois países. Essas escolas permitem que crianças e jovens
de ambos os lados da fronteira tenham acesso à educação, ao mesmo tempo
em que aprendem sobre a cultura, história e tradições do país vizinho.
Além disso, as escolas de fronteira contribuem para a formação de cida-
dãos mais tolerantes e conscientes da importância da cooperação e convivência
pacífica entre as nações. Os estudantes têm a oportunidade de aprender a língua
do país vizinho, o que facilita a comunicação e promove uma maior integração
social e econômica.
Essas instituições também têm um papel significativo no fortalecimento
das relações bilaterais entre Brasil e Uruguai, uma vez que proporcionam
um espaço de encontro e diálogo entre as comunidades educativas dos dois
países. Os professores e alunos das escolas de fronteira podem compartilhar
conhecimentos, experiências e práticas pedagógicas, contribuindo para o

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


88
enriquecimento da educação em ambos os lados da fronteira. Dessa forma,
as escolas de fronteira são essenciais para promover a integração regional,
valorizar a diversidade cultural e fortalecer os laços de amizade e cooperação
entre Brasil e Uruguai.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, R. Fronteiras culturais: metáforas ou realidades? P2P E INOVAÇÃO, [S. l.], v. 5, n. 1, p.
260–275, 2018. DOI: 10.21721/p2p.2018v5n1.p260-275. Disponível em: https://revista.ibict.br/p2p/
article/view/4369. Acesso em: 25 maio. 2023.

GERCHMANN, L. Sem escola, estudantes brasileiros de zona rural do RS aprendem


espanhol e história do Uruguai. Jornal Folha de São Paulo, 10 de abril de 2000. Disponível em: https://
www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1004200007.htm. Acesso em: 20 de jun. 2023.

GOLIN, T. Cartografia da geopolítica e das guerras no século XVIII: Brasil meridional. XI Encontro de
História – ANPUH-RS. Rio Grande, Furg, 23 a 27 de julho de 2012. Disponível em: http://www.snh2015.
anpuh.org/resources/anais/18/Tau%20Golin.pdf. Acesso em: 20 mai. de 2023

PINTO, R. P.; SANTANA, M. L. da S. A Educação Especial Inclusiva Em Contexto de Diversidade Cultural


e Linguística: Práticas Pedagógicas e Desafios de Professoras Em Escolas De Fronteira. Revista
Brasileira De Educação Especial 26.3 (2020): 495-510. Web. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
rbee/a/Vt9fXVCtsZDzD89RhtSfRds/abstract/?lang=pt. Acesso em: 15 mai. 2023.

PUCCI, A. S. O estatuto da fronteira Brasil-Uruguai. Imprenta: Brasília, Fundação Alexandre Gusmão, 2010.

ROCHA, P. G. da. Multilinguismo e “Bullying” linguístico em escola da fronteira Brasil/Paraguai:


aspectos sociolinguísticos. Cadernos de Letras, n.º 36, jan. – abr. Pelotas, 2020. Disponível em: https://
periodicos.ufpel.edu.br/index.php/cadernodeletras/article/view/17377. Acesso em: 14 mai. 2023.

SOUSA. F. A.; ALBURQUERQUE, J. L. Nação e integração nas escolas de fronteira: a mobilidade


docente e a aprendizagem das línguas nacionais entre o Brasil e a Argentina. Etnográfica [Online], vol.
23 (3) | 2019. Disponível em: https://journals.openedition.org/etnografica/7313. Acesso em: 23 jun. 2023.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


89
06

ENSINO SUPERIOR NO BRASIL: BREVE


HISTÓRICO E CONDIÇÕES DE TRABALHO
DOCENTE

Bruno José de Queiroz Brito


Universidade de São Paulo (USP)

' 10.37885/231215191
RESUMO

No contexto da cultura contemporânea, o ensino universitário tem sua importân-


cia tanto pela retórica oficial como pelo senso comum da sociedade. A história
da universidade no Brasil é recente quando comparadas às universidades da
Europa, uma vez que enquanto colônia brasileira, Portugal não permitia a ins-
talações de instituições de nível superior. A crescente expansão da oferta da
Educação Superior no Brasil e a demanda por profissionais qualificados para
atuar nesse nível de ensino implicam a abertura de uma nova frente de pesquisa
para que sejam compreendidas as alterações ocorridas e os seus significados
para a própria docência. A docência é uma atividade complexa e só quando
for reconhecida essa complexidade, será possível avançar em processos de
qualificação mais efetivos. Nesse contexto, as condições de trabalho contri-
buem significativamente para a banalização do trabalho docente, uma vez que
condições de trabalho inadequadas produzem efeito negativo na construção
do modo de ser professor e exercício da docência. Desta forma, o objetivo deste
artigo é discutir as transformações históricas ocorridas com o surgimento da
universidade no Brasil, bem como analisar as atuais condições de trabalho dos
professores universitários da universidade Moderna. A realização de estudos
nesta temática é importante para que este profissional seja mais valorizado e
torne possível assim, a criação de meios para a preservação das condições de
trabalho no contexto acadêmico enquanto lócus de formação, construção de
conhecimento e desenvolvimento humano.

Palavras-chave: Condições de Trabalho, Ensino Superior, Professor Universitário.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


91
INTRODUÇÃO

O ensino superior no Brasil nasce com um modelo de instituto isolado e de


natureza profissionalizante, faculdades separadas organizacionalmente entre si
que contemplavam muitas das distorções presentes na sociedade. As universi-
dades são criadas após muita resistência de Portugal e dos próprios brasileiros
que as julgavam irrelevantes na Colônia. O ensino superior, inicia-se assim no
século XVII, ministrado por religiosos sob a direção dos Jesuítas, limitado aos
cursos de Filosofia e Teologia. Com a vinda da família imperial portuguesa, são
criados os primeiros cursos de engenharia, medicina e direito.
Com o passar dos anos e por mais diversificado que tenha se tornado
o perfil das instituições de ensino superior no Brasil, é imprescindível identi-
ficar e compreender os desafios e complexidades por que passa à docência
no contexto universitário. Ser professor nos dias atuais, em uma época de
grandes mudanças na educação e cujo trabalho é constituído por elementos
acadêmicos e sociais, significa reconhecer uma complexidade de dimensões
e aspectos que envolvem questões referentes desde às políticas educacionais
até a prática pedagógica, que por sua vez, não se esgota no desenvolvimento
da aula. Dessa forma, o trabalho docente tem assumido diversas demandas,
muitas vezes em um cenário de condições insuficientes.
Este perfil diversificado das instituições e o processo de desenvolvimento
profissional dos professores da educação superior se reveste de uma comple-
xidade que se evidencia na organização acadêmica, seja no formato disciplinar
e inflexível que os cursos estão estruturados ou na formação pedagógica que
sempre foi considerada de menor importância pela maioria dos professores.
Outro aspecto que deve ser levado em conta diz respeito ao conhecimento
pleno e inquestionável que ancora a ação docente na universidade, que tem
se abalado devido ao desenvolvimento das tecnologias da comunicação e da
informação, que consegue em curto espaço de tempo armazenar, processar
e transmitir um acontecimento, uma informação, em toda a parte do mundo
informatizado (ROCHA, 2014).
Para Zabalza (2004) três funções podem ser atribuídas aos professores
universitários: o ensino (docência), a pesquisa e a administração em diversos
setores da instituição. Entre as funções, podem ser acrescidas ainda, funções

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


92
relacionadas à orientação acadêmica: monografias, dissertações e teses. O papel
do professor universitário, nos dias atuais, extrapolou a mediação do processo
de conhecimento do aluno, a missão do profissional docente foi ampliada para
além da sala de aula, para garantir uma articulação entre as instituições e a
comunidade. Assim, além de ensinar, o professor deve participar dos plane-
jamentos e da gestão, o que acarreta em uma dedicação mais ampla, que se
estende às famílias e à comunidade em geral.
As questões acerca da docência universitária tem constituído segmento
destacado nas investigações a respeito do ensino superior. Dessa forma, além
de questões extramuros e as de diversas naturezas (social, política e econô-
mica) que tem grande influência na manutenção dessa instituição, vem sendo
realizadas reflexões de cunho epistemológico, pedagógico e didático, fatores
estes que podem comprometer os resultados que se espera das instituições
universitárias (MOROSINI, 2000; ANASTASIOU, 2001; JARAMILLO, 2001;
MASETTO, 2001; PIMENTA & ANASTASIOU, 2002; ROCHA, 2014). No entanto,
há uma lacuna na literatura no que diz respeito à investigações que analisem
o tema do presente estudo.
Condições de trabalho inadequadas produzem efeito negativo na constru-
ção do modo de ser professor e exercício da docência. Desta forma, o objetivo
deste artigo é discutir as transformações históricas ocorridas com o surgimento
da universidade no Brasil, bem como analisar se podem ser identificadas relações
com as condições de trabalho dos professores universitários da universidade
Moderna. Este estudo se pautou no método qualitativo, com dados obtidos pelo
uso da pesquisa bibliográfica. A mesma foi realizada através de artigos que
tratassem da origem das instituições universitárias no Brasil, bem como os que
tratavam da discussão das condições de trabalho e da docência universitária.

Gênese da Universidade no Brasil

Nossos colonizadores tinham, a princípio, dois objetivos: a exploração


comercial, estendendo o Estado português às novas terras com o clero, a
nobreza e o povo e a cruzada católica cristã dos jesuítas, uma contrarreforma
restauradora, fundada com grande esforço educacional. Por isso, a história das
universidades no Brasil é recente, uma vez que enquanto colônia brasileira,

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


93
Portugal não permitia a instalação de instituições de ensino superior em suas
colônias, apenas concedia bolsas para que os filhos de colonos estudassem
em Coimbra. No entanto, essa pretensão de trazer a experiência portuguesa, se
deparou com uma população diferente da europeia, e desde sua formação, as
universidades brasileiras foram foco de constantes e importantes mudanças,
que perduram até os dias atuais (BOTTONI, ET AL, 2013).
A proibição do estabelecimento de universidades no Brasil tinha por
finalidade a não disseminação de ideias pró-independência, além da ausência
de recursos na colônia para a manutenção das instituições. Com a transferência
do poder na metrópole, surge a necessidade de modificar o ensino superior na
colônia, era preciso “fundar todo um grau de ensino completamente distinto
ao anterior” (LOPES, ET AL., P. 153). Assim, foram fundadas as cátedras que
eram unidades de ensino simples, que consistiam em um professor que com
seus próprios meios ensinava aos alunos em locais improvisados, os cursos
ministrados eram: medicina, engenharia e direito (LOPES, ET AL., 2003).
Apesar de alguns colégios jesuítas no período colonial manterem cursos
de filosofia e teologia, o que pode dar respaldo à tese de que já existia ensino
superior nessa época no Brasil, os cursos superiores propriamente ditos come-
çam a ser instalados no Brasil a partir de 1808 com a chegada da família real.
Surgem assim, os cursos de engenharia da Academia Real da Marinha (1808)
e da Academia Real Militar (1810), o Curso de Cirurgia da Bahia (1808), o de
Cirurgia e Anatomia do Rio de Janeiro (1808), o de Medicina (1809), também no
Rio de Janeiro, de Economia (1808), de Agricultura (1812), de Química (química
industrial, geologia e mineralogia), em 1817 e o Curso de Desenho Técnico em
1818. Até este momento, os cursos eram isolados, ou seja, não eram articulados
no âmbito de universidades.
Após a independência, em 1827, foram criados os cursos de Direito em
São Paulo e em Olinda, que depois seria transferido para Recife. Estes cursos
vieram a constituir, respectivamente a Faculdade de Direito do Largo de São
Francisco (em São Paulo) e a Faculdade de Direito do Recife. Em 1934, após a
fundação da Universidade de São Paulo, a Faculdade de Direito do Largo de
São Francisco foi a ela incorporada, o que também ocorreu com a Faculdade de
Direito de Recife, que foi incorporada à Universidade Federal de Pernambuco,
instituição criada em 1946.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


94
De modo geral, os cursos criados por D. João VI e as duas faculdades
supracitadas resumem o ensino superior no Brasil até o final do Império, eram
cursos ou faculdades isoladas, mantidos pelo Estado. No final do império ganha
força o movimento pela desoficialização e defesa da liberdade do ensino. Com o
advento da República, sob influência do positivismo essa tendência foi ganhando
espaço, o que se evidenciou na visão mais radical como a de Júlio de Castilhos
no Rio Grande do Sul, cuja Constituição suprimiu o ensino oficial decretando a
liberdade das profissões (SAVIANI, 2010).
Nos anos de 1930 o ensino superior no Brasil ganha caráter universitário.
Antes de ser criada qualquer universidade nesse novo estilo, o governo provisó-
rio de Getúlio Vargas, que fundou em 1930 o Ministério de Educação e Saúde,
publicou uma lei que definia como a universidade deveria ser, lei que ficou
conhecida com o nome do primeiro Ministro da Educação do país, a “Reforma
Francisco Campos”. Esta reforma estabelece que o ensino superior deveria ser
ministrado na universidade, a partir da criação de uma faculdade de Educação,
Ciências e Letras (SAMPAIO, 1991). Com a junção das escolas de formação
profissional são criadas universidades públicas, esse processo de fundação
das universidades expande-se até os anos 1970 em todos os grandes centros,
consolidando-se inclusive algumas privadas (MENEZES, 2000).
Nos anos de 1950 coloca-se em questão a reformulação de todo o
sistema educacional e consequentemente a reforma da universidade. Entre
outras críticas, destacam-se: a instituição das cátedras (onde cada matéria
ou conhecimento era de responsabilidade de um professor vitalício, que tinha
poder de tomada de todas as decisões); o compromisso efetuado em 1930 com
as escolas profissionais, que ciou uma universidade compartimentalizada, iso-
lando professores e alunos em cursos especializados em escolas diferentes; e
também ao aspecto elitista da Universidade. A nova universidade, pela qual se
batiam intelectuais e estudantes nos anos 50 e 60, seria popular, deselitizada,
organizada por departamentos que decidiriam tudo em conjunto, e livres dos
velhos catedráticos e do poder das antigas faculdades (SAMPAIO, 1991).
Neste cenário, a pós-graduação é implantada a partir de 1961, com a
fundação dos programas de mestrado no Instituto Tecnológico de Aeronáutica
(ITA). Em 1963 é criada a Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em
Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e, iniciando-se também

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


95
no mesmo ano os primeiros programas de mestrado da Pontifícia Universi-
dade Católica do Rio de Janeiro (RODRIGUES, 2011; GOMES, 2011). Os anos
1960 foram, não só para as universidades do Brasil, como também para as da
América Latina, anos de repressão e expansão. Com diferentes ênfases, reitores
eleitos foram substituídos por coronéis, professores foram demitidos, estudantes
foram presos, as ciências sociais acabaram sendo banidas e a educação cívica
obrigatória foi introduzida. Amplos setores das universidades foram destruídos
e desmoralizados, enquanto milhares de estudantes se engajaram na guerrilha
urbana (SCHWARTZMAN, 1993).
Ainda na década de 1960, em 1968, é promulgada pelo Governo Fede-
ral uma reforma que entre outras medidas: a) abolia a cátedra e instituía os
departamentos como unidades mínimas de ensino e pesquisa; b) implantou o
sistema de institutos básicos; c) estabeleceu a organização do currículo em duas
etapas: o básico e o de formação profissionalizante. d) decretou a flexibilidade
curricular com o sistema de crédito e a semestralidade; e) estabeleceu o duplo
sistema de organização: um, vertical, passando por departamentos, unidades e
reitoria; outro horizontal, com a criação de colegiados de curso, que deveriam
reunir os docentes dos diferentes departamentos e unidades responsáveis por
um currículo. O novo modelo foi implantado em 1969 sob um regime político e
extremamente autoritário, as universidades eram mantidas sob intensa suspeita
e vigilância policial, muito diferente da ideia de organização da universidade,
próxima dos ideais dos movimentos estudantis e docentes (SAMPAIO, 1991).
Apesar da tendência à privatização que se esboça no final do império e
ao longo da Primeira República, até a Constituição de 1988 prevalece o modelo
napoleônico caracterizado pela forte presença do Estado na organização e
regulação do ensino superior, sobretudo das universidades. A partir da década
de 1980 começa a manifestar-se uma tendência de alteração desse modelo,
operando-se um deslocamento no padrão do ensino superior brasileiro. Esse
deslocamento tem origem na distinção entre universidades de pesquisa e
universidades de ensino, introduzida em 1986 pelo Grupo Executivo para a
Reformulação do Ensino Superior (SAVIANI, 2010).
As transformações que ocorreram no ensino superior nos últimos anos
são parte de um processo mais amplo de modernização: o acesso de alunos
provenientes de famílias desfavorecidas ou ainda por pessoas mais velhas, a

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


96
ampliação da presença de mulheres em cursos predominantemente masculinos,
são fenômenos que ocorreram por todo país. Os sistemas universitários torna-
ram-se organizações complexas e o processo de desenvolvimento profissional
dos docentes passa a se revestir de uma complexidade que se evidencia na
organização acadêmica, tanto no formato disciplinar e inflexível que os cursos
estão estruturados, quanto na formação pedagógica que sempre foi considerada
de menor importância pela maioria dos professores (ROCHA, 2014). O ensino
superior assume-se como o que Esteves (2008) chama de “espaço de decisões
formativas”, decorrentes de contextos e pressões externas, demandando assim,
novas formas de ensinar e aprender e potenciando contextos cooperativos e
articulados com o mundo do trabalho.

Docência Universitária e Condições de Trabalho

As carreiras profissionais até algum tempo atrás se apresentavam com


o perfil do profissional bem definido, com um currículo onde as disciplinas se
responsabilizavam pelos conteúdos exigidos, que por sua vez aliados às práticas
profissionais e estágios realizados garantiam a formação profissional, a ação
docente respondia em todos os semestres repetidamente por essas atividades.
Atualmente, outras são as necessidades que a sociedade apresenta às profis-
sões e novos perfis profissionais são exigidos. Trata-se de competências que
ultrapassam aquelas tradicionais da profissão para abrangerem outros cam-
pos como liderança, gestão, pesquisa, criatividade na solução de problemas,
abertura para o novo, proatividade, trabalho em equipe multi e interdisciplinar,
participação coletiva em elaboração e execução de projetos (MASSETO, 2015).
Morosini (2000) afirma que a docência universitária tem sido considerada
uma caixa de segredos, as políticas públicas omitiram determinações quanto
ao processo do ensinar, ficando o mesmo afeto à instituição educacional, que
por sua vez o pressupõe integrante da concepção de liberdade acadêmica
docente. A partir da década de 1990 e da marcada presença do Estado Avaliativo,
orientado pela qualidade/excelência, a avaliação da educação torna-se foco de
interesse, sendo averiguada por um sistema nacional de medidas.
O exercício da docência superior implica no domínio de um conjunto de
conhecimentos referentes às diferentes áreas de atuação profissional, assim

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


97
como, o desenvolvimento de uma didática que contemple as particularidades
de cada área de conhecimento. Acerca disto, Bolzan e Isaia (2006) afirmam que
os professores, além de considerarem seus domínios específicos, necessitam
investir na dimensão pedagógica da docência, considerando que a mesma envolve
atividades e valores traduzidos em: sensibilidade frente ao aluno; valorização
dos saberes da experiência; ênfase nas relações interpessoais; aprendizagem
compartilhada; indissociabilidade teoria/prática e ensino enfocado a partir do
processo de aprender do aluno, tudo isso voltado para o desenvolvimento dos
sujeitos em formação como pessoas e profissionais.
A excelência do desempenho dos professores universitários passa por
algumas exigências, como um cidadão competente e competitivo, inserido na
sociedade e no mercado de trabalho, com maior nível de com maior nível de
escolarização e de melhor qualidade; utilizando tecnologias de informação na
sua docência; reduzindo seu trabalho não mais de forma isolada, mas em redes
acadêmicas nacionais e internacionais; dominando o conhecimento contempo-
râneo e manejando-o para a resolução de problemas, etc. É necessário ainda
que o professor domine o trato da matéria do ensino, utilize formas de ensinar
variadas e domine a linguagem corporal/gestual (CUNHA, 1993).
A proximidade entre empresa e educação, junto ao interesse em minimizar
as despesas com educação e dessa forma, induzindo a um abrandamento dos
programas de ensino (MAUÉS, 2003), além do surgimento do mercado educacio-
nal fizeram cair o nível de exigência para o docente do ensino superior. Pimenta
e Anastasiou (2002) consideram que a diversidade presente nas diversas institui-
ções quanto às formas de ingresso, vínculos, jornada de trabalho e ao tratamento
que conferem ao ensino e à pesquisa, interfere no exercício profissional e seus
resultados, bem como na construção da identidade do docente. Dessa forma, o con-
texto e as condições de trabalho são determinantes para o exercício da docência.
O processo de mudanças históricas acarretaram mudanças em relação
à função do professor, entre elas, a fragmentação do seu trabalho e a comple-
xidade das demandas que lhe são impostas, estes fatos coincidem com um
processo histórico de rápida transformação do contexto social. Dessa forma,
foram ampliadas as responsabilidades e exigências sobre esse profissional, de
modo que tornou-se necessário apresentar, além das competências pedagógicas,
habilidades sociais e emocionais (LÉON, 2011; JENNINGS & GREENBERG, 2009).

