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VOL.

CIÊNCIAS HUMANAS
E SOCIAIS
tópicos atuais em pesquisa

científica digital
EDITORA CIENTÍFICA DIGITAL LTDA
Guarujá - São Paulo - Brasil
www.editoracientifica.com.br - contato@editoracientifica.com.br

Diagramação e Arte Edição © 2023 Editora Científica Digital


Equipe Editorial Texto © 2023 Os Autores
Imagens da Capa 1a Edição - 2023
Adobe Stock - 2023 Acesso Livre - Open Access
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


C569 Ciências humanas e sociais: tópicos atuais em pesquisa: volume 3 / Organizadores
Marcelo da Fonseca Ferreira da Silva, Flávio Aparecido de Almeida. – Guarujá-SP:
Científica Digital, 2023. ACESSO LIVRE ON LINE - IMPRESSÃO PROIBIDA
E-BOOK
Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
Inclui Bibliografia
ISBN 978-65-5360-512-1
DOI 10.37885/978-65-5360-512-1

1. Ciências humanas. 2. Ciências sociais. I. Silva, Marcelo da Fonseca Ferreira da


(Organizador). II. Almeida, Flávio Aparecido de (Organizador). III. Título.
CDD 101

Elaborado por Janaina Ramos – CRB-8/9166

Índice para catálogo sistemático:


I. Ciências humanas
2023
Marcelo da Fonseca Ferreira da Silva
Flávio Aparecido de Almeida
(Orgs.)

Ciências Humanas e Sociais: tópicos


atuais em pesquisa

Volume 3

1ª EDIÇÃO

científica digital

2023 - GUARUJÁ - SP
CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. Humberto Costa
Prof. Dr. Joachin Melo Azevedo Neto
Prof. Dr. Jónata Ferreira de Moura
Prof. Dr. André Cutrim Carvalho Prof. Dr. José Aderval Aragão
Prof. Dr. Antônio Marcos Mota Miranda Prof. Me. Julianno Pizzano Ayoub
Profª. Ma. Auristela Correa Castro Prof. Dr. Leonardo Augusto Couto Finelli
Prof. Dr. Carlos Alberto Martins Cordeiro Prof. Dr. Luiz Gonzaga Lapa Junior
Prof. Dr. Carlos Alexandre Oelke Prof. Me. Marcelo da Fonseca Ferreira da Silva
Profª. Dra. Caroline Nóbrega de Almeida Profª. Dra. Maria Cristina Zago
Profª. Dra. Clara Mockdece Neves Profª. Dra. Maria Otília Zangão
Profª. Dra. Claudia Maria Rinhel-Silva Prof. Dr. Mário Henrique Gomes
Profª. Dra. Clecia Simone Gonçalves Rosa Pacheco Prof. Dr. Nelson J. Almeida
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Profª. Dra. Cristina Berger Fadel Prof. Dr. Pedro Afonso Cortez
Prof. Dr. Daniel Luciano Gevehr Prof. Dr. Reinaldo Pacheco dos Santos
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Prof. Dr. Everaldo dos Santos Mendes Prof. Dr. Rossano Sartori Dal Molin
Prof. Dr. Fabricio Gomes Gonçalves Prof. Me. Silvio Almeida Junior
Profª. Dra. Fernanda Rezende Profª. Dra. Thays Zigante Furlan Ribeiro
Prof. Dr. Flávio Aparecido de Almeida Prof. Dr. Wescley Viana Evangelista
Profª. Dra. Francine Náthalie Ferraresi Queluz Prof. Dr. Willian Carboni Viana
Profª. Dra. Geuciane Felipe Guerim Fernandes Prof. Dr. Willian Douglas Guilherme

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APRESENTAÇÃO

Esta obra constituiu-se a partir de um processo colaborativo entre professores,


estudantes e pesquisadores que se destacaram e qualificaram as discussões
neste espaço formativo. Resulta, também, de movimentos interinstitucionais e
de ações de incentivo à pesquisa que congregam pesquisadores das mais
diversas áreas do conhecimento e de diferentes Instituições de Educação
Superior públicas e privadas de abrangência nacional e internacional. Tem como
objetivo integrar ações interinstitucionais nacionais e internacionais com redes
de pesquisa que tenham a finalidade de fomentar a formação continuada dos
profissionais da educação, por meio da produção e socialização de conheci-
mentos das diversas áreas do Saberes.
Agradecemos aos autores pelo empenho, disponibilidade e dedicação para
o desenvolvimento e conclusão dessa obra. Esperamos também que esta obra
sirva de instrumento didático-pedagógico para estudantes, professores dos
diversos níveis de ensino em seus trabalhos e demais interessados pela temática.

Marcelo da Fonseca Ferreira da Silva


Flávio Aparecido de Almeida
SUMÁRIO
Capítulo 01
A APLICAÇÃO DA METODOLOGIA FOIL PARA A GESTÃO HUMANISTA DE
ESCRITÓRIOS DE ADVOCACIA
Nizio Maia Netto

' 10.37885/231115113.......................................................................................................................................... 8

Capítulo 02

A ÉTICA BIOCÊNTRICA DIANTE DA CRISE AMBIENTAL


Luiz Eduardo de Souza Pinto

' 10.37885/231215190........................................................................................................................................ 39

Capítulo 03

A PESQUISA EM EDUCAÇÃO COMO UM TEMA EM DISCUSSÃO: MARCOS


TEXTUAIS
Alexandre Augusto e Souza; Tânia Cristina da Conceição Gregório

' 10.37885/231014689....................................................................................................................................... 54

Capítulo 04

A SOBRENATUREZA DA POLÍTICA: PARA ALÉM DAS RUÍNAS DO


NEOLIBERALISMO
Flávio Bellomi-menezes

' 10.37885/231115116......................................................................................................................................... 68

Capítulo 05

CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA ANÁLISE AUTOMÁTICA DO DISCURSO


Nildo Viana

' 10.37885/231114962........................................................................................................................................ 90

Capítulo 06

CRITICAL SOCIAL MEDIA AND INTERNET STUDIES: A REVIEW OF THE


STATE-OF-THE-ART RESEARCH
Luiz Valério de Paula Trindade

' 10.37885/231115061....................................................................................................................................... 116


SUMÁRIO

Capítulo 07

DOM QUIXOTE NO CINEMA: O CAVALEIRO DA TRISTE FIGURA E SUA


IMAGEM
João Eduardo Hidalgo; Maria Arminda do Nascimento Arruda

' 10.37885/231115109.......................................................................................................................................139

Capítulo 08

ESCOLAS BRASILEIRAS E SUSTENTABILIDADE NA SOCIEDADE DE RISCO:


A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA O FORTALECIMENTO
DA SUSTENTABILIDADE NO ÂMBITO DAS ESCOLAS A PARTIR DA AGENDA
GLOBAL 2030
Silvio José Franco; Adilson Pires Ribeiro; Luiz Fernando Biasi Staskowin

' 10.37885/231215144.......................................................................................................................................154

Capítulo 09

PATRIMONIALISMO, BUROCRACIA E GERENCIALISMO NA ADMINISTRAÇÃO


PÚBLICA BRASILEIRA
Gabriel Augusto Miranda Setti

' 10.37885/231115083...................................................................................................................................... 178

Capítulo 10

UNIVERSALIZAÇÃO, CONSERVADORISMO E SUBJETIVAÇÃO: A HERANÇA


CULTURAL DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E PESSOAS LGBTQIA+
Maria Clara Ramos Nery

' 10.37885/231114920.......................................................................................................................................195

SOBRE OS ORGANIZADORES.................................................................................................. 224


ÍNDICE REMISSIVO................................................................................................................................. 225
01

A APLICAÇÃO DA METODOLOGIA FOIL


PARA A GESTÃO HUMANISTA DE
ESCRITÓRIOS DE ADVOCACIA

Nizio Maia Netto


(AMF)

' 10.37885/231115113
RESUMO

Esta pesquisa tem o objetivo de estudar a gestão humanista do escritório de


advocacia a partir da metodologia FOIL. Para tanto, este presente trabalho
apresenta a compreensão da figura do advogado dentro das diversas esferas
da nossa sociedade, entendendo como a Constituição Federal e o Estatuto da
Ordem dos Advogados do Brasil o conceituam, em comparação com a visão do
advogado de acordo com o paradigma ontopsicológico. Além de apresentar, a
partir daí, como esse advogado pode atuar no mercado de trabalho e quais as
possibilidades que ele tem para efetuar com excelência e efetividade a gestão
dos seus espaços de trabalho e colaboradores, com o posterior acréscimo das
contribuições da FOIL e da metodologia ontopsicológica para esses mode-
los de gestão. Apresenta como o advogado pode se construir como pessoa,
jurista, empresário em função de valor para si mesmo, seus colaboradores,
clientes e sociedade.

Palavras-chave: Direito, Gestão, FOIL, Humanismo, Ontopsicologia.

ISBN 978-65-5360-512-1 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


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INTRODUÇÃO

O universo da advocacia no Brasil é recheado de místicas, pompas e


honrarias, e não seria por menos, a advocacia é uma profissão milenar que
remonta longínquas épocas da história.
A sociedade estabelece um ordenamento jurídico, desde que se nasce
há esta sujeição a convenções sociais de acordo com o que vigora naquele
lugar e tempo, tendo deveres a cumprir e direitos a reclamar. Acontece que, a
partir dessa premissa, estabeleceu-se uma profissão que se compromete a ser
a ponte entre o cidadão e a legislação.
Um profissional capaz de interpretar as leis, os códigos, os tribunais e
investir em defesa do direito legitimo de seu cliente contra outrem. Essa pes-
quisa tem o objetivo de estudar a gestão humanista do escritório de advocacia
a partir da metodologia FOIL. Para tanto, trabalha-se como o ordenamento
jurídico nacional caracteriza o advogado, quais são os requisitos para a pro-
fissão e se reporta ao paradigma ontopsicológico para reimpostar o advogado
na sociedade enquanto um profissional capaz não apenas tecnicamente, mas
existencialmente enquanto pessoa, empreendedor e jurista.
É de interesse dessa pesquisa evidenciar quais os caminhos para a
formação de um advogado que saiba operar nas diversas lógicas atuantes na
sociedade, enquanto resguarda a raiz última de sua existência, ao mesmo tempo
em que é ponto de valor para seus clientes e colaboradores.
Ainda, busca-se apresentar novidades para a seara jurídica, apontando
modelos de gestão para escritórios de advocacia, com o intuito de otimizar o
trabalho do advogado, proporcionando um ambiente formativo e integrado que
corresponda às expectativas econômicas e intelectuais de todos aqueles que
fazem parte do projeto.
Adiciona-se a esses modelos todas as novidades inerentes à utilização
prática do método ontopsicológico e da FOIL, para potencializar os ganhos e
os procedimentos dos escritórios de advocacia enquanto trabalha lideristica-
mente o advogado por trás do negócio resultando na possibilidade da gestão
humanista do empreendimento. Evidencia-se assim a interdisciplinaridade da
ciência Ontopsicológica enquanto base epistêmica para o direito e ponto chave
para o conhecimento e construção do advogado.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


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O ADVOGADO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO
ESTATUTO DA OAB

A partir do momento em que nascemos nos encontramos inseridos em


um determinado lugar e em um determinado tempo histórico, portanto, condi-
cionados a uma série de direitos e deveres colocados a partir da cultura, dos
hábitos, das condições geográficas e da construção do estilo de vida de cada
pessoa naquele lugar.
Cada indivíduo, desde o momento de seu nascimento já se encontra nas
coordenadas pré-estabelecidas pela lei ali vigente, possuindo determinados
direitos e deveres. Tudo é regulado por um aparato legal, tudo nasce de um
procedimento, todas as coisas encontram uma saída nas legislações ou nas
jurisprudências, tudo parte de um sistema já existente e anterior ao nosso
advento enquanto pessoas.
Portanto, da mesma forma que a sociedade somente existe a partir da
reunião de agentes individuais, essa somente é possível por existir algo que
regula todas as interações entre os indivíduos presentes nesse espaço coletivo.
Esse algo é o critério de mediação entre o que se quer, o que se pode querer, e o
como se alcançam os objetos de desejo, esse algo, segundo doutrina Norberto
Bobbio (1995, p. 23), é o ordenamento jurídico, um completo sistema de regras
e condutas que fundamentam o entendimento do fato jurídico. Nesse sentido, a
reunião dos aspectos regulatórios das normas, os tribunais, os poderes, a orga-
nização e distribuição estatal como um todo, consentem no advento do Direito.
Dessa forma, é imprescindível a existência de uma classe profissional
que opere o direito. Esses operadores são, conforme descrito no Estatuto da
Ordem dos Advogados do Brasil (BRASIL, 1994, p. 2), aqueles capazes de com-
preender as passagens técnicas e práticas que permitem a mediação exitosa
entre a vontade de um particular e os caminhos para sua realização dentro de
um contexto normativo, burocrático e procedimental.
Nesse sentido, impera pensar sobre “o que” e “quem” é o advogado.
Estruturalmente, no Brasil, advogado é todo aquele profissional liberal gra-
duado em direito, aprovado no exame da ordem e que investe, em vias judiciais
e extrajudiciais, em favor de seus clientes ante o Estado, cumprindo função

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essencial e indispensável para o acesso à justiça, conforme disciplina o art. 2
do Código de Ética da OAB:

Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça,


é defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da
moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a
atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que
exerce. (BRASIL, 1994, p. 2)

Situação corroborada pela Constituição Federal de 1988, quando incluiu


com novidade em seu artigo 133 a essencialidade do advogado à administração
da justiça. O que, na visão de Eduardo Bittar (2016, p. 222), “é conferir a máxima
autoridade normativa a essa atividade jurídico-postulatória”. Visto que para Bittar:

O advogado é mensageiro e representante jurídico da vontade


dos cidadãos. Em atividade judicial, representa, funciona como
intermediário de uma pretensão diante das instituições às quais
se dirige ou perante as quais postula; em atividade extrajudicial,
aconselha e assessora, previne. (2016, p. 222)

Alexandre de Moraes (2016, p. 671-673) também atesta que além de servir


como um dispositivo que prestigia a profissão, responsabiliza o profissional em
relação também à negativa de imunidade absoluta na prática da atividade, e
delimita os pressupostos legais para a efetivação da condição de advogado.
Sendo o advogado, aquele profissional que se vale do conhecimento técnico
da norma para mediar, em função de êxito, as vontades daqueles que se valem
de seus serviços. É o advogado que, no âmbito do ordenamento e das normas
jurídicas, conduz a mediação entre os deveres e direitos de cada indivíduo e
aquilo que cada um ambiciona e deseja no contato com o contexto onde vive.
Conforme aludido acima, além do título de bacharel em Direito, para que
haja a regular prestação de serviços advocatícios, é necessária a comprovação
de efetiva habilitação profissional mediante regular inscrição nos quadros da
Ordem dos Advogados do Brasil, instituição responsável pela fiscalização da
atividade laboral da classe dos advogados, classificada como serviço público
independente conforme determinação do Supremo Tribunal Federal. Tendo sua
finalidade afeita às atribuições, interesses e seleção de advogados, possuindo
finalidade institucional (MORAES, 2016, p. 672).

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


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Atualmente, essa entrada nos quadros da Ordem acontece mediante a
realização e aprovação no chamado “Exame da Ordem”, conforme determinado
pelo art. 8º, IV, da Lei n.º 8.906/1994, o qual se faz necessário pelo entendimento
de que as atividades de risco devem ser realizadas por profissionais capazes
tecnicamente de defender, com coerência e fundamentos, os interesses dos
particulares, sem causar possíveis danos à coletividade. E ainda, entende-se
que a aprovação neste exame é a chancela necessária que caracteriza a con-
gruência do candidato aos conhecimentos técnicos inicialmente precisos ao
exercício profissional da advocacia em relação com a realidade das demandas
sociais daquele momento.
Além disso, em seu particular estatuto, a OAB discorre sobre a integrali-
dade dos serviços advocatícios, regulando desde a conceituação da profissão
e seus procedimentos internos, sobre o trato com os clientes e, inclusive, sobre
a ética que a ser mantida pelo advogado. Sobre esta última, a Lei 8.906, que
estabelece o referido estatuto, dispõe um código de ética e disciplina com
oitenta artigos próprios.
Tendo no preâmbulo do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil
a determinação dos mandamentos que lastreiam essa profissão, aos quais
destacam-se os seguintes:

[...] lutar sem receio pelo primado da Justiça; ser fiel à verdade
para poder servir à Justiça como um de seus elementos essenciais;
empenhar-se na defesa das causas confiadas ao seu patrocínio,
dando ao constituinte o amparo do Direito, e proporcionando-
lhe a realização prática de seus legítimos interesses; exercer a
advocacia com o indispensável senso profissional, mas também
com desprendimento, jamais permitindo que o anseio de ganho
material sobreleve a finalidade social do seu trabalho; aprimorar-
se no culto dos princípios éticos e no domínio da ciência jurídica,
de modo a tornar-se merecedor da confiança do cliente e da
sociedade como um todo, pelos atributos intelectuais e pela
probidade pessoal. (BRASIL, 1994, p. 94).

Percebe-se assim que existe uma preocupação institucional desde a


concepção da profissão, que lastreia, fundamenta e determina o “quem”, o
“que”, o “como” e o “quando” da advocacia.

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Esses modos do advogado, amplamente descritos e determinados no
estatuto regulador da atividade profissional, colocam o operador jurídico em
um patamar que compreende tanto o seu exercício de salvaguardar o cliente,
quanto o de ser instrumento do sistema para conduzir essas vontades ao fim
único de encontrar a justiça legal. Ou seja, à luz da Constituição Federal e do
Estatuto da OAB, o advogado é um agente ativo do sistema jurídico que conduz
as vontades dos seus clientes nos caminhos já previstos pelo ordenamento,
jurisprudência e costumes, sendo uma peça fundamental para esse diálogo
entre interesses particulares e do Estado.
O que conceitua o advogado como mediador entre indivíduos e direitos,
com responsabilidades que evadem o campo privativo e acessam o cerne de
um sistema estruturado que conduz a comunidade, com objetivo de resguardar
os direitos a partir da garantia do cumprimento dos deveres.

O ADVOGADO E O DIREITO SOB O PARADIGMA ONTOPSICOLÓGICO

A Ontopsicologia se posiciona vanguardista na estante das demais


ciências humanas, especificamente na seara da psicologia humanista-exis-
tencial (MENEGHETTI, 2021, p.199). Nas palavras de Meneghetti (2021, p. 201)
“A Ontopsicologia analisa o homem no seu fato existencial e histórico; ela tem
por objeto a estrutura psíquica e a intrínseca lógica”, apresentando, desde
seu background histórico até suas aplicações, um compromisso genuíno para
entender e explicar tudo aquilo que é o humano, em outras palavras, entender
qual é o projeto homem.
Segundo o Manual de Ontopsicologia (MENEGHETTI, 2010, p. 142), essa
ciência possui oito aplicações, oito áreas em que o ontopsicólogo pode intervir,
aplicar o método em função de resultado e crescimento. Dentre elas estão a
psicossomática; pedagogia; psicologia do líder; OntoArte; estética; ética; meta-
física existencial e o direito.
Encontramos o direito como uma das áreas de aplicação da Ontopsicologia,
justamente por essa ter como fundamento a pessoa, o ser humano enquanto
ente, protagonista e responsável pela própria atuação na grande vida, detentor
de um potencial único, específico e virtualmente capaz de historicizá-lo, ou seja,
o objeto de estudo da Ontopsicologia, isto é a atividade psíquica no evento

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


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Homem, e, sendo o Homem também o protagonista, fim, meio e origem de
todo o direito, estabelece-se uma relação simbiótica entre essas duas ciências
(MENEGHETTI, 2010, p. 130-131).
Partindo desse paradigma adentramos em um vasto universo que res-
significa toda a ciência do direito e que coloca um novo critério para pensá-la
e fazê-la, conforme explicam Batistela, Padilha e Spiller (2012, p. 6):

Se o homem vai dar medida às coisas, parte-se do pressuposto


que este homem que mede porta, dentro de si, a medida exata.
Partindo destas ideias, a relação do direito com a Ontopsicologia se
evidencia, pois a Ontopsicologia descobriu o critério que consente
ao humano medir com exatidão, denominando-o Em Si ôntico.
Neste sentido, é possível dizer que a interdisciplinaridade entre a
Ontopsicologia e o direito acarreta na (re)fundação da própria base
científica do direito: o conhecimento da ciência ontopsicológica
é basilar, preliminar e propedêutico à ciência do direito. Ora, se
há muito se discute e se pretende re-fundar a ciência do direito
para resgatar o verdadeiro valor do humano, e por conseqüência
produzir uma melhor civilização humana, a Ontopsicologia se
mostra como caminho único, pois permite embasar a ciência do
direito por meio do nexo ontológico.

No entanto, para que cheguemos à compreensão do que é o referido nexo


ontológico, por sua vez caracterizado como o fim científico da Ontopsicologia
(MENEGHETTI, 2010, p. 134), devemos ter clareza sobre o que é o Em Si ôntico.
Segundo Batistela, Padilha e Spiller (2012, p. 3) “é um critério constante,
uma força que constitui o ser humano e que o organiza também em suas condutas
e escolhas, sempre dirigido ao que é mais útil e funcional à própria identidade”,
ou seja, é o critério base da identidade do indivíduo (MENEGHETTI, 2021, p. 92),
aquele ponto fundante que determina a verdade individual, que fundamenta
as coisas que lhe são justas e baseia a realidade específica daquele vivente.
Portanto, quando Meneghetti (2010, p. 134) descreve que para alcançar o
nexo ontológico é preciso reportar a lógica do eu à lógica do Em Si ôntico, enten-
de-se que é necessário que o Eu lógico-histórico efetue historicamente a escolha
otimal momento a momento, com base no critério intrínseco da própria vida.
Ou seja, o paradigma ontopsicológico que permite refundar a ciência
jurídica como um todo, é fundamentado na existência de um critério base que
constitui cada individuação. E é essa premissa que possibilita alcançarmos

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a justiça como aquele fundamental adequado, verdadeiro. Porque o justo é
somente alcançável quando tanto o operador quanto o cliente são ciência da
realidade individual daquela pessoa, e é nessa prerrogativa que o advogado e
a ciência jurídica devem se pautar.
Nesse sentido, revela-se que o direito, se quer remontar à verdadeira
justiça, deve ser realizado dentro de um proceder ontológico, ou seja, dentro
da moral ôntica. Segundo Meneghetti (2009, p. 83) “a moral ôntica espelha a
intencionalidade de natureza ínsita na individuação humana”, ou seja, um com-
portamento baseado em um princípio que o baseia. Esse princípio basilar descrito
como moral, pode ser correspondente ao critério ontológico do sujeito ou pode
corresponder a uma outra lógica, uma lógica de comportamento principiada
pelos previstos legislativos e de costume social (MENEGHETTI, 2021, p. 190).
Essa segunda, a moral sistêmica, se vale de todos os aparatos que estru-
turam a sociedade, desde a família à religião, as leis, os costumes, etc. É um
grande conglomerado que sustenta o sistema, como uma engrenagem que
adéqua tudo e sintoniza a ordem das coisas. Nas palavras de Meneghetti (2005,
p. 258), a moral sistêmica se conceitua assim:

Na moral sistêmica se concluem os vínculos familísticos, sociais,


legais, culturais e religiosos. Inicialmente cada um deles se apresenta
e se impõe de modo absoluto e prioritário. Uma vez que acontecemos
neste mundo inconscientes, indefesos e necessitados do sistema,
quando começamos a nos dar conta e a refletir, por muitos aspectos
já é tarde. Além disso, a moral sistêmica circunda de modo sempre
mais forte na medida em que se é realizado.

Ou seja, a moral sistêmica é o que sustenta a sociedade como um todo,


todo o mundo globalizado faz parte desse emaranhado cultural, ela existe por
si mesma e em si mesma, antes e após a nossa passagem por ela, e, portanto,
é ineliminável do nosso proceder histórico, somos inseridos nela ao nascer e
por isso respondemos a ela a cada momento, perdemos e vencemos a partir da
lógica colocada por ela. É a moral sistêmica que dá as regras do jogo, e caso
se queira contrariá-la, estamos fora.
Segundo Batistela, Padilha e Spiller (2012, p. 3) a moral sistêmica é aquela
que impõe um critério externo em que, caso seja utilizado como referência

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


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para a construção existencial da pessoa, não lhe é funcional, pois dessa forma
afastamo-nos do princípio ontológico, consentindo à angústia ou à neurose.
Portanto, conhecer a realidade dessas duas morais existentes e atuantes
é essencial para que o advogado atue em função social e alcance aquilo que a
Ordem dos Advogados do Brasil determina como o horizonte da advocacia e suas
prerrogativas. Nesse sentido, Batistela, Padilha e Spiller (2012, p. 5) determinam:

O jurista opera com o direito, com as leis, com o sistema, com


a sociedade, ou seja, contemporiza o impulso do poder social,
tendo a responsabilidade de atuar com exatidão os instrumentos
convencionados e de propor soluções para uma sociedade melhor.

Destaca-se então que o advogado conhecedor dessas duas realidades


morais deve ter, além da capacidade técnica de evidenciar as passagens legais
e burocráticas presentes nos ordenamentos jurídicos para resolver a situação do
seu cliente, também a sensibilidade para destacar a realidade originária, ôntica,
que coloca a situação. Deve ser um conhecedor dos dois mundos, percebedor
da realidade dos fatos com base em um critério ontológico e atuá-los conforme
o sistema possibilita, sempre em função de ganho para o cliente.
Para isso, usam-se as leis e conhecem-se as regras, as quais, por si só,
são sempre neutras, e devem ser operadas e interpretadas sempre de forma útil
e funcional ao caso que está sendo apreciado. A lei é lida a partir da inteligência
de seu operador, e ao mesmo tempo em que é a salvação de uma parte, é ruína
para a outra, basta colher o ponto de funcionalidade e aplicá-lo conforme a regra
do jogo, conhecendo a jurisprudência, estudando o magistrado, o entendimento
dos tribunais superiores, colhendo a causa psíquica que motiva o cliente etc.
Conforme Batistela, Padilha e Spiller (2012, p. 12):

Todos os atores do teatro jurídico são concordes que um bom


operador jurídico deve ter um conhecimento profundo da legislação
e da jurisprudência, devendo ser um mestre na aplicação destes
conhecimentos no caso concreto.

Ou seja, esses aspectos devem ser “cartas na manga” de um advogado.


Essa expertise somente é explorada, evidenciada e descrita a partir do método
Ontopsicológico, pois, a partir da evidência de si mesmo, pode-se chegar à
ciência da realidade do outro, portanto, da vida e do sistema.

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Para que essa lógica de atuação aconteça, faça realidade e construa uma
nova racionalidade jurídica, Batistela, Padilha e Spiller (2012, p. 10), explicam que:

O jurista deve ter uma consciência exata, ou seja, exige que o


jurista autentique a própria consciência para, deste modo, se
capacitar a ler em si mesmo as mensagens do real, criando a
proporção respectiva, com uma racionalidade que se adapte às
exigências da história.

Ou seja, é a mente do operador que deve estar bem calibrada, é quase


um evento clínico, em que o advogado deve se inclinar ao problema trazido pelo
cliente, colhendo-o em todos os seus aspectos fenomenológicos, mas sendo
capaz de individuar aquela causa primeira que sustenta todo aquele aparente.
Assim entendendo onde, de fato, está o ponto vencedor, e permanecendo limpo
dos jogos e das mentiras que se apresentarem.
Não obstante, segundo Batistela, Padilha e Spiller (2012, p. 11), para que
o jurista possa atuar nessa metodologia de trabalho, para que possa acessar
esse ponto fundamental das coisas, deve se desenvolver com base em três
pilares pessoais, sejam eles: vocação, projeto e capacidade.
Entende-se vocação como aquela disposição natural, espontânea, um
chamado que se sente dentro e gera curiosidade de realizar. Por projeto temos
a definição daquilo que está pré-disposto, a existência de um caminho, por
etimologia, uma ação que lança a frente, que se estende. E por capacidade
temos a medida, o quanto que aquela possibilidade pode chegar, é o até onde
se pode ir, o horizonte do projeto.
Nesse sentido, o indivíduo que se envereda na advocacia pautado pela
vocação, projeto e capacidade, necessita ainda de uma formação que se baseie
nos seguintes princípios: competência técnica do direito no seu campo especí-
fico, a formação que serve para a evolução de sua personalidade e inteligência e
conhecimento da situação real antes de aceitar a causa (BATISTELA; PADILHA;
SPILLER, 2012, p. 12).
Esse primeiro princípio é já muito bem explorado por todas as escolas
de formação jurídica, destacado nos manuais doutrinários e, inclusive, requisito
para atuação profissional, conforme o que fora destacado do Estatuto da OAB
no subcapítulo acima.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


18
A novidade do paradigma Ontopsicológico no que tange à atividade
profissional do advogado entra no segundo e terceiro princípio colocados por
Meneghetti (BATISTELA; PADILHA; SPILLER, 2012, p. 12).
Quando se fala sobre uma formação que serve para a evolução de per-
sonalidade e inteligência, fala-se sobre uma formação integral do ser humano
enquanto pessoa, uma formação contínua que o prepara nos diversos âmbitos
da vida. Trata-se de uma formação que o coloca em contato com um mundo
fora do direito, que o estimule enquanto inteligência amébica a todo contexto
social, filosófico, psicológico, contemporâneo e geográfico, entendendo que fazer
o papel do bom advogado é uma coisa e realizar-se como pessoa inteligente é
outra (BATISTELA; PADILHA; SPILLER, 2012, p. 13).
Isso depois permite ao advogado interdisciplinarizar o seu trabalho,
ampliar o repertório, não só nas doutrinas jurídicas, mas também na literatura,
na música, na filosofia, psicologia, engenharia, arquitetura, etc. Permite-o variar,
discutir, cambiar ideias com base em uma cultura elevada sobre tudo aquilo
que é humano, e que é fator de crescimento para o cliente.
Por fim, o terceiro princípio diz respeito ao que falávamos anteriormente
sobre conhecer a causa primária daquele conflito vivido pelo cliente. É entender,
a partir da clareza de si mesmo, qual a causa psíquica que sustenta aquilo que
o outro traz como um problema, entender as dinâmicas e todas as informações
que afluem e consentem àquele fenômeno exposto.
Ter essa clareza e dominá-la enquanto técnica e ferramenta de trabalho
permite ao advogado identificar com precisão e celeridade não só qual a melhor
estratégia para a condução da causa/processo, mas também decidir investir-se
ou não no caso. Isso visto que o cliente, por muitas vezes, pode esconder o jogo,
maquiar os fatos e até mesmo litigar apenas para sustentar um problema que ele
não quer resolver, buscando o advogado para ter um aliado contra aquilo que
o aflige, e não para resolver uma situação em função de ganho para si mesmo.
Em relação ao exposto, conforme aduzem Batistela; Padilha e Spil-
ler (2012, p. 16):

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Por mais perfeito que seja um sistema legal, por mais assente que
esteja a jurisprudência, é um erro gravíssimo do operador jurídico
perder de vista que no teatro em que está inserido, os atores são
seres humanos, e como tais indissociáveis de seus problemas
pessoais, existenciais, de seus estereótipos etc. O conhecimento
da psicologia é o ponto crucial que levará o operador jurídico
ganhar determinada causa - aliado, obviamente ao conhecimento
técnico-, posto que no direito, no debate, o que prevalece é somente
a psicologia.

Dessa forma, a escola ontopsicológica coloca o advogado não apenas


como um profissional capaz de transformar vontades em bens jurídicos, ou de
legitimar direitos frente ao sistema judiciário, mas coloca a advocacia como um
ofício para aqueles que são capazes de mediar dois mundos, de ser a passagem
entre o genuíno querer do mundo da vida e a efetivação histórica daquele projeto.
É uma responsabilidade consigo mesmo que principia e dá a lógica para a
condução da vida de um outro, não é apenas defender um direito possível, mas
operar em uma lógica de respeito àquela primeira dignidade do homem. É um
compromisso por reforçar o homem, desde que este esteja disposto a refor-
çar-se e não busque, no litígio, qualquer meio que consinta em uma regressão
personológica tanto para o cliente quanto para o advogado.
Para tanto, o Estatuto da OAB determinou duas formas para que o advo-
gado possa exercer seu ofício, sejam elas: a sociedade de advogados, na forma
de sociedade simples ou unipessoal, ou como advogado empregado (BRASIL,
1994, p. 11-13). Ambas as formas dizem respeito a de como o advogado se posi-
cionará enquanto business, no entanto, também compreendem a existência de
uma máxima: o escritório de advocacia.

OS MODELOS E A GESTÃO DO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA

Sabendo então que o advogado pode desempenhar suas atividades


profissionais enquanto personalidade jurídica de duas formas, sendo elas como
sociedade simples ou unipessoal, ou na posição de advogado contratado, existe
um aspecto indissociável a ambas: as duas necessitam de um espaço para que
aconteçam, um lugar onde o advogado trabalhará.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


20
Ainda que hoje o advogado já não precise obrigatoriamente de um escri-
tório próprio, visto o aumento gradativo nos atendimentos online, a ampliação
massiva dos espaços de coworking, ou mesmo a flexibilização dos rigores no
entendimento ao cliente, segue inegável que a existência de um espaço físico
que sirva como ambiente de trabalho é quase um requisito para a atividade de
qualquer profissão.
Dessa forma, é necessário que todo advogado prestador de serviços, sendo
ele associado ou contratado, entenda que existem técnicas para a manutenção
e o gerenciamento dos recursos desse lugar, sejam eles recursos humanos,
operacionais, insumos, gerenciais, etc.
Para tanto, Angelini, Macieira e Cunha (2018, p. 123-126) posicionam
organização como: “todo e qualquer grupo de pessoas que combina os seus
próprios esforços e outros recursos para alcançar um propósito comum”, ou
seja, independente do tamanho do escritório, é imprescindível que haja uma
técnica de gerenciamento e gestão.
Segundo Ezequiel (2016, p. 8) “a gestão busca organizar a prestação de
determinado serviço ou a produção de um bem, dando-lhes maior eficiência”,
no sentido de que, para realizar a gestão destas organizações de prestação de
serviço jurídico deve-se se basear em três pilares, sejam eles: propósito, divisão
de trabalho e coordenação (ANGELINI; MACIEIRA; CUNHA, 2018, p. 126-129).
Entende-se o propósito como o escopo daquela organização, um critério
que define o norte para aqueles indivíduos reunidos na dinâmica do trabalho. Por
divisão de trabalho, entendem-se os papéis específicos que cada indivíduo tem
no interior daquela organização, e como a união desses esforços deve consentir
no reforço do todo. Por fim, entende-se a coordenação como a hierarquização
dessas divisões de trabalho em uma disposição planejada que permita a cele-
bração daquele escopo inicial.
Para Angelini, Macieira e Cunha (2018, p. 157), para a condução eficiente
da gestão nos escritórios de advocacia é necessária a presença de outras qua-
tro micro gestões, a gestão administrativa; financeira; de recursos humanos; e
operacional. Conforme Meneghetti já assinalava anteriormente, e corroboram
Angelini, Macieira e Cunha (2018, p. 162) que “ter somente competência técnica
no Direito, mediante uma boa equipe de Advogados, já não é suficiente para a
excelência do negócio”.

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Nesse sentido, superada a formação personológica do operador, aden-
tra-se no aspecto da manutenção desse aprendizado in progress que desaguará
também na administração do seu espaço de trabalho, visto que esse espaço
nada mais é do que a extensão do corpo operativo daquele líder, dado que,
conforme atestam Angelini, Macieira e Cunha (2018, p. 160) “é a alta direção
quem deve estabelecer esse norte fundante para a organização”.
Dessa forma, o primeiro aspecto importante para a implementação de
uma gestão efetiva aos escritórios é a Controladoria Jurídica, que se encontra
dentro do aspecto da gestão operacional, e, segundo Angelini, Macieira e
Cunha (2018, p. 190):

exclui da rotina dos Advogados todas as tarefas que não dependem


do conhecimento de matérias do Direito. Entre as muitas matérias
não diretamente relacionadas ao conhecimento jurídico, podemos
destacar: controles de prazos, audiências e sustentações orais,
documentos, diligências, organização de pastas, físicas e virtuais,
registro das informações no sistema de gestão do escritório e nos
sistemas de clientes, emissão de relatórios etc.

Um processo que pode ser realizado mediante inúmeras formas, inclusive


por meio de inteligências artificiais e softwares específicos para essa função,
como ADVBOX, ASTREA, AURUM, PROJURIS etc, ferramentas já existentes no
mercado e podem facilitar a implementação desse pilar da gestão para escritórios.
Já que desocupar o advogado de tarefas morosas como as elucidadas
acima, gera um ganho de tempo que, reinvestido na produção intelectual ou
prospecção comercial, agrega não só qualidade, como potencializa a efetividade
e a assertividade das produções da equipe técnica do escritório. Uma vez que
ter essa operação centralizada em um profissional, desencarga os outros dessa
responsabilidade, dinamizando o setor de trabalho.
No entanto, não bastando apenas a ferramenta, faz-se necessário o
material humano responsável pela sua manutenção e operação, o que destaca
a importância do aspecto da divisão do trabalho, visto que a pessoa responsável
por operacionalizar o sistema deve especializar-se nessa área, conhecendo cada
processo extrajurídico que contempla o setor da controladoria. Essa deverá
cuidar de tudo que circunda a atuação do advogado, preparando as ferra-
mentas e os meios para que cada componente da equipe possa desempenhar

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


22
o seu labor preocupando-se exclusivamente com a produção e entrega das
atividades solicitadas.
O controlador jurídico, não necessariamente precisa ser alguém de fora,
basta que a pessoa responsável conheça muito bem o fluxo das demandas e o
responsável destinatário de cada tarefa, proporcionando além dos itens já des-
tacados a possibilidade de analisar importantes indicadores, como a elaboração
de relatórios e métricas para a análise de desempenho, assertividade das teses,
relacionamento com o cliente, pré e pós venda, controle sobre o andamento
dos processos, distribuição de informações precisas, melhora na qualidade de
produção, redução de custos e fidelização de clientes (ANGELINI; MACIEIRA;
CUNHA, 2018, p. 198-206).
Outro ponto importante e destacado por Esequiel (2016, p. 20), é a análise
de desempenho, que dentro de um aspecto da controladoria jurídica é facilitada,
visto que esse setor centraliza as informações e as distribui entre o corpo técnico
operativo e a direção (quando há separação entre essas duas esferas). Dessa
forma, torna-se possível a metrificação da produção com base em indicativos
de qualidade e efetividade argumentativa na construção das teses do escritório.
Para que se realize essa análise de desempenho, Esequiel (2016, p. 20)
aponta a necessidade de se avaliar as competências:

As técnicas são aquelas relacionadas ao conhecimento adquirido


ao longo da formação profissional do indivíduo, como comunicação
escrita e/ou verbal, língua estrangeira, domínio de alguma ferramenta
de informática ou alguma especialização. As comportamentais
são aquelas que têm a ver com atitudes, como liderança, iniciativa,
agilidade, comprometimento, foco em resultado, proatividade,
trabalho em equipe ou foco no cliente.

Ou seja, estabelecidas as diretrizes para uma avaliação de desempenho,


é imperativa a necessidade de, quando ocorrida, realizar-se o feedback, o qual
pode ser de duas maneiras. A primeira é a forma tradicional, na qual estabele-
cido um avaliador (geralmente um superior hierárquico), esse, de acordo com
os indicativos colhidos do desempenho do seu avaliado, fará a devolutiva sobre
o trabalho realizado, apontando os pontos de melhoria e indicando pontos de
reforço àquilo que vem sendo realizado de forma assertiva.

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A segunda forma é a de realizar a avaliação de desempenho no estilo
360º, em que todos avaliam todos, num formato que permite, além de uma
autoavaliação do profissional, ele ser avaliado por seu superior hierárquico,
seus pares e subordinados, permitindo a completude avaliativa em todos os
âmbitos da organização (ESEQUIEL, 2016, p. 21-22).
A partir dessa metodologia abrem-se diversas portas para a progressão do
trabalho desempenhado, visto que, com base na análise pode-se medir quais são
os pontos de melhoria de cada indivíduo da equipe e trabalhar especificamente
para desenvolver essas competências, sejam elas técnicas ou comportamentais.
O próximo passo é entender quando fazer as referidas avaliações, segundo
o modelo apresentado por Angelini, Macieira e Cunha (2018, p. 247-250), existem
duas formas de se pensar no quando avaliar.
Essas formas estão estritamente ligadas ao conceito de gestão estratégica
e gestão operacional, que são a forma de estabelecer as metas e objetivos de
um escritório à curto e longo prazo, partindo de direcionadores focais e objetivos
estratégicos e a monitoração diária da gestão, por meio da verificação do fluxo
dos processos internos do escritório, respectivamente (ANGELINI; MACIEIRA;
CUNHA, 2018, p. 247-250).
Assim, faz-se viável a aplicação das duas formas da avaliação de desem-
penho, sendo a avaliação tradicional realizada junto da dinâmica de gestão
operacional (podendo ser realizada entre os responsáveis hierárquicos e seus
subordinados semanalmente, indicando os resultados e a qualidade do produzido
em reuniões de alinhamento semanal) e, dentro da dinâmica de gestão estraté-
gica, realizar uma avaliação 360º a cada trimestre ou semestre (de acordo com
a necessidade e tamanho da organização), para recalcular distribuir os novos
focos de melhoramento e ampliação do escritório.
Nesse sentido, entende-se a importância de haver um planejamento
estratégico que posicione o escritório de advocacia sempre de modo a avançar,
em um sistema aberto, iterativo, contínuo e integrado ao contexto (ANGELINI;
MACIEIRA; CUNHA, 2018, p. 263). Isto é, o escritório deve posicionar-se sem-
pre de forma a não perder o que já conquistou e com amplas possibilidades
de produzir novidades progressivamente, sempre com o foco no contexto, nos
clientes, oportunidades de negócio, etc.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


24
Em resumo, Angelini, Macieira e Cunha (2018, p. 281) definem a construção
de um planejamento estratégico como:

é idealmente construída e implementada como atividade de toda


a equipe, mas sempre com engajamento da Alta Administração do
Escritório, de modo a ser legitimada. O Planejamento Estratégico
(ou estratégia) é um processo de geração de ideias cujo propósito
é criar um mapa mental para que toda a equipe saiba como
interpretar as suas respectivas tarefas, facilitando a execução,
finalidade da Gestão Operacional.

