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Flávio Aparecido de Almeida

(Organizador)

ENSINO RELIGIOSO
ESCOLAR

editora

científica digital
Flávio Aparecido de Almeida
(Organizador)

ENSINO RELIGIOSO
ESCOLAR
1ª EDIÇÃO

editora

científica digital

2022 - GUARUJÁ - SP
editora

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EDITORA CIENTÍFICA DIGITAL LTDA


Guarujá - São Paulo - Brasil
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Diagramação e arte 2022 by Editora Científica Digital


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E59 Ensino religioso escolar: trabalhando o transcendental que existe no Humano / Flávio Aparecido de Almeida (Organizador). –
Guarujá-SP: Científica Digital, 2022.
E-BOOK
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Modo de acesso: World Wide Web
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5360-169-7
DOI 10.37885/978-65-5360-169-7
1. Religião - Estudo e ensino. I. Almeida, Flávio Aparecido de (Organizador). II. Título.

2022
CDD 200.71
Índice para catálogo sistemático: I. Religião - Estudo e ensino
Elaborado por Janaina Ramos – CRB-8/9166
CORPO EDITORIAL

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APRESENTAÇÃO

O livro Ensino Religioso Escolar têm por finalidade discutir e problematizar a prática
pedagógica nas escolas brasileiras. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), a
oferta da disciplina de Ensino Religioso é obrigatória por parte das escolas públicas
que possuem o Ensino Fundamental. A matrícula por parte do educando, no entanto,
é optativa, ou seja, ele não precisa cursar caso não tenha interesse. O que suscita
inúmeras reflexões por parte dos pesquisadores desta área do saber.
Precisamos compreender que o Ensino Religioso Escolar é uma disciplina que possui
fundamentos históricos, sociológicos, culturais e Antropológicos próprios que fogem da
mera compreensão de mera prática religiosa confessional, mas uma ciência que analisa
e estuda os fenômenos religiosos. Sabemos que ao longo da História do Brasil tivemos
como legislação vigente a compreensão que o Estado deveria ter uma religião definida,
que no nosso caso era o catolicismo.
A presente obra, conta com pesquisadores na área que muito tem para contribuir
na compreensão desta nova dinâmica conferida a disciplina de Ensino Religioso
Escolar. Estudar as religiões é compreender um aspecto fundamental da construção
identificatória de um povo que busca o transcendente na tentativa de responder os
diferentes questionamentos provindos dos contextos históricos vividos pela humanidade.

Obrigado a todos os autores, por suas reflexões e análises.


Desejo uma excelente leitura para todos.

Flávio Aparecido de Almeida


SUMÁRIO
CAPÍTULO 01
A PLURALIDADE RELIGIOSA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS NO DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO NAS PRÁTICAS JUVENIS
NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO DE UM CENTRO ESPÍRITA
Antonio Carlos Coelho

' 10.37885/220709426......................................................................................................................................................................... 11

CAPÍTULO 02
A REFORMA GREGORIANA E A ESTRUTURAÇÃO DA IUS ECCLESIA: O DIREITO COMO FORMA DE SEPARAÇÃO ENTRE
A RELIGIÃO E O ESTADO
Cezar Cardoso de Souza Neto; Maria Rafaela Junqueira Bruno Rodrigues; Felipe Luiz Piña

' 10.37885/220809686........................................................................................................................................................................ 25

CAPÍTULO 03
A RELIGIÃO COMO VIRTUDE ANEXA DA JUSTIÇA EM TOMÁS DE AQUINO E O ESTADO LAICO
Sérgio Ricardo Strefling; Marcelo da Silva Fabres; Marcos Antonio Schiavon

' 10.37885/220709635......................................................................................................................................................................... 38

CAPÍTULO 04
DESAFIOS DO SER E DO FAZER NO ENSINO RELIGIOSO A PARTIR DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR
Francisco Sales Bastos Palheta

' 10.37885/220207654......................................................................................................................................................................... 47

CAPÍTULO 05
DEUS, JUSTIÇA E A LINGUAGEM DO AMOR ÉTICO EM EMMANUEL LÉVINAS E HERCULANO PIRES
Rogério Luis da Rocha Seixas; Edson Santos Pio Júnior

' 10.37885/220709602......................................................................................................................................................................... 60

CAPÍTULO 06
O ENSINO RELIGIOSO NOS PETS DO ESTADO DE MINAS GERAIS EM 2020: ORGANIZAÇÃO DAS HABILIDADES
Mauro Rocha Baptista; Goretti Marciel Pereira Goulart

' 10.37885/220308207......................................................................................................................................................................... 71

CAPÍTULO 07
O “MAL” SOB DUAS PERSPECTIVAS DIVERGENTES
Janine Targino

' 10.37885/220709611.......................................................................................................................................................................... 85
SUMÁRIO

CAPÍTULO 08
O ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS E O MODELO CONFECIONAL NO BRASIL
Flávio Aparecido de Almeida

' 10.37885/220709314.......................................................................................................................................................................... 99
CAPÍTULO 09
RELIGIÃO, CORPO E SOCIEDADE DO ESPETÁCULO: O CASO DA FAMÍLIA PONCIO

Agatha Moura; Samuel Almeida; Karla Patriota

SOBRE O ORGANIZADOR.................................................................................................................................... 129

ÍNDICE REMISSIVO.............................................................................................................................................. 130


01
A pluralidade religiosa: desafios e
perspectivas no diálogo inter-religioso nas
práticas juvenis no cenário contemporâneo
de um Centro Espírita

Antonio Carlos Coelho

'10.37885/220709426
RESUMO

E nesta atualidade plural em que a sociedade se transforma, esta pluralidade religiosa pode
ser entendida como uma realidade que transcorre a meditação teológica atual, o corpo juvenil
também é afetado por essas ações coletivas no contexto da religião, ou de formato mais
amplo, da religiosidade. Partindo deste cenário de pluralidade religiosa, este trabalho vem
pesquisar como vem sendo mediado, dentro do espaço coletivo de uma Instituição Espírita,
o debate do papel da juventude neste processo de transformação religiosa bem como o
caminho do entendimento do trânsito religioso e o diálogo inter-religioso. Este trabalho
tem como proposta analisar o projeto educacional desenvolvido nas reuniões do Grupo de
Juventude/Mocidade realizada no Centro Espírita na cidade de Belo Horizonte/MG com base
nos referenciais teóricos balizados por discussões realizadas sobre desafios e perspectivas
no diálogo inter-religioso a partir da reflexão de Claude Geffré e de Roberlei Panasiewicz,
os estudos de trânsito religioso segundo Danièle Hervieu-Léger, o espiritismo kardecista por
Bernado Lewgoy e Emille Durkeim com foco para sua abordagem da educação como objeto
de estudo da sociologia. A pesquisa terá um cunho qualitativo, de caráter exploratório em que
os sujeitos de pesquisa são os jovens participantes ativos da organização Juventude espírita,
localizada dentro da região metropolitana de Belo Horizonte/MG. Com o resultado dos dados
consolidados, buscaremos observar além da dimensão simbólica de pertencimento a esse
grupo religioso, a atuação social desses adolescentes dentro de uma pluralidade religiosa
bem como observar os desafios e perspectivas no diálogo inter-religioso nas práticas juvenis
no cenário contemporâneo neste Centro Espírita.

Palavras-chave: Pluralidade, Trânsito Religioso, Espiritismo, Diálogo Inter-Religioso, Juventude.


INTRODUÇÃO

O mundo atual oferece novos cenários e perspectivas para a juventude como acesso
ilimitado a diversas formas de mídia, liberdade de expressão, política, de gêneros e religiosa.
Questões estas, colocam o assunto juvenil em pauta, e permitem analisar como esta nova
realidade proporciona trocas de experiências e de saberes.
E com base nestes quadros e nos aspectos futuros envolvendo a ação da juventude
na transformação da sociedade, é que precisamos analisar a participação destes jovens,
percebendo-os como autores dentro da pluralidade apresentada neste século. Os desafios
e perspectivas de superação por meio de um espaço de debate, de aprofundamento, de
aprendizado focado especificamente no campo religioso.
Em um primeiro momento, apresentaremos um diagnóstico da atual situação da ação
da modernidade, com a consequente ação globalizante sobre a sociedade favorecendo um
processo de globalização e a sua multiculturalidade.
Estas reflexões e reestudos de situações são necessários para se viabilizar a inserção
do jovem nas instituições, a fim de aproveitar o seu potencial, superando os prejulgamen-
tos com base nas experiências, geralmente alimentados por antigos preconceitos relati-
vos à faixa etária.
Em sequência, abordaremos o processo de globalização e a sua multiculturalidade na
edificação religiosa da sociedade que se transforma em um ambiente religioso plural.
E por último, uma análise deste o movimento social/religioso plural que vem possi-
bilitando um diálogo inter-religioso nas práticas juvenis no cenário contemporâneo de um
centro espírita.

A modernidade e sua ação globalizante sobre a sociedade

A sociedade ocidental, com o advento do Iluminismo, passou por um período de sig-


nificativas transformações, em seus mais variados aspectos: econômico, filosófico, político,
cultural e social. Este movimento buscava a emancipação e autonomia, lançando novas for-
mas de análise e reflexão, com o propósito de remodelar a sociedade e o seu conhecimento.
Como consequências, formas e características consideradas monolíticas e ancoradas
em práticas e valores tradicionais, manifestadas por meio de rituais complexos e mitos dos
tempos primordiais, foram sendo, paulatinamente corroídos, ou melhor, com o Iluminismo as
tradições perdem espaço como força explicativa da vida social e a noção científica auferiu
força em detrimento da noção mítica.
Para Hobsbawm (1997), estas práticas e valores tradicionais nada mais são que
um conjunto de hábitos inventados há relativamente poucas décadas. Para o autor estes

Ensino Religioso Escolar: trabalhando o transcendental que existe no Humano - ISBN 978-65-5360-169-7 - Vol. X - Ano 2022 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org
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hábitos inventados, denominados de tradição, são reações a sintomas novos em respos-
tas à situações anteriores, estabelecendo em seu próprio passado por meio de repetições
quase obrigatórias.
Na contemporaneidade, segundo Giddens (2002), esta ação atingi todos os campos
da sociedade, e este efeito diverso contribui para transformar o modus vivendi da população
mundial. Neste cenário se destaca a crescente multiplicidade do pensar de pessoas e de
grupos sociais, e esta liberdade de expressão produz uma internacionalização de procedi-
mentos de integração, de tolerância cosmopolita bem como movimentos opostos.
Estas transformações processadas pelo tempo trazem, segundo Giddens (2002, p. 29),
“um fenômeno cada vez mais descentralizado, que não está sob controle de nenhum grupo,
de nações e ainda menos sob o domínio das grandes companhias. Os seus efeitos fazem-se
sentir tanto no Ocidente como em qualquer outra parte”, denominado-o de globalização.
Para Jungblut (2014, 419), a globalização reduz

as distâncias espaço-temporais, produz o avizinhamento dos grupos humanos,


forçando-os a interações e intercâmbios culturais inegavelmente destradiciona-
lizantes. O pluralismo cultural acentuado, decorrente dessa situação, favorece,
por sua vez, a autonomia dos indivíduos que necessitam, frequentemente,
posicionar-se em relação a muitos itens identitários (estéticos, religiosos, po-
líticos etc.) disponibilizados através dessa pluralização.

Como se observa, o processo de globalização e a sua multiculturalidade, vem permear


e abranger a todos os seres humanos, e esta intensificação, no cenário internacional, destaca
as relações sociais que se caracterizam por um pluralismo, cultural e religioso, afiançando
direitos particulares bem como uma abertura para o diálogo entre as sociedades.
Na moderna sociedade pluralista, segundo Dana e Godoy (2019), certas instituições
religiosas tradicionais não conseguem controlar seus adeptos, por meio de suas doutrinas,
símbolos, ritos e práticas, que por vezes uma pequena parcela acolhe o discurso oficial
como forma de orientação.
O pertencimento a única religião se pulverizou, edificando uma diversificada pertença
religiosa levando indivíduos construírem uma religiosidade independente de qualquer insti-
tuição religiosa, demonstrando que uma determinada religião, nem sempre se torna como
um fator de absoluta identificação entre os seus ditames. E ao mesmo tempo em divergên-
cia a diversificação religiosa, ações de visam fortalecer um sentimento de pertencimento
institucional, a fim fazer sobreviver o patrimônio religioso institucional.
Tais constatações, que nos convidam a refletir sobre novas formas de compreensão,
geram no seu bojo, desejos de imutabilidade, de permanências, em reação a estes pres-
sentimentos novos, ocorrendo alinhamentos em prol de uma radicalização gerando um
pensamento conservador e fundamental.

Ensino Religioso Escolar: trabalhando o transcendental que existe no Humano - ISBN 978-65-5360-169-7 - Vol. X - Ano 2022 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org
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Para Pfeffer (2009), o fundamentalismo, na sua esfera religiosa, traz para seus adeptos
certezas absolutas, bem como orientações que não podem ser questionadas, assegurando
assim sua forma de vida e a segurança espiritual. Neste sentido, a hermenêutica, como força
mediadora entre o ser humano e os textos, ditos como sagrados, inexiste.
Em seus estudos, Castells (1999), entende que os fundamentalistas são seletivos ao
buscarem, dentro de seus textos sagrados, posições afirmativas de suas identidades, que
ajudam a defender e preservar a unidade do seu movimento. Busca-se edificar balizas de
preservação de suas fronteiras, bem como um distanciamento daquilo que se considera
como desvirtuoso e impuro.
As transformações advindas do século XVIII até o século XX estabeleceram alterações
na maneira de refletir e de se relacionar na sociedade mundial. É importante compreender
que a humanidade, e em específico a juventude, tem uma necessidade de prover significado
às experiências vivenciadas no seu dia-a-dia. O que vem demonstrar que o ser humano é
“produto e produtor” de sua cultura e estes alvitres atingem infindáveis significados dentro
de uma sociedade pluralizada.
Ao buscar sentido para suas experiências de vida, a humanidade exterioriza essa
busca construindo um ambiente em conformidade às suas expectativas e objetivos a serem
alcançados, distinguindo a modernidade com características plurais. E estes experimentos,
por sua vez, se espalham dentre os demais integrantes, provocando rescisões institucionais.
Para Lott (2016, p. 189) estas rescisões institucionais são

efeitos da orientação histórica do pensamento moderno que mudam a com-


preensão tanto do passado quanto do presente e impulsionam o indivíduo
autônomo a transformar as relações sociais através de um dispositivo futurista.
Esse dispositivo tem um alcance que permite ao indivíduo fazer um reexame
permanente pela amplificação da ação histórica.

E essas mesmas rescisões podem ser compreendidas como fenômenos que aconte-
ce “sempre que o ser humano se liberta de modelos de comportamento de cunho religioso
e se orienta por iminentes leis próprias das esferas da realidade”, assim afirmam Konig e
Waldenfels (1995, p. 534).
Ao abordamos especificamente a questão religiosa, é necessário compreender que os
dilemas da inserção da religião, bem como a atuação do indivíduo religioso, e por conse-
quência a juventude, diante deste prisma moderno, não nos apontam para uma dissolução
do sagrado diante do efeito da modernidade, mas o que ocorre é uma alteração da indi-
vidualidade humana bem como suas atitudes em relação à transcendência, gerando uma
secularização nas relações institucionais religiosas.

Ensino Religioso Escolar: trabalhando o transcendental que existe no Humano - ISBN 978-65-5360-169-7 - Vol. X - Ano 2022 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org
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Para Berger (1985, p. 139), a crise da instituição religiosa passa pela “atuação da
secularização, como um colapso da plausibilidade das definições religiosas tradicionais da
realidade”, em que ela é substituída por uma visão individual do mundo como também de
uma assimilação particular das veracidades religiosas.
O que se observa não é o declínio da religiosidade em si, mas certas formas tradicio-
nais da religiosidade porque se esvaziaram de sentido para a nova sociedade que está aí.
Por isso, novas formas e novos símbolos estão nascendo e atuando fora dos quadros tra-
dicionais, que vão desde experiências místicas cristãs até seções de magia negra e cultos
satânicos. (DANA; GODOY, 2019, p. 27780).
Estas assimilações, dentro da sociedade moderna, vêm demonstrar a prosperidade
do pensamento do ser humano, e esta pluralidade racional, fundamentada no livre-arbí-
trio, leva a um rompimento de monopólio interpretativo de uma única instituição. Segundo
Panasiewicz (2007, p. 2), a “pluralidade religiosa é uma realidade que perpassa a reflexão
teológica da atualidade”.
E esta secularização se une ao procedimento de pluralização a partir da liberdade de
escolha do próprio Ser que, para Hervieu-Léger (2008, p. 153), surge como “uma nova figura
do individualismo religioso que se inaugura aqui: a do individualismo religioso moderno, que
se desabrocha nas formas mais contemporâneas da religiosidade”.
Para a autora, este individualismo religioso marca uma

experiência espiritual [...] concebida como o meio e a expressão do poder que


o indivíduo pode exerce sobre o mundo e sobre si mesmo, fora de qualquer
engajamento em uma igreja em particular. Este é um aspecto essencial da
reestruturação do individualismo religioso que induz sua absorção na Moder-
nidade. (HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 155).

Ao almejarmos a pluralidade e sua experiência no campo religioso, compreendendo


este processo como uma não força em que se busca transformar a diferença em hierarquia,
mas vê-la na sua dimensão de riqueza, por ser diferente. Neste sentido, podemos verificar
de certa forma que o pluralismo religioso inaugura um processo social de relativização do
campo religioso?

A atualidade plural em que a sociedade se transforma

Num mundo em que grandes avanços tecnológicos criam amplas possibilidades co-
municacionais que afetam diretamente as interações pessoais nas mais variadas formas,
a pluralidade e sua experiência no campo religioso, tornou-se um tema urgente, não mais
restrito aos gabinetes acadêmicos, mas aberto a todo o mundo globalizado.

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O encontro entre culturas e suas formas de adoração lança a humanidade em uma
busca pela manutenção da liberdade destes valores regionais, reconhecendo que os “limites
do poder humano não são arbitrários, nem sujeitos as intervenções abruptas do poder divino,
mas condicionados pelas leis da evolução social, moral e cultural”. (PIRES, 1977, p 11).
Num mundo em que as fronteiras se desfazem, o tema da compatibilidade cultural
e do livre-arbítrio são assuntos em pauta nos discursos que visam configurar posições de
compreensão e aceitação, visando uma superação de erros, promovendo uma análise crítica
sobre suas fundamentações teológicas. Na contemporaneidade permanecer fora deste debate
plural é uma fuga para um passado, optando por um pensamento impositivo e sem criticas.
Mas, este pensamento de fuga torna-se ineficaz segundo Amaladoss (2006, p. 185),
pois “cada religião possui uma tradição autocrítica, hermenêutica. Isso é uma garantia contra
um fundamentalismo estreito. A abertura para a autocritica também nos abre para a crítica
vinda dos outros”.
Continua o autor,

no nível religioso, dado o pluralismo interno das religiões e o ensinamento


de sua próprias escrituras, nenhum grupo religioso pode ser fundamentalista
ou exclusivo. Deus é inclusivo. As outras religiões, então, são aceitas como
diferentes, porém legítimas, capazes de promover o encontro divino-humano
ou a experiência religiosa a seu próprio modo. Poderemos não ser capazes de
humanamente e racionalmente explicar isso. Mas podemos deixar isso para
o mistério de Deus. (AMALADOSS, 2006, p. 184).

Em contraponto a uma argumentação “fundamentalista”, de uma crítica areligiosa e


de ataques fundados em verdades de uma só religião, vislumbra-se no pluralismo a inau-
guração de um processo social de relativização do campo religioso, em que não se busca
transformar a diferença em hierarquia, em superiores e inferiores, ou bem e mal, mas vê-la
na sua dimensão de riqueza por ser diferença.
Para Dana e Godoy (2019, p. 27782) estes movimentos correspondem a,

pelo menos, três necessidades do homem de hoje: necessidade de significa-


ções individuais e coletivas num mundo que muda muito rapidamente e que
perde suas referências; necessidade de vida mais comunitária numa socieda-
de cada vez mais dominada pelo individualismo e pelo anonimato dos gran-
des centros urbanos; necessidade de identidade numa sociedade de rápidas
transformações que não consegue preservar a memória das culturas e das
tradições.

Todos eles, de certa forma, indicam para um imperativo de reencontro, de uma harmoni-
zação com o meio ambiente, de um diálogo consigo e com os outros seres humanos. Em que
se busque uma proposta de mudanças do modo e do estilo de vida, interrompendo com a
rotina cotidiana e alcançando uma nova consciência entre o eu e tu.

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Para Pfeffer (2009, p. 28) o pluralismo religioso é “a visão mais plausível para entender
a relação do homem com Deus, seria admitir que todos os povos são escolhidos e que Deus
se manifesta de diferentes formas para cada um. Esta visão permite legitimar o pluralismo
e propiciar uma relação harmoniosa entre os povos”.
Este pluralismo é uma realidade que perpassa a reflexão teológica da atualidade,

é uma realidade experimentada de novo, não só como conhecimento de outros


sistemas religiosos, mas especialmente como conhecimento de outras pessoas
religiosas, já que não só as ideias emigram, mas também as pessoas. A nova
consciência da multiplicidade, do pluralismo, se vive, segundo Knitter, não só
como uma situação provisional, mas também como o que parece ser e fun-
cionam. Sem a multiplicidade, sem os outros, nosso mundo não é capaz nem
de funcionar nem de existir. A realidade, constata Knitter, é essencialmente
pluriforme, complexa, rica, intricada e misteriosa. (KNITTER apud MOLINER,
2011, p. 87).

E por meio desta intrínseca multiplicidade presente na sociedade moderna, que se


podem observar as influências, permanências e transformações provocadas pelo ambiente
religioso na promoção da dignidade humana e de sua juventude. E estas transmutações, den-
tro das áreas de atuação de cada ser humano, despertam um anseio de respeito aos direitos
bem como sabedoria diante dos deveres, afastando preconceitos e dissipando a intolerância.
Segundo Durkheim (2003, p. 207-208),

na base de todos os sistemas de crenças e de todos os cultos deve, necessa-


riamente, haver certo número de representações fundamentais e de atitudes
rituais que apesar da diversidade das formas que umas e outras puderam
assumir, apresentem, por toda parte, o mesmo, significado objetivo e também,
por toda parte, exerçam as mesmas funções.

Por certo que existem características e noções basilares que se entrecruzam em


todas as religiões, o que vem a constituir a presença humana na religião, e “são estes
elementos permanentes que constituem o que há de eterno e de humano na religião [...]
como conteúdo objetivo da ideia que se exprime quando se fala da religião em geral”.
(DURKHEIM, 2003, p. 208).
Percebemos então que pluralismo religioso como um fenômeno moderno, não deve ser
compreendido pela sua fragmentação e diversidade, como sendo um processo desorientado
de busca incessante e de interesse próprio a fim de satisfação pessoal, igualando esta busca
dentro do pluralismo religioso a um supermercado, submetido às leis do mercado.
Devemos compreendê-lo como uma vida religiosa de busca, de labor interior alme-
jando o transcendente, mas antes de tudo deve-se ressaltar que as religiões “são sistemas
de doutrinas e rituais. Elas são grupos de pessoas que seguem uma senda particular para
alcançar aquilo que veem como a meta da vida”. (AMALADOSS, 2006, p. 184).

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Apesar de múltiplas formas religiosas existirem e de se exporem, permitindo ter esse
aspecto mercadológico e assumindo uma perspectiva concorrencial, a adesão dos fiéis será
uma decisão única e própria de cada ser de cruzar estas fronteiras religiosas.

As religiões têm fronteiras. Contudo, algumas pessoas sentem-se chamadas


a cruzá-las. Podem ter uma ocasião especial para encontrar ou serem atraí-
das para outra religião, para suas escrituras ou suas praticas espirituais. Sem
abandonar suas raízes em uma religião, podem cruzar temporariamente para
outra, e cruzar de volta. (AMALADOSS, 2006, p. 182).

Este trânsito religioso e o pertencimento do fiel a qualquer denominação religiosa será


sempre um ato particular do indivíduo, em sua procura de experimentar o Transcendente,
de se encontrar e de relacionar com Deus. Para Amaladoss (2006, p. 183)

Deus se relaciona conosco de várias maneiras, por intermédio de várias me-


diações históricas. Tentamos aprisionar Deus nos sistemas de símbolos que
nos são familiares. Mas, Deus é um Deus de surpresas. Tentativas de cruzar
fronteiras religiosas podem conter muitas surpresas para nós.

Este é o papel do pluralismo religioso e a sua ação social em todos aqueles que
desempenham um papel significativo na vida das pessoas, grupos e nações, cooperando
para uma sociedade ordeira, consciente e justa. “As religiões se destinam à vida e elas são
vividas antes de serem refletida. Sendo assim, numa situação de pluralismo de religiões não
nos deparamos de fato com uma pluralidade de religiões, mas com grupos de pessoas que
vivem diferentes religiões”. (AMALADOSS, 2006, p. 182).
Para Birman (1995, p. 91) os cultos são espaços de interlocução também podem ser
concebidos, “como de passagens num sentido mais amplo: de redefinição de fronteiras,
de trocas simbólicas e de elaborações sincréticas, de inovações e de invenções em certa
medida e que submete também à mudança os cultos envolvidos”.
E este trânsito, segundo Hervieu-Léger (2008), se caracteriza pelo livre escolha no
campo religioso, sem ter, por seu lado, uma necessidade de conformar-se com verdades
de determinada instituição religiosa. Este livre-arbítrio faz com que indivíduos recolhem
elementos de uma e outra religião, dentro de um movimento constante, construindo uma
identidade dinâmica em que o indivíduo é o principal construtor de suas crenças.
Por certo que o pluralismo religioso propõe ver as coisas do mundo religioso e manter
uma relação com este universo apresentando-se como um elemento fundamental para a
superação da intolerância religiosa, estabelecendo uma relação de alteridade respeitosa,
capaz de produzir uma convivência a nível global. E os desafios, dentro deste cenário plural
como proposta de interação, mas respeitando a diversidade religiosa, seria algo possível?

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Os desafios e perspectivas no diálogo inter-religioso

Inserida nesse ambiente volátil, que apresenta um crescente aumento dos problemas
sociais bem como aumento exponencial da violência, a juventude busca refúgio no Sagrado,
o que nos permite concluir que tal a situação é consequência desta autonomização do indi-
víduo, agora um errante religioso, liberto das amarras da cultura religiosa tradicional.
Ao trazer esta discussão para o âmbito da capital mineira podemos assinalar caracte-
rísticas balizadas, pelos autores acima citados, quando apontam a grande favelização das
áreas urbanas, oriundas de uma população que migrou em busca de melhores condições
de vida, e pela dificuldade que encontram para aplacarem seus vícios e suas derrotas juntos
aos seus templos religiosos. Muitos cristãos procuram outras formas religiosas e é neste
ambiente de pluralidade religiosa que se apresenta o Centro Espírita, com seus desafios e
perspectivas no diálogo inter-religioso nas práticas juvenis no cenário contemporâneo.
A pesquisa desenvolvida, além de levantamento de dados estatísticos, se baseou em
observação de um Templo Espírita Kardecista, nesta capital, nos apontando que a comu-
nidade jovem estudada tem uma composição plural, na sua maioria de jovens, que vem
tratar de assuntos individuais, denotando uma busca por respostas e explicações imedia-
tas a seus apelos.
O que impulsionou esta pesquisa foi a permanente busca destes jovens, que estão em
constante experimentação, que se movem em busca de auto-aperfeiçoamento e da auto-rea-
lização, conforme assinala Siqueira (1999), buscando tais pontos nesta comunidade espírita.
A pesquisa é exploratória, portanto não tem o intuito de obter números como resulta-
dos, mas insights – muitas vezes imprevisíveis – que possam nos indicar o caminho para
tomada de decisão correta sobre uma questão-problema.
A investigação se desenvolveu a partir das interrogações feitas às assistências que
frequentavam esta instituição e o levantamento das necessidades pessoais e das buscas
destes frequentadores, que passará a ser denominada de Grupo de Apoio Pessoal (GAP).
O gráfico 1 demarca este GAP, mostrando que 15% (quinze por cento) dos entrevista-
dos respondeu que buscam algo além de suas religiões, um aperfeiçoamento pessoal que
os auxiliem a resgatar valores de minorias religiosas direcionando a uma compreensão de
Deus, visando um conhecimento sobre religiões, normas e valores éticos.

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Gráfico 1. Motivos do Trânsito Religioso.

Fonte: Elaboração Própria.

Gráfico 2. Gênero.

Fonte: Elaboração Própria.

Gráfico 3. Religiões.

Fonte: Elaboração Própria.

Dentro do universo pesquisado foi entrevistado um total de 40 frequentadores, da Casa


Espírita, sendo 53% de homens e 47% de mulheres.
É importante destacar que as pessoas que compõe o grupo pesquisado não se de-
claram leigas ou ateias. Conforme demonstrado no gráfico 3, todos se apresentam como
praticantes fieis em suas denominações religiosas e que não buscam trocar de religiões,

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mas se apresentam com uma visão crítica a ideologias enraizadas na consciência coletiva,
buscando em outras religiões arcabouços metodológicos que permitiram um crescimento
espiritual, que os ajudariam a desenvolver um trabalho diferenciado em seus templos.
O gráfico 4 e 5 apresentam um detalhamento do grupo pesquisado, demonstrando que
não há uma única variedade interessada por um caminho mais espiritual. A busca deste
grupo vai além da sua experiência religiosa, seus integrantes se voltam a uma abordagem
religiosa mais abrangente, mais esclarecedora da realidade que eles vivem. Respostas
prontas não mais os satisfazem.

Gráfico 4. Nível Escolar.

Fonte: Elaboração Própria.

Gráfico 5. Idade.

Fonte: Elaboração Própria.

Nas entrevistas com o dirigente da Casa, ele nos afirmam que não há rompimento e/
ou disputas entre o Espiritismo e outras denominações religiosas. Nos diz, ainda, que não
se percebe uma evasão de uma religião para outra, mas uma aglutinação de conhecimentos
espirituais que se ligam sem se configurarem dogmáticos.

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À medida que evoluímos somos capazes de leituras críticas que nos possibilitam res-
significar o mundo. Para Gadamer (2007), estas demandas do pensamento são sustentadas
pela capacidade que temos de fazer novos questionamentos e interpretações. O movimento
que se segue a esse processo passa por uma desconstrução de camadas sedimenta-
das de conceitos.
Para Geffré (1989) defende o princípio de que a teoria hermenêutica não deve ficar
limitada apenas à sua tradição, ou seja, deve ser contrária a qualquer tipo de fundamenta-
lismo religioso, reconhecendo as verdades da teoria das religiões.
A pesquisa nos mostra também que o público estudado tem um nível intelectual elevado
e um bom poder aquisitivo, o que nos permite imaginar que esses jovens não necessitam
destes santuários, apenas para aplacar seus vícios, aceitar suas derrotas ou buscarem no-
ticiais de seus entes queridos que já tenham partido para o plano espiritual.
A pesquisa aponta que parte do público jovem pesquisado vem em busca de conhe-
cimento, de reflexões, na tentativa de entender e superar as dificuldades que enfrenta,
procurando uma compreensão mais profunda das dimensões imanentes, a partir do imanen-
tismo racionalista, a teoria segundo a qual Deus é a causa de todas as coisas e que tudo,
por conseguinte, está em Deus: não existe nada fora d’Ele. Deus, neste sentido, é causa
imanente de tudo o que existe. Noutros termos, não há existência que possa ser explicada
sem a presença de Deus.

CONCLUSÃO

A modernidade, com a sua evolução científica e tecnológica, trouxe com ela muitas
intranquilidades, pois explicações antes aceitas pela via religiosa passaram a ser vistas
como errôneas ou mesmo surreais, o que acabou por causar uma grande frustação e uma
imensa busca no sentido de elucidar tais questionamentos.
O trânsito religioso permite ao indivíduo, e neste caso em particular o jovem, buscar
e construir um diálogo inter-religioso, e neste encontro ocorre à socialização e a troca, que
dão forma à pluralidade de descobertas e de reflexões.
Diante deste horizonte, apresentado nesta pesquisa, os jovens analisados não buscam
outra religião, estes tem consciência de seu pertencimento a sua denominação religiosa,
mas se pretende é alargar conhecimento reconstrói a idealização do mundo bem como a
figura imagética de Deus.
Este trabalho não exaure o tema, ainda há folego para pesquisa e interpretações
agregadas deste novo conhecimento permitindo o surgimento de novos elementos que
aprofundem o presente trabalho.

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REFERÊNCIA
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dução de Nélio Schneider. São Leopoldo: Unisinos, 2006.
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São Paulo: Paz e Terra, 1999.
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campo religioso contemporâneo. Civitas. Porto Alegre. v. 14. n. 3. p. 419-436. set.-dez.
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14. MOLINER, Albert. Pluralismo religioso e sofrimento eco-humano. Tradução Pedro
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www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf/st3/Panasiewicz,2007,%20Roberlei.pdf>. Acessado em:
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16. PFEFFER, Renato Somberg. Diálogo interreligioso e construção da cidadania em
um mundo globalizado: a contribuição do sincretismo religioso brasileiro. Revista
Mosaico. Rio de Janeiro. v. 1. n. 2. 2009.
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02
A reforma gregoriana e a estruturação
da ius ecclesia: o direito como forma de
separação entre a religião e o estado

Cezar Cardoso de Souza Neto


UFMG

Maria Rafaela Junqueira Bruno


Rodrigues
UNISINOS

Felipe Luiz Piña


Faculdade de Direito de Ribeirão Preto - USP

'10.37885/220809686
RESUMO

A cristandade ocidental assistiu, durante o século XI, ao embate entre imperadores e papas.
Sem dúvida alguma, a querela envolvendo o papa Gregório VII e o imperador Henrique IV foi
o evento mais significativo. Da discussão entre os partidários de ambos, surgiram uma série
de desdobramentos que resultaram em profundas alterações na organização política medie-
val. Neste trabalho, busca-se compreender como e por que a reforma gregoriana necessitou
estabelecer e controlar o direito próprio da Igreja.

Palavras-chave: História da Religião, Teologia, Filosofia, Direito Canônico, História do Direito.