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


98
Assim, a atuação do professor depende diretamente da realidade na qual ele
está inserido, seja social, econômica, geográfica ou política e que ele deve estar
preparado para ajustar a sua prática de acordo com esses fatores (GAMA, 2015).
Condições de trabalho docente podem ser definidas como as variá-
veis que permitem descrever dimensões quantitativas do ensino (tempo de
trabalho, número de alunos por turma, salário). Estas características servem
habitualmente para definir o quadro legal no qual o ensino é desenvolvido; elas
são utilizadas pelos estados nacionais para contabilizar o trabalho docente,
avaliá-lo e remunerá-lo (TARDIF E LESSARD, 2009). Purin (2011) reitera a ideia
de que as condições de trabalho podem ser compreendidas por uma série de
recursos que possibilitem a realização do trabalho educativo, envolvendo a
infraestrutura, os materiais didáticos e os serviços de apoio aos professores e
à própria instituição. Assim como Barros (2013), que apresenta o entendimento
de que as mesmas fazem parte de um conjunto de condições que dão suporte
para que o trabalho docente se desenvolva.
Oliveira & Vieira (2012) apresentam uma definição mais ampla de con-
dições de trabalho docente como a forma em que se organiza o processo de
trabalho nas unidades educacionais. De acordo com os autores, as condições
de trabalho docente compreendem a divisão das tarefas, jornada, os recursos
materiais disponíveis, tempos e os espaços, a forma de avaliação de desempe-
nho, horário de trabalho, formas de regulação, controle e autonomia do trabalho,
estruturação das atividades escolares, relação número de aluno por professor,
etc. Essas características estão intimamente ligadas às condições de trabalho
do professor. Uma jornada de trabalho excessiva, grande quantidade de turmas
e de alunos em sala, baixa remuneração e espaços físicos inadequados podem
afetar a capacidade de interação com os alunos e a capacidade do professor
de proporcionar uma aprendizagem satisfatória.
De acordo com a definição de Oliveira & Vieira (2012), pode-se inferir
que o conjunto de itens ou aspectos que compõem as condições de trabalho
docente é bastante diversificado, seja em termos de quantidade quanto em
especificidades das dimensões. Estas condições diferem também em relação
à unidade analítica. Deste modo, as características de investigação podem se
referir ao professor, à sala de aula, à instituição ou ao estado.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


99
Os primeiros registros acerca da profissão de professor evidenciam a
observação e o empirismo como um pré-requisito para seu exercício. Tornava-se
professor aquele que observava outros mestres em ação, ensinando da mesma
forma que havia aprendido. Nestas condições, a profissão docente, de acordo
com Tardif (2002), “se desenvolveu sem ser objeto de maiores preocupações e
sob o paradigma de que ensinar seria uma tarefa relativamente simples”. Assim
a regra predominante era o famoso “fazer fazendo”.
Com o avanço da sociedade e a consequente evolução da educação, a
forma como os alunos aprendem foram ampliadas e a visão que se tinha do
professor, a definição básica do que se entendia da docência também sofreu
alterações significativas. Hoje, ao se questionar a especialistas da área de edu-
cação ou até mesmo a professores atuantes as respostas irão girar em torno
que o professor deve ter formação científica, técnica, política, ética e, a partir
daí, desenvolver competências e habilidades, isto é, um profissional que busca
seu profissionalismo (Imbernón, 2011). Justamente aqui é que mora um dos
principais problemas: demanda-se que o professor atual, inclusive o do ensino
superior, solucione em suas aulas diversos problemas atuais, mas no entanto,
não são oferecidas as ferramentas ou recursos necessários para tal incumbência.
As condições de trabalho do professor universitário estão cada vez mais
insalubres e a profissão docente se tornando cada vez mais desvalorizada em
nosso país. Imbernón (2011) acerca da profissão docente afirma que:

Não podemos esquecer as condições em que ainda se move a


profissão de ensinar, que não favorecem essa profissionalidade
desenvolvida que precisa de um coletivo “mais equilibrado”
profissionalmente”, nem tampouco os “processos de instabilidade,
a falta de gratificações morais e o isolamento que repercute na
prática profissional e no profissionalismo coletivo: o ambiente de
trabalho do professor, [...] seu incentivo profissional, a busca de
indicadores de desempenho, [...] a solidão educativa, sua formação
inicial muito padronizada, o baixo autoconceito profissional [...]
e a possível desvalorização da ação pedagógica por parte das
famílias (e da sociedade, portanto) e do próprio grupo profissional
l (Imbernón, 2011, p. 35).

Com base na justificativa de redução de gastos, o exercício da docência


superior vem sendo submetido a condições precárias, como a intensificação do

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


100
ritmo do trabalho em paralelo ao achatamento e perdas salariais, captura da sub-
jetividade do trabalhador e retirada de direitos (FERRAZ, 2008; FERENC ET AL.,
2015). Neste momento, faz-se necessário atentarmos para a precarização das
condições de trabalho impostas aos professores universitários, a partir da
reestruturação produtiva que impactou, desde a forma de pensar como de
atuar no contexto educacional. Essa precarização reflete-se na minimização de
gastos aplicados na educação que, por sua vez, faz com que as condições de
efetivação do trabalho docente sejam precárias em termos de salário, prestígio
social, satisfação pessoal e profissional, etc.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A docência é uma atividade complexa e apenas quando for reconhecida


essa complexidade, será possível avançar em processos de qualificação mais
efetivos. A docência exige saberes específicos que têm um forte componente
de construção na prática, entretanto é uma prática que não se repete, é sempre
única e exige capacidades para enfrentar situações não previstas. Por mais
diversificado que seja o perfil das universidades brasileiras, é indispensável
identificar e compreender os desafios e complexidades por que passam à
docência no contexto universitário.
A crescente expansão da oferta de Educação Superior em todo país e a
demanda por docentes qualificados para atuar nesse nível de ensino implicam
a abertura de uma nova frente de pesquisa no sentido de serem compreendidas
as alterações ocorridas e os seus significados para a própria docência. A apro-
ximação e consequente análise das condições de trabalho docente possibilitam
perceber que o desgaste profissional que, por vezes, pode levar ao afastamento,
ou a acomodação, pode estar relacionado com inúmeros fatores, supracitados
de acordo com a análise da literatura.
As condições de trabalho do professor universitário é um tema pouco
estudado e demanda maior atenção, há uma lacuna significativa na literatura
no que diz respeito a como as mesmas se apresentavam na origem do ensino
superior e de que forma se manifestam nas instituições de ensino superior no
Brasil. A realização de estudos nesta temática é importante para que este pro-
fissional seja mais valorizado e torne possível assim, a criação de meios para

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


101
a preservação das condições de trabalho no contexto acadêmico enquanto
lócus de formação, construção de conhecimento e desenvolvimento humano.

REFERÊNCIAS
ANASTASIOU, L. G. C. Metodologia de ensino na universidade brasileira: elementos de uma trajetória.
In: CASTANHO, S.; CASTANHO, M. Eugênia. (Orgs). Temas e textos em metodologia do ensino
superior. Campinas: Papirus, 2001.p. 57-69.

BARROS, A. V. Trabalho docente na educação básica na rede municipal de ensino em Belém. 102 f.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2013.

BOLZAN. D. P. V.; ISAIA. S. Aprendizagem docente na educação superior: construções e tessituras da


professoralidade. Educação. PUC, Porto Alegre RS, ano XXIX, v.60, nº 3, p. 489-501, 2006.

BOTTONI, A.; SARDANO, E. J.; COSTA FILHO, G. B. Uma breve história da universidade no Brasil: de
Dom João a Lula e os desafios atuais. In: COLOMBO, S. S. (Org.). Gestão universitária: os caminhos
para a excelência. Porto Alegre: Penso, 2013, p. 19-42.

ESTEVES, M. Para a excelência pedagógica do ensino superior. Sísifo/revista de ciências da educação


v.7, p. 101-110, 2008.

FERENC, A.V. F; BRANDÃO, A. C. P; BRAÚNA, R. C. A. Condições de Trabalho Docente em uma


Universidade Pública. Revista Eletrônica Pesquiseduca. v. 7, n.14, p. 358-384, 2015.

FERRAZ, C. L. Trabalho docente, precarização e a nova hegemonia do capital. Revista Universidade


e Sociedade, n. 41, p. 9-19, 2008.

GAMA, M. E. R. Organização e desenvolvimento do trabalho docente: aspectos condicionantes das


atividades dos professores em situações de trabalho escolar. Anais da 37ª Reunião Nacional da
ANPED, 2015.

GOMES, P. A. O desenvolvimento brasileiro e a necessidade de formação de recursos humanos. In: S. S.


Colombo, G. M. Rodrigues & Colaboradores (Orgs.), Desafios da gestão universitária contemporânea.
p. 59-80. Porto Alegre: Penso, 2011.

IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: formar-se a mudança e a incerteza. Tradução Silvana


Cobucci Leite. 9. Ed. São Paulo Cortez, 2011.

JARAMILLO, D. Formação Inicial de professores coerente com a complexidade da prática pedagógica


significativa? Comunicação apresentada no VI Congresso Estadual Paulista de Formação de
Professores. Águas de Lindóia, 2001.

JENNINGS, P. A.; GREENBERG, M. T. The prosocial classroom: Teacher social and emotional
competence in relation to student and classroom outcomes. Review of Educational Research, v. 79,
n.1, p. 491-525, 2009.

LEÓN, G. L. Los profesionales de secundaria, como factores de riesgo en el síndrome de Burnout.


Revista Electrónica Educare, v.15, n.1, p. 177-191, 2011.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


102
LOPES, E. M.; T.; FARIA FILHO, L. M.; VEIGA, C. G. 500 Anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte:
Autêntica. p. 153, 2003.

MASETTO MT. Desafios para a docência no Ensino Superior na contemporaneidade. In: CAVALCANTE
MMD, et al. Didática e prática de ensino: diálogos sobre a escola e formação de professores e a
sociedade. Fortaleza: EdUECE, v. 4, p. 779-795, 2015.

MASETTO, M. T. Atividades pedagógicas no cotidiano da sala de aula universitária: reflexões e sugestões


práticas. In. CASTANHO, S.; CASTANHO, M. E. Temas e textos em metodologia do ensino superior.
Campinas: Papirus, p. 83-102, 2001.

MAUÉS, O. C. Reformas internacionais da educação e formação de professores. Cadernos de Pesquisa,


n. 118, p. 89-117, 2003.

MENEZES, L. C. Universidade sitiada: a ameaça de liquidação da universidade brasileira. São Paulo:


Fundação Perseu Abramo, 2000.

MOROSINI, M. C. Professor do ensino superior: identidade, docência e formação (Org.) Brasília:


Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2000.

OLIVEIRA, D. A.; VIEIRA, L. M. F. Trabalho na educação básica: a condição docente em sete estados
brasileiros. Belo Horizonte: Ed. Fino Traço, 2012.

PIMENTA, S. G.; ANASTASIOU, L. G. C. Docência no Ensino Superior. São Paulo: Cortez, v.1, 2002.

PURIN, P. C. O trabalho docente na Rede Municipal de Cidreira/RS: limites e possibilidades de uma


práxis emancipadora. 136 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.

ROCHA, A. M. C. Docência na universidade: influências atribuídas a “Professores Referência” a


partir da formação, construção da identidade profissional e profissionalidade docente. 256f. Tese de
Doutorado Universidade Federal de Pernambuco, 2014.

RODRIGUES, G. M. Ensino privado: a qualidade e a imagem. In: S. S. Colombo, G. M. Rodrigues &


Colaboradores (Orgs.), Desafios da gestão universitária contemporânea. p. 43-58. Porto Alegre:
Penso, 2011.

SAMPAIO, H. Evolução do ensino superior brasileiro (1808-1990). Documento de Trabalho 8/91.


Núcleo de Pesquisa sobre Ensino Superior da Universidade de São Paulo, 1991.

SAVIANI, D. A expansão do ensino superior no Brasil: mudanças e continuidades. Poíesis Pedagógica,


v.8, n.2, 2010.

SAVIANI, D. História das Ideias Pedagógicas no Brasil. Campinas; Autores Associados, 2007.

SCHWARTZMAN, S. “Policies for Higher Education in latin America: the context”. Higher Education,
v.25, p.9-20, 1993.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

TARDIF, M.; LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão
de interações humanas. Trad. João Batista Kreuch. – 5. ed. – Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2009.

ZABALZA, M. A. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre. Artmed, 2004.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


103
07

O CASO AMALA E KAMALA:


COMPREENDENDO O QUE É SER
HUMANO

Patrícia Rodrigues Rocha


Haydéa Maria Marino de Sant’Anna Reis (UNIGRANRIO)

Artigo elaborado em 2014 no prelo e revisado para compor o volume 13 da revista Saberes Múltiplos da UNIG (Universida-
de Iguaçu/RJ).
Oferecimento de obra científica e/ou literária com autorização do(s) autor(es) conforme Art. 5, inc. I da Lei de Direitos Autorais -
Lei 9610/98.

' 10.37885/231115105
RESUMO

Este artigo tratou de analisar as experiências de vida das meninas hindus


Amala e Kamala, antes e após serem criadas por lobos. A partir da mudança de
comportamento após contato humano, ressaltamos a importância das relações
interpessoais, da afetividade, da busca pela identidade e da interação com a cul-
tura, especialmente através da educação, para a construção da pessoa humana.

Palavras-chave: Amala e Kamala, Humanização, Socialização,


Educação, Sociedade.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


105
CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Objetivamos neste artigo mostrar que a experiência social e o contato


com a cultura são fatores determinantes para o desenvolvimento humano,
buscando explicar com o estudo de caso Amala e Kamala os desdobramentos
da construção do indivíduo.
Antes de descrever este caso, destacamos que Amala e Kamala perten-
cem à categoria das crianças selvagens. Foram crianças que cresceram sem
contato com o homem, criadas por animais, sobrevivendo sozinhas na natureza
e descobertas tempos depois pelos humanos (SANTOS et al., 2008).
Amala e Kamala foram duas meninas hindus que viveram no meio de uma
família de lobos. Em 1920, foram resgatadas pelo missionário anglicano J. Singh e
recolhidas no orfanato dirigido por ele e sua família, apresentando comportamen-
tos tipicamente animais: caminhavam de quatro; não falavam, riam ou choravam;
comiam carne crua ou podre; lambiam líquidos; passavam o dia aninhadas,
afastando-se das pessoas e à noite eram ativas, uivando e procurando fugir.
Amala, que tinha um ano e meio de idade, morreu um ano mais tarde
e Kamala, de oito anos, viveu até os dezessete, humanizando-se lentamente.
Aprendeu a colocar-se de pé e andar, falar umas cinquenta palavras, se emo-
cionar, mudar seus hábitos alimentares e conviver com o grupo que a acolheu.

AMALA E KAMALA: PRODUTO DO AMBIENTE EM QUE


VIVERAM

Amala e Kamala, enquanto convivendo com os lobos, desenvolveram o


comportamento social destes animais, conseguindo sobreviver na selva. Com
o contato humano, os estímulos dos adultos e do meio, Kamala, a menina que
sobreviveu por mais tempo no orfanato, foi adquirindo, muito lentamente e de
maneira sofrida, comportamentos do desenvolvimento humano, levando-a à
aprendizagem social e cultural. Consoante a Rischbieter (2014, n.p.):

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


106
O processo de educação ao qual Kamala foi submetida pode ser
extremamente criticado, do ponto de vista do que sabemos hoje, pois
houve uma grande ênfase na imposição de hábitos “civilizados” e,
apesar do carinho dos que cuidaram dela, nenhuma preocupação
com os aspectos traumáticos que toda a experiência certamente
tinha para ela. Assim, ficamos sem saber até que ponto Kamala
poderia ter evoluído, se tivesse passado por um processo mais
terapêutico e menos didático de reintegração ao mundo (...).

É na infância que as atividades de percepção de si e dos objetos, a


linguagem e o pensamento que abrem as portas para as relações interpes-
soais, o aprendizado social e cultural ocorrem com mais facilidade (FERRARI,
2008). De certa maneira, isso foi negado às meninas, visto que foram retiradas
da sociedade e voltaram tempos depois para aprender e se adaptar aos modos
de viver da cultura humana.
Reiteramos que Amala e Kamala não conviveram com seus pais. Não
desenvolveram junto aos adultos as relações de afeto e de apreensão de ativi-
dades socioculturais, importantes às leituras e experiências de si e do mundo.
Além disso, não participaram das experiências e aprendizagens que ocorrem
na escola e contribuem para o desenvolvimento cultural, social e cognitivo
dos indivíduos. No entanto, concordamos que Kamala sobreviveu mais pelos
conhecimentos adquiridos na instituição que a acolheu.

AMALA E KAMALA: LOBAS OU HUMANAS?

Amala e Kamala biologicamente eram humanas, obedecendo toda uma


estrutura corporal específica da espécie, porém, essa estrutura não foi estimulada
enquanto criadas por lobos. Culturalmente, as meninas não eram humanas, pois,
o que nos torna humanos é justamente a capacidade de aprender e transformar
a cultura em que estamos inseridos para nossa própria evolução. Segundo
Dal’ Olio (2012, n.p.), “a humanização decorre por meio da aprendizagem e das
relações sociais com o mundo cultural, o que diferencia um ser humano do ser
animal”. Neste sentido, Kamala foi se tornando humana, socializando-se gra-
dativamente através dos estímulos e da participação na nova família adotiva.
Como nos diz Peixoto (2008, n.p.):

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


107
Sermos humanos é mais do que pertencermos a uma espécie de
seres com determinada biologia e estrutura corporal: depende da
participação em contextos sociais e culturais particulares, onde
aprendemos formas de ser e de nos comportarmos, assim tornamo-
nos humanos através da aprendizagem de formas partilhadas e
reconhecíveis de ser e de nos comportarmos.

Assim, podemos afirmar que o homem é uma espécie inteligente, detentora


de uma linguagem rica em gestos e palavras, que desenvolve, pois, habilidades
para a vida em sociedade.
Andrade et al. (2007), ao tecerem considerações sobre a evolução do
ser humano, ressaltam “a importância da sociabilidade para o surgimento da
linguagem articulada e desta para a explosão da inventividade humana, o sur-
gimento da cultura e a emergência da autoconsciência” (p. 178). Desta maneira,
somos seres sociais, frutos de um processo evolutivo onde a consciência do
outro e de si, a linguagem e as emoções nos direcionam às aprendizagens da
cultura e desenvolvimento social.

POSSIBILIDADES DAS MORTES PREMATURAS DAS MENINAS

As possíveis causas das mortes tão prematuras das meninas se deve-


ram não só à mudança brusca de ambiente e a não adaptação plena dele, mas
também a falta de condições aceitáveis de realização da vida diária, como
higiene e alimentação.
Segundo a literatura, há algumas hipóteses para justificar a morte de
Amala: diarreia causada por vermes, nefrite e depressão. Já Kamala morreu de
nefrite, doença causada pela falta de higiene.
Depositamos todo o sentido se a depressão foi a causa-morte de Amala,
pelo distanciamento forçado de sua família de lobos. Desde o nascimento, o
homem depende do outro e estabelece vínculos de convivência, ou seja, é atra-
vés do cuidado, do afeto e das emoções que o homem se relaciona e interage,
tornando-se um ser sociável (ANDRADE et al., 2007) e, nesse sentido, Amala
não teve essa sequência.
Além disso, estudos comprovam que a falta do toque prejudica o desen-
volvimento humano, baixa a imunidade, ocasionando doenças (SELIGMAN,
2002) e, talvez, pela carência afetiva, Amala adoeceu.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


108
O neuroeconomista Paul Zak (apud CALDAS, 2013) afirma que as emo-
ções são aspectos constitutivos do desenvolvimento e do comportamento
humano. De acordo com seus estudos, a maioria das decisões tomadas tem um
componente emocional e que o hormônio oxitocina tem implicações na moral,
na confiança, nos atos de amor e bondade no próprio indivíduo e na relação
com as outras pessoas. Conforme entrevista concedida a Cadu Caldas (2013),
Paul Zak explica:

Quando o cérebro libera oxitocina ficamos mais sensíveis às


pessoas. Mais empáticos, compartilhamos emoções com os outros.
Raramente machucamos ou tratamos mal as pessoas com quem
compartilhamos emoções, porque isso nos causa dor também.
É neste sentido que a oxitocina é um hormônio “moral” (n.p.).

Ainda conforme Paul Zak (CALDAS, 2013), as pessoas são diferentes e os


comportamentos também, sugerindo a aceitação dessas diferenças, buscando
entendê-las para um convívio harmonioso.
Parafraseando Rousseau (1712 – 1778) que escreveu: “a razão forma o ser
humano, mas o sentimento o conduz”, o homem é razão, mas principalmente
emoção para a trajetória social de sua vida.

EDUCAÇÃO COMO VIA DE DESENVOLVIMENTO DO SUJEITO


E DA SOCIEDADE

Como abordado anteriormente, as meninas ficaram um período sem o


contato com outros seres humanos, deixando de realizar atividades de promo-
ção do seu desenvolvimento individual, social e cultural, em especial àquelas
relacionadas à educação desenvolvidas na escola.
Para o sociólogo Émile Durkheim (FERRARI, 2008), o indivíduo só con-
segue agir no contexto inserido através da aprendizagem proporcionada pelo
ambiente escolar, tendo como referência o professor, que o tornará hábil para
contribuir com o desenvolvimento da sociedade. Assim, os professores, em sua
particularidade e singularidade, são aqueles que podem fazer a diferença na vida
dos alunos, tratando-os com amor, atenção e respeito, não só na transmissão
efetiva dos conteúdos escolares, mas na troca de experiências, ações e atitudes
positivas, servindo-se como exemplo a ser seguido.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


109
Outros pensadores da educação como, Vigotsky, Piaget, Wallon, etc.,
afirmam a importância da interação do sujeito com o meio e com as outras
pessoas, estimulando, pois, o seu desenvolvimento e aprendizado do mundo
(FERRARI, 2008).
Assim, convém salientar que a escola é um espaço que contribui para o
desenvolvimento da cognição, habilidades motoras, socialização, afetividade,
emoções e cultura dos estudantes para a vida em sociedade, o que Amala e
Kamala não construíram significativamente.
Desta maneira, cabe à escola trabalhar os aspectos cognitivos, sociais,
culturais e afetivos das crianças. É na escola que as relações sociais e o trabalho
coletivo se desenvolvem, assim, há que se pensar formas de praticar a afetivi-
dade em sala de aula, visto sua importância para o desenvolvimento integral
do indivíduo, enquanto ser biopsicossocial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tecendo considerações finais sobre o caso Amala e Kamala, ficou claro


o isolamento social sofrido pelas meninas, não participando, a princípio, do
contexto em que nasceram, perdendo a socialização primária, muito útil à
sequência da aprendizagem social e cultural. As crianças passaram por um
período doloroso de mudança, adaptação e aprendizagem do comportamento
humano referente à compreensão do ambiente e dos modos de viver, onde a
educação, que deveria voltar-se à construção da cultura, não foi desenvolvida
de maneira adequada à situação difícil das meninas.
Ser um ser humano, diante disso tudo, é tornar-se e sentir-se deste modo
através das relações com o outro e com o mundo. É utilizar-se da linguagem e
das emoções para sua interação na cultura e sociedade a que pertence, tendo
a educação como suporte para a perpetuação e transformação dessa cultura.
Conforme Andrade et al. (2007, p. 190), “torna-se evidente que o humano
é forjado na linguagem e que toda conversa tem um fundo ético, porque consti-
tutiva do mundo humano, e revolucionário, porque capaz de mudar a história”.
Ressaltamos a importância do desenvolvimento da linguagem, da afetivi-
dade e da interação do sujeito com a cultura, especialmente através da educa-
ção, para a busca da identidade e construção da pessoa humana. Salientamos

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


110
também que a escola deve propiciar atividades coletivas para o desenvolvimento
dos indivíduos em suas potencialidades de modo que estes possam contribuir
para o desenvolvimento e transformação significativa da sociedade.