Ou seja, além da controladoria jurídica e da análise de desempenho, adi-


ciona-se ao modelo o planejamento estratégico, a fim de direcionar o escritório,
estabelecer aquele propósito inicial, calibrar o escopo, e integrar toda a equipe
ao alcance desses objetivos, analisando aquilo que se tem de possibilidades
internas e aspirações externas em relação às oportunidades de mercado, tendo
sempre o fulcro naquele particular potencial da equipe que se tem, e quanto mais
alinhado estrategicamente o escritório estiver, maior a possibilidade de ganho.
Para tanto, é necessário estruturar também os direcionadores estratégicos
(ANGELINI; MACIEIRA; CUNHA, 2018, p. 286). Muito difundidos e itens quase
obrigatórios dentro das ciências da administração, a famosa tríade de Missão,
Visão e Valores. As referidas autoras (ANGELINI; MACIEIRA; CUNHA, 2018, p.
286-296) ainda os definem como:

A Missão descreve resumidamente o que o Escritório faz e entrega


aos seus clientes. Deixa claro o propósito essencial do Escritório
(sua razão de ser ou de existir), constituindo uma formulação
objetiva e precisa, possível de ser entendida e assimilada por
todas as pessoas que dela fazem parte, ou que mantêm com ela
relações significativas (mandatários, usuários de seus serviços e
fornecedores, entre outros).
A Visão de Futuro estabelece um cenário a respeito de como o
Escritório deseja estar e ser visto em um determinado horizonte de
tempo, constituindo um parâmetro essencial para o direcionamento
dos esforços internos, e junto aos atores relevantes do ambiente
externo, para o alcance do “futuro desejado”. É o “retrato” futuro
do Escritório, tal como sonhado pelos seus sócios.
Os Valores estabelecem o caráter do Escritório. Valores clarificam
as regras de conduta essenciais que devem nortear as posturas e
ações da organização, tanto no âmbito interno como nas relações

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com o ambiente externo. Constitui-se na diretriz essencial para
o exercício da prática ética e moral nas suas diversas instâncias
de decisão e de execução dos procedimentos de trabalho. Em
resumo, os Valores constituem as crenças, o ideário da organização.

Ou seja, são os princípios administrativos norteadores do escritório, que


garantem o presente e calcam toda a perspectiva de futuro que, juntos da gestão
estratégica e da gestão operacional podem construir a trajetória do escritório,
ou seja, são os pilares do projeto que determinam a estrada a ser percorrida.
Esses pilares norteiam os chamados objetivos estratégicos, aquelas metas
internas do escritório que perpassam todos os setores, e colocam sob cada um,
um objetivo específico, que deve ser sempre seguido de sete perguntas, sejam
elas: o que será feito; quem fará; onde será feito; quando; por qual motivo; como
e quanto custará (ANGELINI; MACIEIRA; CUNHA, 2018, posição 384-391).
Esse método permite além do acompanhamento detalhado sobre o
andamento de cada tarefa designada ou meta estabelecida entre os setores
do escritório, proporciona a possibilidade de metrificar as horas de trabalho de
cada sócio, advogado ou estagiário, abrindo espaço para medir com precisão
se um cliente ou colaborador é rentável ou não, visto que cada tarefa passará
por um rigoroso e completo passo a passo, que define desde o executor até os
meios que ele terá para desenvolvê-la.
Esse indicador de rentabilidade já abre o aspecto da gestão financeira
e administrativa, e, segundo explica Esequiel (2016, p. 30-31): para medir a
rentabilidade de um cliente ou colaborador basta que se confrontem as horas
debitadas (aquelas gastas na atividade diária de trabalho) com as horas fatu-
radas (as horas de trabalho que de fato se concretizam em faturamento), o que
permite verificar que não é apenas o tempo gasto trabalhando que garante o
faturamento, mas sim, entender quando se trabalha para o cliente e quando se
trabalha para o escritório em si.
Outro ponto fundamental no que diz respeito à gestão administrativa
financeira do escritório são os indicadores financeiros, Esequiel (2016, p. 26)
destaca os seguintes: análise sobre a margem de lucro (divisão do lucro ou
prejuízo pela receita multiplicado por cem); índice de cancelamento das notas
de honorários (divisão do total de cancelamentos de um período pela receita
daquele mesmo período multiplicado por cem); índice de inadimplência (o total

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


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não recebido em um período dividido pelo faturado do mesmo período multipli-
cado por cem); o prazo médio para recebimento (divide-se o saldo a receber pelo
faturamento dos últimos noventa dias e depois se multiplica o resultado por 90);
a idade das contas a receber (organizando os saldos vencidos e planificando
em datas, as não vencidas, vencidas há 30 dias, 60 dias, e assim por diante) e
a curva ABC (o rankeamento dos clientes em relação ao faturamento de cada
um, entendendo quais são os principais clientes e como eles se distribuem no
faturamento do escritório) (ESEQUIEL, 2016, p. 26-28).
São esses indicadores que dão a chave para a construção de um ponto
fundamental da gestão estratégica: o orçamento. Assim, conforme Esequiel:

Os orçamentos são elaborados com estimativas para o ano civil,


ou seja, de janeiro a dezembro, com quebras mensais. O escritório
deve prever, com o auxílio de um contador, as despesas mensais,
como salários, encargos, benefícios, aluguel, água, luz, prestadores
de serviço, entre outras. Assim como deve estimar o quanto faturará
mensalmente (2016, p. 39-40).

Que somente é possível caso baseado nos indicadores destacados


acima, e que determinam uma projeção anual de tudo que o escritório realizará
enquanto organização, seus investimentos, despesas, contratações, demissões,
estratégias de expansão, aquisição de imobilizado etc. A fim de que a análise da
saúde financeira do escritório seja fiel com o panorama do mercado, permitindo
que a diretoria tome sempre as decisões mais assertivas.
Ainda, agrega-se ao modelo o importantíssimo aspecto da gestão de
pessoas e de recursos humanos, segundo Angelini; Macieira e Cunha (2018,
posição 2222) “desenvolver e estimular lideranças é ponto pacífico, como fonte
primária de gestão de pessoas”, ou seja, o departamento pessoal, dentro de
qualquer contexto empresarial, é responsável pela manutenção e cultivo do
individuo integrante, e deve buscar mantê-lo sempre disponível ao projeto e ten-
cionando suas próprias ambições, entendendo como ele pode se fazer enquanto
ajuda a construir o escritório. Para isso existem três momentos necessários
para esse “match” entre escritório e colaborador, sejam elas: alinhamento;
engajamento e avaliação.
No alinhamento acontece a apresentação do colaborador aos direcionado-
res estratégicos da empresa, de modo a apresentar as diretrizes da organização

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da qual ele fará parte, juto das metas e objetivos que sejam convenientes àquele
colaborador, a fim de esclarecer qual o papel dele dentro do escritório. Assim
partindo para o segundo momento, engajando-o com o projeto, fazendo com
que se sinta parte de todos aqueles movimentos e entenda aquela passagem
como crescimento para si mesmo. E assim, encaminhando o terceiro momento,
a avaliação, onde há um constante recontrato entre escritório e colaborador, na
medida em que a avaliação de desempenho mede a saúde da relação entre orga-
nização e indivíduo (ANGELINI; MACIEIRA; CUNHA, 2018, posição 2228-2239).
Além disso, para que o escritório obtenha êxito em manter os seus
talentos dentro de casa, é necessária uma metodologia que os cultive, para
isso, conforme Angelini, Macieira e Cunha (2018, posição 2254-2259), deve-se:

Estabelecer as competências essenciais para cada cargo/função


que existe em cada unidade, considerando as necessidades de
formação [...], experiência [...]; treinamento [...]; e habilidades
[...]; analisar as competências de cada pessoa, comparando com
aquelas que foram estabelecidas para o cargo/função; para
aqueles que ainda não possuem as competências necessárias,
elaborar um plano de capacitação, com o apoio da unidade de
gestão de pessoas, que é especialista no assunto; acompanhar
a realização da capacitação dos colaboradores; acompanhar o
desenvolvimento pessoal e profissional periodicamente, mediante
avaliações de desempenho, conforme orientação da unidade de
gestão de pessoas.

Esse acompanhamento constante, somado as devolutivas avaliativas


e a um ambiente propício ao crescimento pessoal e profissional, garantem a
efetiva participação do departamento pessoal na construção de uma organiza-
ção estruturada em todos os âmbitos, desde o institucional ao administrativo
financeiro, garantindo a ordem dos processos e a economia, não só de dinheiro,
mas de tempo, tão essenciais à atividade intelectual e à prática da advocacia.

A FOIL, A CONSULTORIA ONTOPSICOLÓCICA EMPRESARIAL


E O HUMANISMO NA GESTÃO DOS ESCRITÓRIOS DE
ADVOCACIA

A Formação Ontopsicológica Interdisciplinar Liderística (FOIL) nasce de


dez anos de prática metodológica da Ontopsicologia nos diversos âmbitos do

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


28
homem, da doença à cura e da cura à realização integral. A FOIL, desde seu
surgimento, pretende fornecer as passagens técnicas e ferramentais para que
o líder possa individuar e atuar a informação da intuição em função de ganho
e realização de si mesmo. (MENEGHETTI, 2007, contracapa).
A FOIL destaca-se como uma das aplicações práticas da Ontopsicologia
em âmbito econômico, visto que o escopo dessa aplicação é trabalhar o líder.
Mais especificamente o homem integral, sua autenticação e seu estilo de vida
(BARNABEI, 2007b, p. 99). Permitindo que ele seja fator de progresso social,
reforçando sua identidade como business enquanto se autentica como pessoa.
A empresa, o dinheiro, a economia, os clientes, são todos fenômenos
da atividade liderística, todos nascem a partir do líder, e por isso que a FOIL
se dedica a trabalhar os aspectos econômicos e organizacionais a partir dele,
visto que é ele quem decide, escolhe, intenciona. Nesse sentido, entendendo
o advogado como empresário e líder de uma organização, a metodologia FOIL
se torna uma grande aliada para o seu desenvolvimento enquanto pessoa,
liderança e business, visto que é a partir dele que a organização se tornará um
ambiente próspero para os colaboradores e clientes.
Barnabei (2007b, p. 98) explica que toda a consultoria FOIL se baseia na
autenticação do líder. Autêntico, segundo Meneghetti (2021, p. 37) significa: “ser
igual a como o projeto individual prevê”, ou seja, o caminho da autenticação
é o caminho originário do homem, tal qual a vida o projetou, conhecer-se na
raiz de si mesmo. É colher a informação do Em si ôntico e atuá-la por meio da
decisão voluntária do Eu lógico-histórico.
Nesse sentido, o homem em processo de autenticação desvela seu
inconsciente e é capaz não só de colher a informação intuição, mas de recuperar
o instrumento pelo qual ela se fenomeniza. Quando o Eu lógico-histórico encon-
tra-se transparente à sua raiz ontológica, a intuição é simplesmente lida, sem
esforços, sem contraditórios, simplesmente se atua (BARNABEI, 2007a, p. 93).
A intuição da qual se fala é aquele íntimo da ação, a leitura prática dos
modos e estruturas de um evento antes que ele gere seus efeitos (MENEGHETTI,
2021, p. 152). É a passagem otimal para uma situação problema em perspectiva
de crescimento. A FOIL é, portanto, conforme (BARNABEI, 2007b, p. 96):

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Um serviço à inteligência do homem e interessa-se. sobretudo, da
aplicação em campo empresarial. Para fazer isso é importante a
formação entendida como processo de autenticação por meio do
método ontopsicológico, para consentir a identificação da business
intuition e o ensino da racionalidade técnica necessária para a
área de interesse econômico do sujeito que consinta a realização
histórica da intuição.

Dessa forma chegamos à compreensão da importância da FOIL dentro do


aspecto empresarial, e por consequência, jurídico, visto que, conforme tratado
anteriormente, além das atribuições sistêmicas e ontológicas que o advogado
possui, esse também se coloca como business, e tem na FOIL uma grande
aliada para fundamentar a construção de sua carreira.
Nesse sentido, a aplicação da metodologia FOIL se dedica exclusivamente
a tratar o líder, colocando-o como ponta exposta da própria inteligência a serviço
da vida, dado que, de nada adianta tratar os sintomas da empresa sem que se
individuem as causas dessas problemáticas. Essa racionalidade capaz de colher
a realidade das situações traz ao contexto empresarial uma grande economia e
assertividade para tocar os diversos processos falados até o momento.
Toda a organização e gestão de um escritório são facilitadas pela cons-
trução racional de uma consciência exata, com fulcro no critério ôntico. É aquilo
que já se falava anteriormente: o líder que é capaz de colher o real da situação
age em economia e antecipação à problemática que se apresenta, colhe e atua
a intuição, produzindo vantagem para todo o contexto.
Isso se verifica profundamente no que tange à gestão do departamento
pessoal. Se o líder tem um colaborador que, nas análises de desempenho,
apresenta um resultado abaixo do esperado, caso o líder esteja com a cons-
ciência exata, pode facilmente, com poucas perguntas, chegar à causa real da
problemática daquele colaborador e proporcionar a ele as passagens neces-
sárias para que ele volte a render aquilo que a organização precisa, sem que
haja a extensão do problema e permitindo com que o líder calcule os riscos
que estará tomando com aquele colaborador. Entendendo o tipo de problema e
como ele se manifesta, o líder pode se precaver em todos os âmbitos, inclusive
de eventuais processos trabalhistas.
Em outra esfera a lógica é a mesma, se um líder está autêntico e os
negócios vão bem, a intuição vem a qualquer momento, seja em relação a novas

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


30
prospecções, a elaboração de alguma nova tese, abertura para um novo nicho
de mercado etc, as possibilidades são infinitas, basta que o líder esteja em um
processo de autenticação contínuo.
Outra novidade que a escola ontopsicológica traz em sua metodologia é
a Consultoria Ontopsicológica Empresarial, um instrumento de intervenção que
atua em dois níveis: um primeiro nível externo, em que a intervenção acontece,
especificamente, sobre as funções técnico, práticas, instrumentais e dos setores
de uma organização, e em um segundo nível a intervenção acontece sobre líder,
com o intuito de autenticar a empresa (MENEGHETTI, 2010, p. 331).
Diferentemente da FOIL, que tem por propósito a autenticação do líder, a
Consultoria Ontopsicológica empresarial propõe-se a autenticação da empresa a
partir do critério de funcionalidade e evolução para o líder e seus colaboradores
(entende-se aqui também o escritório de advocacia).
Para isso, o líder se utiliza de um consultor ontopsicólogo, que lhe apli-
cará o método com base em dez indicadores apresentados por Meneghetti
(2010, p. 332-334):

1) Individuação da competência da empresa no setor específico


[...] 2) Oportunidade de produção e de mercado ou marketing [...]
3) Distribuição - venda direcionada à exigência de demanda [...] 4)
Meios financeiros, estrutura de produção, alojamento da empresa.
5) Legalidade, fisco, seguridade. 6) Convergências e capacidades
dos colaboradores, ou dissociações manifestas [...] 7) Relações
familiares, amigos privilegiados, relações sentimentais [...] 8) Estado
médico-psicológico do empreendedor e dosconselheiros próximos
[...] 9) Anamnese, biografia e psicologia do condutor responsável
da empresa. 10) Referência política e relativo oportunismo.

Ainda, Meneghetti (2010, p. 337) coloca que análise onírica possui papel
fundamental no processo da Consultoria Ontopsicológica Empresarial, visto que
o sonho fornece ao sonhador a indicação sobre o real de uma situação que per-
maneceu no inconsciente e não foi percebida racionalmente pelo líder. Ou seja, a
verificação onírica resgata todos aqueles aspectos que passaram despercebidos
pelo líder e indica a passagem exata para a realização de uma ação acretiva.
A análise do primeiro nível diz respeito a tudo aquilo retratado no capítulo
anterior, todos os procedimentos organizacionais, a disposição estrutural do
escritório, seus processos de gestão operacional e planejamento estratégico etc,

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tudo isso é analisado tecnicamente por alguém que partirá do íntimo do líder
daquele negócio, entendendo que somente se utiliza o externo para confrontar
com aquilo que fora colhido do interior daquele líder.
Dessa forma temos que a metodologia ontopsicológica aplicada aos
modelos de gestão para escritórios de advocacia traz enormes novidades àquelas
projeções descritas anteriormente, ainda que a estruturação do negócio com
base nas relações entre organização e colaboradores seja indispensável, a impor-
tância do líder se retrata infinitamente superior ao que comumente se admite.
Nesse sentido, cumpre destacar que a novidade do método ontopsicológico
aplicado aos modelos de gestão dos escritórios não pretende definir, delimitar
ou restringir um padrão para a gestão administrativa, financeira e organizacio-
nal. Mas busca ser uma ferramenta que permite o líder, a partir do processo de
autenticação e de atualização da própria racionalidade, escolher qual o método
mais adequado para o tipo de negócio que ele empreende. Entendendo o próprio
ponto de construção e desenvolvimento, tendo a evidência necessária que o
permita escolher com tranquilidade modo com que vai trabalhar, possuindo o
critério também para atualiza-lo quando necessário.
Ou seja, o permite ter consciência objetiva de qual percurso metodológico
aplicará na gestão do seu negócio específico, dado que a ciência ontopsicológica
não determina qualquer modelo de gestão, mas fornece a técnica para, a partir
da compreensão de si mesmo, construir aquele método mais adequado para o
momento de cada advogado.
É notável que entender o líder a partir do viés ontopsicológico significa
colocá-lo de fronte a si mesmo permitindo um caminho para acessar a intui-
ção pura da sua própria natureza, é o que permite a ação criativa, que coloca
também os liderados para viverem o próprio potencial. Dado que o homem é a
medida das coisas, geri-lo demanda conhecê-lo, e para isso, a FOIL e a meto-
dologia ontopsicológica dão, àqueles que podem e que querem, a chave para
ler e entender o projeto homem.
Todos esses aspectos ferramentais, metodológicos e de compreensão
trabalhados até o momento, permitem o entendimento daquilo que compõe
a gestão humanista para qualquer tipo de organização. Meneghetti (2015, p.
107-108) destaca:

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


32
A FOIL oferece uma formação àqueles jovens e àqueles empresários
que, através do business bem-sucedido, querem também transmitir
uma afirmação da superioridade da inteligência humana: o business
como supremacia da alma e arte da razão. Isto é, uma economia
de sucesso consente a autonomia da liberdade dos indivíduos.

Ou seja, tem por objetivo perpetuar a beleza do projeto humano enquanto


valor histórico para as gerações, a partir de uma reimpostação humanista que
parte da ação de empreendedores que ativam a economia em função evolu-
tiva à si mesmos em contemporâneo crescimento do contexto ao seu redor
(MENEGHETTI, 2015, p. 113-114).
O humanismo do qual se fala agora, é aquele denominado por Meneghetti
(2015, p. 107) como humanismo empresarial, que se funda a partir dos crité-
rios deixados pelos grandes: São Bento de Núrsia (480-547), São Francisco
de Assis (1182-1226) e São Domingos de Gusmão (1170-1221), os chamados
empresários monásticos.
Monásticos por serem monges e empresários por terem desenvolvido
complexas estruturas organizacionais que perduram até os dias de hoje e
seguem sendo referência de administração, distribuição de riqueza e constru-
ção de capital evolutivo para o Homem. Meneghetti (2015, p. 117) discorre que:

Onde quer que surgissem, esses monastérios incrementavam


riqueza, que terminava sempre no monastério. Isso significa que
a abadia se ampliava e, onde alcançava a sua riqueza expandia-se
bem-estar, civilização, estudo, arte.

Para tanto, destaca-se que os personagens apresentados acima imple-


mentaram em seus monastérios técnicas e princípios humanistas que permitiram
a expansão perene de seus métodos. São Bento de Núrsia nos ajuda a alcançar
a ideia de como manter uma empresa por um longo tempo, implantando um
pensamento que ultrapassa a figura de si mesmo para o negócio a partir do
“ora et labora”.
Onde o “Ora” significa uma máxima interna vigilância ao negócio, um
estado de atenção contemplativa e ao mesmo tempo cuidadosa do negócio em
relação à ação também externa, e “Labora” significa trabalha, entendendo que
o empresário deve manter uma atenta ausculta interna sobre o próprio negócio

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em contemporânea e contínua construção, sendo essa a base para construção
da mentalidade do empresário (MENEGHETTI, 2015, p. 124).
Na sequência, São Francisco de Assis contribui com o “pax et buonum”
que, nas palavras de Meneghetti (2015, p. 128), ensinam ao empresário:

[...] reflita, vigie, estude, levante-se, evolua, afine-te, e trabalhe.


São Francisco é como se dissesse: assim você terá o resultado
de satisfação, alegria e paz dentro de você e produção de bem,
de economia e de riqueza também para os outros. “Paz e bem” é
um conceito laico, social, não está viciado de religiosidade: é um
fato de Humanismo radical.

Por fim, São Domingos de Gusmão introduz o conceito “in veritate”, isto
é, fundamenta-se um critério que estabiliza e estimula a criação a partir de
um ponto fundante, um princípio natural que determina a ordem das coisas
como são e que permite ao Homem acessar a verdade a partir do íntimo das
coisas. É aqui que se evidencia o Em Si ôntico enquanto critério de realidade
na obra humana (MENEGHETTI, 2014, p. 66).
Dessa forma, se explicitam os cinco critérios fundantes do humanismo
empresarial, que partem da possibilidade aberta pela compreensão da metodo-
logia FOIL e das três descobertas da ontopsicologia, possibilitando ao advogado
empreender a si mesmo enquanto função para tantos.
Meneghetti (2015, p. 132) apresenta que a forma mentis do empresário
acontece, enquanto consequência da aplicação prática dos princípios destaca-
dos acima, na medida em que o líder se centra em si mesmo e tem, na intuição
ontológica, a diretiva infalível para realizar, gerando paz, bem e realização inte-
rior que transborda ao externo, a partir e somente possível pelo dado do Em Si
ôntico, obtendo “vantagem de viver de modo apaixonante no ardor de viver
para ser estilo único e irrepetível” Meneghetti (2015, p. 132).
Ou seja, não é o método de gestão para o escritório de advocacia que
garante a vantagem competitiva do advogado enquanto empreendedor, esses
são apenas ferramentas que momento a momento podem, ou não, servir. Mas
sim a formação humanista, aliada à escola FOIL e ao paradigma ontopsicológico,
que fornecem a chave para entender o processo de reimpostação do negócio a
partir do líder, gerando beleza, dignidade e justiça, em devir ontológico, naquele
serviço que se entrega.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


34
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, evidenciou-se o caráter mediador da advocacia enquanto


ofício, tendo o advogado a responsabilidade de não apenas mediar os direitos
individuais com as atribuições do sistema, mas fazer isso em função do humano,
em função de crescimento para si mesmo e para seu cliente, entendendo que
existe uma moral proveniente do social e outra moral oriunda da grande vida.
O trabalho do advogado é calcado, justamente, na mediação entre aquilo
que o sujeito quer e qual a passagem técnico-prática que o advogado pode
fornecer para que seu cliente atinja aquele objetivo sem ferir o sistema. Para
entender a raiz disso, utilizou-se da metodologia ontopsicológica, que, a partir
das três descobertas (Em Si ôntico, campo semântico e monitor de deflexão)
possibilita o ser humano resolver o problema crítico do conhecimento, permi-
tindo-o conhecer o real de cada situação através de si mesmo.
Conhecendo próprio o Em Si ôntico se consegue conhecer também a
realidade do outro, dessa forma, o advogado que possui essa técnica dispara em
antecipação aos outros, pois a partir dessa escola entende-se que não basta a
formação técnica especializada, é preciso uma estrada generalista e profunda,
entendendo que todos os aspectos humanos importam à própria existência.
Resgatando que a formação do jurista parte de uma excelência técnica em
campo específico, mas continua in progress quando realiza-se em uma lógica
de formação evolutiva em personalidade e inteligência, que permite o conhe-
cimento das causas reais de cada fenômeno.
Este último, somente acontece a partir da experiência prática ontopsico-
lógica, onde é possível colher a raiz de si mesmo, entendendo as imagens que
nos constituem e acessar aquele campo da intuição, atuando-a em função de
crescimento não apenas para si mesmo, mas para todos os clientes, colabora-
dores e parceiros do escritório.
Ou seja, verificou-se que toda demanda jurídica, por mais específica que
seja, tem uma causa anterior, originária do inconsciente, e o advogado, a partir
da novidade ontopsicológica e aplicação dos métodos e instrumentos apresen-
tados neste trabalho, somada à formação integral e evolutiva mencionada, é
capaz de entender prioritariamente essa causa inconsciente e perceber a forma
mais econômica e otimal para conduzir aquela demanda.

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Importa destacar que esse processo não significa que o advogado fara as
vezes do terapeuta para o cliente, muito pelo contrário, esse método possibilita
que o advogado entenda racionalmente o que o cliente quer dele e fique livre
para jogar o jogo que considerar mais adequado.
Além disso, evidenciaram-se métodos e ferramentas para gestão de um
escritório de advocacia, como o planejamento estratégico e a gestão opera-
cional. Onde o primeiro diz respeito a tudo aquilo que projeta o escritório em
longo prazo, como os direcionadores estratégicos (missão, visão e valores), as
metas, os organogramas, em suma todos os aspectos que sustentam os planos
do escritório em longo prazo, já o segundo fala sobre todos aqueles aspectos
do dia a dia, que compreendem os pequenos processos, tarefas diárias, distri-
buição e troca de informações.
Importa destacar também a controladoria jurídica, os indicadores finan-
ceiros, a metodologia de análise de desempenho, etc. Além da técnica para a
construção do orçamento, do departamento pessoal e gestão de pessoas.
Resta claro que a utilização dos métodos abordados nessa pesquisa
pode, inegavelmente, favorecer qualquer advogado que tenha interesse em uti-
lizá-los, visto sua ampla abrangência e flexibilidade de aplicação independente
do tamanho da organização, e que seguindo as indicações o advogado poderá
atingir um nível satisfatório em segurança e resultado, além da credibilidade
frente ao mercado, e seus colaboradores.
Nesse sentido percebe-se a imperiosa necessidade de entender os escri-
tórios de advocacia como um negócio, uma empresa, um business etc, visto
que não há possibilidade de escalar ou expandir qualquer escritório sem que
se entenda essa mentalidade. É nítido no mercado dos escritórios de advoca-
cia que a ânsia por inovação e modernização tem levado as bancas jurídicas a
lugares ainda obscuros aos advogados, visto que o mundo frio e impiedoso do
mercado não tolera aquela modernidade de faixada.
É necessário que a mudança comece pelas lideranças do escritório, que
a partir de si mesmo, podem perceber a realidade do seu ambiente, do mercado
e, com base nas ferramentas apresentadas nesta pesquisa, escolher qual a
melhor forma de aplica-las no seu específico contexto. Destaca-se também que
as ferramentas apresentadas neste trabalho não esgotam as infinitas possibili-
dades de fazer uma organização crescer, existem no mercado inúmeros meios,

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


36
ferramentas, cursos, literaturas etc, e aquelas apresentadas nesta pesquisa são
apenas algumas, e que foram selecionadas conforme o entendimento para a
aplicabilidade em um escritório de advocacia seja ele pequeno, médio ou grande.
Por fim, somam-se esses aspectos à novidade da FOIL e do paradigma
ontopsicológico, entendendo que o ponto de partida é sempre o líder, e que, se
esse líder quer o sucesso e a realização integral para si mesmo e para a orga-
nização pela qual é responsável, não há outro caminho se não a autenticação.
Entendendo a autenticação como forma de crescimento individual e de
todos ao seu redor, reposicionando-se enquanto advogado, na medida em que
colhe a realidade do outro e entende qual o caminho mais assertivo e econômico
para aquela causa. O advogado como jurista é capaz de possuir a maturidade
para fazer o direito conforme a lógica da vida e como empreendedor humanista,
entende o escritório como possibilidade da demonstração prática da capacidade
de transcendência do ser humano a partir da exaltação de si mesmo enquanto
fator de crescimento social e evolução histórico-civil.
Entendendo que o bem mais precioso para o desenvolvimento do busi-
ness é a intuição, e essa se alcança através da autenticação, e do processo de
revisão crítica da própria consciência, que permite a exatidão de si mesmo e
consequentemente a ação em progressão sucessiva, sendo fator de realização
para todo o contexto ao seu redor.
E sabendo que o humanismo empresarial é o ápice daquilo que uma orga-
nização pode e almeja ser, é a possibilidade de perpetuação da individualidade
de toda uma cadeia de profissionais que imprime no negócio a sua específica
marca, faz de seu interior o espaço aberto e acolhedor para o desenvolvimento
humano, tanto internamente quanto para o mercado e seus clientes.
Atingir o humanismo empresarial é entender que, enquanto indivíduos,
somos finitos nesse mundo, mas podemos ser agentes de perene transformação
e evolução na medida em que historicizamos, com vigilância, trabalho, paz e
bem-estar a nossa verdade última, a nossa raiz, o nosso Em Si ôntico.

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REFERÊNCIAS
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Federal: Centro Gráfico, 1988.

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Oficial da União, Brasília, DF: Conselho Federal. Disponível em: https://www.oab.org.br/publicacoes/
AbrirPDF?LivroId=0000002837. Acesso em: 30 out. 2022.

BATISTELA. Leticia. Direito e Ontopsicologia. 2012.

BITTAR. Eduardo. C. B. Curso de ética jurídica: Ética geral e profissional. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

BOBBIO. Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 6 ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995.

ESEQUIEL. Mario. Gestão eficiente de escritórios de advocacia; como advogados e administradores


podem transformar a prestação de serviços jurídicos em negócios mais rentáveis. Saint Paul Editora.
Edição do Kindle, 2016.

MENEGHETTI, Antonio. A arte de viver dos sábios. 4 ed. Recanto Maestro: Ontopsicológica Editora
Universitária, 2009.

MENEGHETTI. Antonio. Arte, sonho e sociedade. Recanto Maestro: Ontopsicológica Editora


Universitária, 2015.

MENEGHETTI. Antonio. Dicionário de Ontopsicologia. 5 ed. Recanto Maestro: Ontopsicológica


Editora Universitária, 2021.

MENEGHETTI. Antonio. Do humanismo histórico ao humanismo perene. Recanto Maestro:


Ontopsicológica Editora Universitária, 2014.

MENEGHETTI. Antonio. Manual de Ontopsicologia. 4 ed. Recanto Maestro: Ontopsicológica Editora


Universitária, 2010.

MENEGHETTI, Antonio. Pedagogia ontopsicológica. 2 ed. Recanto Maestro: Ontopsicologia Editrice,


2005.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 32 ed. São Paulo: Atlas, 2016.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


38
02

A ÉTICA BIOCÊNTRICA DIANTE DA CRISE


AMBIENTAL

Luiz Eduardo de Souza Pinto


Universidade Federal de Minas Gerais

' 10.37885/231215190
RESUMO

Este capítulo analisa como o panorama antropocêntrico, ao projetar os humanos


como a espécie dominante, legitimou a subjugação da natureza e como a pers-
pectiva biocêntrica começa a emergir em contraposição ao antropocentrismo.
Essa emersão ocorre a partir segunda metade do século XX quando se ampliam
as percepções acerca de um desequilíbrio ecológico capaz de afetar a existência
humana. De maneira ampla, este trabalho, de natureza bibliográfica, aborda sobre
a crise ecológica atual e como ela afeta toda a comunidade de vida do planeta
e diante dos desastres ambientais, aponta-se que no final do século XX, surge
o ideário biocêntrico, que se funda na perspectiva de uma relação harmoniosa
entre os humanos e o meio ambiente. Esta produção tem como pressuposto
que o antropocentrismo fomenta a separação entre a humanidade e a natureza,
enquanto a perspectiva biocêntrica coopera para dizimar essa dicotomia.

Palavras-chave: Concepção Biocêntrica, Ética, Meio Ambiente.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


40
INTRODUÇÃO

Emerge na segunda metade do século XX a percepção de um desequilíbrio


ecológico capaz de afetar a existência humana em nível global. A população
mundial atingiu um nível de consumo que requer exploração cada vez mais
intensa de recursos naturais – terrestres, fluviais e marítimos – e tornou-se
evidente que eles são finitos. Nessa situação de superexploração da natureza,
muitos ecossistemas que compõem o planeta estão ameaçados de perdas em
biodiversidade ou mesmo de extinção, sendo afetados também os processos
básicos de regeneração da biosfera. Sintomas dessa crise ambiental podem ser
percebidos por toda parte e cada vez mais chamam a atenção de movimentos
sociais, organizações da sociedade civil, governos e instituições internacionais.
Ponto de grande importância nessa tomada de consciência da dimensão
planetária da vida ameaçada é a percepção de que fatores de ordem cultural,
histórica e econômica estão na origem desta situação: no âmago da questão está
a exploração desordenada da natureza por parte dos humanos. Ao atribuir-se
a si mesmo o direito de tudo tratar como objeto de consumo, o ser humano
torna-se capaz de tudo subjugar por meio da tecnociência. Essa concepção
antropocêntrica abre caminho para a exploração exacerbada do meio ambiente,
gera o entendimento de que a razão e a tecnologia tudo podem resolver.
A lógica de dominação e subjugação da natureza para atender aos
padrões humanos provocou problemas de superexploração dos recursos natu-
rais. As atividades de produção em escalas cada vez maiores exigem cada vez
mais a utilização de escassos elementos da natureza e a retirada indiscriminada
desses elementos ameaça a vida humana.
Contra a desenfreada exploração do meio ambiente emerge uma outra
concepção, que projeta uma relação harmoniosa entre os humanos e a natureza.
Trata-se da perspectiva biocêntrica: termo constituído pelo entendimento de que
todos os seres vivos, independente da espécie e das diferenças, necessitam ser
preservados. Nessa perspectiva, também os recursos naturais do planeta, como
a água, o ar, os minerais, o solo, assim como todo o planeta Terra, merecem
atenção, por serem elementos fundamentais para a manutenção da cadeia de
vida planetária.

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O panorama biocêntrico projeta uma relação respeitosa entre os seres
humanos e os não humanos, levando em conta que cada espécie possui a sua
singularidade e sua importância própria. Essa nova compreensão justifica-se pela
necessidade de uma convivência harmoniosa entre os seres humanos dotados
de inteligência racional e os demais seres viventes que habitam e comungam
no mesmo planeta, em uma comunidade de vida.
Para que a vida humana e dos ecossistemas se mantenham é necessário
um estímulo à relação de respeito e cuidado entre o ser humano e a natureza,
ao invés de incentivar a supremacia humana no planeta. A cooperação e o
cuidado contribuem no intuito de promover a consciência da paz e da solida-
riedade na comunidade de vida. Para a sobrevivência da comunidade biótica e
da própria espécie humana, há que se extinguir um estilo de vida pautado na
dominação da natureza.
O paradigma biocêntrico é gestado por uma nova consciência, de
administração e cuidado com a vida planetária. Ele se justifica porque não se
deve extinguir a vida tal qual hoje existe. A perspectiva social e ética, consti-
tuída por uma espécie humana mais solidária, com um novo contrato natural
e social com a Terra.
Dadas as condições de destruição em que se encontra o planeta Terra,
toda a humanidade necessita de uma corresponsabilidade. Na perspectiva bio-
cêntrica os eixos estruturadores da sociedade estão ligados à vida, ao cuidado,
à cooperação e ao respeito pela comunidade de vida.
Esta produção tem como pressuposto que o antropocentrismo fomenta a
separação entre a humanidade e a natureza, enquanto a perspectiva biocêntrica
coopera para eliminar essa dicotomia. A metodologia utilizada foi a pesquisa
bibliográfica, valendo-se da coleta de informações que constam na produção
de autores que discutem a questão do antropocentrismo e do biocentrismo.

A CONDIÇÃO PLANETÁRIA

A degradação ambiental, os desastres naturais e o aumento desorde-


nado da produção e do consumo marcam o mundo globalizado. O crescimento
exponencial das agressões ao meio ambiente e a ruptura do equilíbrio ecológico
configuram um quadro catastrófico que coloca em questão a própria sobrevivência

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


42
da vida humana. A humanidade se defronta com uma crise ecológica que evo-
luiu especialmente em consequência da má utilização dos recursos naturais.
Leff (2009) afirma que a racionalidade econômica que se instaura na
sociedade contemporânea “se expressa em um modo de produção fundado no
consumo destrutivo da natureza que vai degradando o ordenamento ecológico
do planeta Terra e minando suas próprias condições de sustentabilidade.” (Leff,
2009, p.27). Fatores de ordem cultural, econômica e histórica contribuíram para
o surgimento da crise ambiental cujo cerne é a exploração excessiva da natureza
para atender às demandas do mercado em constante expansão. A crescente
produção para satisfazer os níveis de consumo cada vez maiores requer a
exploração massiva de todos os ambientes terrestres, fluviais e marítimos.
A tecnologia, que propiciou melhoria na qualidade da vida humana, tam-
bém acarretou a superexploração do meio ambiente. As atividades agrícolas,
industriais e urbanas tornaram- se agentes de padrões globais de poluição,
alguns dos quais ameaçam os processos básicos da biosfera. (Leff, 2009).
A constante utilização dos recursos naturais para a produção industrial
contribui de forma significativa para a perda da biodiversidade, uma realidade
que atinge toda a dimensão terrestre. Em todas as áreas do planeta múltiplas
formas de vida sofrem risco de extinção ou já foram extintas, populações inteiras
estão sendo ou serão duramente afetadas com o declínio da biodiversidade e
da escassez dos recursos naturais.
A degradação dos mananciais e a poluição de rios e lagos ocasionam a
escassez de água, soma-se a isto a redução do regime de chuvas, o que está
desertificando grandes regiões do globo; a derrubada de grandes áreas de
matas e florestas altera o clima em grandes espaços geográficos, o que causa
longos períodos de estiagem.
O aumento do efeito estufa, provocado também pela queima de florestas
e pela poluição em larga escala, torna o planeta aquecido, o que prejudica o
equilíbrio natural e propicia o aumento da desertificação. A agressão a ecossis-
temas associada a manejos inadequados do solo tem causado a impossibilidade
da manutenção de variadas formas de vida em espaços cada vez maiores.
O século XX foi marcado pelo acentuado crescimento populacional e
pelo avanço tecnológico e científico. Ao mesmo tempo, foi um período em que
as guerras, a fome e a falta de água se tornaram questões mundiais. Conforme

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43
dados divulgados, em 2012, pelo Fundo da Organização das Nações Unidas para
a Alimentação e Agricultura (FAO), uma em cada sete pessoas passam fome no
mundo, e a situação tende a piorar até 2050 quando, de acordo com a ONU, a
população mundial deverá chegar a aproximadamente nove bilhões de pessoas.
De acordo com o relatório Economia Verde produzido pelo Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), um terço da população não tem
acesso à água potável, situação que deverá se agravar. A entidade prospecta
que se nada mudar no padrão de consumo, dois terços da população do planeta
em 2025 – 5,5 bilhões de pessoas – poderão não ter acesso à água limpa. Se a
projeção do PNUMA se confirmar em 2050, apenas um quarto da humanidade
vai dispor de água para satisfazer suas necessidades básicas. De acordo com
os dados do relatório Economia Verde a escassez de água não traz apenas
morte por sede, traz a morte na forma de doenças. As populações que habitam
as áreas mais áridas da Terra, com o é o caso do norte da África, do Oriente
Médio e o norte da China, vivem sob o que se denomina de estresse hídrico,
uma reunião de fatores ambientais, como a falta de chuvas, e socioeconômicos,
como o crescimento demográfico alto, que resulta em alta população para baixa
quantidade de água, um elemento indispensável para a manutenção da vida.
Conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) contidos no
Relatório Alterações Climáticas e Saúde, de 2008, globalmenteo número de
desastres naturais relacionados ao clima mais do que triplicou desde os anos
de 1960. A cada ano esses desastrescausam mais de 60 milmortes, a maioria
em países em desenvolvimento; de acordo com a OMS,mais de dois milhões
de humanos morrem ao ano em razão da poluição por substâncias tóxicas e
da alteração climática.
Os impactos ambientais se agravaram também em razão dos avanços
científicos e tecnológicos que aceleraram a produção e o consumo. O desen-
volvimento econômico, como afirma Bajzek; Milanesi (2006) tornou-se a prin-
cipal referência das sociedades humanas e o produtivismo/consumismo é a
condição sine qua non para a manutenção da sociedade capitalista. O modelo
social e econômico que passou a vigorar desde a revolução industrial agravou
a degradação ambiental, pois aumentou a exploração dos recursos naturais
para atender às demandas nos processos produtivos.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


44
Apesar dos avanços em defesa do meio ambiente, as respostas ainda não
têm sido suficientes, é o que demonstra um relatório compilado por 35 pesqui-
sadores da União Internacional das Organizações de Pesquisa Florestal (Lufro),
lançado pela Organização das Nações Unidas em 2011. O relatório apontou que
houve progresso limitado na proteção de florestas nas últimas décadas. Dados
apresentados pela ONU mostram que entre somente na primeira década deste
milênio 13 milhões de hectares foram desmatados por ano.
De acordo com dados da Lufro, o desmatamento responde por cerca de
10% de todas as emissões de gases do efeito estufa por atividades humanas;
sendo assim, as florestas podem começar a liberar uma quantidade anormal
de carbono na atmosfera se as temperaturas do planeta subirem 2,5ºC acima
dos chamados níveis pré-industriais, o que comprometeria o papel das florestas
de atuar como filtros.
Toda essa condição de destruição da natureza está afetando a vida
humana e mudanças estruturais se fazem necessárias. Uma delas requer a
crítica do antropocentrismo, que destaca os humanos como seres situados
acima e separados da natureza, esse ideário contribui para a não preservação
dos ecossistemas atuais. Na perspectiva antropocêntrica, os seres não huma-
nos e os elementos da natureza não têm valor intrínseco, são propriedade dos
humanos. Assmann (2006) observa que a filosofia grega já postulava a questão
antropocêntrica, que se aprofunda no decorrer do processo histórico com o
Cristianismo, o racionalismo cartesiano e o projeto do Iluminismo centrado na
técnica e na ciência.