INTRODUÇÃO

Como instituição de vocação universal, a Igreja jamais se identificou com qualquer


Estado (GILISSEN, 2003, p. 135), mas sim, por meio do primado “Dai a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus”,1 ausentou-se das preocupações seculares de forma a
promover a salvação das almas — legando aos soberanos a preocupação com o poder tem-
poral (BERMAN, 1997, p. 93). Entretanto, nem sempre foi fácil separar o que seria jurisdição
da Igreja, ou responsabilidade do poder espiritual, da jurisdição do Estado, preocupação
exclusiva do poder temporal, em acordo com a chamada Doutrina das Duas Espadas. Desta
forma, ao longo dos séculos, a Igreja e os soberanos mantiveram uma relação conturbada,
nem sempre aquela aceitando estar sob a subordinação de figuras que não eram sacerdotes
ordenados (HESPANHA, 2015, p. 139).
Na sociedade contemporânea, por sua vez, observa-se a presença de duas figuras
aparentemente paradoxais. Enquanto há notória secularização dos costumes e da política,
observa-se o crescimento do fundamentalismo religioso. O cenário atual, envolto em crises,
provoca uma reflexão sobre os fundamentos jusfilosóficos na estruturação do Direito. As in-
dagações que nos assolam neste momento indicam que é imprescindível uma busca pelas
fontes do pensamento ocidental, onde se encontram os ideais que constituem essa cultura.
Afinal, os seres humanos sempre buscaram aquilo que é melhor para sua existência, como
parte do desafio humano, recuperando sua história de identificação com essa comunidade
da qual são parte integrante (COELHO, 2012, p. 16).
Assim, objetiva este trabalho retornar ao passado, há mais de 850 anos, no período
de Gregório VII e Henrique IV para refletir como as instituições jurídicas foram influenciadas
pelas disputas entre o poder temporal (laico) e o poder espiritual (religioso).

O PAPA E O IMPERADOR

As relações entre o Papa e o Imperador nem sempre foram pacíficas durante o final do
Império Romano do Ocidente e a Idade Média. No final do século V, após Odoacro ter des-
tronado Rômulo Augusto em 476, o papa Gelásio I enfrentava o avanço do cesaropapismo
dos imperadores bizantinos que indicavam desejo de adentrar nos assuntos organizacionais
da Igreja Católica. Em carta dirigida ao Imperador Anastácio I, o papa estabelece os concei-
tos de potestas do imperador e auctoritas papal2 em uma tentativa de delimitar as esferas

1 O episódio aparece nos evangelhos de Marcos 12, 13-17, Mateus 22, 15-22 e Lucas 20, 20-26.
2 Os dois conceitos não significam, exatamente, poder e autoridade como o falso cognato nos levaria a concluir. De fato, auctoritas
está ligada ao poder jurídico de autorizar um ato enquanto potestas é concernente ao poder de execução. Essa distinção é adequa-

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de influência dos regentes temporais e espirituais e declarar a autonomia organizacional da
Igreja (MENACHE, 2012, p. 59).
Na carta, Gelásio esclarece Anastácio que o papa e seus ministros são os respon-
sáveis pela salvação eterna de todos os homens, de modo que a missão da ecclesia é de
natureza atemporal e transcendente. Aos imperadores e aos demais governantes seculares,
cabe a obrigação de zelar pelos seres humanos em sua vida terrena. Entende, dessa forma,
Gelásio, que a obrigação da Igreja e de seus sacerdotes é de maior responsabilidade, posto
ser objeto de análise no Julgamento Final (SOUZA e BARBOSA, 1997, p. 16).3
Cria-se, então, o que ficou conhecido como “Doutrina das Duas Espadas” ou “Teoria das
Duas Espadas” (BERMAN, 1997, p. 93). A analogia é oriunda da passagem do Evangelho
de Lucas 22, 38-39 em que os discípulos aproximaram-se de Jesus apresentando duas es-
padas e este responde com um misterioso “É o suficiente” (CASPARY, 1979 p. 3). Ao longo
de toda a hagiografia medieval, contudo, as duas espadas misteriosamente aludidas por
Jesus Cristo ganharam a tradicional forma de “poder temporal” e “poder espiritual” que co-
nhecemos hoje (LOVE, 1967, p. 72).
Em vista de resguardar o seu “poder espiritual” de interferências não desejadas das
autoridades seculares, Gelásio convoca Dionísio, o Exíguo para compilar as decisões ca-
nônicas auferidas em concílios e decretais em ordem cronológica (GIBERT, 1987, p. 18).
Desta forma, o papa avança na direção da ius ecclesia tanto teoricamente, ao expressar
para o imperador a teoria das duas espadas e uma independência da Igreja face o poder
secular, quanto praticamente, na criação de um direito próprio mediante a compilação de
decisões da Igreja.
Todavia, no decorrer da Idade Média, as relações entre a Igreja e o poder secular alte-
raram-se consideravelmente, nem sempre obedecendo à separação de poderes. Muito pelo

damente feita por Cícero em seu De legibus: “Sequitur enim: ‘Eius decreta rata sunto.’ Nam ita se res habet, ut si senatus dominus sit
publici consilii, quodque is creverit defendant omnes, et si ordines reliqui principis ordinis consilio rem publicam gubernari velint, possit
ex temperatione iuris, cum potestas in populo, auctoritas in senatu sit, teneri ille moderatus et concors civitatis status, praesertim si
proximae legi parebitur; nam proximum est: ‘Is ordo vitio careto, ceteris specimen esto.’” Percebe-se que a distinção é uma analogia
ao poder que o povo exerce em relação a auctoritas que pertence ao senado (auctoritas in senatu sit). Cícero define a auctoritas
como sendo o órgão mediador, conselheiro das vontades populares (CICERO, 2014, livro 3, 28)
3 A carta em questão dirigida de Gelásio a Anastácio é catalogada como epístola 8 na série de correspondências deste papa. A carta
em questão se encontra traduzida, na íntegra, em SOUZA (2012, pp. 34-35) da qual se destaca o esclarecedor trecho: “Augusto Im-
perador, são principalmente dois os poderes através dos quais se governa o mundo: a autoridade sagrada dos pontífices e o poder
real. Destes dois, é mais grave o peso dos sacerdotes, pois estes deverão prestar contas na ocasião do julgamento divino inclusive
pelos próprios reis da humanidade. [...] Ora, no tocante ao governo da administração pública, os próprios sacerdotes, cientes de que o
poder te foi conferido pela vontade divina, obedecem às tuas leis [...]. De modo que a todos os sacerdotes em geral, que administram
retamente os divinos mistérios, convém que os corações dos fiéis lhes sejam submissos. Tanto mais, por acaso, não se deve prestar
obediência à cabeça da Sé Apostólica [...]? Como Tua Piedade sabe, nada pode colocar-se, graças a recursos puramente humanos,
acima da posição daquele a quem o chamado de Cristo preferiu a todos os outros e a quem a Igreja reconheceu e venerou sempre
como seu primado. As coisas fundamentais por disposição divina podem ser atacadas pela vanglória humana, mas não podem indu-
bitavelmente vir a ser conquistadas por nenhum poder humano.”

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contrário, a única instituição remanescente do Império Romano do Ocidente precisou fazer
alianças com lideranças seculares para sobreviver nos territórios a todo tempo ameaçada
por pagãos, arianos, muçulmanos e bizantinos (LE GOFF, 2019, p. 44).
A nova situação política da região obrigou os papas à época a buscar uma nova forma
de unir a comunidade cristã. Tendo a fé como única força de coesão, os povos germânicos
formavam uma comunidade conhecida como Christianitas. A identidade por meio da fé re-
monta aos antigos cristãos que, na figura de Bardaisan, conceberam o primado de unidade
ao proclamar que, onde quer que seja o lugar e as leis, jamais se poderia olvidar da palavra
do Messias (BROWN, 1999, p. 22).
Vale lembrar, contudo, que a Igreja Católica enfrentava uma indevida intrusão em sua
organização por parte dos diversos reis e principados germânicos, além das elites locais ita-
lianas sobre o papado. Nesse sentido, a ressurreição da figura do Imperador veio no sentido
centralizar o controle político e de recuperar à Igreja a independência das elites locais que,
agora sujeitas a um poder militar superior, veriam este garantir ao sacerdócio a manutenção e
a deliberação sobre as coisas sacras (BERMAN, 1997, p. 93). Contudo, a aposta do papado
não produziu os frutos desejados e, nos séculos seguintes, a Igreja assistiu a um completo
controle dos Imperadores sobre as coisas do sagrado e, inclusive, de seus membros. Além
disso, após o enfraquecimento do Sacro Império Romano do Ocidente e o fim do papado
de Silvestre II, a instituição eclesiástica retornou a receber a influência das elites locais de
Roma (LE GOFF, 2017, p. 85).
A instituição eclesiástica tentava se resguardar das indevidas interferências seculares
de toda forma. Contudo, ao que se assistiu foi uma apropriação, inclusive, do direito canônico
em prol dos interesses temporais (GIBERT, 1987, p. 92). Grande escândalo ocorre quando
aparecem os forjados decretos de Isidoro. Em meados do século IX, autoridades seculares
falsificam uma série de cartas e aleivosamente as atribuem como sendo de decretais e
concílios nos séculos IV e V (BERMAN, 1997, p. 93).
Isoladamente, Nicolau I tentou asseverar a autoridade papal não somente sobre o clero,
mas também sobre reis e imperadores, declarando que estes não poderiam nomear sacer-
dotes para completar as sedes vacantes assim como o clero não se incluiria na jurisdição
secular (BERMAN, 1997, p. 93). Todavia, Nicolau I restou ignorado por reis e imperadores,
e o papado desceu ao seu ponto mais baixo no século IX – período conhecido por saeculum
obscurum (ZÖLLER, 2019, p. 80).
A decadência da figura do imperador e o enfraquecimento do papado legou o comando
da Igreja de Roma às elites locais (LE GOFF, 2017, p. 85). Desta maneira, surgiram figu-
ras como Bento IX, eleito para satisfazer os interesses das elites romanas (MANN, 1913).
Todavia, o imperador ganhou força no início do século XI e passou a exercer anômala

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influência sobre o papado, gerando escândalo quando Henrique III adentrou a cidade de Roma
para ser coroado e viu uma disputa entre três papas rivais – entre eles Bento IX (BERMAN,
1997, pp. 93-94).
Nesse ponto mais baixo do papado, entretanto, ocorreria a primeira das mudanças que
levariam à Reforma Gregoriana.

A REFORMA GREGORIANA

A reforma gregoriana nasceu no interior das paredes da Abadia de Cluny (SOUZA e


BARBOSA, 1997, p. 18). A primeira ordem monástica a ter um comando centralizado, reu-
nindo uma grande monta de monastérios que se estendia por toda a Europa sob a tutela de
um único abade foi fundada em 910 e encabeçou um movimento de purgação do papado,
visando limpar o clero de vícios morais e afastá-lo dos desmandos seculares (BERMAN,
1997, pp 89-90). Visando reformar o papado, buscava-se que a comunidade eclesial fosse
constituída apenas por pessoas vocacionadas, que ingressassem na vida religiosa apenas
por amor a Deus (SOUZA e BARBOSA, 1997, p. 18).
Cluny transformou-se num modelo para toda a Igreja Católica e passou a levantar
bandeiras como o pacifismo (BERMAN, 1997, pp. 89-90). Ocorre que, quando Henrique III
desceu à Roma para ser coroado em 1046, este encontra um cenário caótico e três homens
se autodeclarando papas (BERMAN, 1997, p. 94). Desejando solver o conflito de poderes
que se instaurava em Roma – e que pouco tinha a ver com a questão religiosa, o imperador
Henrique III depõe os três homens mediante o Concílio de Sutri, ainda em 1046. Nomeia
primeiramente Clemente II, um bispo alemão, como papa. Depois, Dâmaso II, outro alemão
(MANN, 1913). Então, finalmente escolhe um terceiro nome, Leão IX (BERMAN, 1997, p. 94).
Ao assumir, Leão IX, que era um parente próximo e amigo do imperador, rejeita o
conceito de ser o papado um mero bispado romano e submetido ao poder imperial, asse-
verando, não só a independência do mesmo, mas sua soberania sobre todos os bispos e
clérigos (BERMAN, 1997, p. 94). Logo o recém empossado papa convoca o Concílio de
Reims em 1049 onde tomou providências contra a simonia e a investidura de leigos, além de
aumentar o rigor das normas relativas ao comportamento social, religioso e moral do clero.
Estabeleceu que o governo de uma igreja somente poderia ser exercido por quem houvesse
sido previamente eleito pelo clero e pelo povo; proibiu-se a simonia e o exercício de ofícios
clericais pelo laicato. Repudiou, de igual forma, que os clérigos carregassem armas consigo
(SOUSA e BARBOSA, 1997, p. 19).
As reformas de Leão IX foram o primeiro passo em direção ao ideal clunisiano e, de
certa forma, o primeiro rumo à consagração da teoria das duas espadas enunciada por
Gelásio I ao Imperador Anastácio ainda no século V. Leão IX proíbe a simonia e a investidura

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de leigos como forma de blindar a Igreja das indevidas intrusões das elites locais e, como
havia ocorrendo, do Imperador. Além disso, Leão IX espalhou vários panfletos por largas
áreas do Ocidente Medieval convocando os católicos a recusar os sacramentos oferecidos
por padres vivendo no concubinato, contestou a validade de cargos eclesiais obtidos por
meio de dinheiro (simonia) e espalhou pela Europa o grito dos reformadores pela Igreja livre:
Libertas ecclesiae! (GOMES, 2002, p. 223). Não por acaso, um dos protégés de Leão IX era
um monge de nome Hildebrando di Soana (BERMAN, 1997, p. 94).
Hildebrando é uma conhecida figura nos estudos medievais, entretanto, é mais co-
nhecido pela alcunha que assumiu após ter sido nomeado papa: Gregório VII. Apesar de
não ter sido o iniciador das reformas que ocorreram no papado durante o século XI, acabou
por levar-lhes o crédito, posto que os historiadores passaram a chamá-las de “Reformas
Gregorianas”. De fato, apesar de não ter sido o iniciador, Gregório VII as conduziu com a
força de sua personalidade, enfrentando as forças dominantes da época com incansável
vigor para fazer prosperar suas ideias (SCHATZ, 1997, p. 12). Utilizando-se de táticas revo-
lucionárias para alcançar os seus objetivos (como a incitar a boicote dos fiéis aos sacerdotes
que viviam no concubinato ou, até mesmo, em casamento), o futuro papa foi chamado por
Pedro Damião de “meu santo Satã” por conta da facilidade que conseguia impor suas opi-
niões e cativar seguidores4 (BERMAN, 1997, p. 94).
Antes de assumir o pontificado, o ainda Hildebrando di Soana agia nos bastidores e
preparava-se para assumir o trono papal em 1075. Assim, o monge assistiu ao Concílio de
Roma, em 1059, em que o Papa Nicolau II proclamou o direito privativo dos cardeais em
eleger o papa mediante a bula In nomine domini (SOUZA e BARBOSA, 1997, p. 24). Sob a
égide desse decreto, o papa Alexandre II alçou a sede apostólica sendo eleito apenas por
seus colegas de cardinalício (STROLL, 2012, p. 119).
A nomeação de Alexandre II ao papado, além de inédita, mostrou-se intranquila. O novo
papa enfrentou a oposição das elites romanas, já avessas a Nicolau II (STOLL, 2012, p. 119),
e que elegeram o antipapa Honório II. Este último tinha o apoio tanto das já mencionadas
elites romanas quanto do imperador, Henrique IV, que ainda uma criança no tempo das refor-
mas de Leão IX, agora ignorava o chamado de Pedro Damião para mediar o conflito que se
instaurara no papado. Pedro Damião, cardeal e monge à época, invoca a doutrina das duas
espadas em sua súplica ao imperador, mas este não lhe dá ouvidos e continua a manifestar
expresso apoio ao adversário do papa Alexandre II (SOUZA e BARBOSA, 1997, p. 25).

4 A citação trazida por BERMAN é: “My holy Satan. Thy will has ever been a command to me – evil but lawful. Would that I had always
served God and Saint Peter as faithfully as I have served thee.”

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Quando, em 1073, Alexandre II falece, o papado se vê em iminente risco. Como
Henrique IV apoiou o opositor do falecido papa, a facção reformista da Igreja se encontra
na urgência de resguardar a posição. Assim, em conturbada eleição, por aclamação po-
pular, o monge Hildebrando di Soana é eleito papa e adota para si o nome de Gregório VII
(ROBINSON, pp. 35-36). Apesar de reformista, Gregório VII ascende à Sé apostólica em
contradição à bula In nomine domini. Fato que, conforme previsão do documento, seria o
suficiente para ensejar a sua excomunhão (SOUZA e BARBOSA, 1997, p. 24).
Logo que assume, o novo papa tem de enfrentar a questão da legitimidade do exercício
de seu poder face ao imperador. Não se pode olvidar que Henrique IV apoiava o antipapa
Honório II durante o papado de Alexandre II e não nutria simpatias pela ala reformista da
Igreja. Desta forma, assiste-se a uma busca de ambas as partes, apoiadores do imperador
e apoiadores de Gregório VII, nos textos antigos da Igreja por uma forma de sustentar sua
respectiva posição (BERMAN, 1997, p. 95).
Especificamente no que concerne a Gregório VII, há uma preocupação notável deste
pontífice com o direito canônico (CUSHING, 1998, p. 34). Não por acaso, o papa lança uma
coleção de compilados de decisões canônicas visando substituir os textos espúrios e atualizar
o Corpus canorum que remonta à época de Gelásio I (GIBERT, 1982, p. 93). Vale lembrar
que Gregório VII provavelmente conhecia a tentativa de falsificação de textos promovida
pelas autoridades seculares no século IX em nome de Pseudo-Isidoro.5 Assim, o novo papa
se coloca na posição de controlador da validade dos cânones, proclamando a independência
do direito da Igreja das autoridades seculares (CUSHING, 1998, p. 34).
Desta maneira, a necessidade de sustentar a posição encoraja os eruditos da épo-
ca a desenvolver uma ciência do direito de modo a promover a base argumentativa para
a implantação das novas políticas. Ao mesmo tempo, a facção imperial tenta realizar o
mesmo trabalho, procurando nos textos antigos da Igreja fundamentos para condenar a
usurpação do papado por Gregório VII. Assim, impulsiona-se a ciência jurídica pela Europa
(BERMAN, 1997, p. 95).
Essas pesquisas levam Gregório VII a escrever um documento que seria conhecido
pela posteridade como Dictatus papae. Neste, o papa elenca uma sequência de 27 simples
proposições que estabelecem o programa de ação para o seu papado (SOUSA e BARBOSA,
1997, p. 28). Entre essas proposições se incluem: “1. Que a Igreja Romana foi fundada
somente por Deus.”; “2. Que somente o Pontífice Romano pode ser chamado de universal
com pleno direito.”; “3. Que somente o Pontífice pode depor e restabelecer bispos.”; “4. Que

5 Gregório VII conhecia os textos de Pseudo-Isidoro, a ponto de utilizar uma série de seus conceitos ao elaborar o seu Dictatus papae:
“Il est certain, d’autre part, que toutes ces sentences, à n’en regarder que la signification, ne sont que des répétitions ou des corollai-
res directs des Fausses Décrétât.” (ROUCQUAIN, 1872, p. 380).

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os legados do Pontífice, ainda que de grau inferior, em um concílio estão acima de todos
os bispos, e pode contra estes pronunciar sentença de deposição.”; “7. Que só a ele é lícito
promulgar novas leis de acordo com as necessidades dos tempos, reunir novas congrega-
ções, converter uma abadia em casa canônica e vice-versa, dividir uma diocese rica ou unir
pobres.”; “9. Que todos os príncipes devem beijar os pés do Papa.”; “10. Que o seu nome
deve ser recitado em toda igreja.”; “12. Que é lícito depor o imperador.”; “16. Que nenhum
sínodo pode ser chamado de geral se não for guiado por ele.”; “17. Que nenhum artigo ou
livro pode ser chamado de canônico sem sua autorização.”; “18. Que o seu julgamento
não poderá ser revisto por ninguém, mas que ele poderá revisar os julgamentos de todos
.”; “21. Que as causas de maior importância, de qualquer igreja, devem ser submetidas ao
seu juízo.” e “27. Que o Pontífice pode absolver os súditos de juramento de fidelidade a
iníquos.”(MIGNE, 1852, pp. 404-405).
Inicialmente, o conteúdo do Dictatus papae nos leva a concluir por uma tentativa de
Gregório VII, papa da Igreja Católica, em recuperar o poder sobre a organização da mes-
ma, separando-a das interferências do poder secular. Algumas das assertivas gregorianas,
sobremaneira o item “3.”, “4.”, “7.”, “16.”, “17.”, “18”, “21.” e “27.” nos mostram um pontífice
conclamando o poder único sobre a Igreja. Parece-nos que Gregório VII deseja fazer valer
a teoria das duas espadas enunciada por Gelásio I ao imperador Anastácio já no longínquo
século V. Os dois gládios que aparecem no Evangelho de Lucas deveriam ser empunhados
separadamente pelo Imperador e pelo Papa.
No item “3.” temos a questão mais controvertida acerca do programa papal enunciado
por Gregório VII. Aqui, o pontífice assevera seu monopólio para restabelecer e depor bispos.
Isso significa o endosso de Gregório VII às ações realizadas pelo seu antigo protetor, o papa
Leão IX que, rompendo com o imperador à época, Henrique III, proclamou sua independên-
cia em relação aos poderes seculares (BERMAN, 1997, p. 94). Dando, assim, um passo na
direção da autonomia da Igreja, desejada desde os primórdios por esta em relação a figuras
não ordenadas (HESPANHA, 2015, p. 139).
O item “17.” é o mais interessante. Deseja Gregório VII asseverar a competência priva-
tiva da Igreja em estabelecer as leis canônicas. Diferentemente do que ocorria até então (e
em oposição à doutrina das duas espadas), o direito canônico não era determinado apenas
pela Igreja. Sínodos e concílios eram convocados por monarcas e outras entidades do poder
secular e reis arbitravam, inclusive, se os papas eleitos deveriam ser aceitos pelos bispos
sob o comando dos monarcas (BERMAN, 1997, p. 91).
De fato, a preocupação com o monopólio do direito canônico veio ao encontro da visão
gregoriana de manter o poder papal mediante a técnica jurídica (CUSHING, 1998, p. 34).
Destarte, Gregório VII apressa-se a editar compilações de quatro grandes cânones, contendo

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as leis da Igreja desde os mais remotos tempos (GIBERT, 1982, p. 93). Gregório VII enxerga
a necessidade do pontífice em ostentar a justiça (CUSHING, 1998, p. 34). Além disso, no
item “2.” em cumulação com os itens “18.” e “21”, Gregório VII assevera ser o bispo de Roma
universal de pleno direito, podendo reavaliar todos os julgamentos sendo que sua palavra
é irretratável, além disso, cabe a ele julgar os casos mais importantes das igrejas. Assim,
proclama a corte papal como o tribunal de toda a cristandade (BERMAN, 1997, p. 99).
Esse é o primeiro dos sinais que Gregório VII não deseja, somente, consagrar a au-
tonomia da Igreja, mas sim declarar que a legitimidade do poder imperial é dependente da
assertiva papal. O item “12.” não poderia ser mais claro: É lícito ao papa depor o imperador
– Quod illi liceal imperatores deponere. Além disso, o papa possui supremacia ante todos
os governantes terreais, item “9.”, posto que cabe a todos os príncipes beijarem os seus pés
– Quod solius papæ pedes omnes principes deosculentur; e o seu nome deve ser recitado
em toda Igreja – Quod illius solius nomen in Ecclesiis recitetur. Assim, parece que Gregório
VII não deseja fazer valer a Doutrina das Duas Espadas de Gelásio I, mas sim brandi-las
duas, sendo senhor do século e do espírito.
A acusação tem razão de ser e levou Gregório VII a enfrentar o julgamento dos sécu-
los: uns condenando-o como usurpador dos poderes do Império, outros louvando-o como
uma das grandes referências à supremacia do papado (SOUZA e BARBOSA, 1997, p. 29).
Entretanto, é necessário evitar os anacronismos ao interpretar as intenções de Gregório
VII. O papa visava estabelecer o conceito de hierarquia, tão presente na realidade do medievo
após o século XI (LE GOFF, 2019, p. 252). Dessa forma, cada classe social, o sacerdócio e
a realeza, possuíam específicas e importantes missões para com a cristandade, em conso-
nância com o princípio da justiça “dar a cada um o que é seu” (SOUZA e BARBOSA, 1997,
p. 27). Todavia, em vez de optar pela mútua autonomia de ambos os poderes, Gregório VII
opta por asseverar a superioridade do poder espiritual sobre o temporal, declarando ser este
o mais eminente (SOUZA e BARBOSA, 1997, p. 30). Essa noção já havia sido antecipada
na epístola de Gelásio I ao imperador Anastácio, quando o papa do século V reclama a im-
portância do sacerdócio, haja vista que o trabalho deste será objeto de julgamento no Juízo
Final (SOUZA, 2012, pp. 34-35), não se limitando à extensão da vida terrena.
Logo que tomou conhecimento das intenções do papa Gregório VII, o impera-
dor Henrique IV respondeu-lhe em célebre carta enviada no dia 24 de janeiro de 1076
(BERMAN, 1997, p. 96). Acusando o papa de ser um usurpador e falso monge, além de
reclamar ordenação diretamente divina, o imperador encerra a epístola teatralmente dizen-
do ao papa: “Desça, desça [Descende, descende] para ser condenado por todas as eras!”
(HENDERSON, 1910, p. 312).

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CONCLUSÃO

A reforma gregoriana não se encerrou com o Dictatus papae, tampouco com a morte
de Gregório VII, mas se estendeu durante anos até ser celebrada a Concórdia de Worms
em que papa e imperador optaram pela media res, embora tendo este mais cedido do que,
eventualmente conquistado (BERMAN, 1997, p. 99). Todavia, a influência da reforma exce-
deria a mera controvérsia entre poder temporal e poder temporal, atingindo diversos ramos
da sociedade nos anos posteriores a 1075 (BERMAN, 1997, p . 99).
A influência sobre o direito é notável. A contenda entre papa e imperador levou os
partidários de ambos a vasculhar os antigos textos da Igreja em busca de argumentos que
sustentassem suas respectivas posições. Isso resultou no desenvolvimento da ciência jurí-
dica europeia (BERMAN, 1997, p. 103). Além disso, o papado compreendeu, com Gregório
VII, que, para garantir a sua autonomia, seria necessário compilar e controlar o direito da
Igreja (CUSHING, 1998, p. 34). Dessa forma, durante a reforma, Gregório VII lançará quatro
coleções de legislação canônica. Ainda no século XI, Ivo de Chartres fará o mesmo, inserin-
do comentários jurídicos acerca das normas da Igreja (GIBERT, 1982, pp. 83-84). Todavia,
caberá a Graciano, já no século XII dar um caráter de unidade a toda legislação canônica
no trabalho que ficará conhecido como Corpus iuris canonici (GROSSI, 2014, p. 250) e a
Gregório IX em expedir o primeiro código canônico no século XIII, proibindo compilações
privadas (GILISSEN, 2003, p. 148).
Por fim, a reforma gregoriana abriu espaço para o surgimento dos estados modernos.
Obstinado em sua luta contra o imperador, o papado negligenciou a ascensão do poder
dos reis (LE GOFF, 2019, pp. 84-85). Em 1303, os partidários de Felipe IV, de França, es-
bofeteiam o papa Bonifácio VIII em Agnani e este mesmo rei conduz o próximo pontífice,
Clemente V, para fora de Roma, ao “cativeiro” em Avignon. Surgem as obras como o Defensor
pacis de Marsílio de Pádua que definem uma nova cristandade, tendo os poderes temporal
e espiritual nitidamente separados. Dante, o último homem a defender a mistura entre os
poderes, morreu com o olhar voltado para o passado, em 1321 (LE GOFF, 2019, p. 86).

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03

A religião como virtude anexa da justiça


em Tomás de Aquino e o estado laico

Sérgio Ricardo Strefling


Universidade Federal de Pelotas - UFPel

Marcelo da Silva Fabres


Universidade Federal de Pelotas - UFPel

Marcos Antonio Schiavon


Universidade Federal de Pelotas - UFPel

'10.37885/220709635
RESUMO

A religião é uma das raízes fundamentais de todas as civilizações. Podemos criticar ou dis-
cordar das nossas origens, mas nem por isso elas deixam de existir. A religião, compreendida
como virtude, isto é, hábito operativo do bem, é uma extensão da virtude da justiça. Santo
Tomás de Aquino (1225-1274), filósofo e teólogo, foi professor em Paris e grande comentador
de Aristóteles no tempo áureo da origem das Universidades. Enfrentou muitas polêmicas
e sua obra caracteriza-se como um verdadeiro debate em que ele parte das objeções dos
que pensam de modo diferente dele, analisa e reponde as mesmas objeções. Os objetivos
do presente estudo são os seguintes: apresentar a religião como uma virtude anexa a vir-
tude da justiça analisada na obra Suma Teológica de Santo Tomás; demonstrar que este
é o sentido da religião na Tradição de nossa civilização, outrossim, a falta de compreen-
são deste significado conduz a reducionismos e ao sentimentalismo subjetivista; analisar
a virtude da religião considerando a relação entre fé, razão e ciência e as imbricações no
estado. A metodologia deste trabalho partirá da análise das fontes bibliográficas sobre a
temática e pretende contribuir com respostas as seguintes questões: 1. O que é virtude?
2. A religião é uma virtude que procede da justiça? A religião é superior as outras virtudes
morais? Há um fim último para o ser humano que deve ser considerado no estado laico?

Palavras-chave: Religião, Virtude, Justiça, Tomás de Aquino, Estado Laico.


A DEFINIÇÃO DE VIRTUDE

Todos nós realizamos atos involuntários e não pensados, que podem ser classificados
simplesmente como atos do homem, como por exemplo, respirar ou coçar a barba, ou seja,
ações que também encontramos nos animais irracionais. Mas, aqueles atos que procedem
da faculdade da inteligência e da vontade são chamados atos humanos, como por exemplo,
falar determinados conceitos ou deliberar tal ação. São os atos voluntários, e por estes pode-
mos ser responsabilizados. Os hábitos são os atos que atualizam as nossas potencialidades
ou inclinações. Na medida em que realizamos nossas inclinações em conformidade com a
natureza e a reta razão, então temos os hábitos que chamamos de virtudes. Não se deve con-
fundir o hábito com costume ou comportamento simplesmente. O hábito refere-se à atividade
mesma das faculdades, que ele pode deteriorar ou aperfeiçoar (VERNAUX, 1969, p.204).O
presente tema que ora estudamos encontra-se desenvolvido em centenas de páginas de
uma das mais volumosas obras, entre muitas outras, de Santo Tomás de Aquino. A Suma
Teológica trata da origem e do retorno do homem para Deus. Divide-se em três partes, sendo
que a segunda parte se divide em duas sessões. Tomás pode ser considerado um arquiteto
de ideias e sua obra uma harmoniosa catedral de palavras (NASCIMENTO, 2011, p. 13).
As virtudes, como elementos fundamentais, constituem um imenso e engenhoso tape-
te servindo de base para ética. Tomás de Aquino é original na forma como lega à tradição
filosófica e teológica o tema das virtudes, pois este é desenvolvido numa estrutura de mais
de trezentas questões que compõe a primeira e segunda partes da segunda parte da Suma
Teológica. Trata das virtudes no sentido moral da palavra, ou seja, como habilitações ou
disposições aos atos moralmente bons ou intelectualmente justos. Tomás nomeia e define
aproximadamente 50 virtudes. A expressão virtude, na obra do Aquinate tem também tem
outros significados. Pode ser uma abstração tanto do bem como do mal e implica somente
a eficácia do ato. Neste sentido, virtude (virtus) significa primeiramente força, energia, fonte
do impulso aos atos. Há virtudes permanentes e virtudes passageiras. Às vezes, aparecem
expressões como “em virtude de...” que pretendem remeter à causa própria de onde vem à
força, a energia, a eficácia, da qual depende a produção de um efeito, por exemplo, é em
virtude da moção divina que a causa segunda faz existir seu efeito (NICOLAS, 2009). A vir-
tude humana é um hábito de ação, um hábito bom e operativo do bem (unde virtus humana,
quae est habitus operativus, est bonus habitus, et boni operativus). É uma boa qualidade
da mente pela qual se vive com retidão, onde ninguém faz mal uso, e que Deus age em nós
sem nós. Esta definição compreende perfeitamente toda a essência da virtude. Com efeito,
a definição perfeita de uma coisa está composta de todas as suas causas. E a definição
enunciada compreende todas as causas da virtude. A causa formal da virtude, como a de
qualquer coisa, se toma de seu gênero e diferença, e se expressa ao dizer boa qualidade,

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pois o gênero da virtude é a qualidade, e a diferença, a bondade. Contudo, a definição seria
mais adequada se em lugar de qualidade se dissesse hábito, que é o gênero próximo. A causa
material é o sujeito da virtude que aparece quando se menciona que a virtude é uma boa
qualidade da mente. Quanto à causa final entende-se ao definir que a virtude é um hábito
que se ordena sempre ao bem. Portanto, para distinguir a virtude daqueles hábitos que se
referem ao mal, se diz: pela qual se vive com retidão (qua erecte vivitur). E sua distinção
dos hábitos, que umas vezes se inclinam ao bem e outras ao mal, se expressa nas palavras:
da qual ninguém faz mal uso (qua nullus male utitur).Por fim, a causa eficiente da virtude
infusa, de que trata a definição, é Deus. Razão por que se acrescenta “produzida por Deus
em nós, sem nós” (quam Deus in nobis sine nobis operatur). Se fossem suprimidas estas
palavras, então a definição seria comum para todas as virtudes, tanto infusas como adqui-
ridas (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p.93-99)1.

