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(Organizador)
ensino de
SOCIOLOGIA
perspectivas,
desafios
e práticas
editora
científica digital
FLÁVIO APARECIDO DE ALMEIDA
(Organizador)
ensino de
SOCIOLOGIA
perspectivas,
desafios
e práticas
1ª EDIÇÃO
editora
científica digital
2022 - GUARUJÁ - SP
editora
científica digital
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E59 Ensino de sociologia: perspectivas, desafios e práticas / Flávio Aparecido de Almeida (Organizador). – Guarujá-SP: Científica
Digital, 2022.
E-BOOK
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Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5360-071-3
DOI 10.37885/978-65-5360-071-3
1. Sociologia - Estudo e ensino. I. Almeida, Flávio Aparecido de (Organizador). II. Título.
2022
CDD 300.7
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APRESENTAÇÃO
Sabemos dos desafios encontrados no Brasil para se ofertar Educação Básica. Vale a pena salientar que muitas escolas
ainda funcionam de forma precárias, não conseguindo ofertar o básico, que é uma estrutura digna, professores habilitados,
capacitados, bem remunerados e um sistema educacional que de forma efetiva transforme a vida do Educando, devolvendo-lhe
o direito de sonhar e assim possibilitando-lhe tornar-se protagonista de sua própria história. Movimento este que é construído a
partir de reflexões profundas sobre a si mesmos, a sociedade e as estruturas fundantes dela.
O Ensino de Sociologia tem o papel fundamental no processo de emancipação intelectual, favorecendo a crítica, a reflexão,
o questionamento e até mesmo a dúvida do que é posto e incorporado como “pronto” “acabado” “normal” por nossa sociedade.
O Descaso com a disciplina nas Escolas Públicas e no currículo brasileiro, deslumbra um cenário maior, em que construção
ideológica e negação da ciência como instrumento de transformação é a todo momento colocada a “prova”, pois bem sabemos
que quando o sujeito muda, muda-se também à sua maneira de visualizar a vida e os problemas cotidianos e como consequência
da reflexão ele muda a sua atitude/pensamento perante o mundo e as pessoas.
A presente obra, tem por finalidade enaltecer os professores de sociologia que ainda resistem a um sistema que desvaloriza
o pensar e a criticidade, que a todo custo tenta fazer sumir da grade curricular uma disciplina que fomenta a racionalidade e o
protagonismo do sujeito. Você encontrará nesta obra reflexões ímpares e que provocará a sua criticidade.
Desejo a você uma excelente leitura e reflexão.
CAPÍTULO 01
A CONSTRUÇÃO DA SOCIALIZAÇÃO NO COMBATE AO ABUSO SEXUAL
Angélica Ripari
' 10.37885/220207631................................................................................................................................................................................................ 9
CAPÍTULO 02
A PERSPECTIVA RELACIONAL EM PIERRE BOURDIEU
Luiz Eduardo de Souza Pinto; Jorge Alexandre Barbosa
' 10.37885/220207712.............................................................................................................................................................................................. 28
CAPÍTULO 03
ACERCA DAS CONTRIBUIÇÕES DO TEATRO DO OPRIMIDO DE AUGUSTO BOAL PARA O DEBATE DE GÊNERO NO ENSINO
DE SOCIOLOGIA
Rivelino Lourenço Martins; Elaine Regina Botter Okado
' 10.37885/211206894.............................................................................................................................................................................................. 43
CAPÍTULO 04
CONTROLE SOCIAL NA POLÍTICA DE SAÚDE E PROCESSOS DE GESTÃO
Francyely dos Santos Moura; Jailma da Costa Batista; Andressa Cassiano Araújo
' 10.37885/220207879.............................................................................................................................................................................................. 55
CAPÍTULO 05
DESIGUALDADES SOCIAIS: ENSINO E ESCOLA COMO REFLEXOS DA EXCLUSÃO
Flávio Aparecido de Almeida
' 10.37885/211106736...............................................................................................................................................................................................66
CAPÍTULO 06
EDUCAÇÃO PARA INCLUSÃO DIGITAL E A COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO DIGITAL
Lorena Chamone Vita
' 10.37885/220207891............................................................................................................................................................................................... 77
CAPÍTULO 07
FAKE NEWS E DESINFORMAÇÃO EM TEMPOS DE TRANSTORNO DA PERSONALIDADE ANTISSOCIAL
Haroldo da Silva
' 10.37885/220207755.............................................................................................................................................................................................. 92
SUMÁRIO
CAPÍTULO 08
GRAMSCI E ORTEGA Y GASSET: O ADVENTO DO SÉCULO XX SOB UMA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA DA CRISE
Angélica Ripari
UEM
'10.37885/220207631
RESUMO
Este artigo reflete sobre o trabalho da sociologia em sala de aula com o intuito de de-
bater e criar práticas para a reflexão da sociedade e assim espelhar tais nas atividades
elaboradas em sala de aula. A partir dos conceitos de processo de socialização e ins-
tituições sociais, os estudantes foram estimulados a repensar as estruturas e questões
importantes com atenção ao cotidiano obscuro dos jovens. O conceito de processo de
socialização é repensado a partir da teoria de Merton, possibilitando outro viés para a
discussão para além de evidenciar a simples normatização social. A atividade se desen-
volve a partir da criação de práticas de enfrentamento contra o abuso sexual de crianças
e adolescentes, repensando o papel da escola e da família, construindo práticas para
informar e intervir em prol do tema. O debate e a construção da tomada de decisão dos
alunos se tornam central no desenvolvimento da prática em sala de aula. A proposta
enunciada se embasa para que a realidade social discutida seja central ao considerar,
então, o desenvolvimento teórico em segundo plano, como uma forma de compreender
o problema em questão. O debate em torno do abuso de crianças e adolescentes se
torna tema central tanto pela gravidade da discussão, como pela quantidade de casos
apresentados com persistência nos acontecimentos da vida social. Essa questão é posta
em xeque, e a centralidade da instituição familiar como autônoma influencia as atitudes
dos sujeitos. Esta discussão confronta o discurso difundido em nossa sociedade em
Projetos de Lei como o da Escola Sem Partido. A atividade desenvolvida com alunos
dos primeiros anos do ensino médio integrado ao técnico, no Colégio Estadual Alberto
Gomes Veiga, localizado na cidade de Paranaguá, litoral do Paraná. Apresenta-se, neste
artigo, as estratégias utilizadas para o desenvolvimento da atividade, os êxitos obtidos
e as fragilidades da estrutura escolar para debater o tema e a realizar atividades com
alcance para além da sala de aula.
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Ensino de Sociologia: perspectivas, desafios e práticas - ISBN 978-65-5360-071-3 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 1 - Ano 2022
A sociologia como matéria em sala de aula propõe alguns dilemas para o docente. Este
se encontra diante de uma disciplina com grande carga de conteúdos e embates acadêmicos
e tem-se a tarefa de transformar todo este desarranjo em algo compreensível. Algo capaz
de ser refletido e transformável, para um adolescente (que, em grande parcela, tem imensas
fragilidades cognitivas dada as falhas do processo educacional escolar). Este é um desafio
constante, repetidamente falho, pois, mesmo que se reconheça a necessidade urgente de
debates e ações para a realidade dessa juventude, pela linguagem e pela ciência, parece
não ser capaz de se comunicar.
Apresento aqui um projeto elaborado e desenvolvido em uma escola pública do litoral
do Paraná – no Colégio Alberto Gomes Veiga (AGV) de Paranaguá – que representa a
busca de um elo de comunicação desses jovens para a reflexão sociológica dos problemas
que vivenciam. A partir do conceito de processo de socialização e de instituições social
(conceitos estes elencados nos conteúdos estruturais do estado do Paraná e elementares
para a compreensão sociológica), debatem-se e elaboram-se intervenções para o combate
de práticas de abuso sexual contra crianças e adolescentes.
Este processo de elaboração da atividade foi desenvolvido juntamente com os estudan-
tes dos primeiros anos técnicos, com pesquisas e interações. Nesta atividade foi concretizado
um ato de intervenção no colégio e na praça central da cidade com balões e imagens; uma
campanha digital e um mural em uma das paredes internas do colégio.
Em reflexões com o ensino da sociologia, a proposta didática é para que se possa
partir de uma questão real (o abuso de crianças e de adolescentes) para desenvolver os
conteúdos sociológicos. O alcance dos debates atuais e da urgência que a sociologia tem
para fomentar encaminhamentos aos dilemas, tal discussão possibilita um enfrentamento à
pauta que individualiza e responsabiliza a instituição familiar por todas as questões sociais
(tal qual se vê em projetos como a PL Escola sem Partido).
TEORIA
ESCOLHAS PEDAGÓGICAS
A proposta pedagógica que embasa o projeto indica caminhos para dialogar, esta teoria,
que é ao mesmo tempo tão densa e tão cara a compreensão social, com a realidade social
vivida pelos jovens. Tais atividades são embasadas nas teorias do pedagogo Gasparin (2002),
autor que é referência para a formulação dos planos pedagógicos do estado do Paraná.
1 Merton como um dos autores iniciais da Escola de Chicago ao desenvolver esta nova percepção sob o conceito de anomia embasa,
12
posteriormente, os teóricos que estudam o desvio como uma construção social.
Ensino de Sociologia: perspectivas, desafios e práticas - ISBN 978-65-5360-071-3 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 1 - Ano 2022
Segundo o pedagogo, a instituição escolar e sua metodologia deve ser revista para que
o conhecimento escolar não seja mais apenas uma réplica fragmentada. E para esta recons-
trução, é preciso que o ponto de partida seja a realidade social. Os conceitos trabalhados
em cada área devem ser introduzidos aos estudantes a partir desta realidade, e este conhe-
cimento só é validado na medida que ele alcança uma transformação na mesma realidade.
O cotidiano, o fato, o problema vivido é, portanto, o objeto central desta pedagogia,
o qual temos como ponto de partida e ponto de chegada, capacitando os estudantes a se
tornarem sujeitos que refletem, agem, e modificam o seu meio. Esta escolha pedagógica
é dada pela dificuldade encontrada em repassar conceitos clássicos sociológicos. Estes
conceitos (juntamente com uma extensa exposição de autores) deslocados do objeto de
estudo transformam-se em conteúdos enciclopédicos. E, como efeito, formam os estudantes
(quando com sucesso) mais para um acúmulo de conhecimento culto elitizado do que para
uma capacitação de análise e transformação do social.
Na perspectiva aqui apresentada, o projeto em questão trata o conhecimento científico
à maneira projetada por Gasparin. Assim, os conceitos sociológicos do processo de socia-
lização e de instituições sociais são apreendidos a partir da análise de uma questão social
latente. E, ainda, o foco do processo de ensino aprendizagem perpassa a transmissão do
conceito para a capacitação da interação com a sociedade.
14
ao fim do artigo.
Ensino de Sociologia: perspectivas, desafios e práticas - ISBN 978-65-5360-071-3 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 1 - Ano 2022
o grau da violência que sofrem. Existem pais, familiares, comunidades em um sentido mais
amplo que acobertam os abusos. Ainda, há violadores que acreditam ser justificáveis seus
atos, isto ocorre, porque temos uma disfunção no processo de socialização.
Assim, como afirmam Inoue e Ristum (2008), enquanto a família é a maior violado-
ra dos direitos das crianças e dos adolescentes, a escola é o espaço onde a criança e o
adolescente mais tempo passam fora de casa, tendo aí uma possibilidade para o reconhe-
cimento e atuação contra a violência. No entanto, o que acontece mais comumente é que
a vítima se retraia reagindo com estratégias de agressividade, tornando o caso hostil da
escola. Esta instituição que não tem um devido preparo, não é capaz de prevenir e intervir
assim como seria devido. Em suma, temos uma instituição com alguma potencialidade para
a reação e a intervenção, não a capacitamos, mas é uma via eficaz, segundo os dados
analisados pelas autoras.
Este embate entre as instituições família e escola tem sido alvo de grandes polêmicas
atualmente. Há um discurso reinante de que “a família educa, a escola ensina”. Discurso este
estimulado, muitas vezes, por profissionais da educação encurralados com a falta de suporte
que tem na atual instituição escolar, tendo uma enorme responsabilidade que é atribuída
em receber todos os problemas psicológicos e assistenciais de uma população vulnerável.
Verifica-se o extremo desta pauta de disputa entre as instituições no recente Projeto
de Lei Federal (com replicações a nível estadual e municipal) denominado comumente por
Escola sem Partido, ou Lei da mordaça. Neste, vemos uma demanda de que as famílias
deveriam ter um total poder sobre o que as crianças e os adolescentes deveriam ter co-
nhecimento ao que se refere a questões políticas e ideológicas (incluindo ainda discussões
sobre gênero e sexualidade). A escola teria apenas o alcance de repassar conhecimentos
consolidados. Neste debate, descaracteriza-se a escola como instituição com potencial para
revisão de práticas sociais, como o abuso sexual infantil que persiste nos meios familiares.
Nestas circunstâncias, como defender a total autonomia da instituição familiar?
Aos estudantes foram questionadas as fragilidades da instituição familiar, e como estas
instituições devem consolidar o diálogo, ambas responsáveis pela formação e desenvolvimen-
to dos indivíduos. Neste entrave entre as potencialidades e as falhas das instituições familiar
e escolar se dá o debate da atividade, propondo novas formas de socialização capazes de
reavaliar o sujeito em ação, reavaliar a própria capacidade dos sujeitos em formação e em
repensar práticas e fragilidades.
A EXPERIÊNCIA
A fim de apresentar o fenômeno para os alunos foi exibido o filme: “A ira de um anjo”,
documentário produzido em 1990, que retrata as consequências psicológicas de um abuso
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Open Science Research - ISBN 978-65-5360-055-3 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 1 - Ano 2022
sexual infantil. A produção provoca um impacto aos expectadores por mostrar uma criança
de seis anos com aparência ingênua e fala contundente fria de violência. Após se lembrar do
abuso sexual que sofreu com o pai, quando ainda bebê, a menina cometia graves violações
sem a menor demonstração de afeto ou arrependimentos.
A reflexão sobre o filme é acrescida ainda com dados atuais sobre a então menina
retratada. Já no final do documentário é possível ver uma menina amadurecida após um
tratamento em um centro especializado. Ela já é capaz de demonstrar sentimento e se ar-
repende das violências que provocou. Na atualidade, já recuperada, com mais de 30 anos,
ela é enfermeira formada, cria uma clínica especializada similar a que foi atendida, quando
criança, e é autora de um livro que conta a história dela.
Os estudantes foram introduzidos ao debate sobre as condições sociais e individuais
que causam o abuso, tomando como base a história do filme, com disposição para localizar
na sociedade efeitos desse desequilíbrio. Os questionamentos circundaram na avaliação se
o caráter é natural, ou uma construção social. Em sequência, os estudantes realizaram uma
atividade onde deveriam medir se os problemas que encontramos na sociedade não seriam
consequências de uma falha no processo de socialização. E ainda, em debate, projetando
o processo de socialização contínuo e permanente, foi questionado se é possível reverter
estas ausências assim como aconteceu no documentário.
A partir deste questionamento inicial com a apresentação do conceito de processo
de socialização, foi proposto um debate sobre o abuso sexual de crianças e adolescen-
tes. Os questionamentos de uma realidade e tempo distantes foram trazidos para a socie-
dade brasileira. Os estudantes realizaram uma pesquisa inicial com dados estatísticos para
o reconhecimento do fenômeno estudado. A partir destes dados, os alunos relataram casos
e experiências de seus conhecimentos.
Tratar esta questão em sala de aula é sempre uma tarefa que exige uma sensibilidade e
discrição do professor. Relatos são constantes vindos dos mais variados sujeitos – professo-
res, zeladoria. Mas o ofício se torna mais árduo quando histórias mais graves dos estudantes
aparece. É comum algum estudante que se exponha em conversa mais pessoal. Com esta
atividade, um grupo de meninas relatou que um homem bem mais velho as assediou no
shopping da cidade e chegou a passar a mão em uma delas.
Em outra turma, um dos estudantes questionou o porquê de se discutir sobre este
tema, já que, em sua visão, nada adiantaria. Diante de tal situação, tentei argumentar, res-
pondi que as pessoas ali iriam reconhecer as situações de abuso e quando adultos iriam
agir de outra maneira. Contra-argumentos, contando histórias pessoais: o padrasto dela foi
abusivo por anos e a mãe não acreditou quando tentou lhe avisar. A mãe continuou com o
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Ensino de Sociologia: perspectivas, desafios e práticas - ISBN 978-65-5360-071-3 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 1 - Ano 2022
padrasto, vivendo ainda todos na mesma casa. Nada pôde fazer, disse ao se reprimir em
nome da felicidade da mãe.