A CONCEPÇÃO BIOCÊNTRICA

A preocupação global com o meio ambiente se inicia desde a década


de 1970, mas na década de 1990 o cuidado com a questão ecológica ganhou
definitivamente amplitude internacional. Nesse período o meio ambiente entra
de modo irreversível na agenda mundial. Principia-se na Rio 92 a proposta de
elaboração de uma declaração universal dos direitos da Terra. Nesse mesmo
período são iniciadas discussões internacionais sobre como modificar a relação
de dominação do ser humano sobre a natureza e criar um modo de produção
e consumo respeitoso. A Carta da Terra, documento apresentado no ano 2000,

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ressalta a necessidade de todos agirem em prol de uma civilização planetária
na qual haja respeito com o planeta em todas as suas dimensões. O documento
abre novas perspectivas para problemas ecológicos atuais e é construído numa
dinâmica inter-relacional.
Boff (1992) reconhece que a totalidade que compõe a natureza não é
homogênea, mas carregada de diferenças. Para ele, o drama da civilização
humana foi fazer dessa diferença motivo de discriminação e desigualdade que
é superada a partir do panorama biocentrico. O biocentrismo encontra-se em
oposição direta ao antropocentrismo. Do grego bios, “vida”; e kentron, “centro”,
o biocentrismo é uma concepção segundo a qual todas as formas de vida são
igualmente necessárias, não estando a espécie humana e seus valores no
centro ou posicionadas acima das outras espécies em escala de importân-
cia. O biocentrismo projeta a vida em todas as suas dimensões e formas que
possa apresentar – vegetal, animal e humana – em condições de igualdade,
apesar das diferenças.
Embora necessite dos recursos naturais para sua sobrevivência, os
humanos sempre tiveram uma relação complexa com o meio ambiente. Homens
e mulheres temem a natureza desde que surgiram, pois sempre estiveram à
mercê dela. As intempéries do tempo, o ataque de animais, vulcões, terremotos
e maremotos sempre representaram uma ameaça à vida humana. Com o avanço
do conhecimento e da tecnologia começou-se a compreender o mecanismo de
funcionamento da natureza. A partir disso, os humanos passaram a subjugar e
a moldar a natureza e seus recursos para que estes pudessem atender às suas
necessidades, ou seja, da condição de dominado pelas forças naturais, o ser
humano passou para a condição de dominador. No entanto, esta dominação tem
um alto preço: o meio ambiente é extremamente frágil e seu equilíbrio precário.
O biocentrismo traz a noção de que os processos vitais, aqueles que a
natureza cria e recria, possuem valores em si mesmos. Por isso, deslocar da
perspectiva antropocêntrica para a biocêntrica é algo urgente e necessário, mas
que não acontecerá de imediato. Boff (2003) afirma que o parto de qualquer
nova ideia é sempre difícil, reconhece que a humanidade se encontra em um
momento de travessia e que há contradições entre o velho esquema antro-
pocêntrico com o novo panorama, o biocêntrico. O modelo biocêntrico está
em fase de gestação e deve despertar uma nova consciência, pois, “surge por

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


46
todos os lados uma relação mais benevolente e respeitosa com a natureza.”
(Boff, 2003, p.97).
Ações concretas para salvar o meio ambiente global somente serão
possíveis a partir da compreensão sobre a necessidade de se preservar a natu-
reza. Reciclagens, usos racionais dos recursos naturais, recuperação de áreas
devastadas, consumo responsável advém de uma tomada de consciência que
se amplia com o horizonte biocentrista. Guattari (1990) afirma que a resposta à
crise ecológica que assola o planeta deve ser dada em escala mundial. O autor
considera que toda a humanidade atravessa um novo contexto histórico em
que há que se questionar a maneira de viver e agir de homens e mulheres
diante do planeta.
O panorama que abrange os domínios da sensibilidade com o planeta
e suas múltiplas formas de vida, o desejo de mudar a relação entre a espécie
humana e a natureza é compreendido como biocêntrico. Para que a humani-
dade possa reencontrar seu sentido de religação com o sentido profundo da
vida é necessária a busca por uma nova centralidade. Esse novo paradigma
pressupõe uma ética biocêntrica.

A ÉTICA BIOCENTRICA

Diante da crise ambiental que o planeta enfrenta, amplia-se a necessidade


de gerar princípios morais de defesa do meio ambiente que tenham o respaldo
unânime de todos os povos e culturas do planeta. Para Taylor (1986), torna-se
urgente a necessidade de uma moral universal, que sirva de referência para
toda a humanidade, uma vez que as ações humanas potencializadas pelo uso
das tecnologias apresentam repercussões planetárias.
O estilo de vida da sociedade contemporânea gera necessidade de se
conceber um modelo moral que sirva de base comum para a prática solidária
universal. Por outro lado, Taylor reconhece que a tarefa de fundamentação de
uma moral universal na contemporaneidade é complexa devido à fragmentação
de valores e modelos da sociedade atual. A sociedade contemporânea é alta-
mente fragmentada, mas a problemática ambiental causada pelo desequilíbrio
ambiental necessita de uma resposta planetária, onde todos os povos do planeta
se responsabilizem pelo seu destino.

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A ética biocêntrica está ligada a novos olhares sobre a realidade humana
e planetária. Para Taylor (1986), a função dessa ética é redefinir o papel dos
humanos no mundo natural, o que foi renunciado pela tradição antropocên-
trica. As ações humanas afetam as mais variadas formas de vida terrestre,
portanto, os humanos devem levar em consideração princípios éticos para com
o planeta. Taylor observa que a ética não pode ser negada aos entes que não
podem ou não possuem condições de enfrentar interesses humanos, como é
o caso dos animais e vegetais.
A ética biocêntrica parte do princípio de que as criaturas vivas não são
meras fontes de recurso e consumo, mas merecedoras de atenção por terem
um valor intrínseco. Na perspectiva de Taylor, as formas de vida não humanas
são também sujeitos morais que merecem respeito. Cada ser vivo, humano ou
não, possui valor e deve ser respeitado.

ETHOS GLOBAL

O planeta Terra é o único local habitável para todos os seres que nela
vivem, ela é a casa comum de todas as espécies que abriga. Os gregos antigos
traduziam o termo morada como ethos, posteriormente essa palavra ganhou
o significado de ética, ou seja, um conjunto de normas de conduta adotado
com fundamento ético. Ao tratar de ethos como morada, Leonardo Boff (2010)
observa que essa expressão não trata de um lar de poucos, mas se refere ao
planeta inteiro, uma morada comum para todos os humanos, “para nós hoje,
o ethos-morada não é mais a nossa casa, a nossa cidade ou o nosso país. É o
inteiro planeta Terra, efeito ethos-Casa Comum”. (Boff, 2010, p.157).
Essa posição apresentada por Boff provoca uma questão: qual deve ser
o ethos que permite a humanidade conviver planetariamente, apesar das dife-
rentes culturas, tradições, religiões e valores éticos? Para Boff (2010), o que se
faz necessário é construir uma base comum a partir da qual os seres humanos
possam articular um consenso mínimo que salvaguarde e regenere o planeta
Terra, esse organismo complexamente vivo.
A Terra é fruto de um longo processo de construção que teve seu iní-
cio há quatro bilhões de anos, Lovelock (2006) descreve que nesse processo
todos os acontecimentos estão inter-retro-conectados e o planeta Terra é

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


48
formado por uma totalidade físico-química, biológica, sócio-antropológica una
e complexa. Sendo assim, a vida na Terra e da Terra aparece como emergência
da complexidade de sua história, como uma matéria que se auto-organiza e,
ao expandir-se, se autocria. Tal fenômeno obriga a humanidade a ir além do
paradigma que fraciona: no lugar de uma visão reducionista, que coloca o ser
humano como centro do universo, considera-se a criação de um paradigma
que articula, relaciona tudo com tudo e vê a coexistência do todo e das partes.
A concepção ética biocêntrica justifica-se pela necessidade de uma exis-
tência harmoniosa entre os humanos e a natureza. Ao adotar padrões que dão
importância e centralidade à vida, a humanidade contribui para a preservação
da vida global; nesta condição os humanos estarão desenvolvendo uma visão
holística capaz de respeitar cada elemento da natureza, e sentirão integrados
à natureza da qual fazem parte.
Boff (2011) ressalta a importância da construção de um novo ethosque
permita uma relação harmoniosa entre os humanos e todos os seres que
habitam a comunidade biótica e planetária. Esse novo ethos, na perspectiva
de Boff, é pensado em termos globais, uma vez que apresenta a superação da
ideia de estado-nação e enxerga a Terra como a pátria/mátria comum de toda
a humanidade e de todas as formas de vida.

SUSTENTABILIDADE OU ÉTICA DA TERRA?

A crise manifestada na destruição da base de recursos naturais, no dese-


quilíbrio ecológico, na degradação da qualidade de vida levou a “uma revisão
dos princípios morais que guiam a conduta dos homens e que legitimam tomada
de decisão sobre as práticas de uso dos recursos naturais”. (Leff, 2009, p.281).
Leff (2009) aponta para a necessidade de se criar uma “cultura ecológica”,
um modo de proceder consciente e ético na relação humanidade/natureza.
Sentindo-se donos do planeta e usando os recursos naturais para atender às
suas necessidades humanas – sem levar em conta a mecânica de autorreno-
vação dos sistemas de funcionamento da Terra – os seres humanos levam o
planeta à exaustão.
O ambientalista Jean-Paul Deléage (1983) afirma que, em termos de
ações concretas, o melhor mecanismo para salvar o meio ambiente global é

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fazer com que as pessoas se tornem conscientes da real necessidade de se
preservar a natureza. Para Deléage, o uso racional dos recursos naturais advém
de uma postura ética. Leff (2009) considera que a crise ambiental planetária
emerge não somente da degradação das bases de sustentabilidade ecológica,
mas também é fruto do processo civilizatório que adota valores de consumo
e produção permanentes e que, para atender às demandas dos mercados em
constante expansão, os recursos naturais foram coisificados. Assim, “gerou-se
também uma tendência para a homogeneização dos modelos produtivos, dos
padrões de consumo e dos estilos de vida. Isso conduziu a uma desestabilização
dos processos ecológicos”. (Leff, 2009, p.285).
O choque entre a produção de riquezas e a necessidade de se preservar
os escassos recursos naturais é uma constante. Se na Rio-92 o desenvolvimento
sustentável foi o tema principal de discussão, de acordo com Moacir Gadotti
(2000), a organização de estruturas econômicas e sociais são sustentáveis
somente quando não colidem com as restrições de uma sociedade capitalista
industrial, ou seja, com o lucro, a competitividade, a imposição das condições
objetivas. Para Gadotti, o conceito de desenvolvimento sustentável é impensável
e inaplicável, pois não seria possível afirmar que um crescimento sustentável,
com equidade, é possível a partir da economia regida pelo lucro, pela acumu-
lação ilimitada, pela livre concorrência e pela exploração do trabalho alheio. “A
utopia posta pelos ecologistas de uma sociedade sustentável não é válida, se
não tocarmos na questão central, as bases da economia.” (Gadotti, 2000, p.59).
Para Gadotti, a política econômica adotada por governos, empresas
privadas e pela sociedade em geral é caracterizada pelo desenvolvimento tec-
nológico e o avanço da ciência aliados ao capitalismo com a exacerbação da
exploração da natureza. Assim, é preciso abandonar as leis do atual sistema
e construir novas relações, livres do lucro, da exploração e da acumulação de
capital, ou seja, relações de troca entre os humanos e a natureza.
Leff (2011) afirma que o termo sustentabilidade aparece “como uma
condição para a sobrevivência humana e um suporte para se chegar a um
desenvolvimento duradouro” (Leff, 2011, p.15). No entanto, a sustentabilidade
pode representar uma pseudo alternativa que pretende manter a corrida desen-
volvimentista. O desenvolvimento sustentável pode ser compreendido também
como insustentável, uma vez que o crescimento econômico e o desenvolvimento

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


50
tecnológico pressupõem níveis de industrialização, de poluição e de impacto
ambiental que nada têm de sustentáveis.
Ao invés de adotar o conceito de sustentabilidade, é possível conceber
a ideia de uma Ética da Terra, nela a compreensão do ser humano só pode ser
realizada levando em conta que este ser faz parte da natureza, e que não está
posicionado acima dela. Essa ética é ambiental e não antropocêntrica, pois
não fundamenta a responsabilidade nos interesses humanos e na perspec-
tiva da produção.
A Ética da Terra estende a esfera de consideração moral aos animais,
às plantas, aos solos, à água e a todos os elementos da natureza, aumentando
a responsabilidade humana na medida em que torna homens e mulheres
responsáveis não apenas pela preservação dos recursos, mas também pela
sobrevivência da própria espécie.
Para Aldo Leopold (1999), é necessário que o sentido e a abrangência
da ética sejam ampliados para a comunidade de vida, sendo este o ponto de
partida da Ética da Terra, termo criado por ele em 1949. A Ética da Terra alerta
que é necessário alargar o sentido de comunidade para incluir solo, água, plan-
tas, animais e coletivamente a terra, fazendo com que os humanos nutram uma
identificação com todos os elementos do planeta.
O pressuposto da ética pensada por Leopold é o de que a Terra é uma
comunidade biótica na qual o elemento humano é apenas parte de um con-
junto interligado de múltiplas formas de vida em que não existem frações mais
relevantes. A crise ambiental que assola todo o globo exige uma ética que seja
planetária voltada para a manutenção e preservação dos ambientes que per-
mitem a reprodução da vida, seja ela humana ou não. Para isso, é necessário
respeitar as leis naturais dos ecossistemas. A ética planetária representa, por-
tanto, o respeito às normas inscritas pela natureza e o dever dos seres humanos
é dar-se conta dessas normas e adequar-se a elas.
A Ética da Terra é constituída a partir da compreensão da interdepen-
dência biótica de todos os seres viventes e demais elementos da natureza.
Esta perspectiva representa uma transformação da significação do conceito
de identidade e de comunidade, já que não se reduz a os entes de uma mesma
espécie, é planetária e global.

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A crise ecológica exige não apenas resposta aos problemas ambientais
causados pela ação humana, mas também impõe a necessidade um novo
paradigma biocêntrico de percepção do mundo e da natureza. Para Leopold,
a Ética da Terra exige uma transformação cultural que supere a visão redutiva
e alcance um enfoque planetário da natureza. Trata-se da passagem de uma
perspectiva ética antropocêntrica para uma ética biocêntrica.

CONCLUSÃO

Ao colocar como seu objeto de estudo a questão do o antropocentrismo e


as possibilidades de sua superação pelo biocentrismo, este capítulo entrou num
campo teórico ainda pouco consolidado. O ponto de partida foi a constatação
de que o aumento desordenado da produção e do consumo, que marcam o
mundo globalizado de nossos dias, gera também a degradação ambiental, os
desastres naturais e a ruptura do equilíbrio ecológico, fatores que ameaçam a
biodiversidade dos ecossistemas de todo o nosso planeta.
Toda essa condição de destruição da natureza está afetando a vida
humana e transformações estruturais se fazem necessárias. Uma delas está
no âmbito do pensamento e requer a superação do antropocentrismo, atitude
que separa os humanos da natureza como seres situados acima de todos os
demais. Assim, a atual crise ecológica exige não apenas resposta aos problemas
ambientais causados pela ação humana, mas impõe a necessidade de um novo
paradigma de percepção do mundo e da natureza: o pensamento biocêntrico.
A perspectiva biocêntrica abre novas perspectivas para soluções dos
problemas ecológicos atuais e é construído numa dinâmica inter-relacional.
Dessa percepção nasce o novo ensaio civilizatório que projeta a vida, em todas
as suas dimensões e em todas as formas que possa apresentar – vegetal, animal
e humana – em condições de igualdade como sujeitos de direitos. Descortinam-
-se, assim, novos horizontes éticos, a partir do cuidado como virtude humana.
A ligação entre os humanos e a natureza é complexa e interligada. A lógica
antropocêntrica, utilitarista, que governou pensamentos e ações humanas,
deverá ser repensada para que toda a humanidade continue gozando da vida
terrestre. A passagem de um cenário em que a referência não seja o ser humano

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


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para outro onde a natureza e seus elementos ocupem centralidade implica trocar
os ideais de dominação pela busca da manutenção de todas as formas de vida.

REFERÊNCIAS
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BOFF, Leonardo. Humanismo e Biocentrismo. In: UNGER, Nancy Mangabeira. (Org.) Fundamentos
Filosóficos do Pensamento Ecológico. São Paulo: Edições Loyola, 1992.

BOFF, Leonardo. Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.

BOFF, Leonardo. Ética e coespiritualidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

Carta da Terra. Disponível em:<http://www.cartadaterrabrasil.org/prt/text.html>. Acesso em: 19


ago. 2022.

DELÉAGE, Jean-Paul. História da Ecologia. Alfradige (Portugal): Ed. Dom Quixote, 1983.

GADOTTI, Moacir. Pedagogia da terra. São Paulo, Petrópolis. 2000.

GUATTARI, Félix. As três ecologias. Trad. Maria Cristina F. Bittencourt. Campinas, São Paulo: Papirus, 1990.

LEFF, Enrique. Ecologia, Capital e Cultura – a territorialização da racionalidade ambiental. Trad. Jorge
E. Silva. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes: 2009.

LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder.Trad. Lúcia


MathildeEndlich Orth. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2011.

LEOPOLD, Aldo, For the Health of the Land, previously unpublished essays and other writings, (J.
Baird Callicot e Eric T. Freyfogle, eds.). Washington: Island Press. 1999

LOVELOCK, Jaime. Um novo olhar sobre a Terra. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2006.

MILARÉ, Edis. Antropocentrismo x Ecocentrismo na Ciência Jurídica.In: Revista de Direito Ambiental.


Ano V, nº 36, out.-dez. 2004 – São Paulo: Editora RT (Revista dos Tribunais), 2004, p.9-42.

ONU. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/>. Acesso em: 16 dez. 2021.

PNUMA. Disponível em: <WWW.pnuma.org.br/>. Acesso em: 16 dez. 2021.

TAYLOR, Paul W. Respect for nature. A Theory of environmental ethics.Ney Jersey: PrincentonUnivertivy
Press, 1986.

ISBN 978-65-5360-512-1 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


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A PESQUISA EM EDUCAÇÃO COMO UM


TEMA EM DISCUSSÃO: MARCOS
TEXTUAIS

Alexandre Augusto e Souza


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Tânia Cristina da Conceição Gregório


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

' 10.37885/231014689
RESUMO

Nosso tema de discussão é a pesquisa em educação no Brasil e neste texto con-


sideramos a pesquisa em educação como um tema de pesquisa. Nesse sentido,
a discussão que se coloca refere-se às condições e ao contexto de realização da
atividade de pesquisa em educação ao longo dos anos. O objetivo apresentado
nesta investigação centra em apresentar os marcos textuais acerca da pesquisa
em educação e promover, consequentemente, uma discussão sobre a atividade
de pesquisa em educação no país. Metodologicamente, esta investigação se
caracteriza como uma pesquisa bibliográfica e apresenta uma sucinta revisão
de literatura de textos selecionados nos periódicos Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos e Cadernos de Pesquisa. A investigação permitiu verificar, através
dos marcos textuais selecionados, que a atividade de pesquisa em educação se
desenvolveu pela contribuição de pesquisadores de diversas áreas do conhe-
cimento. Também foi possível verificar a histórica vinculação da atividade de
pesquisa em educação com o Estado para o seu desenvolvimento.

Palavras-chave: Pesquisa em Educação, Marcos Textuais, Revista Brasileira


de Estudos Pedagógicos, Cadernos de Pesquisa.

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INTRODUÇÃO

Em nossos estudos temos nos dedicado a pesquisa em educação, e atual-


mente, temos nos debruçado às publicações em que a pesquisa em educação
apresenta-se como tema em discussão por pesquisadores da área. Como tema
compreendemos ser a pesquisa em educação um conjunto de problematizações
discutidas por especialistas e, neste caso, sobre a sua atividade de trabalho,
ou seja, a atividade de pesquisa. As discussões concernentes à pesquisa em
educação são publicadas na forma de textos de opinião, ensaios, entrevistas,
editoriais. Recentemente verificamos a publicação de textos sob a forma de
revisão de literatura sobre a trajetória dessas discussões.
Postos esses esclarecimentos iniciais destacamos que as discussões
sobre a atividade de pesquisa passaram a ocorrer a partir de seu processo
de institucionalização no Brasil, em 1938, com a criação do Instituto Nacional
de Estudos Pedagógicos (Inep) – atualmente, Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Esse processo, em específico,
de institucionalização da pesquisa, ocorreu em um momento social e histórico
de organização nacional, influenciado por relações político-econômicas e insti-
tucionais que marcaram a sociedade brasileira nos anos de 1930 do século XX.
Em se tratando da atividade de pesquisa em educação, a partir de sua
institucionalização, essa se tornou contínua e avaliada, com espaço próprio para
a sua realização, cujo funcionamento passou a aderir às funções legalmente
definidas, atuando sob demandas entre pares, demandas institucionais e/ou
demandas sociais de uma época.
Neste texto apresentamos e discutimos, por meio de uma revisão de
literatura, os textos que no nosso entendimento marcaram algumas discussões
sobre a pesquisa em educação considerando-a uma atividade de pesquisa.
Destacamos que a pesquisa em educação se tornou alvo de problematizações a
partir de sua institucionalização, com a criação do Inep. Contudo, posteriormente,
as discussões elencaram outras problematizações a partir dos contextos de
realização das pesquisas ao longo dos anos e dos espaços institucionais onde
ocorreram a sua realização. Enquanto tema de discussão, discussões sobre a
pesquisa em educação foram constituídas sobre a própria atividade de trabalho,
especificamente sobre as condições e o contexto para a sua realização.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


56
Objetivando apresentar os marcos textuais concernentes aos desdobra-
mentos da pesquisa em educação no Brasil, realizamos uma síntese histórica
a partir de textos que consideramos representativos sobre as discussões do
tema em questão. Essa síntese será apresentada através da leitura de textos
selecionados sobre a pesquisa em educação, escritos e publicados por pesqui-
sadores, em periódicos acadêmicos da educação, nos quais são destacados
contextos importantes para as discussões acerca desse tema. Os critérios para
seleção dos textos pautaram-se na relevância das discussões sobre a pesquisa
em educação, ou seja, no ineditismo da problematização ou da época/contexto
de sua publicação e na repercussão/citação do texto por outros autores da
área da educação.
Nesse sentido, nosso trabalho foi conduzido por uma investigação biblio-
gráfica, em periódicos da área da educação. Especificamente trabalhamos com
os periódicos Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP), do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e Cader-
nos de Pesquisa (CP), da Fundação Carlos Chagas (FCC). Estes periódicos da
educação são pioneiros e se tornaram longevos nas discussões sobre a pesquisa
em educação no país, sendo, por isso, referência na literatura acadêmica da
área da educação.

PESQUISA EM EDUCAÇÃO: UM TEMA EM DISCUSSÃO

É importante novamente destacar que ao considerarmos a pesquisa em


educação como um tema em discussão, estamos nos referindo a uma atividade
social e institucionalizada. Isto significa que tratamos de uma atividade realizada
em espaços próprios, ancorada em normas e/ou acordos tácitos, supervisionada
corporativamente e/ou por mecanismos regulatórios institucionais. Uma atividade
que atende às atribuições e às demandas constituídas entre pares e/ou sócio
institucionais, próprias de uma coletividade e de uma época. Desse modo, as
discussões sobre pesquisa em educação demandam problematizações sobre
uma atividade de trabalho, que se destaca pelo contexto e pelas condições de
sua atuação ao longo dos anos.
A pesquisa em educação tem sido, em geral, compreendida na área da
educação como toda e qualquer investigação que tenha a educação como foco

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de estudo. Outra possibilidade de significado, mais estrito, refere-se à pesquisa
em educação como toda e qualquer investigação realizada na área da educação.
Não estando em consideração a formação do pesquisador – se se trata de um
pesquisador com formação predominantemente ou pontualmente na área da
educação, pelo fato de haver pesquisadores que não têm formação na área da
educação, mas que, no entanto, escrevem pesquisas sobre a educação e sobre
a pesquisa em educação.

BREVE HISTÓRICO DOS MARCOS TEXTUAIS DA PESQUISA EM


EDUCAÇÃO NO BRASIL

Conhecer a pesquisa em educação como tema em discussão significa


buscar a trajetória daqueles e daquelas que antes de nós produziram discus-
sões sobre esta atividade ao longo dos anos. Nesse sentido, colocamo-nos em
busca do que foi produzido e publicado e que tenha proporcionado discussões
relevantes sobre a pesquisa em educação. Tratam-se, em específico, de textos
reconhecidamente históricos para a pesquisa em educação entre os pares da área.
A relevância dos textos a serem abordados está não apenas sobre o que
discutiram para a sua época, fruto de um período de transformações sociais,
mas, também, o que significaram para a pesquisa em educação, em face das
discussões propostas e então publicadas nos periódicos da área. Cabe destacar
que os textos selecionados foram publicados em periódicos exclusivamente
voltados para a área da educação.
Há de se considerar o prestígio que as correspondentes publicações
selecionadas tinham ou ainda possuem na relação com os textos selecionados.
Esse prestígio está relacionado à antiguidade do periódico no trato com questões
da educação, a vinculação oficial do periódico aos órgãos da educação no país,
a alta qualificação que o periódico possui nas últimas avaliações de periódicos
realizadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Supe-
rior (Capes), fundação vinculada ao Ministério da Educação, e/ou, ainda, pela
tradição ou abertura de espaço que proporcionaram para publicação sobre a
pesquisa em educação ao longo dos anos. Há, também, o critério da presença
de pesquisadores reconhecidos da área da educação em publicações ao longo
dos anos no periódico. Independentemente dos motivos citados, os textos

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


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selecionados estão vinculados a espaços de prestígio entre pesquisadores da
área da educação.
As discussões selecionadas estão ligadas a momentos da vida nacional,
especificamente às transformações sociais que dinamizaram uma série de
mudanças no país. Essas mudanças abrangeram novas composições popula-
cionais com fluxos migratórios, novas atividades nos setores agrícola, industrial
e comercial e a formação e expansão de sistemas educacionais para o país.
Mais que a constituição de sistemas educacionais, estavam em curso disputas
pelos modelos de educação da população do país, a universalização do acesso
à educação, a expansão do ensino superior e de pesquisas na área da educação.
Os textos que fazem parte desta discussão estão vinculados aos anos
de 1944, 1956, 1969, 1971, 1983, 2001 e 2009. Os anos em destaque não foram
selecionados aleatoriamente, pois referem-se a contextos sociais peculiares
para a pesquisa em educação. Reforçamos que os textos selecionados foram
publicados nos dois mais antigos e prestigiados periódicos para a pesquisa em
educação no Brasil: a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP) e o
Cadernos de Pesquisa (CP).
A Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP) foi criada em 1944,
no Rio de Janeiro, no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), hoje
denominado Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep). A RBEP constituiu-se, à época, como porta-voz do pensamento
e dos atos do Inep, que foi vinculado inicialmente ao Ministério dos Negócios da
Educação e Saúde Pública (1930-1953), posteriormente vinculado ao Ministério
da Educação e Cultura (MEC, 1953-1985) e hoje, vinculado ao Ministério da
Educação (MEC, a partir de 1985). A RBEP foi e ainda é o espaço das principais
vozes da educação no Brasil e que no passado participaram ativamente dos
rumos da educação pública e da pesquisa em educação, contando em suas
publicações com autores nacionais e estrangeiros.
A revista Cadernos de Pesquisa (CP) foi criada em 1971 pela Fundação
Carlos Chagas (FCC), em São Paulo. A CP teve e tem papel importante no
debate sobre a pesquisa em educação no Brasil. Diferentemente da RBEP que
está vinculada ao Estado, a CP está vinculada a uma organização privada sem
fins lucrativos e que foi criada em 1964, destinada a atuar na área de concursos
públicos e na produção de pesquisas na área da educação. No CP estiveram

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e ainda estão presentes prestigiados pesquisadores da área da educação
cujos textos se tornaram referências para as discussões sobre a pesquisa em
educação no país.
Na reflexão proposta neste texto sobre a pesquisa em educação, estamos
considerando uma trajetória por meio de sete textos selecionados. Essa traje-
tória começa nos anos de 1940, com o texto publicado em 1944 por Carleton
Washburne. Esse primeiro texto que identificamos e que tratou da pesquisa em
educação é o mais antigo texto sobre pesquisa em educação publicado que
conhecemos. O texto foi publicado no ano de lançamento da Revista Brasileira
de Estudos Pedagógicos (RBEP).
Ressaltamos, novamente, que a RBEP desde sua fundação foi e ainda é
um periódico fundamental para as investigações sobre a pesquisa em educação
no Brasil, por ter sido criado por um órgão oficial que congregava a maioria
da produção de pesquisas na área da educação no Brasil, o Inep. No ano de
publicação do texto de Washburne (1944), o país se encontrava em fase de
curto período de democratização, ao fim da Segunda Guerra Mundial, e a
educação ganhava, por intermédio da RBEP, um meio de circulação de ideias
e de debates em âmbito nacional destinado aos pesquisadores, estudantes e
agentes públicos educacionais.
Dando prosseguimento ao processo de institucionalização e, consequen-
temente, expandindo o processo de fomento de pesquisas em educação no país,
em 1955 o Inep cria o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), na
cidade do Rio de Janeiro, como espaço próprio e destinado, especificamente,
à produção de pesquisas na área da Educação. A fim de promover articulação
entre o CBPE e as pesquisas realizadas em outras capitais nacionais, foram
criados, em 1956, os Centros Regionais de Pesquisa em Educação (CRPE), em
Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre. Esses movimentos
institucionais indicam que

A entrada em funcionamento dos Centros de Pesquisas Educacionais


do INEP, a partir de 1955, já foi avaliada como parte integrante de um
movimento mais amplo de intensificação da ação governamental
no sentido da construção de aparatos oficiais destinados ao estudo
e ao planejamento no campo educacional, que contou com o
envolvimento de parte importante de uma geração de destacados
cientistas sociais com a temática educacional (Ferreira, 2008,
p.279-280).

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


60
Os anos de 1960 e 1970, incluem-se aí os textos selecionados de 1969 e
1971, corresponderam ao período de transição da produção de pesquisas em
educação no Brasil. Essa transição ocorreu especialmente pela transferência
da produção de pesquisas de instituições ligadas aos órgãos federais para as
universidades públicas, em especial, através da criação de programas de pós-
-graduação na área da educação, a partir de 1965. Nesse período, a educação
ganhou contornos de área de conhecimento através da criação dos cursos de
pós-graduação no âmbito de Mestrado e Doutorado em Educação, como nos
informa Bernardete Gatti:

Mas, foi somente com a implementação de programas sistemáticos


de pós-graduação, mestrados e doutorados, no final da década de
60, e com base na intensificação dos programas de formação no
exterior e a reabsorção do pessoal aí formado, que se acelerou o
desenvolvimento da área de pesquisa no país, transferindo-se o
foco de produção e de formação de quadros para as universidades.
Paralelamente os centros regionais de pesquisa do Inep são
fechados e têm início investimentos dirigidos aos programas de
pós-graduação nas instituições de ensino superior (Gatti, 2001, p. 66).

Os anos de 1983, 2001 e 2009 são períodos que se interligam contex-


tualmente para a pesquisa em educação apesar da elasticidade cronológica
apresentada. O que há de comum nessas datas? Tratamos de um período em
que os anos vão sedimentando a presença de um importante contingente de
pesquisadores formados em cursos de Pedagogia e no Mestrado e Doutorado em
Educação. Há uma consolidação da área da educação como área de pesquisa,
bem como da produção de pesquisas nas universidades do país, especialmente
nas universidades públicas federais e estaduais. Há uma expansão do ensino
superior e da pós-graduação na área da educação, bem como a presença de
inúmeras discussões sobre a pesquisa em educação.

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MARCOS TEXTUAIS PARA A PESQUISA EM EDUCAÇÃO:
SÍNTESE ANALÍTICA

Antes de demarcarmos as discussões presentes nos textos seleciona-


dos sobre a pesquisa em educação, salientamos o caráter multifacetado do
conhecimento e de pesquisadores de outras áreas que fizeram parte dessa
trajetória. A constituição de pesquisas em educação institucionalizada foi
resultado, dentre outros motivos, da iniciativa dos chamados educadores que
integraram o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep). Destacamos
três nomes importantes nessa apresentação: Murilo Braga, Lourenço Filho e
Anísio Teixeira. À exceção de Lourenço Filho que iniciou sua graduação em
Medicina, mas declinou de seu exercício para se dedicar à Pedagogia, os outros
dois educadores mencionados são bacharéis em Direito. Essa é uma consta-
tação da formação acadêmica daqueles que propuseram e levaram adiante a
proposta de institucionalização de pesquisas na área da educação no Brasil.
À época, início do século XX, em que no Brasil o Direito e a Medicina eram
áreas de formação destacadamente prestigiadas em relação às outras carreiras, a
educação foi sendo forjada por homens cujo itinerário no ensino superior ocorreu
em áreas diversas e não correlatas à educação. A construção do conhecimento
em educação e as pesquisas empreendidas nas décadas seguintes à criação
do Inep (1938) contou com a presença de pesquisadores de diferentes áreas do
conhecimento, destacadamente da sociologia, antropologia e psicologia, que
atuaram no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE). Não obstante
vale ressaltar a diversidade de temas e métodos de pesquisas de outras áreas
do conhecimento e que estão presentes nas pesquisas realizadas na educação.
Os textos selecionados para a discussão foram escritos por aqueles
e aquelas que estiveram envolvidos com a produção e/ou administração de
pesquisas produzidas na área da educação. Este envolvimento se refere à expe-
riência institucionalizada com o trabalho de pesquisa na área da educação, na
produção/orientação ou no gerenciamento/assessoramento institucional em
âmbito governamental em pesquisa. Nos anos recentes verificamos a produção
de textos sobre pesquisa em educação realizada também por mestrandos e dou-
torandos, ou seja, por pesquisadores em formação na área da educação. Nesse
caso é comum que os textos produzidos e publicados por futuros pesquisadores

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


62
se refiram a uma investigação sobre as discussões de outros autores sobre a
pesquisa em educação.
As discussões sobre a pesquisa em educação têm como origem uma
questão própria da atividade de pesquisa. Encontramos, também, discussões
sobre um fato específico que demandou um questionamento imediato sobre a
atividade de pesquisa em educação, ou ainda uma discussão panorâmica sobre
a pesquisa em educação.
A discussão que estamos propondo nesta síntese visa resgatar o pensa-
mento circulante de contextos importantes para a pesquisa em educação e que
se refletiram nos textos selecionados e, ainda assim, tornaram-se referências
entre pesquisadores da área da educação. Desse modo, os textos tornam-se
marcos para uma discussão sobre a atividade de pesquisa, considerando os
periódicos CP e RBEP.
Destacamos que os textos de 1944 de Charleston Washburne (A pesquisa
na educação) e de 1956 do Inep (Relatório preliminar da Primeira Conferên-
cia Internacional de Pesquisas Educacionais) abrem as discussões sobre a
pesquisa em educação através do periódico do Inep, a Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos, a RBEP. Tratam-se de discussões panorâmicas sobre a
pesquisa em educação, ou seja, são inúmeras indagações sobre a atividade de
pesquisa. Tais discussões retratam o momento em que a pesquisa em educação
se institucionaliza e passa a compor o sistema de produção de conhecimentos
com repercussões na educação brasileira.
A discussão sobre a pesquisa em educação nesse período tem reflexo
direto quanto às indagações sobre a própria educação, quais sejam, sua função
e seus objetivos para a sociedade, em uma época que se vivia o fim da Segunda
Guerra Mundial e se adentrava nos primeiros anos do pós-guerra. O texto de
1956 foi fruto desses debates e contém as recomendações da Primeira Confe-
rência Internacional em Pesquisa em Educação ocorrida em Atlantic City, nos
Estados Unidos, no ano de 1956.
A educação como indagação demandou desafios para pensar outras
formas de conceber a pesquisa na educação. Os estudos desenvolvidos sobre
a educação estavam dispersos, não havia procedimentos consagrados e sis-
temáticos difundidos para os estudos em educação. As questões abordadas
por educadores estrangeiros sobre a pesquisa e a educação, assim como a

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presença de educadores nacionais vinculados ao Inep no exterior, participando
de eventos sobre a pesquisa em educação, proporcionou a difusão no Brasil,
da necessidade de reformulação da forma como pensamos a educação e a
reformulação do modo de fazer pesquisa e das condições para a sua realização.
Segundo Washburne, inicialmente

Os estudos científicos começaram todos no terreno da especulação


e da teoria filosófica. Cada ciência chegou a ser realmente “ciência”
quando pôde contar com observações objetivas, cuidadosamente
anotadas, e experiências realizadas sob rigoroso controle. Deste
modo, a “filosofia natural” se tornou a física; a “alquimia”, evoluiu
para a química; a “astrologia” se transformou em astronomia. Só
por esse caminho também a educação chegará a ser uma ciência.
(Washburne, 1944, p. 65).

O texto selecionado de 1969, e que foi republicado em 2006, é de auto-


ria de Jayme Abreu (Uma política para a pesquisa educacional no Brasil), é
uma consequência das discussões sobre pesquisa em educação realizadas
nos anos de 1940 e 1950 e que estão mencionadas nos textos de 1944 e 1956
desta investigação. Nesse texto de 1969 foram colocadas as bases para uma
discussão sobre a educação e sua relação direta com a produção de pesquisas
educacionais no Brasil.
Não havia naquela época uma área da educação que localizasse a pro-
dução de pesquisas. A discussão proporcionada no texto publicado em 1969
difundiu a possibilidade de uma política governamental exclusiva à produção de
pesquisas em educação, justificando a relação direta entre pesquisa e política
pública até então defendida, mas pouco justificada e ainda pouco amadurecida
politicamente, como considera o autor:

Na medida em que os órgãos responsáveis pela pesquisa educacional


no Brasil tomassem como ponto de referência, para orientação de
sua política quanto à pesquisa educacional a realizarem, aquelas
condensadas e expressivas recomendações da 1ª Conferência
Internacional de Pesquisa Educacional, teríamos, sem dúvida, os
fundamentos para uma racional e operativa política de pesquisa
educacional no Brasil (ABREU, 2006, p 80).
Outros dois textos que indicamos como marcos textuais com
discussões relevantes sobre a pesquisa em educação foram
publicados em 1971 e 1983, ambos publicados no período em que

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


64
a pesquisa em educação foi institucionalizada nos programas de
pós-graduação em educação, principalmente nas universidades
públicas. Ocorre nesse período o aumento do número de discussões
que denominamos neste trabalho como pesquisas em educação.
Nos períodos dos textos de 1971 e 1983, a maioria das pesquisas
foram produzidas na área da educação, passando a ocorrer em
um espaço institucionalizado próprio da área – nos programas
de pós-graduação.

O texto de 1971 é de autoria de Aparecida Gouveia (A pesquisa educa-


cional no Brasil) e é considerado pioneiro por apresentar um levantamento das
temáticas de pesquisa em educação e uma periodização das produções de
pesquisa em educação, feitas antes e após a institucionalização da atividade
de pesquisa no interior das universidades. O texto de 1983, de Bernardete Gatti
(Pós-graduação e pesquisa em educação no Brasil, 1978-1981), apresenta um
levantamento amostral de dissertações de mestrado e teses de doutorado, artigos
e livros publicados por docentes ou alunos da pós-graduação, e publicações
em três seminários sobre pesquisa educacional realizados em 1980 e 1981 nas
cidades de São Paulo, Recife e Cuiabá – cronologicamente.
As discussões dessa época, anos de 1970 e 1980, mudaram e não mais
se referiam ao que fazer, mas como fazer. Buscou-se compreender como as
pesquisas em educação eram produzidas, ou seja, os problemas destacados e
os resultados alcançados. Nota-se que há preocupações sobre o que se estava
produzindo em termos de pesquisa e a necessidade de um balanço dessas pro-
duções que aconteciam especialmente nos jovens programas de pós-graduação
na área da educação. Foi o período em que se destacaram as discussões sobre
de que forma eram produzidas as pesquisas na área da educação, inclusive de
caráter metodológico, ou seja, sobre a prática de pesquisa,
Outra consideração a fazer é que este desenvolvimento conseguido na
área não é homogêneo, sendo ainda grande o número de trabalhos que se
ressentem de sérias deficiências tanto teóricas quanto metodológicas. [...] o
problema que se coloca de fato é o de sua consistência, o que põe como priori-
tário para um sólido desenvolvimento de pesquisa em educação a necessidade
de se entender a sua natureza (Gatti, 1983, p. 4).
Por fim destacamos dois textos que constituem uma discussão mais
próxima de nossos dias. Esses textos são dos anos de 2001 e 2009. O texto de

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2001 é outro de autoria de Bernardete Gatti (Implicações e perspectivas da
pesquisa educacional no Brasil contemporâneo) e o texto de 2009 (Para que
serve a pesquisa em educação?), é de autoria Maria Campos. Há um ponto em
comum entre os dois, por ambos apresentarem o que se produzia como pesquisa
em educação em anos anteriores, ou seja, trazem uma discussão sobre o que
foi feito em pesquisas na área da educação. Essa discussão corresponde às
expectativas e aos rumos sobre a atividade de pesquisa na área da educação.
Trata-se de uma discussão vinculada aos rumos da educação, considerando,
por exemplo, a presença de novas tecnologias, questões identitárias, meio
ambiente etc. Nesse período ocorreu a consolidação do processo de avaliação
dos programas de pós-graduação no país, das pesquisas produzidas nesses
espaços, relacionando as pesquisas acadêmicas, o cotidiano escolar e as polí-
ticas educacionais, como destaca Malta:

[...] é possível identificar certa frustração com a pesquisa acadêmica,


julgada, por aqueles que precisam tomar decisões sobre política
educacional, como pouco objetiva, fragmentada e distanciada dos
problemas educacionais considerados mais urgentes (Campos,
2009, p.271).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa em educação é um tema em discussão na área da educação.