A VIRTUDE DA JUSTIÇA

A justiça é o hábito (habitus), pelo qual, com vontade constante e perpétua, se dá a


cada um o seu direito .Sendo toda virtude um hábito, que é princípio de atos bons, cumpre
definir a virtude por um ato bom, tendo por objeto a matéria mesma da virtude. Ora, a ma-
téria própria da justiça são os atos relativos a outrem, como a seguir se explicará. Portanto,
indica-se o ato de justiça em relação com sua matéria própria e o seu objeto, quando se diz:
“dar a cada um o seu direito”; porque, como diz Isidoro, “chama-se justo aquele que guarda
o direito”. Mas, seja qual for a matéria em que se exerça, um ato para ser virtuoso, há de ser
necessariamente, voluntário, estável e firme. Com efeito, Santo Tomás nos lembra Aristóteles
que afirma: Para o ato de virtude se exige: Primeiro, que se faça com conhecimento; segun-
do, com escolha e para um fim devido; terceiro, com firmeza inabalável. Ora, a primeira das
condições está incluída na segunda, pois o que é feito por ignorância é involuntário, segundo
Aristóteles. Por isso, na definição da justiça, menciona-se primeiro à vontade, para mostrar
que o ato de justiça deve ser voluntário. Ajunta-se, porém, a constância e a perpetuidade,
para indicar a firmeza do ato. Assim, pois, a referida definição da justiça é completa, a não
ser que se toma o ato pelo hábito, que é especificado pelo ato, já que o hábito se ordena
ao ato. Para dar a essa definição sua devida forma, bastaria dizer: “A justiça é o hábito,
pelo qual, com vontade constante e perpétua, se dá a cada um o seu direito”. Essa defini-
ção é quase idêntica à que Aristóteles enuncia: “a justiça é o hábito que leva alguém a agir

1 Apresentamos uma síntese da resposta sobre a discussão que Tomás realiza na questão 55 da primeira parte da obra Suma Teoló-
gica.

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segundo a escolha que fez do que é justo”. Ora, a primeira das condições está incluída na
segunda, pois o que é feito por ignorância é involuntário, segundo Aristóteles. Por isso, na
definição da justiça, menciona-se primeiro à vontade, para mostrar que o ato de justiça deve
ser voluntário. Ajunta-se, porém, a constância e a perpetuidade, para indicar a firmeza do
ato. Assim, pois, a referida definição da justiça é completa, a não ser que se toma o ato
pelo hábito, que é especificado pelo ato, já que o hábito se ordena ao ato. Para dar a essa
definição sua devida forma, bastaria dizer: “A justiça é o hábito, pelo qual, com vontade
constante e perpétua, se dá a cada um o seu direito”. Essa definição é quase idêntica à que
Aristóteles enuncia: “a justiça é o hábito que leva alguém a agir segundo a escolha que fez
do que é justo” (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p.54-75)2.

AS PARTES ANEXAS À VIRTUDE DA JUSTIÇA

Como a justiça é uma virtude que se refere ao outro, todas as virtudes referentes ao
outro poderão ser anexadas à justiça por esse mesmo motivo. É da essência da justiça dar
ao outro o que lhe é devido, de modo equitativo. De dois modos uma virtude que se refere
a outra é deficiente quanto à razão da justiça: de um modo, por lhe faltar a razão de igual-
dade; de outro, por lhe faltar a razão do devido. Há virtudes que consistem em dar ao outro
o que lhe é devido, mas não o fazem em igualdade: Em primeiro lugar, não se retribui em
igualdade, porque aquilo que se dá a Deus é devido, mas que não pode ser igual ao que se
recebeu de Deus a ponto de retribuir tanto quanto deve, segundo se lê no Salmo: “Como
retribuir ao Senhor tudo o que d’Ele recebi?”.
Por isso, acrescenta-se a religião à justiça, que consiste, segundo Cícero, em “apre-
sentar cerimônias e culto à natureza superior designada pelo nome de divina”.Em segun-
do lugar, não se retribui em igualdade aos pais, por tudo deles recebido, como esclarece
Aristóteles e, por isso, acrescenta-se a virtude da piedade, pela qual, segundo Cícero: “Aos
consanguíneos e benfeitores da pátria se tributa um culto diligente”. Em terceiro lugar, não
se retribui em igualdade à virtude dos outros, conforme diz Aristóteles. Por isso, acrescenta
à justiça a veneração pela qual, segundo Cícero: “Aqueles que são superiores por alguma
dignidade são cultuados e honrados”. Ademais, a insuficiência quanto ao devido por justiça
pode ser considerada segundo os débitos moral e legal; por isso, Aristóteles distingue esses
dois tipos de débitos. O débito legal consiste em retribuir aquilo que é determinado por lei.
Este débito propriamente pertence à justiça como virtude principal. O débito moral é aquele

2 Resumimos a ideias principais que são discutidas, entre as objeções e respostas dos artigos que compõe a argumentação da questão
58 da segunda parte da segunda parte da Suma Teológica.

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exigido pela honestidade da virtude. Como esse débito implica necessidade, manifesta-se
em dois graus: o primeiro grau implica tal necessidade, que sem ele não se conservará a
honestidade dos costumes; neste grau há, estritamente, o débito. Este débito pode ser con-
siderado da parte do devedor. O seu débito consiste em ter que mostrar-se ao outro quem de
fato é, por palavras ou atos. Assim, acrescenta-se a justiça a veracidade pela qual, segundo
Cícero: “Dizem-se, sem modificações, as coisas tais como foram, são e serão”. O segundo
grau refere-se a quem se deva o débito, enquanto se recompensa o outro por aquilo que fez,
às vezes, em bens. Acrescenta-se, então, a gratidão à justiça que, segundo Cícero, consiste
na “memória da amizade e dos bons serviços do outro e a vontade de remunerá-los”. Outras
vezes, trata-se de males, acrescentando-se, então, à justiça a punição, pela qual, segundo
Cícero, “se é levado a se defender da violência e do ultraje e de tudo o que é denigrante
e a castigá-los”. Portanto, as virtudes anexas ou subordinadas a justiça são nove: religião,
piedade, observância, gratidão, vindicta, verdade, amizade, liberdade e equidade natural
(TOMÁS DE AQUINO, 2005)3.

A VIRTUDE DA RELIGIÃO

Muitas ideias se afirmam sobre o que é a religião, para uns é um forma de comporta-
mento, para outros uma instituição ou simplesmente um sentimento. Neste estudo retomamos
aquele sentido que vigora na civilização ocidental, ou seja, a religião é uma virtude. Esta
compreensão é anterior e posterior a Tomás de Aquino, todavia, ele nos oferece importante
reflexão no seu longo tratado das virtudes. Santo Tomás apresenta a religião como uma das
virtudes mais importantes anexas a virtude da justiça, não se trata de uma virtude secundária.
Considerando as quatro virtudes cardeais ou morais (prudência, fortaleza, temperança e
justiça), ele destaca o que cada uma delas, concebida em sua noção essencial, contém de
específico. Sendo assim, a justiça comporta uma exigência de igualdade que a religião não
saberia manter nas relações entre o homem e Deus do qual ele proclama a transcendência,
exigindo submissão total por parte da criatura. Portanto, se a religião não realiza integral-
mente a definição de justiça, realiza da maneira mais perfeita a de virtude, ocupando entre
as virtudes um lugar especial. Na questão 81 da segunda parte da segunda parte da Suma
Teológica, Tomás faz três considerações: sobre a religião em si mesma, sobre seus atos, e
sobre os vícios opostos. Aqui, vamos apenas tratar da religião em si mesma, e sobre este
tema ele desenvolve oito artigos, cada um com diversas objeções e respostas. Pergunta-se:

3 Apresentamos uma síntese da explicação das virtudes anexas destacando a virtude da religião como gratidão a quem devemos.
Temos aqui a ideia principal do Tratado da Justiça na Suma Teológica.

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1. A religião consiste só na orientação para Deus? 2. A religião é uma virtude? 3. A religião
é uma só virtude? 4. A religião é uma virtude especial? 5. A religião é uma virtude teológica?
6. A religião deve ser preferida as outras virtudes morais? 7. A religião tem atos exteriores?
8. A religião é a mesma coisa que a santidade? Todavia, nosso intuito é tratar apenas da
segunda questão, a saber: a religião é uma virtude? Ao responder sobre esta questão, afir-
ma: “Virtude é a ato que torna bom quem a tem e boa a sua obra. Por isso, é necessário
afirmar que todos os atos bons pertencem à virtude. É evidente que pagar o devido a alguém
tem a razão de bem, porque o fato de alguém pagar o devido a outro, restabelece uma
relação conveniente com o outro, ordenando-se convenientemente com ele. Ora, segundo
Agostinho, pertencem a razão de bem a ordem, o modo e a espécie. Logo, como pertence
à religião prestar a devida honra a alguém, isto é, a Deus, torna-se evidente que a religião
é uma virtude”. Santo Tomás entende que a virtude da religião é uma virtude especial, mas
não é uma virtude teológica. As virtudes teológicas (fé, esperança e caridade) tem a Deus
como matéria ou objeto, mas para a religião é uma virtude moral, à qual pertencem as coisas
que são para o fim, a saber: o culto com os ritos, sacrifícios ou outras coisas semelhantes
(TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 281-294).

O FIM ÚLTIMO DO HOMEM E O ESTADO LAICO

Ao iniciar a análise sobre as virtudes humanas, Santo Tomás pergunta sobre o fim último
de cada pessoa humana e de todos as pessoas humanas. Existe um fim último? Propõe-se
o homem, com seus atos, alcançar algum fim último e supremo? Santo Tomás responde
que sim, pois se o homem não quisesse e não intentasse o seu fim último, nada poderia
nem intentar nem querer, por isso ordena todas as suas ações para a consecução do fim
último ou de modo consciente e explícito, ou implicitamente em virtude de certa espécie de
instinto racional. Este objeto tão desejado pelo homem é a sua própria felicidade. Acontece
que estando em suas mãos escolher entre muitos bens, pode confundir os verdadeiros
com os aparentes. Mas em que consiste objetivamente a felicidade do homem? Num bem
superior a ele, e o único capaz de acumulá-lo de perfeições. Este bem não consiste nas
riquezas porque as riquezas são coisa inferior ao homem, e incapazes, por si mesmas, de
aperfeiçoá-lo. Não consiste nas honras, porque as honras não dão perfeição, já a supõem,
sob pena de serem postiças, e se são postiças nada são. Este fim também não consiste na
glória e na fama, por serem, neste mundo, coisas frágeis e volúveis. Da mesma forma, não
consiste no poder, porque o poder não se dá para o bem próprio, senão para o dos outros e
está à mercê do capricho e do espírito de insubordinação. Tão pouco na saúde e na beleza
corporal porque são bens inconsistentes e passageiros e, além de tudo, só dão perfeição
ao exterior e não ao interior do homem. Tão pouco nos prazeres dos sentidos, porque são

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grosseiros demais, comparados com os gozos delicados da alma. Logo, o objeto da felicida-
de consiste nalgum bem que traz perfeição diretamente ao espírito, e este bem só pode ser
Deus, Sumo Bem, Soberano e Infinito (Suma Teológica I-II, 2, 1-8). Portanto, aqui Tomás
nos encaminha para a necessidade da prática das virtudes, como condição para atingir o fim
para o qual o homem foi feito, a saber: a felicidade (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p.31-60)4.
A felicidade (eudaimonia), possível nesta vida, porém a poucos, foi abordada por
Aristósteles quando tratou da virtude da sabedoria que pode ser alcançada por uma vida
contemplativa ou especulativa (Ética Nicomaquéia, Livro X). Trata-se da atividade mais exce-
lente do ser humano, que o assemelha ao ser divino, pois aí o homem contempla a verdade.
Santo Tomás fala da felicidade (beatitude), que só será possível, com a graça sobrenatural,
na visão beatífica ou fruição divina que é a realização de todas as potências intelectivas e
volitivas do homem. E isto o diferencia dos demais animais (STREFLING, 2019, p.20).
O estado laico na medida em que é entendido como o respeito e a tolerância a religião
professada pelas pessoas, seja na sua maioria, seja na sua minoria, que compõe este mesmo
estado, há de moderar os conflitos e por prudência garantir o bem comum, o que é a própria
missão do estado. Do contrário, se impor ou proibir a religião, haverá uma desarmonia en-
tre os diversos fins, próprios de cada pessoa e cada instituição, respeitando as diferenças,
com o fim último de todas as pessoas, a saber, a busca da felicidade que sem deixar de ser
imanente, parece claro, também é transcendente. O ser humano por mais bens e conquis-
tas que tenha, sempre deseja algo mais, pois busca o absoluto e não se contenta com o
relativo. O estado, seja adjetivado como confessional ou laico, não deve esquecer a máxima
de Jesus Cristo “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22, 21).
Neste contexto é que enquadra-se a religião como uma virtude anexa da virtude da justiça.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nosso estudo pretendeu refletir sobre a religião como um fenômeno que está, ine-
gavelmente, presente em nossa vida humana. Trata-se de uma realidade imanente que
manifesta a dimensão transcendente. O ser humano não pode fugir de si mesmo, daquilo
que ele é, portanto, a sua vida interior aponta sempre para a busca do algo mais, ou seja,
da própria felicidade como fim último ou fio condutor de todas as suas ações. Todo o agir
humano, como estudar, trabalhar, praticar esportes, alimentar-se, rezar, adquirir bens etc.
são atividades em busca da felicidade, além da necessidade de sobrevivência.

4 Ao iniciar seu longo tratado sobre ética, Tomás de Aquino pergunta sobre o fim último do homem. Trata-se da questão filosófica sobre
a felicidade humana, tema desenvolvido na primeira parte da segunda parte da Suma Teológica.

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A religião, segundo Santo Tomás e toda a tradição filosófica e teológica, apresenta-se
como uma virtude, um habitus. Entendemos como uma virtude anexa ou potencial à virtude
moral da justiça. A justiça, entendida como dar a cada um o que lhe é devido, encontra na
religião e em outras virtudes anexas (como a amizade, a gratidão e a verdade) a comple-
mentação que possibilita sua realização diante das diversas circunstâncias. Por exemplo:
na família e na escola, a justiça necessita da amizade e da gratidão entre pais e filhos e
professores e alunos.
O adjetivo laico é uma expressão que nos remete a sua origem grega “laikós”, que
significa do povo, da multidão, dos cidadãos. O estado laico significa um estado distinto da
religião, portanto, não confessional. Todavia, se faz mister lembrar que a maioria dos cida-
dãos laicos professam alguma religião. Ora, o estado não pode ignorar que os fins naturais
e sobrenaturais ou imanentes e transcendentes, ainda que sejam distintos, porém ambos
pertencem ao mesmo ser humano. Daí a necessidade do estado laico respeitar as minorias
e, também, as maiorias colaborando para a promoção da justiça, tendo em vista o bem co-
mum que implica, também, em reconhecer o transcendental que existe no humano.

REFERÊNCIAS
1. NASCIMENTO, Carlos Arthur. Um mestre no ofício – Tomás de Aquino. São Paulo:
Paulus, 2011.

2. NICOLAS, Jean-Hervé. Introdução e notas.In: Suma Teológica. V. 4. Petropólis:


Loyola, 2005.

3. TOMçS DE AQUINO. Suma Teológica. Texto latino-portugu s. V. 4 e 6. São Paulo:


Loyola, 2005.

4. STREFLING, Sérgio. As virtudes principais em Tomás de Aquino. Pelotas: Nepfil,


2019.

5. VERNAUX, Roger. Filosofia do homem. S‹o Paulo: Duas Cidades: 1969

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04
Desafios do ser e do fazer no Ensino
Religioso a partir da Base Nacional Comum
Curricular

Francisco Sales Bastos Palheta


SEDUC-AM

'10.37885/220207654
RESUMO

Este artigo objetiva apresentar uma abordagem panorâmica histórico-legal do Ensino Religioso
no Brasil Pré-Colonial, perpassando pelas diversas fases e etapas históricas do mesmo
até chegar à proposta do Ensino Religioso como Área do Conhecimento e Componente
Curricular da Educação Básica presente no texto da segunda versão da Base Nacional
Comum Curricular. Expõe-se o esforço de consolidação desta Área do Conhecimento e
Componente Curricular na Educação Básica pautada na pesquisa documental e na expe-
riência profissional, destacando a importância do diálogo entre ER e Diversidade Religiosa
brasileira. Apresenta questões pertinentes ao ser e ao fazer dos professores do ER nos dias
atuais. Por fim, instiga questões para futuros encaminhamentos, algumas pedagógicas e
didáticas sobre o Ensino Religioso, sob a responsabilidade dos Sistemas de Ensino, as que
propõem investigações científicas sobre a diversidade religiosa no Brasil, sob a iniciativa e
responsabilidade de pesquisadores, grupos e instituições de pesquisas.

Palavras-chave: Ensino Religioso, Área do Conhecimento, Componente Curricular, BNCC.


INTRODUÇÃO

Ao refletirmos sobre o Ensino Religioso presente na atual proposta de Base Nacional


Comum Curricular, precisamos olhar para o retrovisor e visualizá-lo, ainda que brevemente,
na História da educação brasileira, a qual sempre esteve ligada à história política, cultural e
da Igreja. Educação, Estado e Religião estiveram profundamente ligados ao longo da história
do nosso país, numa Relação nem sempre harmoniosa, mas que influenciou os rumos da
educação e da cultura. Este país, influenciado pelo pluralismo cultural e religioso teve e tem
influências de matriz indígena, europeia, oriental e africana, Um pluralismo que necessita
ser visualizado, compreendido, estudado e respeitado. Uma realidade singular que ainda
não está plenamente incluída em nossas propostas educativas.
No Ensino Religioso do Brasil, percebemos que há uma significativa relação entre a
religião, a educação e o estado, e algumas destas influências ainda estão arraigadas na
estrutura educacional, mesmo depois de mudanças paradigmáticas e legislativas. Diante da
realidade global na qual vivemos, novas posturas docentes são exigidas para que a educa-
ção possa continuar sendo uma referência na construção de um mundo melhor. A escola,
divide a tarefa de educar com outros espaços e ambientes educativos, assume um novo
papel no processo educacional.
O professor assume a responsabilidade de construir os conhecimentos nas relações
que estabelece e um novo perfil docente para o Ensino Religioso vai sendo construído a partir
dessas necessidades educativas. Uma postura que o faz interagir mais com os educandos.
Segundo Cabanas essa interação que acontece no processo pedagógico não é neutra. “É
muito difícil educar um indivíduo sem influenciá-lo; no limite diríamos que é impossível, (...)
o educador corre sempre o risco de dar algo de si ao seu educando.”2
Ao longo da história, percebemos que muitos avanços foram conquistados e podemos
dizer que estamos construindo novos pressupostos teóricos e metodológicos para o ER no
Brasil, mediado pelo diálogo, pela reflexão, pela partilha e pela construção de caminhos de
inclusão e respeito às diversidades culturais e religiosas do povo brasileiro. Um diálogo que
produz conhecimentos sobre a religiosidade, mas que transcende o aspecto confessional,
dogmático e doutrinal das instituições religiosas, assumindo critérios rígidos de cientificidade
capaz de compreender os fenômenos religiosos, respeitando as crenças, criando-se nas
escolas um espaço para a reflexão sobre a religiosidade humana como algo intrínseco à vida,
independente do seguimento ou não de uma religião. Surge então uma nova função para o
educador que, além do conhecimento historicamente construído, precisa compreender a reli-
giosidade para a partilha e o diálogo; aspectos essenciais deste Ensino Religioso na BNCC.
Olhando para a história, podemos perceber que, quando os colonizadores aqui che-
garam, não estavam preocupados com a formação cultural, religiosa e intelectual do povo,

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antes procuravam um meio de participação e inserção nesta cultura e terra a que estavam
chegando. O jeito escolhido para tomar posse destas terras foi impondo a sua cultura, seus
costumes, sua visão de mundo e nela sua religião. Ao tomar posse desta terra e explorar
suas riquezas, acabaram destruindo a maior de todas elas que é a cultura dos povos, seus
costumes e suas crenças.
Somos fruto de uma cultura que, influenciada por um determinado paradigma e uma
concepção de mundo e de vida, gerou certas consequências desumanas se olharmos com
a visão de hoje. Não se trata de encontrar responsáveis, mas de compreender, fazer uma
memória ética dos fatos e reconstruir o que ainda está ao nosso alcance enquanto educa-
dores, para que este passado de destruição e desrespeito não continue hoje em nossas
escolas, ainda que de forma sutil, excluindo e ignorando as crenças e os costumes dos
povos que formam esta nação.
Ao longo dos primeiros quatro séculos, este país foi formatado como possuidor de
uma sociedade unirreligiosa. Tendo o catolicismo como religião oficial, coube aos Jesuítas
a tarefa de junto com a Coroa Portuguesa fazer com que o povo se integrasse aos valores
da sociedade europeia. Junto com a garantia da salvação, o batismo na Igreja Católica lhes
garantia o direito de serem reconhecidos como cidadãos brasileiros.
Até a Proclamação da República no Brasil, o Ensino Religioso era catequético e buscava
a conversão de todos ao catolicismo. A partir da República, ele passa a ser área de conflito
explícito, pois a partir deste momento histórico, o ensino no Brasil deveria ser leigo e não
mais tutelado por nenhuma tradição religiosa. Este foi o argumento em todas as Constituintes
brasileiras republicanas. Adota-se a concepção de Estado laico, onde este não assume uma
confissão, mas permite a liberdade aos cidadãos para professarem suas crenças.
O pluralismo religioso já marcava a sociedade, mas até a Proclamação da República
eram proibidas manifestações públicas de outras tradições religiosas. A partir da República,
observa-se uma mudança profunda nesta realidade, pois a separação institucional entre
Estado Brasileiro e a Igreja Católica dava início à abertura para o reconhecimentos legal
do valor da nossa diversidade religiosa. A primeira Constituição Republicana afirma que:
“será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos oficiais de ensino”. Influenciados pela
interpretação francesa da “neutralidade escolar”, os legisladores do regime republicano as-
sumiram a expressão “ensino leigo” como a ausência de elementos oriundos das crenças
dos cidadãos que frequentavam as escolas mantidas pelo sistema estatal.
Segundo Junqueira,

“A discussão na organização escolar não era apenas quanto ao modelo do


Ensino Religioso, mas também da concepção de educação como um todo,
revelando uma oscilação entre a influência humanista clássica e a realista,
ou científica”.

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Mais que uma questão religiosa havia uma mudança de paradigma em discus-
são. Na República o Estado assumiu a responsabilidade de organizar a rede de ensino pú-
blica e gratuita para todos e por meio da Constituição de 1934 estabelece um Plano Nacional
de Educação. Em seu artigo 153 declarava:

“O ensino religioso será de matrícula facultativa, e ministrado de acordo com


os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou res-
ponsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias,
secundárias, profissionais e normais”.

Inicia-se aqui a abertura à diversidade religiosa do povo brasileiro e mantêm-se o


estudo da religiosidade por considerar importante para a formação integral do ser humano.
A introdução do Ensino Religioso nas escolas teve também um caráter político e ideoló-
gico. Ao identificar “formação moral” com a educação religiosa e transferir desta forma para
a Igreja a responsabilidade da formação moral do cidadão, o governo não apenas responde
às exigências dos educadores católicos, que reclamavam para a igreja essa tarefa, mas
também se mostra fiel à sua concepção autoritária, pelo estabelecimento de mecanismos
para reforçar a disciplina e a autoridade.
Na Constituição de 1946, o Ensino Religioso é contemplado como dever do Estado para
com a liberdade religiosa do cidadão. A Lei de Diretrizes e Bases 4.024/61, artigo 97, produz
algumas modificações que restringem o seu espaço no sistema educacional e enfraquecem
a responsabilidade do estado para com o seu conteúdo e para com os seus professores.
“Os enunciados ‘sem ônus para os cofres públicos’, ‘de acordo com a confissão religiosa dos
alunos’ e ‘formação de classe para o Ensino Religioso’ apontam para um ensino confessional,
desintegrado do conjunto das disciplinas do currículo e discriminado por classes especiais.”
Em 1986 ocorrem algumas mudanças nas concepções paradigmáticas vigentes.
Instaura-se uma crise cultural que afeta toda a sociedade. Neste período acontece o pro-
cesso de abertura política no país; difunde-se a liberdade de imprensa; volta-se a debater as
questões de educação e religião. Ganham força os debates sobre a Teologia da Libertação,
e o fenômeno da diversidade religiosa torna-se mais evidente. Os movimentos sociais e
culturais se afirmam conquistando seu espaço e liberdade de manifestação.
O Ensino Religioso sofre profundos questionamentos sobre a sua identidade na
Educação Básica. Inicia-se um movimento que busca assegurar o respeito à diversidade
cultural e religiosa do Brasil. Até a aprovação da nova LDB o Ensino Religioso passa a ser
alvo de inúmeras discussões e polêmicas. De um lado, os defensores de sua permanência
na escola, do outro, os defensores de sua exclusão. Ganha força o movimento que busca a
sua permanência na escola, ressaltando a importância de o educando compreender a sua
dimensão religiosa, permitindo encontrar respostas aos seus questionamentos existenciais,
construindo um sentido para a sua vida e respeitando as diferenças.

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Depois de alguns anos tramitando no congresso e de muitos debates, no dia 20 de
dezembro de 1996 foi sancionada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
sob nº. 9.394/96. Com uma visão progressista possibilitou inúmeras mudanças na educação
e também no Ensino Religioso expresso no artigo 33. Inovações na compreensão e organi-
zação deste componente, mas acabou inviabilizando a sua prática. Dizer que é de matrícula
facultativa e sem ônus para os cofres públicos foi decretar a sua saída do currículo. E em
22 de julho de 1997 é aprovada a lei 9.475/97 alterando o artigo 33 da LDB que passa a ter
a seguinte redação:

O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação


básica do cidadão, constituindo disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultu-
ral religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º - Os
sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos
conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação
e admissão dos professores. § 2º - Os sistemas de ensino ouvirão entidade
civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição
dos conteúdos do ensino religioso.

No afirmado acima percebemos a ambivalência legal, pois ao mesmo tempo em que


declara ser o Ensino Religioso de matrícula facultativa, afirma ser parte integrante da for-
mação básica e necessária para o ser humano. Esta redação agradou mais às instituições
religiosas do que a anterior.
Vimos que o contexto como um todo influenciou as experiências desenvolvidas com
Ensino Religioso. Uma nova concepção também surge a partir do contexto quando realida-
de é pensada, estudada, compreendida e debatida. Uma esta nova proposta surge quando
os sujeitos envolvidos são capazes de provocar esta mudança. É preciso compreender a
dimensão política da problemática epistemológica e perceber o valor teórico, social e peda-
gógico do estudo da religiosidade para a formação do educando.
Como disciplina integrante do sistema educacional na sua globalidade, o Ensino
Religioso é o processo de educação da dimensão religiosa do ser humano que, na busca da
razão de existir, realiza a experiência do religioso, num movimento de relação profunda con-
sigo mesmo, com o mundo cósmico, com o outro, seu semelhante, e com o Transcendente.

A área do Ensino Religioso não se reduz a apreensão abstrata dos conhe-


cimentos religiosos, mas se constitui em espaço de vivencias e experiên-
cias, intercâmbios e diálogos permanentes, que visam ao enriquecimento
das identidades culturais, religiosas e não religiosas. Isso não significa a fu-
são das diferenças, mas um constante exercício de convivência e de mutuo
reconhecimento das raízes culturais do outro/a e de si mesmo, de modo a
valorar identidades, alteridades, experiências e cosmovisões, em perspectivas
interculturais. (BNCC, p. 173)

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Wolfgang Gruen, ampliou o debate e as definições sobre o Ensino Religioso, estudio-
so de Paul Tillich foi buscar nele a concepção de religiosidade como algo intrínseco ao ser
humano, enquanto uma dimensão de profundidade de todas as dimensões humanas. Para
Tillich a religião não é a instituição na qual se realiza o contato entre Deus e o homem, mas
ser religioso significa estar apaixonado pela pesquisa do sentido da vida e estar aberto a
qualquer resposta que possa surgir. “A vida sob a dimensão do espírito se expressa numa
função que é definida pela autotranscedência da vida, isto é, religião.”
A religião é a busca por uma resposta pelo sentido da vida. “A realização da busca da
vida sem ambiguidade transcende qualquer forma ou símbolo religioso no qual possa se
expressar.” Essa concepção de religiosidade de Tillich nos aponta perspectivas de diálogo
inter-religioso. Num pensar nas fronteiras, institui o diálogo crítico como forma de ampliar a
compreensão dos fenômenos.
A LDB e as leis que se sucederam trouxeram avanços significativos em termos de
reconhecimento do ER como uma disciplina curricular no sistema de ensino fazendo parte
da formação básica, dando-lhe status, porém a sociedade continua dividida quanto à sua
aceitação. Alguns ainda o defendem como ensino de uma Religião, e por isso encontram
muitas resistências no seu desenvolvimento. Nos depoimentos percebemos a resistência
de estudantes, professores, escolas e pesquisadores em relação ao desenvolvimento das
aulas de ER. Por falta de qualificação muitos desses educadores acabam ministrando aulas
de forma catequética, confessional e proselitista, criando um sentimento de rejeição.
Por outro lado, há um movimento significativo que reconhece o ER como um componen-
te curricular que não pode ser ignorado no fazer educativo das escolas. Existe um patrimônio
religioso que faz parte da cultura e da vida do brasileiro e ninguém tem o direito de privati-
zá-lo nas instituições religiosas e que as demais Áreas do Conhecimento e Componentes
curriculares abordam. Todos têm direito de conhecer este patrimônio cultural religioso que
pertence à humanidade. Negar o acesso a ele é negar um dos aspectos centrais da vida hu-
mana que é a religiosidade. Neste sentido a BNCC aponta para o ER a responsabilidade de

Propicia ao estudante aprimorar progressivamente sua capacidade de leitura


de mundo, ampliando conhecimentos referentes as diversidades, educando-o
na e para a alteridade, na perspectiva dos Direitos Humanos. Desta maneira o
Ensino Religioso contribui para a formação ética, estética, sensível e politica
possibilitando que se reconheçam e se valorizem enquanto sujeitos que se
apropriam de saberes produzindo cultura nas relações com outras pessoas e
com a natureza. (BNCC, p. 322)

Entende-se também que a Escola é o espaço de construção de conhecimentose prin-


cipalmente de socialização dos mesmos historicamente produzidos e acumulados. Como
todo conhecimento humano é sempre patrimônio da humanidade, o conhecimento religioso

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deve também estar disponível a todo sos que a ele queiram ter acesso. Assim enten-
dido o ER oferece

O acesso a conhecimentos que favoreçam uma reflexão sobre a diversidade


cultural e religiosa contribui para o desenvolvimento de atitudes investigati -
vas dos/das estudantes, possibilitando-o analisar criticamente a sociedade,
compreender posicionamentos éticos relacionados as tradições religiosas e
filosofias de vida em distintos contextos socioculturais, econômicos, políticos
e ambientais, respeitando e valorizando os diferentes grupos étnicos em suas
diversidades. (BNCC, p 494)

O ER apresenta-se como um espaço e o tempo para o diálogo entre educadores e


educandos, aqui o conhecimento religioso sai do âmbito das instituições religiosas e ganha
espaço de discussão em nível científico. Supera-se a visão fragmentada que separou o
mundo profano do sagrado, a fé da razão e busca-se integrar todos os conhecimentos va-
lorizando o ser humano em todas as suas dimensões.
Na BNCC, compreende-se o saber religioso como um conhecimento humano e
o ER está, portanto, integrado às demais áreas do conhecimento, fazendo parte dos com-
ponentes curriculares do sistema de ensino.

Na Base Nacional Comum Curricular, o Ensino Religioso, de caráter notada-


mente não confessional, embora apresentado como um área especifica, em
conformidade ao previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental de nove anos, articula-se de modo especial a área de Ciências
Humanas. Essa articulação se deve a proximidade e as conexões existentes
com as especificidades da Historia, Geografia, Sociologia e Filosofia, de modo
a estabelecer e ampliar diálogos e abordagens teórico-metodológicas que
transcendem as fronteiras disciplinares.(BNCC, p. 175)

Deve-se trabalhar a partir de uma proposta interdisciplinar, associando-o aos demais


saberes, relacionando crenças, cultura e vida. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais des-
taca-se a necessidade da integração entre o aspecto religioso e a cultura: “Cada cultura tem,
em sua estruturação e manutenção, o substrato religioso que a caracteriza. Este o unifica à
vida coletiva diante de seus desafios e conflitos”. Assim cada cultura vivencia e expressa a
sua religiosidade de maneira diferente, produzindo conhecimentos diversos.
A religião é um elemento integrador nas culturas, uma das primeiras instituições co-
munitárias a serem constituídas é a religiosa, ela se tornou o ponto de encontro e de apoio
da cultura, dos costumes e da religiosidade do povo.
Segundo Paul Tillich, “as autoafirmações ôntica e espiritual precisam ser distinguidas,
mas não podem ser separadas. O ser humano inclui sua relação comas significações. Seu
ser é espiritual, mesmo nas expressões mais primitivas do mais primitivo ser humano”. O hu-
mano é um ser espiritual e seu mundo é aquilo que ele é, suas significações e seus valores.

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O fenômeno religioso, o objeto de estudos da Área de Conhecimento e Componente
Curricular do Ensino Religioso, para a Educação Básica, na BNCC, não deve ser visto
a partir da crença das pessoas. Este conhecimento religioso ganha, na escola, um espaço
de estudo científico, onde não se centra a discussão nas crenças, mas nas manifestações
desta na cultura e na vida do povo. Atualmente vivenciamos profundas reflexões quanto aos
processos educativos, principalmente no que se refere ao papel de quem ensina. O centro
desloca-se do processo de passar informações para a complexa relação que se estabelece
entre o educando, o educador e as informações.
O texto da BNCC enfatiza o dinamismo do processo educativo passa pela experiência
de vida desenvolvidos, pelos conhecimentos historicamente construídos e pela construção
de novos conhecimentos. Enfatiza-se a competência relacional científica com as diferentes
condições culturais em que se está inserido.