REFERÊNCIAS
ANDRADE, Luiz Antonio Botelho et al. O que é ser humano? In: Revista Ciências e Cognição. 2007;
vol. 12: 178 – 191. Disponível em: http://www.cienciasecognicao. org/pdf/v12/m347179.pdf. Acessos
em: 9 jun. 2014 e maio 2022.

CALDAS, Cadu. “A maioria das decisões tem um componente emocional” diz o neuroeconomista Paul
Zak. Entrevista à Zero Hora em 26 out. 2013. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/
noticia/2013/10/a-maioria-das-decisoes-tem-um-componente-emocional-diz-o-neuroeconomista-
paul-zak-4313311.html. Acessos em: 26 mar. 2014 e maio 2022.

DAL’OLIO, Edilene. A humanização social e a aprendizagem. Disponível em: http://www.


caminhosdoaprender.com.br/ahumanizaçãosocialeaaprendizagem.html. Acessos em: 31 mai. 2014
e maio 2022.

DAUSTER, Tania. Um saber de fronteira entre a Antropologia e a Educação. Disponível em: www.
formaeacao.com.br/Antrop_Ed_Ex01.pdf. Acessos em: 16 jun. 2014 e maio 2022.

FERRARI, Márcio. Grandes pensadores: 41 educadores que fizeram história, da Grécia Antiga aos dias
de hoje. In: Revista Nova Escola. Ed especial. Julho 2008.

KEMP, Kenia. Homem e Sociedade. São Paulo: Editora Sol. 2011. 152p. Disponível em: http://pt.scribd.
com/doc/89428529/Homem-e-Sociedade-Unid-I. Acessos em: 16 jun. 2014 e maio 2022.

JEAN-JACQUES ROUSSEAU. Biografia, obras principais, frases, ideias defendidas, filósofo iluminista. In:
Sua Pesquisa.com. Disponível em: https://www.suapesquisa.com/biografias/rousseau.htm. Acessos
em: 16 jun. 2014 e maio 2022.

PAUL ZAK, o Dr. Love, faz palestra sobre a química cerebral e o comportamento. Zero Hora, 3 nov.
2013. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/ economia/noticia/2013/11/paul-zak-o-dr-love-
faz-palestra-sobre-a-quimica-cerebral-e-o-comportamento-4321470.html. Acessos em 26 mar. 2014
e maio 2022.

PEIXOTO, B Ana Felipa. Crianças selvagens. In: O olhar da Psicologia. 2008. Disponível em: https://
psicob.blogspot.com/2008/04/crianas-selvagens.html. Acessos em: 31 mai. 2014 e maio 2022.

RIBEIRO, Flávia. Humanos criados como animais: coração selvagem. 2006. Disponível em: http://
guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/humanos-criados-como-animais-coracao-
selvagem-434572.shtml. Acessos em: 17 jun. 2014 e maio 2022.

RISCHBIETER, Luca. A triste história das crianças lobo ou Nem só de genes e cérebro vive o
homem. In: Revista Articulistas. 2014. Disponível em: http://www.educacional.net/articulistas/
luca_bd.asp?codtexto=220. Acessos em: 9 jun. 2014 e maio 2022.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


111
SANTOS, Sara et al. Crianças selvagens – Psicologia. 2008. Disponível em: https://pt.scribd.com/
doc/9111787/Criancas-Selvagens-Psicologia. Acessos em: 7 jun. 2014 e maio 2022.

SELIGMAN, Airton. O poder do toque. Revista superinteressante. N. 182. Nov. 2002. Disponível em:
https://super.abril.com.br/ciencia/poder-toque-443466.shtml. Acessos em: 17 jun. 2014 e maio 2022.

SLIDES VIVENDO ENTRE LOBOS. 2008. Disponível em: www.slideshare.net/franco4000/vivendo-


entre-lobos. Acessos em: 31 maio 2014 e maio 2022.

TED TALKS PAUL ZAK - Confiança, moralidade e oxitocina. 18/07/2013. Disponível em:https://
jornalggn.com.br/noticia/tedtalks-paul-zak-confianca-moralidade-e-oxitocina /. Acessos em: 26
mar. 2014 e maio 2022.

YARAK, Aretha. Oxitocina, a molécula da moral. Entrevista à Revista Veja em 30 jun. 2012. Disponível
em: http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/oxitocina-a-molecula-da-moral. Acessos em: 26 mar.
2014 e maio 2022.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


112
08

OS CAMINHOS PARA O DIAGNÓSTICO DA


IMPERCEPÇÃO BOTÂNICA: UMA
PROPOSTA PARA ALUNOS DE ENSINO
MÉDIO

Marcelo Henrique Torres de Medeiros


Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA)

Victor Vieira Oliveira


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

Ervens Windson Dias Olimpio


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

Mayra Gabriela Paiva de Lima


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

Ariele Pereira Nogueira


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

Vitor Saivo Regis da Silva


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

Wanessa Gabriela de Oliveira Souza


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

Alice Evelyn Silva do Nascimento


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

' 10.37885/231115040
RESUMO

O ensino de Botânica na educação básica apresenta desafios, tanto devido à


dificuldade dos alunos em assimilar os conteúdos, quanto à falta de ênfase dos
professores em abordar esse tema de maneira dinâmica e interativa. Portanto,
a estratégia mais eficaz para combater a ipercepção botânica é promover
uma educação precoce e consciente sobre as plantas. Portanto, este estudo,
apresenta uma proposta de sequência didática para o ensino e aprendizagem
de botânica com alunos do ensino médio, assim a presente sequência didática
foi elaborada considerando o contexto do aluno, nesse caso, envolvem con-
teúdos que permeiam o seu cotidiano. Assim, metodologias ativas, podem ter
um impacto significativo no processo de ensino e aprendizagem da botânica.

Palavras-chave: Alternativa Didática, Ensino de Plantas, Metodologia Ativa.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


114
INTRODUÇÃO

Atualmente o ensino de Ciências e Biologia no Brasil vem enfrentando


uma série de desafios, uma vez que ele carece de novas metodologias que
coloquem o aluno no centro do seu processo de aprendizagem, abandonando
a característica tradicionalista que possui (Costa, 2019).
Nessa mesma linha no pensamento Alves (2023) exemplifica, o ensino
de Botânica é um dos mais afetados por esses métodos “antiquados”, com
aulas focadas em memorização e repetição de termos, pois levam a exclusão
das características culturais e ambientais que os conteúdos de botânica trazem
para as discussões em sala de aula, guiando o aluno a desenvolver entraves
com os conteúdos de fitologia.
Essas dificuldades enfrentadas pelos discentes nas aulas de botânica
intensificam-se quando alinhadas ao Zoochauvismo, que pode ser entendido
como a tendência de os professores de ciências preferencialmente acharem
mais importante os conteúdos de zoologia em detrimento aos de botânica de
acordo com a discussão de BOZNIAK (1994).
Em concomitância, Piassa et al.(2022) relatam que também é possível
observar essa negligência botânica nos livros didáticos, bem como nos docu-
mentos curriculares oficiais como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC),
em concordância com essa afirmação de Uno (1994) reitera que em muitos
materiais didáticos e paradidáticos voltados para o ensino de ciências, os
exemplos sobre os conceitos biológicos são frequentemente associados aos
animais e pouco relacionados com as plantas, mesmo que esses possam ser
aplicados a todos os organismos vivos.
Nesse contexto de aprendizagem tradicional, os alunos tendem a não
gostar das aulas de botânica, uma vez que, os conteúdos apresentados em
sala de aula são cansativos e não atrativo. Assim, os professores de ciências,
ao abordarem os conteúdos de botânica, tanto no ensino médio como no fun-
damental, devem estar atentos aos termos de difícil compreensão, pois muitas
vezes os alunos constroem um conhecimento abstrato do assunto, dificultando
o processo de aprendizagem.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


115
Aliado a isso, quando os conteúdos ministrados em sala de aula afastam-se
do cotidiano do aluno, estes tornam-se distantes e difíceis, não motivando o aluno
para as problemáticas que o conteúdo traz para a sociedade (ZANON,1995).
De acordo com Salatino e Buckeridge (2016) o estudo dos organismos
vegetais até meados do século XX era reconhecida como Scientia amabili,
porém atualmente a botânica é caracterizada como Scientia neglecta, uma
consequência direta de um ensino tradicional e conteudista. Em razão da botâ-
nica ter tornado-se essa ciência negligenciada, Wandersee e Schussler (1999)
definiram o conceito de “cegueira botânica”, a qual nesse artigo será chamada
de “impercepção botânica”, que foi uma releitura proposta por Ursi e Salatino
(2022), que pode ser definido como a pouca percepção das pessoas sobre os
organismos vegetais que os rodeiam.
Aqueles que possuem a impercepção botânica apresentariam sintomas
que levariam os indivíduos a:

‘’(a) a incapacidade de ver ou notar as plantas no próprio ambiente;


(b) a incapacidade de reconhecer a importância das plantas na
biosfera e nos assuntos humanos; (c) a incapacidade de apreciar
as características estéticas e biológicas únicas das formas de vida
que pertencem ao Reino Vegetal’’ ( WANDERSEE et al., 2001).

Para Wandersee e Schussler ( 2001) a causa da “impercepção botânica”


está diretamente relacionada com a neurofisiologia, uma vez que, conforme
afirma Salatino e Buckeridge (2016) devido à característica das plantas serem
estáticas, não se alimentam de humanos e confundirem-se com o cenário de
fundo, tendem a ser ignoradas no processamento cerebral, a não ser que este-
jam em floração ou frutificação. Porém, segundo as considerações de Hershey
(2002), não há dados suficientes que corroborem que as causas da impercep-
ção botânica estão diretamente relacionadas com a percepção visual humana.
Desta forma, as razões que levariam os indivíduos a ignorarem os organismos
vegetais, seria o Zoochauvinismo e a negligência às plantas, fatos não elimi-
nados pelos autores do tema.
Desta forma, o mais acertado método de combate a impercepção botâ-
nica é uma educação precoce e consciente sobre as plantas, que alinhada
a metodologias de ensino podem trazer o conteúdo de botânica, ministrado

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


116
em sala de aula, para perto do cotidiano dos alunos, fazendo com que estes
percebam a importância socioambiental dos organismos vegetais conforme
Wandersee (2001).
Assim, partindo do pressuposto que o ensino tradicional contribui
significativamente para o desenvolvimento da impercepção botânica nos
alunos em idade escolar, uma vez que, esse afasta os conteúdos de ciências
do dia a dia dos discentes, uma sequência didática focada em aproximar os
conceitos botânicos com as vivências dos alunos poderá mitigar os efeitos da
impercepção botânica.
Dessa maneira, para ocorrer uma aprendizagem significativa é neces-
sário que o aluno consiga relacionar suas novas ideias expressadas de forma
simbólica com o que o mesmo já sabe, assim influenciando diretamente a sua
aprendizagem (AUSUBEL, 2002). Portanto, para que o processo de ensino e
aprendizagem seja satisfatório, é necessário o uso de metodologias ativas e
recursos didáticos apropriados em que o discente seja protagonista do seu
aprendizado (SALING, 2007).
Portanto, a presente proposta planeja elaborar uma sequência didática
conforme o modelo proposto por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) (figura
1), focada em aproximar as aulas de botânica dos alunos, fazendo que estes
percebam a importância dos organismos vegetais para a sociedade, combater
a impercepção botânica nos alunos do ensino médio, bem como, auxiliar os
docentes a verificar as variações na percepção dos alunos sobre a cegueira
botânica antes e depois da aplicação da técnica. Assim, espera-se que a pre-
sente proposta didática contribua para a diminuição das aulas tradicionais, tão
comuns no ensino de ciências.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


117
Figura 1. Esquema de uma sequência didática.

Fonte: Adaptado de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004).

Sobre a impercepção botânica e suas possíveis causas

Como comentado anteriormente, a “impercepção botânica “pode ser


entendida como a pouca sensibilidade que algumas pessoas possuem sobre os
organismos vegetais que os rodeiam, fazendo com que essas ignorem a impor-
tância das plantas na manutenção dos ecossistemas, bem como, perdendo o
desejo de estudar esses seres vivo.
É notório que existe uma tendência das pessoas ignorarem os organismos
vegetais durante o seu cotidiano, para Wandersee e Schussler (2001) isso se deve
ao uma característica evolutiva, pois segundo esses a causa da “impercepção
botânica” está diretamente relacionada com a neurofisiologia, uma vez que, a
visão humana gera dez milhões de bits por segundo, desses apenas 40 bits por
segundo são extraídos pelo cérebro, ao final a quantidade de dados finalmente
processada é de 16 bits, na mesma unidade de tempo. Assim, somente 0,00016%
dos dados produzidos pelos nossos olhos são processados, priorizando os
movimentos que podem ser ameaçadores ou possuírem um padrão conhecido.
Conforme exemplifica Salatino e Buckeridge (2016), caso fosse mostrado
a uma pessoa aleatória uma imagem de uma savana onde pudesse observar
animais e plantas convivendo e perguntássemos o que ela estaria observando,
provavelmente ela responderia estar vendo os animais, confirmando que devido
às plantas serem estáticas, essas são ignoradas no processo cerebral.
Entretanto, a “impercepção botânica” pode-se desenvolver-se por inter-
médio de uma educação bancária em que somente o professor é o detentor
do conhecimento e o aluno é apenas o “depósito” do conteúdo (FREIRE, 1974).
Somado a isso, temos a formação de professores e pesquisadores leigos em

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


118
botânica que desenvolvem uma visão zoochauvinista do ensino de biologia,
fazendo com que os conteúdos de fitologia sejam ignorados.
Assim, em uma sociedade em que a “impercepção botânica” é persis-
tente, há diversas consequências para a manutenção do meio-ambiente, visto
que a falta de conhecimentos sobre a importância dos organismos vegetais
pode fazer com que as pessoas deixem de se preocupar com os ecossistemas,
nos colocando em um caminho da destruição ambiental, levando a grandes
desgastes de animais e pessoas.

A importância do desenvolvimento da sequência didática

Frequentemente, quando pensamos em ensinar ciências, imaginamos


uma abordagem que usa termos complexos, dificultando a compreensão e
tornando o aprendizado entediante. No ensino de botânica, há uma tendência
tradicionalista em que os professores, devido à falta de formação sólida nessa
área durante a graduação e uma preferência por lecionar os conteúdos zooló-
gicos, acabam formando profissionais inexperientes em no ensino de botânica
(UNO, 1994). Essa situação é uma das principais razões pelas quais as aulas de
botânica no Brasil e no mundo parecem estar presas em um círculo vicioso de
repetição de conteúdos e falta de inovação (SALANTINO, 2016).
Com isso em mente, para que o processo de ensino e aprendizagem seja
satisfatório, é necessário o uso de metodologias ativas e recursos didáticos apro-
priados que tenham o discente como protagonista do seu aprendizado (SALING,
2007). Nesse contexto o docente é um importante mediador entre o conheci-
mento e o educando, sendo uma ponte entre saberes e pessoas (SILVA, 2007).
Em um ensino que os conteúdos de botânica são subvalorizados e
focados em repetições e memorizações, há inevitavelmente uma construção
por parte dos alunos de um conhecimento abstrato do assunto, dificultando
o processo de aprendizagem. Consequentemente, há o desenvolvimento de
impercepção botânica nos discentes, ocasionando uma pouca afinidade com
os organismos vegetais.
Neste contexto, segundo a pesquisa de Wandersee e Schussler (2001),
a melhor forma de combater essa condição padrão humana, que conhecemos
como “impercepção botânica”, é uma educação precoce, significativa e consciente

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


119
sobre as plantas, conjuntamente com experiências pessoais, guiadas e diretas
com o crescimento dos organismos vegetais.
Assim, para enfrentar as dificuldades do ensino de botânica e desenvol-
ver uma posição crítica no aluno, o desenvolvimento de sequências didáticas
são de grande auxílio, uma vez temáticos e procedimentais (ARAÚJO, 2003).
Desta forma, ao elaborar uma prática pedagógica deve-se permitir ao longo
da sua aplicação o pensamento reflexivo, conduzindo os alunos na construção
de um senso crítico perante as problemáticas apresentadas em cada etapa.
Tendo isso em mente, a produção de material didático voltado para o
ensino de botânica é de extrema importância para a educação brasileira, uma
vez que, segundo Ursi et al.(2018), quando se é analisado as pesquisas em edu-
cação de ciências, percebe-se um grande número dessas em diversas áreas do
conhecimento biológico, porém não é observado o mesmo quanto a botânica.
Assim, faz-se necessário a realização de pesquisas que sejam mais abrangentes
e sintonizadas com particularidades múltiplas presentes nessa área.

METODOLOGIA

Entendendo a importância da sequência didática como uma estratégia


didática útil para o trabalho docente, por ajudar a tornar o processo de ensino
mais organizado, dinâmico e efetivo, a presente proposta adaptou os estudos
de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), que definiram a estrutura básica de
uma sequência didática. Isso posto, a proposta de intervenção tem um carác-
ter revisional, dessa maneira a proposta da sequência didática objetiva revisar
os conteúdos de sistemática e morfologia vegetal durante 8 horas/aulas com
alunos de ensino fundamental e ensino médio que já tenham estudado esses
conteúdos em aulas anteriores.
Desta forma, considerando a abordagem do presente estudo, as etapas
da sequência didática também foram elaboradas considerando a dificuldade
de o aluno perceber a botânica, conforme as características da “impercepção
botânica” proposto por Wandersee e Schussler (1999). Assim, as etapas da
presente proposta didática deverão ocorrer em quatro módulos, em que os dis-
centes poderão ter maior contato com os conteúdos de botânica, visando uma
aprendizagem significativa, proporcionando a construção de um conhecimento

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


120
ativo, em vez de simplesmente memorizar as informações ministradas em sala
de aula isoladamente.

Quadro 1. Questionário sobre impercepção botânica.


Questões a serem aplicadas com os discentes
No nosso dia a dia interagimos constantemente com os mais diversos tipos de seres vivos, os quais vivem ao
nosso redor, pensando nisso de exemplos de alguns desses seres vivos com os quais você convive.
É certo que os seres vivos contribuem para o equilíbrio do nosso planeta, assim cada ser vivo tem um papel
a desempenhar na natureza. Na sua concepção quais organismos são de extrema importância para a manu-
tenção da biosfera?
Nos ambientes em que você costuma frequentar é comum observar a presença de plantas?
Ao visitar um ambiente natural (praias, rios, parques de conservação) você costuma observar com maior
frequência quais tipos de seres vivos?
Durante as aulas de biologia estudamos os mais diversos tipos de seres vivos como plantas, animais, fungos,
etc. Dessa forma, dentre esses estudos você considera importante as aulas de botânica?
Durante o seu ensino fundamental você teve aulas de botânica?
Fonte: Autoria própria (2023).

Quadro 2. Modelo para análise da alimentação.


Classificação
Nome
Refeição Alimentos Vegetais Monocotiledônea e Família Espécie
Popular
Eudicotiledônea
Café
Lanche
Almoço
Lanche
Janta
Fonte: Autoria própria (2023).

Quadro 3. Questionário sobre a análise realizada pelos alunos.


Qual subgrupo das Angiospermas é mais consumido por você?
Qual subgrupo das Angiospermas é mais consumido por sua turma?
Qual subgrupo das Angiospermas é mais consumido pelo seu grupo?
Quantas famílias compõem a lista?
Quantas espécies existem em sua lista?
Qual família é a mais rica no número de espécies em sua lista?
Fonte: Autoria própria (2023).

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


121
RESULTADOS E DISCUSSÃO

Questionário avaliativo sobre a impercepção botânica

Inicialmente, para avaliar se os alunos apresentam características da


impercepção botânica, é proposto um teste (quadro 1) composto por cinco
questões subjetivas com abordagem problematizadora, elaboradas com base
nos “sintomas” da “impercepção botânica” proposto por Wandersee e Schus-
sler (1999), como também, busca analisar se durante a vida escolar do aluno o
mesmo assistiu aulas de botânica. Assim, nesta etapa a carga horaria destinada
para a realização da atividade é de 2 horas/aulas, e espera-se que as respostas
dos alunos ao questionário possibilitem ao professor levantar discussões sobre a
importância da botânica como ciência para a sociedade. Com isso, é necessário
reconhecer a importância da potencialidade da análise do conhecimento prévio
dos estudantes no momento da prática de ensino (2023).

TBL (Team-basead Learning) para reconhecer as plantas presentes na


alimentação

Conforme é destacado por Salatino e Buckeridge (2016) e corroborado por


Ursi et al. (2019), é importante destacar o processo de urbanização, especificada-
mente a industrialização dos alimentos, como uma das causas da “impercepção
botânica”, uma vez que, muitos dos frutos, legumes e raízes que consumimos
chegam até a nós processados, inviabilizando o contato com as plantas que
estamos comendo. Considerando isso, após a conclusão do primeiro módulo
os alunos poderão ser separados em grupos para participar de uma atividade
de TBL com duração de 2 horas/aula. Essa atividade consistirá na análise da
alimentação dos alunos por eles mesmos, conforme o modelo apresentado no
(quadro 2), com o objetivo de ajudá-los a identificar a presença de organismos
vegetais em seus alimentos. Após isso, os alunos em grupos irão juntar os dados
obtidos pelos mesmos e responder seis perguntas (quadro 3) sobre as famílias
botânicas presentes na sua alimentação.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


122
Conhecendo os órgãos reprodutivos das flores

Segundo Hoernig e Pereira (2001), a utilização de atividades práticas em


sala de aula torna descomplicada uma primeira experiência com o conteúdo
apresentado em sala de aula, auxiliando na construção de uma compreensão
mais concreta e palpável do assunto em questão, oportunizando a exploração
dos fenômenos presentes no meio ambiente por intermédio da experimentação.
Considerando isso, nesta etapa da sequência didática, os estudantes, com
a orientação do professor, terão a oportunidade de visitar os espaços verdes da
escola. (ou um parque ecológico), onde serão realizadas coletas de estruturas
reprodutivas florais de diversas espécies vegetais, desta forma, os discentes
poderão ter uma experiência prática do conteúdo botânico.
Após essa etapa inicial, os alunos conseguiram observar as estruturas
das flores coletadas, como pétalas, sépalas, estames, estigmas, ovário etc. em
bancada simples ou na própria carteira. Caso a escola tenha disponível uma
lupa eletrônica, estruturas menores poderão ser observadas, como detalhes
dos órgãos reprodutivos florais.
Assim, com essa experimentação, espera-se obter êxito em duas dimen-
sões: “fazer ciências “e “compreender ciências” (SERÉ, 2002) possibilitando que
as aulas de botânica obtenham mais êxito, fazendo o estudante compreender
melhor a linguagem da natureza que se manifesta no seu cotidiano.