Esse tema, diferentemente de outros temas abordados na área da educação,
tem como público-alvo, mas não exclusivamente, os pesquisadores que atuam
na área da educação, pois é um debate sobre a própria atividade de pesquisa.
Desse modo, é um tema circunscrito aos próprios pesquisadores por evidenciar
a problematização sobre sua atividade profissional, considerando as condições
e os contextos para a sua atuação. Ainda assim, destacamos que outros atores
sociais podem estar envolvidos nessa discussão, ou seja, as agências de fomento
à pesquisa, legisladores, administradores da área de pesquisa.
Queremos destacar que a relevância do tema pesquisa em educação está
não somente pela condição de ser uma atividade em discussão com questões
que impactarão a educação e, por conseguinte, a sociedade; questões essas
que se referem aos problemas educacionais e escolares, e também os sociais,

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


66
que emergem do entorno das instituições educativas e da sociedade como
um todo. Destacamos, também, a convergência de pesquisadores de áreas
diversas do conhecimento atuando na área da educação, especialmente das
demais áreas das ciências humanas e das ciências sociais e até mesmo de
outras áreas, como as da natureza e biomédicas. O que pode ser um indicativo
de pesquisas em educação com repercussão em outras áreas de conhecimento
por sua multidisciplinaridade e alcance social.

REFERÊNCIAS
ABREU, J. Uma política para a pesquisa educacional no Brasil. Brasília. Revista Brasileira de Estudo
Pedagógico, v. 87, n. 215, 2006.

CAMPOS, M. M. Para que serve a pesquisa em educação? São Paulo. Cadernos de Pesquisa, v.39, 2009.

FERREIRA, M. Usos e funções dos estudos promovidos pelos Centros de Pesquisas do Inep entre as
décadas de 1950 e 1970. Brasília. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 89, n. 221, 2008.

GATTI, B. Implicações e perspectivas da pesquisa educacional no Brasil contemporâneo. São Paulo.


Cadernos de Pesquisa, n.113, 2001.

GATTI, B. Pós-graduação e pesquisa em educação no Brasil. São Paulo. Cadernos de Pesquisa, n.44, 1983.

GOUVEIA, A. J. A pesquisa educacional no Brasil. São Paulo. Cadernos de Pesquisa, n.1, 1971.

WASHBURNE, C. A pesquisa na educação. Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,


n.4, 1944.

Texto analisado e não referenciado nesse trabalho:

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS. Relatório


preliminar da primeira conferência internacional de pesquisas educacionais. Rio de Janeiro. Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 26, n. 63, 1956.

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04

A SOBRENATUREZA DA POLÍTICA: PARA


ALÉM DAS RUÍNAS DO NEOLIBERALISMO

Flávio Bellomi-menezes
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

' 10.37885/231115116
RESUMO

Busco com as reflexões a seguir, estender as proposições de Wendy Brown em


seu livro “Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática
no ocidente”, relacionando problemáticas que dizem respeito à categoria de
humanidade e de política por ela descritas, apresentando uma outra perspectiva
que radicaliza tais categorias a fim de obter saídas para além das implícitas pela
autora estadunidense no último capítulo de sua obra. Para tal, servirá de apoio
a obra “A queda do céu - palavras de um xamã yanomami” de Davi Kopenawa
e Bruce Albert, que promoverá uma visão sobrenatural (em seu sentido daquilo
que foi negado pela metafísica da modernidade) da política enquanto observação
provocativa do encontro interétnico e interespecífico. Este texto, uma adapta-
ção de artigo do mesmo nome, trata-se, portanto, mais de um tensionamento
que de um fechamento às ideias eliciadas, deixando propositalmente mais
perguntas que respostas.

Palavras-chave: Políticas, Povos Indígenas, Davi Kopenawa, Wendy Brown.

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INTRODUÇÃO
Para nós, a política é outra coisa. São as palavras de Omama e
dos xapiri que ele nos deixou. Sâo as palavras que escutamos
no tempo dos sonhos e que proferimos, pois são nossas
mesmo. Os brancos não sonham tão longe quanto nós.
Dormem muito, mas só sonham com eles mesmos.
(Davi Kopenawa Yanomami)

As reflexões a seguir1 serão mais que comparativas - que, de fato, é seu


“fundo” à primeira vista - pois, no entrelaçar comparativo, buscarei eviden-
ciar que as prefigurações não se mantêm estáveis tal como nos esforçamos
em fazer a partir de nossos pontos de vista. De início será estabelecido um
diálogo que guiará as reflexões do texto, entre a cosmovisão (da) política de
Wendy Brown na obra Nas ruínas do neoliberalismo2 (2019) e de um esboço
da cosmovisão ameríndia das terras baixas da América do Sul, guiadas pelo
primoroso trabalho de Davi Kopenawa Yanomami em cumplicidade com Bruce
Albert na obra A queda do Céu (2015). O caráter deste texto é evidentemente
investigativo, apoiando-se em uma certa interdisciplinaridade que comungue
as potencialidades eliciadas pelos dois principais textos abordados. Não se
busca portanto uma conclusão aos moldes tradicionais, mas sim uma extensão
às problemáticas elencadas na caminhada.
Tal diálogo servirá de base para responder à inquietação da autora estadu-
nidense em seu último parágrafo, que entrega a quem lê a seguinte indagação:

“A nação, a família, a propriedade e as tradições que reproduzem


privilégios raciais e de gênero, feridas de morte pela
desindustrialização, pela razão neoliberal, pela globalização, pelas
tecnologias digitais e pelo niilismo são reduzidas a resquícios afetivos.
Até agora, esses resquícios foram ativados predominantemente
pela direita. Que tipos de visão e crítica políticas de esquerda
podem atingi-los e transformá-los?” (Brown, 2019 :228).

1 Uma versão anterior deste trabalho foi publicada em 2021 na Revista Missões (Cf. Bellomi-Menezes, 2021).
Foram realizadas algumas alterações a partir de observações críticas importantes de Milena Serafim e Jinx
Vilhas Maurício, assim como foram realizadas algumas mudanças para o formato que a publicação exige,
buscando atingir públicos mais amplos.
2 Doravante NRN

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


70
Julgo válido salientar a motivação de propor tal diálogo. Ela veio a partir de
uma série de leituras realizadas nos últimos anos sobre críticas à esquerda3 e um
certo “progressismo” dos partidos de esquerda no Brasil. Saliento o Brasil pois
o texto em questão é um levantamento hipotético da aplicação das inquietudes
de Brown no país - uma vez que a autora não se refere ao Brasil em sua obra,
porém os problemas encontrados por ela, principalmente nos Estados Unidos,
podem ser traduzidos para os imbróglios brasileiros. Portanto, não precisamos
perder tempo aqui (re)colocando as diferenças das políticas e dos políticos entre
Brasil e Estados Unidos - até porque hodiernamente temos um governo alinhado
explicitamente com as propostas estadunidenses; política e moralmente4.
Prefiro, dessa forma, me debruçar em um plano mais “geral” (com muitas
aspas) dos pensamentos que leem a situação política atual e se perguntam se
há alternativas para essa crise. Isto é, o que outro pensamento que não o “de
direita” pode fazer em meio a um forte niilismo, fatalismo e ressentimento ope-
rantes. Visto que isso é o que deixa Brown inquieta, hei de tratar tal inquietação
como ponto de partida, admitindo toda a tese de Brown para (então) formular
uma discussão com seu último parágrafo.
O caminhar entre a ampliação de uma reflexão sobre a cosmologia ame-
ríndia e o recorte à visão de Kopenawa se justifica pela contumaz inconstância
do pensamento ameríndio, simultaneamente e radicalmente diferente entre
não-indígenas e indígenas. Tal divisão simplória não nos limita, todavia, em
realizar justamente o propósito final desse texto: responder a inquietação de
Brown a partir do pensamento ameríndio, ou seja, a partir de uma outra dispo-
sição das características das coisas.

3 Leia-se “esquerda”, aqui, enquanto uma aglutinação ideológica que parte dos social-democratas e liberais-so-
ciais e ruma em direção aos comunistas e anarquistas, seguindo uma lógica de maior senso comum do que
estaria “à esquerda no espectro, não que concorde com essa definição, mas que compreenda que ela minima-
mente sistematiza o que Brown (2019) está chamando de “esquerda”.
4 É interessante pensar como essa afirmação ainda faz sentido. À época (2020), me referia aos governos de Jair
Bolsonaro, no Brasil, e Donald Trump, nos Estados Unidos, ambos lidos como de extrema-direita. Hoje (2023)
temos nas presidências de Brasil e Estados Unidos, Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden, respectivamente, que
promovem políticas liberais flertando com um esquisito e nebuloso “centro” e com um mais esquisito e nebuloso
ainda “progressismo”.

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PRIMEIRA PARTE: VIVISSECÇÃO

NRN nos apresenta uma visão apocalipticamente necessária do mundo


em que vivemos; em suas 228 páginas Wendy Brown disserta sobre como a
proposta neoliberal, que se apresenta enquanto alternativa ao estado de bem-
-estar social e se instala com força nos anos 1970 na Europa, Estados Unidos
e América do Sul, desencadeou uma série de acontecimentos na política e no
político que acabaram por moldar um sujeito dessublimado (termo que a autora
empresta do filósofo contemporâneo alemão Hans Sluga), um sujeito dotado
de “um supereu5 menos exigente, ou seja, menos consciência, o que, em uma
sociedade individualista e não emancipada, significa menos consideração ética
e política em geral” (Brown, 2019 :203).
A autora vai buscar em duas figuras-chave do neoliberalismo, os filósofos
da política e economistas Milton Friedman e Friedrich v. Hayek, as bases para
compreender o caminho para tal dessublimação. Dentre elas encontra-se a
reestruturação radical dos valores no capitalismo, que levou a um desmante-
lamento do conceito de “sociedade” e “social”, onde o indivíduo acaba por se
tornar a potência-prima e o aspecto de “justiça social” torna-se mero equívoco
de passagem, ou seja, uma transição que acabou se instalando permanente-
mente, tolhendo as liberdades individuais dos sujeitos.
Ainda no desmantelamento, NRN nos apresenta uma proposta cosmo-
lógica que acusa a “sociedade” de ser o impasse para as áreas mais valiosas
da democracia como educação, segurança pública e saúde; com a ascensão
da razão neoliberal, o ataque aos mais vulneráveis tem sido coberto por um
discurso que rejeita a intervenção estatal na (livre) concorrência de mercado
(de bens, de justiça e moral).
Entretanto tais acusações foram, pouco a pouco, introjetando nas pessoas
um sentimento de aversão ao Estado e às políticas sociais. Brown demonstra
que tal sentimento manifestou-se mais explicitamente no conjunto de homens
cisgêneros, brancos, cristãos e heterossexuais: “Tanto no pensamento quanto

5 Supereu, junto às instâncias do Eu e do Isso, contempla o aparelho psíquico segundo a psicanálise freudiana.
Sua relação com o sujeito é da ordem do juízo censor ou proibicionista. Sem um dispositivo preciso de proibição,
o sujeito tenderia a agir eticamente menos atrelado àquilo que denominamos normas sociais.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


72
na prática neoliberal, a crítica da democracia e do político é disfarçada de uma
defesa a favor da liberdade individual” (Brown, 2019 :79).
A demonização do poder político nas democracias é assim apresentada
pela autora com fins de afunilar a reflexão, de uma visão geral sobre o movimento
em massa do neoliberalismo, passando pela proteção do tradicionalismo e sua
transmutação em uma lógica de empresa privada, chegando na performance
do neoliberalismo na justiça e no direito estadunidense e terminando no levan-
tamento das características de um sujeito que acabou por não ser neoliberal tal
como propunham Friedman e Hayek, mas um Frankenstein de característica
intransigente e, no limite (ao mesmo tempo que por excelência), antipolítica.
A vivissecção feita pela autora desse sujeito que emerge das ruínas do
neoliberalismo nos servirá como um ponto de vista, um lugar de ação, partindo
da proposta deleuziana do perspectivismo em sua releitura de Leibniz (Deleuze,
2011), doravante, “ponto de vista” deve ser entendido enquanto lugar que repre-
senta a variação, todo ponto de vista é “ponto de vista sobre algo” e “será sujeito
aquele que vier ao ponto de vista” (Idem, 2011 :40)6.
Podemos então traçar algumas características externadas por este
Frankenstein antipolítico, sugeridas por Brown no último capítulo de NRN: a
primeira característica é uma metamorfose do niilismo nietzschiano, que pro-
duziu um outro tipo de niilista, um sujeito cujos valores “se tornam fungíveis
e triviais, superficiais e facilmente instrumentalizáveis” (Brown, 2019 :198),
afastando-se da proposta inicial do filósofo alemão e mergulhando no modelo
economicizante do neoliberalismo. A segunda característica parte de um debate
do filósofo Herbert Marcuse com Sigmund Freud, colocado por Brown como
ponto de liberação pela busca de um gozo desobrigado com as características
principais da preocupação com o social, a dessublimação repressiva, a fonte
de julgamento moral do sujeito, brevemente mencionado acima. A terceira
característica está ligada à introjeção do conceito neoliberal de “liberdade”

6 Dos filósofos metafísicos, creio que Leibniz melhor se encaixa nessa reflexão por dois motivos: o primeiro e mais
evidente é sua proximidade, através da releitura de Gilles Deleuze, com a antropologia a partir dos anos 1970. O
segundo, que tenho consciência que necessitaria um trabalho mais longo que o do texto em qustão, diz respeito
à proximidade com o divino na filosofia de Leibniz, que não é em momento algum ignorada por Deleuze e que
faz conversar metafísica e materialidade de uma forma singular.

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associado com a busca incessante e desinibida de moral social pelo prazer
que, no limite, leva o sujeito a reivindicar uma liberdade para oprimir, alegando
ao mesmo tempo que está sendo oprimido, o desbloqueio de novas formas de
violência para garantir a liberdade. A quarta característica também se vale de
uma introjeção, a do “Mercado” (aqui lido como entidade metafísica de circu-
lação de bens de capital) na vida privada do sujeito, o pensamento sob o qual
deveríamos pautar as nossas ações, componente valioso da moralidade, onde
“a consciência é absolvida pela reificação, pela necessidade geral das coisas”,
em suma, o modo de produção capitalista enquanto autoridade da democracia
tornando-a política da indiferença (Idem, 2019:208).
Estamos portanto falando de um sujeito que reage violentamente - e
sente prazer ao fazer isso, pois julga ser livre de direito para fazer - frente a
catástrofe existencial, que exige uma “liberdade” que deixou de ser a disciplina
e passou a ser a ferramenta de destruição, uma “humanidade sem projeto senão
a vingança” (Brown, 2019:210). Estamos falando de um certo culto armamen-
tista, de uma despreocupação com os outros e com o amanhã, de uma relação
afetiva em que o amor parece muito mais ligado ao eu e ao meu semelhante
do que ao outro (meu diferente)7. Brown (2019) ainda apresenta duas facetas
importantes desse novo sujeito. A primeira diz respeito a uma mudança subs-
tancial na ideia de conduta moral, o que faz com que o sujeito alie suas ideias
e seus valores a outros indivíduos não necessariamente levando em conta os
códigos de conduta tradicionais, porém esse tradicionalismo moral serve de
escopo para embasar a ação desses sujeitos, ou seja, eu não preciso seguir as
propostas cristãs desde que eu evoque o cristianismo para justificar minha vio-
lência. Essa proposta também se alia a uma frase muito difundida nas eleições
estadunidenses copiadas pelos brasileiros da extrema-direita e simpatizantes
do antipetismo: Eu não ligo!8

7 O que nos remete à tese de Marilyn Frye (1990), que aponta que o amor masculino é homoafetivo - uma vez que
a maioria do circuito dos afetos relacionados ao “amor” se enxerga entre homens heterossexuais do que entre
um homem e uma mulher (aqui me referindo à cisgeneridade, claro).
8 Brown estava se referindo a dois episódios: o primeiro (Brown, 2019 :207) é o casaco de Melania Trumpo com
os dizeres “I really don’t care, do you?”, utilizando em uma visita a um centro de detenção de crianças imigrantes
no Texas; o segundo (Brown :218) diz respeito a uma matéria de James Hohmann sobre os sentimentos dos
eleitores de Trump, no episódio que um dos eleitores diz “Eu não ligo. Estou cansado do desrespeito que seus

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


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A segunda faceta diz respeito ao ressentimento desse sujeito ao ser inter-
pelado pelo discurso neoliberal, que introjeta nele o rancor de ter sido “deixado
para trás” pelo estado de bem-estar social, que teria se preocupado mais com as
distintas minorias – e então ocorre a inversão: de maioria (em relação às ditas
minorias sociais), o homem-cis, branco e heterossexual passa a se dizer mino-
ria política, renegado e destituído de seu lugar de poder na sociedade. Brown
nos mostra como a desnaturalização da branquitude e da heterosexualidade
atiçou o ressentimento desses sujeitos que farão de tudo para reavê-las. Neste
cenário a branquitude é uma característica crucial, pois, como salienta a autora,

Esse ressentimento, assim, é diferente daquele da lógica de


Nietzsche enraizada nas vicissitudes psíquicas da fraqueza. Embora
ligadas pela humilhação, as frustrações da fraqueza (existenciais
ou históricas) e do poder lesado são completamente distintas, o
que fica óbvio nas respostas radicalmente diferentes dadas pela
classe trabalhadora branca e pela classe trabalhadora negra aos
deslocamentos e rebaixamentos causados pelos efeitos econômicos
neoliberais. Apenas aquela é lesada por seu destronamento (Brown,
2019 :215)

Aquilo que a autora chama de neoliberalização da vida cotidiana nos


convida a pensar em um sujeito destruído e reconstruído a partir do rancor e da
raiva, que se sente humilhado e completamente deslocado do guarda-chuva do
Estado, o sujeito propício para pedir o fim do estado e a exaltação das liberdades
individuais acima da proteção dos mais vulneráveis socialmente. Ao contrário do
impulso criativo que vem do niilismo nietzschiano, como especulado no excerto
acima, esse novo niilismo só enxerga a vingança, “sem saída, sem futuridade”
(Brown, 2019 :218).
Ao transformar a vingança como filosofia de vida, a nova extrema-direita9
ataca aquilo que ela considera como “esquerda” por seus lados mais caros: o

opositores têm por ele e por mim”. Sutilmente há uma rima narrativa com fato de, entre esses dois excertos,
Brown citar a política trumpista de desmantelamento do Obamacare em 2017. Ademais, há uma nota do
tradutor na página 208 que ainda busca fazer uma alusão à situação brasileira da direita, utilizando a compara-
ção entre os neologismos “libtard” e “esquerdopata”.
9 Traduziu-se far-right como “ultra-direita”, no entanto em português brasileiro convencionou utilizarmos “extre-
ma-direita”, pois “extremo” é um termo que bem distingue-se de “radical”, uma vez que, como demosntrado até
aqui, esses sujeitos não buscam as raízes da questão que os aflige, mas buscam extremar sua posição de poder
acima de tudo e de todos (menos, talvez, do divino).

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ideal de sociedade, de igualdade e de razão10. O ataque à “justiça-social” e às
universidades (ou se preferir, à ciência) é parte do projeto de desestabilização
de uma determinada razão por outra. A razão neoliberal já em sua “forma defor-
mada” não tem respeito pela oposição e por isso é antidemocrática, entretanto
ela necessitava atingir o poder das instituições e, como a vigilância contra
golpes de estado fortaleceu-se na virada do século, ela precisou, com calma,
ir penetrando nos indivíduos e gerando neles o supracitado sentimento de “E
daí?” para que, no momento de lançar um candidato que atenda às necessida-
des dos niilistas ressentidos, a oposição perdesse potência no argumento da
escalada da extrema-direita11.
Mas voltemos à questão do indivíduo que é o foco aqui, pois, ao olharmos
para esses que disseram “E daí?” para todo esse movimento descrito por Brown
nas eleições de 2016 nos Estados Unidos, estamos olhando para o que restou
da proposta de “humano” da metafísica ocidental, com fortes influências de
Hegel, Descartes e Kant e, ao não tomar essa problemática em consideração
ao se perguntar “o que pode a esquerda” nesse cenário pré-dado de “humano”,
Wendy Brown não se pergunta que talvez a saída não seja pela “esquerda”, mas
por um outro projeto que não tenha cometido o mesmo “erro” que a “esquerda”
(institucionalizada tanto nos Estados Unidos, como no Brasil) fez...

SEGUNDA PARTE: O MONSTRO E O HUMANO

A proposta que apresento a seguir serve como uma ponte do diálogo


que pretendo desenvolver melhor posteriormente. Ela é, em suma, a crítica à
metafísica ocidental, que têm como três grandes nomes os filósofos citados no
último parágrafo, para tal, os levantamentos profundamente pertinentes de Marco
Antonio Valentim (2018) serão de suma importância e vão guiar essa transição.

10 Aqui podemos entender melhor as observações que pontuei no início do texto, a respeito de uma “esquerda”
que mescla a noção política da autora com a noção política da extrema-direita do que seja “a esquerda”, por isso
coloquei que esse espectro vai dos sociais-liberais aos comunistas.
11 A lembrar, ao contrário dos comunistas, anarquistas e simpatizantes da esquerda radical, os sujeitos de extre-
ma-direita dificilmente se auto intitulam assim.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


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O autor observa em sua obra, Extramundanidade e Sobrenatureza, que
o modo de existência que pautou a modernidade - época, poderíamos dizer,
que gestou os conceitos de “direita” e “esquerda” no Ocidente - possui uma
frágil base que sustenta séculos de humanidade, a saber, a separação binária
dos elementos que compõe o nosso mundo e o processo de racionalização
que definiu o “humano” enquanto o agente dotado de razão, de “cultura”, em
oposição aos outros seres, a “natureza”, um certo animismo, onde o humano é
o animal plus (aquele com “algo a mais”) que aprendeu a dominar a natureza.
Esta introdução sobre a crítica à história do humano nos serve para com-
preender a crítica de Valentim (2018) à categoria, pois, ao julgar que a filosofia
transcendental de valores kantianos lapidou a humanidade com o antropocen-
trismo, “caracterizado pela dessubjetivação radical dos seres não-humanos em
favor da constituição da humanidade” (Valentin, 2018 :189), a crítica enxerga a
crise com uma amplitude e perspectiva que vão além dos motivos socioeco-
nômicos do mundo moderno.
Isso não é dizer que NRN não observou tais pontos, mas que Wendy
Brown optou por uma narrativa que a deixasse confortável para se indagar sobre
os três deslocamentos que cita em seu capítulos final - “o horizonte perdido do
Estado-nação em consequência da globalização” (Brown, 2019 :223), “a destrui-
ção neoliberal do social [e] a ascensão do digital [gerando] uma sociabilidade
nova, radicalmente desterritorializada e desdemocratizada” e “a ascensão do
capital financeiro e da modalidade de valor que ele introduz no mundo” (Idem,
2019 :224) - em detrimento de uma narrativa que se insira na própria concepção
de “humanidade” para compreender a anuência dos sujeitos à razão neoliberal.
Também não se pode acusá-la de não ter feito tal reflexão por simples capricho,
uma vez que as opções de Brown repercutem com ótima análise sob o nosso
mundo, minha proposta aqui é de responder às inquietações a partir de outro
mundo, um mundo que luta contra essa “humanidade” há mais de quinhentos
anos e que existe e resiste até os dias de hoje. Mostra-se cada vez mais que
inegavelmente essas pessoas têm algo a acrescentar.
Deste modo, os levantamentos aqui servem como um exercício analítico,
a partir desse diálogo, que possa guiar a alternativa de estar no mundo. Mais do
que “fechar” uma política, abrir possibilidade especulativa para outras políticas
que não se contentam com a condição de humano do Ocidente.

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A opção por Valentim (2018) deu-se justamente pois o autor, junto tal-
vez com o antropólogo Bruce Albert, teve a maestria de traduzir a cosmovisão
ameríndia para dialogar com a posição do branco no mundo, cada um à sua
forma (Albert como um magistral ouvinte de Davi Kopenawa e Valentim como
um corajoso anti-filósofo do Ocidente), acarretando em resultados que hoje
vêm se mostrando mais que especiais para pensarmos saídas e alternativas.
Os ensaios de Valentim se utilizam principalmente da etnologia ameríndia
como contraste à filosofia Ocidental, mas antes de simplesmente colocá-las
frente a frente, levando ambas a sério, o autor se preocupa em lançar mão da
situação caótica que se encontra o nosso mundo em decorrência de nosso
descaso com os outros viventes do planeta, um trabalho muito parecido com o
de Brown (2019) no início de sua obra. Sua proposta passa por um exercício de
desaceleração do pensamento, de recuo para uma visão ampliada, retorcida,
que se permite auto-traição; apoiado na proposta conceitual do perspectivismo
ameríndio12 de Eduardo Viveiros de Castro (1996), Valentim ensaia os problemas
antropocêntricos – não só ambiental, que permeia boa parte do livro – da política
interespecífica. Estamos diante portanto de uma obra que também exalta a crise
do sujeito moderno, porém de uma perspectiva em que a “saída” é abdicar dessa
humanidade (humankind) em prol de uma humanidade (humanity) estendida
aos outros viventes, o fundo cósmico da proposição ameríndia. Retornaremos
a isso posteriormente.
O que nos é de interesse no momento é estabelecer o ponto de inversão
da crítica que será a chave para compreender a razão do exercício de pensar
todas essas obras reunidas. Uma vez que Brown (2019) reivindica para os niilistas
ressentidos (chamemo-nos assim por comodismo momentâneo) características
que têm relação com a incerteza do futuro do ser ( na reação narcísica do eu
e do supereu), ela está trabalhando tais indivíduos não apenas dentro de uma

12 O Perspectivismo Ameríndio é uma teoria etnológica formulada a partir da releitura deleuziana de Leibniz,
que comentava acima estar presente na antropologia. Eduardo Viveiros de Castro e Tânia Stolze Lima são
resposáveis pela sistematização do conceito, onde a forma indígena de reconhecer a humanidade a reconhece
mediante o compartilhamento de atributos corporalmente cognoscíveis, isto é, o humano é reconhecido
enquanto tal através de seu corpo; Essa reflexão estende, portanto, a humanidade para toda uma outra gama
de seres que se veêm como humanos e que compreendem os demais (animais, plantas, espíritos, etc) como
humanos em potencial.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


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característica de “humano” centrada obviamente na cultura judaico-cristã, mas
em uma delimitada proposta do que poderia surgir do desmantelamento desse
humano (a tal ruína neoliberal). O que nos faz pensar o porquê então do uso
de autores como Michel Foucault que, com todas suas limitações, foi capaz
de promover em seus leitores (pessoas como Judith Butler, por exemplo) uma
outra apreciação do conceito.
Não estou dizendo todavia que a morte de Deus e agora do Homem (res-
pectivamente Nietzsche e Foucault) seria facilmente aceita pela humanidade
(humankind), pois este é o caráter monstruoso do homem, a criatura que matou
o criador e a si mesma. Como exalta Brown,

Hoje, [...] o niilismo se intensifica num mundo que reflete a


humanidade como aquela que trouxe a espécie a uma miséria sem
precedentes e o planeta à beira da destruição. “O homem” não perdeu
somente valor ou um significante estável, ele é indiciado por uma
miríade de poderes gerados, mas não controlados pelos humanos,
poderes que nos diminuem, zombam de nós, repreendem-nos e
nos ameaçam, e não somente desvalorizam (Brown, 2019 :221).

Isto é, a intersecção entre o niilismo e o ressentimento, levando em conta


nossa tradição judaico-cristã, elementos como a culpa e a catequese, fizeram
dos tempos de desmantelamento da humanidade o surgir de uma humanidade
deformada que ainda se agarra em alguns preceitos basilares da condição humana
(ou condição de humano) mesmo sabendo que os fundamentos desses preceitos
não se adequam à sua materialidade (uma humanidade que, contraditoriamente
concebe a ideia de que “Deus está morto”, mas que segue acreditando em Deus,
por exemplo). É por isso que matar em nome da moral e dos bons costumes
tornou-se jargão corriqueiro mais que uma vontade realmente religiosa. Se antes
o hibridismo (para utilizar-me do vocabulário de Gabriel Tarde) era “maquiável”,
hoje ele é, como nunca, e com aval do Estado, “matável”: mata-se índio, preto,
pobre, mulher, criança, travesti… mata-se os rios, a floresta, os animais, o tempo,
o clima. Tudo em nome de Deus (do Deus-Mercado).
No meio de toda essa chacina percebe-se (e Brown percebeu isso muito
bem) que o niilista ressentido não consegue fugir de se perguntar por quê,
por quem e para quem ele matou; a frágil estrutura do indivíduo concebido no
iluminismo cegou-se com as luzes da era que construiu e paga o preço de se

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dar conta que talvez o único que sobre seja ele mesmo e seu igual, sentados à
beira do mar no aguardo do apocalipse.
No limite, sabemos que não é este o desejo desses homens. Entretanto,
ludibriar os outros viventes, forçando-os a naturalizar sua condição de servidão,
não é algo que pode ser realizado sem uma reação instantânea não mais apenas
da parte dos subjugados, mas de toda uma outra população que compreende
que os próximos poderão ser eles. Tal pensamento só surge com a consciência
da morte de Deus e com a ciência de que sua morte poderá ser da mesma forma.
Tal como nos indaga Valentim,

Suposto que o ser-aí mítico [Heidegger] pertença ao elenco


de “selvagens imaginários” da filosofia - junto aos canibais de
Montaigne, aos lobisomens de Hobbes, ao ‘bom selvagem’ de
Rousseau, ao ‘selvagem da Nova Holanda’ de Kant, entre tantas
outras personagens -, qual posição fundamental (Grundstellung)
do ser-aí históricos face aos “selvagens reais” é formada, como
mundo, pela imaginação transcendental de Heidegger? Qual é o
sentido geofilosófico, cosmopolítico, da “ideia do ser em geral”?
(Valentim, 2018. :121)

Sua grande contribuição à antropologia talvez seja expandir o universo


crítico da relação antropologia-filosofia-nativo inserindo ainda mais elementos
da filosofia e da construção filosófico-ocidental do humano que nos escritos
de Eduardo Viveiros de Castro (2017), cujo foco está na antropologia, obvia-
mente. A maneira como Valentim nos põe para refletir sobre a influência política
no político (e vice-versa) arrasta a visão mais hierarquizante de Brown para
compreender que uma outra ontologia é possível àquele que já não nasceu em
um ambiente permeado por ela.

TERCEIRA PARTE: OUTRAS HUMANIDADES

O maior problema de não levar os outros a sério13 é não enxergar toda


a vivacidade que percorre suas narrativas, creio eu, além de não devidamente

13 Essa expressão é popular em antropologia especialmente, o conheci através dos escritos de Tim Ingold (2017),
pela expressão taking others seriously, que foi traduzido como “levar os outros a sério” (Cf. Ingold, 2019).

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


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assimilar o que, à primeira vista, eles querem dizer e tal exercício deve suma-
riamente passar por compreender os lugares de cada ator.
Talvez tenhamos percebido que não levamos a sério os homens bran-
cos heterossexuais quando eles se diziam incomodados com o que estava
acontecendo com seu mundo e hoje em dia recolhemos os cacos do estrago
absurdo - os quais são citados por Brown (2018) em toda obra, em especial
o desmantelamento do estado de bem-estar social em prol de uma política
econômica (neoliberalismo) que desencadeou um desacreditar da democracia,
possibilitando a ascensão desses sujeitos ressentidos14 - que eles fizeram no
controle do capital financeiro e industrial, assim como estes não levaram a sério
as críticas ao neoliberalismo difundidas desde os anos 70 por diversos econo-
mistas15, que por sinal não levaram a sério as críticas à economia capitalista do
séc. XIX e assim subsequentemente.
Tal ironia acima nos permite um cenário em que as coisas estiveram sem-
pre subentendidas e mal interpretadas, tocávamos nossas vidas dessa maneira,
pois de tempos em tempos resolvíamos uma crise com um novo superávit, e
se tudo era sobre os echonomics, nada não era, até que a crise não produziu
mais superávit e que o avanço do capitalismo acabou resvalando no planeta
com mudanças sensíveis de temperatura e clima, temas discutidos entre a
“esquerda” desde a publicação póstuma do terceiro volume d’O Capital (Marx,
2017). Não estávamos - e seguimos não estando - preparados para movimen-
tos sem retorno16, o aceleracionismo e o progresso desenfreado saltaram aos
nossos olhos e não podemos mais negar as interferências cruciais da huma-
nidade (humankind) no planeta: estamos no que Crutzen e outros químicos e
geofísicos tiveram a infelicidade necessária de afirmar, no tempo geológico do
homem, no antropoceno.

14 Cf. mais especificamente o capítulo 2.


15 Para fins teóricos, utilizarei do pensamento de André Singer, que possui também outro livro interessante para
o levantamento do neoliberalismo e sua relação com a queda da presidente Dilma Rousseff em 2016 (Singer,
2018); Wendy Brown (2018) também elenca autores como Seyla Benhabib, Franz Böhm e Christian Joerges,
estes dois últimos tendo participado da mesma obra, The birth of Austerity: German Ordoliberalism and
Contemporany Neoliberalism (Bierbricher e Vogelmann, 2017 apud. Brown, 2018)
16 A opção pelo termo “sem retorno” faz alusão ao título do último capítulo do livro de Brown: “Nenhum futuro para
homens brancos: niilismo, fatalismo e ressentimento”.

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Como pensar então a pergunta final de Brown tendo como horizonte a
era do homem que pautará o fim do homem? Como atingir os afetos que não
pela extrema-direita e remodelar a condição de humano desses muitos que
hoje encontram no ressentimento poder para gozar dos últimos momentos de
existência da própria raça? Ironicamente não há como negar que tal saída seja
violenta, entretanto a violência a qual me refiro, para além das violências de classe
e outros grupos oprimidos, como bem salientada de Lênin a Franz Fanon, é a
violência contra si mesmo e toda sua proposta cosmológica de ser-no-mundo
que nos convidam e insistem que permanecemos como fomos concebidos. Essa
auto-violência é tema do último capítulo de Crítica da razão negra, de Achille
Mbembe (2018), uma violência transgressora que somos obrigados a realizar se
quisermos nos livrar das amarras coloniais (oriunda do pensamento de Fanon),
a violência do colonizado que nada diz respeito à violência do colonizador.
Estamos aqui falando de uma nova humanidade autoproduzida “não como
repetição, mas como diferença irresolúvel e singularidade absoluta” (Mbembe,
2018:267). Este seria, digamos, o “nosso” caminho possível, mas não encerra-se
ele por aí, uma vez que precisamos também saber o que fazer com essa fração
de mundo que nos restou e é neste momento que as primorosas palavras de
Davi Kopenawa aparecem como uma violenta examinação do estado atual de
possibilidade de sustento deste mundo. Para termos melhor ideia do peso que
uma outra humanidade tem na leitura da situação, comecemos pela proposta
de constituição de um xamã yanomami.
Kopenawa sonhava desde criança com os xapiri, espíritos da floresta,
estes que apareciam em seu sonho e o observavam. Era incomum sonhar com
coisas que não se via de dia, ao mesmo tempo que, para ele, era assustador
perceber que os xapiri estavam em seus sonhos à noite. Compreender a afini-
dade e curiosidade dos xapiri com Kopenawa não era uma tarefa fácil de ser
explicada. Por mais que o autor nos conta que via os xapiri e estes o viam no
sonho, foi apenas depois de criança que ele conta que descobriu o que estava
acontecendo a partir de uma conversa com seu sogro, Lourival, um grande xamã:

Ele [o sogro,] me escutou com atenção e depois explicou: “Você fica


falando e gritando durante o sono? E se agita como um fantasma na
noite? São os xapiri que o fazem virar outro e o assustam quando
você dorme. Não se preocupe! Eles só querem lhe mostrar sua

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


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dança de apresentação, para virem morar com você. Para isso fazem
de você espírito como eles. Quando o curaram, ainda pequeno,
há muito tempo, nossos antigos xamãs puseram em você enfeites
de espírito. Por isso os xapiri o reconhecem e vêm até você com
tanta vontade agora! Você não vira fantasma à toa!” (Kopenawa
e Albert, 2015 :134)

Não é pois minha finalidade ousar descrever todo o processo de virar


um xamã yanomami, como veremos adiante, diante de uma obra tão rica e
completa como a de Kopenawa. Minha finalidade é apenas de demonstrar que
alguns aspectos que hei de mobilizar em seguida servem como elementos para
a finalidade desse texto. Dentre eles, o excerto supracitado já exalta um dos
mais importantes: virar outro.
Dentro da cosmologia yanomami - assim como, de maneiras distintas,
dentro de outras cosmovisões ameríndias - encontramos o postulado da condi-
ção comum aos seres que aqui habitam. Todos os agentes cósmicos possuem
humanidade. Em contraste com o nosso antropocentrismo, os ameríndios
observam um antropomorfismo em que no início tudo era humano. Em seu artigo
“Perspectivismo e multinaturalismo na américa indígena”, Viveiros de Castro
(2002) me colocava pela primeira vez em contato com a atividade xamânica para
além das espetacularizações que eu acabava sabendo por outros brancos que
teciam um ou dois comentários; O autor tece - dentre muitos - um comentário
bastante elucidador a respeito do xamanismo:

O xamanismo é um modo de agir que implica um modo de conhecer,


ou antes, um certo ideal de conhecimento. Tal ideal é, sob vários
aspectos, o oposto polar da epistemologia objetivista favorecida
pela modernidade ocidental. Nesta última, a categoria do objeto
fornece o telos: conhecer é objetivar; é poder distinguir no objeto
0 que Ihe é intrínseco do que pertence ao sujeito cognoscente,
e que, como tal, foi indevida e/ou inevitavelmente projetado no
objeto. Conhecer, assim, é dessubjetivar, explicitar a parte do sujeito
presente no objeto, de modo a reduzi-la a um minimo ideal. Os
sujeitos, tanto quanto os objetos, são vistos como resultantes de
processos de objetivação: 0 sujeito se constitui ou reconhece a si
mesmo nos objetos que produz, e se conhece objetivamente quando
consegue se ver ‘de fora’, como um ‘isso’. Nosso jogo epistemológico
se chama objetivação; 0 que não foi objetivado permanece irreal
e abstrato. A forma do Outro é a coisa. O xamanismo ameríndio

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parece guiado pelo ideal inverso. Conhecer é personificar, tomar 0
ponto de vista daquilo que deve ser conhecido - daquilo, ou antes,
daquele; pois 0 conhecimento xamânico visa um ‘algo’ que é um
‘alguém’, um outro sujeito ou agente. A forma do Outro e a pessoa
(Viveiros de Castro, 2002 :358)

A característica antropomórfica do pensamento ameríndio é o que


possibilita a relação com o Outro da forma mais radical, quando o Outro te
transforma em outro, quando o Eu é um Outro, quando o Outro e Eu partilha-
mos de um substrato em comum, quebra-se a pressuposição da hierarquia da
natureza, somos lançados a um mesmo estatuto e temos o dever de prezar17
por essa condição comum.
Quando lemos que Kopenawa quer “virar espírito” lemos essa vontade de
conhecer a fundo o poder da alteridade, é o pó de yãkoana que é soprado nas
narinas de Kopenawa que o alimenta com as palavras dos xapiri, é o alimento
dos xapiri, “é a yãkoana que nos permite, guiados pelos xamãs mais experien-
tes, ver os caminhos dos espíritos e dos seres maléficos. Sem ela, seríamos
ignorantes” (Kopenawa e Albert, 2015 :137).
Quem lê a descrição de Kopenawa sobre como ele se iniciou no xamanismo
observa que é uma passagem violenta para o corpo, ela deve ser cuidadosa-
mente realizada, pois os caminhos dos xapiri são finos como teias de aranha
(Kopenawa e Albert, 2015 :138), o que inclui ficar sem comer carne, mandioca e
beber água do rio, além de isolar-se junto aos xapiri para que eles se acostumem
com o iniciante, “minha aparência era de dar pena” relata Kopenawa (2015 :139).
Esse processo de limpeza renova o corpo do iniciante para receber os xapiri:
o processo é lento e, até que o corpo esteja habitável, os xapiri se acostumem
com ele, passem a frequentá-lo, então se volta a comer, mas apenas comidas
brancas e com diversas restrições e a carne só é aconselhável após receber a
visita dos espíritos onça, suçuarana e jaguatirica, pois os xapiri detestam carne.

17 Não é minha intenção aqui reiterar nenhuma visão romântica sobre a discussão. Coloco as questões nesses
termos com o propósito único de cadenciar melhor a leitura. Uma maior aproximação da discussão etnográfica
sobre os mundos indígenas irá demonstrar uma constante disputa que ocorre a todo momento pela reafirmação
dessa condição de humanidade, a grande e principal diferença é que essa disputa se apresenta em um nível de
honestidade que jamais poderia ser alcançado pelo “livre mercado”.

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Tal passagem xamânica depende da sobrenatureza para aconte-
cer. A sobrenatureza ocorre no súbito choque de mundos, um acontecimento
sobrenatural é o que comumente se chama de quase-acontecimento, é algo que
quase-acontece ao nosso mundo e quase o transforma em quase-outro mundo
(Sztutman e Marras, 2008 :238). Observemos a passagem de Kopenawa:

É verdade que os xapiri nos apavoram. Podem nos deixar como


mortos, desabados no chão e reduzidos ao estado de fantasmas.
Mas não se deve achar que nos maltratam à toa. Querem apenas
enfraquecer nossa consciência, pois se ficássemos apenas
vivos, como a gente comum, eles não poderiam endireitar nosso
pensamento. Sem virar outro, mantendo-se vigoroso e preocupado
com o que nos cerca, seria impossível ver as coisas como os
espíritos as veem (Kopenawa e Albert, 2015. :141)

Agora, observemos essa passagem de Brown:

A supremacia do homem branco na política de valores tradicionais


contemporânea torna-se explícita, então, não somente porque o
niilismo arranca a roupagem moral daqueles valores e os torna
contratuais ou instrumentalizáveis, mas também porque essa
supremacia foi ferida sem ser destruída. Seu sujeito abomina
a democracia, que julga responsável por suas feridas, e busca
derrubá-la junto à medida que decai (Brown, 2019 :220)

Estamos tratando de dois momentos de desestabilização, entretanto no


segundo há uma revolta por aquilo que foi desestabilizado - claro, as motiva-
ções são radicalmente distintas -, uma revolta que não consegue se converter
em aprendizado, enquanto a noção clara de ser desestabilizado para adquirir
conhecimento é o motivo de ir de encontro ao processo de iniciação xamâ-
nica. Mas por quê?