Os conhecimentos escolares do Ensino Religioso precisam abarcar a diver-


sidade cultural religiosa, problematizando as ambivalências dos discursos e
estruturas religiosas, sem qualquer forma de proselitismo. Evita-se conceber
a área de Ensino Religioso como o estudo das religiões em si mesmas, ou
dos conhecimentos religiosos que predominam em determinados ambientes
acadêmicos, que por vezes idealizam contribuições de algumas religiões na
sociedade, podendo produzir leituras etnocêntricas e monoculturais. (BNCC,
p. 173)

Nenhum processo educativo se constitui eficiente sem um bom educador. Cabe a


ele, possibilitar que a escola se transforme em um espaço educativo, de partilha, reflexão
e construção de saberes. Qualquer mudança na área educacional passa pela formação
e valorização dos professores. No Brasil ainda estamos engatinhando no que se refere a
cursos de formação de professores de Ensino Religioso. Existem pouquíssimos cursos de
Licenciatura em Ciências da Religião: com habilitação em Ensino Religioso, a Pedagogia e
cursos de Normal Superior que formam professores para os anos iniciais não forma para o
ER, as especializações que habilitariam os já licenciados para atuarem no ER são poucas.
Enquanto a qualificação nesta área é construída, muitos buscam por conta própria desen-
volver a auto formação necessária para o bom exercício da profissão.
Na atual proposta de BNCC está claro que além da cultura religiosa, elementos da
filosofia, da antropologia, da psicologia, da sociologia, da história e da geografia são im-
portantes para melhor compreender e dialogar sobre o fenômeno religioso. Frente a isso,
faz-se necessário uma formação específica em que sejam contemplados, entre outros, os
conteúdos: Culturas e Tradições Religiosas; Escrituras Sagradas; Teologias comparadas;
Ritos e Ethos, garantindo formação adequada ao desempenho de sua ação educativa.

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Mais que habilidades inatas e carismas pessoais, o professor precisa desenvolver
constantemente suas habilidades e competências para um bom desempenho docente. Além
disso, o ato de educar nos projeta ao futuro, nos remete à responsabilidade de desenvolver-
mos competências e habilidades nos educandos para que possam construir conhecimentos
e inserissem na sociedade em que vivem.

O Ensino Religioso contribui para aprofundar aspectos relacionados a cons-


trução de identidades a partir de relações de alteridade, nas quais o respeito
e acolhimento as diferenças, de gênero, classe social, religião, raça, dentre
outras, e condição para a construção de relações mais justas e solidarias entre
os/as estudantes. (BNCC, p. 322)

O educador de ER tem muitos desafios. Ele precisa estar aberto ao outro, conviver
com o diferente, conhecer e acolher as verdades de fé das tradições religiosas e precisa ter
clareza da sua religiosidade para acolher a experiência religiosa dos educandos. Segundo
Elli Benincá, o educador de Ensino Religioso deve ser um investigador consciente da diver-
sidade religiosidade. A sala de aula é o local de aprender, mas principalmente de partilhar
e de construir conhecimentos, relações e significados para a vida.
É preciso que sejam criadas oportunidades para favorecer o professor no que diz
respeito a auto compreensão de sua religiosidade. São vitais para que a experiência do
professor antecipe a do estudante, questionando sua própria religiosidade, identificando a
qualidade de suas experiências e, reconhecendo-as como suas e particulares, desenvolva
condições adequadas ao seu processo de crescimento interior.
Partilhamos as experiências que vamos construindo nas relações que estabelecemos
com os outros e com o sagrado. “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina
ao aprender.” Ensinamos aquilo que somos. E o que aprendemos ajuda-nos a ser o que
somos. Na concepção da BNCC o ER não é a transmissão de informações e conhecimentos
religiosos de uma ou de várias tradições religiosas como foi ao longo da história da edu-
cação brasileira.
É fácil identificar, isolar e estudar a religião como o comportamento exótico de grupos
sociais restritos e distantes. Mas é necessário reconhecê-la como presença invisível, sutil,
disfarçada, que se constitui num dos fios com que se tece o acontecer do nosso cotidia-
no. A religião está mais próxima de nossa experiência pessoal do que conseguimos admitir.
A religiosidade é um dado da realidade que precisa ser conhecido e compreendi-
do. É um aspecto do desenvolvimento integral da pessoa e deve estar presente em sua
formação. A religiosidade vivida integralmente de forma madura e equilibrada nos conduz a
uma responsabilidade social pelo bem-estar pessoal, comunitário e planetário. Motivo pelo

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qual na BNCC os conhecimentos que embasam o ER devem ser buscados primordialmente
nas Ciências da Religião.

Diante das perspectivas elencadas, o Ensino Religioso não pode ser conce-
bido como ensino de uma religião ou das religiões na escola, porque busca
construir, por meio do estudo dos conhecimentos religioso se não religiosos,
atitudes de reconhecimento e respeito, ao mesmo tempo em que instiga a
problematização das relações entre saberes e poderes de caráter religioso,
presentes no contexto social e escolar. (BNCC, p. 176)

Na perspectiva da BNCC, o educador precisa estar preparado, ser sensível e aberto ao


pluralismo religioso e cultural e trabalhar a partir de um ponto de partida mais universal para
o ser humano, como as perguntas sobre o sentido da vida, a busca humana pelo sagrado,
pelo transcendente. É a partir das perguntas que surgiram as religiões, e é através delas
que acontece o processo de aprendizagem. O professor de Ensino Religioso não é aquele
que dá respostas doutrinais às perguntas dos educandos, mas aquele que os questiona,
que possibilita a construção de seus conhecimentos sobre a diversidade do fenômeno re-
ligioso, podendo ou não a partir destes conhecimentos construir os sentidos e significados
para a sua vida.
A razão científica dialoga com as filosofias de vida, o mito, o símbolo, a poesia, os ri-
tuais, pessoais e institucionais, construtoras de conhecimentos que precisam ser estudadas
e compreendidas. São linguagens diferentes que trazem significados profundos para avida
humana, linguagens simbólicas que geram verdades existenciais.
Para finalizar, trago as palavras de Mário Sérgio Cortella quando fala que o “Ensino
Religioso é parte fundamental da tarefa educativa”, incluindo a dimensão religiosa no de-
senvolvimento do ser humano, e a educação tem esta missão. Continua ele afirmando que
o Ensino Religioso precisa de “robusta base científica”, isto é, o seu estudo não é tarefa de
instituições religiosas, mas possui um princípio epistemológico que permite o seu conheci-
mento sem proselitismo e doutrinação, mas enquanto Ciência da Religião e da Religiosidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É preciso despertar em legisladores, gestores educacionais, professores, pais e edu-


candos a percepção da importância do ER no processo educativo; é preciso que o educador
de ER respeite o ser humano e as suas crenças; que acredite em si, nos outros pois assim
terá mais facilidade para dialogar com os outros, respeitar a diversidade religiosa, não fazer
proselitismo e construir conhecimentos com os estudantes.
Uma vivência fundamentada no respeito às diferentes crenças no transcende a expe-
riência mística e o encontro divino-humano. Uma fé que para Tillich é a base da coragem de

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ser, e “a coragem de ser está enraizada no Deus que aparece quando Deus desapareceu
na ansiedade da dúvida”. Continua Tillich, afirmando que o homem poderá dominar a ines-
capável ansiedade que o cerca por meio da coragem de aceitar as dimensões do mundo
em que vive da coragem de estar só, e da coragem de participar do poder do criador que
existe em todo ser humano.
Urge que os educadores saibam aproveitar o espaço do ER que existe em nossas
escolas para criar uma consciência crítica em relação à dimensão religiosa da vida e da
compreensão dos fenômenos. Que permita que as pessoas possam compreender-se como
seres religiosos ou não e que interajam de modo saudável tendo por base o respeito. É ne-
cessário que o educador se perceba como apito para dialogar com os outros e respeitar esta
dimensão humana em seu fazer educativo.
Para um ER adequado às exigências legais e a diversidade religiosa do Brasil faz-se
necessário formar educadores habilitados especificamente para esta Área do Conhecimento
e Componente Curricular da Educação Básica, por meio da oferta da Licenciatura em Ciência
das Religiões, pois, quanto mais qualificado estiver o educador neste sentido, melhor será
o serviço educacional por ele prestado.
Se queremos ensinar o valor e o respeito à diversidade religiosa existente no território
seja este nacional ou local temos que produzir conhecimentos científicos sobre a mesma e
tornar estes conhecimentos acessíveis às estudantes do ensino Fundamental. Se ensinamos
História, Geografia, Matemática, Língua Portuguesa é porque as conhecemos. No ensino
Religioso os saberes não se constroem de modo diferente.
Os documentos conhecidos e analisados, bem como autores utilizados no diálogo
indicaram para a seguinte necessidade: Faz-se urgente desenvolver e propiciar uma explo-
ração científica abrangente capaz de produzir conhecimentos e reflexões críticas sobre as
representações acerca das Tradições Religiosas presentes na sociedade e, assim, desfazer
modelos e generalizações, possibilitando a construção de conhecimentos mais próximos
da realidade, valorizando o diálogo entre as culturas e povos é tarefa de responsabilidade
das instituições de ensino de Nível Superior, de grupos de pesquisas e de pesquisadores
individualmente, caso isto não se promova, poderá se constituir em omissão e/ou precon-
ceito institucional.
Práticas feitas sem um conhecimento científico que não dê a compreensão de que os
desafios culturais são os frutos de uma consciência coletiva que foram sendo construídas
em séculos de história, que folclorizam as populações indígenas e negras, acabam por
trazer um discurso e prática vazios de significado. Há que se investir no conhecimento
dos diversos aspectos do Fenômeno Religioso para que a atuação docente seja algo que

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promova transformações e contribua ainda mais para que a escola se torne um bem público,
pertencente e aberto a todos. Numa palavra inclusiva.

REFERÊNCIAS
1. BRASIL – MEC (2016). Terceira versão do texto da Base Nacional Comum Curricular:
SEB, Em http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acessado em 10/09/2016.

2. CABANAS, José Maria Quintana, (2002). Teoria da Educação: concepção antinômica


da educação. Porto, Portugal: ASA Editores.

3. FONAPER, (1998). Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Religioso. São


Paulo: Ave Maria.

4. JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo, (2006). Ensino Religioso um histórico proces-


so. In: JUNQUEIRA e BRASIL. Lei 9.475/97 do Conselho Nacional de Educação.
Disponível em:http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em:
fev., 2006.

5. FIGUEIREDO, Anísia (1995). Ensino Religioso, Perspectivas Pedagógicas. Petró-


polis: Vozes, p.110.

6. TILLICH, Paul, (1984). Teologia Sistemática. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Ed.
Paulinas, p. 460.

7. TILLICH, Paul, (1976). A Coragem de Ser: baseado nas Conferencias Terry, pronun-
ciadas na Yale University. ed. Trad. Eglê Malheiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 39.

8. TILLICH, Paul, (2002). Dinâmica da Fé. Trad. Walter Schlupp. São Leopoldo: Sinodal.

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Deus, justiça e a linguagem do amor ético


em Emmanuel Lévinas e Herculano Pires

Rogério Luis da Rocha Seixas


UERJ

Edson Santos Pio Júnior


UNIGRANRIO

'10.37885/220709602
RESUMO

Partindo da refutação comum ao tema da morte de Deus, que passou a imperar no século
XX, objetivamos estabelecer um diálogo entre os filósofos Emmanuel Lévinas e Herculano
Pires, destacando o modo como cada um trata a relação entre a linguagem do amor ético e
da justiça, marcando uma alteridade mediada pela transcendência. Para Lévinas o sujeito
é constituído pelo outro, embora algumas vezes o filósofo tenha em mente o outro infinito,
ele também está certo de que essa infinidade só se faz conhecer pelo rosto de outra pessoa
que carrega consigo uma exigência da transcendência. Pode-se dizer que o outro está ali,
ele não sou eu e por essa razão se constitui uma alteridade. Pires percebe no amor ético
ao próximo, a possibilidade para o encontro que marca a relação moral entre o eu e este
próximo, pois a solidão do ser gera a busca do outro. Este amor é difuso e abstrato, con-
cretizando-se na subjetividade humana, encontrando em cada ser os motivos de afinidade
que nos fazem perdoar seus defeitos e amá-los. Ainda, segundo a análise piresniana, o
amor ético ao próximo define a ação relacional do indivíduo com o outro e tem sua causa
na profundeza das exigências ônticas, nas fontes do Ser. Este amor ético atinge o seu alvo
principal que é a transcendência e nele se transfunde. Por sua vez, Lévinas abandona a
concepção do amor formulada pela tradição da filosofia ocidental, isto é, o amor ao saber,
transformando sua semântica para compreendê-lo como justiça, porque a face do outro sú-
plica por ela e, portanto, a exige. O amor ético pelo outro se tece na afecção do rosto/corpo
do outro, anterior ao estatuto da ontologia. Segundo Pires, somente com o estabelecimento
do amor ético ao próximo, que liberta o homem da brutalidade, da arrogância e do egoísmo,
poderemos estabelecer na Terra uma civilização de justiça. Lévinas acentua que é vital a
responsabilidade para com a liberdade na relação com o outro, propondo a afirmação de que
a liberdade seria impossível sem esta responsabilidade, e anularia a relação de alteridade
pois destruiria as noções de justiça e de amor. Herculano também afirma que é essencial
existirem as condições para a liberdade, pois para o filósofo brasileiro, sem as estruturas do
seu próprio ser, do meio em que vive, da sociedade e da cultura a qual pertence, o homem
não poderia fazer uso da liberdade de ser e fazer. Tais condições, defende o autor, são
necessárias para que haja o sentido de responsabilidade e a possibilidade de justiça, assim
como para a constituição da relação de amor ao próximo. Lévinas defende que o homem
pode libertar-se da ilusão do controle total que o leva à egolatria e ao exercício da violência
do poder do conhecimento, que degenera em manipulação e domínio entre seus iguais.

Palavras-chave: Alteridade, Amor Ético, Justiça, Liberdade, Transcendência.


INTRODUÇÃO

As questões existenciais como a angústia, o desespero, a liberdade e a solidão tive-


ram seu início a partir da reflexão filosófica do dinamarquês Soren Kierkegaard, ao focar
tanto a preocupação pelo indivíduo, quanto a sua responsabilidade pessoal. A filosofia de
Kierkegaard, naturalmente o colocou na história como sendo a de um filósofo existencia-
lista cristão, pois defende que a própria essência humana corresponde a um atributo de
Deus. No século XX com o comunicado da morte Deus, as filosofias da existência tomam
seu lugar no mundo como campo de debate entre o assim denominado existencialismo ateu,
que nega a essência da natureza humana, como no caso da filosofia de Jean Paul Sartre e
o existencialismo cristão que encontra seu representante em Gabriel Marcel.
Partindo da refutação comum da morte de Deus e objetivando estabelecer um diálogo
entre o célebre filósofo francês Emmanuel Lévinas e o filósofo brasileiro José Herculano
Pires, procuramos abordar as questões da transcendência, justiça, linguagem do amor ético,
liberdade e subjetividade em cada um dos filósofos a partir de suas obras principais.
Na concepção de Lévinas, o conceito de Deus atinge a sua significância e permanên-
cia na esfera ética da responsabilidade por outrem. Deus se manifesta não como conceito
onto-teológico, mas se fazendo presente por uma alteridade. O rosto do outro é o vestígio
do Infinito, pelo qual Deus se revela. Desvincula-se a noção de Infinito do âmbito de captá-lo
enquanto mero conhecimento, vinculando-o ao desejo enquanto movimento em direção ao
Outro e que se expressa como pura transcendência. A ideia de Deus a partir de outrem, foge
ao controle da razão objetiva e se manifesta através da “passividade que não se recupera em
uma tematização ...a Ideia de Deus é ...afetividade, ou seja, Amor” (LÉVINAS, 1980, p.279).
Em Herculano, a concepção existencial de Deus parte da ideia de Deus no homem, do
seu anseio de transcendência e seu desejo natural do bem (PIRES, 2000, p.30). Segundo
o filósofo, nos enganamos quando transformamos a transcendência ou Deus em uma mera
ideia, pois não o experimentamos como nossa essência, onde “Deus não é o Existente
Absoluto apenas por existir além das nossas dimensões, mas porque determina o homem
como existente e participa da existência humana (PIRES, 2000, p.32).
No decorrer do artigo, iniciamos nossa discussão a partir da temática da transcendência,
da linguagem do amor ético e da subjetividade pelo estabelecimento de um diálogo entre
dois filósofos de tradições diferentes, mas que apresentam pensamentos semelhantes dire-
cionados a uma transcendência. Ao longo deste texto, também buscamos analisar e discutir
como são abordadas noções como transcendência e amor ético, justiça e responsabilidade,
liberdade e alteridade de maneira independente em cada um dos pensadores, nos reportando
inclusive a mitos da antiga Grécia como a Medusa e o Cavalo de Tróia para desenvolver as
reflexões e argumentações presentes nas filosofias do pensamento levinasiano e piresniano.

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TRANSCENDÊNCIA, A LINGUAGEM DO AMOR E SUBJETIVIDADE EM
EMMANUEL LÉVINAS E HERCULANO PIRES

A transcendência e a linguagem do amor ético são temas que permeiam as filosofias


de Emmanuel Lévinas e de Herculano Pires. Seu ponto de partida na filosofia de Lévinas,
expressa-se no amor por outrem, reconhecendo-se na face do Outro a exigência de trans-
cendência que se traduz em uma ética da alteridade, sendo esse o caminho em direção ao
Outro, ao Bem. Este “Bem” encontra-se para além do Ser, visto que é o Outro que precede
o “Eu”. Citando o autor: “A dimensão do divino abre-se a partir do rosto humano” (LÉVINAS,
1980, p.64). É no rosto do outro, enquanto não se reduzindo a algo que se possa tomar posse,
que se testemunha a autêntica transcendência, onde o amor pelo próximo converte-se em
uma responsabilidade para com o outro que nos redime diante de Deus, já que: “o Rosto do
homem é a prova da existência de Deus” (LÉVINAS, 1980, p.173).
Na filosofia de Herculano Pires, o ponto de partida é o amor transcendente que convoca
o Ser para a existência e que provém de Deus como existente. Citando o pensador: “o amor
é o clarim que convoca o Ser para a existência” (PIRES, 2008, p.11). Essa transcendência
relaciona-se com a linguagem do amor, sendo esse relacionamento percebido pelo filósofo
no amor ético ao próximo, na possibilidade para o encontro que marca a relação moral entre
o eu e este próximo. Para Herculano, é a solidão do ser que gera a busca do outro (PIRES,
2008, p.21). Essa busca, pela linguagem do amor ético conduz ao seu alvo principal que
é a transcendência e nela se transfunde. Todavia, acentua o pensador que: “se quisermos
compreender esse chamado do amor divino, precisamos partir do amor humano” (PIRES,
2008, p.21). Ressaltemos que a filosofia piresniana recusa a noção de amor humano ou
amor ao outro sob a perspectiva dos “porões do ser, que o leva aos crimes absurdos do
assassinato por amor” (PIRES, 2008, p.23). Nesses casos, reflete-se o ego que espelha
no outro uma paixão animal e que se expressa enquanto uma monstruosidade contraditó-
ria. Em Herculano: “O amor é força criadora, e não destruidora, cria, ampara, perdoa, nunca
mata”. (PIRES, 2008, p.23).
Retomando Lévinas, temos o sujeito que é constituído pelo outro que carrega consigo
uma exigência da transcendência. O Outro está ali, ele não sou eu e por essa razão se cons-
titui uma alteridade. Na filosofia levinasiana, nessa relação com a alteridade, a transcendência
se apresenta no sentido radicalmente ético que carrega consigo uma responsabilidade de
amor consoante ao pensamento piresniano. Se para Herculano, o amor se define na busca
do outro e nos compromissos e responsabilidades da existência (PIRES, 2008, p.31), per-
cebemos em Lévinas a sua condição primordial que se estabelece através da epifania do
rosto, que se mostra e desafia a egoidade do Eu a assumir uma responsabilidade infinita,

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onde: “ser eu significa , a partir daí, não se poder furtar a responsabilidade, como se todo o
edifício da criação repousasse sobre meus ombros” (LÉVINAS, 1993, p.62).
Herculano descreve o ego como “fonte de falsas ideias de superestimação individual,
de segregação do indivíduo, que considera os demais como estranhos e impuros” (PIRES,
2000, p.85). É também pelo ego que ocorre a recusa em se ouvir o apelo do rosto do outro
segundo o pensamento levinasiano. Qual a consequência disso? A prisão no centro do ego
em que “o ser fica impedido de abrir-se no altruísmo, fechando-lhe o entendimento para
tudo o que não se refira aos seus interesses individuais” (PIRES, 2000, p.86). Sobre essa
questão, o pensamento piresniano destaca a caridade como virtude libertadora deste egoís-
mo, ponto esse que Lévinas também concorda, visto que a relação com o outro enquanto
qualificada como “amor sem concupiscência”, pode ser interpretada como algo próximo da
caridade (SEBBAH, 2009, p. 179).
Em Lévinas, esta proximidade de outrem é no Ser um momento inelutável de uma
presença absoluta. “O Outro é Outrem; não faz número comigo. Somos O Mesmo e Outro.
Essa conjunção “e” não indica adição e nem poder de um termo sobre outro” (LÉVINAS,
1980, p.260). O que temos nessa proximidade? A inexistência do combate contra o outro e
a conquista de si mesmo a partir desse Outrem, sendo esse outro ponto em Lévinas que se
assemelha ao pensamento de Herculano, pois para este último a existência é o mundo do
existente onde o homem se empenha na luta da conquista existencial e não em combater
os outros seres, mas para conquistar a si mesmo e descobrir o em si, o eu oculto que se
revela no processo de relação (PIRES, 2008, p.15).
Tanto as filosofias de Emmanuel Lévinas e Herculano Pires destacam-se pela subjeti-
vidade transcendente, que através da linguagem do amor ético busca abrir-se para o outro.
Segundo Lepargneur: “a filosofia de Emmanuel Lévinas não é uma filosofia comum do Ser,
e sim uma filosofia da subjetividade e da subjetividade que transcende, isto é, virtualmente
religiosa” (LEPARGNEUR, H., 2014, p. 29). A subjetividade na filosofia de Levinás busca
fundamentar o estatuto da passividade, como o Outro-no-Mesmo. Ao se dizer sim ao apelo
da face do outro, está dizendo sim à transcendência. É então, estar responsável pelo outro
que se constitui o eu. O infinito se manifesta na epifania do rosto e o torna presente em
Deus. A presença da face demonstra o infinito do outro e a outra face chama o eu e a vontade
abre-se à razão que não se resume ao cognoscível, mas que se abre no âmbito da ética. Para
o pensador: “A Epifania do rosto é ética” (LÉVINAS, 1980, p. 178). Na relação face-a-face do
Rosto, pratica-se a acolhida e reconhecimento do Outro como realização da subjetividade
ética, rompendo e não se enquadrando com a totalidade egóica da ontologia do ser.
Em Herculano, a subjetividade está ligada a própria existência, pois a não descoberta
do sentido filosófico de que a existência é subjetividade pura e mantém o Ser prisioneiro de

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si mesmo e apegado às hipóstases terrenas (PIRES, 2008, p.98). Na concepção do filóso-
fo, os que vencem na projeção existencial não se apegam às formas perecíveis da rotina
vivencial, mas descobrem esse sentido filosófico de que a existência é subjetividade pura
(PIRES, 2008, p.98). Temos nessa concepção do filósofo a linguagem do amor, que assume
o papel de convocar o Ser para a existência, ao mesmo tempo que o conduz a vencer sua
projeção existencial. Este amor é, portanto, difuso e abstrato e concretiza-se na subjetividade
humana, encontrando em cada Ser os motivos de afinidade para perdoar defeitos e amar,
tendo sua causa nas exigências ônticas, nas fontes do Ser.

A JUSTIÇA, A LINGUAGEM DO AMOR E A LIBERDADE EM EMMANUEL


LÉVINAS

Desde os tempos antigos a humanidade busca a real acepção da justiça, do amor e da


liberdade. Na Grécia antiga, o conceito abstrato de justiça foi primeiramente representado
pela deusa Têmis, que equilibrava o julgamento e a razão em sua balança. Dirce, sua filha
e sucessora era representada com os olhos abertos que a todo instante procurava punir os
injustos e recompensar todos aqueles que fossem virtuosos. A linguagem do amor também
está presente nos contos míticos, como no de Cúpido e Psiquê, em que o filho de Afrodite
é convocado pela deusa do amor para punir a audaciosa beleza da donzela, pela qual era
apaixonado e ainda assim aplicar-lhe a justiça exigida pela deusa. Já a liberdade, encontrou
sua representação na deusa Libera durante o antigo Império Romano e fora observada no
século IV por Agostinho de Hipona, assim como também o próprio episódio da guerra troiana
oferece o exemplo da disputa pela liberdade na antiguidade ao perdurar dez anos segundo
a epopeia Homérica.
Mas o que realmente nos importa ao recordar mitos antigos para discutir a justiça, a
linguagem do amor ético e a liberdade em Lévinas? Lembremos que o pensador francês leva
em conta a temática da socialidade, e que a partir dela torna-se necessária uma correção
da noção da absolutilidade da responsabilidade por outrem. Partindo desse pensamento,
podemos identificar em relatos antigos a questão da correção essencial para que a minha
responsabilidade por outrem, não me leve a causar algum dano ao outro outrem, ou seja,
ao outro do outro. Segundo Lévinas: “o rosto fala, fala porque é ele que torna possível e
começa o discurso” (LÉVINAS, 2000, p. 79).
Em Lévinas, rosto fala uma linguagem que não determina a mera objetificação do outro,
mas sim uma linguagem do amor e, portanto, ética onde: “o discurso e, mais exatamente, a
resposta ou a responsabilidade é que é a relação autêntica” (LÉVINAS, 2000, p.80). O rosto
fala por si e se constitui como a única identidade reconhecida e acolhida pelo outro como
realidade que se revela e que pela sua epifania chama pelo “eis-me aqui”.

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A partir desta concepção, recordemos o Mito da Medusa, pois é um dos que nos oferece
os melhores subsídios para aplicarmos as noções levinasianas de justiça, amor e liberdade.
Medusa fora outrora uma das mais belas mulheres da Grécia antiga e se orgulhava princi-
palmente de seus cabelos, mas sua beleza competia diretamente com a de Atena. Certo
dia, a bela fora violentada por Poseidon no templo de Deusa. O rosto da bela suplicaria por
justiça, mas ameaçada pelos seus encantos, Atena acabaria por transformar suas lindas
madeixas em hórridas serpentes. A sacerdotisa devotada tornar-se-ia a górgona, um monstro
cruel de aspecto horripilante, com dentes de javali, garras de bronze e cabelos de serpente,
que nenhum ser vivo ousaria fitar a não ser que desejasse se tornar pedra (BULLFINCH,
2015, p.121). A justiça suplicada não a alcançaria, pelo contrário, Medusa fora castigada,
amaldiçoada e banida para longe de qualquer socialidade.
A linguagem ética do amor segundo a concepção levinasiana ocorre no face a face
e significa bondade e justiça. Esta relação estabelece a responsabilidade pelo outro, onde
a consequente ética da alteridade é dada pela presença do outro que clama pela justiça,
imparcialidade, interpelação do Outro e acolhimento. À Medusa tudo isto foi negado.
No mito, a responsabilidade ou amor de Atena por sua sacerdotisa não se desdobra
naturalmente em justiça, mas em violência contra o outro, sem moderação, mesmo perante
o estado da moça após ser violada em seu templo. A alteridade presente no apelo do rosto
da bela e seu desejo por justiça não foi levado em conta devido ao eu egoísta da Deusa,
que não se demonstrou sensível a esse apelo, a esse desejo. Sobre a questão do desejo,
Lévinas faz uma contraposição com a necessidade. A necessidade proveniente do eu é mera
satisfação, que deseja retornar sempre a si mesmo, enquanto o desejo representa absolu-
tamente outrem pelo seu olhar e seu infinito (LÉVINAS, 1980, p. 265). Medusa na condição
de monstro, não teria seu desejo por justiça atendido, tornar-se-ia a coisa ou o mero objeto,
indigno de qualquer preocupação de responsabilidade e passível inclusive de exclusão do
meio social, sua liberdade estaria perdida para sempre, ao mesmo tempo que se tornaria
uma ameaça aos outros. É assim, que enquanto ameaça, banida e amaldiçoada por uma
divindade desumanizada, passa a ser mero objeto de repulsa que desperta o desejo do feito
heroico pela sua eventual eliminação.
Na caverna da górgona, viam-se figuras petrificadas de homens e animais que tinham
ousado contemplá-la. Perseu com o apoio de Atena, que lhe enviara seu escudo e sandá-
lias divinas, aproximou-se cuidadosamente de Medusa enquanto ela dormia. Tomando as
devidas precauções para não olhar a face/rosto do monstro a não ser pelo reflexo do seu bri-
lhante escudo, cortou-lhe a cabeça e a ofereceu a Deusa (BULLFINCH, 2015, p.122). O que
temos nesse relato mítico? A representação de um outro abjeto, indesejável e ameaçador
segundo a concepção levinasiana. O castigo imposto pela deusa longe de passar pelo viés

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da justiça, demonstra um ato de vingança caprichosa e atitude desmedida. Em Lévinas, a
justiça tem precisamente a função de atenuar qualquer tipo de desmedida, seja qual for sua
natureza. A górgona pode representar o paradigma do diferente que por não se adequar a um
modelo ou identidade que possa fazer parte do mundo, necessita ser exterminado. A Medusa
enquanto górgona não mais admite a aproximação e o olhar do outro, pois sua face suplica
por justiça, mas que nessa condição se consolida numa justiça vingativa, que transforma
em um instante o outro em Pedra.
Em diversos relatos míticos temos o imperialismo do Mesmo. Na certeza de um Mesmo
que conceitua e exerce poder sobre Outrem identificado como passível de ser aniquilado
inclusive em nome de algum tipo de “justiça” que se encontra envolta em sentimento de
vingança e paixão. Esse tipo de imperialismo deve ser colocado em xeque, pois na verdade
não posso ter poder sobre outrem (LÉVINAS, 1980, p.260). Seria inclusive contrário a toda
liberdade, sendo que a liberdade em Lévinas é heterônoma, ela recorre à proximidade não
como intencionalidade objetivadora, mas como relação proximal que clama por responsa-
bilidade e justiça.
Em resumo, para Lévinas a responsabilidade ou o amor por outrem, desdobra-se de
modo natural em justiça, ou em outros termos: se faz necessário dar tudo de si ao outro. O dar
tudo de si exige que este dom se submeta à moderação e às circunstâncias, a partir do
momento em que o ponto de vista do outro é adotado, o que não foi em momento algum
observado por Atena em relação a sua sacerdotisa. A não observação desta condição que
em Lévinas acarreta um abuso da absolutidade no em si, e que pode consequentemente
desdobrar-se em injustiça, conforme discutido e exemplificado no mito.

A JUSTIÇA, A LINGUAGEM DO AMOR E A LIBERDADE EM HERCU-


LANO PIRES

Na filosofia de Herculano Pires, a linguagem do amor é o primeiro passo em direção à


liberdade existencial e consequentemente a compreensão de justiça. O único recurso que o
Ser dispõe para mergulhar no mistério de sua origem é compreender essa linguagem, pois
ela mesma o convoca para a existência. Para o filósofo, amor e liberdade se entrelaçam,
são irmãos gêmeos no processo de transcendência. Um não pode existir sem o outro. Onde
existe amor existe liberdade e vice-versa.” (PIRES, 2005, p.59).
Muitas vezes, da linguagem do amor o Ser se afasta durante a existência, pois deixa-se
arrebatar pelos delírios e pelas paixões. Compreender essa linguagem e consequentemente
o amor, é a única chave da qual o Ser dispõe para mergulhar em seu mistério genésico e
recuperar o caminho da transcendência (PIRES, 2008, p.12). Para melhor compreender a
importância da linguagem do amor na filosofia piresniana, imaginemos que quando o Ser dela

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se afasta, projeta-se no mundo, mas existe e se fecha em si mesmo. Fechando-se em sua
própria essência, ainda sim dispõe da existência no mundo com outros, dos deveres e das
responsabilidades que o convocam, sendo que este evento repete-se em todas as épocas.
Para Herculano, esse evento ocorre com todo Ser lançado na existência, ao que passo que
lhe deixa aberta a busca para recuperar seu próprio caminho transcendente.
As concepções de justiça, da linguagem do amor e da liberdade em Herculano, podem
ser encontradas em suas obras: pesquisa sobre o amor e sonhos de liberdade. A fim de
melhor ilustrá-las nos serviremos dos exemplos do relato mítico da lendária cidade de Troia
por Homero e utilizada pelo próprio pensador. Em pesquisa sobre o amor, destaca Herculano
que é a partir do nascimento que o Ser experimentará durante a existência o episódio do
Cavalo de Troia (PIRES, 2008, p.14). Mas como isso ocorre? Imaginemos por um momento
a grande muralha troiana e veremos que ela é representada pelo autor como o limite que
separa os troianos existentes dos gregos não existentes. É atrás dessa muralha existencial
que os existentes troianos vigiam os guerreiros gregos, que se encontram impossibilitados
de transpor o muro que esconde a plena realidade existencial (PIRES, 2008, p.14).
A existência para Herculano assemelha-se a essa Troia por trás dos muros prestes
a ser conquistada, não experimentada em sua plenitude onde o Ser assemelhando-se aos
gregos do episódio, apenas consegue entrevê-la. Nessa busca existencial, conforme já visto,
ocorre também a busca do outro, onde cada inexistente busca a sua Helena raptada, sendo
também essa uma das consequências naturais da busca do outro e uma das consequências
do amor que o convocou para a existência.
No episódio da guerra troiana, recordemos o exemplo do Rei Espartano: Menelau que
ao chegar em Troia buscava justiça por sua Helena raptada. No entanto, não se tratava de
uma justiça embasada na linguagem do amor ético definido em Herculano, já que o Rei se
encontrava animado pelo desejo de vingança, contrário a manifestação do amor. O que ele
buscava, era apenas uma justiça para sua própria honra ferida e que acabou encontrando
nas muralhas um obstáculo para sua consolidação. Almejando esse fim, desde o início,
sujeitou-se no Outro, mais especificamente às ambições de seu irmão Agamenon, encon-
trando nele os meios de alcançar sua própria liberdade frente a essa que foi sua grande
humilhação existencial.
A existência na concepção piresniana compara-se a uma Troia cercada de muralhas e
que vai sendo conquistada pelo desejo de ascendência do inexistente. Os troianos atrás da
muralha apenas se contentam com a imanência no real-irreal. O que lhes resta? O amor, mas
também a angústia, o desespero e a dor para se libertarem deles mesmos (PIRES, 2008,
p.12). Isso pode ser percebido também naquele que foi considerado o maior dos Heróis da
Grécia antiga, o poderoso Aquiles. Sua imanência ansiava por libertar-se do real-irreal e das

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questões de temporalidade e até mesmo projetar-se para o futuro. Agir sobre o ambiente
que se encontra fora das muralhas é modificar o meio em que existem, ao mesmo tempo
em que modificam a si mesmo nas dimensões da temporalidade (PIRES, 2005, p.10)
O que podemos depreender desse relato mítico? Que nos sonhos de liberdade não
existe guerra gratuita nem batalha sem objetivo e que cada Ser lançado nesse episódio da
existência representa uma busca emocional da realização humana, em que ante a mura-
lha a marca do amor definia o não-ser como o conquistador da existência (PIRES, 2008,
p.14). É também esse o esboço dos sonhos de liberdade na concepção de Herculano,
onde as aspirações por justiça marcam as relações entre as civilizações e que neste exem-
plo epopeico, tais sonhos se embasam na busca pela predominância do Mesmo sobre o
Outro. As aspirações de liberdade aqui presentes demonstram o choque com as pretensões
atrevidas da força bruta, da violência e da guerra, demonstrando que “a consciência humana
se fundamenta no pressuposto da liberdade” (PIRES, 2005, p. 10).
Em resumo, foi a partir do amor que os troianos perceberam a imobilidade e beleza do
cavalo de madeira deixado a porta como presente de grego. Para eles, o cavalo representa
a justiça consolidada pelos deuses, assim com o reconhecimento da ingenuidade dos con-
quistadores ao manter o cerco por dez anos. Por estes motivos o recolhem, embalando-o
em seus braços sem darem ouvidos as profecias de Cassandra. Mal sabiam que em seu
interior estariam ocultos os conquistadores experientes inexistentes (PIRES, 2008, p.14).
Qual o fator preponderante neste quadro? O rompimento da muralha existencial para acolher
tal presente, em que os existentes troianos o fizeram pela linguagem do amor, ao romper
com a acomodação existencial, não para destruir o outro inexistente, mas para conquistar
o que julgaram ser a justiça a eles concedida e o símbolo de sua liberdade.