Histórias como essa reforçam o papel da educação neste processo de revisão de uma
sociedade. No caso em questão, nada foi possível fazer. O estudante disse já ter resolvido
e não queria que o caso viesse à tona. Foi preciso reconhecer que a experiência traz mais
sapiência do que teorias sociológicas, ponderando sobre a autonomia da vítima.
No entanto, situações como estas fortalecem o processo educativo, pois reforçam
como a socialização por meio do debate, da informação, pode fazer com que estes es-
tudantes, em um futuro, quando com seus filhos, seus enteados possam reagir de forma
a transcender a violência vivida. Tais pais e tais mães, não tiveram este espaço quando
adolescentes, não debateram na escola sobre o tema. A abordagem sobre os casos de
abusos em nossa sociedade é sempre de maneira obscura e distante. Os relatos por si só
não ocasionam as mudanças necessárias, assim, compreende-se que não há uma real
consciência, e, por isso, não há ações concretas para além de ameaças vazias, não há
direcionamentos de como agir. E como cobrar uma postura se a socialização apresentada
não condiz com as realidades?
Posteriormente, foi introduzido ao debate, o conceito de instituições sociais. Após, a
identificação e reconhecimento do que seria uma instituição, os estudantes foram questiona-
dos sobre qual é o papel da família e da escola na construção de uma sociedade equilibrada.
Dessa maneira, projetando a discussão para o caso do abuso em específico. A partir do
debate construído com os estudantes, no qual tivemos consciência do problema abordado e
da urgência de uma reflexão mais ampliada, foi possível refletir quais ações seriam possíveis
para projetar esta discussão para além da sala de aula. Os estudantes, diante disso, então
sugeriram várias propostas.
O projeto foi inicialmente pensado para ser aplicado em três turmas de ensino médio
da manhã do Colégio AGV (duas de ensino técnico e uma de ensino médio). No entanto, a
turma de ensino médio não respondeu com o esperado no entrosamento dos debates, e no
comprometimento com as propostas de ação, sendo então não incluída no desenvolvimento
da atividade. Nas turmas de técnico em Portos e em Comércio Exterior, as atividades se
desenvolveram em cooperação com os estudantes, e em cada turma escolhemos coletiva-
mente qual seria a ação a ser colocada em prática.
MURAL
Uma das turmas definiu como seria possível fazer um mural em uma parede do colégio
chamando a atenção para o tema. A ideia pareceu absurda inicialmente, em um primeiro
diálogo com a direção foi desacreditada. Mas foi possível contatar um professor para realizar
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um trabalho com murais, este ensinou a técnica de desenho a partir de projeções. Com
exemplos concretos de outro colégio foi possível convencer a direção. A proposta ficou mais
palpável, sendo possível realizá-la em uma das paredes internas do colégio.
Pesquisamos alguns desenhos que cumprissem com nossas aspirações. Muitas propos-
tas apareceram – uma menina, uma balança, uma flor, um urso de pelúcia, um balão. Um dos
estudantes desta turma se prontificou para fazer o desenho. O primeiro que fez retratava
uma criança em desespero com uma sombra que a perseguia. Toda a turma apoiou e pre-
cisava apenas articular com a direção para continuar a atividade. Cristian, o desenhista da
turma, decidiu compor uma imagem que contemplasse a maioria das propostas sugeridas
pelos estudantes. No entanto, reavaliamos que um desenho perturbador em um trabalho
permanente poderia causar constrangimentos. A sala debateu novamente qual seria o de-
senho mais adequado.
O desenho foi então pintado na parede já com uma primeira demão, primeiramente
apenas riscado a lápis. Depois foi colorido e composto com uma mensagem e um fundo,
fruto de um processo de discussão com a sala.
Muitas foram as dificuldades para a realização da atividade. O desenho não dava afa-
zeres para os 40 alunos da turma, tendo sempre que se dividir em criar atividades paralelas
e controlar para que os receios do que pode acontecer com o uso de tintas não se tornem
realidade. Muitas posturas desacreditadas por parte de vários sujeitos da comunidade es-
colar acompanharam o trabalho.
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Os textos informativos foram elaborados pelos estudantes para explicar a atividade, com
dados estatísticos e apresentação do processo. No dia de finalização, um dos estudantes
comentou: “e antes era só uma parede cheia de rabiscos”. A atividade foi capaz de ressig-
nificar o espaço, dividindo o debate, construindo em sala com toda comunidade escolar, e
assim a atividade foi concluída com êxito.
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INTERVENÇÃO
Na outra turma do ensino técnico, o processo inicial foi similar, quando os estudantes
propuseram como atuar, apareceram algumas ideias como um filme, campanha digital,
campanha informativa na escola ou na cidade. As propostas foram sendo polidas na medida
do amadurecimento da ideia e com uma avaliação das capacidades do grupo. Algumas es-
tudantes se dispuseram a fazer o material para a campanha digital, a qual foi elaborada em
sala de aula. Os estudantes se dividiram entre selecionar imagens e relatos que poderiam
causar um impacto a quem passasse.
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Confeccionamos os materiais em sala de aula, criando cartazes ilustrativos sobre casos
de abuso e violência contra crianças e adolescentes. Todo processo de escolha das sim-
bologias, de como atingir o público, escolha das imagens, das cores utilizadas, foi definido
em participação com toda a turma.
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Foi marcado um dia para finalizar a atividade, nesse juntamos todos os materiais já
elaborados, enchemos bexigas vermelhas e espalhamos essa amostra, produto de nossas
discussões pelo pátio de entrada da escola, projetando o debate para todos que transitam
por aquele lugar. Animados com a atividade, a turma decidiu que parte deste material poderia
também ser espalhado pela praça da cidade, localizada a duas quadras do Colégio. No mo-
vimento de saída, os estudantes foram à praça e promoveram uma intervenção de aces-
so a toda cidade.
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Com as fotos e os vídeos produzidos durante este processo de montagem da inter-
venção, alguns estudantes editaram um vídeo ilustrativo e informativo com as motivações
do debate. O vídeo foi utilizado como campanha virtual, junto com outros materiais digi-
tais produzidos pela turma. Todos foram incentivados a compartilhar este material e pro-
jetar a discussão.
AVALIAÇÃO
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ANEXO I – PROJETO APRESENTADO À ESCOLA
Angélica Ripari
OBJETIVOS
JUSTIFICATIVA
5 MORI, Letícia. Levantamento revela caos no controle de denúncias de violência sexual contra crianças. BBC, São Paulo: 21 fev 2018.
25
6 BOMENY, H., FREIRE-MEDEIROS, B. Tempos Modernos, tempos de sociologia. São Paulo: Editora do Brasil, 2010.
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socialização como Simmel), podemos pensar que, em algum grau, a sociedade forma os
indivíduos, podendo nós, enquanto sociedade, controlar os comportamentos sociais inde-
sejados e reconstruir a formação dos indivíduos.
Assim sendo, para a sociologia, “a autonomia individual passa a ser considerada um
valor cultural, uma modalidade moderna de condução da vida de forma racional e motivada
internamente” (GRIGOROWITSCHS, 2008)7. E ainda, as instituições sociais como os espaços
de repasse do processo de socialização são dimensões a serem propositivas neste aspecto.
Sendo assim, podemos repensar o processo de socialização e a função das instituições
sociais (como a família, a escola, o Estado) nos desandes do combate a violência sexual con-
tra crianças e adolescentes. Propondo reflexões e ações para que estes indivíduos possam
agir de outras maneiras em um futuro, sendo que tais ações servem à: (1) capacitar estes
sujeitos de identificar as violências; como futuro pais, (2) podendo agir em defesa de seus
filhos em prováveis casos; e como indivíduos passíveis de sujeitos violadores, (3) podendo
ser controlados socialmente.
ATIVIDADES
Serão os três primeiros anos do ensino médio, envolvidos nesta atividade, sabendo que
o conteúdo estruturante sobre instituições sociais repensando o papel da família e da escola
na sociedade, assim como o de processo de socialização, serão contemplados nas atividades.
1º A
1º Portos
7 GRIGOROWITSCHS, Tamara et al. O conceito” socialização” caiu em desuso? Uma análise dos processos de socialização na infân-
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cia com base em Georg Simmel e George H. Mead. Educação & Sociedade, v. 29, n. 102, p. 33-54, 2008.
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1º Comércio Exterior
REFERÊNCIAS
1. DURKHEIM, É. A educação moral. Petrópolis: Vozes, 2008
2. INOUE, Silvia Regina Viodres; RISTUM, Marilena. Violência sexual: caracterização e análise
de casos revelados na escola. 2008. Estudos de Psicologia I Campinas I 25(1) I 1121 I
janeiro -.març
3. GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores
Associados, 2002.
4. MERTON, Robert King. Sociologia: teoria e estrutura. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1970.
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02
A perspectiva relacional em Pierre Bourdieu
'10.37885/220207712
RESUMO
Pierre Bourdieu é um dos mais influentes cientistas sociais de todos os tempos, sua
produção é uma rigorosa conjugação entre o empírico e a teoria. O método de Bourdieu,
ancorado em um senso prático, se presta à análise dos mecanismos que envolvem as
relações de poder, a produção de idéias e a gênese das condutas. A praxiologia bour-
dieusiana não é um simples instrumento para desvelar a realidade social constituída
pela ação dos agentes e na qual esses constituem uma fração nas disputas que ocorrem
nos diversos campos estruturados na sociedade, é um arranjo e ao mesmo tempo uma
ampliação do horizonte de diversas escolas de pensamento (interacionismo simbólico,
estruturalismo, funcionalismo, marxismo, fenomenologia, etnometodologia e a epistemo-
logia racionalista neokantiana) em um empreendimento que visa demonstrar a relação
entre a ação individual e a estrutura social. A produção de Bourdieu é eminentemente
relacional e o autor promove o esforço de combinar uma síntese teórica dentro de um
quadro analítico integrado através de um engajamento por meio da pesquisa empírica.
Para a compreensão do dinamismo da vida social contemporânea a construção rela-
cional dos estudos de Bourdieu se revela imprescindível. O autor provoca uma ruptura
epistemológica através da análise relacional considerando de forma concomitante que
as estruturas sociais são historicamente reproduzidas por meio das condutas individuais,
como um círculo de interações onde agência e estrutura mutuamente se constroem e
reconstroem. Leva-se em consideração também que a teoria da prática de Bourdieu é
indissociável da prática da teoria, no modelo praxiológico bourdieusiano se articulam dia-
leticamente o agente e a estrutura social, ou seja, é um arquétipo centrado na mediação
entre a agência e a estrutura.
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O pensador francês Pierre Bourdieu é um dos mais influentes cientistas sociais de todos
os tempos, por sua produção, uma rigorosa conjugação entre o empírico e a teoria, gravita em
uma dimensão de reconhecimento acadêmico próxima de Karl Marx, Émile Durkheim e Max
Weber, autores considerados clássicos. A produção bourdieusiana cobre uma significativa
profusão de fenômenos e temáticas como religião, política, poder, trabalho, economia, esta-
do, gênero, direito e educação. Os aparatos teóricos elaborado por Bourdieu são elementos
centrais para estudos em diversas vertentes científicas, seus esquemas analíticos como
habitus, capital, campo, dominação, servem de referência para múltiplas análises sociais.
A trajetória pessoal desse autor é um amálgama com sua criação, pensar princípios
em simbiose com práticas é fundamental para a compreensão das categorias analíticas de
Bourdieu. Nascimento em 1930, em uma província rural no sudoeste francês, originário de
um meio social majoritariamente camponês, produziu uma trajetória que Peters (2018) de-
nomina de miraculé, locução utilizada para designar indivíduos cuja gênese é popular, mas
que em decorrência do processo educacional sofrem acentuada mobilidade social. A traje-
tória miraculosa ocorreu devido ao percurso que “o transportou de um meio sociorregional
dominado e desprestigiado no país ao topo do sistema acadêmico francês” (Peters, 2018, p.
188), da vila de Béarn no interior da França a uma cátedra no Collège de France, em Paris,
Bourdieu se valeu de sua passagem por universos dispares para erigir seu arcabouço inte-
lectual e arquitetar análises sociais acerca das estruturas de perpetuação dos mecanismos
de dominação e de manutenção do poder, mantidos por relações arbitrárias que preservam
desigualdades socialmente construídas, mas naturalizadas. O elemento central que atravessa
a obra de Bourdieu é o desmascaramento da dominação (Burawoy, 2010, p.26), percebido
através do diagnóstico da violência simbólica que se constitui na imposição de um poder
arbitrário como legitimo (Bourdieu, 2011).
A experiência de exercer o serviço militar obrigatório na Argélia, até então sobre o
domínio colonial da França, onde observou a exposição da violência entre seus compa-
triotas e os rebeldes anticoloniais da Frente de Libertação Nacional (FLN), foi marcante na
trajetória de Bourdieu que se viu na obrigação cívica de elaborar “para um público francês
pouco informado um relato tão fidedigno quanto possível da situação social, econômica e
política da Argélia” (Peters, 2018, p. 190). Ao imergir na ação de retratar a organização das
estruturas que compõem a vida social na Argélia o sociólogo francês concebeu a sua teoria
da prática. Os estudos elaborados por de Bourdieu são um choque de realidade, estrutura-
do a partir de observações etnográficas, entrevistas em profundidade, análises estatísticas,
esse autor visa o desvelamento da articulação do social. “Bourdieu concebia uma Ciência
Social unificada como um ‘serviço público’ cuja missão é ‘desnaturalizar’ e ‘desfatalizar’
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o mundo social e ‘requerer condutas’ por meio da descoberta das causas objetivas e das
razões subjetivas que fazem as pessoas fazerem o que fazem” (Wacquant, 2002. p.100).
O método de Bourdieu ancorado em um senso prático se presta à análise dos meca-
nismos que envolvem as relações de poder, a produção de idéias e a gênese das condutas
(Thiry-Cherques, 2006). A praxiologia bourdieusiana não é um simples instrumento para
desvelar a realidade social constituída pela ação dos agentes e na qual esses constituem
uma fração nas disputas que ocorrem nos diversos campos estruturados na sociedade, é um
arranjo e ao mesmo tempo uma ampliação do horizonte de diversas escolas de pensamento
(interacionismo simbólico, estruturalismo, funcionalismo, marxismo, fenomenologia, etno-
metodologia e a epistemologia racionalista neokantiana) em um empreendimento que visa
demonstrar a relação entre a ação individual e a estrutura social. A produção de Bourdieu
é eminentemente relacional e o autor promove o esforço de combinar uma síntese teórica
dentro de um quadro analítico integrado através de um engajamento por meio da pesquisa
empírica. Ao considerar a relação entre ação e estrutura se pode dizer que a perspectiva
de Bourdieu é explicada não apenas a partir da concepção dos agentes, mas por via das
estruturas que em alguns casos escapam às consciências individuais (Vandenberghe, 1999),
pois “é a estrutura das relações que constituem o campo que comanda a forma assumida
pelas relações de interação” (Bourdieu, 1982, p. 42).
A produção científica de Bourdieu sofre influência dos autores clássicos da sociologia
Marx, Durkheim e Weber; do racionalismo de Bachelard; da epistemologia relacional de
Cassier; da fenomenologia de Merleau-Ponty e de Heidegger; do estruturalismo de Lévi-
Strauss, de Mauss e de Saussure. De Marx e Weber herda a concepção sobre o conflito,
concebendo a sociedade como uma arena de relações e forças em competição. A sociologia
de Weber possibilitou a Bourdieu o entendimento de que frente a demanda há concorrên-
cia pelos escassos recursos materiais, assim como também os bens simbólicos são alvo
de disputas o que cria nos diversos campos da vida social uma dimensão de constantes
competições. Do Marxismo, Bourdieu se vale das perspectivas da luta pela dominação e
da consciência de classe e a noção de capital presente em Marx é ampliada pelo soció-
logo francês que considera outros tipos de posses (como o conhecimento ou as relações
interpessoais) capazes de exercer meios eficientes no exercício de poder, nessa condição
os meios econômicos (capital econômico) coexistem com outras formas de capital e não
sendo esses os únicos recursos com potência de produzir e reproduzir distinção social e
privilégios. O capital cultural é um bem eficaz na promoção de um princípio de diferenciação
quase tão eficiente quanto o produzido pelos recursos econômicos, esse capital é obtido pelo
acesso à instrução formal na sua forma institucionalizada, mas também por meio do conta-
to com grupos sociais ou agentes dotados de volume de estoque de capital cultural, e tem
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papel decisivo nos processos de estratificação social. Outras configurações do capital como
o social que se constitui como um “agregado dos recursos eletivos ou potenciais ligados à
posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de conhecimento
ou reconhecimento mútuo” (Bourdieu, 1985, p.248), ou seja, um tipo de capital formado a
partir das teias de relações que podem ser revertidas em vantagens e benefícios e, dessa
forma, capitalizados. Por fim o capital simbólico que está vinculado a honra e ao prestígio.