QUARTA PARTE: A SOBRENATUREZA DA POLÍTICA

“Monstros à mostra” é o prefácio de Alexandre Nodari para a obra de


Marco Antonio Valentim (2018: 11-13), que remete à concepção foucaultiana de
monstruosidade, destacando a visão dos niilistas ressentidos em contraste com
o pensamento ocidental moderno. O neoliberalismo, ao demonizar o estado de

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bem-estar social, desencadeia uma caça interminável, levando o homem-cis
branco e heterossexual a caçar o outro e a si mesmo.
Vemos nos relatos de Kopenwa a Albert que os yanomami, em suas
práticas de caça, revelam nuances cruciais: A finalidade dessa caça transcende
a mera subsistência; ela pode resultar tanto em exterminação quanto em incor-
poração. Essa dualidade assume contornos fundamentais, especialmente para
os xamãs, cujo papel na administração das relações com os extra-humanos é
profundamente influenciado por essa ideologia da caça. A relação pronominal
entre caça e caçador se desdobra em camadas complexas, delineando não
apenas a busca pela sobrevivência, mas também as intricadas dinâmicas de
poder entre diferentes entidades, humanas e não humanas.
Em contrapartida, a atuação estatal nas terras indígenas, mesmo garan-
tindo direitos, busca assimilação, deslocando arranjos políticos locais. Esse
etno-eco-cídio desmantela estruturas ameríndias, gerando conflitos com
garimpeiros e agronegócio. Neste cenário, a esquerda, com sua cosmologia
antropocêntrica, contrasta com a visão indígena, evidenciando a falta de con-
sideração da parte dos “modernos”, mesmo que estes não se encaixem na
posição de niilistas ressentidos.
Parece-nos que o futuro incerto exige compreensão dos equívocos da
esquerda e uma transformação, recusando a unificação cosmológica e política,
ancorada no perspectivismo e na metafísica da predação. Nessa incerteza, o
papel tutelador do Estado desloca possibilidades de arranjo político, forçando
assimilação, como evidenciado nas terras Yanomami. O etno-eco-cídio18 se
torna uma via palpável para o desmantelamento das organizações ameríndias.
A disputa política intensiva e não extensiva, pautada no perspectivismo e
na metafísica da predação, desafia unificações cosmológicas e políticas. O futuro
incerto exige da esquerda uma transformação que compreenda os erros da

18 O racismo no contato interétnico cria uma política da morte, normalizando genocídios. As críticas de Clarice
Cohn (2014) à construção de Belo Monte e a situação dos xikrin do Bacajá ressaltam a negligência da esquerda,
enquanto o prefácio de Eduardo Viveiros de Castro (2015: 11-41) à obra de Kopenawa e Albert acusa o Partido
dos Trabalhadores de facilitar o etno-ecocídio no Brasil. Essa estupidez etnocida, ecocida e, em última análise,
suicida (Viveiros de Castro, 2015: 23) reflete a complexidade das políticas da morte implementadas ao longo dos
séculos.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


86
secularização e do caráter “salvador”, reconhecendo o respeito pelo cosmos,
uma força motivadora para a conversão e uma nova proposição política.
A ação do Estado nas terras indígenas, conforme observado por Daniel
Kuaray, exemplifica a tentativa de assimilação ao impor uma educação não
específica. No entanto, o movimento indígena, ao inserir os direitos originários
na Constituição, resgata sua própria visão de história e promove uma educa-
ção escolar indígena (Kuaray, 2020: 33). Kopenawa, ao abordar a invasão das
máquinas na floresta, destaca a falta de diálogo e preparação, resultando em
uma relação desigual e prejudicial ao modo de vida tradicional (Kopenawa e
Albert, 2015: 306). Seja em relatos que atravessaram fronteiras ou relatos que
circulam em um pequeno espaço, observamos uma constância nas críticas,
esse é o ponto19.
Os povos indígenas enfrentam desafios complexos, inclusive frente a
governos progressistas. Durante o governo petista, apesar de uma retórica
inicial cativante, a falta de interlocução efetiva com as demandas indígenas
levou à frustração. Políticas assimilacionistas foram evidentes, demonstradas
pela resistência à criação de um conselho paritário para políticas indigenistas.
Essa desconexão persistente entre Estado e comunidades indígenas reflete a
máquina de guerra que recusa unificações cosmológicas, indicando a intensi-
dade da disputa política no cenário atual.

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CLASTRES, Pierre. A Sociedade contra o Estado - Pesquisas de antropologia política.São Paulo:


Cosac e Naify, 2014.

19 A complexidade das relações políticas entre o Estado e as comunidades indígenas é evidente na frustração
do movimento indígena durante o governo petista. A falta de diálogo e a resistência à criação de um conselho
paritário para políticas indigenistas demonstram a desconexão entre o Estado e as demandas indígenas (Cf.
Lima, 2015)

ISBN 978-65-5360-512-1 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


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Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


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quer-nao-quer-sai-de-re-04024D99396AE4B96326 [acesso em 17 de julho de 2020]

‘Cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós’, diz Bolsonaro em transmissão nas redes sociais.
G1 Política, 24/01/2020. Disponível em > https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/24/cada-vez-
mais-o-indio-e-um-ser-huma no-igual-a-nos-diz-bolsonaro-em-transmissao-nas-redes-sociais.ghtml
[acesso em 17 de julho de 2020]

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05

CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA ANÁLISE


AUTOMÁTICA DO DISCURSO

Nildo Viana
Universidade Federal de Goiás (UFG)

' 10.37885/231114962
RESUMO

O presente trabalho visa realizar uma análise crítica da chamada “análise auto-
mática do discurso”, abordagem que tematiza a questão do discurso partindo
das contribuições da linguística, filosofia, sociologia, marxismo e psicanálise.
Para tanto, utilizaremos uma outra forma de análise do discurso, que é a dialé-
tica. Concluímos que a análise automática do discurso sofreu mutações com o
desenvolvimento histórico, se adequando aos paradigmas hegemônicos de cada
época, bem como apresentou análises limitadas sobre o fenômeno discursivo.

Palavras-chave: Análise Automática do Discurso, Paradigmas, Linguística,


Discurso, Marxismo.

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INTRODUÇÃO

A chamada “análise automática do discurso”, conhecida também como


“escola francesa da análise do discurso” é a mais tradicional e reconhecida das
abordagens nessa área. Para alguns, a análise de discurso se confunde com
essa concepção ou, ainda, com a obra de seu principal representante, Michel
Pêcheux. O nosso objetivo aqui é efetivar uma análise dialética do discurso de
Pêcheux e alguns de seus colaboradores. Uma análise dialética é eminente-
mente crítica e, além disso, não toma os discursos e representações pelo que
eles afirmam de si mesmos, e sim a partir das relações sociais concretas e pela
análise da mensagem contida nos escritos dos autores.

A ANÁLISE AUTOMÁTICA DO DISCURSO POR ELA MESMA

A análise automática do discurso surge em 1969, a partir da obra com


mesmo título de Michel Pêcheux. No fundo, essa concepção foi gestada nesse
período, mas é reformulada duas vezes. A primeira reformulação foi nos anos
1970 e a segunda nos anos 1980, como reconhece o próprio Pêcheux (2010a).
Tendo em vista essas reformulações, e tomando a obra de Pêcheux como refe-
rência, vamos apresentar, sinteticamente, os elementos fundamentais das três
fases da análise automática do discurso.
A primeira fase é a do seu surgimento, em 1969. Esse foi o seu primeiro
passo e expressou uma tentativa de ir além da linguística e da centralidade
da língua em oposição à fala, no sentido de entender os discursos. A partir da
antinomia entre língua e fala, instituída por Saussure (1978), Pêcheux coloca a
necessidade de pensar os discursos e, nesse contexto, reinsere a fala no pro-
cesso analítico linguístico1. Saussure ao descrever a língua como um sistema
desloca o problema da função e do funcionamento para fora da linguística.
Esse deslocamento, por sua vez, permite que outras áreas passem a realizar a

1 Aqui são necessários dois esclarecimentos. O primeiro é o entendimento do discurso como equivalente à fala.
Para alguns, essa não é a posição de Pêcheux. Contudo, no seu primeiro escrito (Pêcheux, 2010a), é basica-
mente essa a posição assumida por ele, tal como vamos desenvolver a seguir. O segundo esclarecimento é que
Pêcheux não tinha uma formação em linguística e sim em filosofia, mas ele adota a perspectiva linguística no
interior de uma concepção que poderia ser chamada multidisciplinar.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


92
reflexão sobre o que foi excluído, tal como a análise de conteúdo. Essas concep-
ções, mesmo quando realizam operações usando termos da linguística, ficam,
geralmente, num nível pré-sausseriano (Pêcheux, 2010b).
Neste contexto, Pêcheux estabelece a sua discussão sobre discurso e
produção do discurso. Segundo ele, o processo de produção de um discurso
remete ao conjunto de mecanismos formais que produzem um discurso “dado”
em “circunstâncias dadas”. A conclusão, segundo Pêcheux, é a de que o estudo
dos processos discursivos traz a necessidade de dois tipos de pesquisa, “o
estudo das variações específicas” e o “estudos das circunstâncias”.
O estudo das variações específicas (semânticas, retóricas e pragmáticas)
ligadas aos processos de produção particulares considerados sobre o “fundo
invariante” da língua (essencialmente: a sintaxe como fonte de coerções univer-
sais). [...]. O estudo da ligação entre as “circunstâncias” de um discurso – que
chamaremos daqui em diante suas condições de produção – e seu processo
de produção (Pêcheux, 2010b, p. 73).
Nesse contexto, a partir da discussão sobre o “conceito de instituição”
em Saussure, Pêcheux passa a discutir a questão das “condições de produção”
do discurso. Porém, ele desloca da concepção saussuriana para a socioló-
gica. A ideia é refutar a concepção saussuriana segundo a qual o discurso, sendo
da ordem da fala, expressa a “liberdade do locutor”, mesmo sendo proveniente
do sistema da língua. Da perspectiva de Saussure, seria assim que se analisaria
o discurso de um deputado no parlamento. O sociólogo2, por sua vez, o consi-
dera tal discurso “parte de um mecanismo em funcionamento”, pois pertence
a um “sistema de normas” que não é nem do ponto de vista individual, nem do
ponto de vista global, “universal”, pois derivaria da “estrutura de uma ideologia
política”. E, nesse sentido, corresponderia a um lugar em determinada formação
social. O discurso, por conseguinte, surge a partir de condições de produção

2 Pêcheux aqui inventa uma referência inominada fantasmática, “o sociólogo”. As referências inominadas nos
discursos são possíveis, mas devem ser evitadas. Porém, a referência inominada fantasmática é ilusória e, no
caso, a ilusão está em atribuir ao “sociólogo” uma posição que seria da sociologia, como se esta tivesse um
consenso discursivo inexistente na realidade, pois existem várias abordagens sociológicas sobre todos os
fenômenos sociais e dependem de suas bases intelectuais (método, ideologia, etc.). Pêcheux não cita nenhum
sociólogo efetivo, nenhum autor da sociologia, certamente por não o encontrar na realidade e certas afirmações
que ele atribuía a uma “suposta” sociologia é a concepção do filósofo Louis Althusser.

ISBN 978-65-5360-512-1 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


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determinadas, situado em determinadas relações de forças existentes e deve
ser remetido às relações de sentido nas quais é produzido. Um deputado liberal
faria um determinado discurso, enquanto um socialista faria outro, ou o discurso
do primeiro pode ter uma réplica do segundo, entre outras possibilidades. “Os
fenômenos linguísticos superior à frase podem efetivamente ser concebidos como
um funcionamento” (Pêcheux, 2010b, p. 78), tal como é o papel que Saussure
atribui à fala, mas que não é totalmente linguístico, pois existem as condições
de produção, que são extralinguísticas, tal como as relações de força e sentido
entre os protagonistas e o objeto de discurso.
As condições de produção do discurso possuem elementos estruturais
permanentes. Para expor esses elementos, Pêcheux mostra sua discordância
com as teorias da comunicação que colocam um emissor em relação com um
receptor e entre ambos a mensagem, entendida como transmissão de infor-
mação. Ao invés de mensagem, Pêcheux coloca o termo “discurso” e concebe
as relações de forma mais complexa e concreta. A partir das condições de
produção do discurso é possível perceber o que a sociologia descreve como “o
feixe de traços objetivos característicos”, tal como, no interior de um processo
de produção, os lugares do patrão, do operário, do contramestre, etc., cada um
com suas diferenças.
Nossa hipótese é a de que esses lugares estão representados nos pro-
cessos discursivos em que são colocados em jogo. Entretanto, seria ingênuo
supor que o lugar como feixe de traços objetivos funcional como tal no interior
do processo discursivo; ele se encontra aí representado, isto é, presente, mas
transformado; em outros termos, o que funciona nos processos discursivos é
uma série de formações imaginárias que designam o lugar que A e B se atribuem
cada um a si e ao outro, a imagem que eles se fazem de seu próprio lugar e do
lugar do outro. Se assim ocorre, existem nos mecanismos de qualquer forma-
ção social regras de projeção, que estabelecem as relações entre as situações
(objetivamente definíveis) e as posições (representações dessas situações).
Acrescentemos que é bastante provável que esta correspondência não seja
biunívoca, de modo que diferenças de situação podem corresponder a uma
mesma posição, e uma situação pode ser representada como várias posições,
e isto não ao acaso, mas segundo leis que apenas uma investigação sociológica
poderá revelar (Pêcheux, 2010b, p. 82).

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


94
Todo processo discursivo convive com essas formações imaginárias.
Existe também o “referente”, que é um “objeto imaginário”, sendo o ponto de
vista do sujeito e não uma realidade física. No processo discursivo também
existem variações de dominância, pois nem sempre aquele que é o “emissor”
domina. O elemento dominante pode ser deslocado. Nesse sentido, uma “socio-
logia do discurso”, afirma Pêcheux, teria como objeto “verificar a ligação entre
as relações de força (exteriores à situação do discurso) e as relações de sentido
que se manifestam nessa situação, colocando sistematicamente em evidência
as variações de dominância que acabamos de evocar” (Pêcheux, 2010b, p. 86).
Pêcheux retoma a concepção estruturalista ao destacar que existe uma
estrutura invariante do processo de produção e as suas variações são o sintoma,
gerando formas variadas de superfície. A ideia de superfície discursiva contri-
bui com a compreensão desse fenômeno e assim explica a existência de “dois
discursos que pertencem à mesma estrutura de produção e que não possuem
nenhum termo em comum” (Pêcheux, 2010b, p. 98). Isso promove, por sua vez,
a percepção da existência de um “efeito de dominância no interior da produção
de uma sequência discursiva dada” (Pêcheux, 2010b, p. 99).
Pêcheux desenvolve algumas reflexões complementares e trata de alguns
aspectos que deixaremos de lado e encerraremos a síntese dessa primeira fase
da análise automática do discurso a partir de um trecho de sua obra:
Dado um estado dominante das condições de produção do discurso, a
ele corresponde um processo de produção dominante que se pode colocar em
evidência pela confrontação das diferentes superfícies discursivas empíricas
provenientes desse mesmo estado dominantes: os pontos de recorte definidos
pelos efeitos metafóricos permitirão assim extrair os domínios semânticos
determinados pelo processo dominante, e as relações de dependência lógi-
co-retórica implicadas entre esses domínios, sendo que o resto do material
discursivo empiricamente encontrado fica for do limite da zona de pertinência
do processo dominante (Pêcheux, 2010b, p. 105).
Por fim, Pêcheux apresenta o dispositivo analítico dos discursos, expondo
diversas regras formais e que permitem o tratamento “automático” das “superfícies
discursivas”. Um procedimento formal, que é realizado com o uso de softwares
específicos, possibilita a análise automática.

ISBN 978-65-5360-512-1 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


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A segunda fase começa a se delinear nos inícios dos anos 1970 e se
consolida discursivamente em 1975, através de duas obras: o prefácio ao livro
anteriormente citado, A Propósito da Análise Automática do Discurso: Atualização
e Perspectivas, escrito por Michel Pêcheux e Catherine Fuchs, e o livro Semân-
tica e Discurso, de Pêcheux. O primeiro texto, mais breve, embora relativamente
longo, já que possui 90 páginas, ou seja, um volume que poderia ser um livro.
Esse texto tem a coautoria de Catherine Fuchs, uma linguista. Trataremos dos
dois textos simultaneamente, pois eles são semelhantes e as afirmações são
idênticas, sendo que o livro de Pêcheux é mais extenso e desenvolvido (e mais
ousado em sua perspectiva política).
Pêcheux e Fuchs afirmam que existiam problemas na primeira obra,
incluindo ambiguidades, que seria necessário revisar, o que não significaria um
recuo. Para realizar tal empreitada, eles apresentam o “quadro epistemológico”
da análise automática do discurso. Esse quadro epistemológico articularia
“três regiões do conhecimento científico”, que seriam o materialismo histórico,
a linguística e a teoria do discurso, que seriam atravessadas e articuladas
por uma “teoria da subjetividade” de orientação psicanalítica (que seria uma
“quarta região do conhecimento”). Os autores fazem uma longa discussão
sobre essas “regiões” e não poderemos, por uma questão de espaço, resumir
mais amplamente o amplo espectro que elas englobam. Nesse sentido, faremos
uma rápida síntese a respeito de como os adeptos da análise automática do
discurso concebem tais regiões.
A região do materialismo histórico é abordada não a partir de Marx e sim
com base em Althusser. No fundo, Pêcheux e Fuchs fazem breves observações
sobre materialismo histórico e logo deslocam a discussão para a questão da
“formação ideológica”. A ideia geral desses autores é a de que o materialismo
histórico trabalha com as formações sociais (sociedades, segundo léxico de
Marx) e, nessa, a “base econômica” determina o resto “em última instância”, tal
como já colocava Althusser3. Porém, Pêcheux faz uma delimitação: “a região do

3 A ideia da determinação da base econômica “em última instância” é defendida pela primeira vez por Engels
(1987) e é retomada por Althusser (1979) que busca “sistematizar” tal concepção. Em Marx, há uma discussão,
usando “base e superestrutura” como metáforas do “edifício social”, com mero interesse ilustrativo e que é bem
mais complexo, pois ele trata de correspondência, determinação, ação recíproca, etc. (Marx, 1983).

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


96
materialismo histórico que nos diz respeito é a da superestrutura ideológica em
sua ligação com o modo de produção que domina a formação social considerada”
(Pêcheux, Fuchs, 2010, p. 162). Assim temos um deslocamento do materialismo
histórico para a questão da ideologia. E, nessa delimitação, os autores retiram
uma ideia central que será utilizada por eles:
A modalidade particular do funcionamento da instância ideológica quanto
à reprodução das relações de produção consiste no que se convencionou cha-
mar interpelação, ou o assujeitamento do sujeito como sujeito ideológico, de tal
modo que cada um seja conduzido, sem se dar conta, e tendo a impressão de
estar exercendo sua livre vontade, a ocupar o seu lugar em uma ou outra das
duas classes sociais antagonistas do modo de produção (ou naquela categoria,
camada ou fração de classe ligada a uma delas” (Pêcheux, Fuchs, 2010, p. 162).
Esse é um elemento fundamental da nova fase da análise automática do
discurso. A ideia central da concepção de Pêcheux é a do assujeitamento do
sujeito (ou “interpelação ideológica”. A ideologia provocaria a “ilusão do sujeito”,
segundo a qual o indivíduo se considera livre produtor de suas ideias ao invés de
reconhecer que suas ideias são produtos de uma “formação ideológica”. Porém,
no interior de uma formação ideológica existem várias formações discursivas,
que derivam de condições de produção específicas. Toda formação discursiva
é produto de determinadas “condições de produção”. A “lei da interpelação
ideológica”, que é constitutiva da ideologia, sempre se realiza por intermédio de
um conjunto (complexo e determinado) de formações discursivas, que executa
um papel desigual, em cada fase da história da luta de classes, de reprodução ou
transformação das relações de produção. Isso ocorre a partir das características
“regionais” (direito, moral, religião, etc.) e de classe social. Assim, os processos
discursivos não possuem sua origem nos sujeitos, mas se realizam neles.
Outra região abordada pelos autores é a linguística. Nesse caso, não
há muita novidade em relação à primeira fase da análise automática do dis-
curso. A partir da divisão saussuriana entre língua e fala, os autores retomam a
discussão sobre função e funcionamento da língua, para acrescentar a questão do
papel da semântica na linguística. Os autores revelam que a análise automática
do discurso visa realizar uma análise linguística que é basicamente morfossin-
tática, o que remete para questões como hierarquias, encaixes, determinações,
etc. Além disso, discutem as questões de enunciado, sintaxe, entre outras,

ISBN 978-65-5360-512-1 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


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no sentido de mostrar os processos discursivos e as ilusões relacionadas (a
“ilusão empirista subjetivista” e o “formalismo”). O léxico passa a ser visto em
sua conexão e articulados com a sintaxe, bem como essa escapa do “domínio
neutro de regras puramente formais”, assumindo a forma de “organização dos
traços das referências enunciativas” (Pêcheux, Fuchs, 2010, p. 176).
Nesse contexto, os autores colocam o problema do “esquecimento”
como elemento do discurso. Eles consideram que existem dois esquecimentos,
denominados “esquecimento 1” e “esquecimento 2”. O primeiro é inacessível ao
sujeito e o segundo é consciente. O esquecimento 1 é o recalque operado no
processo discursivo e interdiscurso, no qual se articula através de relações de
contradição, submissão, usurpação, sendo inconsciente. A ideologia é incons-
ciente dela mesma. O esquecimento 2 é uma estratégia de discurso, contendo
interrogação retórica, reformulação tendenciosa, uso manipulatório, sendo cons-
ciente. O esquecimento 1 refere-se às condições de existência (não subjetiva)
da ilusão subjetiva e o esquecimento 2 às formas subjetivas de sua realização.
O discurso pode ser entendido como sequência verbal (oral ou escrita)
que geralmente é superior a uma frase, que é o discurso empírico, mas deve
ser chamado de “superfície discursiva”. Ele é que é afetado pelo esquecimento
1 e 2. A distinção entre base linguística (língua, segundo Saussure) e processo
discursivo (fala, segundo Saussure) que se desenvolve a partir dela, promove
uma compreensão que existe esse sistema homogêneo do qual emergem as
formações ideológicas e as formações discursivas.
O objetivo discursivo significa a transformação dessa superfície discursiva
em objeto teórico, promovendo a superação do esquecimento 2. O processo
discursivo é a superação do esquecimento 1 através da relação entre super-
fície discursiva e objeto discursivo através da identificação de suas condi-
ções de produção.
O corpus, ou seja, os discursos selecionados para a análise, é consti-
tuído por uma série de superfícies discursivas (dominadas por condições de
produção estáveis e homogêneas) e objetos discursivos. Essas análises serão
retomadas e mais detalhadas no livro seguinte de Pêcheux, Semântica e Dis-
curso. No fundo, há pouca novidade nesta segunda obra. O que ocorre, além de
maior detalhamento e mais desenvolvimento de alguns aspectos, é o processo
de explicitação de algumas fontes e um caráter político mais desenvolvido. Por

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


98
um lado, a filiação ao althusserianismo se torna explícita, bem como o vínculo,
derivado disso, com o chamado “marxismo-leninismo”. Nesse sentido, vamos
apenas retomar alguns aspectos que acrescentam elementos ao que já foi
colocado na obra anterior.
Depois de algumas reflexões sobre linguística e filosofia da linguagem, nas
quais apresenta uma crítica ao que denomina “realismo metafísico” e “empirismo
lógico”, consideradas como um regresso ao idealismo, e relacionar isso com a
“teoria do discurso”, Pêcheux avança para a relação fundamental, em seu pen-
samento, entre discurso e ideologia. Porém, passa a enfatizar o significado da
ideologia na luta de classes. Isso se efetiva através da introdução da expressão
“condições ideológicas da reprodução/transformação das relações de produ-
ção”. Pêcheux justifica isso dizendo que a ideologia não é a única responsável
pela reprodução ou transformação das relações de produção e nem que ignora
que, em última instância, o papel principal cabe às determinações econômicas,
de acordo com o postulado de Althusser. Tratar do processo de “reprodução/
transformação” significa reconhecer o caráter contraditório de todo modo de
produção fundado na luta de classes.
Pêcheux utiliza o termo althusseriano de “aparelhos ideológicos do Estado”
por considerar que as ideologias não são feitas de ideias e sim de práticas. Esses
aparelhos são o seu lugar e meio de realização. Todos eles contribuem para a
reprodução e transformação das relações de produção. Assim se compreende
que a instância ideológica se manifesta através de formações ideológicas que
são, simultaneamente, “regionais” e “de classe”4. Nesse contexto, há uma simi-
laridade entre ideologia e inconsciente:
contentar-nos-emos em observar que o caráter comum das estruturas-
-funcionamentos designadas, respectivamente, como ideologia e inconsciente é
o de dissimular sua própria existência no interior mesmo do seu funcionamento,
produzindo um tecido de evidências “subjetivas” devendo entender-se este

4 Pêcheux explica que, para Althusser, autor no qual se baseia, os partidos e sindicatos seriam parte dos
aparelhos ideológicos do Estado e explica que ele aborda a função de tais instituições no interior desse
complexo.

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último adjetivo não como “que afetam o sujeito”, mas “nas quais se constitui o
sujeito (Pêcheux, 1988, p. 152-153).
O sentido das palavras, expressões, proposições, sofrem as determinações
ideológicas e mudam de sentido de acordo com as posições daqueles que as
empregam. Uma formação discursiva, no interior de uma formação ideológica,
determinada pelo estágio conjuntural da luta de classes, define o que pode
e o que deve ser dito, sob variadas formas (sermão, panfleto, etc.). O pré-
-construído corresponde à interpelação ideológica, aludida anteriormente, e a
articulação produz “o sujeito em sua relação com o sentido, de modo que ela
representa, no interdiscurso, aquilo que determina a dominação da forma-su-
jeito” (Pêcheux, 1988, p. 164).
Uma novidade que aparece nessa obra é a adoção de uma posição
política mais explícita e as abundantes citações de Louis Althusser e referên-
cias ao “marxismo-leninismo”. A presença de Foucault (através de sua obra
Arqueologia do Saber) também emerge, embora bem brevemente e no âmbito
da discussão mais específica sobre o discurso. No que se refere ao “disposi-
tivo analítico” não há grandes reflexões e não se avança muito o que já havia
colocado anteriormente, ainda preso, tal como na primeira fase, ao formalismo
e uso de softwares e computadores.
Nessas obras não aparecem análises completas de discursos, mas tão
somente algumas análises de trechos e considerações genéricas. Por isso é
importante consultar obras em que essas concepções se efetivaram. A leitura
das análises de Gayot (1977) e Pêcheux e Wesselius (1977) acabam fornecendo
uma percepção mais ampla do dispositivo analítico da análise automática do
discurso. A análise de Gayot (1977) sobre os franco-mações e seus discursos
orientados para o “Grande Oriente da França” (século 18) é uma análise do
discurso efetivada por historiadores, observando o “discurso amistoso e o
discurso polêmico”. O procedimento consistiu em separação (formal) por
domínios e agrupamentos, que depois são comentados, estabelecendo que o
agrupamento 01 utiliza o “discurso amistoso” e o agrupamento 02 usa o “discurso
polêmico”. As conclusões são retiradas do procedimento de agrupar afirmações
e depois formalizá-las e, por último, analisá-las. Trata-se de uma análise formal
e que extrai trechos do discurso de seu contexto e depois os analisa a partir de
elementos externos ao discurso.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


100
Já a análise de Pêcheux e Wesselius (1977) é sobre três panfletos estu-
dantis no contexto da rebelião estudantil de Maio de 1968. Pêcheux e Wesselius
analisam um panfleto da Federação dos Estudantes Revolucionários, um do
Movimento 22 de Março e um do União dos Estudantes Comunistas. Os autores
escolhem uma palavra-chave, “luta”, e realizam a sua análise a partir dela. Após
contextualizar a situação e a origem das três organizações (uma ligada ao Par-
tido Comunista Francês, outro de orientação trotskista e o terceiro de tendência
autonomista), eles descrevem como efetivaram o processo de pesquisa, que foi
dos três conjuntos de panfletos “as frases que continham o morfema luta em
seu aspecto nominal e verbal” e “assim foram constituídos três corpus identi-
ficados respectivamente pelas siglas UEC, FER e 22M” (Pêcheux, Wesselius,
1977, p. 267). Os autores levantaram a hipótese segundo a qual “o aparecimento
da palavra luta ou lutar, no funcionamento das frases coletadas em cada um
desses três corpus, colocava em jogo mecanismos de seleção-combinação
específicos (localizáveis por comutações num contexto invariante)” (Pêcheux,
Wesselius, 1977, p. 267).
O procedimento de análise ocorreu via tratamento informático que
buscava identificar esses mecanismos de seleção-combinação separados por
domínios semânticos que permitiram identificar que cada um desses grupos
desenvolveu objetivos, palavras de ordem e uma linha específica. O discurso da
UEC apontava para o objetivo político de conquistar a verdadeira democracia e
realizar um governo popular, que abriria caminho para o socialismo; o discurso
da FER aponta para os efeitos políticos do capitalismo, já que os trabalhadores
são atingidos negativamente pelas decisões governamentais e luta contra o
governo De Gaulle, enfatizando a questão da sua organização de luta; o 22M
já aponta para objetivos políticos a longo prazo, que são os objetivos do movi-
mento operário, que é construir uma nova sociedade. Esses três discursos se
articulam em torno da questão do vínculo com o Partido Comunista Francês
(UEC), a necessidade de criação de uma organização revolucionária (FER) e luta
contra o aparato repressivo do Estado e contra a exploração capitalista (22M).
A partir do que foi visto até aqui é possível notar que não houve grandes
alterações entre a primeira e a segunda fase da análise automática do discurso.
Sem dúvida, houve alguns desenvolvimentos e uma certa radicalização política,
o que explica a principal mudança: o foco na ideologia e na luta de classes, bem

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como na renovação linguística parcial e maior peso dado para as formações
ideológicas e formações discursivas. No plano dos dispositivos analíticos não
houve grandes alterações, pois o uso da informática e o trabalho analítico formal
continuam sendo dominantes.
A terceira fase, que emerge a partir de 1980, já apresenta mudanças mais
significativas. Um dos elementos é a busca de distanciamento em relação ao
“estruturalismo filosófico” de Althusser e outros (Pêcheux et al., 2010). Outro
aspecto que aparece na autocrítica dos adeptos da análise automática do discurso
ocorre em relação a questão da paráfrase, pouco estudada e vista ingenua-
mente, e, isso, ao lado de outras razões, deve promover uma nova perspectiva
em relação a este aspecto do discurso. A ideia é efetivar o “estudo do outro no
interior do mesmo”, entender os sentidos diferentes que surgem no interior de
um conteúdo proposicional estável (Pêcheux, et al., 2010). Outros processos
apresentados apontam para uma nova compreensão da análise sintática, que
agora deve ser concebida como “interativa” e partir de uma análise minimal, e
para isso se usaria a “gramática de superfície” de R. Plante.
Estas e outras mudanças são apontadas, e todas no sentido de reconhecer
a pluralidade e heterogeneidade (Pêcheux, et al., 2010). O texto termina com
uma afirmação que mostra a mudança de orientação: “a análise do discurso
não será mais uma prótese da leitura, mas uma provocação à leitura” (Pêcheux,
et al., 2010, p. 278). Porém, os procedimentos do chamado “dispositivo analí-
tico” continuam sendo submetidos ao processo informatizado via software,
tal como é demonstrado na opção do uso do Deredec, produzido por Pierre
Plante, em 1981, tal como coloca alguns colaboradores de Pêcheux (Leconte
et al., 2010). O afastamento do pensamento de Marx e do marxismo (mais do
pseudomarxismo) é explicitado também em outras obras (Pêcheux, 1997), mas
não poderemos, por questão de espaço, desenvolver isso aqui.

CRÍTICA À ANÁLISE AUTOMÁTICA DO DISCURSO

O nosso objetivo agora é realizar uma análise do discurso da “aná-


lise automática do discurso” numa perspectiva dialética, e, por conseguinte,
crítica. A análise dialética do discurso (Viana, 2009a; Viana, 2019a) parte do
entendimento segundo o qual a compreensão de um discurso remete ao seu

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


102
contexto, além da investigação de sua mensagem presente nos textos ou falas
que o materializam. Nesse sentido, vamos analisar as três fases da análise
automática do discurso inserindo-as no contexto em que emergiram e, a partir
disso, efetivar uma análise crítica de sua mensagem, que, no caso, é sua própria
concepção de discurso e de como pesquisar tal fenômeno.
Como o que será analisado aqui não é um discurso unitário e particular,
que seria um texto, um artigo ou mesmo um livro específico, de caráter unitá-
rio. Na verdade, se trata de vários discursos, que engloba períodos históricos
diferentes, mais de um autor (embora o foco seja no autor principal, no caso,
Pêcheux), com mudanças, diferenças e especificidades, formando uma aborda-
gem. Nesse caso, a análise da mensagem será, fundamentalmente, panorâmica,
não podendo ser composicional5.
A primeira fase da análise automática do discurso emerge com o surgi-
mento da expressão e do livro homônimo de Michel Pêcheux, anteriormente
apresentado, no ano de 1969. A segunda fase emerge a partir dos anos 1970 e
ganha sua forma mais desenvolvida com o livro de Pêcheux, Semântica e Dis-
curso, de 1975. A terceira fase, por sua vez, inicia a partir dos anos 1980 com a
produção de várias obras de Pêcheux e colaboradores. Porém, esse período foi
marcado por mudanças sociais, culturais e discursivas e por isso será necessária
uma breve contextualização para cada fase.
Não será possível estabelecer detalhadamente o contexto social e
cultural da sociedade capitalista e francesa durante essas fases, mas tão
somente uma forma esquemática para que se possa ter em mente algumas
das determinações que promovem um impacto maior na análise automática do
discurso. O ano de 1969 é marcado por diversas mudanças, oriundas da crise
do regime de acumulação conjugado e transição para o regime de acumulação
integral6. A crise do regime de acumulação conjugado se inicia com o declínio

5 Esses elementos constitutivos da análise dialética do discurso estão em desenvolvimento e receberão


uma versão completa em obra sobre esse tema, que está em preparação. Porém, a título de esclarecimento,
podemos, sinteticamente, dizer que a análise panorâmica oferece uma análise mais geral do contexto e da
mensagem, ao passo que a análise composicional focaliza a composição completa de um discurso unitário em
seus aspectos formais e substanciais.
6 Para uma conceituação e análise do desenvolvimento dos regimes de acumulação, cf. Viana (2009b; 2015;
2019b) e o conjunto de textos na coletânea organizada por Almeida (2020).

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da taxa de lucro e ascensão e radicalização dos movimentos sociais e reapa-
recimento do movimento operário na cena política. Uma cultura contestadora
vai se formando a partir da segunda metade dos anos 1960, bem como a ação
coletiva se torna mais presente. Esse processo culmina nas lutas estudantis e
operárias radicalizadas do final dos anos 1960, com destaque para os casos
alemão, italiano e francês. O momento mais radical foi o Maio de 1968 francês,
no qual o movimento estudantil gerou uma radicalização e apresentou um pro-
jeto de transformação social e uma crítica geral da sociedade capitalista, que
foi sucedida por um forte movimento grevista que contou com a participação
de mais de 10 milhões de operários.
Esse processo rompe com a estabilidade política e econômica existente
anteriormente e tem um forte impacto cultural. Antes do Maio de 1968, o que
predominava no pensamento científico e filosófico era o paradigma reprodutivista,
bem como as ideologias vinculadas a ele, especialmente o estruturalismo e o
funcionalismo. O estruturalismo, hegemônico na linguística, ganha, a partir da
obra de Lévi-Strauss, a hegemonia na antropologia e passa a dominar também
o pensamento filosófico, comunicacional, entre diversos outros. Na França, de
1950 até o final de 1960 o estruturalismo reina absoluto (Viana, 2019b). Porém, a
rebelião estudantil marcou um momento de crise do paradigma reprodutivista e
ideologias vinculadas, especialmente, no caso francês, do estruturalismo. O início
da rebelião estudantil foi marcado por uma percepção do “fim do estruturalismo”
(Dosse, 2007; Viana, 2019b). A partir do ano seguinte, muitos começam a romper
ou se afastar do paradigma hegemônico e do estruturalismo. Nesse contexto
emerge o chamado “pós-estruturalismo” e outras concepções que rompem
com a ideia de imutabilidade e “estruturas universais” – incluindo a ideia de
“integração da classe operária no capitalismo” – e se fortalece novas concep-
ções políticas, ideológicas e no âmbito mais específico das ciências humanas
e filosofia, bem como a emergência de um pensamento crítico bastante forte
(marxismo autogestionário, autonomismo, etc.). Um novo paradigma começa a
surgir e se desenvolver, o subjetivista. A maioria dos estruturalistas se tornam
“pós-estruturalistas”, mas alguns ainda persistem na defesa de uma concepção
estruturalista, só que revisada e com “autocríticas”, o que podemos denominar
neoestruturalismo.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


104
É nesse contexto que surge a análise automática do discurso. A obra com
esse título, lançada por Michel Pêcheux, resumida anteriormente, se mantém,
no entanto, num âmbito estritamente estruturalista. A razão disso ainda preci-
saria ser pesquisada, o que remeteria para a biografia de Pêcheux e a situação
existente nas áreas de atuação que ele trabalhava (ele ficava na fronteira da
filosofia com a linguística). Porém, dentre todas as concepções, uma das que
mais resistiu às mudanças foi a linguística. Talvez isso explique a manutenção de
um caráter estruturalista e sem revisões da primeira versão da análise automá-
tica do discurso, bem como o seu afastamento das pressões sociais e políticas
contra o estruturalismo, num momento em que essa concepção e o pensamento
de Louis Althusser começam a receber uma verdadeira avalanche de críticas.
Após essa contextualização, podemos passar para a reflexão sobre o
discurso em questão. A obra inaugural de Pêcheux expressa um objetivo: criar
uma nova ciência (ou “disciplina”, como dizem os seus colaboradores), a ciência
do discurso. Esse objetivo ambicioso emerge num domínio que é próximo da
linguística e, por conseguinte, tinha que se legitimar nessa subesfera social e
garantir seu espaço próprio. Para efetivar esse projeto, Pêcheux, se inspirando
em Saussure (e querendo abarcar aquilo que ele abandonou ao limitar o objeto
de estudo da linguística à língua, entendida como “sistema semiológico”), busca
apresentar o seu “objeto de estudo” (o discurso) e um “método” (no fundo,
algumas reflexões e “instrumentos”, técnicas de pesquisa). Porém, Pêcheux não
consegue realizar um desenvolvimento satisfatório e seu projeto fica bastante
limitado. A sua reflexão sobre discurso fica muito aquém do que se esperava e
não surge, efetivamente, uma “teoria do discurso”. Ele lança mão de diversas
contribuições visando legitimar e garantir a cientificidade da sua proposta, donde
surgem as fórmulas quase-matemáticas e a proposta de uso de softwares para
analisar os discursos.
Nesse sentido, a análise automática do discurso nasce estruturalista. Sem
dúvida, alguns podem questionar essa afirmação com base em Henry (2010), por
exemplo. Para este autor, “Pêcheux, não mais que Lacan, Foucault ou Althus-
ser, não pode ser considerado um ‘estruturalista’” (Henry, 2010, p. 26). O que
os três primeiros textos que aparecem na obra Por uma Análise Automática do
Discurso, que antecedem o texto de Pêcheux de 1969, buscam fazer é exercer
um controle da interpretação. A análise automática do discurso visa reinterpretar

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seu passado e retirar dele os elementos mais problemáticos. Não é sem motivo
que o texto de Pêcheux é republicado com três textos antecedendo-o e direcio-
nando a sua interpretação, bem como textos posteriores com as reformulações
posteriores (a de 1975, expressa no outro texto de Pêcheux, e os três textos sobre
a posição nos anos 1980). No fundo, o que está em jogo, nos textos que visam
controlar a interpretação da história da análise automática do discurso e, mais
especificamente, o texto inaugural de Pêcheux, é a competição no interior da
esfera científica e a busca por “lucro simbólico”, para usar expressão de Pierre
Bourdieu (1996)7.
O objetivo dos textos que antecedem a obra inaugural de Pêcheux (Henry,
2010; Gadet et al., 2010) é controlar a interpretação visando fornecer uma certa
coerência na análise automática do discurso, bem como afastar os elementos
mais questionáveis e problemáticos (o que se percebe na tentativa de justificar a
diferença entre os textos assinados por pseudônimo escritos por Pêcheux antes
de lançar essa obra e o vínculo com o estruturalismo) e aproximar o discurso
de 1969 com o atual. Essa é a razão para o texto inaugural de Pêcheux aparecer
como um recheio de sanduíche, cercado por textos colocados antes e depois dele.
O caráter estruturalista do texto de Pêcheux é perceptível não apenas
pelas referências (Saussure, Harris, Lévi-Strauss, etc.), mas também pela pró-
pria análise efetivada. A respeito das referências, Henry (2010), ao comentar e
tentar controlar a interpretação da obra, deixa de lado algumas e cita outras,
supostamente não-estruturalistas (e tentando convencer o leitor disso). Nessa
interpretação, Lacan, Foucault e Althusser não seriam estruturalistas, apesar
de uma extensa bibliografia que afirma justamente o contrário. Porém, o pró-
prio Pêcheux, em seu balanço da história da análise automática do discurso
contradiz essa interpretação, afirmando que a sua primeira época era marcada
pela “exploração metodológica da noção de maquinaria discursivo-estrutural” e
admite que a concepção dessa fase aponta para uma ideia de “sujeito-estrutura”

7 A obra de Bourdieu (1996) contribui com a compreensão do contexto mais concreto da produção intelectu-
al (a partir de sua concepção de “campo”), embora faça generalizações e afirmações problemáticas, mas
traz elementos interessantes para se pensar a competição na esfera científica e suas subesferas, bem como
em outras áreas. A sua análise do discurso contribui nesse aspecto específico, embora deixe de lado outros
aspectos, o que mostra o seu limite. O nosso próximo projeto é uma apresentação crítica da análise do discurso
tal como realizada por Bourdieu, na qual desenvolveremos estas questões.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