CONCLUSÃO

Naturalmente, cada pensador desenvolve os temas a partir de pontos distintos, mas


com o objetivo em comum da transcendência. O que isso demonstra? Que do movimento em
direção ao outro, a humanidade mesmo herdeira da morte de Deus ainda pode conquistar
uma redenção. Estas reflexões se originam de uma preocupação comum aos dois filósofos,
que é a da incompreensão diante da violência contra o outro que representa uma violência
contra toda a humanidade, conforme exemplificamos e percebemos no mito Troiano e de
Medusa. Concluímos que tanto Emmanuel Lévinas quanto Herculano Pires buscam proble-
matizar a constituição da subjetividade humana frente a relação com o próximo, destacando
a necessidade de o Ser não permanecer fechado em si mesmo, no seu egocentrismo, para
que suas potencialidades possam se desenvolver a partir de si ou de outrem, lançando-o
no processo de transcendência.

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REFERÊNCIA
1. BULLFINCH, Thomas. O Livro de Ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Tra-
dução: David Jardim. Rio de Janeiro: Agir, 2015.

2. LEPARNEGEU, Hubert. Introdução a Lévinas: Pensar a ética no século XXI, editora


PAULUS, 2014.

3. LÉVINAS, Emmanuel. Totalidade e Infinito. Tradução: José Pinto Ribeiro. Lisboa: Edi-
ções 70, 1980.

4. ______. Entre Nós: Ensaios sobre Alteridade. Tradução: Pergentino Stefano Pivatto.
Petrópolis: editora Vozes; 1997.

5. ______. Ética e Infinito. Lisboa: Edições 70, 2000.

6. PIRES, José Herculano. Concepção Existencial de Deus. São Paulo/SP: Ed. Paideia,
1992.

7. ______. Curso Dinâmico de Espiritismo. São Paulo/SP: Ed. Paideia, 2000.

8. ______. Pesquisa Sobre o Amor. São Paulo/SP: Ed. Paideia, 2008.

9. ______. Os Sonhos de Liberdade: São Paulo/SP: Ed. Paidéia, 2005.

10. SEBBAH, François – David. Lévinas. Tradução Guilherme João de Freitas Teixeira. -
São Paulo: Estação Liberdade, 2009.

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06
O Ensino Religioso nos PETs do estado de
Minas Gerais em 2020: organização das
habilidades

Mauro Rocha Baptista


Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG

Goretti Marciel Pereira Goulart


Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG

'10.37885/220308207
RESUMO

Objetivo: Analisar o conteúdo do componente curricular de Ensino Religioso (ER) nos Planos
de Estudo Tutorado (PETs), produzidos no estado de Minas Gerais durante o Regime Especial
de Atividades não Presenciais (REANP) em 2020. Neste estágio de apresentação de resul-
tados parciais será dada especial atenção ao objetivo específico de averiguar as habilidades
do Currículo de Referência de Minas Gerais (CRMG) que foram, ou não, contempladas pelos
PETs. Métodos: Como material didático os PETs se tornaram um guia sobre as intenções
do estado de Minas Gerais sobre as abordagens curriculares dos diversos componentes,
uma vez que 2020 seria o primeiro ano de aplicação do CRMG. O caso específico do ER se
torna ainda mais emblemático neste sentido, uma vez que este foi o primeiro material didático
produzido para este componente com a chancela estatal. Primeiraamente compararemos
a Base Nacional Comum Curricular com a sua adaptação no CRMG, para depois expor
a organização do plano de curso proposto pela Secretaria de Estado de Educação (SEE/
MG) e, então, averiguar a presença das habilidades nos PETs. Resultados: Foi possível
identificar as habilidaes não contempladas e uma diferença de 10% na opção por trabalhar
primeiramente as criadas pelo CRMG. Isto nos indica uma tendência das políticas públicas
do estado para o ER que fazem dele uma leitura mais antropológica que das ciências da
religião. Conclusão: Visando aprofundar nos resultados alcançados o projeto se propõe a
uma comparação entre o conteúdo produzido em 2020 e o de 2021. A tendência da política
pública estadual precisa ser investigada com um corpo maior de dados antes de se definir
como uma conclusão.

Palavras-chave: Ensino Religioso, BNCC, CRMG, Habilidades, PETs.


INTRODUÇÃO

A discussão que aqui apresentamos é um desenvolvimento da comunicação de re-


sultados parciais feita no CONACIR 2021 e publicada inicialmente nos anais deste evento
(BAPTISTA; GOULART, 2021b). O atual estágio de desenvolvimento é fruto dos debates
mantidos junto ao Grupo de Pesquisa em Sociologia da Religião da UEMG-Barbacena atra-
vés dos projetos de pesquisa “O Ensino Religioso nos Planos de Estudos Tutorados dos
anos finais do Ensino Fundamental”, financiado pelo Programa de Apoio à Pesquisa, PAPq/
UEMG, e de extensão “Ensino Religioso para a Coexistência”.
Enquanto a pesquisa se direciona para o levantamento e análise de dados, a extensão
tem sido desenvolvida através do canal de YouTube Ensino Religioso para a Coexistência1 e
do Instagram @ensinoreligiosocoexist2. Nestes projetos relacionamos a teoria desenvolvida
junto à Universidade do Estado de Minas Gerais-UEMG/Barbacena, com a prática aplicada
na Escola Estadual Adelaide Bias Fortes. No âmbito teórico se desenvolve uma análise dos
documentos curriculares produzidos para o componente de Ensino Religioso (ER) e das
políticas públicas manifestas nestes documentos, e na prática são desenvolvidas vídeo aulas
e postagens de textos sagrados direcionadas para a realização das habilidades curriculares
de uma forma o mais plural possível.
A partir de 2016 temos mantido constantes pesquisas junto ao grupo de estudos que
compõe a equipe destes projetos. As duas primeiras pesquisas, desenvolvidas até 2020,
visavam trabalhar diretamente com os conteúdos propostos pela Base Nacional Comum
Curricular (BNCC – BRASIL, 2018), que estava em desenvolvimento neste momento e
representava grande mudança em relação ao Currículo Básico Comum (CBC – MINAS
GERAIS, 2014), vigente no estado de Minas Gerais até 2019. Estas primeiras impressões
foram publicadas no artigo “O Ensino Religioso e a nova Base Comum Curricular (BNCC)”
(BAPTISTA, 2019).
Concomitantemente na extensão eram trabalhadas propostas de adaptação de nar-
rativas da mitologia para aplicação no sexto ano. Primeiramente usando-se de técnicas de
stop motion para o desenvolvimento de animações pelos discentes, posteriormente com a
criação de uma peça teatral embasada no mito de Narciso, com músicas e expressões cole-
tadas pela equipe no contato direto com os discentes. Em toda essa abordagem se utilizou
da obra infanto juvenil de Rick Riordan para gerar o contato da mitologia com a vivência
do alunado (BAPTISTA, 2018b). O módulo mais recente se direcionou para a constituição
de uma abordagem das lideranças religiosas a partir das características de cada uma das

1 (3) Ensino Religioso para a coexistência - YouTube


2 ER para a Coexistência (@ensinoreligiosocoexist) • Fotos e vídeos do Instagram

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quatro casas de Hogwarts, descritas por J.K. Rowling nos volumes de Harry Potter, indicação
literária coletada entre os discentes nos módulos anteriores. Essa proposta se direciona para
a aplicação no sétimo ano e ainda não teve resultados publicados.
Enquanto a comunidade escolar discutia o desenvolvimento da BNCC, o Supremo
Tribunal Federal (STF) debatia a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.439/DF), que
definiria a possibilidade do ER ser confessional, em desacordo direto com a perspectiva tra-
zida pela BNCC com a indicação do uso da Ciência da Religião como método. Sobre esse
contexto já fizemos uma análise da audiência pública (BAPTISTA, 2020b), com considerável
superioridade da posição pelo ER não-confessional. Das 31 representações sociais, 22 ma-
nifestaram pelo não-confessional, apenas 5 pelo confessional, 3 para a exclusão do ER, e 1
abstenção. Apesar desse posicionamento majoritário na audiência pública e do relatório do
ministro Luís Roberto Barroso indicar o não-confessionalismo, a votação no STF não refletiu
a mesma intencionalidade. Em resultado apertado, 6 a 5, a decisão do Supremo indicava
a possibilidade de um ensino confessional. Fizemos uma primeira análise deste contexto a
partir dos votos do relator e o voto contrário do ministro Ricardo Lewandowski (BAPTISTA,
2018a), posteriormente refizemos uma apresentação por ordem cronológica, já contando
com a versão final da BNCC e o acórdão do STF (BAPTISTA, 2020a).
Uma vez que a discussão a respeito da confessionalidade não gerou efeitos práticos
na confecção da BNCC e sua aplicação direta nas salas de aula, o desenvolvimento das
pesquisas se direcionou para a análise do próprio texto da BNCC em sua relação com a
religião (BAPTISTA; OLIVEIRA, 2020). Assumindo ainda a função de uma Universidade
pública estadual em contribuir para o desenvolvimento e análise do desenvolvimento das
políticas públicas, as pesquisas mais recentes procuraram compreender as adaptações
feitas pelo Currículo de Referência do Estado de Minas Gerais (CRMG – MINAS GERAIS,
2018) à BNCC (BAPTISTA; GOULART, 2021a).
Com a ampliação da pandemia e o início do ensino remoto foram produzidos pelo estado
de Minas Gerais os Planos de Estudos Tutorados (PETs) em 2020 e 2021, que passaram
a ser objetos de análise dos projetos da equipe. Os PETs ganharam grande relevância em
nossos estudos uma vez que se apresentavam como materiais didáticos aprovados por
uma política pública do estado para o componente curricular de ER, algo até então evitado.
Alguns dos resultados desta pesquisa serão apresentados a seguir. Inicialmente apre-
sentando a metodologia utilizada na análise comparativa da BNCC com o CRMG, passando
para a descrição do plano de curso proposto pela SEE/MG para a aplicação do CRMG em
seu primeiro ano de obrigatoriedade. A partir desta proposta teórica analisamos o que foi
apresentado nos PETs e desenvolvemos o resultado em uma tabela que descreve o que
foi, ou não, contemplado no material didático oferecido pela SEE/MG em tempos de ensino

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remoto. Na discussão descrevemos as implicações práticas dessa distribuição e os desdo-
bramentos propostos para a pesquisa atual.

MÉTODOS

O primeiro procedimento metodológico desenvolvido nesta etapa da pesquisa foi a


análise da organização e o levantamento das diferenças presentes entre o texto da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) e a adaptação promovida pelo estado de Minas Gerais
no Currículo de Referência de Minas Gerais (CRMG). Para o efetivo trabalho com o ER em
sala de aula é necessário compreender que as propostas curriculares se organizam através
de unidades temáticas que se desdobram em objetos de conhecimento, os quais devem
atingir habilidades específicas em cada ano do Ensino Fundamental. Para o intento deste
texto iniciaremos pelo elemento mais específico, as habilidades, para depois trabalharmos
com a inserção destas nas unidades temáticas, sem nos preocupar demasiadamente com
os objetos de conhecimento.
Cada habilidade é identificada por um código específico, mas com uma formatação geral.
Por exemplo, a primeira habilidade do sexto ano é formada pelo código: EF06ER01X. As duas
primeiras letras indicam o nível de ensino para o qual estão direcionadas, no caso EF indica
o direcionamento para o Ensino Fundamental. Os dois números seguintes o ano de formação
dentro do nível de ensino, no caso o 06 indica o sexto ano do Ensino Fundamental. Em se-
guida são inseridas duas outras letras que se referem ao componente curricular, sendo ER a
representação do Ensino Religioso. Os dois números seguintes indicam o número da habi-
lidade referida, no caso exemplar o 01 indica se tratar da primeira habilidade do sexto ano.
Neste último elemento existe uma pequena diferença entre a proposta da BNCC e a
do CRMG. Na BNCC cada ano possuí uma sequência de habilidades iniciadas com o 01
daquele ano. O CRMG optou por numerar as habilidades incluídas em Minas Gerais em
uma única sequência, sendo assim a primeira habilidade incluída em Minas para o sexto ano
é a 17, as outras 16 são do fundamental I. A última parte na formação do código indica se
ela está igual ao original da BNCC, neste caso após o número da habilidade não é inserido
nada, como, por exemplo, na segunda habilidade do sexto ano: EF06ER02. O exemplo que
seguimos possui um X após o número, indicando que a habilidade é original da BNCC, mas
sofreu modificações no CRMG. A outra possibilidade é a habilidade ter sido inserida em
Minas Gerais, neste caso é incluído um MG após o número da habilidade. Por exemplo, a
já citada habilidade 17 do sexto ano: EF06ER17MG.
As habilidades são distribuídas em três unidades temáticas que devem ser trabalhadas
ao longo dos nove anos do Ensino Fundamental. São as unidades temáticas que mantêm
a coesão do ER, fazendo com que as habilidades sejam compreendidas em função de uma

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proposta maior para o desenvolvimento pleno do alunado no componente curricular. Neste
sentido é possível e necessário compreender que a habilidade EF01ER05: “Identificar e
acolher sentimentos, lembranças, memórias e saberes de cada um”, é um primeiro passo
para a concretização da habilidade EF07ER01: “Reconhecer e respeitar as práticas de co-
municação com as divindades em distintas manifestações e tradições religiosas”. Por mais
que na habilidade do primeiro ano não esteja explicitado como os “saberes de cada um” são
parte da unidade temática “Manifestações religiosas”, no sétimo, último ano em que esta
habilidade é trabalhada, o caminho se descortina com a compreensão de que o acolhimento
ao diverso, proposto inicialmente, se direciona para o respeito às distintas formas de comu-
nicação com o sagrado a ser concretizada no sétimo ano.
A primeira unidade é: “Identidades e alteridades”. Apesar da indicação do texto descri-
tivo de que ela deve “ser abordada ao longo de todo o Ensino Fundamental, especialmente
nos anos iniciais” (BRASIL, 2018, p. 436), ela só está presente nos três primeiros anos
pela BNCC. No CRMG é feita uma revisão e ela passa a também ser trabalhada no 5º, 6º,
8º e 9º, com habilidades inseridas pelo estado. A descrição de sua área de atuação pode
ser observada na primeira habilidade da BNCC: “Identificar e acolher as semelhanças e
diferenças entre o eu, o outro e o nós” (EF01ER01). Essa reflexão filosófica sobre a cons-
tituição da identidade é fundamental para o desenvolvimento de uma relação respeitosa
com as alteridades.
“Manifestações religiosas” é a segunda unidade temática. No CRMG ela é renomeada
incluindo a cultura na sua descrição: “Manifestações culturais e religiosas”. Muitas vezes o
CRMG opta por incluir o conceito de cultura ao lado do de religião, isso acontece tanto no
corpo do texto introdutório, quanto nas habilidades. Essa disposição está muito associada
à prática estadual de uma relação maior com a antropologia da religião do que com outras
áreas das ciências da religião. Uma discussão mais profunda desta relação será feita em
outro espaço, aqui nos basta ressaltar esta alteração. Esta unidade está presente nos qua-
tro primeiros anos e retorna no sétimo. Sua abordagem é mais fenomenológica, tratando
a religião a partir de suas manifestações, sejam memórias (1º ano), alimentos (2º ano),
indumentárias (3º ano) ou mesmo as suas lideranças (7º ano). A mudança promovida no
CRMG neste caso torna algumas habilidades demasiadamente amplas como, por exemplo,
a habilidade EF03ER06X que propõe “Caracterizar as indumentárias como elementos in-
tegrantes das identidades culturais e religiosas” (Grifo na inclusão do CRMG em relação à
BNCC). O trato com indumentárias religiosas já pode ser um trabalho amplo, mas adicionar
também as vestimentas culturais torna hercúleo.
A terceira e última unidade temática é “Crenças religiosas e filosofias de vida”, elabora-
da para trabalho a partir do quarto ano. Desta forma, a unidade é a única que está presente

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em todos os anos do fundamental II, mas os objetos destacados em cada ano representam
o desenvolvimento do tema e o amadurecimento no seu tratamento. Entre os objetos estão
desde “Ideia(s) de divindade(s)”, ao que o CRMG agrega “...e de sentidos de vida” (4º ano),
até “Princípios e valores éticos” (9º ano). Há um constante processo de abstração entre as
propostas iniciais, mais direcionadas para a vida prática, como identificar nomes das divin-
dades (EF04ER06); e os questionamentos finais que direcionam para uma postura diante
do mundo, como a construção ética de um projeto de vida (EF09ER08).
As habilidades representam os objetivos que devem ser alcançados pelos discentes
na concretização de um objeto de conhecimento. Ou seja, ao trabalhar com a “Tradição
escrita: registro dos ensinamentos sagrados”, primeiro objeto do sexto ano na unidade te-
mática destacada acima, os objetivos desejados pela BNCC são desenvolver nos alunos
as habilidades de “Reconhecer o papel da tradição escrita na preservação de memórias,
acontecimentos e ensinamentos religiosos” (EF06ER01) e de “Reconhecer e valorizar a diver-
sidade de textos religiosos escritos (textos do Budismo, Cristianismo, Espiritismo, Hinduísmo,
Islamismo, Judaísmo, entre outros)” (EF06ER02). À estas duas o CRMG soma uma terceira:
“Pesquisar e listar os diversos tipos de textos sagrados. – Identificar e apontar os tipos de
linguagens e de gêneros textuais utilizados nos textos sagrados das diferentes tradições
religiosas” (EF06ER17MG).
Devemos destacar que a habilidade não é um conteúdo de simples “saber”, mas uma
condição de “saber fazer”, uma condição prática de uso deste saber. Não basta simples-
mente transformar a habilidade em um tópico de aula que vise, por exemplo, descrever a
importância da tradição escrita para a preservação da memória, assim como não é suficiente
listar os nomes dos textos sagrados. O ideal seria trabalhar com os textos escritos de for-
ma que o alunado conseguisse perceber a sua importância, desenvolvendo dessa forma a
habilidade de reconhecimento e não meramente de identificação. Neste sentido o papel do
professor seria o de ofertar a diversidade de textos religiosos, tratando-os de forma respei-
tosa e valorizando sua importância, sem proselitismos ou manifestações preconceituosas
e pejorativas. No tratamento respeitoso do objeto de conhecimento, a habilidade vai sendo
construída em conjunto. Para o desenvolvimento destas habilidades a forma com que o
objeto é tratado ensina mais do que a apresentação do objeto em si.
O segundo procedimento metodológico, a partir da compreensão da organização da
BNCC e do CRMG, foi a análise da proposta de plano de curso criada pela SEE/MG para
o ano de 2020. Este plano foi elaborado antes da pandemia se desenvolver e interrom-
per as atividades presenciais, mas representa a primeira organização oficial para aplica-
ção do CRMG. A aplicação do CRMG passaria a ser obrigatória neste ano, substituindo
o CBC. Para melhor compreender a forma como os Planos de Estudo Tutorado (PETs)

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foram desenvolvidos foi necessário criar uma tabela, destacando em cada bimestre o mês
e o número de dias previstos para o trabalho com cada habilidade (indicada apenas pelo
número final do seu código). Destacamos ainda qual objeto de conhecimento se relaciona
cada habilidade, apenas para que se observe o movimento das habilidades fragmentando
o objeto de conhecimento.

Tabela 1. Previsão no Plano de Curso da SEE.

Dias 6º Ano 7º Ano 8º Ano 9º Ano


Bim Mês3
20204 Hab. Obj. Hab. Obj. Hab. Obj. Hab. Obj.
Fev. 12 04X ETE 23MG PVR 25MG CCA 08X PVE
1º Mar. 22 01X TE 06X PVR 02X CCA 07X PVE
Abr. 18 18MG ETE 05X LR 01 CCA 34MG RNP
Mai. 20 21MG RNP 04X LR 24MG CCA 06X PVE
Jun. 20 03X ETE 03X LR 03X DR 03X VM

29MG EP
Jul. 13 20MG SRM 07X LDH 33MG VM
27MG EP
28MG EP
Ago. 22 07X SRM 01X ME 26MG EP 04X VM
3º 30MG EP
06X SRM 22MG ME 04 EP 05X VM
Set. 22
17MG TE 07X LDH 05X EP 33MG VM
Out. 18 19MG SRM 02X ME 32MG RNP 02X IT
4º Nov. 20 05X ETE 08X LDH 31MG RNP 01X IT
Dez. 13 02 TE 05X LR 07X MT 02X IT
Habilidade não incluída no Plano de Curso 06 EP
Fonte: Tabela desenvolvida pelos autores a partir dos Planos de Curso elaborados pela SEE/MG (2020a).

Podemos observar que no plano de curso nenhum dos anos começa pela habilidade
número 01. No caso do sétimo e do nono ela sequer está prevista para o primeiro bimes-
tre. Outra observação a ser feita é que a sequência de trabalho com um mesmo objeto de
conhecimento só é respeitada integralmente no oitavo ano. Contudo este é o único ano em
que uma habilidade é deixada de fora do planejamento, habilidade esta que faz parte do
quadro original da BNCC. O nono ano faz apenas uma modificação entre os objetos, mas
esta inserção faz com que o objeto em questão deixe de ser tratado integralmente no pri-
meiro bimestre e tenha uma habilidade separada para o segundo. Neste caso a alteração
ainda é bastante sutil, mas no sexto e no sétimo anos os objetos de conhecimento estão
bastante misturados entre os bimestres. Por exemplo, o objeto de conhecimento do sexto

3 Para esta divisão se está considerando a divisão bimestre/mês relacionada nos Planos de Curso elaborados pela SEE/MG (2020).
Existem sutis diferenças entre a data de início e término dos bimestres, por exemplo: o 1º bimestre terminaria em 28 de abril o que
deixaria dois dias letivos de abril no 2º bimestre, mas optamos por manter a primazia da relação habilidade/mês sobre a relação mês/
bimestre.
4 Mesmo conscientes da não efetivação da proposta para 2020, para efeito de parametrização dos dias letivos mensais, seguimos aqui
a previsão do calendário escolar elaborado conforme resolução 4.254/2019 (SEE/MG, 2019).

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ano: “Ensinamentos da tradição escrita”, marcado na tabela como ETE, tem quatro habi-
lidades: 03X, 04X, 18MG e 05X (seguimos aqui a ordem do CRMG, em que a habilidade
18MG está entre as 04X e 05X). Estas quatro habilidades estão divididas em três bimestres
diferentes sendo previstas para os meses de fevereiro (04X), abril (18MG), junho (03X) e
novembro (05X). Ou seja, nem os meses são consecutivos, nem a ordem das habilidades
no CRMG foi respeitada.
Este planejamento seria a base para o desenvolvimento do ano letivo de 2020. Com
o processo de ensino remoto se tornando emergencial devido à pandemia ele se tornou
também a base para a confecção dos PETs oferecidos pela SEE/MG como base para o de-
senvolvimento do ER em Regime Especial de Atividades não Presenciais (REANP). A partir
desta estruturação analisaremos nos resultados o que foi produzido como material didáti-
co neste período.

RESULTADOS

O ano letivo de 2020, previsto para o início da aplicação do CRMG, começou de forma
atípica, quando as frustrações nas negociações sindicais pelo piso salarial dos educadores
levaram a deflagração de greve já em 11 de fevereiro. O ano escolar foi iniciado em 03 de
fevereiro com reuniões de planejamento e formação teria o início do período letivo com as
aulas para os discentes uma semana depois no dia 10 de fevereiro. Ao longo de fevereiro
e início de março a adesão à greve foi se ampliando, até que no dia 17 de março, com o
aumento de casos de COVID 19 em Minas Gerais, o governador Romeu Zema suspendeu
as aulas presenciais por tempo indeterminado. O movimento de greve não alcançou seus
intentos, mas, com a suspensão das aulas presenciais e visando o menor prejuízo possível
para o alunado, optou-se por acatar o Regime Especial de Atividades não Presenciais –
REANP, que perduraria por todo o ano de 2020.
A partir de junho o estado de Minas Gerais começou a oferecer material e aulas virtuais
para os alunos de sua rede. Os alunos deveriam ser acompanhados remotamente por seus
professores. No caso específico do ER com uma aula semanal em um cargo completo com
16 turmas de 35 alunos em média, seriam cerca de 560 alunos, por turno, para obter acom-
panhamento do professor. Com envio de atividades para cumprir a carga horária semanal
do discente, isso envolve correção, resolução de dúvidas por e-mail e, na maioria das vezes,
passar em branco pelo chat do aplicativo Conexão Escola, oferecido como forma oficial de
contato entre o professor e sua turma. Isso caso o professor não abrisse suas redes sociais
pessoais para executar nelas o teletrabalho. De toda forma, o contato pessoal fundamental
para o desenvolvimento de um diálogo que possa superar a intolerância já havia sido rompido.

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Independente de todas as questões de acessibilidade, letramento digital, condições
familiares de acompanhamento e até de falta de autonomia dos estudantes, o que preten-
demos focar aqui é o material criado, uma vez que, mesmo diante de todo este contexto
de exceção, ele é o primeiro material produzido com amparo estatal para o ER. Nos limites
deste artigo não faremos uma análise qualitativa, mas apenas uma descrição quantitativa
de como as habilidades presentes no CRMG foram aplicadas neste material didático.
Para melhor visualizar o uso das habilidades, organizamos uma tabela de forma a
destacar a sequência das habilidades como elas estão previstas no planejamento da SEE/
MG para 2020. Indicamos qual o volume do PET em que a habilidade foi trabalhada e se
ela foi usada como questão no PET avaliativo proposto ao fim do ano letivo.

Tabela 2. Organização dos PETs.

6º Ano 7º Ano 8º Ano 9º Ano

Hab. PET Aval. Hab. PET Aval. Hab. PET Aval. Hab. PET Aval.
04X 23MG 25MG I, III Sim 08X
01X I 06X I 02X I 07X I
18MG I, II Sim 05X I, II Sim 01 I, II Sim 34MG II Sim
21MG III Sim 04X III 24MG IV Sim 06X III Sim
03X IV Sim 03X IV Sim 03X III, IV Sim 03X IV Sim
20MG V Sim 07X V Sim 29MG V 33MG IV, VI
07X VI 01X VI Sim 27MG V Sim 04X V Sim
06X 22MG VII 28MG VI 05X VI Sim
17MG VII 07X V 26MG VI 33MG VI, IV
19MG 02X 30MG VI 02X VII
05X 08X 04 VII 01X
02 05X II 05X VII 02X VII
32MG
31MG
07X
06
Fonte: Tabela desenvolvida pelo autor a partir dos Planos de Estudos Tutorados elaborados pela SEE/MG (2020b).

Nesta tabela é necessário compreender que a primeira habilidade de cada ano deveria
ter sido trabalhada durante as aulas presenciais antes da suspensão das aulas, no mês de
fevereiro, conforme tabela 1. As habilidades marcadas como presentes no PET I foram tra-
balhadas em outros componentes de forma interdisciplinar. No primeiro volume não houve
PET específico para ER, mas as habilidades aparecem como interdisciplinaridade sugerida
em outros componentes curriculares. É bem verdade que um olhar mais apurado poderia
questionar a interdisciplinaridade proposta, mas aqui nos interessa exclusivamente a apli-
cação formal e quantitativa das habilidades.
Ainda devemos destacar que algumas das últimas habilidades de cada ano, referentes
ao quarto bimestre, não foram trabalhadas no ano de 2020. Nenhuma explicação formal foi

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dada a este respeito, nem houve uma revisão organizada como política pública para atender
estes déficits em 2021. Desta forma, descontando a primeira habilidade que deveria ter sido
trabalhada presencialmente, o sexto ano não aplicou quatro habilidades (06X, 19MG, 05X
e 02), o sétimo deixou de trabalhar com duas (02X e 08X), o oitavo outras quatro (32MG,
31MG, 07X e 06, esta última também não consta no plano de curso), e o nono ano uma
(01X). Com raras exceções as habilidades foram colocadas na ordem do plano de curso.
Uma modificação na ordem que chama a atenção acontece com a antecipação da habili-
dade 05X do sétimo ano, prevista para aplicação em dezembro ela foi trabalhada no PET
volume II. No sexto ano a opção por pular a habilidade 06X e trabalhar com a 17MG no
último volume do PET também chama a atenção, sobretudo porque neste caso não haveria
nenhum novo material, o que indica uma escolha pela habilidade do CRMG em detrimento
da originária da BNCC. Outras pequenas alterações não causam grande diversidade na
ordem dos componentes.
Apenas no oitavo ano dois objetos de conhecimento deixaram de ser trabalhados.
Como as habilidades foram distribuídas no plano de curso fragmentando os objetos de
conhecimento os demais acabaram sendo contemplados, mesmo que não desenvolvendo
todas as suas habilidades originais. No caso do oitavo o objeto “Tradições religiosas, mídias
e tecnologias”, relativo à habilidade 07X; e o objeto “Relações e narrativas pessoais”, que
abarcava as habilidades 31MG e 32MG, não conseguiram ser expostos no material produzido.
Destacamos ainda que, entre as 11 habilidades negligenciadas pelo material, 3 são do
CRMG e as demais 8 são originárias da BNCC. No total são 48 habilidades, o que significa
que cerca de 23% não foram contempladas no ano de 2020. Destas 30 são originais da
BNCC, média de 27% não apresentadas; e 18 criadas no CRMG, sendo 17% não efetivadas
em 2020. Em um universo em que quase um quarto do conteúdo não foi trabalhado nos
quatro anos finais do Ensino Fundamental, se deve destacar ainda a diferença de 10% da
opção por tratar primeiro os conteúdos criados pelo CRMG antes daqueles que fazem parte
da Base Nacional Comum Curricular.

DISCUSSÃO

A partir dos levantamentos alcançados no primeiro ano de pesquisa foi possível diagnos-
ticar uma tendência na política pública do estado de Minas Gerais para o ER que o direciona
mais para uma abordagem antropológica que propriamente para o contexto das ciências da
religião. Isso pode ser observado na constância do uso do termo cultura associado ao de
religião, assim como na opção pelas habilidades criadas no CRMG se guiarem mais para
este contexto cultural. Quando se analisa os PETs e se observa que as habilidades da BNCC
são preteridas às do CRMG esse padrão toma mais forma.

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A constatação de que quase um quarto das habilidades não chegaram a ser trabalhadas
neste primeiro ano deve ser amenizada pelo contexto completamente diverso em que se viveu
no ano de 2020. Contudo, as observações feitas indicam que houve uma organização do
plano de curso anterior ao REANP, ou seja, se se tinha a indicação de quando utilizar cada
habilidade antes do ensino remoto. Ao utilizar as habilidades seria possível uma organiza-
ção que encaminhasse para contemplar um número maior antes do fim do ano letivo. A não
existência de uma indicação estadual para contemplar o que ficou faltante no ano seguinte,
demonstra também uma falha da política pública para a área.
Se deve considerar ainda que novos PETs foram propostos para o ano de 2021, o
que será analisado no segundo ano do projeto, quando uma comparação poderá ajudar a
superar os problemas advindos do primeiro momento. De toda forma é possível indicar que,
apesar da ordem das habilidades terem sido alteradas novamente, a habilidade EF08ER06
continuou sendo excluída do plano de curso para 2021, o que indica uma desatenção recor-
rente. A título de esclarecimento o texto da habilidade propõe “Analisar práticas, projetos e
políticas públicas que contribuem para a promoção da liberdade de pensamento, crenças
e convicções” (BRASIL, 2018, p. 455). Não há o que se questionar na relevância de sua
aplicação, nem quanto a uma possível incorreção em sua elaboração, portanto, o único
encaminhamento possível é que tenha sido esquecida por desatenção.
Como a proposta deste texto envolve a apresentação da organização das habilidades
trataremos em outros momentos da quantificação de presenças de cada tradição, da com-
paração entre o ano de 2020 e o de 2021, e dos caminhos da política pública para a área.