Cada um dos campos da sociedade é um espaço multidimensional onde agentes ou grupos
estão distribuídos de acordo com o volume de capital (econômico, cultural, social e simbóli-
co) que são possuidores. Campo e capital são centrais nas concepções de Bourdieu e são
elementos vitais para a compreensão das relações de poder e dominação.
De Bachelard (1984) vem a concepção de Bourdieu de que a realidade supera as limita-
ções teóricas presentes nas composições conceituais, da fenomenologia o sociólogo rejeita
o descritivismo, mas considera o rompimento dessa corrente filosófica com o senso comum,
com a doutrinação, com a superação das noções pré-concebidas, segue a ideia de se deve
abandonar a “atitude natural” e assumir uma “atitude fenomenológica”, que entende o objeto
como um todo, parte de um construtivismo fenomenológico, que considera a interação entre
os agentes e as instituições, que atuam em uma estrutura historicizada que se impõe sobre
os pensamentos e as ações dos indivíduos. Bourdieu rechaça o posicionamento de que o
social é unicamente produto das ações individuais e que a lógica das atividades humanas
deve ser observada apenas na racionalidade dos agentes, concebe que a formação das
idéias, o agir e os pensamentos dos agentes se dão sob constrangimentos estruturais, para
isso utiliza diversas correntes para se colocar além dos modelos existentes e para desviar-se
da rigidez de qualquer modelo explicativo da sociedade (Thiry-Cherques, 2006).
Bourdieu combinou elementos teóricos de Weber e Marx com o kantianismo sociológico
forjado por Lévi-Strauss, esse termo ser refere a ideia de que há um elo entre as estruturas
sociais e as estruturas mentais e ao aglutinar elementos da teoria de Marx, Durkheim, Weber
e Mauss, a produção de Bourdieu traça uma relação de cumplicidade ontológica entre estru-
turas objetivas e subjetivas, que legitima as relações de desigualdade e dominação. O pres-
suposto é de que os indivíduos experienciam o universo social por meio de esquemas de
percepção provenientes de seus processos de socialização, dessa forma procedimentos de
dominação cujos arranjos são historicamente e socialmente erigidos são tidos por naturais e
inexoráveis. Essa é a condição para a emergência da violência simbólica, que é imperceptível
ao senso comum. Por isso para Bourdieu um trabalho intelectual tem a atribuição de captar
as relações que não são diretamente observáveis, cabe dessa maneira desvelar as causas
escamoteadas que afetam o curso de ação dos agentes, bem como as estão impregnadas
nas macroestruturas. (Peters, 2018).
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Para a compreensão do dinamismo da vida social contemporânea a construção re-
lacional dos estudos de Bourdieu se revela imprescindível. “O relacionismo metodológico
defendido por esse autor entra em choque com o substancialismo de abordagens que tomam
como reais apenas as entidades e processos possíveis de observação direta” (Peters, 2018,
p.198), essa ruptura epistemológica provocada pela configuração da análise relacional é
que gera a possibilidade de enxergar de forma mais apurada além do senso comum. Como
observa Peters (2018), Bourdieu corrobora com Marx e Durkheim a perspectiva de que
estruturas e processos societários possuem dimensões que transcendem a consciência e
percepção dos agentes individuais, essas estruturas e processos, contudo, são decisivos
para definir o modo de agir e pensar dos agentes. E deve-se levar em consideração que o
ser social é historicamente condicionado, de forma concomitante as estruturas sociais são
historicamente reproduzidas por meio das condutas individuais, é como um círculo de inte-
rações onde agência e estrutura mutuamente se constroem e reconstroem.
As dimensões relacionais, práticas e históricas dos processos societários são obser-
vadas por Bourdieu em seus trabalhos. A realidade é dinâmica, a história é composta por
uma sucessão de fatos que são construídos a partir dos agentes em movimento, as ações
desses agentes não são determinadas de modo puramente mecânico, embora possam ser
inconscientes, são impulsionadas por interesses. No universo social não é possível detectar
atos desinteressados, as vontades e os interesses movem os agentes que estão imersos
em campos de disputas. Esses campos são uma arena onde há permanente competição,
local em que os agentes, de alguma forma, estão em um jogo de interesses, condição que
Bourdieu define como illusio. “A illusio é estar preso ao jogo, preso pelo jogo, acreditar
que o jogo vale a pena ou, para dizê-lo de maneira mais simples, que vale a pena jogar”
(Bourdieu, 2008, p. 139).
Essa condição de estar fincado ao jogo ocorre porque mesmo entre os agentes com
posições opostas há um acordo tácito de que vale a pena se empenhar em prol dos elemen-
tos que são cobiçados no campo. Os agentes são movidos continuamente por interesses
que estão em jogo. Ressalta-se uma questão necessária, há uma distinção entre interesse e
indiferença. Os interessados assim o são devido ao fato de que têm internalizado o sentido
do jogo, ou seja, assimilaram em suas mentes e em seus corpos que o jogo merece ser joga-
do, sabem assim reconhecer os processos de disputas e os alvos a serem atingidos, dessa
forma os jogadores fazem seus investimentos. Essa é uma condição nitidamente relacional,
pois, é capacidade de leitura do campo macroestrutural que induz a ação do agente. Pode-
se ser indiferente por não ser capaz de realizar tais leituras sobre o sentido do jogo devido
ao fato de não se perceber em meio a um processo de disputas, não tendo os princípios
de visão sobre o que se está em disputa não se percebe como um jogador, para sê-lo teria
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que perceber as estruturas presentes no jogo, pois se não as conhece, jogar pode não tem
qualquer sentido, contudo, o indiferente não escapa às consequências das ações ocorridas
no campo em que está envolvido. No entanto, para Bourdieu (2008), pode-se estar inte-
ressado em um jogo (no sentido de não lhe ser indiferente), mas não tendo interesse nele.
Umas das atribuições das áreas do conhecimento que estudam a sociedade é detec-
tar que há uma razão prática para o comportamento e o agir dos agentes. De acordo com
Bourdieu (2008) por trás de qualquer ato que se mostre desinteressado, existe uma dimen-
são oculta, disfarçada, que é geralmente sutil. No entanto, a visão utilitarista não é capaz de
explicar isoladamente o curso da ação dos agentes. Bourdieu rechaça a ideia de que esses
agentes são motivados simplesmente por ações conscientes que objetivam continuamente
maximizar os ganhos e minimizar as perdas, refuta também a perspectiva que os agentes
são reduzidos ao interesse puramente econômico e que almejam de maneira incessante o
lucro material, buscado, de forma consciente, através do cálculo racional. Mas, se as atua-
ções não são desinteressadas e de forma simultânea não são impulsionadas puramente
pelos cálculos racionais e ou pelas vantagens econômicas, como Bourdieu explica a razão
do agir humano? Para Bourdieu, os agentes que assimilam o sentido do jogo incorporam
uma cadeia de esquemas práticos de percepção que lhes fornece indicativos sobre como
funciona a realidade e diante dessa condição não têm a necessidade de constantemente
colocar fins nas suas ações. Esses agentes estão envolvidos no imediato da prática, estão
inscritos no jogo, suas condutas não são permanentemente pensadas com um projeto, o
jogador simplesmente joga porque nele estão internalizados os arranjos que são socialmente
construídos, estão absorvidas as estruturas que são estruturantes estruturadas que foram
instrospectadas e que são capazes de fornecer uma orientação para as atitudes e procedi-
mentos, o que gera uma disposição de agir no mundo e esse agir não é gratuito.
Desta forma um agente que está inserido em um grupo social incorpora não apenas
os valores do grupo ao qual pertence, mas também padrões de comportamentos, condutas,
maneiras, modos, procedimentos e costumes e o que provoca uma idiossincrasia. Os es-
quemas mentais e corporais são lento e permanentemente moldados até conferir uma forma
ao agente e uma vez absorvidas as dimensões do grupo passam a gerar esquemas para a
prática da ação. Quando o agente age é, de certa forma, um agir coletivo por meio do indi-
víduo. Bourdieu sustenta que a maior contribuição da microssociologia como a etnometodo-
logia e a fenomenologia é a de demonstrar que o agir humano se torna exequível graças a
competências cognitivas e práticas partilhadas pelos integrantes da sociedade. Os saberes
coletivamente compartilhados se tornam referências e ferramentas de ação para condutas
e comportamentos no mundo social, ou seja, os saberes adquiridos pelos agentes são
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instrumentos para condução na sociedade e a maior parcela do estoque de conhecimento
não apresenta um caráter consciente, opera de maneira tácita e não reflexiva (Peters, 2018).
Os saberes práticos que afetam o comportamento dos agentes no mundo social impac-
tam inclusive o que Mauss (1974) denominou de técnicas corporais. Essa concepção é uma
ruptura com a interpretação puramente biológica do corpo, considerando que o conjunto de
falas, gestos, posturas, movimentos, são modos socialmente aprendidos e reproduzidos,
dessa maneira, pode-se considerar que as atitudes corporais são moldadas e transmitidas
por cada sociedade. Técnicas corporais relacionam-se aos modos pelos quais os agentes
utilizam seus corpos e “mesmo se existem variações de um indivíduo para outro, é antes
de mais a razão prática coletiva que orienta os comportamentos e molda os gestos” (Rosa,
2019, p.341). Mauss se vale da noção de hexis corporal que diz respeito à motricidade, a
práticas contidas em códigos de conduta, aos esquemas corporais, que são aprendidas atra-
vés das relações sociais, sendo, portanto, simultaneamente singular e sistemática. Ao pro-
jetar os condicionantes sociais sobre os atos corporais, Mauss sustenta que é o corpo é
também um elemento social. O corpo é capaz de transmitir mensagens, também utilizado
em cerimônias e ritos, é a expressão de uma sociedade, de seus valores, de suas crenças,
de seus hábitos e costumes, sendo moldado pelo universo social que o cerca. No corpo se
desenvolvem significações e interações simbólicas, que o configuram como eixo de relação
entre o indivíduo e a sociedade; “antes de qualquer coisa a existência é corporal” (Le Breton,
2017, p. 07). Bourdieu (2012), por sua vez, aponta que o corpo é o elemento biológico mais
socialmente modelado, e, nesse sentido, deve-se ressaltá-lo como uma instância na qual
as desigualdades entre os sexos se apresentam e se materializam na forma de dominação
masculina, sendo esta naturalizada. Afirma o autor que os princípios da visão androcêntri-
ca são naturalizados sob a forma de posições e disposições elementares do corpo, e que
esta perspectiva é percebida como uma expressão normal de tendências naturais. Essa
dominação se manifesta, a partir de uma perspectiva simbólica, sob uma forma particular
de violência, por meio da qual se impõem significações que são difundidas como legítimas,
de forma a dissimular as relações de força entre o masculino e o feminino. A dominação
masculina seria imposta, naturalmente aceita e vivenciada, enquanto a submissão feminina
seria invisível e as próprias vítimas legitimariam tal condição. A perspectiva androcêntrica
seria, assim, intrínseca à violência simbólica que as instituições acabam por legitimar (Lopes,
Meyer &Waldon, 1996).
As categorias analíticas de Bourdieu como dominação, campo, habitus, capital, espaço
social, além de seu trabalho sobre a gênese e a estrutura do campo religioso são substan-
ciais para fundamentar a produção de pesquisas nas mais diversas áreas do conhecimento,
a perspectiva relacional desse autor, que permite transcender as dicotomias objetivismo/
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subjetivismo, agência/estrutura. Na dimensão teórica e metodológica colabora para transpor
a separação entre sujeito e o sistema que o envolve, sendo fundamental para se captar os
mecanismos de funcionamento da vida social que é composta pelos resultados das inte-
rações entre os agentes e com as estruturas, o que envolve o indivíduo, seu corpo, seus
valores, suas crenças, suas ideologias, e ao mesmo tempo as instituições, a comunidade e
os determinantes macrossociais.
A concepção relacional de Bourdieu “no seu sentido mais amplo, investiga a vida social
através do estudo das relações sociais” (Powell e Dépelteau, 2013, p. 1), relações essas
que ocorrem intermediadas por práticas sociais que são produtoras de sentido no mundo,
por isso, “os objetos parecem determinar nossa conduta, mas, primeiramente, nossa prática
determina esses objetos” (Veyne, 1982, p. 159). A perspectiva de que as práticas sociais
são o resultado da conexão entre circunstâncias objetivas e disposições subjetivas é que
torna possível definir a teoria de Bourdieu como praxiológica. (Peters, 2018). Deve-se levar
em consideração também que a Teoria da Prática de Bourdieu é indissociável da prática
da teoria, sendo que “a teoria sem pesquisa empírica é vazia (...) a pesquisa empírica sem
teoria é cega” (Bourdieu & Wacquant, 1992, p.162). E outro fator, tanto os objetos, quanto os
indivíduos, a sociedade e as práticas sociais, estão situados em um tempo histórico, dessa
maneira as práticas também são datados, “o que significa dizer que indivíduos e sociedades
são objetos históricos e, portanto, múltiplos, uma vez que dependem das múltiplas práticas
e relações que podem ser estabelecidas em cada época, cultura, país, cidade, família”
(Escóssia; Kastrup, 2005)1.
AÇÃO E ESTRUTURA
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1 Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722005000200017
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O influxo do estruturalismo em Bourdieu vem da produção intelectual de Lévi-Strauss,
porém, o sociólogo aponta outro caminho, segue a tradição do antropólogo ao considerar
as estruturas objetivas independente da consciência dos agentes, contudo, se distingue ao
considerar que as estruturas devem ser analisadas a partir da prática, considera que as dis-
posições socialmente construídas têm o poder de orientar para ação, em sua obra Le sens
pratique demonstra que o agente está inserido na estrutura, mas ao mesmo tempo é força es-
truturante de um campo, portanto, adota uma perspectiva dinâmica e relacional. Em Bourdieu
a estrutura é fruto de relações históricas, é produto e produtora de ações, por isso é con-
dicionada e ao mesmo tempo condicionante, daí o fato da teoria bourdieusiana evidenciar
a mediação entre o agente e a sociedade. Em Lévi-Strauss a estrutura é a-histórica e não
relacional e não considera o agente. O estruturalismo de Bourdieu é alicerçado no desvela-
mento da articulação do social, na observação da prática e o que método que utiliza considera
os mecanismos de dominação, a origem das condutas e a produção de ideias, ou seja, é
sustentado em uma noção de estruturas históricas, contextuais e geradoras.
Para Bourdieu as estruturas são históricas e independem da consciência dos indiví-
duos, contudo, elas possuem a capacidade de influenciar no curso da ação dos agentes, de
influir na percepção dos indivíduos e dos grupos, na maneira de pensar e agir de um agente,
dessa forma, a vida social é constituída por estruturas objetivas que são independentes da
consciência e vontade dos agentes, mas essas estruturas tendem a orientar as suas repre-
sentações, suas ideias e suas práticas. O que não significa que os agentes sejam passivos
diante das estruturas.
“Bourdieu falava então em agentes e não em sujeitos, nos quais a ação não
é simplesmente a execução e obediência a regras. Aos poucos ele percebia
que os indivíduos, tanto nas sociedades arcaicas, como nas complexas, não
são apenas autômatos regulados como relógios, segundo leis mecânicas que
lhes escapam” (Andrade, 2006, p.101)
Embora a forma de agir e de pensar dos agentes não sejam mecânicas, são consti-
tuídas e organizadas a partir das perspectivas do campo em que se inserem, “é no interior
de um estado determinado do campo, definido por certo estado do espaço de possíveis,
em função da posição mais ou menos singular que ele ocupa” (Bourdieu, 2008, p. 72) que
o agente pratica a sua ação. O agir está disposto em uma estrutura estruturada que dita
e determina convenções, prescrições e códigos que são internalizados e aceitos. Assim é
possível considerar que as estruturas exercem um influxo nos procedimentos dos agentes,
sendo essa influição independente de suas consciências, mas há certa autonomia para a
ação desde que se respeitem os limites aceitos e impostos pela estrutura. O agente não é
um ser robotizado, sem desejos, sem intenções, mas também está inserido em um contexto
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que é determinante para provocar os desejos e as intenções. Chegar a esse raciocínio só
é possível por meio do panorama relacional, que considera o nexo entre ação e estrutura
tomando-os não dois pólos distintos, mas complementares.