Construção de modelos didáticos e verificação dos conhecimentos

Segundo as considerações de Melo et al. (2012) faltam atividades práticas


e material didático que auxiliem o docente nas suas aulas, esse fato está direta-
mente ligado ao desinteresse dos alunos pelo estudo da botânica, desta forma
a última etapa da metodologia aplicada será a construção de modelos didáticos
das estruturas florais observadas na etapa anterior, utilizando massa de modelar
(ou material semelhante), os discentes com base no que aprenderam na etapa
anterior irão reproduzir as estruturas florais, ao final os modelos produzidos
serão avaliados, quanto ao seu rigor científico pelo professor. Assim, o aluno ao
ter maior autonomia sobre a utilização dos conhecimentos adquiridos poderá

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


123
desenvolver uma aprendizagem significativa, como também, permitirá uma
maior aproximação dos conteúdos de botânica trabalhados em sala.
Além disso, quando o aluno tem maior autonomia sobre a utilização dos
conhecimentos adquiridos, ele pode desenvolver uma aprendizagem significa-
tiva (AUSUBEL, 2003). Isso ocorre porque ao aplicar seus conhecimentos de
forma autônoma, ele consegue compreender melhor os conceitos estudados e
fixá-los de forma mais profunda. Essa aprendizagem significativa pode levar a
uma maior retenção do conhecimento e permitir que o aluno utilize os conceitos
em situações futuras, dentro ou fora do ambiente escolar.
Após a aplicação da sequência didática, o professor irá analisar a eficácia
da técnica com os alunos, discutindo as respostas dadas nas etapas 1 e 2 com
a turma, observando se ao longo das atividades os sintomas da impercepção
botânica observados inicialmente persistiram ou foi possível desenvolver nos
discentes uma maior compreensão da botânica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, é certo que o ensino de botânica carece de novas


metodologias que fujam das repetições e memorizações que atualmente é
uma característica desse em muitas salas de aula. Portanto, é necessário que
o professor no seu planejamento considere o contexto social ao qual o aluno
está inserido, fazendo com que as suas aulas sejam mais dinâmicas e inte-
rativas, proporcionando ao discente tornar-se protagonista no seu processo
de aprendizado. Ademais, a “impercepção botânica” é um fenômeno ainda
ignorado por muitos educadores, fazendo com que muitos alunos concluam o
ensino médio, tendo essa dificuldade em reconhecer a importância das plantas
na manutenção dos ecossistemas.
Portanto, conforme discutido, a adoção de uma sequência didática que
incorpore conceitos botânicos em situações do dia a dia, bem como a utiliza-
ção de metodologias ativas, pode ter um impacto significativo no processo de
ensino e aprendizagem da botânica. Essa abordagem também pode ajudar os
professores a fomentar uma mentalidade científica em seus alunos, o que é fun-
damental para o desenvolvimento de habilidades críticas e analíticas. É imperativo

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


124
que educadores e pesquisadores apliquem essa sequência didática, a fim de
combater a falta de compreensão botânica entre os alunos do ensino médio.

REFERÊNCIAS
ALVES, T.L. et al. A CEGUEIRA BOTÂNICA: QUAL A SUA RELAÇÃO AO ENSINO DA BIOLOGIA
VEGETAL? Recima21, [S. L.], v. 4, n. 2, p. 09-16, fev. 2023.

ARAÚJO, D.L. O que é (e como faz) sequência didática? Entrepalavras, Fortaleza, v. 3, n. 1, p. 322-
334, mar. 2013.

AUSUBEL, D.P. Aquisição e Retenção de Conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Lisboa:


Plátano, 2003.

BOZNIAK, E.C. Challenges facing plant biology teaching programs. Plant Science Bulletin, v. 40, p.
42-26, 1994.

COSTA, E et al. A gamificação da Botânica: uma estratégia para a cura da “cegueira botânica; Revista
Insignare Scientia - RIS, v. 2, n. 4, p. 79-99, 19 dez. 2019.

DOLZ, J. ; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação
de um procedimento. In: SCHNEUWLY, B; DOLZ, J. Gêneros Orais e escritos na escola. Trad. e org.
ROJO, R.; CORDEIRO, G. S. São Paulo: Mercado das Letras, 2004, p. 95-128.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 1.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.

GOMES, A. M. A et al. Os saberes e o fazer pedagógico: uma integração entre teoria e prática. Educar,
Curitiba, n. 28, p. 231-246, 2006. Editor UFPR

HERSHEY, D. R. Plant blindness: “we have met the enemy and he is us”. Plant Science Bulletin, v. 48,
n. 3, p. 78-85, 2002. Disponível em: http://botanicaonline.com.br/geral/arquivos/Hershey.2002.pdf.
Acesso em: 15. set. 2022

HOERNIG, A. M.; PEREIRA, A. B. As aulas de ciências iniciando pela prática: o que pensam os alunos.
Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, [S. l.], v. 4, n. 3, 2011. Disponível em: https://
periodicos.ufmg.br/index.php/rbpec/article/view/4070. Acesso em: 20 mar. 2023.

IACHEL, G. O Conhecimento Prévio de Alunos do Ensino Médio Sobre as Estrelas. Revista Latino-
Americana de Educação em Astronomia, São Carlos (SP), n. 12, p. 7–29, 2011. DOI: 10.37156/RELEA/2011.12.007.
Disponível em: https://www.relea.ufscar.br/index.php/relea/article/view/161. Acesso em: 14 mar. 2023
MELO, E. A et al. A aprendizagem de botância no ensino fundamental: Dificuldades e desafios.
Scientia Plena, [S. l.], v. 8, n. 10, 2012. Disponível em: https://www.scientiaplena.org.br/sp/article/
view/492. Acesso em: 20 set. 2022.

PIASSA, G. et al. Os conceitos de cegueira botânica e zoochauvinismo e suas consequências para


o ensino de biologia e ciências da natureza. Revista Internacional de Pesquisa em Didática das
Ciências e Matemática, [S. l.], v. 3, p. e022003, 2022. Disponível em: https://periodicoscientificos.itp.
ifsp.edu.br/index.php/revin/article/view/641. Acesso em: 13 set. 2022.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


125
RICHTER, E. et al. Aprendendo e construindo saberes sobre teias e cadeias alimentares. CCNEXT v.3
Ed. Especial- XII EIE- Encontro sobre Investigação na Escola, 2016, p. 59– 64.

SALATINO, A.; BUCKERIDGE, M. “Mas de que te serve saber botânica?”. Estudos Avançados, v. 30,
n. 87, p. 177-96, 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ea/a/z86xt6ksbQbZfnzvFNnYwZH/
abstract/?lang=pt. Acesso em: 30. jun. 2022.

SALING, S. C. Modelos didáticos: uma alternativa para o estudo de anatomia. Paraná, 2007. Disponível
em http://cacphp.unioeste.br/eventos/OLD_mesmo_antigos/.../EE_08.pdf. Acesso em: 19 fev 2023.

SÉRÉ, M. G. La enseñanza en el laboratorio: ¿qué podemos aprender en términos de conocimiento


práctico y de actitudes hacia la ciencia?. Ensino de Ciências, Orsay, v. 20, n. 3, p. 357-368, jun. 2002.

SILVA, I. M. O professor como mediador. Cadernos de Pedagogia Social, n. 1, p. 117-123, 1 jan. 2007.

UNO, G. E. The state of precollege botanical education. The American Biology Teacher, v. 56, n.5,
p. 263-267, 1994. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/4449818. Acesso em: 20. ago. 2022

URSI, S. et al Ensino de Botânica: conhecimento e encantamento na educação científica. Estudos Avançados,


v. 32, n. 94, p. 7-24, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ea/a/fchzvBKgNvHRqZJbvK7CCHc/
abstract/?lang=pt. Acesso em: 20.ago. 2022.

URSI, S.; SALATINO, A. Nota Científica - É tempo de superar termos capacitistas no ensino de
Biologia: impercepção botânica como alternativa para “cegueira botânica”. Boletim de Botânica,
[S. l.], v. 39, p. 1-4, 2022. DOI: 10.11606/issn.2316-9052.v39p1-4. Disponível em: https://www.revistas.
usp.br/bolbot/article/view/206050. Acesso em: 13 mar. 2023.

WANDERSEE, J. H; SCHUSSLER, E. E. Preventing plant blindness. The American Biology Teacher,


Oakland, v. 61, n. 2, p. 284-286, abr. 1999. WANDERSEE, J. H; SCHUSSLER, E. e. Toward a theory of
plant blindness. The American Biology Teacher, Oakland, v. 47, n. 1, p. 2-9, jul. 2001.

ZANON, L. B.; PALHARINI, E. M. A química no ensino Fundamental de ciências. Química Nova, n.


2, p. 15-18, nov. 1995

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


126
09

POR TRÁS DA CENA: DIMENSÕES DO


ENSINO DE TEATRO NA ESCOLA

Daniele Lopes dos Santos


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

' 10.37885/231014706
RESUMO

O presente relato pretende compartilhar com o leitor uma experiência de


ensino de teatro para adolescentes do sétimo ano do Colégio de Aplicação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (CAp-UFRJ), durante o ano letivo de
2018. Dedica-se especial atenção às reflexões sobre as múltiplas possibilidades
para o ensino de teatro no ambiente escolar, considerando-se especialmente
os conceitos de improvisação e colaboração como facetas contemporâneas
para o ensino de teatro, além da cena.

Palavras-chave: Pedagogia do Teatro, Jogo, voz, Sonoplastia, Figurino.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


128
INTRODUÇÃO

O presente relato, busca detalhar uma experiência no campo da Peda-


gogia do Teatro, ocorrida no Colégio de Aplicação da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, o CAp-UFRJ, no ano de 2018.
O Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro é uma
instituição de ensino básico vinculada à UFRJ, localizada no Rio de Janeiro. Ele
funciona como uma unidade de educação básica, oferecendo educação infantil,
ensino fundamental e médio.
O principal propósito do Colégio de Aplicação é servir como um espaço
para experimentação e aplicação de métodos inovadores de ensino, além de
possibilitar a formação de professores e a produção de conhecimento na área
educacional. Por esse motivo, as aulas oferecidas aos alunos de ensino básico,
são acompanhadas, também, por alunos de licenciaturas da UFRJ.
Assim, esse relato leva em consideração o contexto de trabalho em um
colégio de aplicação e uma série de estudos que embasam as práticas ali desen-
volvidas. Neste caso, em específico, o objetivo era proporcionar um olhar para
o Teatro que não levasse em conta somente o trabalho de ator, como também
outras múltiplas possibilidades criativas e artísticas.
Desse modo, o trabalho desenvolvido com os alunos adolescentes do
sétimo ano, buscou pesquisar, além do trabalho corporal e vocal do ator, a
sonoplastia, o roteiro, o cenário e o figurino, considerando como referencial,
diversos elementos e práticas contemporâneas de criação de cenas.

DETALHAMENTO DA EXPERIÊNCIA

A experiência com a turma do Colégio de Aplicação, aconteceu durante


todo o ano letivo de 2018. Cabe ressaltar que a turma já havia tido aulas de Teatro
na escola, no ano anterior, quando estavam no sexto ano do Ensino Fundamental
II. Por esse motivo, estavam acostumados com jogos de improvisação, a partir
dos quais realizavam, também, a avaliação de cenas.
Os alunos, no ano anterior, tiveram oportunidade de experimentar de
forma iniciatória, o o uso de objetos cênicos, adereços e figurinos em uma quan-
tidade reduzida de aulas, por questões burocráticas do colégio para o acesso

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


129
ao material. Além disso, no ano de 2017, os alunos tiveram o primeiro contato
com o Teatro. Por isso, o foco não era explorar todos os elementos da cena,
mas construir aos poucos alguns conhecimentos básicos do trabalho de ator.
No segundo ano de trabalho, percebemos a necessidade de aprofun-
dar o trabalho com os suportes cênicos, pelo próprio interesse que os alunos
demonstravam nesse sentido.
No início do ano, antes de começarmos o trabalho com os suportes cêni-
cos, retomamos as práticas com improvisações de cena e uma das propostas
realizadas foi um jogo de dublagem e sonoplastia. Divididos em grupos, os
alunos criaram uma improvisação, na qual alguns dele estavam em cena, em
uma situação específica e outros estavam fora de cena, criando sonoplastia ao
vivo, com objetos disponibilizados por mim, além de fazerem a dublagem dos
atores que estavam no palco.
Essa experiência foi muito bem recebida pelos adolescentes, por variadas
razões. Muitos deles, nessa fase da vida, apesar de gostarem dos jogos teatrais,
se sentem envergonhados de estar em cena. No entanto, esses mesmos alunos,
se sentiram muito confiantes na posição de dubladores e sonoplastas. Além
disso, a experimentação dos objetos sonoros teve muita aderência da turma
que, desde o ano anterior, já demonstrava interesse nesse tipo de trabalho.
Soma-se a isso, o fato de que essa experiência veio ao encontro das minhas
próprias necessidades de pensar o ensino de teatro par além do trabalho de
ator, de forma mais sistemática. Assim, a partir dessa improvisação, junto aos
licenciandos da UFRJ, começamos a construir um projeto a ser desenvolvido
ao longo do ano, para o aprofundamento do trabalho com elementos da cena,
para além do trabalho de ator.
Assim, foi desenvolvido um processo mais consistente de experimentações
de sonoplastia a partir de objetos do cotidiano e instrumentos musicais. Esse
processo buscou a pesquisa de sons extra cotidianos a partir de instrumentos
e objetos comuns. Por exemplo, um brinquedo chamado rói-rói, foi utilizado
para fazer o barulho de uma porta antiga abrindo e fechando. Também foram
feitas experimentações vocais de sonoplastia e pesquisa de sons criados
de forma digital.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


130
O aprofundamento do uso da sonoplastia se deu juntamente às impro-
visações de cena e ao exercício de dublagem, que passou a fazer parte das
improvisações, durante o primeiro bimestre do ano.
A partir do segundo bimestre, o trabalho foi focado na construção de
um roteiro de cena, a partir das improvisações feitas com os alunos. Nesse
momento, a experimentação de sons continuou se desenvolvendo, mas a partir
desse ponto, os grupos não mais se revezariam nas improvisações. Fizemos um
sorteio dos grupos que trabalhariam juntos, após uma votação com os alunos
sobre a forma como os grupos seriam divididos.
Nesse momento, demos sequência ao trabalho com as improvisações,
sonoplastia e dublagem e selecionamos uma data limite para que os alunos
criassem uma improvisação que seria a base da cena, a ser aprofundada nos
demais bimestres. Todo esse trabalho foi mediado no sentido de ampliar o
olhar dos alunos não somente para os elementos técnicos, mas para o discurso
da cena. Ressalta-se, entretanto que a base para esse trabalho foi construída
no ano anterior, visto que o discurso, sempre foi um ponto importante dos
debates com a turma.
A partir do terceiro bimestre, já com as improvisações estruturadas, os
alunos foram orientados na construção de um roteiro de cena, a partir do que
haviam criado na prática. Esse roteiro serviu de base para posterior operação
de som das cenas.
Nesse bimestre, também recebemos uma aluna formanda em indumen-
tária da UFRJ para que ela desenvolvesse um projeto de trabalho voltado para o
figurino, com os alunos do CAp. Esse projeto foi integrado ao projeto principal
que já estava em andamento, de forma a contemplar o trabalho que já estava
sendo feito e a proposta de formatura da graduanda.
Assim, chegamos a um modelo de estações de trabalho nas aulas sema-
nais de Artes Cênicas. Os grupos eram divididos, fisicamente, em espaços
variados de criação e revezavam-se entre eles. Assim, em uma mesma aula,
alguns alunos estavam criando figurinos em uma estação, enquanto outros
estavam aprimorando o desenho de cena e outros trabalhando com repetições
e o aprimoramento do trabalho de voz e sonoplastia.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


131
Abaixo, segue um exemplo de prancha de figurino criada por um dos
alunos adolescentes. Os alunos aprenderam sobre a função simbólica das cores
nos figurinos, além de outros aspectos ligados a leitura visual da indumentária.

Figura 1. Prancha de figurino criada por um dos alunos do sétimo ano.

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2018).

Por fim, chegamos a uma versão final das cenas, com sonoplastia e figurino,
que foram apresentadas para os próprios alunos, durante uma aula especial no
final do ano letivo. Essa apresentação materializou os figurinos propostos pelos
alunos, utilizando o acervo pessoal de todos os envolvidos no processo, além
do acervo do colégio. A sonoplastia final utilizou brinquedos, objetos cotidianos
e sons produzidos digitalmente. Os alunos estavam extremamente animados
com as apresentações, o que se tornou o encerramento festivo desse projeto.
Essa experiência foi a culminância de uma série de fatores que se integra-
ram e dialogam diretamente com as proposições teóricas que apresento a seguir.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


132
DISCUSSÃO

Teatro ou Educação? Essa pergunta está presente nas mais diversas


pesquisas no campo da Pedagogia do Teatro e moveu o trabalho realizado no
colégio de aplicação. Nesse sentido, segundo a professora Ingrid Koudela, no
livro Jogos Teatrais:

Toda proposta de Teatro-Educação se debate em torno da definição


do binômio que constitui seu fundamento. Até que ponto o orientador
de um grupo de crianças ou adolescentes deve encaminhar o trabalho
para o lado artístico ou até que ponto o ensino artístico é de menor
importância, considerando-se que está lidando em primeiro lugar
com uma atividade de caráter formativo?” (KOUDELA, 2017, p.17)

Esse questionamento nos faz refletir não somente sobre o Teatro e a


Educação contemporaneamente, mas sobre os percursos do Ensino de Teatro
que nos trouxeram até aqui. Nesse sentido, é importante destacar que em um
passado não muito distante, as diferenças entre um dito teatro formal e um
dito teatro educativo, eram reforçadas de tal maneira, que reverberam até hoje.
Assim, o professor Arão Paranaguá, destaca que:

Apesar dos avanços teóricos e metodológicos que vieram à tona


com esses movimentos (à época da escola nova), predominou
na escola uma visão espontaneísta que velava a essência da arte
dando ênfase à livre-expressão, ao invés de instaurar experimentos
geradores de saberes, práticas e fruição de obras. Educadores
e artistas desfraldaram bandeiras alardeando a importância do
processo educativo em detrimento do produto estético, seja nas
escolas ou nos movimentos políticos de conscientização popular.
(...)Era esse o pensamento praticado na escola brasileira quando
a Educação Artística foi implantada, salvo raríssimas experiências
isoladas. Nas aulas de Artes Cênicas, os professores limitavam-
se a propor temas e distribuir material, deixando os alunos livres
para improvisar à vontade. Somente aqueles mais tradicionais
incorporavam o texto dramático, sendo muito comum a montagem
de pecinhas em datas comemorativas. Nesse cenário, desenvolveu-
se uma pseudoteoria que separava o que era arte do que poderia
ser educação, mapeando em categorias estanques o teatro formal
e o teatro educativo. (SANTANA, 2002, p.247)

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


133
É importante iluminar que Paranaguá se refere ao momento em que as
propostas da escola nova ganharam espaço ao Brasil, na década de 1940 e ao
movimento de criação das Escolinhas de Arte do Brasil que ajudaram a difundir,
naquele momento, o pensamento da arte como livre-expressão. Além disso,
destaca-se a estanque separação entre o teatro formal e o teatro educativo,
como se esse último devesse assumir um caráter quase recreativo.
Desse modo, revisitar a pergunta “Teatro ou Educação?”, moveu uma
prática que buscou iluminar facetas do Teatro Contemporâneo, compreendendo
o Teatro feito na escola, como “Teatro” e não como “Teatro Educativo”. Assim,
o Ensino de Teatro se articula com o que a professora Maria Lúcia Pupo chama
de visões contemporâneas da Arte. Ou seja, o ensino de teatro articulado com
as produções artísticas contemporâneas, tanto no sentido de considerar seus
aspectos mais formais, quanto as possibilidades de processos criativos que
levem em consideração os contextos dos atores sociais ali envolvidos.
Nesse sentido, na obra “Léxico da Pedagogia Teatral”, encontramos:

O ensino do teatro precisa ser pensado em tensão com as


experiências artísticas de seu tempo, vinculando o processo de
aprendizagem às realizações cênicas contemporâneas. Nesse
sentido podemos destacar dois aspectos que tanto são marcantes
nas atuais condições de produção da cena teatral, quanto podem
ser tomados como procedimentos relevantes nos processos de
aprendizagem: improvisação e colaboração. (KOUDELA, 2015,
p.125-126)

A improvisação e a colaboração são apenas dois aspectos, que trazemos


nesse recorte, dentre muitas possibilidades de diálogo que o Teatro Contemporâ-
neo nos oferece. Nessa experiência, esses dois elementos foram de fundamental
importância para o percurso aqui abordado.