CONCLUSÃO

Os resultados apresentados aqui representam parte da pesquisa que está em anda-


mento. Os desdobramentos destas primeiras análises transformaram a proposta de uma
descrição do material didático proposto nos PETs para uma interpretação mais profunda
do desenvolvimento do ER como uma política pública no estado de Minas Gerais. Neste
sentido as mudanças no CRMG em relação à BNCC são refletidas na confecção dos planos
de curso da SEE/MG e na forma como ela modifica a ordem das habilidades e fragmenta
os objetos de conhecimento. Este encaminhamento se torna palpável a partir da confecção
dos PETs, mas a atipicidade do ano de 2020 não permite que as conclusões sejam cabais,
logo uma comparação com o desenvolvimento dos PETS de 2021 e o plano de curso para
2022 tende a ser esclarecedora. Estas são as próximas etapas a serem seguidas e serão
publicadas oportunamente.

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Agradecimentos

Pelo fomento dos projetos cabe o agradecimento ao Programa de Apoio à Pesquisa


da Universidade do Estado de Minas Gerais – PAPq/UEMG.

REFERÊNCIAS
1. BAPTISTA, M. R.; GOULART, G. M. P. Ensino Religioso entre o sagrado e o profano
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9. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. Disponível em:
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10. ELIADE, M. O sagrado e o profano: A essência das religiões. São Paulo: Martins
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11. FONAPER. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Religioso. São Paulo:


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12. MINAS GERAIS. Currículo Referência de Minas Gerais. Belo Horizonte: SEE/MG,
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13. MINAS GERAIS. Currículo Básico Comum do Ensino Fundamental. Belo Horizonte:
Governo de Minas, 2014. Disponível em: <Cbc anos finais - ensino religioso (slideshare.
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14. SEE/MG. Planos de curso. Belo Horizonte: SEE/MG, 2020a. Disponível em: <https://
curriculoreferencia.educacao.mg.gov.br/index.php/plano-de-cursos-crmg>, acesso em
06/01/2021.

15. SEE/MG. Resolução 4.254/2019. Belo Horizonte: SEE/MG, 2019. Disponível em:
<https://www2.educacao.mg.gov.br/component/gmg/story/10709-calendario-escolar-
-2020-ano-letivo-na-rede-estadual-de-ensino-comeca-no-dia-10-de-fevereiro>, acesso
em 06/01/2021.

16. SEE/MG. Planos de Estudos Tutorados. Belo Horizonte: SEE/MG, 2020b. Disponível
em: <https://estudeemcasa.educacao.mg.gov.br/pets>, acesso em 06/01/2021.

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O “mal” sob duas perspectivas divergentes

Janine Targino
PPGSP/IUPERJ

Artigo original publicado em: 2021


Este texto foi publicado anteriormente em: TARGINO, Janine. Apontamentos sobre duas representações do mal divergentes. Tempo da
Ciência (UNIOESTE), v. 28, p. 10-21, 2021.”
Oferecimento de obra científica e/ou literária com autorização do(s) autor(es) conforme Art. 5, inc. I da Lei de Direitos Autorais - Lei 9610/98

'10.37885/220709611
RESUMO

As representações do mal vigentes na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e na


Seicho No Ie mostram-se bastante divergentes. Se para a IURD é pujante a crença em
demônios e no potencial que estes possuem para provocar os problemas, na cosmologia
da Seicho No Ie a verdadeira fonte dos males é a mente humana, uma vez que ela é ca-
paz de criar situações de infortúnios. Partindo desta divergência fundamental, este artigo
apresenta uma análise comparativa sobre os desdobramentos que ambas as representa-
ções do mal manifestam na vida dos indivíduos de acordo com a adesão deles à IURD ou
à Seicho No Ie. A principal conclusão alcançada pela pesquisa aponta que as diferentes
concepções de mal observadas acionam práticas rituais e performances distintas nas duas
instituições religiosas estudadas.

Palavras-chave: Representação do Mal, Igreja Universal do Reino de Deus, Seicho No Ie,


Práticas Rituais.
INTRODUÇÃO

No Brasil, a variedade de representações do mal provenientes das religiões é um fenô-


meno intimamente ligado à diversidade que impera em seu campo religioso. Estas represen-
tações, por formarem um conjunto heterogêneo, muitas vezes mostram-se antagônicas entre
si, como é o caso, por exemplo, das concepções de mal vigentes na Igreja Universal do Reino
de Deus (IURD) e na Seicho No Ie. Enquanto a IURD possui como principal característica a
crença em demônios e na ação maléfica destes sobre os indivíduos, a Seicho No Ie trabalha
com uma perspectiva “psicologizada”, onde os infortúnios são causados pela capacidade
criativa da mente humana.
Para além desta diferença fundamental, deve-se ressaltar que a IURD e a Seicho No Ie
são provenientes de matrizes religiosas bastante distintas. A primeira trata-se de um desdo-
bramento do avanço do neopentecostalismo no Brasil e constitui um dos ícones do fenômeno
denominado “terceira fase do pentecostalismo” (FRESTON, 1994). A segunda, em contra-
partida, está baseada em uma matriz religiosa oriental que chegou ao Brasil por volta de
1950 (PAIVA, 2005) através de um movimento de “orientalização do Ocidente” (CAMPBELL,
1997) profundamente influenciado pela crise da racionalidade ocidental e pela situação de
reencantamento do mundo (ALBUQUERQUE, 2001). O fato de ambas coexistirem no campo
religioso brasileiro possibilita uma análise comparativa que, neste artigo, concentrou-se nas
características inerentes à representação do mal que a IURD e a Seicho No Ie sustentam
em suas respectivas cosmologias.
Sendo assim, este artigo analisa a percepção dos indivíduos em torno das representa-
ções do mal da IURD e da Seicho No Ie. Além disso, a forma pela qual estas representações
singularizam o cotidiano dos indivíduos de acordo com a adesão a uma destas instituições
religiosas também esteve no rol de elementos observados durante a pesquisa. Os dados aqui
examinados foram obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas e observação de campo.
Antes de prosseguir, é necessário esclarecer como a Seicho No Ie é tratada ao longo
deste artigo. Há na Seicho No Ie uma tensão entre uma autodefinição ligada à sua origem,
na qual seu fundador, Masaharu Taniguchi, a designava como uma religião, e uma auto-
definição mais atual, onde a Seicho No Ie é considerada uma filosofia de vida, que pode
ou não ser adotada como religião pelos seus adeptos. Nesta pesquisa, a Seicho No Ie foi
observada como uma religião, visto que ela possui doutrina, rituais e crenças que lhes são
próprios. Além do mais, o fato de os adeptos da Seicho No Ie se referirem à mesma como
uma espécie de teodiceia também serve de dado para sustentar um ponto de vista que a
observa como religião, e não apenas como filosofia de vida.

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Seicho No Ie

A Seicho No Ie foi fundada no Japão em 1° de março de 1930 por Masaharu Taniguchi


(1893-1985), um PhD em filosofia que, antes de se dedicar à criação desta religião, escreveu
diversos livros onde contestava a existência de Deus fundamentado na premissa de que “não
poderia existir Deus em um mundo pautado no sofrimento e em desigualdades de todos os
gêneros”. Situada no grupo denominado por estudiosos como “novas religiões japonesas”, a
Seicho No Ie cresceu no pós-guerra (PAIVA, 2005), momento no qual também surgiram outras
religiões, como a Soka Gakkai, a Perfect Liberty e a Igreja Messiânica Mundial (Johrei), em
função do abalo sofrido pela religião oficial do Estado japonês, profundamente estruturada
na crença na divindade do imperador e uma das principais bases da ideologia militarista.
Após escrever livros sobre ateísmo, Masaharu Taniguchi teria recebido de um anjo a
revelação de que “o sofrimento e a dor não existem, visto que a matéria também não exis-
te”. Foi neste momento que ele se sentiu inspirado a fundar uma nova religião, denominada
por ele “Seicho No Ie”, que em japonês significa “Lar do Progredir Infinito”. A criação desta
religião considerou as características inerentes ao campo religioso japonês para que fosse
possível alcançar aceitação. No Japão, as religiões reconhecidas como tradicionais são o
Catolicismo, o Budismo e o Xintoísmo. No entanto, não existe muita tolerância entre católicos
e budistas, podendo-se até mesmo dizer que católicos dificilmente iriam a templos budistas e
que os budistas muito provavelmente não frequentariam igrejas católicas. Porém, a relação
entre católicos e o xintoísmo, assim como a relação entre budistas e o xintoísmo, é bastante
diferente. No rol das religiões instaladas no Japão, o xintoísmo é visto como a mais tradi-
cional, sendo respeitado não só por seus adeptos, mas também pelos seguidores de outras
religiões. Em vista disso, Masahari Taniguchi, preocupou-se em estruturar a Seicho No Ie
em preceitos xintoístas, mas sem afastar-se completamente do budismo e do catolicismo,
uma atitude que mostra o quanto o líder fundador dedicou-se à criação de condições que
viabilizassem a aceitação desta nova religião no campo religioso japonês1.
Ao chegar ao Brasil, como nos diz Paiva,

A Seicho No Ie foi introduzida primeiramente entre os colonos japoneses da


Alta Paulista, tipicamente por meio de literatura religiosa, que continua um dos
meios mais utilizados de divulgação. Com o relativo insucesso de propagação
entre os japoneses da primeira geração, já portadores de uma religião, e entre
os japoneses da segunda geração, atraídos pelo catolicismo como instrumento
de inserção na sociedade brasileira, a Seicho-no-iê voltou-se, desde a década
de 70, para os não-descendentes de japoneses (PAIVA, 2005, p. 11).

1 Inclusive, o emblema criado para a Seicho No busca unir os preceitos basilares das três principais religiões do Japão. O círculo da
Grande Harmonia, que encerra o sol, a lua e uma estrela, ou seja, o xintoísmo, o budismo e o cristianismo, mostra uma verdadeira
união simbólica entre as tradicionais religiões do Japão.

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Desde então, a Seicho No Ie e outras novas religiões japonesas vêm conquistando
adeptos entre os não-descendentes de japoneses no Brasil. Em 1991, apenas duas das
novas religiões japonesas instaladas no Brasil tinham fiéis autodeclarados (TOMITA, 2004).
Mas, no Censo de 2010, registrou-se o significativo número de 155.951 mil pessoas que se
dividiam entre as igrejas orientais Messiânica, Seicho No Ie, Hare Krishna, Perfect Liberty,
Tenrikyo e Mahicari.

O Mal que eu “crio” – o ponto de vista da Seicho No Ie sobre o Mal.

A doutrina fundamental da Seicho No Ie sustenta que existe apenas o Jissô, que pode
ser traduzido aproximadamente como realidade, verdade, mente e Deus (PAIVA, 2002).
Dessa forma, distinguem-se dois planos: um que corresponde à realidade/Jissô e aquele que
se refere ao fenômeno. No plano que corresponde à realidade, o homem existe como filho
perfeito de Deus, imortal e sem qualquer ligação com o pecado. Já no plano do fenômeno,
o homem encontra-se em uma posição vulnerável e pode ser atingido pelo pecado, pelas
doenças, pela morte e outros males. Todavia, o fenômeno é criado pela mente humana e, por
isso, pode ser visto como algo ilusório. Para que os males possam ser curados, a doutrina
da Seicho No Ie indica a importância da tomada de consciência do Eu verdadeiro, isto é, o
entendimento de que o homem é filho perfeito de Deus (PAIVA, 2002).
Entre as atividades propostas pela instituição para que os adeptos cheguem à consciên-
cia do Eu verdadeiro estão as palestras semanais, seminários regionais, estaduais e nacionais
e a prática diária da meditação Shinsokan, que é uma meditação contemplativa formada por
várias mentalizações. O principal objetivo desta meditação é levar o indivíduo a transcender
o mundo fenomênico-material e entrar em contato com o mundo da imagem verdadeira, ou
seja, o mundo perfeito e absoluto criado por Deus. Há a orientação para que a meditação
seja realizada todos os dias, com saudação, culto aos antepassados, culto aos anjinhos
abortados, louvor aos apóstolos da Missão Sagrada, entre outras (WOJTOWICZ, 2004).
Nota-se que o mal, dentro da cosmologia da Seicho No Ie, não é visto como algo
personificado. Segundo esta religião, o mal não existe por si mesmo, não tem possibilidade
de ação individual e não está concentrado em uma entidade de perfil maligno, posto que
constitui uma situação totalmente criada pela mente humana2. Estar doente ou em roblemas
financeiros, por exemplo, representam momentos nos quais o indivíduo entra em contato

2 É necessário enfatizar que, para a Seicho No Ie, tal capacidade criativa da mente humana advém das circunstâncias em que o
homem fora criado. Para esta religião, é absolutamente legítima a afirmação de que o homem é uma criação feita à imagem e seme-
lhança de seu criador, Deus. Dessa maneira, a criatura possui as mesmas características de seu criador, inclusive a própria capaci-
dade criativa, o que a torna tão criadora quanto o seu criador. Entretanto, para a Seicho No Ie, a criação de Deus constitui o mundo
verdadeiro, enquanto a criação do homem é somente algo ilusório e sem existência concreta, posto que apenas o que é criado por
Deus pode ser considerado como verdadeiramente existente.

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de maneira equivocada com o mundo fenomênico-material, a saber, com o “mundo” criado
através da capacidade criativa da mente humana. Não há, dentro das categorias usadas
pela Seicho No Ie, espaço para o entendimento de que as situações ruins vivenciadas pelo
indivíduo são condições impostas por entidades malignas. Pelo contrário, a Seicho No Ie
sustenta que todo mal da humanidade é proveniente das “sombras da mente”6, tendo em
vista que o mundo fora criado por Deus em sua mais absoluta perfeição e sem escassez de
qualquer espécie. Deste modo, não parece incorreto dizer que o mal para a Seicho No Ie
se trata de uma criação, uma vez que ele não possui existência independente da ação
mental do indivíduo.
Contudo, se o mal é criado pela mente humana, é também somente através dela que
ele pode ser eliminado. As práticas indicadas pela Seicho No Ie têm como ponto de con-
vergência a ênfase na purificação da mente para que esta não “crie” o mal. A meditação
Shinsokan é uma das práticas mais importantes neste sentido, pois tem o intuito de fazer
com que o indivíduo ultrapasse a barreira do mundo fenomênico-material (o mundo ilusório)
chegando de fato ao mundo perfeito (o mundo verdadeiro, criado por Deus).
Se o Mal é criado pela mente humana, em contrapartida, ele pode ou não ser legitima-
do no discurso. Por meio da análise das entrevistas feitas com adeptos da Seicho No Ie foi
possível constatar que questões como doenças, desemprego, infelicidade conjugal, entre
outras, são vistas como irrelevantes e sem a menor existência concreta. Um dos entrevista-
dos, AR, de 35 anos, adepto da Seicho No Ie há doze anos, ofereceu a seguinte declaração:

A gente (os adeptos da Seicho No Ie) só acredita naquilo que é eterno, aquilo
que pode permanecer, e aquilo que pode permanecer, aquilo que é eterno, pra
gente, é a vida, é o espírito. Então a gente só acredita nas coisas, acredita de
verdade, vamos dizer assim, nas coisas que são pautadas no espírito, que tem
a sua base no espírito e nessa mente divina que cria o mundo de uma maneira
perfeita. O restante, as doenças que as pessoas sofrem, as pobrezas que as
pessoas sofrem, as crises econômicas ou as desarmonias no lar, seja lá o
que for, são sombras da mente. (AR, de 35 anos, adepto da Seicho No Ie).

Considerar as doenças, as crises econômicas e a desarmonia no lar como inexistentes


é o primeiro passo para transcender o mundo fenomênico-material e atingir o mundo verda-
deiro. Dificilmente um adepto da Seicho No Ie irá legitimar em seu discurso qualquer tipo de
problema com o qual esteja sofrendo. De fato, o discurso destes indivíduos é permeado pelo
esforço em negar a existência dos problemas pautado na máxima de que todos os infortú-
nios não são nada mais que ilusões surgidas no plano do fenômeno. A declaração de AA,
29 anos, adepta da Seicho No Ie há sete anos, serve perfeitamente para ilustrar este ponto:

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Agora, neste momento, eu estou gripada. Mas veja bem, eu estou doente, mas
não sou doente. Essa é a diferença. Se uma pessoa disser ‘eu sou saudável’,
ela vai se tornar uma pessoa saudável. Se ela disser ‘eu sou doente’, ela vai
se tornar uma pessoa doente porque ela acredita nisso. É por isso que nós
fazemos cerimônias de purificação da mente, pra que tudo aquilo que não nos
pertence volte ao seu nada original. (AA, 29 anos, adepta da Seicho No Ie).

Igualmente, as orações disponíveis no site3 oficial da Seicho No Ie corroboram esta ati-


tude em relação aos problemas, ou seja, em relação ao mal. Novamente, deparamo-nos com
mais um conceito que precisa de tratamento especial para evitar seu emprego inadequado.
Considerando que este artigo propõe uma comparação entre determinados elementos das
cosmologias da Seicho No Ie e da IURD, é imprescindível matizar o que vem a ser oração
para cada uma delas. Para a IURD, a oração é o momento no qual o indivíduo entra em
contato com a divindade para lhe solicitar algo ou para lhe agradecer alguma graça recebida.
Entretanto, para a Seicho No Ie a idéia a prática da oração adquire novas nuances oriundas
das peculiaridades de sua cosmologia. Segundo com o que fora exposto anteriormente, a
Seicho No Ie percebe o mundo como uma criação perfeita de Deus, onde não há escassez
de nenhuma espécie. Sendo assim, não há necessidade de realizar pedidos durante as
orações, pois tudo o que o homem precisa já existe, basta que ele saiba a forma correta de
usufruir todas as benesses do mundo. A pauta comum das orações feitas pelos adeptos da
Seicho No Ie é o agradecimento a tudo de bom que existe. Alguns exemplos de orações
divulgadas no site oficial desta religião demonstram com clareza este aspecto.

Oração para conseguir fazer tudo


Como filho de Deus, recebi dEle a força para fazer todas as coisas. Por isso,
jamais digo que não consigo fazer algo. As matérias escolares ou os trabalhos
que me foram dados pelo professor ou por meus pais, executo-os docilmente,
pois acho que posso fazê-los. Com certeza, a força de Deus se manifestará,
e conseguirei tudo fazer. Muito obrigado.

Oração para ser sempre saudável


A Vida de Deus se alojou dentro de mim e tornou-se minha vida. Minha vida é
Vida sagrada de Deus; por isso, sou sempre perfeito e saudável. Quando por
acaso eu me machuco ou adoeço, a Vida de Deus cura o meu corpo interna-
mente, através de Sua infinita força. Por isso, sou sempre saudável e, mesmo
que me canse, logo me recupero. Muito obrigado.

Oração de segurança
Deus é Amor infinito. O infinito Amor de Deus sempre me protege. Por isso,
estou sempre seguro. Com a orientação de Deus, desvio-me naturalmente
dos lugares perigosos. Estou sempre protegido por Deus e, por isso, não
temo nem sinto medo em nenhum momento, pois age a Sabedoria adequada.
Muito obrigado.

3 https://sni.org.br/

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Nestas orações estão presentes apenas séries de afirmações. Em momento algum
são feitos pedidos. Aqui, é possível encontrar expressões como “com a orientação de Deus,
desvio-me naturalmente dos lugares perigosos” e não “Deus, livra-me dos caminhos pe-
rigosos”, ou então “minha vida é a vida sagrada de Deus, por isso sou sempre perfeito e
saudável”, e jamais “Deus, dê-me saúde”. Esta modalidade peculiar de oração corporifica as
informações até aqui apresentadas a respeito da concepção de mal presente na cosmologia
da Seicho No Ie. Tendo em mente que para esta religião o mal, representado pelas várias
modalidades de infortúnios com os quais os indivíduos sofrem, simplesmente não existe para
além das fronteiras do mundo fenomênico-material, o mais importante a ser feito é a purifi-
cação da mente para que esta não legitime a existência ilusória do mal. As orações, dentro
da perspectiva nativa, além de diluírem a existência de um amplo conjunto de problemas,
também promovem uma “limpeza na mente”, evitando que ela crie o mal.
Um outro aspecto interessante a ser observado no âmbito das orações indicadas pela
Seicho No Ie é a reverência, um ato bastante arraigado na cosmologia desta religião. A dou-
trina da Seicho No Ie considera que a reverência à vida é a base do ensinamento do mes-
tre4, já que, ao agradecermos e vivificarmos uns aos outros, reverenciamos a própria vida
(WOJTOWICZ, 2004: 55). Todas as orações divulgadas no site terminam com a frase “muito
obrigado”. Isso ilustra, mais uma vez, o quanto a crença na não existência dos males é re-
levante dentro da cosmologia da Seicho No Ie, pois, uma vez que todo o necessário para
viver bem e feliz já existe no mundo verdadeiro, não há necessidade de realizar qualquer
pedido a Deus. Só resta ao indivíduo agradecer tudo que foi trazido à existência por meio de
Sua criação. Reverenciar, na perspectiva da Seicho No Ie, também constitui um ato ligado à
harmonização da vida. De acordo com BM, 43 anos, adepto da Seicho No Ie há cinco anos:

O natural é que a gente não tenha mágoa das pessoas, que a gente não odeie
as pessoas, que a gente ame as pessoas, que a gente elogie as pessoas e
que a gente reverencie a vida. Se as pessoas fazem isso, é natural que a vida
delas seja harmoniosa, que elas não tenham desarmonia no lar. Então, se a
desarmonia no lar está acontecendo é porque alguém, em algum momento,
resolveu ficar magoado, ou resolveu subjugar o outro. (BM, 43 anos, adepto
da Seicho No Ie).

A reverência constitui, no âmbito da cosmologia da Seicho No Ie, um ato indispensável


para uma vida feliz e em concordância com os preceitos divinos.

4 Mestre é a forma pela qual os adeptos à Seicho No Ie se referem a Masaharu Taniguchi.

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Igreja Universal do Reino de Deus – IURD

A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) foi fundada no ano de 1977 por Edir Bezerra
Macedo, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Começando com a veiculação de pro-
gramas radiofônicos, e posteriormente dedicando-se também à programação televisiva e à
mídia impressa, a Igreja Universal conseguiu arregimentar cada vez mais fiéis para as suas
fileiras ao longo das últimas décadas.
As Teologias da Prosperidade e da Batalha Espiritual, de acordo com os pesquisadores
que dedicaram páginas de estudos à IURD, são elementos estruturais da cosmologia desta
igreja. A Teologia da Prosperidade trás para ordem do dia uma abordagem que se identifica
profundamente com a autoajuda e com a valorização do indivíduo, além de agregar elementos
para a crença na cura, na prosperidade e no poder da fé através da confissão da palavra
(MAGALHÃES & SOUZA, 2002). Com a implementação da Teologia da Prosperidade, o
cristão passa a entender que tem o total direito de usufruir o que há de melhor no mundo,
não só em termos de riqueza material, mas também no que diz respeito a ter uma saúde
perfeita e uma vida feliz e livre de problemas (MAGALHÃES & SOUZA, 2002).
A Teologia da Batalha Espiritual pode ser definida como um conjunto de preceitos que
sustentam a importância da evangelização (a pregação da palavra cristã) e da luta contra
o demônio, uma entidade que está presente em toda forma de mal que se faz ou que se
sofre e nas práticas religiosas não cristãs (MARIZ, 1997a). Dessa forma, a Igreja Universal
acredita na existência de religiões demoníacas, comumente classificando as religiões es-
píritas e afro-brasileiras como tais (SILVA, 2007). Para os fins deste artigo, é indispensável
a análise dos desdobramentos da Teologia da Batalha Espiritual sobre as práticas rituais e
cosmologia iurdianas.

O Mal que eu “creio” – o ponto de vista da Igreja Universal do Reino de Deus sobre
o Mal.

Segundo a cosmologia iurdiana, a ação demoníaca é a fonte de todo o mal (MARIZ,


1997b). Em contrapartida, no polo oposto, Deus constitui o único ponto de onde emana
bem-estar e salvação para os problemas deste mundo (TARGINO, 2008). Forma-se, então,
o binômio Deus X demônio, muito presente no conjunto das igrejas neopentecostais, do qual
a igreja Universal é uma das maiores referências. Para a IURD, o mal está personificado em
uma entidade que o tem como essência, ou seja, o mal tem existência própria e pode agir
voluntariamente sobre a vida dos indivíduos, causando-lhes infortúnios. No bojo das narra-
tivas iurdianas, as entidades do panteão afro-brasileiro figuram como os principais agentes
do mal (SILVA, 2007; TARGINO, 2008).

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A crença em demônios e em sua ação maléfica mobiliza todo um conjunto de crenças
e ações rituais. Atualmente, a IURD dedica dois dias durante a semana para a realização
de cultos voltados para a “amarração” dos demônios: as terças-feiras, quando são feitas
as Sessões Espirituais do Descarrego, e as sextas-feiras, dias nos quais é promovida a
Corrente da Libertação. Em ambos os cultos, ocorre um confronto direto entre os fiéis e os
demônios que devem ser expulsos. Neste confronto entre bem e mal, as orações realizadas
pelos regentes dos cultos e acompanhadas pelos fiéis ganham destaque em função da pauta
fundamental que seguem, permeada pela acusação constante dos demônios pelos mais
variados motivos. Para ilustrar este aspecto, segue o trecho de uma oração realizada pelo
pastor em um dos cultos de descarrego observados durante a pesquisa de campo:

Senhor Jesus, esse jejum que estamos fazendo (o jejum era parte de um “pro-
pósito”) é para quebrar esta casta de demônios. Se esta casta de demônios
estiver na vida dessas pessoas vai sair agora, vai sair agora! Em nome de Je-
sus, o demônio que recebeu um trabalho de macumba, um trabalho de final de
ano, um trabalho de feitiço pra atingir essa pessoa, pra atingir a família dessa
pessoa, pra atingir a casa dessa pessoa, vamos! Você – o demônio - colocou
enfermidades, uma dor, você colocou enfermidade, inflamação, enxaqueca, dor
de cabeça constante, você ganhou um trabalho de macumba com cachaça pra
destruir essa pessoa, pra deixar essa pessoa desempregada, vamos encosto!
Vamos!” E pede para que os presentes repitam, com as mãos na cabeça: “em
nome do Senhor Jesus, encosto de doença, de miséria, agora, sai! Sai!.

Estas numerosas acusações feitas aos demônios (que são responsabilizados por doen-
ças, problemas familiares, desemprego) nos mostram que a representação iurdiana do mal
é portadora de múltiplos atributos no que tange aos malefícios que pode provocar. Além
disso, comportamentos classificados como desviantes, como por exemplo, o alcoolismo, o
uso de drogas e a prostituição, sempre são apontados como o resultado da ação demonía-
ca e jamais como um ato sobre o qual repousa exclusivamente a responsabilidade de seu
autor (MARIZ, 1997b).
Nas músicas cantadas durante os cultos da Sessão Espiritual do Descarrego e da
Corrente da Libertação também está presente o tom de ataque às forças do mal. Semelhante
às orações, as músicas citam constantemente a palavra “sai”, que simboliza, na cosmologia
iurdiana, a palavra de ordem definitiva para a expulsão de demônios. Das anotações feitas
no caderno de campo foi extraído o seguinte trecho.

A imposição de mãos feita pelo bispo demora bastante para terminar, pois a
quantidade de pessoas sobre o altar é muito grande. O bispo pede então que a
música volte, e o tecladista recomeça: o fogo cai, cai, cai, cai, cai, encosto sai,
sai, sai, sai, sai, e nós vivemos louvando ao Senhor, e nós vivemos louvando
ao Senhor... O nome de Jesus é poderoso, não há quem possa derrotar, o
nome de Jesus é poderoso, não há quem possa derrotar, e o encosto sai, a
macumba sai... a minha fé é poderosa pela graça de Jesus, a minha fé é

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poderosa pela graça de Jesus, e os encostos vão saindo, porque não resistem
à luz! Sai, sai, sai, em nome de Jesus!

Do mesmo modo que as orações, outras ações rituais implementadas durante os cultos
colaboram para ilustrar a forma como se estrutura o embate entre fiéis e demônios, ou, em
termos mais gerais, entre bem e mal. Entre estas ações rituais a prática mais comum é o
exorcismo, momento no qual o mal ganha corpo e voz através do indivíduo em que ele se
manifesta. Precede o exorcismo uma oração chamada pelos adeptos da IURD de “oração
forte”, que segue os moldes da oração apresentada acima. Associada à oração, pastores e
obreiros realizam a imposição de mãos e, na grande maioria dos casos, as manifestações
dos demônios acontecem somente por meio deste. Partindo deste dado, parece razoável
a conclusão de que há uma associação imediata entre o papel que obreiros e pastores re-
presentam nos cultos e na hierarquia da Igreja e a autoridade para expulsar demônios das
pessoas, posto que, de acordo com a cosmologia iurdiana, o exorcismo trata-se do principal
meio para a neutralização da ação demoníaca na vida de um indivíduo. No discurso nativo,
o exorcismo é comumente apontado como a prática fundamental do processo de libertação,
que é composto por um conjunto de procedimentos aplicados com a intenção de libertar as
pessoas do jugo demoníaco.
Sinteticamente, podemos definir o exorcismo como a ocasião na qual o demônio que
assola um indivíduo com infortúnios manifesta-se em seu corpo, sendo posteriormente ex-
pulso por obreiros e pastores. Contudo, outras ações rituais que utilizam elementos rituais
dos mais variados tipos são capitais para que o mal realmente seja afastado. O uso de rosas,
sal grosso, arruda, água fluidificada, entre outros, é algo bastante presente nos cultos, pois
incorporam a função de auxiliadores no processo de expulsão do mal não só da vida do
fiel, mas também de toda sua família. As rosas usadas durante as Sessões Espirituais do
Descarrego são um bom exemplo disso. Durante o período da pesquisa de campo, estas
rosas eram distribuídas na igreja às terças-feiras. A função al das rosas era fundamental
para a eficácia da sequência ritual que tinha início na igreja às terças-feiras, passava pela
casa do fiel, e terminava no domingo, com o retorno da rosa à igreja.
Segundo os regentes dos cultos, a rosa ungida teria o poder de absorver todo o mal
instalado na casa do fiel. A rosa sempre deveria ser colocada no lugar mais alto da casa,
e deixada lá até o domingo seguinte para então ser levada de volta à igreja, onde seria
queimada ou levada pelo pastor ou bispo para ser jogada no mar ou em um rio. Segundo
as explicações dadas pelos regentes dos cultos, quanto mais seca a rosa ficasse, maior
também seria a intensidade da “carga negativa” da casa onde ela estava.
Uma outra dimensão importante da representação do mal vigente na IURD é o ca-
ráter contínuo da luta travada contra os demônios. Não há momento de descanso ou de

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tranquilidade dentro desta batalha espiritual. Ainda que o fiel tenha concluído seu processo
de libertação e sinta-se livre da influência demoníaca no plano pessoal, há a necessidade
de lutar contra os demônios que atuam na vida de seus familiares, contra o demônio que
atribula a sua vida financeira, entre outros. A guerra contra as forças do mal nunca cessa e
o arsenal de ações e elementos rituais usados para atacar o inimigo guarda peculiaridades
que o identificam com as estruturas básicas que sustentam a cosmologia iurdiana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Na tentativa de construir uma análise comparativa entre as representações do mal


presentes nas IURD e na Seicho No Ie foram apresentados alguns pontos sobre os quais
estas instituições divergem. O principal deles diz respeito à origem dos males com os quais
os indivíduos sofrem. Enquanto a Seicho No Ie adota um ponto de vista mais psicologizado
sobre o Mal, onde todos os problemas físicos, sentimentais, financeiros, entre outros, são cau-
sados pela capacidade criativa da mente humana, a IURD enfatiza que a existência e ação de
entidades malignas são as responsáveis por todos os infortúnios que atingem os indivíduos.
Partindo destas representações divergentes do mal, igualmente foi possível obser-
var que os rituais adotados na IURD e na Seicho No Ie são bastante particulares. Se a
Seicho No Ie sublinha a importância da realização de rituais para a purificação da mente,
com a intenção de evitar a criação do mal, a IURD aplica todo um conjunto de ações volta-
das para a expulsão dos demônios que são responsabilizados por provocarem malefícios
de todas as naturezas.
Assim, espera-se ver compartilhada entre os adeptos da IURD a crença em demônios,
que são, segundo o discurso nativo, entidades com existência individual, personalidade,
capacidade para atuar voluntariamente e absolutamente impulsionadas pela vontade de
infligir sofrimentos aos homens. Sobre esta concepção de mal estrutura-se toda a lógica da
Teologia da Batalha Espiritual, pois, sendo o Mal um ser com existência própria, ele deve ser
combatido enquanto um inimigo declarado. Este combate leva os indivíduos a participarem
com afinco de ações rituais elaboradas com a finalidade de neutralizar a ação dos demônios.
Essa é entendida como a única via possível para a resolução de qualquer tipo de problema.
Em contrapartida, no conjunto de adeptos da Seicho No Ie é comum que os indivíduos
tomem parte de uma crença na oposição estabelecida entre o mundo criado por Deus,
considerado o mundo verdadeiro, e o mundo fenomênico-material, criado pelas sombras
da mente humana. Esta construção bipolar torna-se possível em função da crença nativa
na capacidade criativa da mente humana. Se é das sombras da mente que surgem todos
os males com os quais os indivíduos sofrem, o verdadeiramente necessário é a purificação
da mente em rituais praticados constantemente. Com a purificação da mente os problemas

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que existem deixam de ser legitimados e outros eventos negativos que poderiam surgir não
mais encontram terreno propício para isso. O mal, para o adepto da Seicho No Ie, não possui
personalidade, ação voluntária e individualidade, posto que ele é apenas uma manifestação
da mente humana.
Para além das diferenças que colocam o IURD e Seicho No Ie em polos opostos e
mutuamente excludentes, deve-se considerar também que elas possuem vários aspectos
em comum. Tanto a IURD quanto a Seicho No Ie expandem-se internacionalmente a passos
largos, fato que corrobora o que muitos autores dizem sobre as propícias condições atuais
para a difusão global de vários grupos religiosos (CASTILHO & GODOY, 2006; MATSUE,
2002; ORO, 2004). O próprio encontro mútuo destas religiões em solo brasileiro é um produto
da globalização (MASANOBU, 2004). Além disso, ambas as religiões estudadas possuem
uma “concepção vitalista da salvação”, onde se prioriza a conquista da salvação neste mundo,
indo contra o aspecto transcendente e de negação deste mundo, tão forte nas cosmologias
das religiões tradicionais (MASANOBU, 2004). Dada a relevância destes pontos de conver-
gência entre IURD e Seicho No Ie, espera-se que eles sejam adequadamente trabalhados
em pesquisas posteriores.