Aqui se chega a um ponto crucial, na perspectiva de Bourdieu como as estruturas se
renovam e se reproduzem? A resposta é uma construção dialética já apresentada. No mo-
delo praxiológico bourdieusiano se articulam dialeticamente o agente e a estrutura social, ou
seja, é um arquétipo centrado na mediação entre a agência e a estrutura, embora considere
que o mundo social é constituído por estruturas independentes da consciência e vontade
dos agentes, aponta que a vida social é pautada nas relações dialéticas entre as estruturas
e as disposições estruturadas as quais os agentes constantemente atualizam e reprodu-
zem, sendo um processo duplo de interiorização da exterioridade e de exteriorização da
interioridade (Setton, 2002), considerando a junção e a dinâmica dos aspectos objetivos (da
estrutura) e subjetivos (dos agentes) em Bourdieu o que se pode considerar é a construção
de uma teoria da ação.
Uma das reflexões centrais da teoria da ação de Bourdieu se baseia no conceito de
habitus, conforme o sociólogo “o habitus é esse princípio gerador e unificador que retraduz as
características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida unívoco, isto é,
em conjunto unívoco de escolhas, de bens, de práticas.” (Bourdieu, 2008, p.21-22). O habitus
é o elemento gerador de práticas e tem como ponto de partida a relação entre o agente e a
estrutura, ou seja, pode-se afirmar que o agente e a estrutura se encontram em uma relação
que é dialética entre a interioridade e a exterioridade, entre o subjetivo e o objetivo. Em um
caminho científico o habitus fornece subsídios explicativos sobre como agentes inseridos em
uma estrutura são moldados sem que se dêem conta dessa condição. Bourdieu oferece as
condições para transitar além do senso comum, através da perspectiva do habitus, arquiteta
a seu pensamento reflexivo e crítico que agrega condições de uma compreensão inovadora
sobre as condições sociais. (Souza, 2004).
Outro elemento central para se compreender a estrada epistemológica de Bourdieu é
a teoria sobre campo. Na construção bourdieusiana o campo é marcado pelas formas de
capital já mencionadas (econômico, cultural, social e simbólico), os processos em cada cam-
po são estabelecidos pelo enfrentamento entre os agentes que objetivam manter ou alterar
as relações de força em seu interior, as distribuição das formas de capital são decisivas
para designar os espaços e o posicionamento dos agentes no campo, o que determina as
condutas individuais e coletivas são as posições na estrutura de relações. Em um procedi-
mento dialético o habitus determina as disposições do agente e o conjunto de disposições
determina o habitus, em uma dinâmica relacional. Pode-se afirmar que os agentes que nele
estão inseridos são disponibilizados de acordo o volume de capital de que são possuidores.
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CAMPO E ESPAÇO SOCIAL
Em sua teoria de campo, Bourdieu propõe um modelo geral que possa se enquadrar
em diferentes sociedades ou estruturas, contudo, observa que o cosmo social é constituído
por conjuntos de microcosmos relativamente autônomos. Esses microcosmos por sua vez
são espaços de relações regidas por uma lógica irredutível àquelas que regem os outros
campos, isso significa que os vários campos como o cultural, o religioso, o econômico, o
político, obedecem fundamentos diferenciados, mas que ainda assim correspondem a uma
logicicidade que são próprias aos campos.
Essa teoria nos permite conceber o mundo social constituído a partir de subsistemas
que são adotados de certa autonomia em suas práticas, contudo, essa autonomia não se
configura um isolamento, o campo se relaciona com outros campos sobre os quais exerce
influência e é influenciado (Leander, 2008). Bourdieu projetou suas ideias sobre o campo a
partir de combinações teóricas de diversos autores, particularmente Marx, Durkheim e Weber
(Lahire, 2017, p.64), de Marx se serviu do materialismo e da dominação nas relações de
força, de Durkheim as formas simbólicas e a metodologia holística e de Weber a dimensão
dos princípios estruturantes de poder (Wacquant, 2002). O termo campo foi utilizado pela
primeira vez no artigo Champ Intellectuel et Projet Créateur (1966), e se tornou um dos
elementos centrais das análises bourdieusianas.
“Em termos analíticos, um campo deve ser definido como um network, ou uma
configuração, de relações objetivas entre posições. Tais posições são definidas
objetivamente, na sua existência e na determinação que impõe sobre quem
as ocupa, agentes ou instituições, a partir de suas espécies atuais de poder
(ou capital) cuja posse comanda o acesso aos ganhos específicos que estão
em jogo no campo, bem como a partir de suas relações objetivas com outras
posições (dominação, subordinação, homologia, etc.)” (Bourdieu & Wacquant,
1992, p. 97).
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03
Acerca das contribuições do Teatro do
Oprimido de Augusto Boal para o debate
de gênero no Ensino de Sociologia
'10.37885/211206894
RESUMO
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INTRODUÇÃO
Boal acredita que alfabetizar não é só através na linguagem escrita, mas, também por
meio da arte. Portanto, o teatro pode ser posto a serviço do povo, dos oprimidos, a fim de
que estes se expressem através da linguagem teatral. A premissa básica de sua obra é que
todo indivíduo é capaz de atuar. Deixando assim, de ser um espectador passivo no teatro
e na vida, torna-se sujeito, ator, transformador. Através do teatro podemos trabalhar as
formas de opressão que sofremos ao longo da vida. Opressões de um sistema social duro,
individualista, severo, que nos desumaniza. Logo, o teatro contribui para a humanização e
conscientização dos educandos.
É evidente que, a escola reproduz os pesares da sociedade capitalista que a circun-
da. Contudo, reside nela um potencial de transformação, de mudança, um espaço dialéti-
co. O Teatro do Oprimido potencializa a capacidade de transformação, ação do indivíduo no
ambiente escolar. Nesse sentido, rompe a lógica elitista do teatro que separa os protagonistas
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das massas, o público é ator. Os espectadores não assistem passivamente, eles atuam,
participam ativamente. Nesse movimento há ação, conscientização, transformação.
Entendemos que enquanto existirem opressores e oprimidos o Teatro do Oprimido
se fará necessário. O contexto atual reforça essa ideia. De acordo com Cardoso e Ferrari,
(2016) desde 2014 presenciamos no Brasil dois projetos distintos de Estado que se opuse-
ram nas ruas e nas urnas. Em 2016 sofremos um golpe empresarial, jurídico, parlamentar
e midiático que busca desconsiderar os esforços, as vitórias, tão importantes de ativistas,
professores, intelectuais e militantes dos movimentos sociais na luta pela igualdade de
condições, reconhecimento de direitos das diversidades e dos direitos humanos. Além das
Reformas do Ensino Médio, Trabalhista,
Previdenciária, PEC 241, que congela os gastos públicos pelos próximos vinte anos,
há um monitoramento cotidiano e ameaçador de professores, alunos, ativistas e militantes
de movimentos sociais, a exemplo da Escola Sem Partido.
Discutir gênero na educação não é uma tarefa fácil, é um tema polêmico com diferen-
tes apropriações nas escolas, famílias, religiões, mídias. Já que, todos os indivíduos estão
expostos ao processo de socialização que influencia nos valores, ideias, atitudes e fazeres
comum. Gênero, além de ser um termo importado da gramática, foi utilizado pelas feministas
norte-americanas desde a década de 1970, sendo empregado para contrapor as definições
presas ao determinismo biológico que incide sobre as diferenças sexuais.
Para Danièle Kergoat (2000) as condições em que vivem homens e mulheres não se
configuram um destino biológico, mas são antes de tudo construções sociais. Eles formam
dois grupos sociais que estão envolvidos em uma relação social específica: as relações
sociais de sexo. De acordo com Kergoat três relações sociais fundamentais se imbricam, e
são transversais: o gênero, a classe e a raça.
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Com esse intuito a autora faz alusão a consubstancialidade, onde a análise de gêne-
ro: gênero, classe social e raça, não pode ser compreendidos de maneira estanque devido
a sua complexidade e dinamicidade das relações. A discussão da autora é muito densa e
complexa. O presente trabalho não tem o intuito de fazê-la. Neste espaço, ressalta-se a
importância do olhar, da formação do docente a partir da perspectiva da autora ao relacionar
os conceitos de raça e classe no trabalho com a questão de gênero.
O crescimento de discursos conservadores notadamente religiosos cristãos, fascistas,
da mídia, da publicidade e do consumismo prejudicam as conquistas de projetos educacionais,
assim como, o debate acerca da questão de gênero. Nas palavras de Guacira Lopes Louro:
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A visibilidade que todos esses novos grupos adquiriram pode ser, eventual-
mente, interpretada como um atestado de sua progressiva aceitação. Contudo,
nem mesmo a exuberância das paradas da diversidade sexual, das feiras mix,
dos festivais de filmes alternativos permite ignorar a longa história de margina-
lização e de repressão que esses grupos enfrentaram e ainda enfrentam. Não
podemos tomar de modo ingênuo essa visibilidade. Se, por um lado, alguns
setores sociais passam a demonstrar uma crescente aceitação da pluralidade
sexual e, até mesmo, passam a consumir alguns de seus produtos culturais,
por outro lado, setores tradicionais renovam (e recrudescem) seus ataques,
realizando desde campanhas de retomada dos valores tradicionais da família
até manifestações de extrema agressão e violência física. (LOPES 2008. p.19)
A apresentação dos jogos teatrais, sistematizados por e Augusto Boal são meios efi-
cientes, propícios à instigar a imersão nos modos de ser e estar da criança e do adolescente
ao surgimento de uma perspectiva plausível, ao nos referirmos à transformação cultural e
social, assim como, a formação de uma sociedade mais coesa. Vendo à luz desses pressu-
postos o teatro como forma de ensino se vê em um terreno fértil, pois ao mesmo tempo em
que se aproxima da realidade por meio das representações sociais, onde a relação entre o
real e o fictício se torna uma “via de mão dupla”, apresenta os dramas sociais da vida real,
tornando-se ferramenta imprescindível para entendermos a realidade e aplicarmos essa
relação ao Ensino de Sociologia.
Erving Goffman (2014) em sua obra “A representação do eu na vida cotidiana” aborda
a temática do teatro das interações. Sua teoria abrange o comportamento humano como um
todo. Ao nos depararmos com suas teorias sobre o comportamento humano, percebemos
que o autor acredita que todo relacionamento social é visto como sendo uma cena de teatro,
em que existem trocas de ações, respostas e proposições apresentadas dramaticamente.
A estes conceitos e relações surge a necessidade e a dúvida quanto ao emprego da
Arte, enquanto expressão cênica, para alunos do Ensino Médio, pois:
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Quando falamos em teatro, geralmente nos vem a i deia de local, de uma casa
de representações onde ocorrerá um espetáculo, uma peça teatral. Neste local,
pessoas muito bem vestidas se sentam nas cadeiras para assistir a um grupo
de atores que lhes apresentará uma história. Ao final do espetáculo, como
manda o bom costume, gostando ou não da peça, as pessoas aplaudem e
vão embora para suas casas. (CORDEIRO 2009, p.96).
Entretanto, com toda essa complexidade, a expressão cênica vem aliar as relações
entre Ensino e Arte no contexto escolar via relações e interações no próprio cotidiano dos
atores envolvidos no processo de aprendizagem. Sobre esses aspectos encontramos uma
relação dicotômica entre o real e o fictício presente na vida escolar do discente, pois ao
mesmo tempo em que o aluno é ator de suas ações enquanto ser social se torna especta-
dor enquanto educando ao observar a realidade a sua volta. Analisando comparativamente
sobre a ótica de Augusto Boal diríamos que:
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É sabido que essas fronteiras do conhecimento foram postas devido ao grau de espe-
cialização ao qual a sociedade foi se transformando de forma acelerada, principalmente à
partir dos século XX, onde as transformações tecnológicas inerentes ao mesmo século e,
por conseguinte, deram a passagem para a subsequente aceleração tecnológica, mudanças
e desequilíbrios econômicos. Nesse contexto as máquinas substituíram em parte a mão
de obra da população visualizando mudanças das mentes, assim como, de percepção do
mundo ao qual conheciam até então (SEVCENKO 2001). Segundo o autor:
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O Teatro vem contemplado de forma ampla os PCNs/Arte a partir de sua gênese em
rituais de diferentes culturas, formas de atuação como instrumento de aprendizagem, en-
tretanto, também é contemplado de forma interdisciplinar em sociologia como instrumento
de aprendizagem, assim como, abordando temas da mesma. Portanto:
A prática do teatro na escola proporciona muito mais que uma simples concepção de
prática artística, mas também uma prática que requer relações e interações sociais diárias,
sendo assim, essa relação proporciona muito mais que aprendizagens, também formação
individual para uma ação coletiva dos alunos em sociedade. Vemos então que a:
Para Otávio Ianni (1996) a Sociologia lida com os processos sociais de uma forma
completa e complexa, pois trabalha com processos e estruturas sociais promovendo a inte-
ração social. Segundo ele, o homem se constitui enquanto ser social na relação com outros
seres sociais, compartilhando condições e situações, desenvolvendo atividades e reações,
praticando ações e relações que são dependentes entre si se influenciando reciprocamente.
Com base, nesses pressupostos vemos que as interações sociais são dinâmicas, se
assemelham e estão intimamente relacionados com a prática do Ensino de Sociologia por
meio do Teatro, a partir do momento em que se iniciam os dramas sociais fictícios, tendo
como fio condutor e exemplificando o drama real presenciado e experienciado pelos estu-
dantes. O drama da vida real, nesse sentido, está mais do que interligado ao drama fictí-
cio. O cênico enquanto meio de ensino permite o entendimento pelo aluno de uma sociedade
complexa. Visto que:
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As noções de interação, organização, sistema e mudança, entre outras, apre-
sentam- se como possibilidades de pesquisar e explicar a anatomia das rela-
ções, processos e estruturas de dominação política e apropriação econômica
que articulam as desigualdades e os antagonismos sociais, econômicos, po-
líticos e culturais. ( Ianni 1996, p.27).
Fazendo uma análise comparativa com Ianni (1996), podemos chegar ao entendimento
que a utilização do teatro como forma de ajudar o aluno a compreender a realidade social,
em uma sociedade que se apresenta de forma completa e cada vez mais complexa no de-
correr dos tempos se torna questão imprescindível para potencializar a aprendizagem, pois:
Por meio dos jogos teatrais, os alunos podem entender os dramas sociais através da
representação dramática, ao mesmo tempo em que aprendem a fazer a leitura das cenas
de teatro no plano fictício, que nascem na ação improvisada, fazem uma associação direta
com os dramas sociais reais, através da contínua interação entre seus pares, produzindo
aprendizagens individuais e coletivas.
CONCLUSÃO
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04
Controle social na política de saúde e
processos de gestão
'10.37885/220207879
RESUMO
Trata-se de uma Revisão Integrativa da Literatura que analisou artigos científicos sobre os
conselhos municipais de saúde nos processos de gestão dos últimos quinze anos. Foram
pesquisados na Biblioteca Virtual em Saúde, pelos dados: Literatura Latino-Americana
e do Caribe em Ciências da Saúde; Medical Literature Analysis and Retrieval System
Online; e Base de Dados de Enfermagem. Objetivou-se analisar as produções científicas
dos conselhos municipais de saúde nos processos de gestão. Os resultados apontaram
diversos desafios ainda não superados na participação social nos conselhos de saúde.
Conclui-se que os Conselhos veem avançando, porém existem muitos desafios e limites
a serem superados para funcionar de forma efetiva e como espaços de concretização
do SUS e de seus princípios, contribuindo para uma assistência à saúde de qualidade
para comunidade, além identificar as necessidades da população e melhorar os serviços
públicos e as condições de saúde dos mesmos.
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INTRODUÇÃO
MÉTODO
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Conforme pesquisa realizada por Farias Filho et. al (2013) na qual verificou a atuação
dos conselheiros nos conselhos municipais de saúde da Região Metropolitana de Belém (PA)
os resultados indicam que as ações dos conselhos são marcadas por cooptação de conselhei-
ros, definição de agendas deliberativas por parte de representantes da gestão, predominando
os interesses individuais dos conselheiros sobre os interesses coletivos nas deliberações.