A improvisação a partir de práticas ancoradas na dimensão lúdica: o


sistema de jogos teatrais

Os jogos teatrais se referem ao sistema de jogos criado por viola Spolin


na década de 1940 e que chegaram no Brasil através das pesquisas e traduções
da professora Ingrid Koudela, já na década de 1970.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


134
Os jogos teatrais de Viola Spolin foram amplamente divulgados no Brasil
e estão presentes não só em ambientes educativos formais, mas também nos
não formais, além de fazer parte de processos de montagens profissionais.
Desde que chegou ao Brasil, o trabalho de Spolin foi muito importante, inclusive
para repensar processos criativos de peças de teatro para crianças. Assim, os
artistas que puderam experimentar o sistema de jogos teatrais tiveram a opor-
tunidade de rever seus modos de fazer, horizontalizando as relações entre os
atores e seu público.
É importante destacar o caráter lúdico, social, presente no jogo de regras e
que foram absorvidos pelo sistema da Viola Spolin para o ensino de teatro. A autora
apresenta jogos com problemas a serem resolvidos pelas crianças através de
elementos da cena, em um sistema extremamente organizado, inclusive em
níveis de dificuldade, o que facilita o uso do material por professores.
No entanto, o trabalho de Spolin não é unânime no meio teatral. Isso
significa que apesar de ser uma proposta muito bem desenvolvida, apresenta
certos aspectos que necessitam de um olhar crítico do professor. Nesse sentido,
Flávio Desgranges (2020, p.118) afirma que: um aspecto geralmente questionado
no sistema de Jogos Teatrais é a pouca atenção dada, durante as avaliações
das cenas, a uma abordagem crítica dos aspectos político-sociais presentes
nos acontecimentos criados pelos participantes.
Esse aspecto levantado pelo pesquisador, é de fundamental importância
para que o Ensino do Teatro não fique focado somente em questões técnicas,
ainda que estas sejam importantes de serem abordadas, no sentido de que
agregam ao discurso cênico.
No trabalho desenvolvido no Colégio de Aplicação, com os alunos do
sétimo ano, o foco era não somente desenvolver improvisações tecnicamente
potentes, explorando os elementos da cena, mas a percepção que a cena acaba
por compor discursos que devem ser problematizados e avaliados juntamente
com os elementos cênicos abordados.
Nesse sentido, o sistema de Viola Spolin foi utilizado principalmente para
que os alunos pudessem construir cenas explorando seus elementos das mais
diversas formas, levantando possibilidades criativas. No entanto, somaram-se
ao processo outras referências de trabalho que pudessem levar os alunos a

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


135
compreenderem os discursos criados ao longo do processo a fim de proble-
matizar questões relativas a eles.

A colaboração como prática contemporânea em Teatro.

Em um primeiro momento, abordaremos conceitualmente o que com-


preendemos como processo colaborativo para a criação artística contemporânea
em Teatro, para em um segundo momento estabelecer diálogos entre o Teatro
Contemporâneo e o Ensino de Teatro.
Nesse sentido, o primeiro ponto a iluminar é a noção de que criar em cole-
tivo não é uma novidade no teatro, ou seja, não é uma invenção contemporânea,
mas sim uma forma de reatualização de práticas de criação compartilhada que
fazem parte do fazer teatral.
A proposta de colaboração, reaparece contemporaneamente fazendo
uma fricção com o conceito de criação coletiva. Em realidade, a aproximação
ou distanciamento entre esses conceitos não é um ponto pacífico entre os
pesquisadores de Teatro. Assim, o olhar que esse relato propõe para a noção
de “criação coletiva” e para o “processo colaborativo” dialoga com as pesquisas
de Antônio Araújo, de Rafael Ary e Luís Alberto de Abreu.
O pesquisador Luís Alberto de Abreu, no texto “Processo Colaborativo:
Relato e Reflexões sobre uma Experiência de Criação” localizará o processo
colaborativo em uma linhagem direta da criação coletiva, propondo, assim
como o Antônio Araújo, que estas são dinâmicas bastante distintas pelo fato de
as inter-relações entre os elementos do processo de criação serem diferentes.
Segundo o Luís Alberto, a “criação coletiva” é uma proposta de cons-
trução de espetáculos que ganhou destaque, no Brasil, na década 1970 e que,
ainda segundo o autor:

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


136
(...) se caracterizava por uma participação ampla de todos os
integrantes do grupo na criação do espetáculo. Todos traziam
propostas cênicas, escreviam, improvisavam figurinos, discutiam
ideias de luz e cenário, enfim, todos pensavam coletivamente a
construção do espetáculo dentro de um regime de liberdade irrestrito
e mútua interferência. Era um processo de criação totalmente
experimental, muitas vezes sem controle, cujos resultados, quando
havia, iam do canhestro ao razoável, com algumas boas, vigorosas
e estimulantes exceções. (ABREU, 2004, p.35)

Já o processo colaborativo, para o mesmo autor, começa a se aprofun-


dar no início da década de 1990, como uma resposta à década anterior que foi
chamada “A década do encenador”. Para Abreu, a década de 1980, apesar de
ter trazido diversos avanços para a pesquisa cênica, centralizou o processo
criativo nas mãos do diretor e, por este motivo, havia uma demanda de pesquisa
e aprofundamento em processos coletivos de criação.
Junta-se a isso, uma questão importante indicada por Ary, ao entender o
contexto de aprofundamento dos processos colaborativos na década de 1990.
Para o autor, de certa maneira, o processo colaborativo vai conjugar dois aspec-
tos que eram considerados opostos entre si, se levarmos em consideração a já
citada “década do encenador” e os processos de criação coletiva das décadas
de 60 e 70. Esses dois aspectos são:

- O estímulo à criação em coletivo, com liberdade de proposições


entre os envolvidos no trabalho, como era corrente na primeira
experiência (criação coletiva).
- A determinação de funções artísticas específicas para cada
indivíduo, como era primordial na década do encenador.
(ARY, 2015, p.2)

Esse ponto, iluminado por Abreu, é importante para a compreensão de


que, ainda que o processo colaborativo tenha uma proposta de diálogo e contri-
buição entre todos os envolvidos no processo, existe uma figura específica que
é responsável por cada função. Ou seja, as funções existem, o que não existe
é a hierarquia fixa. As hierarquias estão presentes de forma momentânea ou
flutuante. Em determinado momento do processo, a hierarquia vai se concentrar
no diretor, em outro momento no figurinista e assim por diante.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


137
A questão das funções e das hierarquias, também será debatida por Antô-
nio Araújo no texto “Processo criativo como modo de criação”. O diretor teatral,
propõe o olhar para essas duas dinâmicas, a da criação coletiva e a do processo
colaborativo, a partir diferenciação entre método e modo. Assim, encontramos:

Método: caminhos, diretrizes operacionais, que podem ser rígidos


ou abertos.
Modo: maneira de colocar em diálogo, de inter-relacionar os
diferentes elementos na construção da obra.
(ARAÚJO, 2009, p.49)

O autor considera que se o olhar para a criação coletiva e para o processo


colaborativo for lançado pela perspectiva do método, por conta de os dois
processos terem um fazer coletivizado, é possível fazer uma aproximação entre
eles, ou seja, é possível pensá-los de forma geminada. O que não acontece se
o olhar for lançado pela perspectiva do modo, como vemos a seguir:

[...] Contudo, se olharmos para essas 2 dinâmicas pelo viés do


modo, percebemos que o como se opera a inter-relação entre os
diferentes elementos da criação produz, aqui, processos distintos.
Por exemplo, o diálogo ocorre entre funções já definidas e assumidas
desde o início (processo colaborativo). O trabalho de criação só se
inaugura, de fato, a partir desse pacto previamente estabelecido.
[...] É possível perceber que o que está em pauta não é a presença
ou não do elemento dialógico ou participativo, mas de como ele
se estabelece.” (ARAÚJO, 2009, p.49)

Nesse sentido, podemos dizer que o processo colaborativo é um processo


que propõe a horizontalidade das funções, no qual todos os criadores devem se
comprometer em participar de maneira crítica e proveitosa dos demais campos
de criação. Assim, por meio da relação de diálogo entre os criadores, cada um
dos participantes desse tipo de processo terá uma visão mais integral da criação,
na medida em que não está encerrado em um nicho de trabalho. Desse modo, é
possível compreender o processo colaborativo como um processo pedagógico.
Nesta perspectiva, em Ary, encontramos:

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


138
O impacto de um processo colaborativo na formação dos artistas
é explicado pelo forte caráter pedagógico imbuído na prática, que
está presente em seus procedimentos criativos mais basais e
pode ser observado no cotidiano de diversos grupos pelo Brasil.
O artista não cria um produto somente [...] ele está em formação,
como artista e como ser humano. (ARY, 2015, p.6)

Dessa maneira, é importante que possamos compreender o processo


colaborativo como pesquisa e como uma prática que não tem um objetivo
fechado, pré-definido e funcionalista, na qual o artista criaria mais isoladamente,
ficando alienado do restante do processo, com foco no resultado. O processo
colaborativo é uma prática que se estabelece como pesquisa e define seus
rumos e pontos de chegada durante o processo de criação.
É a partir do entendimento do caráter pedagógico do processo cola-
borativo que foi possível pensar a colaboração como forma de ensinar teatro
para os adolescentes do colégio de aplicação. O suporte teórico apresentado,
embasou a prática descrita no início do relato, visto que friccionou, alguns
pontos importantes, que se apresentam a seguir.

A colaboração como possibilidade para o Ensino de Teatro

Retomando as primeiras considerações apresentadas no presente


relato, reforçamos o pensamento de que o Teatro pode ser educativo enquanto
Teatro, não enquanto Teatro Educativo. Nesse sentido, o professor Vinícius
Lírio afirma que:

Costumo partir de um princípio: a arte como invenção. Há algum


tempo, venho compartilhando e reafirmando o pensamento de que
todo processo criativo, se constituído como tal, é atravessado por
um movimento pedagógico, do mesmo modo que todo processo
de ensino-aprendizagem é desdobrado e se configura, também,
como um processo criativo. Nesse sentido, implica se dispor e
se colocar em criação, numa dinâmica que envolve, ao mesmo
tempo, executar e inventar, ações implícitas na descoberta do que
e como se faz.” (LÍRIO, 2017, p. 46).

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


139
A partir deste entendimento, foram levantados, para fins de sistematiza-
ção, algumas correlações entre o processo colaborativo no teatro e o ensino de
teatro, levando-se em consideração, o projeto desenvolvido na UFRJ.

1. Processo x produto

Esse é o primeiro ponto a iluminar, no que diz respeito ao projeto desen-


volvido no Colégio de Aplicação da UFRJ. Para abordar esse ponto, retomamos
algumas questões inerentes à própria história da Arte como parte do currículo do
Ensino Básico, no Brasil. É preciso destacar que a entrada da Arte no currículo
da escola de Ensino Básico é recente na história da educação brasileira e para
além disso, existe uma priorização do ensino das Artes Visuais, em detrimento
do Ensino de Teatro, Música e Dança. Assim, ainda é comum que o teatro no
ambiente escolar apareça a reboque das necessidades das outras disciplinas ou
mesmo de festas comemorativas, como resquício de momentos anteriores. Nesse
sentido, concordamos com o pesquisador Marco Camarotti, que destaca que:

Não é função da arte na escola incumbir-se de tarefas como a


comemoração de datas cívicas e a programação de festinhas,
mas sim estimular o aluno a se perceber e a perceber o mundo
a seu redor, bem como fortalecê-lo para que possa agir sobre
a realidade, deixando de ser um objeto de reprodução, fruto de
um sistema autoritário, para exercitar-se como indivíduo e como
personalidade ativa na coletividade (CAMAROTTI, 1999, p 28).

Por isso, ainda que possamos identificar esse tipo de abordagem utili-
tarista do Teatro na Escola, ao mesmo tempo temos um crescente de pesqui-
sas teórico-práticas que entendem a Arte como uma área de conhecimento
e pesquisam o Teatro na Escola numa perspectiva de diálogo com as Artes
Contemporâneas e com abordagens que valorizem o processo criativo e toda
a potência que ele pode mobilizar.
Muitas das novas abordagens, no ensino de Teatro, vão ao encontro
desta característica do processo colaborativo que é a valorização do processo
de criação. Compreende-se que ainda que o processo leve à construção de um
produto, como por exemplo, a produção de um espetáculo, esse produto não

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


140
precisa ser considerado como acabado ou como algo mais importante que o
próprio processo.
Nesse sentido, o projeto realizado no Cap-UFRJ, desenvolveu-se com
foco no processo de criação, inclusive incluindo elementos e demandas que
surgiram durante o processo, por parte dos alunos da UFRJ, valorizando o Ensino
de Teatro em diversos aspectos. Esse processo culminou em uma apresentação
interna, para os próprios alunos da turma, sem a pressão de olhares externos.
Nossos objetivos estavam diretamente ligados aos elementos desenvolvidos
no processo, não na apresentação final, ainda que esta tenha sido parte de um
momento importante para todos os envolvidos no processo.

2. Ampliação da perspectiva das diferentes funções no Teatro

Esse é outro ponto fundamental do processo colaborativo. A possibilidade


de todos os envolvidos vivenciarem o processo de criação em diálogo com as
mais diferentes funções exercidas pelos profissionais participantes. Esse movi-
mento, amplia a percepção de cada artista nos mais diversos campos de criação.
Se pensarmos no espaço escolar, por exemplo, essa característica é de
fundamental importância pois é muito comum, o desenvolvimento de práticas
que tenham o foco somente no trabalho de ator. A pesquisadora Maria Lúcia
Pupo no texto “Formação de Formadores em Cena” destaca justamente a
necessidade de refletirmos sobre novas possibilidades para o Ensino de Teatro,
visto que existe uma ênfase dada aos jogos teatrais e a manutenção dos alunos
no papel de ator. Esta não é uma crítica ao uso dos jogos teatrais, mas uma
provocação para se pensar além deles.
Nesse sentido, o projeto desenvolvido no colégio de aplicação contou
com alunos graduando da UFRJ e a professora da turma, assumindo papéis
de mediadores principais de variadas funções como, por exemplo, figurinista e
diretor de cena e os alunos do ensino básico experimentando e criando artis-
ticamente nas mais diversas funções, como atores, sonoplastas, figurinistas,
criadores de roteiro, por exemplo, o que pode ampliar o olhar dos alunos para
funções teatrais com as quais, anteriormente, não haviam tido contato.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


141
3. Horizontalidade

Essa característica do processo colaborativo, se pensada dentro do


ambiente escolar, vai ao encontro de algumas abordagens, como por exemplo,
o trabalho por projetos, proposto pelo Fernando Hernandez, que consideram
novas possibilidades para se pensar o lugar do professor e o lugar do aluno
dentro do processo de ensino e aprendizagem. Assim como em um grupo não há
mais uma espécie de poder centralizado no diretor ou no dramaturgo, na escola
não há mais um poder centralizado no professor como detentor de todo o saber.
Nesse sentido, existe horizontalidade, também, na sala de aula pois os
alunos são cada vez mais estimulados a protagonizarem os processos de pes-
quisa, de investigação, a partir de questões que façam sentido para o grupo,
enquanto o professor será um mediador desse processo.
Assim, a professora Miriam Celeste, propõe o conceito de Mediação
Cultural, que em nossa visão, dialoga com a questão da horizontalidade apre-
sentada anteriormente:

Mediação cultural, como um “estar entreS” – grafado no plural


como licença poética para provocar o pensar sobre estar em
meio a muitos, sejam aprendizes, obra, artista, curador, críticos
de arte, estudiosos da arte, espaço museológico, legenda, e..., e...
É o olhar/corpo inteligente sensível, aberto e em vigília criativa,
somando vozes para ver mais, ouvir mais, pensar mais. Um “estar
entreS” não é uma ponte que vai de uma margem a outra e que
distingue duas posições antagônicas de quem sabe e de quem
não sabe, mas, sim, indica, como em um rizoma, “um movimento
transversal que as carrega uma ´e´ outra, riacho sem início, sem
fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio. Um
tecer sem início e sem fim, que traz em seus fios muitas marcas da
história e da cultura, esgarçados pelos contextos de suas texturas,
em fluxo partilhado com tudo e todos que estão à nossa volta.
(CELESTE, 2016, p.9)

Acreditamos que o detalhamento da experiência desenvolvida no Colégio


de Aplicação, abarca a noção de horizontalidade apresentada neste tópico,
pela forma como os alunos participaram do processo, enquanto a figura da
professora, agiu na mediação.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


142
4. Descentralização: Aulas Híbridas

Neste último ponto, propomos uma aproximação entre o processo cola-


borativo e a possibilidade de se trabalhar o conceito de Aulas Híbridas trazido
pela professora Stella Ramos no texto “Hibridismo nas Artes”. Nesse texto,
Ramos aborda o Hibridismo nas Artes como a possibilidade de dissolução de
fronteiras entre as linguagens artísticas e como possibilidade de diálogo com as
novas tecnologias na criação artística. Essa perspectiva dialoga bastante com
a possibilidade de propor o uso da tecnologia nas aulas de Teatro e sobretudo
propõe novas formas de pensar a estrutura das relações em sala de aula, que-
brando hierarquizações tradicionais.
Assim, a pesquisadora propõe o conceito de Aulas Híbridas:

Outro ponto interessante a ser pensado é o próprio formato da


aula. A sala de aula, com frequência, reproduz um modelo de
ensino que caminha em uma direção única, em que o professor
estabelece uma rotina já conhecida e determina um caminho
unívoco para toda a turma. Que tal, se houvesse na abordagem
desse tema, uma vivência dos conceitos de conhecimento em
rede, compartilhado, simultâneo, ao invés de um caminho de
mão única, em que a figura de destaque é a do professor, fazendo
surgir vários núcleos descentralizados e propositivos, trocando
informações, reflexões e ideias? Essa experiência, em si, poderia
ser a base da investigação dos processos de criação usados e de
um levantamento que nos lembra de um dos ensinamentos mais
preciosos que as Artes Híbridas nos dão: é possível pensar, agir
e criar modos de operação novos.
(RAMOS, 2015, p.6)

Nesse sentido, compreendemos que as aulas híbridas dialogam com o


processo colaborativo, pelas questões abordadas ao longo deste texto. No colé-
gio de aplicação, dialogamos com as propostas de Ramos, ao criar as estações
de criação na sala de aula, nas quis incentivamos os alunos a desenvolverem
pesquisas diversas e simultâneas explorando as mais diversas funções teatrais,
em sala de aula.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


143
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse relato busca alcançar artistas educadores em Teatro que acreditam


que o Ensino do Teatro pode explorar outras possibilidades de pensar a cena,
além do trabalho de ator. Aqueles que desejam que a escola seja um espaço de
práticas e de pesquisas que estejam em diálogo com o que acontece para além
de seus muros. Espera-se que esse relato possa, assim, ser uma inspiração.

Agradecimentos

Agradeço, em primeiro lugar ao amigo Lurgui, por sua enorme partici-


pação na minha vida, há tantos anos. À minha mãe, pelos incentivos de sem-
pre. Ao Caunnê, por ser o melhor companheiro que eu poderia ter e por me
ajudar a seguir meus caminhos.

REFERÊNCIAS
ABREU, Luís Alberto. Processo colaborativo: Relato e Reflexões sobre uma experiência de criação.
Cadernos da ELT. Santo André, n.2, 2004, p.33-41.

ARAÚJO, Antônio. O processo colaborativo como modo de criação. Revista Olhares. São Paulo, n.1,
2009. ISSN: 2595-6671

ARY, Rafael. Princípios para um processo colaborativo. Revista Cena. Porto Alegre, n.18, 2015. ISSN:
1519-275X.

CAMAROTTI, Marco. Diário de um Corpo a Corpo Pedagógico. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 1999.

CELESTE, Miriam. Arte e horizontes potenciais na escola contemporânea. São Paulo: Instituto Arte
na Escola, 2015.

DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do Teatro: provocação e dialogismo. São Paulo: Editora Hucitec,
5ed, 2020.

HERNANDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto


Alegre: Artmed, 1998.

KOUDELA, Ingrid. Jogos Teatrais. São Paulo: Perspectiva, 2017.

KOUDELA, Ingrid. Léxico da Pedagogia do Teatro. São Paulo: SP Escola de Teatro, 2015.

LÍRIO, Vinícius. Poéticas da Sala de Aula: processos de criação e aprendizagem entre o teatro e a
performance. Teatro: criação e construção de conhecimento(online). Palmas/TO, v.3, n.4, p.42-49, 2015.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


144
PUPO, Maria Lúcia de Souza Barros. Formação de formadores em cena. Revista Lamparina, Belo
Horizonte/MG, 2012. v.01, n.01, p. 43-49.

RAMOS, Stella. Hibridismo nas Artes. São Paulo: Instituto Arte na Escola, 2015.

SANTANA, Arão. Trajetórias, avanços e desafios do teatro educação no Brasil. Revista Sala Preta,
São Paulo/SP, p.247-252.

TELLES, Narciso (org.). Pedagogia do teatro: práticas contemporâneas na sala de aula. Campinas,
SP: Papirus Editora, 2013.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


145
10

SCRIBBLENAUTS UNMASKED: AVALIAÇÃO


DO JOGO DIGITAL E SEUS ASPECTOS
EDUCATIVOS

Fabiano Naspolini de Oliveira


(UNISATC)

Eliane Pozzebon
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Luciana Bolan Frigo


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Artigo original publicado em: 2017 - INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO: teoria & prática - ISSN: 1982-1654
Oferecimento de obra científica e/ou literária com autorização do(s) autor(es) conforme Art. 5, inc. I da Lei de Direitos Autorais -
Lei 9610/98.

' 10.37885/231115094
RESUMO

A utilização de jogos digitais, na educação, aperfeiçoa o perfil dos nativos


digitais em sala de aula. Para contribuição de mais recursos didáticos, que
tenham relação ao perfil deles, este artigo apresenta o jogo digital Scribblenauts
Unmasked. O objetivo geral é apresentar o potencial educativo de jogos digitais
mediante diversão e aprendizado. Estão expostos aspectos técnicos e demais
propriedades do jogo, tais como: gráficos, jogabilidade, música, mecanismos e
a diversão aplicada. Realiza-se uma relação entre esses aspectos e a diversão,
juntamente aos elementos que o caracterizam como ferramenta educativa.
Apresenta-se a experiência do jogo, com alunos, com aplicação dos conceitos de
substantivos e adjetivos. O experimento demonstra o potencial educativo do jogo
digital em questão, confirmando a hipótese inicial de que é possível utilizá-lo na
educação com intuito de uma aprendizagem mais ativa do conteúdo proposto.