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08

O Ensino Religioso nas escolas públicas e


o modelo confecional no Brasil

Flávio Aparecido de Almeida

'10.37885/220709314
RESUMO

Este artigo buscou aprofundar o conhecimento quanto à problemática criada pela inserção
da disciplina Ensino Religioso na educação pública no Brasil, demonstrando algumas con-
cepções de especialistas sobre a disciplina, seus problemas sócio pedagógicos e como ela
pode ser trabalhada por meio dos temas transversais da educação. O trabalho trouxe como
objetivo geral analisar qual a viabilidade de implementação da Religião em um Estado inti-
tulado Laico. Nesse contexto buscou-se o estabelecimento de uma análise crítica sobre o
ensino religioso nas instituições de ensino brasileiras, com base nos parâmetros jurídicos e
legais relacionados. Baseando-se no vínculo existente entre as pessoas, a crença e a reli-
gião, destacada sua relevância, realizou-se uma observação sob a égide do Estado Laico
de Direito. A partir do contexto constitucional, a análise infraconstitucional dos aspectos
jurídicos relacionou-se à uma abordagem legal, da estrutura e organização dos mecanismos
de ensino quanto a implementação da disciplina nas escolas públicas.

Palavras-chave: Ensino Religioso, Instituição de Ensino, Liberdade Religiosa, Laicismo.


INTRODUÇÃO

O ensino religioso não está limitado como apenas um componente curricular em ins-
tituições de escolares, a ele também está relacionada uma lógica entre secularização e
laicidade no interior de contextos históricos culturais e relevantes. Nas comunidades ociden-
tais, principalmente a partir do período contemporâneo, a religião deixou de ser o elemento
da ascendência do poder terreno, e paulatinamente foi disponibilizado espaço para que o
Estado fosse capaz de se distanciar da religião de forma geral.
O Estado tornou-se laico, ou seja, passou a apresentar-se equidistante dos cultos
religiosos deixando de considerar qualquer um deles como oficial. A cada dia aumenta-se
o distanciamento da religiosidade, de forma que a laicidade, vinculada com liberdade de
expressão, de consciência e de culto, tende a tornar inviável o convívio com um Estado de-
tentor de uma confissão. Em contrapartida, um Estado laico direciona-se, necessariamente
pela irreligião ou anti religiosidade.
Nesse contexto, ao mesmo tempo ocorre a transição da religiosidade do poder estatal
para o setor privado e a ascensão da laicidade como um ideal de poder do Estado. Por outro
lado, a secularização trata-se de um processo social no qual indivíduos ou agrupamentos
sociais acabam se afastando dos preceitos religiosos, tanto em relação ao ciclo temporal,
como em relação às regras e costumes, e até mesmo em relação à acepção final de valo-
res. É possível que um Estado seja laico, e ainda sim, seja capaz de direcionar uma socie-
dade razoavelmente secular e razoavelmente religiosa.
Ao se abordar o entendimento de um Deus teísta, o estudo em questão não busca o
estabelecimento de preferências de determinada cultura ou crença religiosa, mas sim des-
tacar a relevância da temática religiosa no cotidiano humano, por meio do fundamento das
crenças judaico-cristãs, em decorrência de sua propagação majoritária no ocidente. Nesse
contexto levantou-se o seguinte questionamento: no que tange ao conceito de laicidade do
Estado, a partir de uma compreensão diversa da ideia de um Estado ateu, qual a viabilidade
de implementação da Religião em um Estado intitulado Laico?
A pesquisa direciona-se por aspectos predominantemente jurídicos, visto que promo-
vem o estabelecimento do panorama constitucional relacionado à religião, abordando ainda
que de maneira sucinta pontos relevantes que envolvem a religião na Carta Magna de 1988,
com destaque para a inserção da disciplina ensino religioso no ambiente escolar brasilei-
ro. A partir do contexto constitucional, a análise infraconstitucional dos aspectos jurídicos
relacionar-se-á à uma abordagem legal, da estrutura e organização dos mecanismos de
ensino quanto a implementação da disciplina nas escolas públicas.
O trabalho trouxe como objetivo geral analisar qual a viabilidade de implementação da
Religião em um Estado intitulado Laico. Como objetivos específicos buscou-se compreender

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o conceito de religião e seus impactos na laicidade do estado, verificar os aspectos jurí-
dicos relacionados à religião no brasil e sua conexão com o ensino religioso nas escolas
da rede pública e compreender o ensino religioso de maneira confessional na rede pública
de ensino no país.
A pesquisa se justifica na relevância que o tema possui junto à sociedade. O plenário
do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em setembro de 2017 que o ensino religioso nas
escolas públicas pode apresentar natureza confessional, ou seja, as aulas poderão seguir
os ensinamentos de determinada religião. De acordo com a decisão, o ensino religioso em
escolas públicas necessita ser proposto de maneira estritamente facultativa, sendo oferecido
de acordo com o horário convencional de aulas. Nesse contexto, fica também permitida a
contratação de representantes religiosos para ministrarem as aulas.
Esta pesquisa trata-se de um estudo exploratório que se valeu do método dedutivo
para sua construção, tendo sido realizado por meio de uma revisão de literatura baseada
principalmente em livros de diversos autores que envolvem a temática proposta, a fim de
realizar o levantamento do principal material relacionado à temática. Foi realizado ainda o
levantamento de informações sobre o tema em revistas, documentários, relatórios, periódi-
cos, entre outras fontes de dados.
Buscou-se com a pesquisa a promoção de uma análise sobre o ensino religioso em
escolas da rede pública de maneira confessional no Brasil. Como objetivos específicos
buscou-se analisar o conceito de religião e sua influência na laicidade do Estado, verificar
os aspectos jurídicos relacionados à religião no Brasil e sua conexão com o ensino religioso
nas escolas da rede pública, e examinar o ensino religioso de maneira confessional na rede
pública de ensino no país

CONCEITO DE RELIGIÃO E SEUS IMPACTOS NA LAICIDADE DO


ESTADO

Historicamente, é discutida a derivação da palavra Religião de termos latinos religio ou


religare, todavia não há maior relevância para a pesquisa em questão, podendo ser a religião
entendida como uma terminologia usada para indicar a relação entre os seres humanos e
o transcendental. Conforme orienta Gaarder (2000) a religião trata-se de um sentimento ou
sensação de completa dependência. A religião representa o vínculo entre o ser humano e o
poder sobrenatural, no qual se acredita ou para o qual sinta-se uma relação de dependência.
Essa modalidade de relação é representada por emoções de caráter especial, conceitos e
crenças, além de ações.
Ainda que não seja mais admitido o entendimento da concepção religiosa como uma
tentativa de evasão por parte do ser humano, em relação aos obstáculos vivenciados por

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eles próprios, apresenta-se inviável desconsiderar quaisquer buscas pela transcendência
de caráter natural, ou seja, de tudo que o ser humano não consegue esclarecer por meio
da ciência. Apresentando-se dessa forma, como uma representação simbólica do que a
Religião significa (MELO, 2015).
Segundo Melo (2015) a religião esteve presente no cotidiano humano desde a anti-
guidade, tratando-se de um dos mais relevantes pilares da natureza humana, e por esse
motivo tende a desempenhar um importante papel agregador no dia a dia dos seres huma-
nos. No decorrer da história, o homem sempre almejou acreditar em algo sobrenatural em
relação à sua realidade, e para tanto sua adoração foi direcionada a Deus, deuses, ídolos,
animais, dentre várias outras coisas que a imaginação alcançasse ou permitisse. A precisão
de uma crença, fé, ou convicção torna evidente que o ser humano pode ser diretamente
coagido, direcionado ou motivado por esse sentimento.
A religião em suas diversificadas facetas acompanha o dia a dia das civilizações e a
sua estrutura organizacional. Nem sempre de maneira dominante, mas sempre promoven-
do a base de um vínculo espiritual. Sua evolução gradual em decorrência da evolução do
tempo desencadeou marcos históricos, contagiando a máquina estatal como instrumento
de poder e soberania.
No mesmo sentido é importante a compreensão do conceito de crença, estando esta,
diretamente interligada à ideia de ação, ou seja, o indivíduo tende a agir e se comportar de
forma a considerar a existência de certo componente merecedor de crença. Nesse contexto
vale a pena destacar que a proliferação de certa crença tende a motivar o nível de conven-
cimento no espaço humano, contudo não se pode negar que, em decorrência da crença,
os homens direcionam suas ações e comportamentos, agindo de maneiras preestabeleci-
das (MELO, 2015).

A RELIGIÃO E O ESTADO LAICO

A partir da criação do Estado Secular, proporcionou-se maior espaço aos temas rela-
cionados à razão, fazendo com que as atividades desenvolvidas pelo governo não mais se
interligassem às religiões. Nesse contexto, o ser humano passou a ter condições de promover
seu desenvolvimento em um patamar ainda não percebido, juntamente com a necessidade
de promover a proteção de todas as modalidades de crenças, garantindo-se que todas as
atividades desenvolvidas pelo Estado fossem isentas de qualquer interferência da religião,
evitando-se qualquer colisão com os ideais de Estado Laico (ALVES, 2018).
Diante disso torna-se possível o entendimento de que a crença atua diretamente na
manutenção do vínculo com o ideal de ação, ou seja, agindo e se comportando de forma
a levar em consideração a existência de um elemento de um item merecedor de crença.

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Nesse mesmo sentido entende-se que a proliferação de certa crença possui condições de
estabelecer o nível de persuasão alcançado no meio humano. Contudo não se pode negar
que, em decorrência da crença, os indivíduos tendem a determinar suas atitudes e ações
de certa maneira (ALVES, 2018).
A religião trata-se de um fenônemo intríseco à natureza humana enquanto inserida em
um meio social, evidenciando a importância de seu tratamento por parte do governo. O posi-
cionamento do Estado em relação ao fenômeno religioso pode ocorrer de variadas maneiras,
todavia, esse trabalho tem como foco a abordagem dos aspectos da laicidade estatal em
relação à Religião.
O novo ideal de moral político constitucional trata-se de um soluto adequado para um
Estado democrático de direito, dando início à desvinculação do Estado e Igreja, visto que
esta já havia perdido a maior parte de seu prestígio e sua influência coercitiva na socieda-
de, conjuntamente com o sistema governamental. O Brasil manteve o mesmo conceito em
sua forma republicana, em contraste com o período monarca que promoveu de maneira
significativa o poder na Igreja, que acabou disseminando calamidades pela população do
país (PIRES, 2015).
Nos dizeres de Pires (2015) os Estados que adotam ou reconhecem uma religião como
oficial são denominados como Estado Religiosos, em contrapartida os Estados que não ado-
tam ou não reconhecem nenhuma modalidade de crença religiosa intitulam-se Estados Laicos.
O laicismo baseia-se em uma doutrina que defende a desvinculação da Igreja e Estado,
direcionando aos indivíduos mais leigos atribuições inicialmente desenvolvidas por indiví-
duos religiosos, situação na qual pode ser destacada a educação. Dessa forma, o Estado
Laico necessita apresentar de maneira oficial neutralidade quanto aos assuntos religiosos,
isentando-se de qualquer apoio ou oposição à todas as religiões, direcionando à sociedade
tratamentos dignos, independentemente de suas opções de crença.
É importante que o Estado Laico garanta e proteja a liberdade de religião de todos os
cidadãos, impedindo que qualquer determinação religiosa promova ações de controle ou
interferência nos assuntos políticos. Dessa forma, a ideia de desvinculação da Religião e
Estado determina que deve ser mantida a separação e independência das instituições de
caráter público e as religiões.
A laicidade no Brasil, previsionada pela Carta Magna de 1988 representa o alicerce
ideológico do regime da liberdade de religião e dos direitos fundamentais dela provenien-
tes, A Constituição Federal em seu artigo 19, caput e inciso I previsiona que:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvenciona‑los, embaraçar‑lhes


o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes, relações de

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dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de inte-
resse público.

O Estado Laico decorreu da necessidade cogente, de que inúmeros grupos sociais,


ideologias e crenças se desenvolvem-se em uma liberdade de caráter pacífico, acatando e
apoiando os direitos individuais e coletivos, proporcionando dessa forma ao Estado, a auto-
nomia peculiar para sua administração política soberana. Dessa forma, o processo deixou
de apresentar uma legitimidade decorrente do sagrado e do absolutismo, adquirindo então
um caráter constitucional (OLIVEIRA FILHO, 2017).
Segundo Oliveira Filho (2017) o rompimento dos elementos religiosos torna possível
que, por meio das instituições políticas provenientes da vontade do povo, embasadas na
democracia, sejam adotadas medidas de desvinculação do Estado com as instituições re-
ligiosas. A Constituição Brasileira determina em seu texto legal, que a desvinculação do
Estado e Igreja baseie-se no princípio fundamental de neutralidade do Estado em relação
aos assuntos religiosos, evitando não apenas a incidência de qualquer discriminação quanto
às denominações, mas também impedindo que estas sofressem qualquer tipo de subvenção
ou embaraço quanto ao seu funcionamento, além de evitar qualquer vínculo, dependência
ou aliança, com seus representantes, salvo as exceções previstas em lei.
Segundo Melo (2005) o conceito de laicidade aborda a não discriminação de foro reli-
gioso, ou seja, a não diferenciação ou favorecimento de todo gênero provenientes de crença
religiosa. O Estado Laico se apoia em duas vertentes, a de não discriminação por questões
religiosas, e outra voltada para a não intervenção estatal no campo de conteúdo religioso.
Nesse contexto, busca-se com a laicidade possibilitar o desenvolvimento de todas as reli-
giões existentes no país, sem lhes direcionar qualquer discriminação ou regulamentação,
que possa lhes comprometer o desempenho de suas atividades.
A laicidade carrega consigo uma relevante vinculação de ideias com a democracia,
liberdade e igualdade. Nesse mesmo sentido orienta Zyberstajn (2012) que a laicidade visa
garantir a manutenção da liberdade religiosa, e não incentivar que as regras religiosas e re-
jeições discriminatórias sejam submetidas ao poder público. Nesse contexto compreende-se
que a legitimação do Estado se apresenta desvinculada do sagrado. Todavia, na legitimação
democrática constitucional, responsável por garantir os direitos fundamentais, promovendo
dessa forma o relacionamento da laicidade com a democracia, liberdade e igualdade.
Zyberstajn (2012) esclarece que nesse cenário o conceito de sagrado legitimador é
abandonado, de forma que seja possível reposicionar a legitimidade no âmbito democrático,
viabilizando-se a garantia de liberdade no meio religioso e a equidade de condições para
que possam se desenvolver. Todavia, é importante destacar que a liberdade de religião não
apresenta-se diretamente vinculada à opção do estado de não apresentar uma religião oficial,

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ou seja, a inexistência de uma religião oficial em um Estado não trata-se de um requisito
obrigatório para que seja garantida a liberdade de religião.
Segundo Rodrigues (2018) o conceito de laicidade ou desvinculação da Igreja e Estado,
embora não representem uma pressuposição da liberdade de religião, trata-se de um com-
ponente capaz de fortalecer a manutenção desse direto. Até mesmo o nível de liberdade
religiosa em um grupo social é passível de medição considerando-se, dentre outros pontos,
a tratativa disponibilizada pelo Estado às ações religiosas e o nível de identificação entre os
órgãos do governo e as instituições religiosas.

ASPECTOS JURÍDICOS RLIGADOS À RELIGIÃO NO BRASIL E SUA


CONEXÃO COM O ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS

É comum que a Religião denote nos seres humanos um vínculo de dependência


quanto ao conceito de ideia transcendentental em relação ao que se considera funda-
mental no cotidiano humano, visto a relevância da religião no contexto jurídico do Estado
Democrático de Direito.
A Constituição Federal de 1988 traz em seu texto parâmetros de reafirmação favorável
para a defesa da não discriminação por razões de crença, juntamente com a possibilidade de
livre desenvolvimento e propagação das crenças religiosas espalhadas pelo país, levando-se
em consideração a relevância de âmbito pessoal e coletivo que envolve o tema religioso,
juntamente com a variação de crenças vivenciadas pela população. O texto legal da Carta
Magna, quanto às crenças religiosas determina:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabi-
lidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
[...]
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado
o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e a suas liturgias (BRASIL, 1988).

A referida abordagem da Constituição Federal de 1988 visa garantir a proteção estatal


à liberdade de propagação das crenças, entendidas como não passíveis de violação em
um Estado guiado pela democracia. Diante disso evidencia-se a necessidade de definição
do conceito de liberdade religiosa, englobando esta, a noção de liberdade de exercício de
crença e cultos religiosos também amparados pelo texto constitucional.
Conforme orienta Gomes (2018) a liberdade de religião não se limita a impedir que o
Estado imponha alguma religião à sociedade, ou garantir que qualquer indivíduo tenha con-
dições de professar determinada crença. Trata-se também de viabilizar ao Estado condições

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de permitir que indivíduos que seguem determinada religião sejam capazes de cumprir os
deveres dela provenientes, tais como os envolvendo culto, instituição familiar e ensino, de
maneira razoável. Além de propiciar, independentemente de qualquer contradição, condi-
ções ao Estado de não impor ou não garantir por meio da legislação o cumprimento dos
referidos deveres.
Quanto ao ensino religioso na educação brasileira, a Constituição Federal em seu
artigo 210, §1ºprevisiona que:

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de


maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais
e artísticos, nacionais e regionais.
§ 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos ho-
rários normais das escolas públicas de ensino fundamental (BRASIL, 1988).

A legislação constitucional torna evidente seu resguardo em relação ao ensino religioso


na formação básica dos indivíduos. Nesse contexto apresenta-se um posicionamento no
qual o Estado laico não se encontra impedido de introduzir o ensino religioso nas instituições
educacionais públicas. Todavia, a maneira como a disciplina de ensino religioso é organi-
zada e estabelecida no Brasil acarreta inúmeros debates sobre o tema, em decorrência das
divergências promovidas pela legislação infraconstitucional relacionada ao tema.
No ano de 2010 foi editado o Decreto 7107 promulgando o acordo entre Brasil e
Santa Sé em Roma, abordando o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no país. O acordo que
possui caráter de tratado apresenta de maneira clara uma ideia de ensino religioso confes-
sional no país. Nesse contexto tem-se que o ensino religioso representa uma preocupação
Estatal que se justifica, pelo fato de a religião ser um componente de grande relevância
no cotidiano da sociedade, até mesmo para aquela parcela da comunidade que se intitula
desprovida de crenças.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB-EN), Lei 9394/1996, em seu
texto original apresentava características de inconstitucionalidade, visto que violava o artigo
19, I da Constituição Federal de 1988, ao promover o estabelecimento de um vínculo de
dependência entre o Estado e a Religião, ao incumbir as instituições religiosas a incum-
bência de preparar e credenciar os profissionais responsáveis por lecionarema matéria em
questão. Dessa forma, é possível concluir que o ensino religioso chocar-se-ia o conceito
constitucional pluralista.
Visando a adequação da redação inicial da referida legislação, foi criada a Lei 9475/1997,
houve a alteração da redação do texto que passou a apresenta-se da seguinte forma:

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da forma-


ção básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas

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públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural
religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. (Redação dada
pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997)
§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição
dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habili-
tação e admissão dos professores. (Incluído pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997)
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes
denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso.
(Incluído pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997) (BRASIL, 1996).

Ao tentar garantir o respaldo à diversidade religiosa, a legislação federal teve como in-
tuito a abordagem do ensino religioso sob um ponto de vista social e antropológico, desvincu-
lando-se do ideal de ensino confessional do tema. Diante disso, o ensino religioso requer uma
abordagem que leve em consideração o conceito cultural e histórico das variadas religiões
que existam espalhadas por todo o país. É importante destacar que, o ensino religioso no
setor privado permanece garantindo a possibilidade de manter-se confessional(MELO, 2015).
A LDB-EN traz consigo evidente busca pelo estabelecimento da ideia de um ensino não
confessional no país. Cabendo destaque ao fato de que a LDB-EN permanece vigorando
desde 1997, adotando no Brasil o ensino religioso de caráter não confessional, contrastan-
do com o acordo de 2010, que versa opostamente aos parâmetros da LDB, uma vez que
seu conteúdo se opõe aos paradigmas do ensino religioso no país, visto estimular a ideia
confessional do conteúdo disciplinar.
Diante desse cenário a Procuradoria Geral da República, em 2010 deu início à propo-
situra da ação direta de inconstitucionalidade n°. 4439 requerendo uma interpretação com
base no art. 33, § 1º e 2 da LDB-EN abancando a identificação do ensino religioso apenas
isento de caráter confessional nas instituições educacionais públicas, juntamente com a
inadmissibilidade de profissionais que representem as instituições religiosas, além da in-
terpretação baseada no artigo 11 do acordo, proveniente do Decreto 7107/2010 que visa
abancar o ensino religioso exclusivamente com perfil não confessional. E em situação de
não acolhimento da solicitação, que haja a declaração de inconstitucionalidade da parte do
texto “católico e de outras confissões religiosas”, presente no artigo 11 citado.
A proposta de audiência representou a análise da adequação e estruturação do con-
teúdo ensino religioso, frente à precisão de atendimento ao ideal laico de Estado. Diante
disso, foram promovidas argumentações relacionadas à promoção da disciplina sob uma
ótica confessional ou não confessional, juntamente com a sua viabilidade de sua existência
ou não no contexto educacional.

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IMPLEMENTAÇÃO DO ENSINO RELIGIOSO DE MANEIRA CONFES-
SIONAL NA NO ENSINO PÚBLICO BRASILEIRO

A Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 210, § 1º que “o ensino religioso,
de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de
ensino fundamental”. De acordo com a Lei de Diretrizes e bases da educação (9.394/96)
cabe aos Estados a definição de como devem ser ministradas as aulas de religião. Nesse
contexto, as escolas públicas apresentam um ensino interconfessional e confessional, e no
caso do estado de São Paulo, especificamente acerca da história das religiões.
Embora a Carta Magna determine que o Estado deva se abster de qualquer interferência
com a religião, mantendo neutralidade, cabe a ele dispor sobre o ensino religioso nas insti-
tuições escolares, não sendo feita nenhuma menção a determinada religião, respeitando-se
o caráter laico do Estado, o que realça a contradição existente (NERY,1993).
Frente à laicidade estatal e a multiplicidade religiosa existente no país, decorrente da
dominação de inúmeros povos, e do grande número de religiões trazidas pelos imigrantes,
muitos debates passaram a decorrer do ensino religioso promovidos pelos estados. Nesse
sentido Cury (1993) esclarece que no Brasil o ensino religioso integra os currículos esco-
lares oficiais. Conforme são envolvidas as questões relacionadas à laicidade do Estado,
secularização da cultura, a realidade da multiplicidade de credos e a expressão existencial
de cada pessoa, torna-se um ponto de elevada complexidade e intenso caráter polêmico.
A matéria em questão, pode ser aplicada em critério cronológico, em questão do lapso
de tempo entre o LDB-EN e o que foi acordado. Só não podemos esquecer de que o STF
poderá considerar contrária o assunto a qualquer momento, e com o passar do tempo, fazer a
sua interpretação de acordo com a constituição, e fazer o entendimento que esse ensino não
é confessional, pois é o melhor entendimento para resguardar a laicidade estatal. Entretanto
como essa questão ainda não está bem resolvida pelo STF, ressalta-se duas subjeções, a
primeira é que antes de promulgar o decreto n° 7.107/10, as leis do estado que falavam sobre
a possível aplicação da matéria na modalidade confessional estavam em visível desacordo
com as regras do dispositivo interno, sendo ilegal tal legislação (SILVA et al., 2017).
A outra objeção se refere a discussão sobre o caráter do ensinamento religioso, se
causa alguma ofensa ou não ao entendimento laico em relação ao estado, aos desatentos,
o dispositivo constante no artigo 11 na PLC 160/09, se for analisarmos esse dispositivo é
uma simples réplica do disposto no artigo 33 da LDB-EN em termos exatamente iguais.
Nesse caso, se o STF entender que é inconstitucional o ensino religioso na modalidade
confessional, fica confirmado o que diz a LDB-EN, sendo apenas uma continuação sobre a
aplicação do estudo na modalidade não confessional do ensino. Entretanto, se for conside-
rado constitucional (PAULY, 2004).

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Na modalidade confessional e não confessional aqui no Brasil, o dispositivo em questão
sofrerá alteração no seu texto ou no mínimo terá sua interpretação levando em consideração
a decisão do STF, para conseguir a aprovação, da mesma maneira guardando as necessárias
proporções com o dever de inserir esse pensamento no que diz respeito a LDB-EN. Mesmo
que pequeno, ainda há uma chance de um projeto ser aprovado anteriormente ao julgamento
pelo supremo, e enquanto o julgamento não e feito o entendimento deve valer ao menos de
acordo com a posição da jurisprudência e do doutrinador, a aplicação do quesito de validade,
que terá como resultado o ensino religioso em último caso (ZEITUM, TONIOSSO, 2019).
É certo que, mais tarde quando esse assunto for julgado pelo STF, poderá haver algu-
ma modificação. Então depois de se fazer as necessárias correções, podemos daqui para
frente nus atentar para refletir em relação do caráter se o ensinamento religioso ofende ou
não a laicidade do Estado. Nesse entendimento, vale ressaltar que o ensino confessional
exige certo tipo de parâmetro, especificamente uma religião, para servir como parâmetro
do que foi utilizado nas salas de aulas, e esse tipo de ensino vem sofrendo várias críticas
(SENA NETO, 2019).
Nesse contexto, ressalta-se que o ensino confessional é constituído por vários parâ-
metros especificamente de uma religião de doutrina religiosa inserida no ambiente público
das escolas. É possível que ensino interconfessional faça um acordo mínimo feito pelas
autoridades religiosas em relação ao que será usado para alunos nesta disciplina. Fica evi-
denciado que esse tipo de ensino acarreta uma certa discriminação em relação às crenças
menos estruturadas que ao passar do tempo poderá passar a ter um menor poder de escolha
sobre o que é transmitido nos conteúdos dessa disciplina (SILVA et al., 2017).
Contudo, o ensino confessional tem uma certa dependência do estado relacionando-
-o com a religião, na medida que para escolher o conteúdo mínimo que será transmitido
na escola fica condicionado ao estado esse trabalho. Por outro, lado temos o ensino não
confessional que é resultado de uma ideia em alcançar o denominador comum entre as
diferentes religiões, todavia, surgiram críticas, como já previsto, já que essa modalidade de
educação é considerada discriminatória como pressupostos tendo em base que raramente
são abordadas as questões ligadas à religião (PAULY, 2004).
Neste sentido, como todas as modalidades de ensinamentos religiosos poderá so-
frer algum tipo de crítica ou até mesmo discriminação por parte de leitores, com o tempo
podem concluir que o ensino religioso poderia ser tirado da grade curricular nas escolas
públicas de ensino, como forma de resguardar a não discriminação da liberdade de religião
dos alunos. No ensino interconfessional é formado por posições éticas do professor em
relação ao que é passado para o aluno, incluindo princípios doutrinários de algumas reli-
giões (NERY,1993).

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O intuito do ensino religioso é promover valoração e atitudes religiosas em conjunto
com aspectos de várias religiões que fazem parte da sociedade Brasileira, pode ser passado
por integrantes de grupos religiosos e também por professores que não tem sua religião
declarada. No ensinamento interconfessional os educadores ensinam de tal maneira que
não é possível agregar esse ensinamento a nenhuma religião, desviando-se das doutrinas,
não se limitando aos cristãos, é suficiente para atender a todo o âmbito religioso, essa forma
de ensinamentos é aceita por vários estados Brasileiros como: Amazonas, Amapá, Mato
Grosso, Distrito Federal e etc (SENA NETO, 2019).
Em relação a história do ensino confessional, iniciou-se na época colonial, que naquele
tempo era passado pelos jesuítas nas igrejas e até mesmo nas aldeias que existiam na-
quela época. O principal objetivo dos portugueses era explorar outras terras com intuito de
encaminhar o catolicismo as regiões que seriam invadidas, decorrente desse fato, promover
a doutrina católica era obrigatório em terras Brasileiras, e logo ao começar a exploração,
se desdobrou também o fato dos portugueses dominar socialmente essa área através da
catequese (SILVA et al., 2017).
É importante fazer uma reflexão na questão da postura do estado em relação às ne-
cessidades humanas de fazer uma autoavaliação sobre a temática religiosa, ou seja, antes
que surge alguma decisão sobre a retirada da disciplina nas escolas, ou até mesmo, de uma
resposta positiva em relação a isso, é necessário ficar atento aos deveres do estado com
cada ser humano, todavia, e importante que ela seja auto reconhecida, como requisito para
efetivar a dignidade da pessoa humana (PAULY, 2004).
Para ajudar aos jovens com clareza sobre sua determinação religiosa, as escolas podem
fazer esse papel perfeitamente, cada aluno, levando em consideração o que foi ensinado
dentro da escola, ele pode fazer uma autoavaliação e formar seu posicionamento sobre
a religião, formando ideias claras sobre seu ponto de vista. Vale lembrar que, ao inserir o
ensino religioso nas escolas públicas, não ofende o posicionamento laico do Brasil, pois
de acordo com seu entendimento ser laico não é significado de um estado ateu (ZEITUM,
TONIOSSO, 2019).
Entretanto, mesmo que para alguns autores o ensino religioso é muito importante,
sendo considerado como disciplina essencial, além de ser uma questão ainda sem reso-
lução perante o STF, existe várias críticas mencionadas em relação a forma de ministrar a
disciplina, acerca de que realmente é respeitado a característica laica estatal, introduzido
constitucionalmente (SILVA et al., 2017).
Diante tudo que já foi exposto, para aplicar a matéria considerando as características do
estado laico, o que resta é tentar encontrar alternativas para resolver esse impasse de forma
que a forte tendência a preocupação em esmiuçar novamente as questões problemáticas que

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envolve esse assunto. Mediante isto, é fácil perceber que a polêmica principal envolvendo
o ensino religioso é o fato de o estado ser laico é a liberdade de escolha sobre o que será
adotado na disciplina (SENA NETO, 2019).
Com o caráter confessional vem o receio de que quem ministra a disciplina possa passar
uma doutrina específica de acordo com suas convicções pessoais, já a interconfessiona-
lidade é criticada pelo fato de uma específica crença ter um certo privilégio por um acordo
mínimo de assuntos a ser passados e o estado em posição de dependência estatal vinda
desse acordo feito por grupos religiosos. E por fim no caráter não confessional a crítica está
relacionada à superficialidade em que a disciplina é ministrada, causando comprometimento
em todas as formas de ensinamento da disciplina (ZEITUM, TONIOSSO, 2019).
De certo modo, não podemos dizer que é o caráter do ensino religioso que influencia
e fere a o posicionamento laico do estado, todavia, preocupa-se com o professor que vai
lecionar a matéria o que é possível ser justificado por vários fatores já citados anteriormente.
Nesse pensamento, levando em conta a diversificação religiosa do país e a falta de profis-
sionais que possuem agregado extenso conhecimento acadêmico para conseguir dar conta
das exigências vindas do universo escolar onde a disciplina é inserida, diante desse cenário
o indicado seria a figura do cientista da religião para lecionar a matéria (PAULY, 2004).
Vale ressaltar, que graduar em ciência da religião ainda é incerto aqui no Brasil já que
nas universidades Brasileiras é uma carência nessa formação, estando ela mais voltado para
a modalidade de especialização como por exemplo mestrado ou doutorado, mas mesmo
com poucas instituições ministrando o curso da ciência da religião é possível encontrá-lo em
algumas universidades do Brasil a nível de graduação e licenciatura. É importante ressaltar
que a modalidade não confessional deste curso é essencial para a formação de futuros
docentes, olhando pelo ponto de vista que, caso contrário, esses docentes vão incorrer na
mesma falta de conhecimento dos profissionais autorizados pela legislação vigente a minis-
trar essa disciplina (SENA NETO, 2019).
Caso o cientista da religião não tivesse sua formação vinculada ao caráter não con-
fessional, esse docente provavelmente estaria propenso ao conhecimento específico de
apenas uma única crença, ou de poucas crenças, sendo insuficiente para suportar a vasta
variedade de religiões dentro das escolas, correndo o risco de desenvolver um posiciona-
mento antiético pela falta de dominação total da matéria para saber lidar com as exigências
educacionais (SILVA et al., 2017).
Contudo, se fosse admitido que para ministrar a disciplina de ensino religioso nas
escolas o profissional ideal seria o cientista da religião, o estado estaria desvinculando
totalmente a disciplina da esfera religiosa, excluindo todas as críticas com relação a este

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assunto e assegurando a laicidade estatal, mas também estaria atendendo de forma mais
eficaz a demanda nas escolas acerca dessa disciplina, (ZEITUM, TONIOSSO, 2019).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No que diz respeito à relação de um Estado com as religiões nele existentes, ele pode
ser classificado de forma distinta, como um Estado laico, ou um Estado religioso. Contudo é
importante ressaltar que o conceito de Estado laico não deve ser confundido com Estado ateu,
tendo em vista que o ateísmo e demais manifestações de “não crença” também se incluem
no direito à liberdade religiosa. No conceito de liberdade religiosa, inclui-se a liberdade de
ter uma crença e a de não ter uma crença. Assim sendo, confundir Estado laico com Estado
ateu é privilegiar essa crença (ou não crença) em detrimento das demais.
A liberdade religiosa é um típico direito fundamental, possuindo, portanto, as caracte-
rísticas inerentes a essa sorte de direito, como a universalidade, a indivisibilidade, a comple-
mentaridade, a interdependência e a imprescritibilidade. Em face disso, detém uma dimensão
negativa e uma dimensão positiva que demandam, respectivamente, abstenções e prestações
do Estado, bem como dos particulares, para a sua efetiva concretização.
O Estado laico deve garantir o ensino religioso no âmbito das escolas públicas, atra-
vés de ações positivas, em nome da missão integral da educação, em nome da dimensão
positiva da liberdade de recebimento de ensino religioso e em nome do igual exercício dos
direitos fundamentais por parte de seus cidadãos. Outrossim, deve garantir o ensino de todas
as religiões, de acordo com a demanda dos alunos, e não apenas o ensino de Informação
Legislativa de determinadas convicções religiosas. Esse ensino deve ainda ser ministrado
sob a responsabilidade das diversas confissões religiosas e não sob a responsabilidade
do próprio Estado.