106
que “determina os sujeitos como produtores de seus discursos” e afirma, expli-
citamente, que trata-se de uma tomada de posição “estruturalista” (mesmo com
aspas, a afirmação é reveladora).
A segunda fase da análise automática do discurso ocorre com o desloca-
mento cultural no interior do estruturalismo. Althusser, a partir das críticas que
vai receber, vai alterar sua concepção estruturalista visando responder aos seus
críticos e reformular alguns aspectos no sentido de se adequar à demanda de
um pensamento crítico pós-1968. O contexto social é marcado pela continuidade
da crise do regime de acumulação conjugado (Viana, 2009b; Viana, 2019b),
reforçada pela crise do petróleo, revolução portuguesa, entre outros aconteci-
mentos, e fortalecimento do pensamento crítico. Nesse contexto, o estruturalismo
althusseriano realiza uma alteração e passa das “leituras de O Capital” para os
“aparelhos ideológicos do Estado”, retomada do pensamento de Lênin e da
importância da “luta de classes”. Nesse contexto, como reconhece Pêcheux, se
passa de uma concepção centrada na “maquinaria discursivo-estrutural” para
uma análise das “relações (de força) entre as máquinas discursivas estruturais”.
Nesse momento, Foucault e Lacan são retomados. A noção foucaultiana
de formação discursiva traz a relação com outras formações discursivas, sendo
que uma é “invadida” por outra, e ganha espaço maior a ideia de pré-construído
e discursos transversos. A noção de interdiscurso mantém o fechamento da
maquinaria, mas agora é concebido como resultado paradoxal da irrupção de
algo externo. A ênfase na contribuição dos textos de Althusser (os textos pós-1970
com sua autocrítica) e o apelo ao “marxismo-leninismo” e repetição da questão
da “luta de classes” em seu livro Semântica e Discurso, mostram essa tentativa
de reformulação da concepção anterior, se inserindo numa concepção neoes-
truturalista. No que se refere aos procedimentos, o próprio Pêcheux reconhece
que a análise automática do discurso, em sua segunda fase, “manifesta poucas
inovações” em relação ao que estava exposto na primeira fase (Pêcheux, 2010a).
A mutação de Pêcheux é promovida pelo novo contexto social e cul-
tural. A crise do estruturalismo forçou este a desenvolver maior criticidade e
retomar a ideia de luta de classes, sendo um período que repercutiu a crítica da
ciência e dos seus vínculos com o poder, especialmente o estruturalismo e todas
as concepções que seguiam os preceitos de neutralidade científica e recusa
da história e das transformações sociais. Basta o exemplo das formulações

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influenciadas pelo marxismo na antropologia, marcadas pela crítica do pensa-
mento antropológico e seu vínculo com o colonialismo (Copans, 1974; Leclerc,
1973) – que havia sido denunciado pelos estudantes parisienses em seus car-
tazes produzidos no Maio de 1968 –, elemento que se reproduziu em diversas
ciências, para se perceber o clima geral da época.
Porém, o contexto muda novamente a partir de 1980. Um novo regime de
acumulação emerge, o integral (Viana, 2009b; Almeida, 2020; Viana, 2019b) e essa
nova fase do capitalismo traz não somente o neoliberalismo e um conjunto de
mudanças sociais (tal como a reestruturação produtiva), como também um novo
paradigma e novas ideologias. O paradigma subjetivista se torna hegemônico
e junto com ele a crítica da ideia de totalidade, bem como o foco no “sujeito” e
na “subjetividade” e ideologias como o pós-estruturalismo, multiculturalismo,
neoliberalismo, neopragmatismo, emergem e se tornam hegemônicas.
Não é mera coincidência que a partir desse momento surge uma nova
fase da análise automática do discurso. A concepção estruturalista da imposi-
ção de discursos por estruturas invariáveis e a neoestruturalista das formações
discursivas em luta é substituída pela ideia de heterogeneidade e de sujeitos
múltiplos. O sujeito determinado da primeira fase e o sujeito determinado e
perpassado por lutas da segunda fase é substituído pelo sujeito plural. Segundo
o próprio Pêcheux (2010a), a terceira fase da análise automática do discurso é
marcada pela “desconstrução das maquinárias discursivas” e o próprio termo
utilizado já mostra a filiação ideológica (pós-estruturalismo). A nova fase é mar-
cada pela tentativa de indicar algumas direções no trabalho de interrogação,
negação e “desconstrução” das noções anteriores e mostrar “fragmentos” de
“construções novas”. O discurso agora passa a enfatizar o “subjetivo”: a ideia
de construção (e, mais ainda, a de “desconstrução”, cuja fonte é o pós-estrutu-
ralista Jacques Derrida), pontos de vista, lugares enunciativos, “heterogeneidade
enunciativa”, discurso-outro, o outro, sujeito, etc. esses elementos são suficientes
para entender a adequação ao novo paradigma hegemônico, o subjetivista.
Porém, a análise até aqui foi marcada pela contextualização. Esse é um
momento fundamental da análise dialética do discurso (Viana, 2009a). O segundo
momento também é fundamental e necessário para que não apenas se perceba
o vínculo social e cultural de um discurso, mas também a mensagem que ele
repassa. Já identificamos elementos gerais do discurso da análise automática

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


108
do discurso, como a sua passagem de uma concepção estruturalista para uma
neoestruturalista até chegar a sua última versão, pós-estruturalista. Porém, é
preciso avançar nesse processo e romper com a autointerpretação ideológica
da análise automática do discurso.
O primeiro ponto é a primeira fase da análise automática do discurso. A pro-
posta, seguindo a ideia original de Harris, era analisar o discurso. Porém, a
abordagem estruturalista comprometeu o objetivo. No fundo, se manteve a
antinomia saussuriana entre língua e fala e tomou este último aspecto como o
seu domínio temático. O problema reside em aceitar a concepção antinômica
de Saussure, bem como sua definição de língua (Viana, 2009a). A língua não
está fora da sociedade e da história, pois ela é um produto histórico e social.
Sem dúvida, sua durabilidade e seus aspectos formais são mais cristalizados,
mas nem por isso são algo inato ou uma “estrutura universal”. A ideia de “fala”
como o lugar do concreto, do individual, por sua vez, é outro ponto problemático.
Assim, a filiação estruturalista de Pêcheux coloca a primeira fase da análise
automática do discurso como extremamente limitada.
Outros problemas podem ser encontrados, como, por exemplo, a ausência
de referências, mas, principalmente, a ausência de clareza e objetividade. A inde-
finição do termo “discurso”, que nunca recebe um tratamento direto, é um dos
principais problemas e permite, assim, diversas interpretações. E aqui se encon-
tra uma das características do discurso de Pêcheux: trata-se de um discurso
empolado. As indefinições conceituais, a ausência de clareza e objetividade, as
lacunas e ausências, a omissão de referências e esclarecimentos, entre outros
processos, é uma das suas características.
E isso se repete em todas as suas fases. As longas conclusões de Pêcheux
são uma consequência formal do seu discurso. As 34 páginas de conclusão do
seu livro Semântica e Discurso (Pêcheux, 1988) ou as 14 páginas de sua conclu-
são no texto de apresentação da nova edição da sua primeira obra (Pêcheux,
Fuchs, 2010), mostram a necessidade de esclarecer o que não foi esclarecido
na obra (e o pior é que continua, apesar dessas longas conclusões, sem os
esclarecimentos necessários). A prolixidade e repetição são elementos que
complementam esse quadro discursivo.
A segunda fase da análise automática do discurso revela uma politização
e radicalização da concepção de Pêcheux e seus colaboradores, de acordo

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com a tendência do momento. E, para se legitimar, esse autor lança mão do
materialismo histórico, da linguística, a “teoria do discurso”, que seriam, por fim,
“atravessadas e articuladas” por uma “teoria da subjetividade”, de orientação
psicanalítica (Pêcheux; Fuchs, 2010). Nesse contexto, bem como em sua outra
obra (Pêcheux, 1988), Pêcheux usa o que podemos denominar “mecanismo
da interpretação substitutiva”. Segundo Pêcheux e seus colaboradores, uma
das bases de sua concepção é o marxismo através do materialismo histórico.
Ora, no texto escrito com Fuchs, Marx nem sequer aparece na bibliografia e
no livro solo aparecem três obras, mas que, no conjunto da obra, pouco são
citadas8. Marx, no fundo, é substituído por Althusser. Essa substituição permite,
por sua vez, a substituição do materialismo histórico pela ideologia althusse-
riana. As duas páginas que aparecem, no primeiro texto, sobre “formação social”,
são superficiais e o exemplo da sociedade feudal mostra o pouco entendimento
da análise marxista.
Na obra Semântica e Discurso, a substituição de Marx por Althusser
promove a substituição do materialismo histórico pela ideologia althusse-
riana. Althusser também usa o mecanismo de interpretação substitutiva. Esse
mecanismo discursivo se caracteriza por interpretar um texto de tal forma que
apresenta algo que o substitui, ocupando o seu lugar, mas afirmando ser uma
ideia do discurso/autor substituído. Dependendo de quem usa a interpretação
substitutiva, ela pode parecer convincente, ou, então, se o leitor não conhece a
obra original, também poderá ser facilmente convencido. A ideia de materialismo
histórico de Althusser, reproduzido por Pêcheux, consiste em usar a teoria da
história elaborada por Marx (e materialismo histórico quer dizer exatamente
isso, uma teoria da evolução das sociedades humanas, tal como ocorre efetiva-
mente na história) para substituir sua teoria do capitalismo. O truque consiste
em pegar uma teoria mais geral (da história) e seus conceitos mais abstratos
(modo de produção, relações de produção, forças produtivas, “superestrutura”,

8 Outro autor muito citado pelos colaboradores de Pêcheux que pouco aparece é Foucault. No texto com
coautoria de Fuchs ele não aparece na bibliografia e em Semântica e Discurso aparece brevemente com a obra
Arqueologia do Saber. Porém, o nome de Foucault e o sucesso de sua obra torna importante a referência ao seu
nome, podendo gerar vantagens simbólicas, como já dizia Bourdieu (1996).

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


110
etc.) e usá-los para explicar um fenômeno mais concreto (o capitalismo) e assim
omitir os conceitos fundamentais relativos a esse último caso.
Isso é perceptível na discussão sobre “formação social”, “formação
ideológica” e “relações de produção”, em Pêcheux. Nunca a concreticidade
da sociedade capitalista aparece. Em Semântica e Discurso, no qual há uma
politização maior, aparece, de acordo com a revisão althusseriana, “luta de
classes” e termos mais concretos, mas subordinados aos termos mais gerais
do materialismo histórico. Nesse sentido, ocorre a abstratificação dos conceitos
marxistas. Uma suposta “formação ideológica” ganha primazia. Aliás, o próprio
discurso de Pêcheux e Fuchs afirma isso: “colocaremos inicialmente que a
região do materialismo histórico que nos diz respeito é a da superestrutura
ideológica em sua ligação com o modo de produção que domina a formação
social considerada” (Pêcheux, Fuchs, 2010, p. 162). Assim, não contentes em
substituir a teoria do capitalismo (uma manifestação concreta de uma sociedade
que é analisada a partir dos pressupostos do materialismo histórico) por uma
versão deformada do materialismo histórico, ainda dividem essa concepção
desvirtuada e isolam um de seus aspectos, a “superestrutura ideológica”, na
qual citam a relação com o modo de produção e formação social, que nunca
é trabalhada concretamente, e a elegem um aspecto dizendo que isso é o que
diz respeito à sua análise do discurso.
Com esse mecanismo discursivo torna-se possível ser “crítico”, “marxista”,
e nunca proferir a palavra “capitalismo”, ou fazê-lo raramente, bem como evitar
discutir questões como mais-valor, acumulação de capital, lucro, mercantilização,
burocratização, competição, entre diversos outros aspectos do capitalismo, e
ficar presos em abstratificações como “formação social”, “formação ideológica”
e “formações discursivas”. Da mesma forma, a evolução e mutação do capita-
lismo desaparecem do horizonte interpretativo da realidade contemporânea e
dos discursos vinculados. Outra consequência é que a discussão althusseriana
sobre “aparelhos ideológicos do Estado”, considerada fundamental e modelo a
ser seguido, desloca a análise marxista do Estado como totalidade (e com isso
desaparece a percepção de algumas de suas políticas para além do “ideoló-
gico”, como as suas políticas econômicas). O conceito marxista de ideologia é
substituído pelo construto althusseriano e os exemplos poderiam se multiplicar
facilmente. E a teoria da consciência é substituída por um “assujeitamento do

ISBN 978-65-5360-512-1 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


111
sujeito” (seja o submetido às estruturas, seja o envolvido na luta de classes e
até mesmo o sujeito múltiplo), ou então pela “formação ideológica” ou, ainda,
“formações discursivas”, bem como as classes sociais concretas, os indivíduos
concretos, são substituídos por uma abstratificação chamada “sujeito” (deter-
minado, interacional ou múltiplo).
Outros elementos poderiam ser colocados9, mas, por questão de espaço,
nos limitaremos a esses e a uma breve observação sobre a terceira fase da
análise automática do discurso. Pêcheux e seus colaboradores, e até mesmo
“concorrentes”, aderem ao novo paradigma hegemônico, o subjetivismo, geral-
mente através da ideologia pôs-estruturalista. No caso de alguns adeptos, a
reinterpretação das obras passadas ou a fusão das duas fases são as soluções
apresentadas. Porém, o discurso novo, agora com aval das ideologias inspira-
doras, reproduz as indefinições, falta de clareza e outros processos discursivos,
realizando uma verdadeira bricolagem. Ao lado disso, emerge a ênfase na plu-
ralidade, heterogeneidade e nos “sujeitos” (agora no plural também). No fundo,
trata-se de um discurso superficial e eclético, que não aponta para nenhum
avanço no sentido da compreensão da realidade ou dos discursos.
Por fim, uma última crítica, que vale para todas as fases da análise auto-
mática do discurso, que é o seu “dispositivo analítico”. Desde a primeira fase, a
ideia de usar softwares para analisar os discursos revela a incapacidade efetiva
de fazer o que promete. O procedimento é o de quantificar, formalizar e agrupar
aspectos do discurso, sob a falsa aparência de “objetividade” (garantida pelo
modelo e pelo software), e interpretá-los. O problema é que as informações
(trechos de discursos, agrupamentos, etc.) assim conseguidos podem ser inter-
pretados facilmente a partir da concepção ideológica dos “analistas automáticos
do discurso”. Não se analisa os discursos unitários em sua integralidade, mas
aspectos retirados e inseridos numa determinada interpretação.
Os exemplos trabalhados anteriormente mostram bem isso. A análise
de Gayot não ultrapassa o formalismo e não oferece uma real compreensão
do discurso dos franco-mações (maçonaria). Porém, o caso da análise de

9 Por exemplo, a psicanálise inspiradora de Pêcheux não é a freudiana e sim a lacaniana, e aqui funciona
novamente o mecanismo de interpretação substitutiva, que agora é a de Lacan sobre Freud.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


112
Pêcheux e Wesselius é exemplar da superficialidade analítica. O “dispositivo
analítico”, uma vez utilizado, permitiu aos autores concluírem que o discurso
da UEC remete para a necessidade de vínculo com o PCF, o discurso da FER
para a necessidade de criação de um partido revolucionário e o discurso do
22M para a autonomia operária. Oras, qualquer um que conheça o leninismo,
o trotskismo e o autonomismo sabe dessas posições políticas, que, obvia-
mente, são reproduzidas pelos grupos políticos que estão vinculados a elas.
Não é preciso fazer análise do discurso para saber que um grupo leninista vai
defender o papel de vanguarda do seu partido, que um grupo trotskista, que
sempre retoma o discurso da “crise da direção revolucionária” vai defender a
formação de uma organização revolucionária e que autonomistas defenderão a
autonomia operária. O “dispositivo analítico” da análise automática do discurso
serviu tão somente para se chegar a obviedades que qualquer militante que
conheça tais organizações já saberia de antemão. Se a análise dos panfletos
dessas organizações pudesse trazer alguma novidade, seria nos argumentos,
justificativas, proposições conjunturais e não nesse nível que remete para as
bases ideológicas e políticas delas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A síntese de nossa discussão da abordagem da análise automática do


discurso é que ela não conseguiu realizar o que prometeu. O balanço geral
foi bastante negativo e sua contribuição é bastante limitada. A sua relação
com a linguística foi meramente formal e insuficiente para contribuir com a
compreensão dos discursos (embora houvesse um potencial aí), e pouco se
aprofundou na questão da semântica e da sintaxe, além de reflexões mais
gerais sobre linguagem, o que Pêcheux (1988) ensaiou, mas não conseguiu
avançar. No plano de análise social, o apelo ao marxismo foi um fiasco, pois o
substituiu pelo pseudomarxismo althusseriano e, em sua última fase, abando-
nou qualquer fundamentação mais sólida no âmbito de uma compreensão da
sociedade moderna. No que se refere à psicanálise, ao invés de retomar Freud
e os seus mais interessantes herdeiros (como Fromm, por exemplo), acabou se
limitando às abstratificações e confusionismo lacanianos. No plano do chamado
“dispositivo analítico” não trouxe nenhuma contribuição efetiva. Nesse sentido,

ISBN 978-65-5360-512-1 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


113
torna-se fundamental superar a análise automática do discurso se quisermos,
efetivamente, entender e analisar os discursos.

REFERÊNCIAS
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Pêcheux. 4ª edição, Campinas: Editora da Unicamp, 2010.

PÊCHEUX, Michel. Análise Automática do Discurso (AAD-69). In: GADET, Francoise; HAK, Tony (orgs.).
Por uma Análise Automática do Discurso. Uma Introdução à Obra de Michel Pêcheux. 4ª edição,
Campinas: Editora da Unicamp, 2010.

PÊCHEUX, Michel. Análise do Discurso: Três Épocas (1983). GADET, Francoise; HAK, Tony (orgs.).
Por uma Análise Automática do Discurso. Uma Introdução à Obra de Michel Pêcheux. 4ª edição,
Campinas: Editora da Unicamp, 2010.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


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2ª edição, Rio de Janeiro: Rizoma, 2015.

VIANA, Nildo. Hegemonia Burguesa e Renovações Hegemônicas. Curitiba: CRV, 2019b.

VIANA, Nildo. Linguagem, Discurso e Poder – Ensaios sobre Linguagem e Sociedade. Pará de Minas:
Virtualbooks, 2009a.

VIANA, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo: Idéias e Letras, 2009b.

VIANA, Nildo. Políticas de Saúde no Brasil e Discurso Legislativo. Uma Análise Dialética do Discurso.
Rio de Janeiro: Saramago, 2019a.

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115
06

CRITICAL SOCIAL MEDIA AND INTERNET


STUDIES: A REVIEW OF THE STATE-OF-
THE-ART RESEARCH

Luiz Valério de Paula Trindade


International Panel on the Information Environment (IPIE) - Switzerland

' 10.37885/231115061
ABSTRACT

Given the exponential growth rate experienced by social media platforms within
the past two decades and their numerous adverse societal impacts (e.g., surge
in hate speech, racism, cyberbullying, religious intolerance, among others),
the discipline of critical social media and internet studies has also become an
important field of study. Within that, while many studies have been published
in the past two decades, a few of them have reached a high level of impact
and influence. Thus, the present study aims at developing a review of the
state-of-the-art scholarly papers in this discipline with the goal to provide not
only a synthesis of them but also to contribute to the expansion of this field of
investigation. To this end, the present study reviews a selection of nine papers
published in the timeframe 2011-2021, available on Semantic Scholar database,
that have recached high levels of impact measured by the number of citations,
ranging from 201 to 2,239.

Keywords: Critical Social Media and Internet Studies, Literature Review, State-
of-the-art Studies, Research Impact.

ISBN 978-65-5360-512-1 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


117
INTRODUCTION

This essay is dedicated to reviewing a selection of nine state-of-the-art


scholarly papers addressing the discipline of critical social media and internet
studies published in the timeframe 2011-2021 in international journals. All of
them have reached high impact, measured by the number of citations, ranging
from 201 to 2,239 by the time they were selected (i.e., October 2023). Given their
high level of impact, it is natural to consider that they have become influential
references for several subsequent studies.
The review starts with an overview of the selected articles, followed
by a critical appraisal of each paper, where the main goal is to highlight their
respective objectives and key findings. The review concludes with an analysis
of what aspects weave the nine papers together and brings the most relevant
converging aspects among them to the surface.
Ultimately, this review is also important because it provides a necessary
synthesis and analysis of the state-of-the-art research, showcasing how they
collectively contribute to advancing the understanding of critical social media
and internet studies. Furthermore, it also reveals some of the adverse societal
impacts emerged with the increasing popularization of social media platforms.

REVIEW OF THE SELECTED STUDIES

Regarding the concept of state-of-the-art research in social science, diffe-


rent authors explain that it comprises studies that demonstrate at least four key
features: 1) innovation, 2) academic rigour, 3) relevance, and 4) impact. Within
that, innovation means the study displays new ideas, concepts, or methods
that significantly advance the field’s knowledge and understanding. Academic
rigour is represented by adopting a solid and well-thought-out research design,
methodology, and analysis. Furthermore, they are also relevant, demonstrated
by acute research questions or hypotheses that contribute to the discipline’s
current and future research agenda. Finally, state-of-the-art research brings
substantial impacts both in academia and beyond, and it can establish trends
and indicate ways forward (BOLTON; PARASURAMAN; HOEFNAGELS; MIG-
CHELS et al., 2013; CRESWELL, 2013; HESSE-BIBER, 2016).

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


118
Thus, based on these four core concepts, a group of nine studies has
been gathered, as shown in Table 1. They were harvested on Semantic Scholar
database1 in October 2023 with the support of the keywords ‘critical social media’
and ‘internet studies’. Among the selection criteria adopted to their identification,
some of the most important comprise their level of impact measured by the high
number of citations as displayed on Google Scholar in October 2023, relevance
and academic rigour, which are implied by their publication in international
peer-reviewed journals of high impact factors (as measured by H-Index provided
by SJR - SCImago Journal & Country Rank in October 2023).

Table 1. Selection of state-of-the-art papers.


Number of
# Year Authors Title Journal H-Index
Citations
The effect of social
network sites on
Journal of the
adolescents’ social
American Society for
1 2011 Ahn, J. and academic n.a. 777
Information Science
development:
and Technology
Current theories
and controversies
Race and racism in
New Media
2 2012 Daniels, J. Internet Studies: a 136 512
& Society
review and critique
You Don’t
Understand,
This is a New Mass
Erjavec, K.;
3 2012 War!” Analysis of Communication 50 335
Kovačič, M.P.
Hate Speech in and Society
News Web Sites’
Comments
A Review of
Wilson, R.E.; Perspectives on
Facebook
4 2012 Gosling, S.; Psychological 168 1,999
Research in the
Graham, L.T. Science
Social Sciences
Bolton, R.N.;
Parasuraman, Understanding
A.; Hoefnagels, Generation Y and
Journal of Service
5 2013 A.; Migchels, N.; their use of social 77 2,239
Management
Kabadayi, S.; media: a review and
Gruber, T.; Loureiro, research agenda
Y.K.; Solnet, D.

1 According to the information provided on the website, Semantic Scholar is defined as an open access research
database with over 215 million papers from all fields of science (Available from: https://www.semanticscholar.
org/).

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119
Number of
# Year Authors Title Journal H-Index
Citations
Caers, R.; De Feyter,
T.; De Couck, M.; Facebook: A New Media
6 2013 136 358
Stough, T.; Vigna, literature review & Society
C.; Du Bois, C.
Online networks
Bliuc, A.-M.;
of racial hate: A
Faulkner, N.; Computers in
7 2018 systematic review of 226 201
Jakubowicz, A.; Human Behavior
10 years of research
Mcgarty, C.
on cyber-racism
Hate speech
Chetty, N.; review in the Aggression and
8 2018 121 284
Alathur, S. context of online Violent Behavior
social networks
Racism, Hate
Matamoros-
Speech, and Social Television &
9 2021 Fernandez, A.; 43 245
Media: A Systematic New Media
Farkas, J.
Review and Critique
Source: the author.

That being said, the critical analysis of paper #1 reveals that Ahn (2011)
aims to develop a theoretical essay addressing the impact of social network
sites (SNSs)2 on adolescents’ social and academic development.
The author has focused his attention on young users of social network
sites because this cohort tends to use digital technologies in large numbers
in the US. This scenario, still according to Ahn (2011), raises concerns among
parents and educators and, as such, becomes also a subject matter of interest
to social science research. Whilst parents are usually worried about the safety
and potential effects on their sons’ and daughters’ social development, educa-
tors fear negative impacts on their academic performance. In fact, the concerns
are such that most school districts used even to block the students’ access to
social network sites.
Consequently, given a lack of consensus regarding the age range to clas-
sify children, adolescents, and young adults, in this study, Ahn (2011) considers
adolescents, or young users, as individuals between the ages of 12-18.

2 Currently, the terminologies ‘social media platforms’ or merely ‘social media’ are practically consolidated in the
literature (including an influential journal in this discipline called Social Media + Society), but previously, there
has been a variety of denominations, including Digital Social Networks, OSN (Online Social Network), SNS
(Social Network Site) and SNS (Social Networking Sites).

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


120
Thus, in the paper, the author aims to review previous studies to address
what he calls ‘controversial’ aspects regarding the use of social network sites
by adolescents, such as: a) any digital divide concerning youth participation in
social network sites, b) possible exposure to harm for adolescents participating
in social network sites or improvements in the development of their relationships,
c) whether youth participation in such sites contributes in their personal deve-
lopment in terms of self-esteem and psychological well-being, and d) potential
impact on students’ learning and academic achievements.
Nevertheless, despite the relevant array of ‘controversial’ aspects that
Ahn (2011) aimed at tackling, the author has a rather positive view of the use of
social network sites by adolescents and depicts this cohort of users as empo-
wered enough to skilfully and independently control their interaction with the
platforms. At a certain point, Ahn (2011, p. 1439) argues that “privacy concerns
did not hinder users’ desire to share personal information on their profiles.
Rather, students used privacy features to control and limit who could view their
information”. Moreover, the author continues, “approximately 91% of youth who
use social network sites report that they utilise the sites to communicate with
already known friends”. In complement to that, in another part of the study, Ahn
(2011, p. 1440) says that “students who have low self-esteem or life satisfaction
might benefit more from Facebook usage”.
Nonetheless, a problematic aspect regarding this study is that rather
than drawing conclusive findings from the reviews, it emphasises more the
need for future studies to address the ‘controversial’ aspects raised in the intro-
duction. In other words, whilst the review shed light on several prior relevant
reflections regarding the use of social media by adolescents in the US, it serves
more the purpose of suggesting possible areas for further studies than indicating
potential harmful impacts on adolescents.
Regarded by Matamoros-Fernandez and Farkas (2021) as one of the most
influential papers in the discipline of internet studies, it is possible to observe that
in paper #2, Daniels (2012) conducts a comprehensive analysis of the existing
literature in this discipline. The objective is to address three key topics: 1) race
and the structure of the internet, 2) race and racism matter in what people do
online, and 3) race, social control and internet law.

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121
Unlike several other reviews in the discipline, Daniels (2012) has struc-
tured the study around various virtual contexts where racism is fostered and
manifested, such as gaming, online news and sports websites, social media,
blogging, and online communities. The author does not explicitly mention how
many studies have been reviewed. However, by analysing the list of references,
it is possible to infer that the reviewed sample comprised at least 110 studies.
One of the key arguments raised by the author comprises the challenge
regarding the concept of ‘colour blindness’, advocated by previous scholars who
used to claim that the internet would be a virtual environment that would allow
people to escape race, racism, sexism, social inequalities, xenophobia, and racial
inequalities. Nonetheless, Daniels (2012) argues that those assumptions were
made in the context of a text-only internet that no longer exists, since currently,
the virtual interactions among users are much more dynamic and complex than
what was observed in the early stages of the internet.
Indeed, as argued by Wilson; Gosling and Graham (2012), digital tech-
nologies continue to grow in global influence and online ubiquity in such a way
that people are now engaging with the internet in a more socially interactive
manner. These developments represent a fundamental shift in the role of the
internet in daily life, and researchers are only beginning to understand the
impact of these changes.
Consequently, Daniels (2012) says that ‘colour blindness’ is rather a myth,
given the fact that race and racism persist in the online environment, both in
new forms unique to the internet as well as traditional forms that have significant
implications for people’s offline lives.
Moreover, by the time the review was made, the author also advocated
that existing research on these topics were yet underdeveloped and there was
the need to conduct further exploration from a range of theoretical perspectives
such as Stuart Hall’s spectacle of the Other or W.E.B. Du Bois’ view on white
culture3. Additionally, Daniels (2012) also suggests that more attention should be

3 HALL, Stuart. The spectacle of the ‘Other’. In: HALL, Stuart (ed.) Representations: Cultural Representations and
Signifying Practices. London: SAGE and The Open University, pp. 223–279, 1997
DU BOIS, W.E.B. Darkwater: Voices from Within the Veil. New York, NY: Harcourt, Brace and Howe, 1920. 296 p.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


122
paid to understanding whiteness within internet studies to address race-related
issues more effectively.
Finally, the author also identifies gaps and limitations in the existing lite-
rature on race and racism in internet studies, including the need for more critical
and reflexive research that challenges dominant discourses and perspectives,
as well as the need for more empirical studies that examine the experiences of
marginalised communities and individuals.
Contrary to what can be noticed in many scholarly articles in the disci-
pline of social media studies that predominantly address the US social context,
in paper #3, the authors examine hate speech in Slovenia.
In the early 2000s, many newspapers in Slovenia (and other countries)
started allowing readers to add comments to some of their piece of news and
articles. The business strategy behind this approach was an attempt to engage
the readers with the available content and attract new ones that, eventually,
could become paid subscribers.
However, what Erjavec and Kovačič (2012) point out is that the newspa-
pers’ editors were unprepared to deal with the rise of slurs, hate speech and
racist comments, even when the news were unrelated to racial issues. This
reflection also dialogues with a similar subsequent study conducted by Hughey
and Daniels (2013), who examined a series of racist comments in a range of
eight US newspapers.
Given this overall scenario, Erjavec and Kovačič (2012) conducted their
study to unveil the main characteristics of hate speech discourses in news web-
sites’ comments and identify the aggressors’ attributes. To this end, they have
gathered a sample of 362 news items with at least three comments, including
hateful ones, published in three leading Slovenian news websites (24ur.com,
Dnevnik.si, and Zurnal24.si) in the timeframe December 2009 - June 2010. Moreo-
ver, to unpack the aggressors’ values, beliefs, and motivations, they conducted
in-depth interviews with 20 individuals who agreed to participate in the study
as long as their identities remained completely anonymous.
The authors also report that the recruitment process of research par-
ticipants was challenging (they contacted 86 people and, as mentioned, only
20 accepted to take part), and the negotiations lasted over seven months.
Furthermore, since the individuals were not keen on disclosing much personal

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123
information or demographic data, the authors manged to infer just that the
majority of them were male individuals, aged 17-47 years, and high school edu-
cated. To a certain extent, this profile is not very different from what has been
found in a study conducted by Trindade (2018) regarding the phenomenon of
racist hate speech in Brazilian social media. According to this study, 65% of the
offenders tend to be male individuals in their early 20s.
That being said, Erjavec and Kovačič (2012) managed to identify four key
themes explored in the sample of hateful comments: 1) aggressive comments
about internal Slovenian politics, 2) racist manifestations against Roma people,
3) homophobia, and 4) religious intolerance, notably, against Slovenian clergy,
the Vatican, Muslims, and Jews.
Another interesting finding revealed in the study was the fact that the
offenders are usually organised either in groups (often with a military-like
hierarchy with a leader, a chain of command, and soldiers) or individually,
where people decide on their own initiative to express and convey hateful
comments. In a certain way, this finding dialogues with the study conducted
by Bliuc; Faulkner; Jakubowicz and McGarty (2018) in the sense that they also
identified this operational pattern of organised groups and single individuals
disseminating cyber-racism.
Nevertheless, whilst normally, many authors tend to be highly critical
of hate speech in the online environment, it is possible to notice that Erjavec
and Kovačič (2012) convey a more benevolent standpoint. They argue that
despite all the hateful comments circulating on Slovenian news websites, they
do not share the same view defended by authors who “demand censorship or
[applying] the same rules as it exists in the case of letters to the editor”, where
they might be subjected to editing prior to publication or even rejected (ERJA-
VEC; KOVAČIČ, 2012, p. 917).
Instead, the authors believe that the possibility of posting comments repre-
sents more than the mere opportunity to engage with other readers beyond their
usual circle of acquaintances. In fact, it characterises one of the few occasions
where citizens can “express their opinion and have a feeling of empowerment
and importance” (ERJAVEC; KOVAČIČ, 2012, p. 917).
Consequently, to tackle this phenomenon of hateful comments on news
websites, Erjavec and Kovačič (2012) consider that a possible way could be

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


124
through collaborative work between the online community and journalists to
develop their own ethics code depicting the rules for writing comments online.
Now, progressing to paper #4, it is possible to observe that Wilson; Gos-
ling and Graham (2012) have reviewed empirical articles published in academic
journals or conference proceedings that explicitly studied Facebook. To this
end, they have gathered 412 articles published in the timeframe 2005-2011. The
goal was to summarise the current trends in the literature (despite potential
fragmentations found in previous studies) and launch a point of reference for a
broader examination of best-practice methods and a consideration of promising
directions for future research.
First, the authors shed light on two important questions not commonly
addressed in many other studies: 1) why study Facebook? and 2) who studies
Facebook? Although their answer to these two relevant questions is drawn
on top of reviewing previous studies addressing Facebook more specifically,
it cannot be disregarded that they also contribute to a broader understanding
concerning social media given the fact that the platforms operate in similar
ways and also the users’ behaviours are not dramatically different across the
various social media platforms.
Thus, Wilson; Gosling and Graham (2012) argue that there are three
main reasons why Facebook is of relevance to social scientists: 1) activities
performed on this social media platform can provide a wealth of concrete and
observable data as they naturally unfold, which affords researchers with many
new opportunities for studying human behaviour; 2) given the huge popularity
reached by Facebook globally, makes it a topic worthy of study in its own right;
and 3) the rise of this social media platform brings both new benefits and risks
to society, which demands careful consideration by social scientists.
Regarding the question of who studies Facebook, the authors explain
that it comprises scholars from a wide variety of disciplines, including law, eco-
nomics, sociology, psychology, information technology, business management,
marketing, and communication, among others. The consequence of this variety
is that often, their research goals, methodological approaches, and publication
outlets might also vary considerably.
Having said that, the detailed examination of the 412 articles allowed the
authors to classify them into five broad categories that captured the major themes

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found throughout the literature: 1) descriptive analysis of users, 2) motivations
for using Facebook, 3) identity presentation, 4) the role of Facebook in social
interactions, and 5) privacy and information disclosure.
Among the main results revealed in this study, it can be highlighted that
the average Facebook user has 130 friends, contributes with 90 pieces of content
per month, and is connected on average with 80 community pages, groups, and
events. Moreover, 92% of users were connected by only four degrees of sepa-
ration, meaning that, on average, no more than four intermediate connections
separated any two people.
Although these figures are subject to constant changes over time, these
findings are relevant to reinforce the argument that not only Facebook, but
most social media platforms are built on top of a powerful network of nodes
(i.e., people/users) that expand rapidly at exponential rates (TRINDADE, 2020).
Within that, users can connect to a large number of other people sharing com-
mon ideologies, beliefs and values and consequently, instantly amplifying their
voices in large proportions. In this context, Cann; Dimitriouand and Hooley
(2011) explain that a network with only five members can provide 10 connec-
tions among them, another one with 10 members can generate 45 connections,
and one with 15 members rises to 105 connections. Therefore, this explanation
contributes to illustrating the potential amplifying reach of hateful discourses
disseminated on social media.
In continuation with the review, it is possible to notice that the study deve-
loped by Bolton; Parasuraman; Hoefnagels; Migchels et al. (2013) in paper #5
shows a certain degree of overlap with paper #1 in the sense that both address
the usage of social media by young generations. However, whilst Ahn (2011)
aimed to investigate possible implications of social media usage in youth safety,
personal, and academic development, in the case of Bolton; Parasuraman;
Hoefnagels; Migchels et al. (2013), the authors have focused their attention on
the implications for individuals, corporations, and society.
Additionally, in paper #1, the author defines their cohort of young users
as individuals between the age of 12-18. In the case of paper #5, the authors
have chosen to work with Generation Y, which, according to their definition,

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


126
congregates people born between 1981 and 19994. Besides, the authors comple-
ment this definition by asserting that the main characteristic of this generation is
that they are the first to have spent their entire lives in the digital environment.
Consequently, not only do they actively and naturally engage with several digital
technologies, but they also search, share and consume content on social media.
In order to explain the use of social media by members of Generation Y, the
authors have developed a model called Antecedents and Consequences of Social
Media Use. Briefly speaking, the model is made of three interconnected elements.
On the left-hand side are the antecedents, composed of environmental
factors and individuals-level factors. They influence the way members of Gene-
ration Y use social media (the model’s central component), notably their purpose
and intensity. Finally, on the right-hand-side of the model, users’ behaviours and
attitudes regarding social media use might trigger consequences, which can
be at the individual level, corporate or societal.
Given the fact that the authors show a big interest in examining the
implications of social media use by Generation Y from a consumer behaviour
perspective and their business management impacts, it is possible to notice that
most of the findings are devoted to addressing these aspects.
However, what concerns the outcomes for society, although they represent
a minor part of the study, it is possible to observe that Bolton; Parasuraman;
Hoefnagels; Migchels et al. (2013, p. 255) argue that “humans experience negative
emotions (e.g., anger, envy, and jealousy) and behave offline and online accor-
dingly”. This argument is relevant because it dialogues with other studies that
explain that online and offline environments are not detached from each other
or two disconnected parallel realities. They are, in fact, intertwined, and values,

4 Different authors explain that the subject matter of generation classification is not universal and neither precisely
fixed. For more information about this topic, the reader can refer to the following references:
LYONS, Sean T. and SCHWEITZER, Linda. A Qualitative Exploration of Generational Identity: Making Sense of
Young and Old in the Context of Today’s Workplace, Work, Aging and Retirement, 3 (2), 209-224, 2017
SHAIKH, Aliya Ahmad; JAMAL, Warda Najeeb and IQBAL, Syed Muhammad. The context-specific categoriza-
tion of generations: An exploratory study based on the collective memories of the active workforce of Pakistan,
Journal of Public Affairs, 21 (3), 2641-2665, 2021
URICK, Michael J.; HOLLENSBE, Elaine C.; MASTERSON, Suzanne S. and LYONS, Sean T. Understanding and
Managing Intergenerational Conflict: An Examination of Influences and Strategies, Work, Aging and Retirement,
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beliefs, and ideologies nurtured offline can be mirrored and manifested in the
online environment as well (KOLKO; NAKAMURA; RODMAN, 2000; TRINDADE,
2020). Furthermore, according to Sumiala and Tikka (2020), the line between
‘the real’ and ‘the virtual’ should be considered as a continuum rather than two
separate realms of reality, and ‘the real’ and ‘the virtual’ have a relationship of
mutual dependence.
Thus, Bolton; Parasuraman; Hoefnagels; Migchels et al. (2013) conclude
by advocating that one of the negative long-term societal consequences of the
use of social media by members of Generation Y comprises potential changes
in following social norms and behaviours, deterioration of civic engagement,
loss of privacy and public safety, and increase in cyber-crime. It is interesting
to reflect on these conclusions because, although Bolton; Parasuraman; Hoef-
nagels; Migchels et al. (2013) do not mention them, it is possible to notice that
these aspects coalesce with findings from several other studies that reveal an
increase in the construction and dissemination of hate speech, bigotry, the
spread of fake news and incitement to violence (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017;
JANE, 2017; RZEPNIKOWSKA, 2018; TRINDADE, 2019).
Now, quite similarly to the work developed in paper #4, in the case of
paper #6, it is possible to notice that Caers; De Feyter, De Couck; Stough et al.
(2013) have also conducted a literature review focused specifically on Facebook.
The reason behind this choice is that this social media platform has become the
largest one in its category and the most influential because it not only engages
a huge number of users worldwide but has also set the industry’s trends and
technological standards.
The objective was to review the scientific literature on Facebook in the
economic and psychological domain and answer the following research ques-
tions regarding the personality of users: 1) why people join Facebook, 2) how
they build networks, 3) how they interact, and 4) how organisations may act
on, and benefit from, Facebook.

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128
To this end, the authors have selected 114 articles harvested from the ISI
Web of Knowledge5 database with the support of a selection of keywords and
published either in peer-reviewed journals or conference proceedings in the
timeframe 2006-2012.
Among the relevant findings, this study highlights the motives for disclo-
sing information on Facebook. It is true that authors such as Wilson, Gosling
and Graham (2012) argue that many users engage on social media for what
they call ‘mundane’ reasons such as ‘relieve boredom’. However, Caers; De Fey-
ter, De Couck; Stough et al. (2013) go a step further and explain that Facebook
is usually portrayed as a virtual space to see and be seen, express one’s iden-
tity, and help highlight otherwise obscure and seemingly mundane aspects of
one’s life. Moreover, the authors continue by questioning: “are all users prone
to me-marketing6, are none or only some? At this point, there is insufficient
research to draw conclusions for all types of users” Caers; De Feyter, De Couck;
Stough et al. (2013, p. 988).
In summary, the review shows that whilst many interesting topics have
been addressed in several previous studies, much of the work done so far has
been fragmented and limited to particular settings. Within that, Caers; De Fey-
ter, De Couck; Stough et al. (2013) explain that many studies have used mostly
university students as research participants and have been conducted pre-
dominantly in the US social context. Consequently, they warn that caution is
needed before generalising these research findings to other countries and
demographic groups.
Finally, the authors suggest directions for future research regarding
exploring different demographic groups other than just US university students
and encompassing a broader and more diversified pool of research participants,
as well as the impact of Facebook on specific populations such as adolescents
and older adults.

5 Currently known as Web of Science


6 This terminology stands for the act of carefully presenting oneself in accordance with how one wants to be seen
or perceived by others.