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Dessa forma, é importante destacar que esses resultados são contraditórios em relação
aos princípios do SUS, bem como a finalidade dos conselhos de saúde que tem como premis-
sa defender os interesses coletivos e democratizar as decisões na gestão pública de saúde.
Vale salientar que alguns conselheiros ocupeam este espaço como benefício próprio
enquanto membro dos conselhos de saúde. A busca de interesses individuais foi o que
prevaleceu como comportamento dos conselheiros do segmento usuários, sendo presente
também esse comportamento nos demais conselheiros representantes das outras categorias
na representação paritária. (FARIAS FILHO et. al, 2013)
Nesse contexto, tais comportamentos comprometem a efetivação da participação da
sociedade nos Conselhos de Saúde como instância de participação social para o controle
social da gestão e política de saúde. Entre os resultados apontados por Farias Filho et. al
(2013) no que se refere ao controle social efetivo por parte dos conselheiros destacam-se
alguns fatores como: a dificuldade dos conselheiros em compreender o seu papel nos con-
selhos; baixa frequência nas sessões dos conselhos; poucas ações de caráter deliberativo;
busca por benefícios individuais por parte dos conselheiros.
Nesse sentido, Ribeiro e Nascimento (2011) afirmam que o processo de efetiva parti-
cipação social nos Conselhos de Saúde ainda encontra-se principiante, embora, seja con-
senso de que o processo de participação social deve ser contínuo, correspondendo a uma
importante estratégia para a efetivação do SUS, bem como um espaço democrático de
construção coletiva.
No que se diz respeito à divulgação das decisões tomadas no CMS de Feira de Santana
(BA), 44,2% afirmaram que estas não são informadas à população. Outro ponto refere-se o
repasse das informações pelos conselheiros das propostas e discussões tomadas no CMS
para seus pares, 35,3% dos conselheiros entrevistados disseram que não as repassam.
(COTTA et. al, 2010)
Os resultados apresentados por Moreira e Escorel (2009) demonstram que em relação
aos recursos financeiros destinados aos CMS apenas 265 unidades têm orçamento próprio e
apenas nos municípios com mais de 2 milhões de habitantes constata-se resultado positivo
refentes a aplicabilidade dos recursos; no tocante aos recursos humanos existem equipes
de apoio administrativo em 940 CMS e esta variável é positiva apenas nos municípios com
porte a partir de 500.001 habitantes e à estrutura física em especial à existência de sede,
positivo para apenas 906 CMS.
Outro ponto negativo diz respeito a organização dos Conselhos de Saúde, pois ressal-
ta-se os piores desempenhos registrados referem-se a insuficiência de atividades de capa-
citação de conselheiros, resultando em uma situação sofrível para o ano de 2003 e péssima
para o de 2004; além disso, 90% dos CMS apresentam resposta negativa em relação a
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composição de “comissões permanentes”, o que implica na falta projetos e ações frente as
necessidades da população usuária dos serviços de saúde. (MOREIRA; ESCOREL, 2009)
Guizardi (2015) escreveu uma nota em que buscou analisar alguns dos desafios atuais
relacionados à construção da participação social no Sistema Único de Saúde. Ressalta que,
de acordo com os dados coletados, sobressaiu a avaliação de que o controle social tem se
restringido ao conselho e que alguns conselheiros afirmam que a prática e o alcance real
mostram-se afastado das propostas do SUS.
A representatividade no conselho de saúde é considerada por muitos estudos um limite
a ser superado nesses espaços democráticos, para que funcionem com visibilidade, am-
pliação e participação das representações sociais, como também na defesa do SUS. Desse
modo, o potencial democrático dos conselhos e das conferências precisa ser reposicionado,
não mais na conformação fechada destes dispositivos, mas, nas articulações e mediações
sociais necessárias para fortalecer os espaços públicos, porosos e plurais. (GUIZARDI; 2015)
Ogata e Zambon (2013) na sua pesquisa objetivou analisar o controle social na pers-
pectiva dos conselheiros municipais de saúde, enfatizam que alguns conselheiros não re-
conhecem a participação social como diretriz do Sistema Único de Saúde e identificaram
dificuldades como a centralização das decisões na gestão, a valorização do saber técnico
e a não realização de conferências de saúde. Existem também limitações no exercício do
papel de conselheiro, dificuldade de interlocução com as bases de representação e de
acesso a informações.
Diante do exposto até aqui é possível identificar que os conselheiros de saúde apre-
sentam distintas concepções no que se refere a efetivação do controle social, alguns tem
domínio do conceito atribuído pela saúde, mas, outros não tem clareza quanto a importância
dessa atuação. Esse desconhecimento pode comprometer sobremaneira o exercício do papel
dos conselheiros, pois, estão incluídos neste grupo alguns que exercem a presidência do
Conselho de Saúde e Gestão da Saúde. (OGATA; ZAMBON, 2013)
Nesse sentido, os referidos autores destacam que, conforme relatos dos conselheiros,
estes não conheciam outras instâncias de controle social no município visto que a participa-
ção social não se limita apenas aos conselhos e conferências de saúde sendo garantida por
meio de diversos espaços representativos. Destacam ainda que muitos conselheiros ingres-
sam nos conselhos de saúde através de convites de pessoas com influência no processo
decisório sendo uma prática em desacordo com a legislação vigente da organização dos
conselhos de saúde, pois limita a autonomia desses atores e implica conflitos de interesses.
(OGATA; ZAMBON, 2013)
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No que diz respeito à importância do Controle Social, do papel do CLS e seus conse-
lheiros, dos reflexos da atuação do CLS na comunidade e no serviço da Unidade Básica de
Saúde (UBS) os resultados da pesquisa verificou a tendência de se acreditar que a atuação
no CLS é boa somente quando estes apoiam propostas e ações promovidas pela Unidade
Básica de Saúde. (MARTINS et.al, 2012)
Dessa forma, a falta de informação por parte dos conselheiros a respeito do controle so-
cial é identificada nos artigos, com isso, é de suma importância ampliar a visibilidade do con-
trole social no SUS e fortalecer a formação dos conselheiros, com discussões, trocas de ex-
periências e capacitações a fim de garantir uma participação efetiva nos Conselhos de Saúde.
CONCLUSÃO
A literatura mostrou alguns desafios que ainda não foram superados na participação
social nos conselhos de saúde com destaque para: composição dos membros dos conselhos;
prevalência de interesses individuais; falta de conhecimento por parte dos conselheiros a
respeito do papel dos conselhos de saúde; ausência de capacitações para os conselheiros;
centralização das decisões na gestão; divulgação das ações realizadas pelos conselhos;
acesso a informação; falta de articulação com movimentos sociais e entre redes.
Nesse sentido, esses problemas dificultam a participação da sociedade nos conselhos
de saúde e na construção da gestão democrática dos serviços públicos de saúde. Assim,
alguns dos limites apontados estão em desacordo com os princípios do SUS, bem como
com as legislações que regulamentam os conselhos de saúde e seu funcionamento, além
de, fragilizar as ações desses dispositivos de participação social.
Destarte, os dispositivos de participação social na saúde precisam de estratégias para
fortalecer e qualificar os espaços de controle social e melhorar seu funcionamento e orga-
nização evitando com isso novos problemas, buscando estimular mais a participação social
e aproximando as discussões da participação social na saúde das pessoas e dos serviços
públicos de saúde.
Assim sendo, a divulgação das ações e reuniões dos Conselhos de Saúde, assim como
aproximar as discussões do Controle Social para o território onde as pessoas vivem devem
ser colocados em destaque nos Conselhos de Saúde para que a sociedade possa contribuir
para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde.
Com a realização dessa pesquisa foi possível perceber que a participação social na
saúde é de suma importância na gestão dos serviços públicos, mas, ainda precisa muito
avançar no controle social e nas estratégias para a consolidação do SUS e efetivação da
participação integrativa de diversas representações nas instâncias de democratização das
políticas de saúde.
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Espera-se que esse estudo estimule a discussão entre usuários do SUS, gestores,
profissionais da saúde, bem como os representantes dos movimentos sociais para a im-
plementação do controle social na saúde a fim de possibilitar melhoria na qualidade dos
serviços ofertados a população e na formulação de políticas de saúde.
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Desigualdades sociais: ensino e escola
como reflexos da exclusão
'10.37885/211106736
RESUMO
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INTRODUÇÃO
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Ensino de Sociologia: perspectivas, desafios e práticas - ISBN 978-65-5360-071-3 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 1 - Ano 2022
DESENVOLVIMENTO
METODOLOGIA
A pesquisa é bibliográfica se inicia pela barra de buscas das bases Scielo.BR; Google
Scholar e na plataforma capes pelos termos “desigualdades sociais” AND “educação” AND
NOT 1“escola” escolhendo os títulos sem levar em consideração ano de publicação ou idioma.
A análise que se faz é comparativa e indutiva, com a leitura dos textos e reescrita
deles a partir do entendimento do próprio autor sobre as características com as quais as
falas se relacionam com o problema dessa pesquisa, e com o pensamento de se defender
um ponto de vista.
CONCLUSÃO
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1 AND e AND NOT, são caracteres booleanos para separar os termos nas bases de pesquisa. É uma regra internacional.
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06
Educação para inclusão digital e a
competência em informação digital
'10.37885/220207891
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo discutir acerca da educação e inclusão digital bem
como analisar sua competência no que tange à informação digital. Embora prevaleça
certa ideia de que o acesso aos meios de comunicação e internet seja para todos, o que
percebemos é que uma parcela significativa da população sofre com a ausência desses
recursos. Nesse viés, a pandemia proporcionou a invisibilidade das desigualdades exis-
tentes em nosso país, desmistificando a temática, bem como demonstrando a urgência
de se falar sobre isso, inclusive em diversos meios de comunicação. Sendo assim, este
resumo irá percorrer de forma sistemática através de bibliografia utilizada e parâmetros
de dispostos, bem como dados apresentados em formato de gráfico com escopo de en-
fatizar o tema, assim como elevar o conflito que já existia, a fim de abrandar os efeitos
ora existentes de uma forma ampla e bem peculiar.
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INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como eixo norteador à educação como inclusão digital bem como
suas competências em informação digital.
Nesse sentido, a tecnologia vem para aproximar as pessoas, trazer informações e
minimizar o conflito existente que a pandemia da COVID- 19.
Todavia, o que podemos observar é que uma grande parcela ainda não possui acesso
a esses recursos e acabam sendo prejudicados uma vez que as aulas do ensino das esco-
las públicas estão acontecendo de maneira remota e seu desempenho escolar está sendo
avaliado desta forma.
Convém lembrar que em decorrência da pandemia, algumas pessoas acabaram sendo
prejudicadas, uma vez que o isolamento se fez necessário, as pessoas acabaram perdendo
seu emprego, fazendo com que perdessem sua única fonte de renda, que era seu salário,
ocorrendo então uma taxa alarmante de desemprego.
Para tentar sanar essa questão, o governo federal propiciou um auxílio emergencial,
onde disponibilizava através da caixa econômica federal, uma quantia de R$600,00, para
tentar coibir e auxiliar os desempregados de todo o Brasil.
Nesse aspecto, mesmo existindo benefícios e programas sociais para atender a popula-
ção, observou-se que eles não atendem a pessoas que realmente precisam, pois, seu acesso
acaba sendo dificultado e em alguns casos totalmente inacessível a população marginalizada.
Diante disso, é necessário que os entes públicos tomem nota dessa desigualdade
existente e tentem alcançar essa população marginalizada e “invisível”, trazendo consigo
um pouco de dignidade a essas pessoas.
MÉTODO
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Sob o prisma dessa ótica, a educação é considerada como algo básico para a subsistên-
cia do cidadão partícipe da sociedade, bem como é um direito fundamental, previamente es-
tabelecido no ordenamento jurídico e que deve ser efetivado na atualidade e aplicado em seu
escopo, dentro das escolas públicas, alcançando a todas as classes sociais, etnias e idades.
Inclusão social
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Competência em Informação Digital
Portanto, é fundamental que cada ente através de sua competência promova e atue
na educação com o escopo de validar o que está estabelecido em lei, através de maiores
análises de seus recursos, para onde verbas são necessárias e para onde este valor está
saindo, e professores poderiam juntamente com seus alunos propor o desenvolvimento da
educação, através de projetos e programas a fim de oportunizar aqueles que não têm real-
mente condições de estudar ou qualquer perspectiva de vida, bem como elaborar outras
propostas que se torne viável a participação e colaboração de todos.
Além disso, é necessária a conscientização do voto nas próximas eleições, bem como
informações disponíveis em todos os meios de comunicação, analisando bem os próximos
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governantes, suas propostas para seus Municípios, priorizando a educação, pois através
dela muitas vidas serão modificadas além de vários fatores como criminalidade, ausências
de recursos básicos que são estabelecidos no ordenamento jurídico poderiam ser reduzi-
das e/ou aumentadas respectivamente com a finalidade de um Brasil melhor e com mais
progresso, e também a corrupção que assola nosso país, seria analisada de outra forma e
quem sabe extinta.
Atualmente, a tecnologia faz parte do cotidiano, uma vez que a primeira tarefa do dia é
checar suas redes sociais ou qualquer aplicativo do celular. Nesse sentido, ela se faz sem-
pre presente, ainda mais no que tange ao contexto atual em que vivemos como é o caso
da pandemia da COVID-19.
Assim sendo, se fez necessário trazer a tecnologia também para o ambiente escolar,
uma vez que, ficou totalmente inviável a frequência do aluno nesse ambiente. Com isso, a
inovação foi importante, principalmente o reinventar, para solucionar esse conflito vigente e
para atender a necessidade de todos.
Nesse aspecto, além do fato da tecnologia se fazer presente nos dias atuais, obser-
vamos que não basta simplesmente o acesso “facilitado” a esses meios de comunicação
interativa, é necessário que ocorram meios de levar a inclusão até o aluno, pois um número
elevado, ainda não sabe como manusear um computador ou um celular e acabam ficando
mais uma vez prejudicados nessa ótica.
Para ser incluído digitalmente, não basta ter acesso a micros conectados à
Internet. Também é preciso estar preparado para usar estas máquinas, não
somente com capacitação em informática, mas com uma preparação educa-
cional que permita usufruir de seus recursos de maneira plena. (CRUZ apud
MELO, 2006, p. 5).
Dessa maneira, a preparação para atender os alunos no ambiente escolar seja ele um
ambiente físico ou virtual é fundamental até mesmo como forma de inserção deste indivíduo
nos meios digitais, propiciando assim, a inclusão digital e a inclusão social, sendo inclusive
de suma importância que além das matérias estabelecidas nas grades curriculares, adequar
e disponibilizar a disciplina de informática é democratizar o ensino.
A cultura digital o que para muitos era algo distante, hoje se tornou uma realidade,
sendo inclusive necessário que as pessoas saibam o básico e busquem se atualizar, uma
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vez que em virtude dos fatos, a internet acabou sendo um dos meios fundamentais dentro
do contexto socioeconômico e tecnológico do país com o escopo de aproximar e informar a
todos sobre a atualidade além de aproximar e trazer a escola para o meio digital.
A Constituição Federal em seu art. 218, caput, aborda o acesso à tecnologia e inova-
ção, todavia, o texto se encontra apenas no papel uma vez que seu acesso ainda é limitado,
uma vez que não é adotado nas escolas, aulas que ensinem as crianças e adolescentes a
manusearem o computador ou o smartphone, uma vez que ao contrário do que a maioria
pensa, nem todos da geração Z, têm acesso a esses meios de comunicação ou sabem de
fato manuseá-lo.
Em síntese, é de suma importância que a lei seja aplicável para todos com o escopo
de conscientizar e demonstrar que a tecnologia é para todos e que é uma inovação bem-
-vinda, desmistificando certas condutas previamente estabelecidas dentro da sociedade e
adequando a realidade a todas as classes sociais.
Para que as pessoas possam sentir-se acolhidas e motivadas a realizarem suas ativi-
dades, os ambientes construídos para este fim devem proporcionar conforto ao usuário. É o
que mostra Fresteiro (2010, p. 268) quando se refere ao Design Inclusivo:
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A pandemia e sua adaptabilidade
No que se refere à COVID-19, além de trazer consigo a questão das mortes que infe-
lizmente andam acontecendo e seu número ser bem significativo, trouxe consigo questões
de extrema urgência e importância que não devem ser deixadas de lado.