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10. OLIVEIRA FILHO, Francisco de. “Qual a modalidade de ensino religioso é permitida
pela constituição de 1988: confessional ou não confessional?”. 2017 Disponível
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11. RODRIGUES, Rosilene Neiva Silva. Estado laico, povo religioso: o limite da liberda-
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12. SENA NETO, José da Penha. O ensino religioso no ambiente escolar em relação a
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estado brasileiro e a laicidade constitucional. 2017. Disponível em: https://www.
unibalsas.edu.br/wp-content/uploads/2017/01/LUCIANO-TCC-RECORRIGIDO.pdf.
Acesso em: 19 jun.2022.

14. ZEITUM, Maria Zilda Costa. TONIOSSO, José Pedro. Ensino religioso e estado laico:
percepções de docentes de uma escola dos anos iniciais do ensino fundamental. Ca-
dernos de Educação: Ensino e Sociedade, Bebedouro SP, v.6 (1): 197-217, 2019.

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Religião, Corpo e Sociedade do Espetáculo:


o Caso da Família Poncio

Agatha Moura
UFPE

Samuel Almeida
UFPE

Karla Patriota
UFPE
RESUMO

Fruto de uma pesquisa de inspiração etnográfica e revisão de literatura no campo comuni-


cacional e religioso, este trabalho foi desenvolvido a partir de um projeto de PIBIC no âmbito
da Universidade Federal de Pernambuco. Nele, analisamos um episódio que envolve um
midiático clã de religiosos pentecostais: a família Poncio. A pesquisa permitiu concluir que
as imagens veiculadas pelos Poncio, nas redes sociais, demarcam o imbricamento entre o
que é público e o que é privado, quando o que está em pauta é a tentativa de ruptura para
a (re)construção de novos discursos e posicionamentos religiosos e/ou sociais. Tudo em
total diálogo com uma sociedade de essência espetacular, cujas relações mediadas por
imagens, como postulou Guy Debord, revelam as incoerências das figuras públicas dentro
dos espaços legitimados e circunscritos pelo “religioso”.

Palavras-chave: Religião, Corpo, Sociedade do Espetáculo.


INTRODUÇÃO

Brigas, traições, reconciliações, dinheiro e muitas polêmicas envolvidas. O que parece


o cenário de um filme, na verdade é a vida real da família Poncio, esta que vem ganhando
bastante notoriedade na mídia durante os últimos anos. O poder que a família possui para
influenciar pessoas é notável, sobretudo por intermédio das redes sociais. Quaisquer atitu-
des ou posicionamentos dos membros da família Poncio geram grande repercussão social,
através da ampla cobertura da mídia secular.
A fama começou em meados de 2018, quando a namorada de Saulo (filho do pastor
Márcio Poncio e ex-integrante da banda Um44K) anunciou que a filha que havia tido não era
dele, mas de Jonathan Couto (marido da irmã de Saulo, Sarah). Desse tempo até o presente
momento, a família se envolveu em acusações de agressões físicas, problemas na justiça,
traições matrimoniais que foram expostas em sites de fofoca, conversas privadas, imagens
de câmeras de segurança sendo vazadas e, por fim, histórias de redenção.
Em um episódio anterior, Saulo Poncio e Gabriela Brandt foram “flagrados” na ten-
tativa de esconder tatuagens que fizeram há alguns anos, com a utilização de camisas
de manga longa. Tal comportamento parece reforçar a tese de Debord (2003) de que, na
sociedade do espetáculo, vemos emergir uma falsa realidade, intermediada por represen-
tações imagéticas veiculadas, em grande escala, pelos meios de comunicação de massa.
Nesse sentido, a atitude do casal Saulo e Gabriela demarca, em sua superfície, a tentativa
de construir uma imagem outra, mais vinculada ao corpo pautado/controlado por concep-
ções e dogmas religiosos. Já que a Bíblia, no seu livro dedicado às Leis (Levítico 19:28),
do Antigo Testamento - na interpretação de algumas igrejas e perspectivas cristãs - parece
“condenar” tatuagens: “Não façam cortes no corpo por causa dos mortos nem tatuagens em
vocês mesmos. Eu sou o Senhor”.
No presente trabalho, analisamos um episódio específico, ocorrido em novembro de
2019, quando foi celebrado o primeiro casamento homoafetivo da igreja em que Márcio e
Simone Poncio, sua esposa, pastoreiam, a Igreja Pentecostal Anabatista, localizada no
bairro nobre da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. No dia do casamento, Simone divulgou
em seu perfil do Instagram um ensaio fotográfico, no qual ela posava, juntamente com o
casal homoafetivo, apenas com tecidos cobrindo o seu corpo desnudo. Houve uma grande
repercussão na internet, fazendo com que o assunto fosse pauta de diversos jornais.
O que torna esse objeto interessante para o presente artigo não é apenas a polêmica
gerada, mas a possibilidade de perceber relações que podem ser tecidas entre os aconte-
cimentos que permeiam a vida midiática da família Poncio, a sociedade do espetáculo e o
corpo na perspectiva religiosa.

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Para trazer clareza à nossa incursão analítica, por intermédio de revisão de literatura
e investimento na abordagem de inspiração etnográfica no ambiente da web, objetivamos
estabelecer uma relação entre o referido caso e os postulados teóricos de Guy Debord, na
sua obra inaugural: “A Sociedade do Espetáculo”, que evidencia o espetáculo como apro-
priação da cultura, esta que foi tornada uma mercadoria a ser consumida.
Nessa perspectiva, é de mister importância ressaltar que, na contemporaneidade,
presencia-se uma sociedade demasiadamente pautada em imagens, o que faz o caso da
família Poncio ser extremamente relevante para ilustrar, sobretudo, o impacto disso no âmbito
familiar. Dessa forma, é imprescindível a discussão sobre o entrelaçamento entre o espaço
público e o privado, sobretudo com o advento da intensificação do uso das mídias sociais.

AS APROPRIAÇÕES DO COTIDIANO FAMILIAR E A SOCIEDADE DO


ESPETÁCULO

A priori, para um melhor entendimento do espaço político em que ocupa a família


Poncio, faz-se necessário delimitar as relações entre público e privado. Conforme apontam
Carloto e Mariano (2010), a família ocupa o locus privado no que se refere ao espaço da vida
doméstica, às relações interpessoais e à subjetividade. Entretanto, é imprescindível obser-
var que a referida instituição também se faz presente no espaço público, visto que possui
interesses civis e universais, bem como uma participação política pertencente à coletividade.
Se realizarmos certa digressão histórica, observaremos que a separação clássica entre
esfera pública e esfera privada remonta ao período das antigas cidades gregas. Segundo
Prior e Sousa (2014), os helenos foram os que mais promoveram a separação entre o espaço
direcionado ao individual e aquele que corresponde ao coletivo. Dessa forma, as singulari-
dades dessas sociedade mais antigas representavam, de forma acentuadamente marcada,
a dimensão da domesticidade e, portanto, não deveriam ser partilhadas em âmbito público.
No que se refere ao período correspondente à Idade Média, no entanto, o conceito
de espaço público ganha nova configuração. A Res Familiaris proporcionou um entendi-
mento diferente quanto ao corpo familiar em âmbito coletivo, não mais individual, visto que
a organização dos espaços públicos, no contexto feudal, era a personificação do convívio
em comunidade (ARIÈS e DUBY, 1997). Nessa perspectiva, as estruturas feudais - ruas,
praças, equipamentos, mansos servil, senhorial e, sobretudo, comunal - foram apropriados
em caráter ambíguo, isto é, ao mesmo tempo como sendo públicos e privados.
Conforme apontam Prior e Sousa (2014, p. 3), “durante o período do Absolutismo
Régio foi, precisamente, a distinção público – não público que fundamentou e legitimou a
doutrina política da razão de Estado”. Portanto, a modernidade marcou novamente uma
forte separação entre a familiaridade e a coletividade. Isso pode ser ilustrado através das

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famílias pertencentes à nobreza, visto que, para aparição em público, fazia-se necessário
a utilização de vestimentas adequadas à constituição simbólica da classe social supracita-
da, pois os corpos políticos adornados escondiam os defeitos do corpo pessoal, estes que
deveriam ser mantidos na esfera privada.
Entretanto, ao nos depararmos com o caso da família Poncio, na contemporaneidade,
é perfeitamente possível afirmar que há um profundo imbricamento entre público e privado
no âmbito familiar. Algo que nos transporta para as reflexões de Bauman (2011) quando o
autor coloca em xeque noções e conceitos, a priori antagônicos, como “privacidade” e “publi-
cidade”, que derivam de “privado” e “público”, campos semânticos normalmente separados
“por fronteiras demarcadas: linhas intransponíveis, de preferência fechadas com rigidez
e pesadamente fortificadas de ambos os lados para impedir transgressões (invasores ou
trânsfugas, sobretudo desertores)” (BAUMAN, 2011, p. 37).
Não por acaso, o espaço virtual é o facilitador maior para a publicização da vida privada,
visto que as subjetividades individuais dos sujeitos são cultuadas e multiplicadas, quando
tornadas públicas nas redes sociais (QUADROS & MARCON, 2014). Nessa perspectiva, é
perfeitamente possível afirmar que, após o isolamento social imposto para o combate à pan-
demia do COVID-19, no ano de 2020, houve a intensificação desses usuários no ambiente
virtual, o que acaba por consolidar o imbricamento da vida pública com a privada, sobretudo
no que se refere aos famosos, como é o caso dos membros da família Poncio.
Trata-se, a grosso modo, de um contínuo “borramento” entre as marcações ou frontei-
ras do que é de domínio público do que é do domínio do privado. Na contemporaneidade,
são inúmeras as manifestações privadas que transbordam na esfera pública, principalmente
na sociedade em rede na qual estamos imersos, com seus incontáveis espaços digitais
chancelando e permitindo que qualquer pessoa se pronuncie, exiba ou exponha sua vida
privada: “o que importa para muitos não é mais o segredo e o sigilo, e sim o espetáculo, a
fama – mesmo que momentânea –, além da publicização de suas ideias, concepções e da
sua imagem, para não dizer de si mesmo” (QUADROS & MARCON, 2014, p.72).
Isso pode ser explicado pela forte presença de uma cultura de consumo demasiada-
mente pautada em imagens, caracterizando a sociedade do espetáculo (DEBORD, 2003).
Nesse sentido, percebe-se que o espetáculo apropriou-se da cultura, esta que foi tornada
uma mercadoria a ser consumida.
Além disso, esse contexto marca relações sociais midiatizadas por imagens, fomen-
tando a concepção de que o que aparece é bom e o que é bom aparece. É nesse sentido
que o caso da família Poncio se insere. Envolvidos em inúmeras polêmicas, os membros da
família tornaram-se, novamente, personagens principais em um novo caso: a matriarca e
influenciadora digital, Simone Poncio, esposa do pastor Márcio Poncio, realizou um ensaio

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sensual ao lado do primeiro casal homoafetivo abençoado pela sua congregação religiosa
(figura 1). Segundo a família, o intuito de posar dessa maneira seria demonstrar, de forma
metafórica, que se faz necessário “despir-se” de quaisquer preconceitos.

Figura 1. Simone faz ensaio sensual ao lado de casal homoafetivo.

Fonte: Instagram de Simone Poncio.

Parece-nos, pelo posicionamento assumido por Simone, que ela sentiu a necessidade
de demarcar uma nova imagem relacionada à homoafetividade, a fim de combater ideo-
logias e atitudes preconceituosas. Nesse sentido, esse sentimento reforça o contexto de
uma sociedade que reproduz imagéticas que ‘aparecem’, sobretudo de pessoas que são
consideradas referências. No entanto, os seguidores da influenciadora – em sua maioria –
não reagiram bem às fotos (figura 2), fazendo com que estas fossem todas apagadas do
seu perfil do Instagram.

Figura 2. Comentários nas fotos postadas por Simone no Instagram.

Fonte: Print do Instagram de Simone Poncio.

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Esse fato, em grande medida, parece corroborar com a supervalorização do corpo tido
por religioso, visto que não importa o espaço político que ele ocupe, sempre será vinculado
às concepções religiosas mais tradicionais e conservadoras. Tais concepções podem e,
normalmente, são certos mecanismos de controle para evitar que esses corpos religiosos
se secularizem, pois, ao se condenar alguém ou obrigar uma determinada postura, acaba-
-se por responsabilizá-lo pelos resultados de suas ações e “a relação com Deus apresen-
ta-se muito mais mediada pela noção de autonomia do que pela noção de dependência.”
(TEIXEIRA, 2018, p.99).

CONSUMO RELIGIOSO DA FAMÍLIA PONCIO E A SOCIEDADE DO


ESPETÁCULO

Como já citado anteriormente, Márcio Poncio é o patriarca da família, pastor e vice-


-presidente da Igreja Pentecostal Anabatista. Sendo assim, os membros da família acabam
sendo influenciados tanto pela teologia pentecostal, quanto pela teologia anabatista, seja
por meio dos cultos ou em retiros para oração e jejum, todos esses eventos amplamente
divulgados em suas redes sociais.
A Igreja Pentecostal é conhecida como uma denominação evangélica tradicional que,
conforme aponta Carvalhaes (2010), enfatiza o dom de línguas e profecias (o próprio termo
“Pentecostal” deriva do dia de Pentecostes, dia relatado na Bíblia no qual os crentes em
Jesus ficaram cheios do Espírito Santo e falaram em outras línguas). Além do dom de línguas,
pode-se perceber que é uma denominação que preza bastante pela experiência emocional,
sendo constantes os cultos de “libertação” ou “cura”. Atualmente, o pentecostalismo possui
uma gama de diferentes vertentes, que possuem diferentes perfis, como a Igreja Assembleia
de Deus e a Igreja Deus é Amor.
No caso da denominação seguida pela família Poncio, o pentecostalismo se junta ao
anabatismo, configurando, segundo o site da própria igreja1, uma denominação que profere
durante os cultos mensagens de revelação pelo Espírito Santo. É interessante lembrar que
os anabatistas tiveram sua origem por volta de 1520, durante a Reforma Protestante. Assim
como os grupos liderados pelos reformadores Lutero, Calvino e Zuínglio, os anabatistas
estavam inconformados com a imoralidade e com os abusos praticados pela Igreja Católica.
Mas os anabatistas se aprofundaram ainda mais nas críticas, discordando da maioria dos
protestantes em relação ao batismo infantil, defendendo o batismo de adultos por imersão
e defendendo a separação total entre Igreja e Estado (ROSA, 2016).

1 Disponível em <https://www.ipacampodabarra.com/> Acesso em 31 de agosto de 2020.

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É difícil sistematizar as crenças desse grupo, visto que houve muitos grupos com dife-
rentes pensamentos em relação às doutrinas. Os anabatistas foram duramente perseguidos
na Europa e acabaram migrando para a América do Norte, sendo ancestrais diretos de me-
todistas, batistas, amishes, quackers e outros grupos evangélicos. Além desses elementos,
nos vídeos compartilhados pela família, podemos perceber características na igreja como
o uso do véu para as mulheres, ambiente escuro e com luzes coloridas, além de cânticos
conhecidos como “worship2”.

Figura 3. Simone, Sarah e Gabriela Brandt na igreja, foto postada nos stories pelo Pr. Márcio.

Fonte: Instagram Treta dos Poncios3

Acerca da homoafetividade, muitos dos discursos no âmbito das igrejas pentecostais


fomentam a ideia de cura e reestruturação da orientação sexual, sendo comuns os cultos de
libertação e aconselhamentos pastorais que visam ajudar as pessoas que desejam abando-
nar a homossexualidade (NATIVIDADE, 2003). No entanto, percebe-se que os membros da
família Poncio, apesar de pertencerem a uma Igreja que se intitula norteada pelo pentecos-
talismo, vão de encontro ao estereótipo supracitado para se posicionarem como inclusivos
e acolhedores para os membros que se relacionam de forma homoafetiva.
Em nossa sociedade, há uma forte presença de uma cultura de consumo pautada em
imagens, o que se aprofunda ainda mais por meio das redes sociais. No caso da família em
questão, que é extremamente midiatizada e exposta nas redes - inclusive em momentos
que, em tese, seriam privados, como orações, por exemplo -, percebemos que a postura da
família acaba gerando polêmicas e sendo vista pelo público como incoerente, principalmente

2 Gênero de música cristã contemporânea


3 Disponível em: <https://www.instagram.com/tretadosponcios/?hl=pt-br> Acesso em 31 de agosto de 2020.

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por fazerem parte de uma denominação evangélica tradicional. Para muitos dos seguidores
e espectadores do dia a dia da família, a imagética de um ‘crente’ pentecostal não se encaixa
com a imagem passada pela família. Além do episódio do ensaio sensual, outro ponto cos-
tumeiramente abordado nos comentários dos seguidores em relação à suposta incoerência
é o fato de o pastor Márcio ser dono de uma fábrica de cigarros, prática condenada por boa
parte dos evangélicos.
Porém, é importante perceber que muitas vezes é criada uma confusão entre o que é
fictício e o que é realidade. Na sociedade do espetáculo, a vida se anuncia como uma imensa
acumulação de espetáculos, o que traz à tona uma dicotomia entre o que é diretamente vivido
e o que é representação (DEBORD, 2003). As imagens que vemos da família são aquelas
que eles escolhem divulgar, o que eles acham interessante ou relevante para colocar nas
redes, afinal, “o que aparece é bom e o que é bom aparece” (DEBORD, 2003, p.17).
Pensando nisso, surgem questionamentos de qual seria, de fato, a imagem que Simone
Poncio tinha como objetivo propagar quando postou o seu ensaio fotográfico. Analisando
as fotos postadas, podemos perceber que são utilizadas várias simbologias, como roupas
da cor branca, que indica neutralidade, pureza, inocência e castidade (FARINA, PEREZ e
BASTOS, 2011). Na primeira foto (Figura 4), Simone faz um sinal com as mãos que, pode
indicar tanto a separação entre ela e o casal (algum afastamento físico e emocional), repre-
sentando a posição que a pastora possuía anteriormente, mas que foi deixada de lado e
atualmente é vista como uma atitude preconceituosa por ela, mas também pode significar
que ela está abençoando a pureza da união (todos de branco).

Figura 4. Ensaio postado por Simone Poncio.

Fonte: Reprodução do Instagram de Simone Poncio/Revista Quem4

Por outro lado, na segunda foto (Figura 5), os três continuam com as mesmas roupas
que estavam na primeira imagem, mas a pastora abandona a posição de afastamento e se

4 Disponível em <https://revistaquem.globo.com/QUEM-News/noticia/2019/11/mae-de-saulo-poncio-faz-ensaio-abencoando-uniao-de�
-
-casal-gay.html > Acesso em 04 de maio de 2020

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junta ao casal, o que pode simbolizar uma união entre os três e o apoio ou concretização
da “bênção” e acolhida de Simone.

Figura 5. Ensaio postado por Simone Poncio.

Fonte: Reprodução do Instagram de Simone Poncio/Revista Quem5

Diferentemente da cor branca, a cor preta traz associações bastante negativas, como
melancolia, angústia, dor e também renúncia (FARINA, PEREZ, BASTOS, 2011). Na Figura
6, podemos perceber que houve uma mudança nas vestimentas das três pessoas: o casal
passou a vestir camisas pretas, enquanto Simone trocou seu vestido branco por um vestido
com uma grande fenda nas pernas e sem roupas íntimas.

Figura 6. Ensaio postado por Simone Poncio.

Fonte: Reprodução do Instagram de Simone Poncio/Revista Quem6

Na última foto, a mais chocante para a maioria dos seguidores que postaram suas
reprovações, o casal continua com as mesmas roupas, enquanto Simone está nua, apenas
com um lenço e com os braços cobrindo as partes íntimas. Sobre a nudez, em um dos co-
mentários da publicação de Simone, Geraldo Segreto (um dos noivos) disse: “Ela se despiu
do preconceito e dos tabus para pregar o verdadeiro evangelho de Cristo que é o amor”,

5 Disponível em <https://revistaquem.globo.com/QUEM-News/noticia/2019/11/mae-de-saulo-poncio-faz-ensaio-abencoando-uniao-de�
-
-casal-gay.html > Acesso em 04 de maio de 2020
6 Disponível em <https://revistaquem.globo.com/QUEM-News/noticia/2019/11/mae-de-saulo-poncio-faz-ensaio-abencoando-uniao-de�
-
-casal-gay.html > Acesso em 04 de maio de 2020

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simbologia que foi confirmada tanto pelo texto divulgado por Simone quanto por comentários
da sua filha, Sarah.

Figura 7. Ensaio postado por Simone Poncio.

Fonte: Reprodução do Instagram de Simone Poncio/Revista Quem7

ATIVISMO POLÍTICO EM IGREJAS EVANGÉLICAS E A IMAGÉTICA


DOS PERSONAGENS RELIGIOSOS

Conforme demarcam Sales e Mariano (2019), embora sejam minoritários e sofram com
a desconfiança de grupos conservadores das igrejas e dos movimentos sociais, os grupos
evangélicos progressistas vêm crescendo nos últimos anos. Como não possuem influência
nos grandes meios de comunicação de massa, utilizam-se das redes sociais para propagar
ideais feministas, antirracistas, contrários à discriminação por credo religioso ou pela orien-
tação sexual, entre outras causas abraçadas por eles.
Nesse sentido, o caso de Simone Poncio, abordado neste trabalho, parece demonstrar
a tentativa de fortalecer a ala religiosa que, de certo modo, tenta estabelecer um ativismo
de caráter político nesses espaços. Para cumprir a proposta, utilizando-se de sua posição
de influenciadora digital, realizou a postagem do ensaio fotográfico na rede social intitulada
“Instagram”, a fim de concretizar uma imagética que permita naturalizar a materialidade das
uniões homoafetivas.
Particularmente, os grupos pentecostais têm posições bastante diversificadas quanto
ao assunto da homossexualidade. Parte interpreta como uma possessão, trauma de infância,
problemas psíquicos e sociais ou tribulações espirituais, enquanto outro setor - com ten-
dência mais liberal e renovadora - defende a ideia das relações homoafetivas como um dos
comportamentos sexuais possíveis na sociedade, encarando como algo natural (MACHADO
et. al., 2011).

7 Disponível em <https://revistaquem.globo.com/QUEM-News/noticia/2019/11/mae-de-saulo-poncio-faz-ensaio-abencoando-uniao-de�
-
-casal-gay.html > Acesso em 04 de maio de 2020

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Com base na análise de inspiração etnográfica realizada na rede social de Simone,
quando postou as fotos já descritas nesta análise, percebe-se que esse espaço possui ma-
joritariamente religiosos que possuem posturas mais alinhadas às perspectivas tradicionais
da Igreja sobre a homossexualidade. Dessa forma, as críticas foram fervorosas, uma vez
que os seus seguidores pontuaram ser uma atitude incoerente defender um casal que estaria
‘contrariando as leis divinas’ ou ‘indo de encontro à moralidade cristã’.
Além disso, o caso ainda é mais complexo por se tratar de uma pessoa que integra a
imagem do corpo eclesiástico da Igreja Pentecostal Anabatista, visto que Márcio Poncio - com
quem Simone é casada - ocupa o papel de pastor. Nessa perspectiva, a imagem do pastor
espetacular na sociedade midiática marca que “a imagem pastoral a ser formada no imagi-
nário individual e coletivo dos fiéis é de um show (wo)man” (FREITAS, 2014, p. 230). Logo,
há uma grande expectativa quanto à figura de representantes da Igreja, havendo a vigilância
constante de suas posturas e de seus corpos que devem estar de acordo com o pensamento
hegemônico de modelos estabelecidos imagética e tradicionalmente no âmbito religioso.
Nesse sentido, quando um membro da Igreja quebra esses parâmetros, adentrando
numa posição espetacularmente estabelecida, há uma reação de repúdio por parte dos
fiéis, uma vez que acreditam que tal ação não condiz com a família de um pastor, sendo
automaticamente julgada pela quebra do ideário imagético relacionado ao seu lugar de fala.
Tradicionalmente, a figura do pastor remonta à ideia daquele que orientará as ovelhas para
a boa nova; porém, quando o sentido do percurso quebra com as perspectivas conservado-
ras socialmente e enraizadas na visão do que é sagrado (significando ‘separado das coisas
mundanas’) parece haver a interrupção no entendimento dessa figura religiosa como guia.
Por outro lado, é válido ressaltar que, quando figuras de destaque em igrejas colocam
as pautas sociais contemporâneas nos discursos e ações, há adesão de parte dos fiéis
que julgam ser importante inserir tais posicionamentos nesses espaços. O fato é que a
tentativa de Simone Poncio foi no sentido de reforçar uma imagem sobre a união de casais
homoafetivos para torná-la comum, visto que a Sociedade do Espetáculo - segundo Debord
(2003) - vive do que aparece, sendo necessário confrontar imagens já estabelecidas e que
estão sendo colocadas em dúvida com novas que sejam impactantes o suficiente para se-
rem consolidadas. Porém, não é possível dimensionar a reação dos fiéis e/ou seguidores e
como irão reagir a essas medidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo de caso da família Poncio permitiu melhor compreender o lugar que ocu-
pa uma figura pública ligada a um contexto religioso, sobretudo quando consideramos o
imbricamento entre os âmbitos público e privado, em especial com o advento das redes

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sociais. É válido salientar que esse contexto marca uma sociedade extremamente pautada
em imagens, mediante as lógicas de consumo, o que explica a dimensão tomada pela di-
vulgação do ensaio fotográfico de Simone com o casal homoafetivo. A repercussão ilustra
a impossibilidade de se desvincular da imagem do contexto religioso que ocupa por falar de
religião e ser esposa de um pastor.
Nesse sentido, de maneira mais ampla, é perfeitamente possível afirmar que as ima-
gens veiculadas na internet reforçam estereótipos. Quando confrontados, as pessoas da
sociedade do espetáculo questionam a figura e local dos que emitem a mensagem e se
posicionam de tal maneira. Isso porque há uma imagética norteadora e para quebrá-la o
indivíduo sente a necessidade de produzir o mesmo efeito de imagem, a fim de chocar o
receptor da mensagem de tal modo a conseguir fixar e (re)produzir uma nova imagem acer-
ca do contexto. Entretanto, vale ressaltar que há dois elementos extremamente marcantes
nesse contexto: o entrelaçamento às lógicas de consumo e a cultura da inspiração, visto
que esta se torna um aspecto importante para que outras pessoas façam as mesmas ações
e veiculem o mesmo discurso.
Ademais, a ação de Simone esbarra na concepção já consolidada que os fiéis têm
acerca de figuras importantes na igreja. O pastor é visto como alguém que tem o papel
de guiar as pessoas, mas quando é considerado um ativismo político que quebra com as
perspectivas tradicionais da compreensão cristã há uma rejeição, mesmo que em âmbito
privado. Isso demonstra a dificuldade de inserir pautas sociais nos espaços religiosos, uma
vez que os indivíduos se utilizam de fundamentos consolidados para reforçar princípios in-
dividuais, estes que se sentem ameaçados com a tentativa de estabelecer novas imagens
sobre reivindicações já presentes na sociedade, sobretudo por meio dos movimentos sociais.

REFERÊNCIAS
1. ARIÈS, P. e DUBY, G.. História da Vida Privada: da Europa feudal à renascença.
São Paulo: Ed. Schwarcz, 1997.

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Zahar Ed, 2011.

3. CARLOTO, Cássia Maria; MARIANO, Silvana Aparecida. No meio do caminho entre o


privado e o público: um debate sobre o papel das mulheres na política de assistência
social. Revista Estudos feministas,vol18,n.2,mai-ago, 2010.

4. CARVALHAES, Sueli Aparecida Cardozo. Glossolalia: O Dom Includente Do Espírito


Santo. Revista de Estudos da Religião, p. 42-61, 2010.

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ponível em http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/socespetaculo.pdf

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6. FARINA, Modesto; PEREZ, Clotilde; BASTOS, Dorinho. Psicodinâmica das cores em
comunicação: 6 ed. Editora Bluscher, 2011.

7. FREITAS, H. G. Pastor espetacular: a imagem do pastor na sociedade midiática.


Revista Teológica Discente da Metodista, v.2, n.2, p. 225-236, 2014.

8. MACHADO, M. D. C.; PICCOLO, F. D.; ZUCCO, L. P.; NETO, J. P. S. Homossexu-


alidade e Igrejas Cristãs no Rio de Janeiro. Revista Rever, n. 01, p. 75-104, 2011.

9. NATIVIDADE, Marcelo Tavares. Carreiras homossexuais e pentecostalismo: uma


análise de biografias. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina
Social/UERJ, 2003.

10. PRIOR, Hélder; SOUSA, João Carlos. A mudança estrutural do Público e do Priva-
do. Observatorio Journal, v.8, nº3, p. 1-16, 2014.

11. QUADROS, Amanda Maciel de.; MARCON, Karina. Os conceitos de Público e Privado
nas Redes Sociais e suas implicações Pedagógicas. Revista Espaço Acadêmico,
n. 160, p. 68-77, 2014.

12. ROSA, Wanderley Pereira da. Teologia social e política nos Anabatistas. Revista
Estudos de Religião, v. 30, n. 2, p. 127-142, 2016.

13. SALES, L.; MARIANO, R. Ativismo Político de Grupos Religiosos e Luta Por Di-
reitos. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, p. 9-27, 2019.

14. TEIXEIRA, Jacqueline. A conduta universal: O governo de si e as políticas de gêne-


ro na Igreja Universal. 2018. Tese (Doutorado em Antropologia). 172f. Programa de
Pós-Graduação em Antropologia da Universidade de São Paulo, São Paulo.

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SOBRE O ORGANIZADOR
Flávio Aparecido de Almeida
Possui graduação em Psicologia pelo Centro Universitário Faminas(2015), graduação em
Pedagogia pela Faculdade do Noroeste de Minas(2010), graduação em Filosofia pela Faculdade
Entre Rios do Piauí(2015), graduação em História pela Universidade do Estado de Minas
Gerais(2008), especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Universidade Candido
Mendes(2013), especialização em Gestão de Processos Educativos: Supervisão e Inspeção Escolar
pela Universidade do Estado de Minas Gerais(2009), especialização em Psicologia Comportamental
e Cognitiva pela FAVENI-FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE(2020), especialização
em Ensino Religioso pela Faculdade do Noroeste de Minas(2010), especialização em História
do Brasil pela Universidade Candido Mendes(2012), especialização em Psicologia Existencial
Humanista e Fenomemológica pela FAVENI-FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE(2020),
especialização em Gestão Escolar (Administração, Supervisão, Orientação e Inspeção) pela
FAVENI-FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE(2020), especialização em Psicologia Escolar
e Educacional pela FAVENI-FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE(2020), especialização
em Neuropsicopedagogia pela Universidade Candido Mendes(2015), especialização em Educação
Inclusiva, Especial e Políticas de Inclusão pela Universidade Candido Mendes(2012), especialização
em Psicologia Social pela Faculdade Mantenense dos Vales Gerais(2017), especialização em
Gestão em Saúde Mental pela Universidade Candido Mendes(2012), especialização em Docência
do Ensino Superior pela Universidade Candido Mendes(2016), especialização em Neuropsicologia
pela Universidade Candido Mendes(2016), especialização em Ética e Filosofia Política pela
Faculdade Mantenense dos Vales Gerais(2017) e mestrado-profissionalizante em Ciências das
Religiões pela Faculdade Unida de Vitória(2020). Atualmente é Psicólogo Clínico do Consultório
de Psicologia, Psicólogo do Abrigo Institucional de Espera Feliz, Membro de comitê assessor do
Núcleo de Pesquisa em Ensino e Tecnologia, Professor de Pós-Graduação do Instituto Superior
de Educação Verde Norte, Membro de corpo editorial da Editora Científica Digital e Inspetor
Escolar da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Espera Feliz - MG. Tem experiência
na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social. Atuando principalmente nos seguintes
temas:Ciências das Religiões; Psicologia da Religião, Subjetividade; Experiencia Religiosa, Coping
religioso; Qualidade de vida, Religião, Cultura e Diversidade, Psicologia, Religião e Psicopatologia
e Religião, Educação e Direitos Humanos.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/2192204324890376

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ÍNDICE REMISSIVO
A R
Alteridade: 70 Religião: 24, 26, 39, 49, 53, 55, 57, 73, 74, 83, 97,
100, 101, 102, 103, 104, 106, 107, 114, 115, 116,
C 127, 128
Corpo: 115, 116 Religioso: 21, 24, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54,
55, 56, 57, 58, 59, 71, 72, 73, 75, 83, 84, 99, 100,
D 114, 121
Direitos: 129 S
E Seicho: 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 96, 97, 98

Educação: 48, 49, 51, 52, 55, 58, 59, 72, 107, 114, T
129
Teologia: 26, 51, 59, 93, 96, 97, 128
Ensino: 129
Trânsito Religioso: 12
Ensino Religioso: 114
V
Espiritismo: 12, 22, 70, 77
Virtude: 39, 44
Estado Laico: 39, 50, 83, 101, 107, 113, 114

F
Filosofia: 26, 46, 54, 98

H
Habilidades: 72

I
Igreja: 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 37, 49,
50, 51, 86, 87, 88, 93, 95, 98, 104, 105, 106, 107,
117, 121, 122, 126, 128
J
Justiça: 39, 42, 43

Juventude: 12

L
Liberdade: 70, 98

P
Pesquisa: 129

Pluralidade: 12

Ensino Religioso Escolar: trabalhando o transcendental que existe no Humano - ISBN 978-65-5360-169-7 - Vol. X - Ano 2022 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org
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