Palavras-chave: Jogo Digital, Scribblenauts Unmasked, Educação, Diversão.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


147
INTRODUÇÃO

Ao se utilizar uma ferramenta didática em sala de aula, é importante ana-


lisar a sua aplicabilidade para o contexto educacional específico do assunto a
ser ensinado. Em caso de utilização de jogos comerciais, segundo Gee (2007),
ele precisa ter bons princípios de aprendizagem construídos em seu projeto.
Quando o autor menciona princípios construídos em seu projeto, ele se refere
ao aprendizado que o jogo oferece do jeito que foi criado, não necessariamente
que a aplicação foi pensada para esse propósito (jogos educativos). Portanto,
é importante discutir essas boas práticas para se ter subsídios e segurança ao
analisar um jogo que poderá ser aplicado com alunos em sala de aula e também
ser indicado para que outros professores possam utilizá-lo.
O Scribblenauts (figura 1) na primeira versão traz um jogo digital comer-
cial desenvolvido primeiramente em 2009 pela empresa 5th Cell e distribuído
pela Warner Bros. Interative Entertainment. O jogo possui 22.802 palavras dis-
poníveis ao jogador. Com essa quantidade de palavras, diversos objetos para
a interação ao longo do game podem ser criados. O jogo inicia sua história
com um garoto que escreve uma palavra no caderno e com essa ação, o que
foi escrito torna-se realidade de forma a auxiliá-lo na resolução dos problemas
propostos no game. Há múltiplas escolhas, o jogador pode salvar um gato em
cima de uma árvore com uma escada ou usar um propulsor a jato para voar
e capturar o felino. Ao escrever a palavra, surge o objeto para interagir. Desta
fase, cabe destacar, apenas o recurso de substantivo atende aos objetivos
propostos neste artigo.
O sucesso do jogo trouxe uma série de outros games oriundos dessa
primeira versão, dentre eles está o Scribblenauts Unmasked. Nesse jogo, o
garoto do jogo novamente tem que ajudar as pessoas com suas habilidades,
escrevendo as palavras no seu caderno e criando coisas, porém, contam com
o adicional dos heróis da DC Comics, que inclusive, agregam o vocabulário
próprio desse mundo dos quadrinhos. Exemplos de heróis são Super-Homem,
Batman, Mulher Maravilha, Flash, etc. Outro recurso novo é a permissão de adi-
cionar adjetivos aos itens do jogo, que também será um recurso que atenderá
o objetivo deste artigo.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


148
Figura 1. Menu de abertura do jogo Scribblenauts Unmasked com heróis.

Fonte: elaborada pelos autores.

Em 2013 é criado o Scribblenauts Unmasked: A DC Comics Adventure,


com mais opções e recursos. Este jogo possui característica e potencial dentro
do contexto da educação, perante análise na aplicação de diversão e aprendi-
zado. Esse tema torna-se relevante, pois, tanto os jovens quanto os adultos que
cresceram interagindo com games, são um público significativo em quantidade
de usuários. Inclusive, Mattar (2010) ressalta que os jovens, os nativos digitais,
cresceram jogando videogames, sendo um elemento que faz parte do cotidiano
deles. Contudo, este público não está recebendo a devida atenção quanto aos
aspectos educativos.
Para contextualizar, apresentam-se os conceitos de jogos educativos
avaliados no presente trabalho. Estão descritos os detalhes técnicos de Scri-
bblenauts Unmasked para que se entendam seus objetivos e missões, e o que
o torna um jogo de entretenimento divertido com vários recursos. Depois são
abordados os aspectos educacionais que esse game possui sob o ponto de vista
de conhecimentos, habilidades e atitudes que podem ser trabalhados nele. São
apresentadas algumas sugestões de abordagens em sala de aula com esse game.
É importante ressaltar que a versão avaliada foi para computador, haja
vista que existem outras para videogames.
Também é apresentado um experimento feito com alunos da rede pública
da cidade de Araranguá – SC com o intuito de verificar a aprendizagem dos
conceitos de substantivo e adjetivo por meio da utilização do jogo, que é foco

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


149
desse artigo. Discute-se o procedimento adotado no experimento e referencial
teórico para criação das perguntas realizadas, além dos resultados obtidos na
aplicação com os alunos.
Pretende-se com a análise desse jogo, sob o ponto de vista técnico e
educacional, contribuir para o entendimento dessas plataformas digitais como
potencial para a educação e demonstrar que aprender e se divertir é uma pos-
sibilidade diferente de outros meios convencionais.
É importante ressaltar que nesse artigo, ambos os termos, jogo e game,
se referem a jogos digitais já que a aplicação proposta está em meio digital e
não serão discutidos aspectos de jogos analógicos.

JOGOS EDUCATIVOS

Conforme, Clua e Bittencourt (2004), todos os jogos possuem potencial


educativo. A diferença está em que alguns foram desenvolvidos desde o início
com este propósito. Já outros, foram produzidos para entretenimento, mas, com
a devida adaptação, também podem ser usados no contexto educacional. Essa
divisão é abordada na figura 2, demonstrando que os jogos com exclusividade
de entretenimento também são educativos. Os jogos didáticos são aqueles
comumente chamados de educativos por terem em seu design a preocupação
de ensino de algum conteúdo.

Figura 2. Jogos educativos e suas vertentes.

Fonte: Clua e Bittencourt (2004).

Outros autores como Koster (2005), Gee (2007), Mattar (2010) e Prensky
(2012) vem reafirmando esse conceito. Eles citam e analisam jogos originários

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


150
do entretenimento dentro da abordagem educativa, demonstrando benefícios
de os utilizarem com os aprendizes.
Jogos têm potencial e são poderosos com suas complexas ferramentas
e abrangentes temas e recursos, podendo atuar como campo de aprendiza-
gem. Neles, estão combinadas várias mídias como som, vídeo, imagem, texto,
informações, simulações e tudo integrado a bases de dados (MORRIS, 2016).
Clua e Bittencout (2004) também apontam que os jogos podem “desenvol-
ver habilidades cognitivas importantes para o processo de aprendizagem” como
criatividade, resolução de problemas, raciocínio rápido, percepção entre outras.
Além desses benefícios, segundo Damian (2013), há as relações dos jogos
com filmes, livros e outras mídias, entendendo o jogo como arte. Ou seja, indi-
cadores de outras percepções e possibilidades de uso dos jogos na educação.
Mesmo com todos estes benefícios, é importante compreender como
combinar jogos com aprendizagem. Prensky (2012) afirma que isso pode ocorrer
de diversas formas e não há uma resposta padrão. Afinal, depende de alguns
fatores como: público, assunto a ser trabalhado, contexto político da instituição,
tecnologia disponível, recursos e experiência possíveis de serem aplicadas e a
distribuição do jogo.
Portanto, é a análise desses fatores que determina o grau de envolvimento
e aprenizado dos estudantes pelo jogo.

Características de Jogos Digitais Didáticos

Os jogos digitais didáticos possuem muitas variações em termos de carac-


terísticas. Para entendê-las melhor, Queiroz (2011) realizou um levantamento
desses atributos com diversos autores. Ele descobriu as seguintes caracterís-
ticas: estímulo à cognição e participação, exigência de concentração, estímulo
de criatividade, espontaneidade e imaginação, possibilidade de repetição e
capacidade intensa de imersão por parte do jogador.
Contudo, mais recentemente, Panosso et al (2015), fez uma revisão biblio-
gráfica de várias pesquisas que usaram a terminologia jogos educativos. Com
base nelas e após uma seleção, elencaram-se características desse tipo de jogo
com foco nos trabalhos mais relevantes perante análise comportamental, são elas:
reforço, controle por regras, resolução de problemas e generalização de estímulos.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


151
O jogo Scribblenauts Unmasked possui essas características e serão
apresentadas no decorrer de sua análise no presente artigo.

TRABALHOS RELACIONADOS

Existem diversas aplicações de jogos de entretenimento comerciais


nas mais variadas áreas do conhecimento. A seguir estão apresentados três
trabalhos escolhidos, que contribuem para organizar a proposta deste artigo.
No trabalho de Kikuchi (2014), ele utilizou o jogo SimCity 3000 para o
ensino de urbanização na disciplina de geografia. Seus resultados indicam que
a aplicação do mesmo é “realmente viável no processo de ensino-aprendizagem
por evocar a participação mais ativa dos alunos em uma linguagem que eles
assimilam com facilidade”. A organização demonstrada para apresentar ao
aluno o jogo e como utilizá-lo didaticamente em sala de aula foi a contribuição
do trabalho para a presente pesquisa.
Na abordagem de Evangelista et al. (2012), os autores aplicaram o jogo Age
of Empires com o intuito de ensino-aprendizagem de História Antiga. Segundo
conclusões da prática realizada, eles perceberam que “os alunos se divertiam
muito jogando e que boa parte deles pôde fazer uma relação com o que foi
estudado, podendo-se concluir que efetivamente o jogo pode ser aplicado como
ferramenta didática”. A forma de validação da proposta usando questionário foi
a ferramenta de coleta de dados que serviu como base à pesquisa deste artigo.
Por último, Santos (2011) utilizou o Second Life para o ensino de física,
principalmente na simulação de fenômenos físicos diferentes das leis New-
tonianas. O resultado apresentado foi viável para o ensino. Para este artigo,
a proposta contribuiu quanto ao entendimento de como se aplicar um jogo
comercial em um assunto pertinente às aulas.
Destaca-se que os jogos mencionados, já estão prontos e foram apenas
utilizados como ferramenta didática para as aulas dos professores. A única
exceção é o Second Life porque permite personalização de todo o jogo por
parte dos jogadores.
Portanto, vale destacar que é necessário, ao docente, compreender a
linguagem própria da mídia game para melhor adequação de jogos. Também

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


152
saber o que existe no mercado para poder trazer à realidade de uma sala de
aula e analisar como ele pode ser útil para as aulas do docente.

ANÁLISE TÉCNICA DO JOGO SCRIBBLENAUTS UNMASKED

Para se realizar a análise técnica do jogo, é necessário conhecer os recur-


sos disponíveis e como se interage com eles, pois isto facilita a compreensão
do seu potencial educativo. Dessa forma, os recursos educativos podem ser
identificados, criando estratégias para o uso em sala de aula.
Para tal, este jogo será avaliado com base em seis itens principais: roteiro,
mecanismos, banco de palavras, arte, música e diversão.

Roteiro

Em resumo, Scribblenauts Unmasked inicia com o personagem de Maxwell


(figura 3), fã dos quadrinhos da DC Comics. Ele discute com sua irmã Lily sobre
qual herói seria o mais poderoso. A menina é detentora de um globo que permite
viajar para onde desejar. No decorrer da discussão, o globo ativa sua funcio-
nalidade e os irmãos são transportados ao universo dos heróis da DC Comics.

Figura 3. A disputa de Maxwell e Lily sobre qual herói é mais poderoso em Scribblenauts Unmasked.

Fonte: Próprios autores.

Na viagem conturbada, o globo da irmã de Maxwell se parte em dois e


eles não podem mais voltar para casa. Para consertar o globo, é preciso reunir
as “starites”, estrelas com o poder de restaurar esse item. Eles as conseguem
ajudando as pessoas nos universos dos heróis da DC Comics. Como rival,
Doppelganger surge com os mesmos poderes de Maxwell, ajudando vilões como
Coringa, Sinestro e outros, dificultando a jornada do herói. E como aliados, os

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


153
heróis contam com Batman no início do jogo e depois outros do lado do bem
surgem para ajudá-los nessa história.
Em detalhes, o roteiro está estruturado em três atos, nas etapas narrativas
de Vogler (2006) e Skolnick (2014) de acordo com a figura 4. No Primeiro Ato
é apresentado o “Mundo Comum” representado pela casa dos personagens,
seguido do “Chamado à Aventura” que ocorre quando os personagens quebram
o globo e vão para o universo da DC Comics. Com isso, os personagens entram
no Segundo Ato: um mundo especial enfrentando desafios, fazendo aliados e
confrontando inimigos. Então, ao enfrentar todos os perigos, retornam ao mundo
comum em seus lares, transformados pela experiência vivida na história, ou
seja, o “Retorno com o Elixir” que faz parte do Terceiro Ato.

Figura 4. A jornada do herói com suas etapas divididas em três atos.

Fonte: Morro do Olimpo (2017) baseado em Vogler (2006) e Skolnick (2014).

Quanto aos detalhes, também é necessário comentar que, no jogo, ficam


bem claros os arquétipos que Vogler (2006) e Skolnick (2014) criam quanto aos
personagens. Há o herói, Maxwell, depois, Batman, Lily, Flash e Super-Homem,
mentores auxiliadores do jogador com informações, Coringa e Doppelganger,
sombra como vilões da história dentre outros.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


154
Apesar de o jogo apresentar uma estrutura comum e sólida de roteiro, há
um diferencial com a característica da não linearidade. O jogador pode escolher
entre duas cidades, ou a cidade de Metrópoles ou Gotham, e mesmo assim
ser chamado a todo instante para perigos que ocorrem nelas. Esse conceito
de escolha utiliza melhor a mídia game, no que diz respeito a não linearidade.
Corroborando Aguiar (2014), aponta que uma narrativa não linear oferece ao
jogador a possibilidade de escolher qual caminho narrativo deseja seguir. Isso
possibilita vários finais para a história e muda a experiência. Diferente de ler um
livro ou assistir um filme, a narrativa pode ser manipulada em diferentes níveis.

Mecanismos do Jogo

Em todo o início de jogo, o jogador espera uma forma de conhecer o


objetivo, as regras e as instruções de como jogar, ou seja, o mecanismo do jogo.
Nesse sentido, o tutorial de Scribblenauts Unmasked é preciso, contendo no início
explicações sobre como usar as palavras para criar objetos, como resolver os
problemas propostos, jogar no lixo itens criados e acrescer adjetivos conforme
demonstra a figura 5. Essas funções são o que Salen e Zimmerman (2012) cha-
mam de regras operacionais do jogo. Isso proporciona clareza ao jogador já no
inicio do jogo com informações de como ele deverá interagir dentro daquele
contexto. Inclusive, é desenvolvido de forma prática e contextualizada a história
do game, sem necessitar de leituras de manuais para sua compreensão.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


155
Figura 5. Tutorial prático que ensina a adicionar adjetivos a um personagem.

Fonte: elaborada pelos autores.

Analisando os mecanismos em geral, é importante comentar outro conceito


que o jogo traz, conforme as regras de Salen e Zimmerman (2012) que é a regra
da forma “elegante”, que em termos de game, significa: fácil de aprender, mas
difícil de dominar. Isso favorece a diversão, pois o jogador aprende facilmente
os mecanismos de como interagir com o jogo.
Os comandos podem ser realizados basicamente com o mouse e com
alguns atalhos pelo teclado. Estes comandos usados já seguem padrões de outros
jogos para controle de personagem (teclas A, S, D, por exemplo). Considerar
o padrão e adequar isso para uma melhor interação do jogador na plataforma
em que está atuando, é o que Rogers (2012) chama de ergonomia.
Além da adequação a esse critério, quando se trata de digitar palavras
(figura 6), há a possibilidade de sugestões para o que o jogador está tentando
escrever. Isso ajuda, pois muitas vezes o jogador não se lembra da grafia cor-
reta da palavra ou o jogo não a tem, mas ele possui uma alternativa próxima.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


156
Figura 6. Escrita da palavra “medico” no caderno para criá-lo.

Fonte: elaborada pelos autores.

As missões (figura 7), por exemplo, estão disponíveis por meio do símbolo
“W” como mecanismo de ajuda. Elas podem ser cumpridas de diversas maneiras,
mas existe uma regra que, naquele universo, se o jogador repetir as mesmas
palavras, há desconto nos pontos de reputação. Esses pontos são ganhos ao
cumprir missões ou usar palavras. Esse tipo de balanceamento é o que Schell
(2011) chama de punição, um tipo de equidade ao jogo. Nesse caso, é muito
pertinente o uso do recurso, pois obriga o jogador a usar novas estratégias e
aumentar o seu vocabulário. Como recompensa, ganha pontos de reputação
que podem liberar outros itens, estágios e continuar na jornada.
Há mudança também nos objetivos menores que alteram quando se
revisita a fase (critério de replay), tornando o jogo mais interessante e não
levando o jogador ao tédio.
Há um adendo quanto ao mecanismo geral que define desavio versus
sucesso, conceito defendido por Schell (2011). Como o jogo oferece muitas pos-
sibilidades nas soluções propostas, não se percebe com clareza o aumento da
dificuldade a cada vitória do jogador. Ele é relativo à estratégia que o jogador
utilizará para resolver o problema. Dessa forma, não há a certeza de que cada
etapa do jogo foi desenvolvida de um nível mais fácil até outro desafiante.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


157
Figura 7. Surgimento de missão para o jogador (símbolo W).

Fonte: elaborada pelos autores.

Referente as resoluções, podem-se criar objetos, pessoas, chamar heróis,


fazer conexões entre eles ou ainda atribuir adjetivos para o que o jogador qui-
ser. Um exemplo de resolução é a de um carro muito sujo. Neste caso o objetivo
é claro: limpá-lo. No entanto o jogador pode escolher entre jogar uma nuvem de
chuva nele e lavá-lo ou atribuir a qualidade de “limpo”. A estratégia de solução
adotada fica a critério do jogador.
O jogador também pode visitar outras regiões da DC Comics, mas para
isso precisa acumular pontos de reputação para poder acessar os lugares. Sta-
rites conquistadas também o levam a ser conduzido pela história para chegar
ao final. Em alguns momentos, ele pode estar em uma região e receber um
chamado de socorro. Ele pode atendê-lo ou continuar na missão atual. Esse
senso de urgência que o jogo propõe é interessante, porque leva à sensação
de superpoder. É o que Sallen e Zimmerman (2012) chamam de “experiência
lúdica significativa”.
Outro mecanismo importante é a evolução que se pode notar no
jogo. Um exemplo são os heróis e itens que podem ser obtidos durante o jogo,
visto que alguns são bloqueados no início. Essa é uma forma de coleção oferecida
ao jogador, semelhante aos antigos álbuns de figurinhas da infância. Esses itens,
sejam utilizáveis ou não, são o que Rabin (2011) chama de inventários e cole-
ções. Segundo o autor, eles “irão acrescentar complexidade ao seu jogo”. E, na

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


158
verdade, os dois conceitos possuem relações, pois o jogador pode colecionar
novos heróis, armas, mas também usá-los durante o game.
Quanto ao mecanismo que trabalha a parte lúdica. As opções de uso dos
adjetivos, para obtenção de mudança de cenários e situações, sem acarretar
perdas quanto as missões propostas, são uma forma de se brincar com as
palavras. Em muitas formas a sua aplicação trabalha o senso de diversão na
forma educativa. Esse tipo de experimentação dá autonomia ao jogador para
que ele possa fazer o que quiser. Testar opções, criar possibilidades, liberdade
de escolha e outras formas de interação, são mais formas de se incrementar o
aprendizado de forma lúdica.

Banco de Palavras, Arte e Música

O jogo tem muitas opções e ferramentas a serem exploradas. Quanto as


palavras armazenadas no jogo, há um numero significativo e empolgante que
são adotados para itens e seres comuns e também outros novos da DC Comics
que só existem dentro desse universo. “Arlequina”, “Batmóvel” e “Anel do Poder”
são alguns deles, por exemplo. O jogo também disponibiliza um editor para
que o jogador possa criar o seu super-herói ou item especial. Isso possibilita a
criação de termos próprios, conforme a figura 8.

Figura 8. Construção ou personalização de personagens e itens do jogo.

Fonte: elaborada pelos autores.

Na arte, o estilo de Scribblenauts Unmasked é o mesmo para todas as


versões. O foco está em uma arte simples, sem muitos detalhes e bastante
lúdica. De fato, o jogo é muito voltado para a criatividade e é bem notá-
vel esse conceito.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


159
Os ícones e imagens remetem rapidamente às ações que o jogador
deve realizar ou qual função assumir. Um exemplo é quando criado um item
e o jogador deseja descartá-lo. Rapidamente, surge um lixo no canto superior
direito da tela como possibilidade de função.
As músicas foram produzidas para ambientar os mundos especiais de
super-heróis, aventuras e perigos que estão para surgir, coerentes a cada um
desses momentos. Também há sons de feedback perante ações certas ou infra-
ções que o jogador comete. Por exemplo, são emitidos sons de notificação ou
avisos ao se tentar colocar um objeto em local impossível ou ao se digitar uma
palavra que não existe no banco de dados do jogo.

Fatores de diversão e aprendizagem

Em Scribblenauts Unmasked, a diversão está muito relacionada à resolu-


ção de problemas, ajudando os jogadores nas mais diversas situações. Koster
(2005) define os jogos como quebra-cabeças a serem resolvidos. Com isso,
o jogador reconhece padrões de como funciona o game, resgata estratégias
anteriores aprendidas para resolver o mesmo problema em outras aborda-
gens. Ou seja, o jogo sempre implicará em resolução de algo para se seguir a
outra etapa. E no estudo deste artigo, a diversão foi aplicada no jogo coerente a
esse conceito. Um exemplo é o uso de asas (figura 9). Usar personagens alados
é muito comum no game para alcançar regiões de difícil acesso. Essa estratégia
pode ser usada para o Maxwell voar ou para dar esse poder a outro personagem.
Também se pode criar uma entidade que voa como, por exemplo, o Pégaso, o
cavalo alado das lendas gregas. Dessa forma, o jogador aprende com o jogo
e vai ganhando experiência para ter um desempenho superior nas próximas
missões. Ele se mantém resolvendo problemas com soluções diferentes, mas
em situações similares.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


160
Figura 9. Uso do Pégaso para voar no jogo Scribblenauts Unmasked.

Fonte: elaborada pelos autores.