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By examining paper #7, it is possible to notice that Bliuc; Faulkner;
Jakubowicz and McGarty (2018) start arguing that, despite the growing body
of literature addressing contemporary manifestations of racism and cyber-
-racism, there is still a lack of systematic literature reviews synthesising such
studies. In fact, they argue that up to that point, there were only two studies with
this approach, but limited in scope. The first one comprises Daniels (2012), as
previously reviewed in paper #2, which explores the subtle ways in which race
and racism are embedded in the structure of the internet. The second one is
Hale (2012), which has analysed far-right political discourses online but from a
criminological perspective.
Thus, to fill the identified gap in the literature, the authors have analysed
31 scholarly papers published in the timeframe 2005-2015 with the aim to find
existing pieces of evidence to support the explanation of five important aspects:
1) the sources of cyber-racism, 2) the communication channels used, 3) the
goals that drive cyber-racism, 4) the strategies used when communicating
cyber-racism, and 5) the potential effects of manifestations of cyber-racism.
To this end, they have defined a set of keywords and conducted a search
on four databases: 1) PsycINFO, 2) Sociological Abstracts, 3) Scopus, and 4)
OVID Medline. However, since the authors did not shape their research to exa-
mine manifestations of cyber-racism exclusively on social media, their findings
reflect this methodological choice.
Regarding the sources of cyber-racism, Bliuc; Faulkner; Jakubowicz and
McGarty (2018) have identified that they appear to be websites of racist groups,
forums, chat rooms, social media, blogs, and YouTube. Moreover, they can be
performed either by groups of users or individuals, which coalesces with the
findings revealed by Erjavec and Kovačič (2012) reviewed in paper #3. Besides, it
is also relevant to explain that although, in this case, the authors have classified
YouTube apart from social media, it is possible to notice that for a long time,
the literature does not separate them. According to boyd and Ellison (2007)7,

7 For the sake of clarification, the author danah boyd is written in small letters following the author’s own desire as
already publicly expressed by her in a number of occasions. To this end, she explains her decision in a blog post
(available from: https://www.danah.org/name.html).

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


130
YouTube is defined as a video-sharing service. However, since members are able
to add other users as well as subscribe themselves to other users’ collections,
it can also be classified as a type of social media platform.
What concerns the goals of the people who engage in the practice of
cyber-racism (either as a group or individually) can encompass the following:
a) help the group to become stronger and well-known in the online environ-
ment, b) disseminate racist propaganda and discriminatory ideologies, such
as white supremacy, c) create a sense of borderless, transnational identity, d)
hurting the ‘out-group’, or the people who are not members of the hegemonic
dominant group, e) increasing social desirability, or avoiding social disapproval
when expressing racist views, and f) validating racist views.
Another relevant key finding brought by Bliuc; Faulkner; Jacubowicz and
McGarty (2018) in their study concerns the strategies usually employed by peo-
ple who engage in cyber-racism, which comprise: a) the advocacy of inherent
intergroup conflict, b) the use of social competition and social creativity, c) the
use of humour to convey racist ideologies, d) the use of power and privilege in
arguments, e) trivialising and denying racism, f) disqualification of the non-he-
gemonic group, g) the reframing of the meaning of news stories, and h) creating
moral panic regarding the non-hegemonic group through the use of negative
stigmas, such as, for example, ‘invaders’ to refer to immigrants.
Finally, the other important key finding regards the effects of cyber-ra-
cism. In this aspect, the authors employ a powerful expression to summarise
their finding: ‘undermining social cohesion’. Their review has brought to the
surface the alarming fact that groups and individuals engaged in this practice
are likely to create division in the social fabric, where multiple ethnic and racial
groups co-exist. Indeed, this reflection is also echoed in a recent statement
delivered by the current UN Secretary-General, who said that hate speech
undermines diversity and social cohesion (XINHUA, 2022). Then, in complement
to these arguments, Bliuc; Faulkner; Jakubowicz and McGarty (2018) also warn
that cyber-racism can potentially impact people’s well-being. However, it is a
subject area that demands more studies since they argue that there is a gap in
the literature regarding this specific aspect.
Advancing to the analysis of paper #8, it can be observed that Chetty and
Alathur (2018) conduct a review of hate speech studies and their interplay with

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terrorism in the context of online social networks because they consider that hate
speech and terrorism are closely related activities. Moreover, still according to the
authors, social media platforms like Twitter8, LinkedIn, Facebook, and YouTube
are also being used to convey this sort of aggressive message and content.
Within that, the authors explain that whilst freedom of expression comprises
an important element in democratic regimes, the construction and dissemination
of hate speech creates a situation to test the limits of free speech and, conse-
quently, opposes freedom of expression and violates fundamental human rights.
That being said, an interesting argument raised by Chetty and Alathur
(2018) in their paper comprises the fact that hate speech might negatively impact
people in two ways: 1) directly or 2) indirectly. In the circumstance of the direct
impact of hate speech, the victims are immediately harmed by the content of
hateful discourses, whilst in the case of the indirect impact of hate speech, the
harm might eventually be delayed, meaning that the harm is perpetrated by
other social agents, and not necessarily by the original aggressor. For instance,
a racist hate speech manifested on social media might motivate other racists to
initiate harassment, intimidation, and even engage in acts of physical violence
in the offline context.
What regards terrorism, it is possible to notice that the authors have
employed the term to serve as an umbrella to accommodate a large array of
cybercrime activities (i.e., hacking, theft of personal data, cyberstalking, dis-
tribution of malicious software, identity theft, and child abuse) and also cyber
terrorism. In this case, cyber terrorism stands for the utilisation of the internet
and digital communication technologies with the intention to cause harm or
create panic and fear in the minds of the victims.
Other relevant aspects brought by the research of Chetty and Alathur
(2018) are first the introduction of the concept of ‘hybrid hate speech’, which is
not related to a particular type but rather the manifestation of hateful discourses
that are addressed towards more than one community or social/ethnic identity.

8 As widely reported by the international press, this platform was rebranded ‘X’ in July 2023. However, for the sake
of consistency with all previous studies, in the present review it has been chosen to maintain the original brand
name of Twitter.

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132
Secondly, they shed light on the phenomenon of hate speech by exploring
people’s disabilities, whose topic is absent in the literature. In this case, the
authors explain, hate speech explores people’s physical and mental condition
to undermine their value as citizens or human beings.
In conclusion, Chetty and Alathur (2018) advocate that the existence (or
the emergence) of online social networks has led to a considerable increase in
features such as contact establishment, message exchange, information sharing
and news posting with penalties such as hate speech, hate crime, cyberterro-
rism, and extremism. In other words, they understand that, despite any benefit
brought by social media platforms, there has been more negative societal impacts,
including becoming a breeding ground for the construction and dissemination
of harmful content such as hate speech and extremist ideologies.
Finally, in paper #9, the main point of departure for Matamoros-Fernandez
and Farkas (2021) in the development of their article comprises study of Daniels’
(2012) influential study exploring race and racism in the discipline of internet
studies. In this regard, Matamoros-Fernandez and Farkas (2021) explain that
scholars have grown increasingly concerned with racism and hate speech in the
online environment, not least due to the rise of far-right leaders in countries like
the US, Brazil, India, and the UK in the recent past, but also due to the weaponi-
zation of digital platforms by white supremacists. Consequently, as social media
have come to dominate socio-political landscapes in almost every corner of the
world, new and old racist practices increasingly take place on these platforms.
Having said that, the study reviews 104 articles exploring racism and hate
speech on social media published in the timeframe 2014-2018 with the aim to
answer three main research questions: 1) which geographical contexts, social
media platforms and methods do researchers engage with in studies of racism
and hate speech on social media? 2) to what extent does scholarship draw on
resources from critical race perspectives to interrogate how systemic racism
is (re)produced on social media? and 3) what are the primary methodological
and ethical challenges of the field?
One important aspect raised by the authors right from the beginning
comprises the recognition of a limitation concerning the breadth of the study.
Given the fact that one of the selection criteria for the papers to be reviewed

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was to be published in English only, this choice has excluded studies published
in other languages, notably in many of the Global South countries.
Among the main findings revealed in the study, Matamoros-Fernandez
and Farkas (2021) highlight that regarding geographical coverage, 44.23% of
the studies have been conducted in the US social context; 25.96% were con-
ducted in Europe, and almost half of this amount in the UK; followed by Asia and
Oceania (each at 5.77%), and finally, 6.72% comprised the Middle East, South
America and Africa combined.
Regarding the platforms most explored in previous studies, Twitter is in
first position with 54.81% of participation, followed by Facebook with 34.62%,
YouTube with 8.65%, Reddit (3.85%), Whisper (2.88%), YikYak (1.92%), Tum-
blr (1.92%), Instagram (0.96%), and Tinder (0.96%). Thus, as we can notice,
although the social media WhatsApp has become very popular in the recent
past, it is underrepresented in this array of studies. A possible explanation for
this absence might be methodological difficulties since the chats are encrypted.
Consequently, it might not be feasible to collect data without the prior consent
of the users or becoming a member of specific groups.
On the other hand, the fact that Twitter is prominent is explained by
Matamoros-Fernandez and Farkas (2021) as due to the platform’s openness to
APIs (Application Programming Interface) and, therefore, allowing researchers
to collect public data without the need to obtain prior informed consent or talk
to the communities.
The authors also reveal that most of the studies have explored textual
data both in quantitative and qualitative approaches; however, they leave a gap
concerning other forms of manifestations of hate and intolerance, such as visual
means (e.g., memes) and video content, as seen on YouTube.
In conclusion, Matamoros-Fernandez and Farkas (2021) raise five key
points in their study. First, there is a strong need for developing a broader range
of research that can go beyond textual data analysis, encompassing also visual
resources, conducting studies beyond Twitter and the United States and including
other geographical contexts and cross-platform analyses. Secondly, echoing the
seminal concern raised by Daniels (2012) about the need for the emergence of
more studies focusing on the structural nature of racism by interrogating how
race is baked into social media technologies’ design and governance rather

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


134
than just focusing on racist expression in these spaces. Within that, two relevant
examples of recent studies that have addressed this line of reasoning comprise
the works developed by Noble (2018) and Silva (2022) regarding embedded
racial profiling in the design of search engine algorithms.
Third, they argue that the lack of reflexivity in research designs contri-
butes to neglecting the role of race in the subfield. There is a preponderance
of research on racism, hate speech, and social media to be done by white
scholars that rarely acknowledges the positionality of the authors, which risks
reinforcing colour blind ideologies within the field. In fact, on this aspect, it is
possible to notice that Kilomba (2010) is very critical and defends the relevance
of a decolonial epistemology where the ‘legitimate’ voices in academia should
not be restricted solely to white men. Fourth, the authors consider the existence
of clear limitations in centring ‘hate speech’ to approach the moderation and
regulation of racist content. That is because they believe that not only ‘hate
speech’ is a contested term in a definitional sense, but a focus on illegal hate
speech risks conceptualizing racism on social media as something external to
platforms that can be simply fought through technical fixes such as machine
learning. Finally, in fifth place, they defend that the field could benefit from explo-
ring new emerging work that uses Indigenous critical perspectives to explore
race struggles on social media.

CONVERGING PATHS

After carefully examining each paper in this sample of state-of-the-art


studies, the important question is what unites them? What do they have in
common, and where do they converge or differ?
Overall, it was possible to observe that they are centred on different social
media platforms, but especially Facebook, and their impact on individuals and
society. Some of the articles focus on the negative aspects of social media,
such as the construction and dissemination of hate speech and racism. In con-
trast, others examine the positive effects and potential benefits of social media
use, particularly among younger generations and from a consumer behaviour
perspective. Additionally, some of them have conducted an extensive litera-
ture review in the discipline of social media and internet studies over a long

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timeframe of up to a decade. In general terms, most of them highlight the need
for further research to expand the knowledge base in different aspects such
as, for example: a) how to tackle the dissemination of hate speech, b) potential
impacts on people’s well-being, and c) the mechanisms of the indirect impact
of offence and bigotry online.
What concerns the methodological approach employed in the selection
of articles includes mostly longitudinal literature reviews, descriptive statistical
analysis, qualitative critical analysis, and the development of explanatory models.
Thus, in conclusion, what can be inferred is, first, that social media studies
have become a well-established discipline, and the high impact achieved by this
selection of state-of-the-art studies corroborates this argumentation. Secondly,
although hate speech and varying forms of bigotry were not inaugurated with
the emergence of social media platforms in the mid-2000s, it becomes evident
that this digital technology has afforded people to unleash such behaviours in
ways, reach, and speed not seen before in many societies around the world.
Finally, it is well known that the technology industry is constantly evolving, with
new developments coming out very fast. Consequently, it is fair to say that their
societal implications are still to be fully comprehended.

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Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


138
07

DOM QUIXOTE NO CINEMA: O


CAVALEIRO DA TRISTE FIGURA E SUA
IMAGEM

João Eduardo Hidalgo


Universidade Estadual Paulista (UNESP)

Maria Arminda do Nascimento Arruda


Universidade de São Paulo (USP)

' 10.37885/231115109
RESUMO

O romance Dom Quixote de La Mancha publicado em duas partes, 1605 e 1615,


por Miguel de Cervantes é um dos livros mais lidos na história da humani-
dade. O cinema como um dos meios de comunicação de massa do século XX e
XIX se apropria da literatura, para a constituição de sua linguagem e também para
a construção poética de suas obras. Até os nossos dias Dom Quixote conta com
mais de 40 adaptações/versões conhecidas, imortalizando seus personagens e
sua narrativa inovadora e tem múltiplas interpretações no que diz respeito aos
personagens, autoria, verossimilhança e significados implícitos. O audiovisual
tornou-se neste século XXI um espaço de transferência entre a literatura e esta
mídia, e o jogo de diálogo/influências migrou para o novíssimo ciberespaço,
através das plataformas de streaming. As metamorfoses do romance Dom
Quixote continuarão acontecendo em grande número, já que ele é um livro que
não precisa de filtros, nem de atualizações, continua atual, falando com os seus
‘desocupados leitores’ digitais e audiovisuais.

Palavras-chave: Dom Quixote, Miguel de Cervantes, Adaptações Audiovisuais,


Versões Espanholas, Grandes Diretores e o Quixote.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


140
INTRODUÇÃO

O romance El ingenioso Hidalgo Don Quijote de La Mancha de Miguel


de Cervantes Saavedra (1547-1616) publicado em duas partes, 1605 e 1615, é
considerado um marco iniciador do romance moderno, o protagonista não é
um herói clássico como Hércules, Ulisses ou o Rei Arthur, mas um homem
comum com suas mazelas, desejos, inseguranças e percepção não mais ubíqua
da realidade. Miguel de Cervantes era filho de um barbeiro/cirurgião prático
de Alcalá de Henares, Espanha. Cervantes era um homem preso na crise de
seu tempo, não havia mais honra de cavalaria e de nobreza, a Espanha estava
mergulhada num período de amplas possessões de colônias; onde a intriga, o
maldizer e a importância familiar e política eram moedas de troca. Cervantes,
herdeiro desta tradição, transformará a crítica irônica em uma análise sutil e
acurada da sociedade espanhola, convertendo seu personagem principal, Alonso
Quijano, em um representante do sonhador e do idealista. O personagem Alonso
Quijano vive num mundo de fantasia, lendo sem parar livros de cavalaria, acaba
tendo problemas em separar a realidade da ficção.
Miguel de Cervantes faz uma paródia das novelas de cavalaria, um gênero
que carrega valores distorcidos, pois são representantes da alta e anacrônica
burguesia medieval. Um cavaleiro andante tem sempre procedência nobre, sem
a qual ele não tem o direito de ser armado como tal, deve ser jovem, ter habi-
lidade guerreira e, sobretudo, ter uma donzela para amar. Cervantes subverte
todo o modelo, Alonso Quijano não tem procedência nobre relevante, é um
fidalgo com poucas posses, tem mais de cinquenta anos, não tem habilidades
com as armas, tem a mania da leitura e sua donzela é apenas uma (suposta)
agricultora do povoado de El Toboso, na região de La Mancha. As referências
visuais em Dom Quixote são abundantes, seu escudeiro é Sancho Panza, um
obeso pançudo, ele próprio é caracterizado por este escudeiro como o ‘Cavaleiro
da Triste Figura’. Durante trabalho de campo de minha pesquisa pós-doutoral
desenvolvido no Departamento de Sociologia da FFLCH/USP, nos meses de
fevereiro e março de 2022, revisitei alguns pontos centrais da chamada ‘Rota
do Quixote’, na Espanha, lugares onde o personagem vive aventuras e que
sabemos que Miguel de Cervantes viveu muitas das suas.

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Figura 1. Esquivias, La Mancha, Igreja Nossa Senhora de Assunção, onde Cervantes se casou.

Foto (autor), 2021.

Um nome pouco associado ao grande personagem Dom Quixote é o


do povoado de Esquivias, a 44 quilômetros ao sul de Madri e a 45 quilôme-
tros ao norte de Toledo. Sabemos da casa de Cervantes em Madri, que ficava
nas vizinhanças da de seu desafeto, o prolífico Lope de Veja (1562-1635), que
escreveu mais de mil e quinhentas obras de teatro, gênero onde Cervantes
tentou se fixar, sem sucesso. Também é amplamente conhecida a Casa Museu
Cervantes de Alcalá de Henares, 40 quilômetros ao nordeste de Madri, onde
ele provavelmente nasceu, uma casa muito modificada segundo o pesquisador
Luis Astrana Marín (1889-1959), o maior Cervantista que a Espanha já teve.
Acompanhei uma última modificação nesta casa, que foi a colocação de uma
estátua do Quixote e outra de Sancho Panza, num banco na frente da fachada
para servir a era do selfie e companhia. Esta casa em Alcalá é muito atuante
em fazer exposições de primeiras edições, eventos, ajudada pelo fato de ser
(provavelmente) a cidade natal de Miguel de Cervantes. A certidão de batismo
de Miguel de Cervantes foi encontrada em 1748 em Alcalá e sobreviveu a Guerra
Civil Espanhola (1936-1939).
Consta que em Esquivias Miguel de Cervantes viveu entre 1583 e 1587,
inclusive casou-se em 1584 com uma fidalga do lugar, de nome Catalina de
Salazar y Palácios (1565-1626) e viveram na casa de um primo-tio dela de nome
Dom Alonso Quijada de Salazar, de quem ela era herdeira, hoje Casa Museu
Cervantes. Este senhor Alonso Quijada era um rico proprietário de terras e
tinha um amor pela leitura de livros de cavalaria, era conhecido no povoado
por esta excentricidade, o cervantista Astrana Marín (entre outros) acredita

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


142
que ele serviu de inspiração para o personagem mais nomeado da literatura
ocidental, Dom Quixote, que segundo Cervantes era o fidalgo Alonso Quijada
ou Quijano, de um povoado que ele não queria lembrar-se. Quando casa com
Catalina, Cervantes de 37 anos já tinha ficado prisioneiro dos berberes (ára-
bes) no norte da África durante cinco anos, quando retornava da batalha de
Lepanto, na Grécia, ao comando de Juan de Áustria; tinha publicado poemas,
obras de teatro e alguns relatos, e consta que em outubro de 1584, apenas dois
meses antes de seu casamento, teve uma filha natural de nome Isabel, com Ana
Franca de Rojas, uma senhora casada de Madri; até onde sabemos esta filha
não deixou descendentes.
Na igreja de Nuestra Señora de la Asunción de Esquivias está registrado
o casamento de Cervantes e Catalina, no dia 12 de dezembro de 1584. Nesta
mesma igreja também estão os certificados de batismo e de morte de alguns
moradores do povoado que irão inspirar os personagens de Dom Quixote.
Destaco alguns: em 20 de junho de 1569 nasce Sancho, filho de Hernando de
Gaona e Luisa de Godoi; em 10 de janeiro de 1582 foi batizado Juan, filho de Juan
Car rasco e de Juana de Ujena; em 15 de março de 1588 morreu Diego Ramirez,
que ao casar-se com Juana de Isaba conhecida como a Vizcaína, passou a ser
nomeado como o Vizcaíno, Juana de Isaba era parente de Catalina Palacios.
Sancho, Carrasco, Vizcaíno todos são personagens que aparecem na narrativa
cervantina de Dom Quixote.
Na Plaza de España de Esquivias no Casino Rock Café pode-se comer um
prato tradicional manchego nomeado no Quixote, ‘Migas del pastor con huevo
frito’ (pão moído e frito com presunto, verduras e bastante tempero, acompanhado
com um ovo frito) por sete euros e cinquenta centavos, ou ‘duelos y quebrantos’
(ovos com linguiça, panceta e temperos). No trabalho de campo fiz um registro
fotográfico de uma Rota do Quixote, com a qual eu venho cru- zando nos últi-
mos trinta anos, em percursos para visitar familiares em Cogollos de Guadix,
Granada. Também gravei em vídeo uma extensa entrevista com a informada
diretora de turismo da Casa Museu Cervantes de Esquivias, Suzana García
Moya. Em Esquivias me hospedei no ‘Hostal Dulcinea; em Argamasilla de Alba,
outro povoado fundamental na obra, no ‘Hostal El lugar de La Mancha’, na suíte
Dom Quixote; em Consuegra fotografei no monte Calderico os 12 moinhos de
‘Dom Quixote’, mas os moinhos vistos como gigantes com os quais Dom Quixote

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se enfrenta também podem ser os moinhos de Puerto Lápice ou do Campo de
Criptana. Os de Consuegra são os mais monumentais e foi dos pés do moinho
Sancho que fiz uma chamada para a companheira desta investigação Maria
Arminda do Nascimento Arruda, e disse que Dom Quixote não estava por ali,
mas que a sua memória é um valor social e cultural imenso, como é imensa a
imaginação desbordante de Cervantes, senhor dos sonhos de Dom Quixote.

Figura 2. Moinhos de Consuegra, La Mancha, 2022.

Foto do autor.

Alcalá de Henares pode ser a cidade natal de Miguel de Cervantes, assim


como Alcázar de San Juan também tem um Cervantes, qual é o real (importa)?
Dulcineia viveu em El toboso? Esquivias ou Argamasilla de Alba é ‘um lugar
de La Mancha de cujo nome não quero me lembrar’? Dom Quixote sonhou com
Dulcinea ou com moinhos de vento em Ocaña, Tembleque, Mota del Cuervo,
Villarrobledo, Ruidera, Manzanares, Valencia, e foi derrotado em uma praia em
Barcelona? Quem sabe, tentar localizar um lugar específico é limitar o caráter
multifacetado do texto de Cervantes, todos os elementos referenciais descobertos
nos últimos quatrocentos anos mostram como o contexto espanhol do século XVI
foi determinante na obra. A trama principal é permeada por episódios menores,
a própria autoria é dada como de outro, um sábio árabe Cide Hamete Benengeli,
que tem até página no ciberespaço. Por exemplo, a musa Dulcinea del Toboso
é um ponto de partida e de chegada de todos os percursos sintagmáticos que
o leitor escolha para reconstruir as partes da narrativa, a partir das palavras de

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


144
Dom Quixote e de outros personagens que a descrevam e a tentem determinar;
e que acabam por criar versões complementares e distintas da ‘original’, que
só existe na imaginação do Quixote, pois ela está encantada e nunca se apre-
senta em primeira pessoa, Dulcinea é um espelhismo fundamental da literatura,
assim deve ser uma musa. Cervantes estabelece um jogo bastante sofisticado
de relação conosco, seu público já que ele infere que a unidade não é dada por
ele escritor/autor, diz que o importante são os personagens e a história de Dom
Quixote, que muitos personagens já conhecem e perguntam ao Quixote, se é
dele a famosa história publicada. A literatura de Cavalaria oferece um modelo
para Dom Quixote, nela se retomam heróis lendários, mitológicos, de uma
tradição histórica, mas que são objeto de uma desconstrução, paródia irônica
centralizada no binômio leitor/obra, que tem como fundo um vasto mosaico da
sociedade espanhola decadente/desencantada da época, regida por Felipe III,
conhecido como um homem insignificante e um monarca desprezível. A ficção
é maior que o registro do real, já que ela contem todos as referências ordena-
das pela narrativa de um autor, que joga com a perspicácia de todos nós- seus
desocupados leitores.

ADAPTAÇÕES DE DOM QUIXOTE PARA O CINEMA

O cinema inspirou-se na narrativa do romance do final do século XIX


(e em sua tradição) para desenvolver sua linguagem, e sempre teve nele um
repertório inesgotável para suas adaptações. Dentro da criação da arte cine-
matográfica, já nos seus primórdios, o fazer artístico criou regras e um sistema
de organização, chamado gramática cinematográfica.
Este artigo se propões a comentar algumas destas versões, com destaque
para a do diretor inglês Terry Gilliam, The man who killed Don Quixote (2018), que
é uma coprodução com a Espanha. O jogo de citações nele estabelecido dialoga
diretamente com a obra de Miguel de Cervantes, atualizando e ampliando sua
narrativa. Proporciona a sobrevivência de uma literatura e cultura, que tendo
quatro séculos parece ter acabado de nascer.
O número de adaptações cinematográficas de Don Quijote já atingiu
40 títulos conhecidos, listados abaixo. Muitas delas só temos referências em
documentos da literatura da área, são filmes perdidos ou dados como. Na base

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de dados IMDb - Internet Movie Database, de propriedade da Amazon, são lista-
das 60 referências audiovisuais ao Dom Quixote, algumas tem um personagem
que se identifica, ou se faz chamar de ‘um quixote que luta contra moinhos de
vento’, não são adaptações, são citações.

01 1898 Dom Quixote, Gaumont, França.


02 1903 Aventures de Don Quichotte de la Manche. Pathé, França. Direção Ferdinand Zecca.
Don Quijote. Espanha. Direção Narciso Cuyás. Elenco Arturo Buixens (Don Quijote).
03 1908
Poucas referências, não se sabe nem quem participou do elenco.
04 1909 Don Quichotte. França. Direção Emile Cohl. Curtametragem.
05 1909 Don Quichotte. França. Diretor Georges Méliès. Curtametragem.
06 1909 Monsieur Don Quichott. França. Direção Paul Gavault.
07 1910 Don Chisciotte. Itália. Produzida por Cines Itália. Curtametragem.
08 1912 Don Quichotte. França. Direção Camile de Morlhon.
Don Quijote. EUA. Direção de Edgard Dillon. Elenco: DeWolf Hopper (Don Quijote),
09 1915
Max Davidson (Sancho Panza). B/P. Mudo
10 1915 Il sogno de Don Chisciotte. Itália. Direção de Amleto Palermi.
Don Quijote. Inglaterra. Direção de Maurice Elvey. Elenco: Jerrold Robertshaw (Don
11 1923
Quijote), George Robey (Sancho Panza), B/P. Mudo. 50 min.
Don Quixote . Espanha/Dinamarca. Direção de Lau Lauritzen Sr. Elenco: Carl Schenstrom
(Quixote), Harald Madsen (Sancho), Carmen Villa (Lucinda/Dulcinea), Torben Meyer
12 1926 (Sansom Carrasco). Mudo. B/P. Oito meses de filmagem na Espanha. Não podemos
considerar como adaptação espanhola, o roteiro é do próprio diretor Lauritzen, a única
espanhola do filme Carmen Villa não tem dados biográficos confiáveis, nem completos.
Don Quixote. França/Inglaterra. Direção de Wilhelm Pabst. 73 min. Elenco: Feodor
13 1933 Chaliapin (Quixote), George Robey (Sancho, pela segunda vez, a primeira foi em 1923),
Renée Valliers (Dulcinea).
Don Quixote. EUA. Animação. Direção de Ub Iwerks (1901 – 1971), o criador da perso-
14 1934
nagem do Mickey Mouse. 7 min.
Dulcinea. Espanha. Direção de Luís Arroyo. Elenco: Ana Mariscal (Dulcinea) Baseada
15 1947 na peça de teatro de Gaston Baty. Filme não circula. Dom Quixote é só uma referência,
o filme é inacessível.
Don Quijote de la Mancha. Espanha. Direção de Rafael Gil. Elenco: Rafael Rivelles (Qui-
jote), Juan Calvo (Sancho), Fernando Rey (Sansom Carrasco) e Sara Montiel (Antonia
16 1947 Quijano), sobrinha do Quijote). 137 minutos. Realmente, primeira adaptação cinema-
tográfica espanhola do romance, e um grande trabalho, considerado um clássico do
cinema espanhol.
El curioso impertinente. Espanha. Direção de Flavio Calzavara. Elenco: Aurora Bautista,
17 1948 José María Seoane, Roberto Rey, Rosita Yarza e Valeriano Andrés. Só estreou em 1953,
segundo o Diccionario del cine español (1998). Filme não circula.
Don Quixote. USA. Direção de Sidney Lumet. Elenco: Boris Karloff (Don Quijote), Grace
18 1952
Kelly (Dulcinea). CBS. Adaptação para a TV.
19 1954 Aventuras de Don Quixote. Brasil. TV Tupi. Sem informação de elenco ou direção.
1955
20 Don Quijote. EUA/Espanha. Direção de Orson Welles, montada por Jesús Franco. 111 min.
(1992)

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


146
21 1956 Dan Quihote V’Sa’adia Pansa. Israel. Direção de Nathan Axelrod.
Don Kikhot. URSS. Direção de Gregori Kozintsev. Elenco: Nicolai Tcherkassov (Alexandre
Nevski e Iván o Terrível, de Eisenstein), como Dom Quixote e Yuri Tolubuyev (Sancho).
22 1957
Música de Gara Garayev. 110 min. Colorido (SovColor). Primeiro em tela panorâmica
(2:35).
23 1965 Don Quijote. França/Alemanha. TV. Direção de Carlo Rim. Josef Meinrad (Don Quijote).
24 1965 Don Quichotte. França. Direção: Éric Rohmer.
Un Quijote Sin Mancha. México. Direção: Miguel M. Delgado. Elenco: Mario Moreno
25 1969 (Cantinflas). Faz referências ao Quixote, o personagem principal se identifica como
alguém que luta pela honra e valores primordiais.
Man of La Mancha. EUA. Direção de Arthur Hiller. Elenco: Peter O’Toole (Don Quijote
26 1972 / Miguel de Cervantes / Alonso Quijano), Sophia Loren (Aldonza / Dulcinea), James
Coco (Sancho Pança) A partir da obra teatral de Dale Wasserman.
Dom Quixote. Austrália. Versão para balé do “Minkus ballet”, estrelando Rudolf Nureyev,
27 1973
Lucette Aldous, Robert Helpmann (como Dom Quixote) e artistas do balé australiano.
Don Quijote cabalga de nuevo. Espanha/México. Direção: Roberto Gavaldón. Elen-
co: Cantinflas (Sancho Pança) e Fernando Fernán Gómez (Dom Quixote). Veículo de
28 1973
promoção para o comediante mexicano mundialmente conhecido Cantinflas, Quixote
é um convidado no filme.
The Adventures of Don Quixote. Inglaterra. TV. Direção de Alvin Rakoff e roteiro de
29 1973
Hugh Whitemore. Com Rex Harrison e Frank Finlay.
Don Quixote: Tales of La Mancha (1980). Japão. Série de animação. Produzida por Ashi
30 1980
Productions e distribuída pela Toei Animation.
Life of Don Quixote and Sancho. URSS. Série de nove episódios, filmados na Geórgia
31 1988
e Espanha pelo diretor georgiano Rezo Chkheidze.
El Quijote de Miguel de Cervantes. Espanha. Minissérie para TVE da parte I do D. Quixote.
Direção de Manuel Gutiérrez Aragón, adaptação pelo prêmio Nobel Camilo José Cela.
Elenco: Fernando Rey (Quijote), Alfredo Landa (Sancho).
32 1991/1992
O plano era rodar oito capítulos como a primeira parte e 10 como segunda parte, que
seria dirigida por Mario Camus. Foram feitos cinco capítulos da primeira parte e Fer-
nando Rey morre em 1994.
Don Quixote. EUA. TV. Dirigida por Peter Yates. Co-produção do Hallmark Channel
33 2000
e Turner Network. Elenco: John Lithgow (Quixote), Bob Hoskins (Sancho). 2h18 min.
34 2002 Lost in La Mancha.. Inglaterra/Espanha. Direção: Terry Gilliam.
El Caballero Don Quijote. Espanha. Direção: Manuel Gutiérrez Aragón. Elenco: Juan
35 2002 Luis Galiardo, Carlos Iglesia, Emma Suárez, Juan Diego Botto. Segunda Parte da série
de 1992. Duração 1h57.
Honor de cavallería. Espanha. Direção de Albert Serra. Elenco: Lluís Carbó (Quijote),
36 2006
Lluís Serrat Masanellas (Sancho).
37 2007 DonKey Xote. Espanha. Animação. Direção de José Pozo.
Don Quixote. Estados Unidos. Direção: David Baier e outros. Elenco: Luis Guzmán,
James Franco, Horatio Sanz, Carmen Argenziano.
38 2015
Filme fraco, confuso, com 10 diretores listados nos créditos. Não teve repercussão pela
falta de talento e criatividade na abordagem.

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Tiempos de Hidalgos. Episódio 3 do segundo ano da série El ministerio del tiempo.
Espanha. Direção: Abigail Schaaff. Elenco: Hugo Silva, Nacho Fresnada, Aura Garrido,
Pere Ponce (Cervantes), Victor Clavijo (Lope de Veja). A série disponibilizada na Netflix
tem seu início em 2015, primeira temporada, 2016, segunda temporada e 2017, terceira
39 2016 temporada. Um órgão secreto, ligado ao governo espanhol, reúne um grupo de experts
de várias épocas, já que esta organização tem o poder de viajar no tempo. No episódio
três da segunda temporada Tiempos de Hidalgos, a missão é evitar que Miguel de
Cervantes deixe de publicar seu recém escrito El ingenioso hidalgo Don Quijote de La
Mancha, para dedicar-se ao teatro, onde reina seu arqui-inimigo Lope de Vega.
The man who killed Don Quixote. Espanha/Inglaterra/Itália/Portugal/França. Direção:
Terry Gillian. Elenco: Jonathan Pryce, Adam Driver, Joana Ribeiro, Jordi Mollà, Rossy de
40 2018 Palma, Sergi López, Óscar Jaenada. Adaptação de Terry Gillian que levou vinte anos para
ficar pronta e teve uma história bastante acidentada. É uma adaptação pós-moderna,
todo o processo de criação do filme aparece dentro do próprio filme.
41 2019 He Dreams of Giants. Direcão Keith Fulton, Louis Pepe. Elenco: Terry Gillian, Adam Driver.

Um filme realiza-se através de seu argumento presente no roteiro, de seus


quadros e imagens (planos, enquadramento, ângulo de câmera, mise-en-scène)
e a narrativa se organiza através da edição, montagem de som, continuidade e
organização do espaço fílmico.

“Mise-en-scène é um termo francês derivado do teatro que significa


literalmente ‘colocar no quadro’. Tudo o que vemos dentro do
quadro da câmera vem com o apoio da mise-en-scène: atores
e suas performances, iluminação, figurinos, cenários, efeitos de
lentes coloridas, objetos de cena e didascália (organização dos
atores no espaço). Tudo isso se combina para dar ao espectador
uma imagem do espaço cinematográfico.”1

Em uma análise coerente de uma obra, seja ele um livro, uma pintura,
ou neste caso uma obra audiovisual, é vital a escolha do instrumento de aná-
lise utilizado. Não podemos usar a teoria literária para analisar um filme, pois
fundamentalmente o romance El ingenioso hidalgo Don Quijote de La Mancha
é um texto impresso em um livro, organiza-se em frases, parágrafos, páginas
e volumes. O filme Don Quijote de La Mancha, de 1947, para dar um exemplo,
é um conjunto de imagens e de sons (e silêncios), organizados segundo uma
gramática própria, a cinematográfica, nela não valem as regras da literatura,

1 EDGAR-HUNT, Robert et al. A linguagem do cinema. Porto Alegre: Bookman, 2013, p. 129.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


148
fazer resumos do que acontece em um filme, ou com um personagem, ou grupos
de, não é analisar, é fazer uma redução de uma obra complexa.

A FICÇÃO NO CINEMA

Os gêneros no cinema tem duas categorias fundamentais: a ficção e o


documentário. A ficção se divide em vários subgêneros como drama, comédia,
romance, suspense. O documentário é o registro do real e não possui variações,
a princípio, pois é a representação do mundo empírico.
A teoria dos gêneros no audiovisual diz:

“Um gênero é um conjunto de características estilísticas


reconhecíveis de forma instantânea. Nenhuma definição estrita
de um determinado gênero é possível, mas as palavras ‘musical’,
‘thriller’ e ‘drama de tribunal’ imediatamente evocam um repertório
bastante limitado de ideias: um ambiente físico, locações típicas, o
visual das personagens, objetos significativos e assim por diante.
Apenas nomear um gênero evoca uma determinada gama de
características superficiais pertencentes a essa família de filmes.”2

As adaptações de Dom Quixote são categorizadas como drama, em sua


maioria, ou no máximo como uma comédia dramática, pela própria trajetória
e características do personagem central, que passa o tempo quase total dos
filmes com um comportamento alucinado, sonhador, desajustado da realidade,
sendo ridicularizado pelos outros personagens e recobra a sanidade no final, mas
perde a capacidade de fabular, não é mais o Quixote, mas sim Alonso. As esco-
lhas de cenário, figurino, iluminação e principalmente direção e interpretação
de atores tem características bastante específicas dentro do gênero. Não só
em uma ficção como o Quixote, mas na quase totalidade dos gêneros cine-
matográficos prevalece a relação do corpo humano, e principalmente o rosto
humano, enquadrado, iluminado e registrado em 24 fotogramas por segundo.
Como esclarece Aumont:

2 EDGAR-HUNT, Robert et al. A linguagem do cinema. Porto Alegre: Bookman, 2013, p. 85.

ISBN 978-65-5360-512-1 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


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“No entanto, a encenação permanece, e permanecerá, na raiz de
toda a arte cinematográfica imaginável, pelo menos enquanto o
cinema consistir em filmar corpos humanos a exprimirem-se, a
representarem a sentirem, a viverem num quadro, num meio, num
espaço e num tempo.”3

Quando os Irmãos Lumière fizeram a primeira sessão pública do cinema-


tógrafo, no porão do Grand-Café do Boulevard des Capucines, em Paris, no dia
28 de dezembro de 1895, não tinham a mínima ideia que estivessem criando um
novo tipo de arte. Para eles o cinema era só uma curiosidade científica, opinião
da qual discordou um dos espectadores, o mágico George Méliès; os irmãos
não se interessaram nem em discutir o assunto e muito menos em vender uma
de suas câmeras para o impressionado senhor.

OS PRINCIPAIS FILMES REALIZADOS

Da lista acima vale a pena destacar que a considerada uma das melhores
adaptações pela crítica é a russa, dirigida por Grigori Kozintsev, em 1957. O Quixote
é feito pelo ator Nicolai Tcherkassov, que tem uma interpretação muito contida,
deixando muitas intenções ocultas, como se estivesse em uma obra de Anton
Tchecov, com sua ‘vida submersa’. Tcherkassov anda pela aldeia, um cenário
fantástico construído na planície russa, com uma capa negra, escondendo-se
com gestos muito teatrais. Dom Quixote não é misterioso, nem dissimulado.
Dulcinea aparece como uma vizinha muito mais jovem, que frequenta a casa de
Alonso, e no final aparece com um figurino saído diretamente de Las meninas de
Velázquez. O filme é uma obra que tenta afrontar o cinema americano da época,
feito em versão panorâmica (tela de 2:35), com um colorido elaborado (mas
que envelheceu e não foi remasterizado). As escolhas de cenário, iluminação
e de vestuário vem claramente da pintura de Diego Velázquez e de Francisco
de Goya, que estão bem representados nas coleções dos museus russos, como
no Hermitage. É uma boa versão, mas falta a vida e a solaridade manchega.

3 AUMONT, J. O cinema e a encenação. Lisboa: Texto & Grafia, 2005, p. 14.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


150
A primeira adaptação realmente feita por um diretor espanhol é a de 1947,
bem avaliada até hoje. O filme de 1947 é dirigido por Rafael Gil, diretor criativo e
tem como Quixote Rafael Rivelles, que tem a presença destrambelhada neces-
sária para o personagem. O filme tem adaptação de Rafael Gil, sobre síntese
literária de Antonio Abad Ojuel e participação de Armando Cotarelo, da Real
Academia Española. Ele é filmado no cenário real, La Mancha, e sobra talento
aos intérpretes. Sobre a obra e o diretor o Diccionario del cine español comenta:

“Nadie, en efecto, se surtió del acervo literario español con tanta


avidez. (...) Don Quijote de La Mancha (1947), una de sus mejores
películas y, quizá, una de las versiones más prudentes que se han
hecho del libro.”4

A primeira versão cinematográfica é a francesa do início do cinema, feita


em 1898, lembremos que o cinema nasceu em 1895. O grande criador da ficção
no cinema, o francês Georges Méliès, fez uma versão em 1909; o reco- nhecido
cineasta austríaco Georg Wilhelm Pabst fez um Quixote totalmente afrance-
sado em 1933. Orson Welles dirigiu uma versão em 1955 na Espanha, que ficou
incompleta e sem montagem, como alguns de seus trabalhos, ela foi finalizada
pelo cineasta espanhol Jesus Franco somente em 1992, com um resultado
fraco e discutível. A mais conhecida de todas as versões é a espanhola feita em
1991, da primeira parte, com roteiro de Camilo José Cela, escritor ganhador do
Prêmio Nobel de Literatura em 1989, com Fernando Rey, acompanhado pelo
conhecido comediante Alfredo Landa, que faz um impagável Sancho. A segunda
parte deste Quixote não foi realizada, pois Fernando Rey morreu em 1994, uma
pena. Em 2002 a Televisión Española apoiou a segunda parte feita pelo mesmo
diretor, Manuel Gutiérrez Aragón, que teve o título de El caballero Don Quijote,
mas que tem um ator vivendo o Quixote sem o carisma de Rey.
A adaptação de Terry Gilliam é uma coprodução com a Espanha e é a mais
atual, estreou em Cannes em junho de 2018 (no Brasil em novembro). É a mais
recente, e a mais polêmica, tem cenários, direção de arte feita por espanhóis

4 ACADEMIA DE LAS ARTES Y LAS CIENCIAS CINEMATOGRÁFICAS DE ESPAÑA. Diccionario del cine español.
Dirigido por José Luis Borau. Madrid: Alianza Editorial, 1998, p. 411.

ISBN 978-65-5360-512-1 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


151
e a participação de atores castelhanos no elenco, não nos papéis principais
(Quixote e Sancho). Os filmes realizados sobre o clássico de Miguel de Cer-
vantes na Espanha, com participação de atores, produtores, técnicos tem uma
característica distinta das outras adaptações.

Figura 3. Jonathan Pryce como Dom Quixote, no filme de Terry Gilliam de 2018. Fotograma.