Uma dessas questões é a miséria que assola nosso país, bem como seus direitos bá-
sicos que são invisíveis e, com isso a questão do aluno as salas de aulas virtuais, uma vez
que, a família desse aluno não tem nem comida em casa, que dirá um aparelho em casa
para conseguir participar do ambiente escolar virtual.
Como exemplo desse problema, temos a Figura 01 que ilustra através de um gráfico
as taxas de analfabetismo entre pessoas de 15 ou mais de idade do ano de 2019, trazendo
em seu gráfico dados alarmantes em algumas regiões do Brasil, onde o acesso à educação
acaba se tornando um privilégio de determinado grupo social.
Dados referentes a uma pesquisa realizada pelo IBGE sobre a taxa de analfabetismo
entre pessoas de 15 ou mais idade (2019).
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Em vista dos fatos narrados, além dos professores cumprirem seu papel nessas con-
dições impostas pela COVID-19, é necessário que exista essa conscientização e que eles
aprofundem um pouco mais nesse ambiente digamos obscuro do trabalho e relatando essa
questão para as autoridades competentes e, cobrando um posicionamento para que mu-
danças sejam realizadas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A sociedade deve trabalhar no sentido de oferecer oportunidades para que cada cidadão
possa ser respeitado, garantindo-lhe mecanismos para que a mesma consiga a integridade
de sua autonomia, autodeterminada e participativa. (CRUZ, 2003, p. 127)
O princípio da igualdade está elencado no art. 5º da Constituição Federal de 1988, que
prevê igualdade de direitos e oportunidades para todos os cidadãos da sociedade. Nesse
sentido, devem existir não só no ordenamento jurídico, mas no ceio da sociedade, oportuni-
dades previamente estabelecidas para todos, extinguindo assim qualquer tipo de preconceito
ou inferiorização que este cidadão possa vir a sofrer por qualquer que seja o motivo.
Por conseguinte, o doutrinador Mello, elenca o que vêm a ser o princípio da igualdade,
mencionando que ele está descrito no ordenamento jurídico e de que está ligado ao que vem
a ser Estado de Direito, trazendo consigo aparatos de que devem estar ligados no sentido
de assegurar uma maior igualdade a todos com o objetivo de poder desfrutar desses direitos
dentro da nossa sociedade.
Como observaram os autores Botelho, Esteves e Pinho (2008), também trazem uma
conceituação bastante abrangente sobre o princípio da igualdade, enfatizando que esse
princípio é estruturante do Estado Democrático de Direito e do sistema constitucional, im-
plicando assim em decisões fundamentais para a sociedade como um todo.
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constitucional global” e implica que “as decisões administrativas sejam toma-
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das segundo critério objetivos [igualdade objetiva]”, ou seja, “se agiu de uma
forma para um terá de agir da mesma forma para outro, se os elementos de
ponderação de ambos são iguais”, obviamente que processado dentro da
legalidade. Por isso, do princípio da igualdade dimana “um direito subjetivo
em favor do cidadão e uma obrigação poderes públicos”, sempre nos limites
da legalidade. (BOTELHOS, ESTEVES, PINHO, 2002).
Cumpre observar que o princípio da igualdade deve ser amplamente respeitado e que
seus ditames sejam estabelecidos, bem como assegurados a essa população que carece
de visibilidade e reconhecimento dos entes públicos, respeito e integridade frente ao orde-
namento jurídico e a uma realidade imposta.
Contudo, mesmo com sua existência e validade, observamos que na prática a teoria é
bem diferente e que, o ordenamento jurídico deve se adequar a atualidade sendo necessária
uma participação ativa de todos, sociedade e estado caminhando lado a lado em busca de
reparação e inserção de seus direitos.
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Desigualdade e o preconceito
Logo, para tentar minimizar e para que todos possam participar de uma sociedade
igualitária, é necessário conscientização, informação, respeito e empatia para com o outro no
sentido de estabelecer limites e quando nos deparamos com uma situação preconceituosa
ou discriminatória, devemos denunciar esse tipo de conduta e fiscalizar, assim para que a
lei seja efetivamente cumprida.
Dessa maneira, ressalto que nesse aspecto as mídias sociais vêm para tentar alcançar
e aproximar as pessoas no sentido de trazer informações a todos, bem como conscientizar
sobre o que acontece em nosso país no que tange a situações como essas e para criar
movimentos sociais com o objetivo de colaborar com uma sociedade melhor.
Entretanto, observamos que as taxas de desemprego em decorrência da pandemia da
COVID-19, aumentaram de maneira assustadora no ano de 2020, pois, em virtude do iso-
lamento social, várias pessoas perderam seus empregos, muitas delas, dependiam desses
empregos, sendo sua única fonte de renda.
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Em virtude dos fatos narrados, a figura 02, através de um gráfico, ilustra muito bem
essa questão social em números percentuais a taxa de desemprego que assola nosso país
em decorrência do isolamento ocorrido nos 05 primeiros meses do ano de 2020, alertando
sobre o aumento de 33.1% em algumas localidades.
CONCLUSÃO
À luz das informações contidas o presente trabalho traz consigo o escopo da vulnera-
bilidade que a pandemia demonstrou no que tange a inclusão digital dos alunos nas escolas
públicas brasileiras, bem como a uma realidade esquecida por muitos e que agora está
refletida no considerado novo normal.
Pode-se observar também que em virtude da pandemia da COVID-19, algumas mu-
danças ocorreram, prejudicando a população mais marginalizada, uma vez que, muitas
pessoas perderam seus empregos, de onde vinha seu próprio sustento, sua única fonte
de renda, bem como prejudicando assim toda uma família, e mesmo com o auxílio emer-
gencial em vigor, este não foi capaz de sanar questões pertinentes e nem atendeu a todos
que dele dependiam.
A corrupção em nosso país é algo eminente, mesmo para aqueles que desconhecem
o ordenamento jurídico. Assim, mesmo que as verbas repassadas para as escolas públicas
cheguem ao seu destino, e que seja entregue e efetivamente estabelecida para cumprir
a demanda, talvez os números de casos de corrupção diminuam e que então minimizem
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os impactos impostos a uma classe social, bem como a pobreza talvez possa ser extinta
e que as pessoas possam então ter as mesmas oportunidades em qualquer esfera que
deseja ingressar.
Nesse sentido, buscou-se trazer dados sobre o conflito atual vigente através de aparatos
e uma nova reflexão bastante abrangente sobre a questão que é a desigualdade existente
no Brasil de uma forma ampla e bem peculiar.
REFERÊNCIAS
1. ALONSO, Luiza Beth Nunes; FERNEDA, Edilson; SANTANA, Gislane Pereira. Inclusão digital
e inclusão social: contribuições teóricas e metodológicas. Barbarói, Santa Cruz do Sul,
n. 32, p. 154-177, 2010. Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/article/
view/1289. Acesso em: 23 out. 2020.
2. BARROS, S., ANDRADE, R.S., FERREIRA, F., NASCIMENTO, L., FERREIRA, F., SIMÕES,
C., SILVA, H.P. e JAMBEOR, O. Digitalizando a Inclusão Social: o caso do Liceu de Artes
e Ofícios da Bahia. In: JAMBEIRO, O., SILVA, H.P. e BORGES, J. (Org.). Cidades Contem-
porâneas e Políticas de Informação e Comunicações. Salvador (BA); Ed. UFBA, 2007.
5. BOTELHO, José Manuel Santos; ESTEVES, Américo Joaquim Pires; PINHO, José Cândido.
Código do procedimento administrativo: anotado e comentado. 5. ed. Coimbra: Livraria
Almedina, 2002.
91
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7. FRESTEIRO, R.H. A influência da iluminação: identificando barreiras. In: PRADO, A.R.
de A.; LOPES, M.E.; ORNSTEIN, S. W. (Org). Desenho universal: caminhos da acessibilidade
no Brasil. São Paulo: Annablume, 2010.
10. MELO, Janete Aparecida Pereira. Saberes e conceitos sobre a inclusão digital. PUCRS
Virtual/Uniube, 2006. Disponível em: http://www.abed.org.br/seminario2006/pdf/tc010.pdf.
Acesso em: 30 nov. 2020.
11. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.ed.
atual. São Paulo: Malheiros, 1997.
12. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 10ª edição, revisada e atualizada.
São Paulo. Editora Saraiva. 2015.
13. SILVA, José da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 38º edição. 2015.
14. SORJ, Bernardo; GUEDES, Luís Eduardo. Exclusão digital: Problemas conceituais, evi-
dências empíricas e políticas públicas. CEBRAP, São Paulo, n. 72, 2005. Disponível em:
<https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010133002005000200006. Acesso
em: 12 nov. 2020.
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07
Fake News e desinformação em tempos de
Transtorno da Personalidade Antissocial
Haroldo da Silva
PUC-SP/Bolsista da CAPES
'10.37885/220207755
RESUMO
Esse artigo busca tratar das conexões entre as Fake News e a Desinformação e os seus
impactos e desafios na contemporaneidade. Por meio da devida conceituação dos temas
inerentes, o artigo pretende lançar luz sobre como a desinformação tem sido utilizada, no
meio político, num contexto de pós-verdade e mesmo de negacionismo. Desde narrativas
inverossímeis, até questões absurdas – do ponto de vista da ciência e do conhecimento
acumulado – têm sido utilizadas por grupos de interesse bem definidos. Por meio de
questões estruturadas que refletem o diagnóstico clínico do Transtorno da Personalidade
Antissocial (TPA), nota-se que há um maior risco ainda sobre os efeitos da desinforma-
ção em um ambiente no qual 4% da população mundial tem algum nível de sociopatia.
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INTRODUÇÃO
FOUCAULT, Michael
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da pós-verdade, que amplifica o sucesso das narrativas inverossímeis, até mesmo as mais
absurdas, que estão a serviço de grupos de interesses bem definidos.
As Fake News não são mero proselitismo, têm um objetivo bem mais amplo. Em muitas
oportunidades, buscam conspurcar algo, alguém, uma ideia ou conceito; disseminar o pânico,
ou encontrar um inimigo imaginário, ou mesmo transformar um adversário em alguém que
deva ser tratado de maneira hostil. Enfim, Fake News só nasce num ambiente de ausência
de boa-fé. É fruto de dolo, não de erro escusável.
1 PINHEIRO, Joel. Fake News e o futuro da nossa civilização in BARBOSA, Mariana (org.). Pós-verdade e Fake News: reflexões
sobre a guerra de narrativas. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019, p. 87.
2 DELMAZO, Caroline; VALENTE, Jonas. C. L. Fake News online social media: propagaton and reactions to misinformatio in search
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of cliks. Universidade de Coimbra: Coimbra, nº 32. Vol. 18, nº 1, 2018, p.8.
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pelas redes sociais por pessoas que não checaram a veracidade da informação
e a compartilharam.3
‘Fake news’ is information that has been deliberately fabricated and dissemina-
ted with the intention to deceive and mislead others into believing falsehoods
or doubting verifiable facts; it is disinformation that is presented as, or is likely
to be perceived as, news.4
Claro que essa discussão remete à índole do homem. Mau ou bom, em essência?
Centenas de anos e essa questão permanece sem solução pronta e acabada. “Os homens
são maus: uma triste e contínua experiência dispensa a prova; no entanto, creio ter demons-
trado que o homem é naturalmente bom”.5
Não concluamos com Hobbes, principalmente, que, por não ter nenhuma ideia
da bondade, o homem é naturalmente mau, que é vicioso porque não conhece
a virtude e que recusa sempre a seus semelhantes serviços que julga não lhes
dever; nem concluamos que, em virtude do direito que se atribui com razão
sobre as coisas de que necessita, ele se imagine loucamente ser o único
proprietário de todo o universo.6
Como se pode notar, a questão da bondade ou maldade não está pacificada, como
diriam os juristas, na literatura, ainda que muito tempo depois das discussões filosóficas
entre Rousseau e Hobbes. Assim, também não nos cabe aqui, nesse espaço e com o
objetivo proposto, alongar ainda mais esse debate. Todavia, o que está claro é que num
contexto de Fake News, a intenção principal não está na notícia, mas sim em algo que é
subliminar, embora nem sempre. No ambiente da disputa política e de instituições débeis
isso se acirra ainda mais.
3 SEGURADO, Rosemary; CHICARINO, Tathiana; NETO, João Vieira. Avanços e retrocessos na comunicação e na informação no
Brasil in COSTA, Greiner; POCHMANN, Márcio (org). O Estado como parte da solução: uma análise dos desafios do desenvol-
vimento brasileiro. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2020, p. 390.
4 MACGONAGLE, Tarlach. ‘Fake News’: false fears or real concerns? Institute for Information Law: Amsterdam, 2017, p. 1.
5 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. L&PM Pocket.
Edição do Kindle.
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6 COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 213-5.
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[...] a luta partidária assume formas particularmente secundárias, pois é moti-
vada por interesses puramente materiais e pessoais. É possível e necessário
utilizar os meios proporcionados pelo direito criminal para lutar contra os ata-
ques políticos dirigidos contra a honra pessoal e vida particular de um adver-
sário e contra a inescrupulosa disseminação de inverdades sensacionalistas7.
Com a crise de credibilidade das instituições que o mundo assiste, o ambiente de des-
confiança ganha especial contorno. Nesse sentido, com vistas a explorar um pouco melhor
essa questão, vale uma digressão.
Não que seja um marco histórico específico, mas, desde a invasão do Iraque, “pelos
aliados”, a verdade e as instituições, consequentemente, estão em xeque, de forma mais
intensa e agressiva. E é de fundamental importância para o funcionamento adequado de
uma sociedade moderna, instituições críveis. As instituições – fortalecidas – parecem ser
uma boa alternativa, ao atual momento de descrédito. Resultado de pesquisa que levou o
institucionalista Douglass C. North8, a ser laureado com o Prêmio Nobel de Economia em
1993, as Instituições (e as restrições por elas impostas) podem ser a resposta à essa ins-
tabilidade intrínseca à Vida Líquida, no sentido baumaniano do termo, sem que impeçam a
evolução da humanidade. Segundo o premiado pela academia sueca:
Institutions are the humanly devised constraints that structure political, econo-
mic and social interaction. They consist of both informal constraints (sanctions,
taboos, customs, traditions, and codes of conduct), and formal rules (constitu-
tions, laws, property rights). Throughout history, institutions have been devised
by human beings to create order and reduce uncertainty in exchange.9
Note-se que, desde que o país do oriente médio, rico em petróleo foi invadido, sob a
alegação de que possuiria armas de destruição em massa, sobretudo químicas, a verdade
foi relativizada. Senão por ter perdido importância, ao menos pelo fato de que, não cons-
tatada a existência de tais armas, nada ocorreu contra quem usou politicamente da inver-
dade para atingir seus objetivos e de seus patrocinadores que depois ganharam bilhões
na “reconstrução” da terra que eles próprios arrasaram. Enfim, a sequência de fatos e as
constatações que podem ser feitas agora, sob o crivo da história, mostram que a boa-fé
esteve ausente nesse caso.
7 WEBER, Max. Governo parlamentar e democrático. Coleção os Economistas. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda. 1997, p. 101.
8 Em verdade, há uma Escola Institucionalista, cujas origens remontam ao final do século XIX e início do XX. Seu fundador foi Thorstein
Veblen. Outros nomes relevantes também fazem parte desses pensadores institucionalistas como Wesley C. Mitchell, John Com-
mons, Clarence E. Ayres e John K. Galbraith, além de Douglas C. North. A visão institucionalista é sistêmica; holística sobre a socie-
dade. Para eles, política, sociologia, economia, leis, costumes, ideologia, tradição e outras áreas de crença e experiências humanas
devem ser consideradas em prol da prosperidade numa abordagem evolutiva inspirada em Darwin. Para uma análise mais profunda
do tema, ver: BRUE, S. L. História do pensamento econômico. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005, p. 365 e seguintes.
97
9 NORTH, D. C. Institutions. Journal of Economic Perspectives- Volume 5, Number 1-Winter I991-Pages 97-112
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Não, claro, que a boa-fé valha como certeza, nem mesmo como verdade (ela
exclui a mentira, não o erro), mas que o homem de boa-fé tanto diz o que
acredita, mesmo que seja enganado, como acredita no que diz. É por isso que
a boa-fé é uma fé, no duplo sentido do termo, isto é, uma crença ao mesmo
tempo que uma fidelidade. É crença fiel, e fidelidade no que se crê. Pelo me-
nos enquanto se cré que seja verdade. Vimos, a propósito da fidelidade, que
ela define muito bem a boa-fé ser de boa-fé não é sempre dizer a verdade,
pois podemos nos enganar, mas é pelo menos dizer a verdade sobre o que
cremos, e essa verdade, ainda que a crença seja falsa, nem por isso seria
menos verdadeira.10
Trazendo um pouco mais para os dias atuais, a política tem se mostrado campo fértil
para todo o tipo de manipulação da verdade, principalmente como “armas” nas mãos de
líderes populistas muito mais preocupados com seus objetivos do que com os meios ou
com a ética. No limite, são contraexemplo do que sugere Weber, ao afirmar que: há, por
fim, o dever da verdade. É também ele incondicional, do ponto de vista da ética absoluta11.