Quanto ao ensino-aprendizado, Koster (2005) também aborda o conceito


de diversão como uma liberação química em um momento de vitória no game.
Corroborando com isso, esse instante ocorre quando o jogador aprende algo
ou domina uma tarefa específica apresentada. Percebe-se que o jogo, natu-
ralmente, já se refere a aprendizagem como ato de algo que fornece diversão.
Logo, se o jogador aprende com o jogo, o professor pode abordar um assunto
específico ou conteúdo, se valendo dessa referência e adaptando-a para esse
aprendizado. Um exemplo, quanto a Scribblenauts Unmasked, é quanto ao apren-
dizado da aplicação de adjetivos. Em uma aula de língua portuguesa, o professor
geralmente explicaria o conceito e o relacionaria com o jogo. Depois, poderiam
praticar e observar que, se tentassem colocar substantivo ou outra classe gra-
matical não teriam êxito. O jogo impediria tal ação. Já quanto aos adjetivos, eles
seriam aceitos. Sem citar que todo esse ensino estaria contextualizado com o
universo do jogo, realizando uma aprendizagem de forma efetiva. Em suma,
ele aprende com o jogo e esse conhecimento vai sendo utilizado nas próximas
etapas e novos conceitos também serão aprendidos.
Outro conceito encontrado em Scribblenauts Unmasked e trazido por
Koster (2005) é o de que o jogador só continua ativo até continuar aprendendo.
Uma vez que já o aprendeu, precisa de algo novo. Isso tem bastante relação

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


161
com as pesquisas de Csikszentmihalyi (1990). Essa forma de manter o interesse
do jogador na busca por aprendizado contínuo é caracterizada pelo autor como
um estado de fluxo (flow). De acordo com a figura 10, o ideal é sempre manter o
jogador aprendendo algo novo durante o jogo, no caso, novas experiências ou
utilizações de habilidades que já possui, mas aplicadas de maneira diferente.
Quando se consegue manter o jogador interessado e motivado, ele estará no
canal de flow. Caso não esteja nele, podem ter ocorrido duas situações: o desa-
fio proposto foi maior que a habilidade que ele tinha no momento (frustração)
ou o contrário (tédio): o game está muito fácil ou repetitivo e o jogador não
aprende mais com ele.

Figura 10. Gráfico demonstrando o canal de flow.

Fonte: Paula (2017).

Em Scribblenauts Unmasked, o conceito de flow está muito presente,


porque mesmo o jogador dominando as regras operacionais, ele nunca sabe
qual será a missão a realizar e de que forma irá agir. Ele sempre aprenderá com
ela e resolverá novos quebra-cabeças. Até porque o jogo penaliza se ele tentar
usar uma mesma palavra no mesmo mundo que está presente. Isso o faz mudar
a estratégia na solução do problema para aprender a lidar com novos recursos
diante dos desafios propostos.
Portanto, ao se entender o jogo e seu funcionamento, além da relação
entre diversão e aprendizado, podem-se perceber diversos aspectos educativos.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


162
ASPECTOS EDUCACIONAIS DO JOGO DIGITAL SCRIBBLENAUTS
UNMASKED

É possível elencar diversos aspectos educacionais quanto ao que se é


proposto em Scribblenauts Unmasked, neste artigo. Especificamente por meio
dos mecanismos do jogo, que são a aplicação de conceitos de substantivo,
adjetivo, resolução de problemas e outros.
Nesse contexto, é importante lembrar, que o fato da utilização do jogo
deve estar relacionado diretamente com a junção da função aprendizagem por
meio da diversão, com o cuidado e garantia de se obter o fator aprendizado
com seriedade no que se deseja. E com utilização de alguns games é possível.
Costa (2010) defende esta tese ressaltando que, “nos jogos de entretenimento,
existe pelo menos uma estrutura similar à do objeto de conhecimento”. E mais,
o autor também acredita no sucesso de alguns fatores por haver a possibilidade
de ligação entre a experiência do jogo e o cotidiano. Um exemplo, em Scribble-
nauts Unmasked, é a utilização dos adjetivos. A ação implicada pelo jogador
quando qualifica os personagens e objetos no jogo, tende a ser absorvida no
aprendizado como conhecimento da função dessa classe gramatical que servirá
para seu dia a dia, para a vida.
Outros autores defendem e enumeram pontos positivos para a utilização
de um jogo digital no processo de ensino-aprendizagem. Prensky (2012) diz que
essa, é uma estratégia usada com bons resultados. O autor comenta que essa
estratégia atinge êxito por três razões: 1) o envolvimento que o jogo promove
com a aprendizagem dentro daquele contexto; 2) o processo de interação da
aprendizagem aplicada naquele contexto; e 3) a relação desses dois aspectos.
Para Gee (2007) a utilização de jogos também é relevante por seguir
princípios de aprendizado que o caracterizam como potencial educativo.
São alguns deles:

– Aprendizado de forma ativa com análise crítica da situação e resolu-


ção de quebra-cabeças propostos;

– Percepção de princípios semióticos no jogo e as relações entre as par-


tes dele, como palavras que criam imagens, tendo interação e resol-
vendo problemas, por exemplo;

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


163
– O jogador pode correr riscos em um espaço com consequências bai-
xas. Ele pode criar uma fogueira e, se algo pegar fogo, o risco real será
nulo;

– Os princípios de entrada no jogo – uma palavra - aumentam para di-


versas saídas. A interação com o objetivo da missão, como ele resol-
verá o problema e quais consequências ele traz ao jogo são fatores de
saída que vem dessa entrada do jogador;

– Gradativamente no jogo são possíveis conquistas para indicar o cami-


nho certo e o tornando experiente para avançar na aventura;

– A forma de aprendizado do conhecimento é intuitiva;

– Pode-se seguir por múltiplos caminhos dentro da aventura, quais ati-


vidades vai fazer;

– Incentiva a descoberta e exploração, ao tentar novas palavras, outras


soluções e navegar em outros universos do jogo;

– Permite a dispersão ao compartilhar com outros o que está fazendo


no jogo, suas obras criadas via internet;

– O significado e conhecimento está distribuído, ou seja, estão nos ob-


jetos do jogo, símbolos, descrições de forma que a sua exploração vai
permitindo compreender as relações e o desbravando;

– A informação explícita sobre o conteúdo é sob demanda. Ela só apare-


ce quando realmente é necessária dentro do jogo;

– O aprendizado é incremental, visto que ele vai aprendendo ao longo


do jogo, avançando para níveis mais difíceis e o seu aprendizado e
experiência conquistada é usado a todo o instante. A experiência ao
longo do processo é considerada;

– O texto não é puramente verbal, mas incorporado ao contexto do jogo;

– Estabelecer hipóteses, refletir, testar e examinar são possibilidades


que o jogo permite que o aluno possa fazer;

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


164
– O jogador estabelece identidades ao jogar, relacionando sua identi-
dade virtual com ações que realiza com o mundo real, identidades
anteriores que assumiu e que projetou;

– Permite o auto-conhecimento, pois o jogador vai conhecendo suas


competências ao longo do jogo e aprendem com a experiência viven-
ciada;

Observe que esses são apenas alguns dos trinta e seis princípios abor-
dados pelo autor, mas se demonstra a relação com a aprendizagem.
Concluindo, são muitas as justificativas para uma boa prática e utilização de
jogos com finalidade de aprendizado. E sob essa análise e descrição, Scribblenauts
Unmasked possui características, conteúdo, aspectos educacionais e potencial
educativo para tal, basta conhecê-lo para descobrir sugestões de aplicação.

6 SUGESTÕES DE COMO APLICAR O JOGO SCRIBBLENAUTS


UNMASKED NA EDUCAÇÃO

Scribblenauts Unsmaked não foi criado para fins didáticos, mas clara-
mente possui elementos dentro do contexto que, ao se interagir, podem traba-
lhar diversos conhecimentos, habilidades e atitudes. Como proposta, algumas
abordagens de uso são listadas nos mais diversos temas. São elas:

– Conceitos de substantivos e adjetivos: na criação do ambiente é ne-


cessário que os substantivos sejam digitados, para que surjam os
itens, as pessoas e outros mais; dada a função dessa classe grama-
tical. Então, o jogador precisa dominar esse conceito ou não conse-
guirá realizar a ação. Se tentar um adjetivo, por exemplo, ocorrerá um
erro e receberá uma notificação. Assim, o jogador passa a interagir
indiretamente por meio da experimentação com a língua portuguesa
de uma maneira visual e prática.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


165
– Prática da leitura e interpretação de textos: o jogo traz uma história
interativa que vai sendo desvendada ao longo do processo. A leitura
é indispensável para entendimento de fatos e tomada de ações. E a
interpretação será necessária para que se justifiquem as escolhas e
tomada de decisão quanto ao que se é proposto naquele contexto.

– Prática do idioma: o jogo pode ser jogado em outros idiomas. Pode ser
um complemento para aprendizado de inglês, por exemplo.

– Desenvolvimento de vocabulário, sinônimos, antônimos dentro de um


contexto: não somente em outros idiomas, mas também na linguagem
materna. O jogador pode ir testando novas palavras e significados,
além de sinônimos, pois, se repetir palavras, sofre perda de pontos.
Antônimos podem vir para resolver problemas simples como por
exemplo em: “Ele é muito alto e não consegue passar por ali”, é preciso
usar o adjetivo “baixo” para resolver problema;

– Conceitos de arte: esse tema implica em duas funções muito notó-


rias para aplicação em educação. Primeiramente, tanto na parte visual
quanto na musical, a própria arte do jogo pode ser estudada, afinal no
jogo há a influência e o estilo do artista. Podem-se estudar quais sen-
sações e objetivos ele teve em retratar o jogo daquela forma. Relações
da obra com outros artistas e jogos, etc. Como segunda opção, no
editor de itens e personagens, o jogador pode fazer edições em tudo e
aprender cores, escalas, contraste e outros conceitos para um design
digital interessante, pensando em um público infantil, por exemplo.

– Histórias em quadrinhos: como o jogo têm personagens da DC Comi-


cs, podem-se fazer relações com outros meios tais como: desenhos
animados, quadrinhos, filmes e a aplicação disto no jogo;

– Resolução de problemas: baseado em sistema de quebra-cabeças, o


jogador precisa resolver, encaixar situações. É necessário criativida-
de, estratégia e tomada de ação. E tudo isso funciona como experiên-
cia para outros desafios;

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


166
– Trabalhar sob pressão: há momentos em que jogo exige rapidez na to-
mada de decisão e o jogador fica sob pressão. Por exemplo, o jogador
corre o risco de perder uma missão com a morte do personagem, que
estava sendo ajudado;

– Riscos calculados: o jogador precisa avaliar o risco do que vai realizar


dentro do jogo para evitar perdas. Por exemplo, se o jogador não utili-
zar uma arma correta em tal ação ele pode acabar destruindo o objeto
que pretendia levar para alguém;

– Estabelecimento de prioridades e metas: o jogo tem um foco principal:


meta de buscar starites para ir embora daquele universo. Mas também
tem metas menores e chamadas urgentes. Portanto, o jogador vai ter
que estabelecer prioridades, por exemplo: focar nas missões princi-
pais ou ajudar a população para mais pontos de reputação?

– Criatividade: o jogo permite essa característica por meio da criação


de objetos, resolução de situações e seguimento do jogo. Tanto na re-
solução de problemas, quanto na sequencia do jogo, é possível criar,
ou seja, a criatividade não tem limite. E ainda, há o editor de itens e
personagens para se personalizar o que quiser e como desejar;

Para este artigo especificamente, utilizamos o conteúdo de substantivos


e adjetivos com os alunos, na busca de realizar o objetivo e potencial do jogo
em relação ao aprendizado, mas após todas estas indicações citadas, pode-se
concluir que há muitos outros potenciais, habilidades e atitudes a serem apli-
cados como aprendizagem quando se trata desse jogo.

APLICAÇÃO DO SCRIBBLENAUTS UNMASKED COM ALUNOS


PARA O ENSINO DOS CONCEITOS DE SUBSTANTIVOS E
ADJETIVOS

Para analisar o potencial do jogo, na prática em sala de aula, foi realizado


um experimento com 26 alunos que frequentam escolas públicas de Araranguá
– SC. Os alunos têm idade, na maior parte, entre 11 e 16 anos. Todos já jogaram

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


167
jogos digitais para computador e todos estavam familiarizados com esse tipo de
entretenimento e controles (mouse e teclado), exceto com o jogo a ser avaliado.
Os conteúdos que são fundamentais para o conhecimento testado serão
apresentados a seguir, bem como o processo adotado para aplicar com os
alunos o jogo da pesquisa.

Conceitos de substantivo e adjetivo

A elaboração das perguntas e padronização dos conceitos de substan-


tivos e adjetivos teve como base teórica a definição de Cunha (2014) que para
substantivo o define: como “a palavra com que designamos ou nomeamos os
seres em geral”. Como categorias, Cunha (2014) lista os seguintes tipos:

– Nomes de pessoas, lugares, instituições, gênero, espécie ou de um de


seus representantes. Exemplos: cidade, homem, Brasil, Maria, Senado,
cavalo, etc;

– Nomes de ações, noções, qualidades e estados, estes tomados como


seres. Exemplos: justiça, viagem, ira, otimismo, doença, opinião, etc.

O adjetivo, Cunha (2014) define como “um modificador do substantivo”


de várias formas:

– uma qualidade (ou defeito). Exemplos: homem perverso, inteligência


lúcida etc;

– modo de ser. Exemplos: pessoa simples, rapaz delicado etc;

– aspecto ou aparência. Exemplos: céu azul, vidro fosco etc;

– estado. Exemplos: casa arruinada, laranjeira florida etc;

– estabelecer junto ao substantivo uma relação de tempo, espaço, maté-


ria, finalidade, propriedade etc. Exemplos: nota mensal, casa paterna,
vinho português etc.

Perante estas definições, as perguntas para os alunos foram elaboradas


considerando o contexto do jogo e conceitos gerais.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


168
Experimento com alunos do jogo Scribblenauts Unmasked

Primeiramente, fez-se duas perguntas aos alunos para se avaliar o conhe-


cimento prévio que tinham do assunto: “O que é substantivo? Dê exemplos” e
“O que é adjetivo? Dê exemplos”. Nessa primeira etapa, onze alunos não sabiam
o conceito de substantivo e cinco desconheciam o conceito de adjetivos.
Após essa pergunta prévia, os alunos foram submetidos a prática do
jogo em uma sessão média de 15 minutos, previamente estipulados, pois não
havia certeza de quanto tempo levariam para cumprir todo o tutorial do game,
vivenciando os dois conceitos apresentados.
Ao final da interação no jogo, eles voltavam ao formulário inicial e respon-
diam cinco perguntas de múltipla escolha, referente as ações desempenhadas
por eles no jogo, e já relacionadas aos conceitos em questão. As questões
seguem na Figura 11. Ainda, neste caso, as questões foram cuidadosamente
analisadas e elaboradas, como por exemplo, o item “Não sei”, para evitar que os
alunos chutassem nas questões. Todas as questões eram baseadas em ações
que eles fizeram no jogo. Nessa etapa, observou-se que o acerto das quatro
primeiras questões foi por parte de 70% dos alunos. O objetivo destas questões
era verificar se o aluno percebia a diferença entre substantivo e adjetivo durante
as interações no jogo.
Já na última questão, apenas 20% acertaram. Houve muita pergunta
para esta questão durante o experimento, acredita-se que isso ocorreu devido
a complexidade de alternativas maiores e itens parecidos, o que pode ter con-
fundido os alunos e dificultado a interpretação.
Depois, novamente respondiam mais 5 questões de múltipla escolha,
porém focadas apenas no conceito de substantivos e adjetivos. As frases eram
inspiradas nos contextos usados no jogo, no entanto estavam mais relacionadas
ao aprendizado tradicional em sala de aula. Essas perguntas se encontram na
Figura 12. Nessa etapa, observou-se que novamente as questões mais simples
(1 a 4) levaram a mais acertos por parte dos alunos (entre 70 a 80% deles acer-
taram). Já na última questão, apenas 50% acertaram.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


169
Figura 11. Perguntas sobre Scribblenauts Unmasked quanto aos conceitos de substantive e adjetivo.

Fonte: elaborada pelos autores.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


170
Figura 12. Perguntas sobre os conceitos de substantivo e adjetivo.

Fonte: elaborada pelos autores.

Após terminarem os questionários, eles novamente voltaram a responder


as duas perguntas feitas no diagnóstico “O que é substantivo? Dê exemplos” e
“O que é adjetivo? Dê exemplos”. Nessa etapa, a mesma pergunta tinha mais
respostas corretas, sendo que apenas 1 aluno manteve a resposta “Não sei”,
tanto antes quanto no pós-jogo.
Nessa fase, é possível detectar que as respostas deles refletem as ações
e exemplos que eles vivenciaram no jogo, não necessariamente um conceito de

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


171
fato. Por exemplo, muitos responderam substantivos do jogo que eles criaram
durante a interação como “carro”, “Batman”, “moto”, “médico” e outros. O mesmo
ocorreu com os adjetivos como “forte”, “alado”, “inflado” etc. Com esse efeito,
observou-se que os alunos que não sabiam o conceito anteriormente, pelo
menos sabiam quais palavras pertenciam àquele conceito. Os que já tinham
acertado antes do jogo, apenas complementaram o conceito correto que já
tinham dado com exemplos do game.
Todos os alunos foram questionados sobre a diversão enquanto joga-
vam. Todos relataram terem se divertido, além de gostarem da forma como o
conteúdo foi abordado. Eles ficaram tão imersos que foi necessário avisar do
tempo encerrado para a sessão.
O experimento, com esse grupo, demonstra que um jogo pode trazer
conceitos abstratos de uma maneira mais prática e vivencial. Também, que o
jogo pode ser usado como um reforço ou complemento ao que o professor está
trabalhando em sala de aula, principalmente porque o entendimento deles sobre
o conceito apresentado ocorreu com a prática do jogo. Afinal, devido a isso, a
maior parte das respostas estão relacionadas as ações feitas durante o game.
Tendo em vista o experimento apresentado, pode-se atestar a utilização
do jogo dentro do ensino de língua portuguesa, principalmente pelos seus meca-
nismos serem ligados ao conteúdo desta aula. O professor terá uma ferramenta
didática mais ativa em seu processo de ensino do português. A compreensão de
substantivos e adjetivos foi mais marcante para os alunos, pois relacionaram as
ações realizadas durante a interação com o jogo com os dois conceitos avaliados.
O professor, mediando essa atividade, pode fazer relações do jogo com
conteúdos da aula e trazer mais interesse pelo aprendizado dos alunos. É impor-
tante frisar a necessidade da mediação do docente nessa atividade, pois o
direcionamento dele e o elo entre conteúdo e jogo são fundamentais para que
o aluno entenda a proposta a ser realizada com o game.
Concluindo, a pesquisa contribui efetivamente para demonstrar uma
abordagem de jogos de entretenimento na educação e sua aplicação em sala
de aula, com resultados positivos e pertinentes.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


172
CONCLUSÃO

Este trabalho apresentou a utilização do game Scribblenauts Unmasked


em aula prática, com foco em seu potencial de diversão e aprendizado, ligados
ao conteúdo da Língua Portuguesa; em específico: substantivos e adjetivos,
dentro do contexto. Como resultado, percebe-se nos alunos um estímulo dife-
rente quando se entendia na prática o que eram essas palavras. Houve maior
interesse por parte do aluno quando percebe o que acontecia e como estas
palavras se apresentavam por meio da brincadeira na tela de um computador.
A associação de escrita, imagem e resultado permitiu um melhor enten-
dimento do tema, despertando o interesse do aluno para tentar outras pos-
sibilidades. Durante a aplicação, muitos dos alunos queriam continuar na
experimentação das alternativas que o jogo oferecia, quanto aos substantivos
e adjetivos, não necessariamente para continuar no jogo, mas para continuar
explorando e experimentando as possibilidades. Dessa forma, percebeu-se que
a descoberta foi incentivada e também a brincadeira (play).
É fundamental ressaltar que se deve conhecer o jogo profundamente
antes de utilizá-lo com os alunos, além de se ter claramente uma estratégia
metodológica de como ele será apresentado e aplicado dentro de um contexto
escolar. Isso é necessário para que o recurso didático seja eficaz quanto ao que
o professor pretende abordar na aula, e para que o aluno consiga ser orientado
por ele, para realizar as funções básicas no jogo, e justificar o investimento da
escola na aquisição desse game.
Outro benefício, é que os jogos de entretenimento contêm conhecimentos
que, se analisados, podem trazer ferramentas didáticas prontas aos professo-
res. É uma facilidade ao docente, pois nem sempre ele domina conceitos de
game design e programação de computadores para fazer os seus próprios jogos
digitais. Mas necessita de análise para aplicar em sala de aula.
Também é necessária uma análise financeira da viabilidade de se aplicar
esses tipos de jogos na escola. Seja a própria instituição de ensino investindo
ou o governo, deve-se justificar o uso do recurso didático, apresentando bene-
fícios, conteúdos que irá abordar e se a escola possui recursos tecnológicos
que viabilizem o funcionamento correto dos jogos.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


173
Como continuidade do trabalho, poderão ser avaliadas as outras versões
de Scribblenauts para se observar se os aprendizados são os mesmos, mas
também se tem mais liberdade de criação que essa versão focada nos perso-
nagens da DC Comics.
Sugere-se também a aplicação do jogo, com mais turmas de alunos, além
de outros tipos de perguntas formuladas para se verificar se é possível manter
a compreensão dos conceitos apresentados no experimento: substantivos e
adjetivos. Ou expandir a experiência dentro da língua portuguesa ao se desen-
volver vocabulário e grafia correta de palavras, por exemplo.
Por último, é importante uma avaliação e conhecimento de outros jogos
de entretenimento, haja vista que muitos professores desconhecem esse recurso
didático. Logo, essa pode ser uma forma de se demonstrar como os jogos
podem ser abordados em sala de aula, e da relação do jogo com o conteúdo
que o docente quer trabalhar. É fato que muitas vezes o docente tem vontade
de usar tal recurso para seus alunos, mas falta a informação de como ele pode
utilizá-lo dentro do seu contexto.
Concluindo, Scribblenauts Unmasked como jogo digital, possui aspectos
educativos. Todo o trabalho desenvolvido e teoria estudada corroboram com a
aplicação de jogos digitais para se alcançar objetivos de ensino aprendizagem.
Portanto, a proposta deste artigo e sua aplicação demonstraram que é viável a
utilização de um jogo de entretenimento em atividades de cunho educativo ou
com conteúdo e contexto educacional.

REFERÊNCIAS
AGUIAR, Michele Pereira de. Narrativa para Jogos Digitais. Curitiba: Universidade Positivo, 2014.

CLUA, E. W. G.; BITTENCOURT, J. R. Uma nova concepção para a Criação de Jogos Educativos.
Simpósio Brasileiro de Informática na Educação – SBIE. Disponível em: http://www.joinville.udesc.br/
portal/professores/marcelo/materiais/Clua_e_Bittencourt_2004___Cria__o_de_Jogos_Educativos___
minicurso.pdf . Acesso 12 setembro 2016.