Registros desses contraexemplos são abundantes.
Os defeitos e vícios dos líderes populistas se transformam, aos olhos dos elei-
tores, em qualidades. Sua inexperiência é a prova de que eles não pertencem
ao círculo corrompido das elites. E sua incompetência é vista como garantia
de autenticidade. As tensões que eles produzem em nível internacional
ilustram sua independência, e as fake news que balizam sua propaganda
são a marca de sua liberdade de espírito. No mundo de Donald Trump, de
Boris Johnson e de Jair Bolsonaro, cada novo dia nasce com uma gafe,
uma polêmica, a eclosão de um escândalo12. (Grifamos).
98
12 EMPOLI, Giuliano. Os engenheiros do caos. Vestígio Editora. Edição do Kindle, 2019.
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comunicação virtual com a justificativa de que não precisam de intermediários
para se dirigirem ao povo; não têm nenhum escrúpulo em manipular e explo-
rar fake news como se fossem verdades comprovadas; vendem para si uma
imagem de lisura e correção na gestão do governo, tratando de obliterar seus
próprios maus exemplos; acusam os demais de corrupção, não estando eles
distantes dessa prática; se autodenominam como “novos” quando estão faz
tempo na política e vivem dela; abusam de mensagens moralistas apoiando-se
fortemente em conceitos como religião, família e nação13.
Todavia, se a Fake News prospera tão facilmente e de forma barata, o mesmo não ocor-
reria com a notícia verdadeira e de qualidade jornalística, por quê? Sem dúvida isso passa
por fatores psicológicos, não somente comerciais. Há um certo furor em ler algo chocante,
ainda que inverossímil, não é por outra razão o “sucesso” do terraplanismo. Isso foi muito
bem capturado pelas equipes políticas e pelos algoritmos sofisticados. Brittany Kaiser trata
13 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro. Companhia das Letras. Edição do Kindle.
14 CONCEIÇÃO, Desirèe Luíse Lopes. Internet e cidadania: o estímulo ao debate político por meio do jornalismo fact-checking – Um
estudo de caso do projeto “Truco!”. Dissertação – Mestrado em Ciências Sociais. PUC-SP, 2018, p. 146.
15 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: Duas formas de pensar. Objetiva. Edição do Kindle.
99
16 EMPOLI, Giuliano. Os engenheiros do caos. Vestígio Editora. Edição do Kindle, 2019.
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do assunto e expõe as entranhas de uma engenhoca cibernética que fica à disposição para
trabalhar “quase sempre debaixo dos panos” para quem pagar bem. Como contrapartida,
fazer o que for encomendado, independentemente do que venha a causar, não apenas
localmente, mas no mundo, desde que, claro, seja lucrativo.17
Claro que ainda há muito academicismo no que tange ao termo “pós-verdade”. Isto é,
a discussão ainda está adstrita aos meios acadêmicos e teóricos. Em outras palavras, não
é possível afirmar que tenha se tornado popular o uso e o debate sobre pós-verdade. Não
ao menos com essa denominação. Todavia, isso parece estar mudando aos poucos. Para
exemplificar o uso do termo, num contexto diferente do meio da pesquisa, o BNDES, com
vistas a esclarecer os mitos que foram criados, com cunho eminentemente político, para
criticar os governos anteriores, especialmente do Partido dos Trabalhadores, usou o seguinte
parágrafo numa publicação destinada a qualquer interessado:
O Livro verde é uma singela contribuição para tornar esse debate o mais am-
plo e bem-informado possível, sem a inconveniente repetição de fantasias
ou “pós-verdades” sobre as atividades do Banco, que não servem senão
para poluir a cristalina história de uma instituição vencedora.18. (Grifamos).
Como se pode notar, a publicação do BNDES não tem caráter acadêmico, mas sim uma
espécie de informativo à sociedade. Mal comparando, trata-se de uma espécie de “Carta
ao Povo Brasileiro”, só que com a mesma conotação: ao mercado financeiro e ao mundo
político. Nesse aspecto o banco de fomento faz questão de dizer, ainda que tardiamente, que
prosperou uma boataria, certamente orquestrada, com a finalidade clara de uso político das
operações financeiras coordenadas por um dos maiores bancos de desenvolvimento eco-
nômico do mundo. Dito de outra maneira: a pós-verdade, nesse caso, serviu para “colar” no
“PT” a pecha da corrupção, desvios e desmandos, sem entrar no mérito de casos específicos
cujo Judiciário já se manifestou de um lado ou de outro, isto é, inocentando e condenando.
O que se depreende, ao final, é que as instituições, quando frágeis, também dão com-
bustível adicional à proliferação de Fake News e de desinformação, diante de interesses
econômicos e políticos amorais, já que alheios à questão moral, como também imorais em
17 KAISER, Brittany. Manipulados: como a Cambridge Analytica e o Facebook invadiram a privacidade de milhões e botaram a
democracia em xeque. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2020, p. 203.
100
18 BNDES. Livro verde: nossa história tal como ela é. Rio de Janeiro: BNDES, 2017, p. 2.
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muitas oportunidades. Metaforicamente, a lógica, nesse meio, reiteradamente, é a de separar
o joio do trigo e dar atenção ao joio.
Não é uma circunstância brasileira o uso da manipulação da verdade com uso político,
como vimos. Como dito anteriormente também, sempre há que se ter um inimigo nessa narra-
tiva que usa a pós-verdade para atingir objetivos cuja ética sequer é vislumbrada. A corrente
conservadora, do ponto de vista político, é recorrente no uso desse recurso.
Pena que algo que Mill pensou que já estivesse resolvido tenha que voltar a ser trata-
do. A imprensa livre – mas responsável – está sob ataque.
19 D’ANCONA, MATTHEW. Pós-verdade: a nova guerra contra os fatos em tempos de Fake News. Ed. Faro Editorial. 2018, p. 4.
20 MOUNK, Yascha. O povo contra a democracia. Companhia das Letras. Edição do Kindle, p. 797.
101
21 MILL, Stuart. Sobre a liberdade. Hedra. Edição do Kindle, p. 534.
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o entendimento correto dos enunciados22. Aliás, as narrativas que têm as Fake News e a
desinformação como objetivo é exatamente o contrário que se busca: confundir, obnubilar.
Adicionalmente, um outro aspecto interessante a ser reforçado é o de que, se a Fake
News e a desinformação, ambas portanto, estão relacionadas à intenção determinada em
distorcer os fatos e/ou dados que, no limite, vão – ou que têm o potencial de prejudicar al-
guém –, elas são, assim, reprováveis, do ponto de vista do comportamento social desejado.
Claro que não há espaço, tampouco esse trabalho se destina a uma investigação
em relação às motivações psíquicas do fato de que, deliberadamente, essas “falsidades”
sejam criadas e replicadas, mas vale lançar, ainda que brevemente, algumas inquietações
acerca desse assunto.
Vale retomar, emissor e receptor são elementos centrais do processo de comunica-
ção. Se esse emissor tem objetivos escusos e encontra troll’s23 à sua disposição, a informa-
ção que chega aos receptores é ainda mais perigosa. Some-se a isso, que o emissor pode
simplesmente ser classificado como um sociopata e sua mensagem ter ainda menos filtros,
circulando por um ambiente aberto, apta a prosperar como verdade em mentes idênticas.
Apenas de forma propedêutica, vale fazer uma breve digressão, sobre esse ponto.
Evidentemente que não se pode concluir que alguém é acometido de um distúrbio psi-
cológico apenas por uma análise superficial clínica. Entretanto, chama a atenção o fato de
que, conforme o Manual de Diagnósticos de Distúrbios Mentais, da Associação Americana
de Psiquiatria, o diagnóstico clínico do Transtorno da Personalidade Antissocial (TPA) pode
ser verificado se, alguém submetido às análises da tabela a seguir, apresentar três das sete
características.
22 Explica FIORIN, José Luiz. (Org), et. all. Introdução à linguística. São Paulo: Editora Contexto, 2012, p. 15: “Chomsky distingue
competência de desempenho. A competência linguística é a porção do conhecimento do sistema linguístico do falante que lhe permi-
te produzir o conjunto de sentenças de sua língua; é um conjunto de regras que o falante construiu em sua mente pela aplicação de
sua capacidade inata para aquisição da linguagem aos dados linguísticos que ouviu durante a infância. O desempenho corresponde
ao comportamento linguístico, que resulta não somente da competência linguística do falante, mas também de fatores não linguísti-
cos de ordem variada [...] o desempenho pressupõe a competência, ao passo que a competência não pressupõe desempenho”.
23 Troll, na internet, define os usuários que disseminam a discórdia, a fúria e o caos nas redes sociais, com estratégias definidas, sempre
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que há um cunho político envolto.
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Com base na mesma obra, a autora destaca que uma, em cada 25 pessoas, é um
psicopata – sem consciência, sem culpa e, o que é pior, pode ser qualquer um, inclusive
alguém muito próximo. Fica a provocação: veja aqueles políticos que lideram grupos e que
têm sido os principais beneficiados pelas Fake News e pela desinformação, no Brasil e no
mundo. Avalie se a lista, descrita na tabela 1, revela alguma – e se sim quantas – caracterís-
ticas desses agentes políticos. Tem alguém em mente para iniciar o teste? Provavelmente.
Todos – ou quase todos – conhecemos mitômanos.
E a questão que fica é: nas posições de poder eles não estariam? Teríamos políticos
eleitos e no exercício de mandato público com essas propriedades apontadas no diagnós-
tico? Possivelmente sim, até mesmo porque uma das características da personalidade dos
que sofre de TPA é um charme superficial que o torna sedutor para outras pessoas. Isso, de
per si, dá votos. É ele, com frequência, mais interessante do que a maioria dos indivíduos
“normais” à sua volta. Enfim, tem um carisma que é capaz de angariar seguidores e permite
lavá-los a trilhar, todos juntos, empreitadas arriscadas. Não equivale dizer que esses perso-
nagens acometidos pelo distúrbio psíquico não tenham ciência do bem e do mal, mas isso,
isoladamente, não limita suas ações e comportamentos.
Os sociopatas se destacam, afirmam os especialistas, pela superficialidade da emoção.
Como resultado é possível presumir que esses seres têm, em si, ausência da consciência. 24
Assim, considerando que: i) há, entre todos nós, o equivalente a 4% da população
mundial sofrendo de algum tipo de sociopatia e estão do lado da emissão da comunicação
e também da recepção; ii) a internet ampliou a comunicação; iii) a liberdade de expressão
tem servido de manto para o discurso dos troll’s; iv) muitos deles estão a serviço de políticos
e grupos de interesse de matrizes de ultradireita; e v) há que se colocar algum regramento,
sob pena da ruptura constante, ou mesmo permanente, do contrato verdadeiramente social,
no sentido dado por Rousseau25.
24 STOUT, Martha. Meu vizinho é um psicopata. Rio de Janeiro: Sextante, 2010, p. 18.
25 “Assim, para dar um único exemplo, o contrato social e as leis – se forem realizados segundo as regras e exigências que os fazem
rigorosamente um contrato verdadeiramente social e leis que autenticamente o sejam, e não, nos dois casos, suas frequentes con-
trafações – podem sim reconstituir entre os homens um sucedâneo equivalente à igualdade natural.” in ROUSSEAU, Jean-Jacques.
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Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. L&PM Pocket. Edição do Kindle.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não é à toa que o projeto de lei que trata do assunto Fake News e desinformação, e
que está no Congresso, suscita tanta discussão. Vários foram os adiamentos de votação,
tendo em vista diferentes pontos de vista de setores distintos da sociedade. Parlamentares
ligados ao governo e representantes das empresas de tecnologia, de um lado, dizem-se
preocupados com a liberdade na rede, enquanto deveriam estar atentos às liberdades subs-
tantivas, o que denotaria liberdade em sentido amplo. De outro, há congressistas que per-
ceberam que limites precisam ser postos às milícias digitais, por meio da transparência e da
rastreabilidade. Embora não sejam necessariamente excludentes, esses pontos de vistas
precisarão serem sopesados, de forma sincrética.
Críticas à parte, legislar sobre o assunto é necessário e urgente, muito embora esteja
longe de ser trivial. Importante lembrar: a lei existe para limitar a liberdade natural dos indiví-
duos, naquilo que possam causar danos uns aos outros. Ainda mais relevante é considerar
isso num mundo hiperconectado, repleto de troll’s e com 4% de sociopatas, cujo sentimento
de culpa ou remorso não lhes afeta, em absoluto.
É necessário o envolvimento de setores organizados da sociedade civil com vistas a
barrar o poder destrutivo ideológico que pesa sobre a real democracia, que corre o risco
de obliterar. Os exemplos recentes do Brexit, das eleições americanas e do gabinete do
ódio reforçam essa tese. Em paralelo, fortalecer as instituições democráticas é algo basilar
para que as liberdades substantivas possam coexistir com os preceitos da dignidade da
pessoa humana, princípio fundante e civilizatório máximo esculpido ao longo do Art. 1º, III,
da Constituição Federal. Eis o busílis.
Com efeito, não se pode negligenciar o fato de que as emoções negativas estão prontas
para serem despertadas e a facilidade com que se pode fazer isso, por meio das redes so-
ciais reveste o tema de seriedade. Basta lembrar, teorias da conspiração ganharam terreno
fértil, tal qual o negacionismo, tão ou mais perigoso do que as mentiras revestidas de verniz,
exatamente por conta da displicência de lideranças pró-democracia e direitos humanos,
como também por lacunas normativas.
Não é prudente analisar o problema da Fake News e da desinformação, sob a possibi-
lidade de aplicação da perspectiva teórica do mal menor. Não é por outra razão que ecoem,
sem constrangimento, no Brasil atual, maus agouros que tangenciam com o período das
trevas, seja no que se refere ao pré-Iluminismo, tanto quanto do ponto de vista político com
pedidos de retorno à ditadura, ainda que sob o manto de Poder Moderador (sic). Há que
se prestar atenção aos acontecimentos, ainda que quase imperceptíveis, pois são eles
que denotam os grandes eventos. Não basta, contudo, só atentar, há que se reagir, com
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veemência a esses arroubos, de forma que permaneçam apenas nas mentes sociopatas e
antidemocráticas, sob pena desse repousar em histerese.
Há que se ter esperança, de outro lado, de que a norma apropriada, que vier a surgir
dos debates no Legislativo, consiga equilibrar os princípios fundamentais à democracia, con-
substanciados na liberdade de expressão e na proteção da dignidade da pessoa humana,
está última ameaçada pelas Fake News e pela desinformação. Grupos ultraconservadores
e, no limite, reacionários, têm usado desta tática nefasta para atingir seus objetivos abjetos
e, desafortunadamente, com sucesso.
REFERÊNCIAS
1. BNDES. Livro verde: nossa história tal como ela é. Rio de Janeiro: BNDES, 2017.
3. COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins
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4. CONCEIÇÃO, Desirèe Luíse Lopes. Internet e cidadania: o estímulo ao debate político por meio
do jornalismo fact-checking – Um estudo de caso do projeto “Truco!”. Dissertação – Mestrado
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reactions to misinformatio in search of cliks. Universidade de Coimbra: Coimbra, nº 32. Vol.
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11. KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Objetiva. Edição do Kindle.
13. MACGONAGLE, Tarlach. ‘Fake News’: false fears or real concerns? Institute for Information
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15. MOUNK, Yascha. O povo contra a democracia. Companhia das Letras. Edição do Kindle,
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16. NORTH, D. C. Institutions. Journal of Economic Perspectives- Volume 5, Number 1-Winter I991
17. PINHEIRO, Joel. Fake News e o futuro da nossa civilização in BARBOSA, Mariana (org.). Pós-
-verdade e Fake News: reflexões sobre a guerra de narrativas. Rio de Janeiro: Cobogó,
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19. SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro. Companhia das Letras. Edição
do Kindle.