COSTA, Leandro Demenciano. O que os jogos de entretenimento têm que os educativos não têm: 7
princípios para projetar jogos educativos eficientes. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2010.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


174
CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Flow: the psychology of optimal experience. Nova Iorque: Harper
Perennial, 1990.

CUNHA, Celso. Gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Lexikon, 2014.

DAMIAN, Davi S. Menezes. Games: contemporâneo, subjetividade e utopia. Informática na Educação:


teoria e prática, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 173-190, jan./jun. 2013.

EVANGELISTA, Jean Lúcio Santos; ANDRADE, Willams Silva; BITENCOURT, Ricardo Barbosa;
OLIVEIRA, Edivânia Granja da Silva. Utilização do jogo para PC “Age of Empires” como ferramenta
didática para aulas de História Antiga. Revista Semiárido De Visu v.2 n.3 mai/ago. 2012.

GEE, James Paul. What videogames have to teach us about learning and literacy – Revised and
Updated Edition. Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2007.

KIKUCHI, Thiago Kiyoschi Igarashi. Uma alternativa na prática docente: ensinando a urbanização com
o jogo SimCity 3000. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO SUPERIOR, 2014, Sorocaba.
Anais do Seminário Internacional de Educação Superior. Sorocaba: Uniso, Sorocaba, SP, 2014.

KOSTER, R. Theory of Fun for Game Design – 10th Anniversary. Arizona: Paraglyph Express, 2013.

MATTAR, João. Games em Educação: como os nativos digitais aprendem. São Paulo: Prentice Hall, 2010.

MORRIS, Christine Ballengee. Games, Pedagogy and Art Education. Revista Informática na Educação:
Teoria e Prática. Porto Alegre, v. 19 n. 1, p. 61-68, jan./maio 2016.

MORRO DO OLIMPO. Morro do Olimpo Explica! – A Jornada do Herói #02. Disponível em: <http://
morrodoolimpo.com.br/podcast/morro-olimpo-explica-jornada-heroi-02/> Acesso 29 março 2017.

PANOSSO, Mariana Gomide; SOUZA, Silvia Regina de; HAYDU, Verônica Bender. Características
atribuídas a jogos educativos: uma interpretação Analítico-Comportamental. Psicol. Esc. Educ., Maringá,
v. 19, n. 2, p. 233-242, ago. 2015 . Disponível em < http://dx.doi.org/10.1590/2175-3539/2015/0192821>.
acesso em: 30 mar. 2017.

PAULA, Heller de. Projetar para a emoção e para o fluxo (flow) – Travor van Gorp. Disponível em:
<http://hellerdepaula.com/br/projetar-para-emocao-e-para-o-fluxo-flow-travor-van-gorp/> Acesso
05 junho 2017.

PRENSKI, Marc. Aprendizagem baseada em jogos digitais. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2012.

QUEIRÓZ, Renato Almeida de. Aplicando tecnologias sociais no desenvolvimento de jogos educativos
digitais. 2011. TCC (Graduação) - Curso de Sistemas de Informação, Universidade Federal do Ceará,
Quixadá, 2011. Disponível em: <http://www.repositoriobib.ufc.br/000012/00001232.pdf>. Acesso em:
30 mar. 2017.

RABIN, Steve. Introdução ao desenvolvimento de games: vol. 1: entendendo o universo dos jogos.
São Paulo: Cengage Learning, 2011.

ROGERS, Scott. Level UP: um guia para o design de grandes jogos. São Paulo: Blucher, 2012.

SALEN, Katie. ZIMMERMAN, Eric. Regras do jogo: fundamentos do design de jogos: volume 2 –
regras. São Paulo: Blucher, 2012.

SANTOS, Renato P. dos. O Second Life como plataforma para micromundos físicos para o ensino de
Física. Revista Novas Tecnologias na Educação, CINTED, UFRGS, v. 9, n. 1, jul 2011.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


175
SCHELL, Jesse. A arte de game design: o livro original. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

SKOLNICK, Evan. Videogame Storytelling: What every developer needs to know about narrative
techniques. Berkeley: Watson-Guptill Publications, 2014.

VOGLER, Christopher. A jornada do escritor: estruturas míticas para escritores. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2006.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


176
11

VISÃO DE EDUCADORES SOBRE O


ENADE: PRINCIPAIS CRÍTICAS E
SUGESTÕES/DEFESAS

Mariane da Silva Lira Ribeiro


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI)

Taiane da Silva Lira Ribeiro


Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

Onário da Silva Lira Ribeiro


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI)

' 10.37885/231215263
RESUMO

O Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE ) tem sido objeto


de profundas críticas de educadores, sindicatos, associações e até mesmo
organizações econômicas. Partindo desse contexto, o objetivo deste estudo é
apresentar as principais críticas e sugestões/defesas ao ENADE no que se refere
à utilização dos seus resultados, a importância do compromisso dos estudantes
bem como a importância do envolvimento de todos os agentes no decorrer de
todo o processo do exame. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, exploratória,
bibliográfica e documental (PRODANOV, FREITAS; 2013) à luz de referenciais
importantes como a Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004 e a visão de educa-
dores como Groot (1983), Bertolin (2007), Francisco et. al. 2015; Bittencourt et.
Al. 2010; Marta Avancini (2017); Polidori, Marinho-Araujo, Rothen (2006), Lavor
(2014) e Paulo Goes (2018). A partir desta pesquisa concluímos que o ENADE
constitui-se como uma ferramenta capaz de orientar as ações pedagógicas e
administrativas das instituições de ensino e dos cursos assegurando a melhoria
da qualidade do Ensino Superior. Mas, para isso ainda é necessário divulgação,
utilização e reflexão dos resultados obtidos.

Palavras-chave: ENADE, Avaliação da Educação Superior, Qualidade do


Ensino Superior.

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


178
INTRODUÇÃO

O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) define


três pilares orientadores da avaliação da Educação Superior brasileira: avalia-
ções das Instituições de Educação Superior (IES), dos cursos de graduação
e do desempenho acadêmico de seus estudantes. Esse último realizado pelo
Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE). Dentre esses pilares
podemos destacar que a avaliação do desempenho acadêmico dos estudan-
tes constitui-se como o principal pilar para avaliação da qualidade do ensino
superior devido à sua influência nos outros eixos do SINAES, uma vez que a
ferramenta utilizada por todas as IES é o Exame Nacional de Desempenho dos
Estudantes – ENADE (BRASIL, 2018).
O Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes (ENADE), criado em 14
de abril de 2004, pela Lei nº 10.861, como parte do Sistema Nacional de Avaliação
da Educação Superior (SINAES), objetiva aferir o desempenho dos estudantes
em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares
do respectivo curso de graduação, as suas habilidades para ajustamento às
exigências decorrentes da evolução do conhecimento e as suas competências
para compreender temas exteriores ao âmbito específico de sua profissão,
ligados à realidade brasileira e mundial e a outras áreas do conhecimento.
Constituindo-se como uma ferramenta capaz de orientar as ações pedagógicas
e administrativas da instituição e dos cursos (BRASIL, 2018).
Percebendo a importância do ENADE para a melhoria da qualidade da
Educação Superior; decidimos realizar esse trabalho que tem como objetivo
apresentar as principais críticas e sugestões/defesas ao ENADE no que se refere
à utilização dos seus resultados, a importância do compromisso dos estudantes
bem como a importância do envolvimento de todos os agentes no decorrer de
todo o processo do exame.
Visando alcançar o objetivo proposto realizamos uma pesquisa bibliográ-
fica e documental partindo de referenciais importantes como a Lei nº 10.861, de
14 de abril de 2004 e a visão de educadores como Groot (1983), Bertolin (2007),
Francisco et. Al. 2015; Bittencourt et. Al. 2010; Marta Avancini (2017); Polidori,
Marinho-Araujo, Rothen (2006), Lavor (2014) e Paulo Goes (2018); que possi-
bilitou o contato com diversos materiais já escritos sobre o tema em questão.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


179
Assim, acreditamos que este trabalho poderá promover discussões
pertinentes sobre a importância do ENADE para a qualidade dos cursos de
graduação; destacando a importância da utilização de seus resultados para a
qualidade da Educação Superior podendo até mesmo vir a servir de base para
futuros estudos.

PRINCIPAIS CRÍTICAS AO ENADE

Os instrumentos de avaliação em larga escala são temáticas carregadas


de complexidade e a discussão acerca dos mecanismos capazes de medir a
aquisição de conhecimentos e habilidades dos discentes no decorrer da gra-
duação são constantes. Logo, o ENADE por se caracterizar como o principal
instrumento de avaliação do desempenho dos estudantes tem sido objeto de
profundas críticas.
Uma crítica comum é a de que o ENADE é pouco utilizado no processo
de gerenciamento dos cursos de graduação (Francisco et. Al. 2015). No que diz
respeito a essa questão Paulo Alonso, jornalista e universitário, compartilha esse
mesmo pensamento em uma publicação intitulada como “Relatório da OCDE
critica o modelo de Avaliação do ENADE”, datada em 03 de fevereiro de 2019, na
página Monitor Mercantil ao afirmar que “os resultados do ENADE são usados
pelo INEP apenas como base para decisões regulatórias, como a renovação
de reconhecimento de um curso, mas não são usados, como deveriam pelas
instituições e professores para identificar o que os cursos precisariam melhorar”.
Outra crítica comum refere-se ao compromisso dos alunos com a reali-
zação do exame, visto que “há uma dependência profunda da participação do
estudante (Bittencourt et. Al. 2010) ,no entanto; os estudantes não têm com-
promisso com o exame, por isso, seu resultado não mensura, necessariamente,
o aprendizado durante a graduação (Marta Avancini, 2017). Por esse mesmo
motivo Sólon Caldas, diretor da Associação Brasileira de Mantenedoras de
Ensino Superior (Abmes), afirma que,” o exame não avalia o curso e sua qua-
lidade porque os alunos boicotam a prova. O resultado não ajuda a corrigir
distorções ou apontar melhoras”.
No que se refere a importância do envolvimento de todos os agentes
envolvidos no processo de realização do ENADE, Polidori, Marinho-Araujo e

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


180
Rothen (2006) critica que o ENADE deve ser compreendido por todos que se
envolvem com a gestão institucional, mas, ele ainda não tem esse caráter. E Lavor
(2014) reclama a falta de envolvimento dos professores ao afirmar que “o ENADE
é um elemento que deve orientar as atividades docente, mas dificilmente os
docentes se envolvem com o processo”.
Apesar da complexidade e das críticas, o ENADE se configura em um impor-
tante indicador que a sociedade utiliza para aferição da qualidade dos cursos.
Na próxima subseção apresentaremos defesas no que se refere à utiliza-
ção dos resultados do ENADE e sugestões em relação a participação de todos
os agentes envolvidos no processo de realização do exame para que se possa
alcançar melhores resultados.

SUGESTÕES E DEFESAS AO ENADE

Apesar da complexidade e das críticas, o INEP defende que os dados


relativos aos resultados do ENADE podem ser úteis para orientar as ações
pedagógicas e administrativas da IES e do Curso, uma vez que constituem
importantes referências para o conhecimento da realidade institucional e para
a permanente busca da melhoria da qualidade da graduação, aspectos que
evidenciam o caráter integrativo inerente à avaliação (BRASIL, 2018).
Em relação a isso, Paulo Goes (2018) sugere que as coordenações de
cursos, juntos com seus colegiados, reflitam sobre esses resultados e proponham
medidas de revisão de seus projetos de curso para adequação às diretrizes
nacionais curriculares e também eventual articulação do ENADE. Pois, é preciso
considerar que o INEP produz os Indicadores de Qualidade do Ensino Superior
a partir dos resultados do ENADE.
Robert Carlisle Burnet (2008) por sua vez destaca como ponto positivo do
ENADE a possibilidade que as instituições e os cursos tem de utilizar os resultados
obtidos nesse exame como ingrediente de um processo avaliativo mais amplo,
gerando ferramenta para a gestão e o aperfeiçoamento do projeto pedagógico.
Por fim, Marta Avancini (2017) ressalta-se que os defensores do ENADE
enfatizam que o exame pode ser utilizado como indutor da melhoria dos currículos
dos cursos de graduação, a medida em que se intensificar, entre os estudantes
e as instituições, a percepção da relevância do exame. E para que isso aconteça

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


181
as IES precisam adotar medidas de divulgação, de conscientização e de incen-
tivo à realização do ENADE, adequadas e eficientes bem como se apropriar dos
resultados obtidos de modo a torná-los conhecidos pela comunidade acadêmica
promovendo reflexões e discussões a fim de sanear as deficiências apontadas.

METODOLOGIA

Para alcançar os objetivos propostos; optamos pela abordagem qualitativa,


pois, “não há preocupação em comprovar hipóteses previamente estabelecidas,
porém estas não eliminam a existência de um quadro teórico que direcione a
coleta, a análise e a interpretação dos dados (PRODANOV; FREITAS, 2013, p.70 ).
Quanto aos objetivos esta pesquisa, caracteriza-se como exploratória
(PRODANOV; FREITAS, 2013), uma vez que pretendemos nos familiarizar com
o problema de investigação, tornando-o explícito.
E, quanto aos procedimentos; utilizamos a pesquisa bibliográfica (PRO-
DANOV; FREITAS, 2013) que, além de fundamentar este estudo, possibilita
maior familiaridade com o tema dessa pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho conhecemos a visão de diferentes educadores sobre o


ENADE cujas críticas e sugestões/defesas enfatizam que a utilização dos resul-
tados desse exame não devem se restringir apenas como base para decisões
regulatórias, como a renovação de reconhecimento de um curso. Logo, aponta
para necessidade de estudos que discutam sobre a utilização dos resultados
do ENADE pelo Ministério da Educação – MEC, pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP e pelas Instituições
de Educação Superior (IES).

Estudos Multidisciplinares em Educação: tensões e desafios


182
REFERÊNCIAS
AVANCINI, Marta. Entenda o Enade e conjunto de indicadores do ensino superior. Disponível em:
<http://jeduca.org.br/texto/entenda-o-enade-e-o-conjunto- de-indicadores-do-ensino-superior>.
Acessado em: 14/12/2019.

BERTOLIN, Julio C. G. Avaliação da qualidade do sistema de educação superior brasileiro em tempos


de mercantilização – período 1994-2003. 2007. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.

BITTENCOURT, Hélio Radke; VIALLI, Lorí; RODRIGUES, Alziro César de Morais; CASARTELLI, Alam
de Oliveira. (2010). Mudanças nos pesos do CPC e seu impacto nos resultados de avaliação em
universidades federais e privadas. Avaliação, Campinas, v. 15, n. 3, p. 147-166, nov.

BRASIL. Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004. (2004). Institui o Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior – SINAES e dá outras providências. Acesso em: 14/12/2023. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004- 2006/2004/Lei/L10.861.htm >

BURNET, Robert Carlisle. Prós e contras do Enade. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.


br/vida-e-cidadania/colunistas/verissimo/pros-e- contras-do-enade-b8mpi0g9m40gd5yyon2004bim/>
Acessado em: 23/04/2023.

FRANCISCO, Thiago Henrique Almino NAKAYAMA, Marina Keiko; SOUZA, Izabel Regina de; ZILLI,
Júlio Cesar de Farias. (2015). Os indicadores de qualidade como instrumentos de governança: iniciando
a experiência em um curso de Administração. ANAIS. Encontro Nacional dos Cursos de Graduação
Administração – Administração e Sustentabilidade. (ENANGRAD). Fóz do Iguaçu.

LAVOR, João Ferreira de. (2014). Qualidade da gestão acadêmica e a docência em cursos de
graduação: validando relações com o Conceito Preliminar de Curso (CPC). Tese (182 fls). Programa
de Pós-graduação (Doutorado) em Educação Brasileira. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.

POLIDORI, Marlis Morosini; MARINHO-ARAUJO, Claisy M.; BARREYRO, Gladys Beatriz. (2006). SINAES:
perspectivas e desafios na avaliação da educação superior brasileira. Ensaio, v. 14, n. 53, p. 425-436.

PRODANOV, Cleber Cristiano. Metodologia do trabalho científico [recurso eletrônico]: métodos e


técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico / Cleber Cristiano Prodanov, Ernani Cesar de Freitas.
– 2. ed. – Novo Hamburgo: Feevale, 2013.

ISBN 978-65-5360-513-8 - Vol. 2 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


183
SOBRE O ORGANIZADOR
Flávio Aparecido de Almeida

Graduado em Psicologia (UNIFAMINAS), História (UEMG), Pedagogia (FINOM),


Educação Especial (UNIFAVENI), Sociologia (UNIFAVENI), Filosofia (FAERP
-UNIETEP) e Ciências da Religião (UNICV). Especialista em: Educação Inclusiva,
Especial e Políticas de Inclusão (UCAM), Psicopedagogia Clínica e Institucional
(UCAM), Gestão em Saúde Mental (UCAM), Ensino Religioso (FINOM), Gestão de
Processos Educativos: Supervisão e Inspeção Escolar (UEMG), Psicologia Social
(INTERVALE), Psicologia Comportamental e Cognitiva (FAVENI), Psicologia Escolar
e Educacional (FAVENI), Psicologia Existencial Humanista e Fenomenológica
(FANENI), AEE - Atendimento Educacional Especializado (IBRA), Ética, Filosofia
e Sociologia (IBRA), ABA - Análise do Comportamento Aplicada (IBRA), Autismo
(FCE), Psicologia Clínica (IBRA), Neuropsicologia (UCAM), História do Brasil
(UCAM), Psicomotricidade Aplicada à Educação Especial (IBRA), Ética e Filosofia
Política (INTERVALE), Docência do Ensino Superior (UCAM), Gestão Escolar
(Administração, Supervisão, Orientação e Inspeção) (FAVENI), Antropologia
(FAVENI) e Neuropsicopedagogia (UCAM). Mestre em Ciências das Religiões
(UNIDA) e Doutor em Ciências da Educação (UML). Como psicólogo clínico atua
com terapias focadas em crianças autistas, com Deficiência Intelectual, Transtornos
de Aprendizagens e Psicoterapia com adultos. Atualmente tem dedicado as suas
pesquisas em Atendimento Educacional Especializado, Dificuldades e Transtornos
de Aprendizagem, Educação Especial e Inclusiva, Espiritualidade e Psicologia
Clínica, Autismo, Ensino Religioso Escolar, Educação, Diversidade e Inclusão.
Pesquisa também sobre os Direitos Humanos, a Educação Popular e libertadora e
vulnerabilidades que permeiam a comunidade LGBTQIAPN+. Membro do Conselho
Editorial da Editora Científica Digital desde 2020.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2192204324890376
Escolas do Campo: 71, 72, 73, 83, 86
ÍNDICE F
REMISSIVO Figurino: 127, 128, 130, 131

G
A Geogebra: 57, 58, 59, 61, 62, 63, 64, 68, 69
Altas Habilidades: 43, 44, 45, 46, 47, 48, 50, 51,
52, 53, 54, 55 H
Alternativa Didática: 113 Humanização: 104, 106, 110

Amala e Kamala: 103, 104, 105, 106, 109 I


Aprendizagem: 15, 22, 23, 24, 25, 40, 41, 42, 44, Idiomas: 71, 165
45, 46, 48, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 58, 59, 60, 62,
63, 71, 72, 77, 87, 88, 97, 98, 101, 105, 106, 107, 108, J
109, 110, 113, 114, 116, 118, 119, 123, 124, 133, 138, Jogo: 127, 129, 134, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151,
141, 143, 146, 147, 148, 150, 151, 159, 160, 162, 164, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162,
166, 173, 174 163, 164, 165, 166, 167, 168, 170, 171, 172, 173, 174
Avaliação da Educação Superior: 177, 178, 182 Jogo Digital: 145, 146, 147, 162, 173
C L
Condições de Trabalho: 89, 90, 92, 96, 97, 98, Língua Escrita: 22, 23, 40
99, 100, 101
Critérios Fundamentais: 56, 57, 59, 61, 67, 69 M
Meta-Avaliação: 57, 61, 64, 68
D
Metodologia Ativa: 113
Diversão: 146, 148, 152, 155, 158, 159, 160, 161,
162, 171, 172 Metodologia de Pesquisa: 9, 14, 17, 18, 19, 20

E O
Educação: 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, Ortografia: 22, 25, 27, 37, 40, 41, 42
20, 21, 23, 25, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 51, 52, 53, 54,
55, 58, 59, 61, 62, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, P
76, 77, 78, 79, 85, 87, 88, 90, 91, 94, 95, 96, 97, 99, Pedagogia do Teatro: 127, 128, 132, 143, 144
100, 101, 102, 104, 106, 108, 109, 110, 113, 115, 117, 118,
Periódicos da Educação: 9
119, 124, 125, 128, 132, 133, 139, 143, 144, 145, 146,
148, 149, 150, 164, 165, 171, 173, 174, 176, 177, 178, Pesquisa em Educação: 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15,
179, 181, 182 16, 17, 18, 19, 20, 124
Educação: 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, Práticas Interativas: 22, 25
20, 21, 23, 25, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 51, 52, 53, 54, Processos Cognitivos: 22, 40
55, 58, 59, 61, 62, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74,
76, 77, 78, 79, 85, 87, 88, 90, 91, 94, 95, 96, 97, 99, Professor Universitário: 90, 92, 99, 100
100, 101, 102, 104, 106, 108, 109, 110, 113, 115, 117, 118, Psicopedagogia: 43, 44, 45, 50, 51, 52, 53, 54,
119, 124, 125, 128, 132, 133, 139, 143, 144, 145, 146, 55
148, 149, 150, 164, 165, 171, 173, 174, 176, 177, 178,
179, 181, 182 Q
ENADE: 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182 Qualidade do Ensino Superior: 177, 178, 180
Ensino de Matemática: 57, 64
S
Ensino de Plantas: 113
Scribblenauts Unmasked: 145, 146, 147, 148,
Ensino Superior: 14, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 151, 152, 154, 158, 159, 160, 161, 162, 164, 166, 168,
97, 99, 100, 101, 102, 177, 178, 179, 180, 182 169, 172, 173
Escolas da Fronteira: 71 Socialização: 16, 104, 109
Sociedade: 14, 46, 58, 69, 90, 91, 96, 97, 99, 101,
102, 104, 106, 107, 108, 109, 110, 115, 116, 118, 121, 180
Sonoplastia: 127, 128, 129, 130, 131

T
Tecnologias Educacionais Digitais: 57, 58

V
voz: 127, 130

Você também pode gostar