20. SEGURADO, Rosemary; CHICARINO, Tathiana; NETO, João Vieira. Avanços e retrocessos
na comunicação e na informação no Brasil in COSTA, Greiner; POCHMANN, Márcio (org). O
Estado como parte da solução: uma análise dos desafios do desenvolvimento brasileiro.
São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2020.
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22. WEBER, Max. Ciência e Política - Duas Vocações. Editora Cultrix. Edição do Kindle.
23. WEBER, Max. Governo parlamentar e democrático. Coleção os Economistas. São Paulo:
Editora Nova Cultural Ltda. 1997.
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Gramsci e Ortega y Gasset: o advento do
século XX sob uma perspectiva sociológica
da crise
'10.37885/220207711
RESUMO
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INTRODUÇÃO
MÉTODO
Para a análise dos trabalhos de Ortega y Gasset e Antonio Gramsci, optou-se por uma
abordagem da história das ideias dos intelectuais, voltada ao chamado contextualismo lin-
guístico de Quentin Skinner. Trata-se de um foco metodológico que procura abrir um leque
alternativo entre a abordagem textualista – que privilegiaria somente o texto em si – e a
contextualista – que focaria apenas no cotexto social (SILVA, 2010).
Através do contextualismo linguístico, empreendido por Skinner, o pesquisador conse-
gue situar uma obra do contexto das chamadas convenções linguísticas e sociais em que se
situam as problemáticas das quais os textos estão se referindo. Trocando em miúdos, esta
abordagem procura traçar uma relação entre autor, texto e contexto: os autores dos textos
estão envolvidos com o próprio ato de comunicação quando desenvolvem uma determina-
da obra. Eles buscam, como forma de serem compreendidos pelos leitores, mobilizar os
padrões, ditos convencionais, de comunicação referente aos temas para os quais desejam
explorar com maior ênfase (SILVA, 2010).
Foram utilizadas, como referências, fontes primárias e secundárias – de Ortega y
Gramsci – que englobam a temática aqui proposta.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nascido em Madri, José Ortega y Gasset conviveu desde sua infância com a escrita.
Seu pai jornalista e diretor do jornal El Imparcial – e a família de sua mãe – proprietária
do El Imparcial – contribuíram para despertar o interesse do autor no universo erudito. Ortega
cursou o bacharelado em um colégio jesuítico de Málaga e, posteriormente, continuou seu
estudo na capital espanhola. Em 1904, após receber o titulo de doutor em Filosofia pela
Universidade Central de Madri, realizou uma série de estudos na Alemanha – passando
por Marburgo e Berlim, onde entrou em contato com as ideias sociológicas de Weber e
Simmel. A partir de 1910 – assumiu a cadeira de Metafísica da Universidade de Madri.
Além da vida acadêmica, atuou na colaboração e criação de jornais (fundou em 1920, por
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exemplo, a Revista de Occidente), e na política – foi eleito deputado durante a II República
da Espanha (MIRANDA, 2011; 2013).
Cabe destacar que a geração que o antecedeu foi marcada pela amarga lembrança da
guerra Hispano-Americana e a consequente derrota espanhola pelos Estados Unidos – em
1898. No século XX, a Espanha assistiu a uma crise política sem precedentes. A partir da
década de 30 do século XX – após o período da ditadura de Primo de Rivera – Ortega pre-
senciou a queda da efêmera segunda experiência republicana espanhola, o surgimento de
uma guerra civil – onde, neste período, esteve exilado – e a instauração do regime ditatorial
de Francisco Franco (MIRANDA, 2011).
Em linhas gerais, podemos dizer que Ortega procurou traçar uma compreensão diante
das turbulências vivenciadas em sua volta – através de uma análise concreta do mundo. “A
primeira condição para um melhoramento da situação presente é perceber bem sua enorme
dificuldade” (ORTEGA Y GASSET, 1967, p.46). Enquanto filósofo de formação, ele desco-
nhecia “[...] o falso pudor que impede o filósofo de tocar nos assuntos mais recorrentes da
existência [...]” (PRATA).1
Entender o pensamento de Ortega é, por exemplo, compreender a dinâmica do indivíduo
em torno de sua construção ao longo da história, refletir acerca do tradicional, da importância
de se retornar ao passado para compreender o presente e destacar, no processo histórico,
a participação das chamadas minorias como agentes de transformação e organização da
sociedade como um todo (MIRANDA, 2011).
Quando falamos em tradição, na visão de Ortega y Gasset, devemos sempre levar
em consideração a conexão com o presente. “[...] quem vive com plenitude e a gosto as
formas do presente, tem consciência da relação entre a altura do nosso tempo e a altura das
diversas idades pretéritas” (ORTEGA Y GASSET, 1962, p. 81). O autor refletiu acerca do
passado ao citar a decadência do verdadeiro sentido atribuído às posturas morais e sociais
da modernidade. O pensamento do filósofo espanhol procurou resgatar o que foi perdido
pelo tempo, isto é, o sistema de crenças herdado ao longo da história (CARVALHO, 2012;
MIRANDA, 2011). Segundo ele:
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1 Segundo Ortega y Gasset (1961), a filosofia envolveria a capacidade de pensar as verdades.
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Esta visão, quase que saudosista ao passado longínquo, perderia espaço justamente
diante das convicções do homem – única e exclusivamente – ao presente. A confiança cega
na razão – e no progresso – corresponderia, para Ortega y Gasset, em um dos fatores mais
marcantes da modernidade:
Não há hoje nenhum político que sinta a inevitabilidade de sua política, e quanto
mais frívolo, menos exigido pelo destino. Não há mais vida com raízes próprias,
não há mais vida autóctone que a que se compõem de cenas iniludíveis [...] E
nem os homens sabem bem a que instituições de verdade servir [...] (ORTEGA
Y GASSET, 1962, p. 276).
Parecia – aos olhos de Ortega – que o homem médio estava isento de barreiras e
normais sociais:
Daí que o horizonte promissor da “nova era”, o guiava cegamente – expandindo, assim,
seu sentimento de segurança para a tomada de decisões. “O processo que soma direitos
e subtrai deveres culminou no século XX no tempo das massas” (CARVALHO, 2010, p.
16). A ausência das minorias seletas – primordiais para o desenvolvimento, aos olhos de
Ortega, da democracia liberal europeia desenvolvida antes do século XIX – levaria exata-
mente ao estado de rebelião das massas no espaço público, culminando com a ascensão
do totalitarismo (MIRANDA, 2011). Se primeiro Ortega temia a ascensão das massas aos
movimentos ligados ao proletariado (ORTEGA Y GASSET, 1959), posteriormente, tomando
como base sua Espanha – e, consequentemente a ascensão do franquismo, este pensa-
mento passou a ser direcionado quase que exclusivamente aos regimes totalitários. “Pues
bien: en España vivimos hoy entregados al imperio de las masas. Los miopes no lo creen
así porque, en efecto, no ven motines en las calles ni asaltos a los bancos y ministérios”
(ORTEGA Y GASSET, 1959, p. 31).
Antonio Gramsci, ao contrário de José Ortega y Gasset, nasceu em uma família relati-
vamente simples no norte da Itália (em Sardenha).2 Segundo Coutinho (1992), apesar de ter
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2 Vale lembrar que Gramsci, aos quatro anos de idade, sofreu uma queda. Este acidente o fez ficar corcunda (COUTINHO, 1992).
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concluído, com êxito, os exames de admissão no ginásio em 1903, Gramsci, em virtude das
dificuldades econômicas da família, não pode prosseguir aos estudos – sendo obrigado a
trabalhar durante dois anos. Entre 1904-1908 – com a ajuda da mãe e das irmãs – retornou
aos estudos e concluiu o ginásio.
A dedicação aos estudos, na juventude, propiciou que Gramsci conseguisse uma bol-
sa para cursar faculdade na Universidade de Turim. Diferentemente da situação agrária de
sua terra natal, ele encontrou em Turim uma nascente onda de industrialização, culminando
com a chegada de inúmeros trabalhadores italianos da área rural. Diante deste contexto, as
organizações trabalhistas começaram a surgir, ganhando força e notoriedade pelas suas
atuações em busca de direitos. Este chamado “novo mundo”, o atraiu fortemente. A partir
deste cenário, o jovem sardo, estudante de linguística, começou a se engajar pelas causas
trabalhistas – tal postura seria mantida até a sua morte (COUTINHO, 1992).
Gramsci conquistou, no cenário intelectual, um papel de destaque na história, pelos
seus trabalhos e atuações ao longo de sua curta vida – tendo como uma de suas referências
sociológicas, Karl Marx. Além dos escritos jornalísticos e teóricos, ele também teve uma
densa passagem pelo universo político. Em 1923 filiou-se ao Partido Socialista da Itália,
PSI. Em 1924, participou da fundação do Partido Comunista da Itália, PCI – tornando-se
deputado por este mesmo partido. Em 1926, foi preso pelo governo fascista de Mussolini
– permanecendo encarcerado até seu falecimento. Em linhas gerais, podemos dizer que
Gramsci manteve-se atento à situação política de seu país – bem como do contexto europeu
– buscando uma transformação da ordem vigente:
Se Ortega estava preocupado com uma “nova história” construída na virada do século
XIX, para o XX, somada à ausência de tradição e sentidos do passado, “[...] Gramsci percebia
na formação maciça das modernas democracias e nas irrefreáveis associações da vida civil,
um claro convite a socializar a política e a democratizar o poder [...]” (SEMERARO, 1999,
p. 68). Neste sentido, seu interesse seria o de formar atores políticos engajados no novo
cenário, propiciando uma ruptura com os velhos modelos de ordens vigorados até então.
Seria nesta maneira de avaliar a realidade circunstante, que o autor intelectual discutiu a
questão dos intelectuais:
Ora, a nós interessa os intelectuais como massa e não apenas como indivídu-
os. É decerto importante e útil para o proletariado que um ou mais intelectuais
individualmente, adiram ao seu programa e a sua doutrina, se confundam no
proletariado, dele se tornem e se situam parte integrante (GRAMSCI, 1977a,
p. 195).
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3 Intelectuais que fazem parte, por assim dizer, do “organismo vivo” (SEMERARO, 2006).
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Para que este intelectual fosse de fato construído, seria preciso englobá-lo no próprio
contexto das causas defendidas pelas classes subalternas:
Um grande trabalho deve ser executado pelo Partido no campo sindical. Sem
grandes organizações sindicais não se sai da democracia parlamentar. Os
reformistas podem querer pequenos sindicatos, só podem tentar formar cor-
porações de operários qualificados. Nós, comunistas, queremos o contrário
dos reformistas e devemos lutar para reorganizar as grandes massas. Decerto
que é preciso pôr o problema concretamente e não só como forma. As massas
abandonaram o sindicato porque a Confederação Geral do Trabalho, embora
tenha uma grande eficiência política (é, nada menos, do que Partido o partido
unitário), não se interessa pelos interesses vitais das massas (GRAMSCI,
1977b, p. 135).
Não passava pelas concepções do autor desqualificar o movimento das massas na-
quele momento. Para Gramsci não era uma questão de pânico, mas do começo de uma
real transformação de uma classe historicamente dominada. Mas é bom lembrar que ape-
nas organizadas politicamente, estas massas conseguiriam uma façanha positiva. Daí a
importância, sempre presente em Gramsci, de relacionar a organização das massas como
uma espécie de “corpo político”. Ele deixou claro alguns fatores importantes da ocupação
das fábricas das massas trabalhadoras, na Itália, no ano de 1920 – tais como a capacidade
delas se autogovernarem:
Passaram seis anos desde setembro de 1920. Neste período, muitas coisas
mudaram no interior das massas operárias que em setembro de 1920 ocu-
param as fábricas das indústrias metalurgias [...] A ocupação das fábricas
não foi, todavia esquecida pelas massas e não só pelas massas operárias,
mas também pelas massas camponesas. Aquela foi a prova geral da classe
revolucionária italiana, a qual, como classe, demonstrou estar madura, ser
capaz de iniciativa, possuir uma inestimável riqueza de energias criativas e
organizativas; se o movimento faliu, a responsabilidade não pode ser atribuída
à classe operária, como tal, mas ao Partido Socialista que não cumpriu os seus
deveres, que era incapaz e inapto, que estava na cauda da classe operária e
não à cabeça (GRAMSCI, 1977b, p. 149-150).
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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liana. Análise Social, Lisboa, n.2, p.2182-2999, 2012.
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5. GRAMSCI, Antonio. Escritos Políticos. Lisboa: Seara Nova, v.3, 1977a.
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Zambrano. Revista de Filosofía, Ciudad de México, n.143, jul/dez. 2017.
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SOBRE O ORGANIZADOR
Flávio Aparecido de Almeida
Possui graduação em Psicologia pelo Centro Universitário Faminas(2015), graduação
em Pedagogia pela Faculdade do Noroeste de Minas(2010), graduação em Filosofia
pela Faculdade Entre Rios do Piauí(2015), graduação em História pela Universidade do
Estado de Minas Gerais(2008), especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional
pela Universidade Candido Mendes(2013), especialização em Gestão de Processos
Educativos: Supervisão e Inspeção Escolar pela Universidade do Estado de Minas
Gerais(2009), especialização em Psicologia Comportamental e Cognitiva pela FAVENI-
FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE(2020), especialização em Ensino Religioso
pela Faculdade do Noroeste de Minas(2010), especialização em História do Brasil pela
Universidade Candido Mendes(2012), especialização em Psicologia Existencial Humanista
e Fenomemológica pela FAVENI-FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE(2020),
especialização em Gestão Escolar (Administração, Supervisão, Orientação e Inspeção) pela
FAVENI-FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE(2020), especialização em Psicologia
Escolar e Educacional pela FAVENI-FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE(2020),
especialização em Neuropsicopedagogia pela Universidade Candido Mendes(2015),
especialização em Educação Inclusiva, Especial e Políticas de Inclusão pela Universidade
Candido Mendes(2012), especialização em Psicologia Social pela Faculdade Mantenense
dos Vales Gerais(2017), especialização em Gestão em Saúde Mental pela Universidade
Candido Mendes(2012), especialização em Docência do Ensino Superior pela Universidade
Candido Mendes(2016), especialização em Neuropsicologia pela Universidade Candido
Mendes(2016), especialização em Ética e Filosofia Política pela Faculdade Mantenense dos
Vales Gerais(2017) e mestrado-profissionalizante em Ciências das Religiões pela Faculdade
Unida de Vitória(2020). Atualmente é Psicólogo Clínico do Consultório de Psicologia, Psicólogo
do Abrigo Institucional de Espera Feliz, Membro de comitê assessor do Núcleo de Pesquisa
em Ensino e Tecnologia, Professor de Pós-Graduação do Instituto Superior de Educação
Verde Norte, Membro de corpo editorial da Editora Científica Digital e Inspetor Escolar da
Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Espera Feliz - MG. Tem experiência na área
de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social. Atuando principalmente nos seguintes
temas:Ciências das Religiões; Psicologia da Religião, Subjetividade; Experiencia Religiosa,
Coping religioso; Qualidade de vida, Religião, Cultura e Diversidade, Psicologia, Religião e
Psicopatologia e Religião, Educação e Direitos Humanos.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2192204324890376
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ÍNDICE REMISSIVO
B
P
Bourdieu: 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37,
38, 39, 40, 41, 42, 68, 74
Pesquisa: 122
D
Debate: 10, 14, 15, 16, 17, 19, 22, 23, 25, 43, Praxiologia: 29, 31
44, 45, 46, 47, 65, 94, 96, 99, 100, 105, 121
Ensino: 10, 11, 12, 13, 17, 20, 26, 43, 44, 45, 46, 23, 25, 26, 32, 46, 69, 70
48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 66, 67, 74, 75, 79, 81,
82, 84, 122
Sociedade: 10, 11, 12, 13, 16, 17, 25, 26, 29,
Ensino de Sociologia: 43, 44, 45, 48, 49, 50, 51
31, 32, 34, 35, 36, 37, 40, 41, 42, 45, 48, 49, 50,
Exclusão: 58, 66, 67, 68, 70, 71, 73, 76, 86, 87,
91 51, 52, 53, 57, 58, 60, 61, 63, 68, 70, 72, 75, 78,
F 79, 80, 83, 85, 86, 87, 94, 97, 100, 104, 109, 111,
Fake News: 92, 93, 94, 95, 96, 98, 99, 100, 101, 112, 113, 116, 117, 118, 120, 121
102, 103, 104, 105, 106
Ensino de Sociologia: perspectivas, desafios e práticas - ISBN 978-65-5360-071-3 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 1 - Ano 2022
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