Sendo Cervantes e seu personagem, o Quixote, espanhóis e ao mesmo


tempo sem marcas limitantes desta procedência, tornam-se universais ontolo-
gicamente. E parodiando Tostói podemos dizer que o Quixote-é universal por
cantar a sua aldeia e seu entorno, La Mancha. No fotograma acima de O homem
que matou Dom Quixote temos uma imagem da riqueza e da complexidade da
obra adaptada criativamente por Gilliam. Vemos o sapateiro, que agora acredita
que é Dom Quixote e que tem 400 anos, com o livro Dom Quixote na mão. Na sua
direita vemos a luz prateada do projetor, que lança a imagem de Dom Quixote
numa tela, que está atrás do personagem, uma inspiração óbvia em Velázquez. E o
diálogo não para ai, atrás do Quixote/sapateiro está El coloso de Francisco de
Goya, que desde 2008 é atribuído a um de seus seguidores Asensio Julià, depois
de 200 anos como obra original do mestre. El Coloso também está desenhado
na parte exterior da carroça que serve de palco e prisão para este Quixote, que
tem uma placa indicativa de ‘El Quijote vive’. Vive sim, na imaginação de seus
leitores e na retina de seus fiéis espectadores, no cinema e nas edições deste
livro universal feitas todos os anos, ao redor do mundo, para encantar seus
atentos e ocupadíssimos leitores/espectadores.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


152
REFERÊNCIAS
ARRUDA, M. do N. Metrópole e cultura. 1 ed. Bauru: Editora Edusc, 2001.

AUMONT, J. O cinema e a encenação. 2. ed. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2008.

CANAVAGGIO, J. Cervantes. São Paulo: Editora 34, 2005.

CERVANTES SAAVEDRA, M. Don Quijote de La Mancha. 14. ed. Barcelona: Editorial Juventud, 1998.
Edición íntegra, con más de 2.000 notas de Martín de Riquer, de la Real Academia Española.

GARCÍA FERNÁNDEZ, E. El cine español entre 1896 y 1939. Historia, industria, filmografía y documentos.
1. ed. Barcelona: Ariel, 2002.

HIDALGO, J. E. Adaptações de Dom Quixote para o cinema. REVISTA RE-PRODUÇÃO, v. 3, p. 4-8,


2016. Disponível em: http://www.casaguilhermedealmeida.org.br/revista-reproducao/ver-noticia.
php?id=90. Acesso em: 05 fev. 2019.

______. O pícaro Miguel de Cervantes. UNESP CIÊNCIA, São Paulo, p. 38 - 39, jul. 2016. Disponível
em: http://unespciencia.com.br/2016/07/01/homenagem-76/. Acesso em: 05 fev. 2019.

MANZANO ESPINOSA, C. La adaptación como metamorfosis. Transferencias entre el cine y la


literatura. 1. ed. Madrid: Fragua, 2008.

PÉREZ PERUCHA, Julio. Antología crítica del cine español 1906-1995. Flor en la sombra. 1. ed. Madrid:
Cátedra/Filmoteca Española, 1997.

RODRIGUEZ MARÍN, Francisco. Estudios cervantinos. 1. ed. Madrid: Ediciones Atlas, 1947.

VIEIRA, Maria Augusta da Costa. A narrativa engenhosa de Miguel de Cervantes. 2. ed. São Paulo:
Edusp, 2017.

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153
08
ESCOLAS BRASILEIRAS E
SUSTENTABILIDADE NA SOCIEDADE DE
RISCO: A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL PARA O FORTALECIMENTO
DA SUSTENTABILIDADE NO ÂMBITO DAS
ESCOLAS A PARTIR DA AGENDA GLOBAL
2030

Silvio José Franco


(UNIVALI)

Adilson Pires Ribeiro


(UFSC)

Luiz Fernando Biasi Staskowin


(UFSC)

' 10.37885/231215144
RESUMO

O artigo tem como tema a importância da educação ambiental para o fortaleci-


mento da sustentabilidade no âmbito educacional. O problema questiona se a
incrementação de estudos voltadas ao ensinamento no âmbito das escolas no
Brasil poderia fortalecer a compreensão sobre a importância da preservação do
meio ambiente e a difusão de práticas sustentáveis. Tem como objetivo aferir
se a educação ambiental contribui para o fortalecimento da proteção do meio
ambiente ecologicamente equilibrado e prática de ações sustentáveis. Quanto
à justificativa, urge-se a atual e ampla perspectiva de compreensão do meio
ambiente, a exigir uma proteção que seja igualmente extensa, sob pena de não
ser efetiva, permitindo que tal proteção se realize no âmbito das escolas por meio
de uma educação que contemple, no mínimo, as bases de direito ambiental e
sustentabilidade. A hipótese sustentada é que a educação ambiental é neces-
sária no âmbito das escolas, notadamente para o estímulo de práticas mais
sustentáveis. O trabalho se subdivide em três objetivos. Primeiramente, dispõe
sobre o que se compreende por meio ambiente e sustentabilidade. Em seguida,
aborda a perspectiva do desenvolvimento sustentável na atualidade. A partir
desse panorama, apresenta uma compreensão sobre educação ambiental e sua
importância nas escolas, como um novo paradigma de sustentabilidade. A ter-
ceira etapa analisa a sustentabilidade nas escolas a partir da Agenda Global
2030. É utilizado o método de abordagem dedutivo. A pesquisa se encerra com
a conclusão, em que se confirma a hipótese levantada.

Palavras-chave: Educação Ambiental, Sustentabilidade, Desenvolvimento


Sustentável, Meio Ambiente, Agenda Global 2030.

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155
INTRODUÇÃO

A presente investigação científica tem como tema a importância da


educação ambiental para o fortalecimento da sustentabilidade no âmbito das
escolas. O problema da pesquisa questiona se a incrementação de estudos
voltadas ao ensinamento, ainda que de forma básica, no âmbito das escolas,
poderia fortalecer a compreensão sobre a importância da preservação do
meio ambiente e difusão de práticas sustentáveis no contexto da sociedade
de risco. A pesquisa proposta, assim, tem como objetivo aferir se a educação
ambiental contribui para o fortalecimento da proteção do meio ambiente eco-
logicamente equilibrado e para a prática de ações sustentáveis, de modo a
tentar superar a sociedade de risco, especialmente a partir do paradigma da
Agenda Global 2030.
Quanto à justificativa, urge-se a atual e ampla perspectiva de compreen-
são do meio ambiente, a exigir uma proteção que seja igualmente extensa, sob
pena de não ser efetiva, permitindo, assim, que tal proteção se realize inclusive
no âmbito das escolas, por meio de uma educação que contemple, no mínimo,
as bases de direito ambiental e de práticas sustentáveis. Vale dizer que com
a urbanização e a evolução da sociedade, a compreensão de meio ambiente
foi reconfigurada e a natureza passou a ser compreendida a partir de uma
perspectiva de necessária proteção, onde as práticas de extração/consumo
de recursos de forma desenfreada têm perdido espaço para práticas de cunho
sustentável, notadamente, no caso do Brasil, diante da atual ordem constitu-
cional (CRFB/1988), que exige um meio ambiente ecologicamente equilibrado
para as presentes e futuras gerações. Tanto é que:

De acordo com Phipippi Jr; Pelicioni (2005), a sociedade capitalista


urbano-industrial e seu atual modelo de desenvolvimento econômico
e tecnológico têm causado crescentes impactos sobre o ambiente, e
a percepção desse fenômeno vem ocorrendo de maneiras diferentes
por ricos e pobres. Se o homem não mudar radicalmente a sua
mentalidade de depredar a natureza, ele ficará soterrado em seus
próprios dejetos. Nem a natureza deixará a sociedade impune
dos equívocos cometidos contra o ambiente, pois, teme-se que
o homem do século XX, apesar de seu suporte tecnológico, fique
marcado, na história da humanidade, como um bárbaro (MUCELIN,
2004) (EFFTING, 2007, p. 8).

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


156
Outrossim, segundo o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades
Sustentáveis e Responsabilidade Global foi estabelecido o compromisso da
sociedade civil para a construção de um modelo mais humano, reflexivo e har-
mônico de desenvolvimento sustentável. De acordo com referido documento,
quanto aos “princípios da Educação para Sociedades Sustentáveis e Respon-
sabilidade Global”:

A educação é um direito de todos; somos todos aprendizes e


educadores. A educação ambiental deve Ter como base o
pensamento crítico e inovador, em qualquer tempo ou lugar, em seus
modos formal, não-formal e informal, promovendo a transformação
e a construção da sociedade. A educação ambiental é individual
e coletiva. Tem o propósito de formar cidadãos com consciência
local e planetária, que respeitem a autodeterminação dos povos e
a soberania das nações. A educação ambiental não é neutra, mas
ideológica. É uma ato político. A educação ambiental deve envolver
uma perspectiva holística, enfocando a relação entre o ser humano,
a natureza e o universo de forma interdisciplinar. A educação
ambiental deve estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito
aos direitos humanos, valendo-se de estratégias democráticas e
da interação entre as culturas. A educação ambiental deve tratar
as questões globais críticas, suas causas e inter-relações em uma
perspectiva sistêmica, em seu contexto social e histórico. Aspectos
primordiais relacionados ao desenvolvimento e ao meio ambiente,
tais como população, saúde, paz, direitos humanos, democracia,
fome, degradação da flora e fauna, devem se abordados dessa
maneira (BRASIL, 1992).

Nesse panorama, o estudo que aqui se projeta contribui para o conhe-


cimento, pesquisa e extensão por meio da compreensão dos contextos e os
fenômenos envolvidos no âmbito da proteção do meio ambiente no contexto da
educação ambiental nas escolas. Partindo-se da hipótese de que a educação
ambiental é necessária no âmbito das escolas, notadamente para o estímulo
de práticas mais sustentáveis, o trabalho se subdividiu em três objetivos espe-
cíficos. Primeiramente, disporá sobre o que se compreende por meio ambiente
e sustentabilidade, destacando o aspecto conceitual. Em seguida, abordará a
perspectiva do desenvolvimento sustentável na atualidade. E, a partir desse
panorama, na segunda etapa buscará apresentar uma compreensão sobre
educação ambiental e sua importância nas escolas, como um novo paradigma

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157
de sustentabilidade. Então, na terceira etapa abordará a questão da educa-
ção ambiental no contexto da sociedade de risco e sua interconexão com a
Agenda Global 2030.
Com relação à metodologia empregada, foi utilizado o método de abor-
dagem e de procedimento o dedutivo. Já as técnicas de suporte adotadas com-
preendem o uso de legislação, doutrinas, artigos e revistas. Por fim, a presente
pesquisa se encerra com as considerações finais, nas quais serão apresentados
pontos conclusivos destacados nos próprios textos normativos, doutrinários e
revistas científicas.

MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE CONTEMPORÂNEOS:


UMA CONVERSA INICIAL PARA O DEBATE

Inicialmente, importante destacar que no âmbito interno (Brasil), o conceito


normativo de meio ambiente pode ser extraído do disposto no art. 3º, inciso I, da
Lei n. 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, ao
dispor que meio ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e intera-
ções de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em
todas as suas formas”. Além disso, de acordo com o art. 2º da referida norma, a
Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e
recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País,
condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança
nacional e à proteção da dignidade da vida humana.
Tem-se, ainda, a partir da referida norma, princípios como: (1) ação gover-
namental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente
como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido,
tendo em vista o uso coletivo; (2) racionalização do uso do solo, do subsolo, da
água e do ar; (3) planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;
(4) proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;
(5) controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;
(6) incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso
racional e a proteção dos recursos ambientais; (7) acompanhamento do estado
da qualidade ambiental; (8) recuperação de áreas degradadas; (9) proteção de
áreas ameaçadas de degradação; e, (10) educação ambiental a todos os níveis

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


158
de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para
participação ativa na defesa do meio ambiente (BRASIL, 1981).
Conforme mencionado na introdução da pesquisa, o meio ambiente, na
contemporaneidade, tem sido a grande preocupação de todas as comunidades
nacionais e internacionais, seja em razão das visíveis mudanças provocadas
pela ação humana no meio (social, ambiental, econômico e institucional), seja
pela resposta que a natureza dá a essas ações. Em termos doutrinários, ade-
mais, o meio ambiente pode ser composto por elementos naturais e artificiais
assim entendidos por terem sido alterados pela ação do homem, de modo a
envolver uma interação de tudo que é essencial para a vida e a sua composição
é dada pela atmosfera, litosfera, hidrosfera e biosfera. Assim, pode-se afirmar
que o meio ambiente:

Inclui fatores físicos, biológicos e sócio-econômicos. Para Luís


Paulo Sirvinskas (1990) o meio ambiente, “pode ser dividido em:
a) meio ambiente natural; b) meio ambiente cultural; c) meio
ambiente artificial; e d) meio ambiente do trabalho”. Para Marcelo
Abelha Rodrigues, a divisão do meio ambiente em “artificial’’ e
“natural’’ é meramente acadêmica e deve ser evitada, para não
se ter em mente a existência de meios ambientes diversos, com
diversas formas de tutela material ou instrumental. No entanto
admite que o meio ambiente natural, ou seja, aquele que não foi
construído pelo homem, possui um aspecto de abrangência e
proteção mais nobre e mais largo que o meio ambiente artificial
(PEREIRA, 2019, p. 12).

Conforme explica José Afonso da Silva, “o meio ambiente é, assim, a inte-


ração do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas” (SILVA, 2000, p.
20), pois, segundo o autor, a “integração busca assumir uma concepção unitária
do ambiente, compreensiva dos recursos naturais e culturais” (SILVA, 2000, p.
20). Também na esfera conceitual, Talden Farias apresenta a distinção entre o
meio ambiente natural e o artificial. Segundo o autor:

O meio ambiente natural, ou físico, é constituído pelos recursos


naturais, que são invariavelmente encontrados em todo o planeta,
ainda que em composição e em concentração diferente, e que podem
ser considerados individualmente ou pela correlação recíproca de

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cada um desses elementos com os demais. Os recursos naturais são
normalmente divididos em elementos abióticos, que são aqueles
sem vida, como o solo, o subsolo, os recursos hídricos e o ar, e em
elementos bióticos, que são aqueles que têm vida, a exemplo da
fauna e da flora. Esse é o aspecto imediatamente ressaltado pelo
citado inciso I do artigo 3º da Lei 6.938/81.
O meio ambiente artificial é o construído ou alterado pelo ser
humano, sendo constituído pelos edifícios urbanos, que são os
espaços públicos fechados, e pelos equipamentos comunitários,
que são os espaços públicos abertos, como as ruas, as praças e as
áreas verdes. Esse aspecto do meio ambiente abrange também a
zona rural, referindo-se simplesmente aos espaços habitáveis, visto
que nela os espaços naturais também cedem lugar ou se integram
às edificações artificiais. Entretanto, o enfoque do direito ao meio
ambiente artificial é, realmente, as cidades, que é o espaço onde
atualmente habita a maior parte da população brasileira e mundial,
cabendo por isso ao poder público promover o acesso ao lazer,
à infraestrutura urbana, à moradia, ao saneamento básico, aos
serviços públicos e ao transporte. É nesse contexto que a Carta
Magna estabelece o direito às cidades sustentáveis, o que deve ser
feito por meio de uma política urbana apropriada e participativa,
nos moldes do que determinam os artigos 182 e 183, o Estatuto da
Cidade (Lei 10.257/01) e Estatuto da Metrópole (Lei 13.089/2015)
(FARIAS, 2017, p. 5).

Conforme assevera Américo Donizete Batista, o progresso econômico,


principal incentivador da utilização irregular dos meios naturais, no contexto
contemporâneo, confronta-se com os enunciados voltados à tutela de pro-
teção do meio ambiente e incursionamento da sustentabilidade, em face ao
desenvolvimento econômico (BATISTA, 2010). Dessa forma, uma política de
informações voltada aos alunos de escolas, públicas ou privadas, acerca dos
custos reais dos produtos consumidos, “não só imediatos, mas consciente da
degradação muitas vezes irreversíveis, objetivando valorar na seara predatória e
protecionista o consumo de matérias primas, recursos naturais, energia e gera-
ção de descarte de resíduos, torna-se de suma importância” (BATISTA, 2010, p.
52). O direito ambiental passa a ser compreendido como um direito consagrado
de todos e não de indivíduos, onde os princípios ambientais buscam efetivar
as condutas de preservação para a presente e futura geração, com práticas
reais de preservação e de sustentabilidade, que minimizem os impactos atuais
ao meio ambiente, bem como, os atos futuros lesivos a este (BATISTA, 2010).

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


160
A CRFB/1988 assegurou diversos direitos e garantias fundamentais,
acolhendo, especificamente, as prerrogativas atinentes ao meio ambiente e
reconhecendo-o como bem jurídico autônomo . Tanto é que o artigo 170 dispõe
sobre a necessidade de haver um desenvolvimento econômico compatível com
o meio ambiente, mantendo-o ecologicamente equilibrado. A saber:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho


humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços
e de seus processos de elaboração e prestação;
[...] (grifou-se).

Além disso, a CRFB/1988 reservou um capítulo específico para tutelar o


meio ambiente (Capítulo VI do Título VIII), dispondo que:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade
o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras
gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder
Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e
prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do
País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação
de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais
e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a
alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada
qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos
que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio

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ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará
publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de
técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a
vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino
e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas
que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção
de espécies ou submetam os animais a crueldade.
VIII - manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis
destinados ao consumo final, na forma de lei complementar, a
fim de assegurar-lhes tributação inferior à incidente sobre os
combustíveis fósseis, capaz de garantir diferencial competitivo
em relação a estes, especialmente em relação às contribuições
de que tratam a alínea “b” do inciso I e o inciso IV do caput do art.
195 e o art. 239 e ao imposto a que se refere o inciso II do caput
do art. 155 desta Constituição.
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar
o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida
pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções
penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados.
§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do
Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio
nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de
condições que assegurem a preservação do meio ambiente,
inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos
Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos
ecossistemas naturais.
§ 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua
localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser
instaladas.
§ 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste
artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem
animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o §
1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem
de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro,
devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o
bem-estar dos animais envolvidos.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


162
Em se tratando de sustentabilidade, importante consignar que referido
termo em latim sustentare, significa, no sentido passivo, sustentar-se, equi-
librar-se, conservar-se, manter-se. Já no sentido ativo, sustentar significa a
ação externa feita para conservar, manter, nutrir, alimentar, fazer prosperar,
subsistir, viver. Leonardo Boff defende que o termo surgiu em 1560 na Alema-
nha, juntamente com a silvicultura e com a preocupação pelo uso racional das
florestas (SILVA; LEÃO, 2020). Em termos conceituais, a sustentabilidade pode
ser compreendida como:

O conjunto dos processos e ações que se destinam a manter


a vitalidade e a integridade da Mãe Terra, a preser vação dos
seus ecossistemas com todos os elementos físicos, químicos e
ecológicos que possibilitam a existência e a reprodução da vida, o
atendimento das necessidades da presente e das futuras gerações,
e a continuidade, a expansão e a realização das potencialidades da
civilização humana em suas várias expressões (BOFf, 2012, p. 14).

Segundo Juarez Freitas, ainda, pode ser definida como:

Princípio constitucional que determina, com eficácia direta e


imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela
concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial,
socialmente inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo,
inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente
de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito
ao bem-estar (FREITAS, 2012, p. 41).

Conforme explicam Maria de Lourdes Bacha, Jorgina Santos e Angela Schaun:

Em termos econômicos, a sustentabilidade prevê que as organizações


têm que ser economicamente viáveis, face ao seu papel na sociedade
e que deve ser cumprido levando em consideração o aspecto
da rentabilidade, dando retorno ao investimento realizado pelo
capital privado. Do ponto de vista social, a organização deveria
proporcionar boas condições de trabalho e em termos ambientais,
a empresa deveria pautar-se pela ecoeficiência dos seus processos
produtivos, oferecendo condições para o desenvolvimento de
uma cultura ambiental organizacional, adotando-se uma postura
de responsabilidade ambiental e buscando a não-contaminação
de qualquer tipo do ambiente natural. Também seria importante
procurar participar de todas as atividades propostas pelas

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autoridades governamentais locais e regionais no que diz respeito
ao meio ambiente.O crescente interesse pela sustentabilidade
tem apresentado impactos nas estratégias das empresas. São
cada vez mais cobradas demonstrações de que a empresa tem
um foco sustentável. Esta cobrança é feita tanto pela sociedade
como pelos seus clientes corporativos, governos, dentre outros
(BACHA; SANTOS; SCHAUN, 2010, p. 8).

Não se pode negar que o advento das necessidades econômicas da


sociedade exigem que a mesma busque constantemente seu desenvolvimento.
Isso, porém, exige que esse incursionamento se dê de maneira sustentável. Isso
porque, as analogias entre sustentabilidade e desenvolvimento sustentável
“avançam na direção da compreensão das inter-relações de um único sistema
composto pelas atividades humanas e ambientais. Tal compreensão possui uma
dupla finalidade: satisfazer a necessidade da humanidade; sustentar os siste-
mas que dão suporte à vida no planeta” (FEIL; SCHREIBER, 2017, p. 667-681).
A sustentabilidade, na sociedade atual, abrange os sistemas e o desen-
volvimento sustentável no que se refere às necessidades humanas e ao seu
bem-estar. O desenvolvimento sustentável, nesse contexto, passa a ser com-
preendido como “acesso para atingir a sustentabilidade, sendo esta conside-
rada o intento final de longo prazo”. Consiste, pode-se dizer, em “uma meta
ou parâmetro (objetivo final) definido por meio de critérios científicos, que
mensura e acompanha os resultados gerados pela utilização de estratégias
do desenvolvimento sustentável” (FEIL; SCHREIBER, 2017, p. 676). A partir de
tal panorama, passa-se, na etapa seguinte, a compreender a importância da
educação ambiental para a proteção do meio ambiente e promoção de práticas
sustentáveis no âmbito escolar.

EDUCAÇÃO NAS ESCOLAS E SUA INTERCONEXÃO COM O MEIO


AMBIENTE: UM NOVO PARADIGMA DE SUSTENTABILIDADE

Na atualidade, vê-se que a questão ambiental tem ganhado relevo no


tecido social, notadamente diante do acentuado crescimento dos riscos e
incertezas da sociedade. Por isso, as discussões sobre direito ambiental e sus-
tentabilidade têm sido consideradas como um fato que precisa ser trabalhada
com toda sociedade e, principalmente, nas escolas, uma vez que as “crianças

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


164
bem informadas sobre os problemas ambientais vão ser adultas mais preo-
cupadas com o meio ambiente, além do que elas vão ser transmissoras dos
conhecimentos que obtiveram na escola sobre as questões ambientais em sua
casa, família e vizinhos” (MEDEIROS; MENDONÇA; SOUSA; OLIVEIRA, 2011,
p. 2). Vale dizer, outrossim, que as instituições de ensino já estão conscientes
que precisam trabalhar a problemática ambiental e muitas iniciativas têm sido
desenvolvidas em torno desta questão, “onde já foi incorporada a temática do
meio ambiente nos sistemas de ensino como tema transversal dos currículos
escolares, permeando toda prática educacional”(MEDEIROS; MENDONÇA;
SOUSA; OLIVEIRA, 2011, p. 2).
A perspectiva da educação ambiental nas escolas, públicas ou privadas,
contribui para a formação de cidadãos mais conscientes, aptos para decidirem
e atuarem na realidade socioambiental de um modo comprometido com a vida,
com o bem-estar, o que, aliás, vai ao encontro da proteção constitucional, no
sentido de promover uma sociedade com meio ambiente ecologicamente equi-
librado, para as presentes e futuras gerações.
Como se sabe, o espaço escolar é um dos primeiros locais de contato
social diário das crianças, possibilitando passos para a conscientização dos
futuros cidadãos para com o meio ambiente. Por isso a necessidade de a edu-
cação ambiental ser introduzida em todos os conteúdos (interdisciplinariedade),
de modo a relacionar o ser humano com a natureza. A inserção da perspectiva
ambiental no ensino de jovens pode ser uma forma de sensibilizar os educandos
para um convívio mais saudável com a natureza e no próprio espaço escolar.
Aponta-se, dessa forma, que esse olhar “deve ser trabalhado com grande fre-
quência na escola, porque é um lugar por onde passam os futuros cidadãos,
ou que pelo menos deveriam passar e quando se é criança, tem mais facilidade
para aprender” (MEDEIROS; MENDONÇA; SOUSA; OLIVEIRA, 2011, p. 2).
Destaca-se uma forma interessante de se perceber a diversidade e com-
plementaridade de se trabalhar no campo de educação ambiental em escolas,
proposta pela professora canadense Sauvé, no seguinte sentido:

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Educação sobre o ambiente – informativa, com enfoque na
aquisição de conhecimentos, curricular, em que o meio ambiente
se torna um objeto de aprendizado. Apesar de o conhecimento ser
importante para uma leitura crítica da realidade e para se buscar
formas concretas de se atuar sobre os problemas ambientais, ele
isolado não basta;

Educação no meio ambiente – vivencial e naturalizante, em que


se propicia o contato com a natureza ou com passeios no entorno
da escola como contextos para a aprendizagem ambiental. Com
passeios, observação da natureza, esportes ao ar livre, ecoturismo,
o meio ambiente oferece vivências experimentais tornando-se um
meio de aprendizado; e,

Educação para o ambiente – construtivista, busca engajar


ativamente por meio de projetos de intervenção socioambiental
que previnam problemas ambientais. Muitas vezes traz uma visão
crítica dos processos históricos de construção da sociedade
ocidental, e o meio ambiente se torna meta do aprendizado.
(SORRENTINO; TRAJBER, 2007, p. 17).

De seu torno, a autora Patrícia Ramos Mendonça trabalha com a com-


preensão de Educação Ambiental como um processo educativo que dialoga
com valores éticos e regras políticas de convívio social, “cuja compreensão
permeia as relações de causas e efeitos dos elementos socioambientais numa
determinada época, para garantir o equilíbrio vital dos seres vivos” (MENDONÇA,
2007, p. 47), apresentando algumas condições, são elas:

1. Inserir a EA com sua condição de transversalidade para se


contrapor à lógica segmentada do currículo contemplando o
ideal de uma nova organização de conhecimentos por meio de
práticas interdisciplinares;

2. Trabalhar o conceito crítico de EA para não correr o risco de cair


num tema neutro e despolitizado, que não provoque e/ou desperte
a condição de cidadania ativa, ampliando seu significado para um
movimento de pertencimento e co-responsabilidade das ações
coletivas, visando ao bem-estar da comunidade;

3. A mudança de valores e atitudes nos indivíduos preconizados


pela EA não é suficiente para gerar mudanças estruturais numa
sociedade. Pela compreensão da complexidade, as partes não
mudam necessariamente o todo, pois ambas têm um movimento

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


166
dialético cujas conexões individuais versus grupo podem gerar
mudança efetiva. A mudança individual como principal vetor para
a mudança global representa uma visão simplista do trabalho
com as relações sociais e não é suficiente para mudar o padrão
de desenvolvimento;

4. Consequentemente, o processo de EA incide ao mesmo tempo


no individual e no coletivo e, no caso da escola, isto pressupõe
também um aprendizado institucional, ou seja, seria necessário
que a “instituição escola” se submetesse a uma mudança de
agenda e procedimentos burocráticos. Dessa forma, os elementos
conceituais que orientam a EA poderiam estar no “núcleo duro”
da institucionalidade da educação como nos projetos político-
pedagógicos e na gestão. Ao trabalhar com movimentos individuais
e coletivos ao mesmo tempo, a EA torna-se um fenômeno político
(MENDONÇA, 2007, p. 47).

Para Heloina Oliveira da Silva e Renilton Delmundes Bezerra, o espaço


escolar pode ser considerado um dos locais onde o futuro cidadão dará os
primeiros passos para a sua conscientização sobre a importância da sustenta-
bilidade e meio ambiente. Isso porque “é na escola que o aluno dará sequência
ao processo de socialização iniciado em casa e portanto, possui um papel
importante no que diz respeito ao processo de formação tanto social, quanto
ambiental dos alunos” (SILVA; BEZERRA, 2016, p. 168). Portanto, o ensino em
educação ambiental deve ser abordado em sala de aula não apenas para cum-
prir uma exigência do Ministério da Educação, mas, sobretudo, por se acreditar
que é a única maneira de aprender e ensinar que existem outros habitantes no
planeta além dos seres humanos. Deve, portanto, ser trabalhada e dissemi-
nada no espaço escolar de forma prazerosa, já que requer mudanças reais, de
comportamento pessoal e comunitário (SILVA; BEZERRA, 2016).
A partir de tal perspectiva, pode-se compreender a educação ambiental
como um tema multidisciplinar, a incursionar variadas formas de pensamento,
exigindo do educador a compreensão do conhecimento de cada aluno, exercendo,
portanto, papel fundamental nesse processo de imersão educativo-ambiental
(FERREIRA; PEREIRA; BORGES, 2013). O educador deve estar preparado para
aplicar os conteúdos de interação com o aluno, dividindo culturas, experiências
e, acima de tudo, respeitando a maneira de pensar de cada sujeito (FERREIRA;
PEREIRA; BORGES, 2013). Tanto que segundo o art 22, caput, da Lei n. 9.394/1996,

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que estabelece diretrizes e bases da educação nacional, “a educação básica
tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum
indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir
no trabalho e em estudos posteriores”. Tal previsão legal nos leva a compreender
que qualquer educador tem a obrigação de buscar um desenvolvimento pessoal
e consciente da Educação Ambiental no espaço escolar.
Tanto é que, de acordo com o art. 3º, inciso X, da Lei n. 6.938/1981, que
dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, a Política Nacional do Meio
Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade
ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvol-
vimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção
da dignidade da vida humana, atendidos, dentre outros princípios, a “educação
ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade,
objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente”.
A partir desse quadro, pode afirmar-se que a Educação Ambiental se tornou,
na sociedade contemporânea, mais do que uma obrigação legal/institucional
das escolas, mas, sobretudo, uma ferramenta indispensável no combate à des-
truição ambiental no qual todos os seres vivos estão inseridos, com a promoção
de ações voltadas ao incursionamento de pensamentos e atitudes de cunho
sustentável. Nesse espaço, professores e alunos tornam-se os principais agentes
de transformação e de conservação do meio ambiente, uma vez que é nesse
espaço de ensino onde mais se conversa sobre o assunto. Assim, para que se
crie uma ideia conservacionista do planeta, mostra-se imprescindível a criação
de uma consciência na qual o ambiente não é propriedade individual, mas um
lugar de todos e para todos (MEDEIROS; MENDONÇA; SOUSA; OLIVEIRA, 2011).

EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CONTEXTO DA SOCIEDADE DE


RISCO E SUA INTERCONEXÃO COM A AGENDA GLOBAL 2030

Sabidamente, a multiplicação dos riscos, incertezas e inseguranças tra-


zidos pela modernidade e industrialização, tanto do consumo quanto da refle-
xividade no campo sociopolítico, com especial afetação nas searas ambiental,
tecnológicos e desenvolvimentista, apresenta-se como elemento-chave para
se buscar maior compreensão das características, limites e transformações do

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


168
atual modelo moderno de sociedade: a sociedade do risco. Teoricamente, a
perspectiva dos riscos [contemporâneos], segundo Beck (1997), compreendem
os limites e as consequências das práticas sociais e políticas adotadas no curso
histórico, de modo a fazer surgir um novo elemento: a reflexividade. O tecido
social, produtor e maximizador dos riscos, torna-se, à medida que tais riscos
são incorporados na sociedade, crescentemente reflexiva, em outras palavras
torna-se, a um só tempo, um tema e um problema para si própria. O tecido
sociopolítico se torna cada vez mais autocrítico, pois se reconhece a criação
dos perigos (JACOBI, 2007).
Pode-se dizer que “a sociedade global “reflexiva” se vê obrigada a con-
frontar-se com aquilo que criou, seja de positivo ou de negativo”, de modo que o
conceito de risco “passa a ocupar um papel estratégico para entender as carac-
terísticas, os limites e as transformações do projeto histórico da modernidade”
(JACOBI, 2007, p. 55), especialmente no que concerne à [re]configuração do
conhecimento científico e tecnológico dos sujeitos. Tanto que, segundo refletem
Maurício Pietrocola e Carolina Rodrigues de Souza:

O novo papel do conhecimento científico e tecnológico na formação


para a cidadania, não pode se manter alinhado com a ideia de
um estado de bem-estar progressivo. O conhecimento científico
e tecnológico teve papel fundamental em ampliar o sentimento
de segurança ontológica das pessoas, mas isso aparentemente
terminou em algum momento no pós-guerra. Aprender a viver
num mundo, onde o futuro se mostra opaco, em várias direções
e onde a tomada de decisão precisa ser feita num ambiente de
incertezas é a nova fronteira educacional a ser perseguida nas
escolas e em outros contextos de aprendizagem. Não há como
escapar de tomar decisões em ambientes conflitivos, onde as
informações oferecidas pelas ciências e pela tecnologia são
cambiáveis e sujeitas a pontos de vistas contraditórios.
Podemos dizer que ter consciência de risco é ter projeções para
o futuro e não a certeza do presente. Dessa forma, a Ciência
assume um outro papel, ligado à construção dessa consciência
de risco. Não como o lugar da certeza absoluta, mas como fonte
importante para legitimação e reconhecimento dos riscos. Mais
do que nunca, a educação deve buscar preparar os indivíduos,
para estabelecerem uma relação mais dialógica e engajada com
a ciência e a tecnologia (PIETROCOLA; SOUZA, 2019, p. 70).

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O contexto atual da sociedade, inserido em uma nova realidade globalizada
pós-tradicional da modernidade [radicalizada] gera, concomitante à ideia de
progresso e até mesmo de desenvolvimento “sustentável”, crescente incerteza,
mutabilidade e reflexividade. Segundo Pedro Roberto Jacobi, o progresso pode se
transformar em autodestruição, um processo no qual um tipo de modernização
destrói o outro e o modifica. Para o autor, esse processo de [auto]destruição
faz surgir a possibilidade de se reinventar, ou repensar, a civilização industrial.
Segundo afirma, “observa-se uma transformação da sociedade industrial, origi-
nando a sociedade de risco. A sociedade de risco decorre da continuidade dos
processos de modernização autônoma, cegos e surdos a seus próprios efeitos
e ameaças” (2007, p. 56).
É justamente nesse contexto, da maximização da [auto]destruição,
desenfreada e, muitas vezes, legitimada pela irresponsabilidade organizada,
que se perpassa pela reflexão de que o caminho para uma sociedade mais
sustentável - e verdadeiramente reflexiva - se fortalece na medida em que se
desenvolvem práticas educativas que, pautadas sobretudo pelo paradigma da
complexidade dos riscos, incertezas e inseguras do pós-modernidade, apontam
para a escola e os ambientes pedagógicos uma atitude reflexiva em torno da
problemática ambiental: repensar para sustentar. Isso porque, na medida em que
o tema da sustentabilidade e meio ambiente confrontam-se com “o paradigma
da “sociedade de risco”, isso demanda a necessidade de se multiplicarem as
práticas sociais baseadas no fortalecimento do direito ao acesso à informação
e à educação em uma perspectiva integradora” (JACOBI, 2007, p. 57).
A partir do panorama atual, foi possível compreender que o ensino pautado
no paradigma de educação ambiental/sustentável deve ser abordado em sala
nas salas de aula não como mera exigência de Ministério da Educação, mas,
sobretudo, como mecanismo, quer-se crer, de reformular o ensino-aprendizado
reflexivo e sensível às mazelas ambientais que a sociedade atual tem enfrentado.
Daí porque expandir a perspectiva para nível global, a compreender, assim, a
educação ambiental sob o prisma da Agenda Global 2030 como forma de rom-
pimento do contexto de sociedade de risco que a sociedade tem se estruturado.
Conceitualmente, a Agenda Global 2030 consiste em uma agenda de
Direitos Humanos, criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e ade-
rida por 193 (cento e noventa e três) países. Tal instrumento internacional se

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


170
estabelece através de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169
metas baseadas em 241 indicativos. O programa e suas pautas foram incorpo-
rados pelo Poder Judiciário Brasileiro, por intermédio do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), tendo como marco inicial a criação do Comitê Interinstitucional
da Agenda 2030. Segundo colhe-se do Portal da Agenda 2030, no sítio do CNJ,
essas metas devem ser atingidas no período de 2016 a 2030, relacionadas a
efetivação dos direitos humanos e promoção do desenvolvimento, que incor-
poram e dão continuidade aos 8 ODM, a partir de subsídios construídos na Rio
+ 20 (BRASIL, 2023).
No contexto da presente pesquisa, chama a atenção o ODS n. 4 da
Agenda Global 2030, que visa assegurar a educação inclusiva, equitativa e de
qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para
todas e todos. Em especial, destaca-se o indicador 4.7 da Agenda, que contempla
a educação para sustentabilidade, no sentido de:

[...]
4.7 Até 2030, garantir que todos os alunos adquiram conhecimentos
e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento
sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o
desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos
humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz
e não violência, cidadania global e valorização da diversidade
cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento
sustentável (NAÇÕES UNIDAS, 2015).

De acordo com o preâmbulo da Agenda Global 2030, a visão futurista da


sustentabilidade, em seu aspecto macro-global, é extremamente ambiciosa e
transformadora, ao se colocar como meta um mundo com o acesso equitativo
e universal à educação de qualidade em todos os níveis, aos cuidados de saúde
e proteção social, onde o bem-estar físico, mental e social estão assegurados
(item 7 do preâmbulo). Pois, de acordo com a intenção dos países integrantes
da Agenda, o acesso à educação aumentou consideravelmente tanto para
meninos quanto para meninas. A disseminação da informação e das tecnologias
da comunicação e interconectividade global, nesse panorama, tem um grande
potencial para acelerar o progresso humano, para eliminar o fosso digital e para
o desenvolvimento de sociedades do conhecimento, assim como a inovação

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científica e tecnológica em áreas tão diversas como medicina e energia (item
15 do preâmbulo).
Quanto à implementação das premissas da agenda, o próprio instru-
mento reconhece (item 59 do preâmbulo) que existem diferentes abordagens,
visões, modelos e ferramentas disponíveis para cada país, de acordo com suas
circunstâncias e prioridades nacionais, para alcançar o desenvolvimento sus-
tentável, mas que, reafirma-se que o planeta Terra e seus ecossistemas são a
casa comum e que a “Mãe Terra” é uma expressão comum em vários países
e regiões. A partir de tal perspectiva, a educação ambiental - de forma efetiva
e não como mera formalidade do Ministério da Educação -, pode ser inserida,
aqui no Brasil, como uma abordagem que busca estancar, na raiz, a narrativa
consumismo desenfreado: a conscientização e preparação dos sujeitos, dentro
da escola, para lidar com os problemas reais da sociedade de risco.
Quando aqui se defende a observância à Agenda Global 2030, não se
está defendendo uma simples orientação das escolas a partir de instrumento
internacional sem qualquer força normativa. Pelo contrário. Justamente pelo
fato de os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável comporem um acordo
internacional, ao qual o Brasil é signatário e fazer parte das Nações Unidas na
Cúpula de Desenvolvimento Sustentável (Nova York, em setembro de 2015),
“possuem inferência nos direitos humanos, uma vez que também buscam a
defesa da dignidade da pessoa humana” (GOMES; MARQUES, 2020, p. 230).
Por esse motivo, segundo Magno Federici Gomes e Lorena Dolabela
Marques, os tratados internacionais terão aplicabilidade imediata pela sua
incorporação automática ao direito interno brasileiro por meio da ratificação
(GOMES; MARQUES, 2020). Assim, compreende-se que os 17 objetivos da
ONU, dos quais o Brasil optou por ser signatário, “integram o ordenamento
jurídico pátrio como normas de hierarquia superior às normas infralegais. Por
isso, não restam dúvidas a respeito de sua força normativa” (GOMES; MAR-
QUES, 2020, p. 231).
É importante reconhecer que, de maneira geral, a sociedade atual - dita
como moderna, ou mesmo pós-moderna - tem poucos meios para lidar com
os riscos criados e exasperados pelo consumismo. Atualmente, pode-se dizer
que praticamente inexistem instituições capazes de monitorar as mudanças
tecnológicas e suas influências nos modos de vida das pessoas. Ao que se

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


172
infere, a educação científica parece colocar a natureza como se ela ainda fosse
a velha natureza; ou seja, como se a tradição científica ainda fosse a tradição
no período industrial, percepção essa que acaba por reduzir “a capacidade
das pessoas em lidar com os riscos, que nascem no interior desse amalgama,
em que se tornaram a Ciência-Tecnologia-Sociedade na contemporaneidade”
(PIETROCOLA; SOUZA, 2019, p. 70).
A quebra do paradigma [i]rreflexivo, construído e fortalecido pelas dico-
tomias desenvolvimentistas do consumismo, retira dos sujeitos a capacidade
de refletir sobre suas ações, individuais e coletivas, sobre o meio em que estão
inseridos e os impactos para a consecução de um loop criacional de riscos, ali-
mentados pela ausência de senso crítico. A roda que gira o consumo e legitima
com mascaramento democrático a esteira consumista é, em si mesma, frágil,
inconsequente, e, alimenta-se, sobretudo, pela incessante busca de felicidade
e materialidade emocional em produtos e serviços destinados à descartabi-
lidade. Superar esse panorama sociocultural é, antes de tudo, compreender
que a criação da sociedade estruturalizada no risco tem início na educação de
base que se tem sobre consumo, meio ambiente e sociedade e, portanto, aqui,
nesta etapa de construção do sujeito social, há maior possibilidade de quebrar
a curva devastadora da [ir]reflexibilidade moderna: a superação da sociedade
de risco pelo processo de ensino-aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vale dizer que com a urbanização e a evolução da sociedade, a com-


preensão de meio ambiente foi reconfigurada e a natureza passou a ser com-
preendida a partir de uma perspectiva de necessária proteção, onde as práticas
de extração/consumo de recursos de forma desenfreada tem perdido espaço
para práticas de cunho sustentável, notadamente, no caso do Brasil, diante da
nova e atual ordem constitucional de 1988, que exige um meio ambiente eco-
logicamente equilibrado, a ser preservado pelas presentes e futuras gerações.
O meio ambiente, na contemporaneidade, tem sido a grande preocupação
de todas as comunidades nacionais e internacionais, seja em razão das visíveis
mudanças provocadas pela ação humana no meio (social, ambiental, econômico
e institucional), seja pela resposta que a natureza dá a essas ações. Em termos

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doutrinários, ademais, o meio ambiente pode ser composto por elementos
naturais e artificiais assim entendidos por terem sido alterados pela ação do
homem, de modo a envolver uma interação de tudo que é essencial para a
vida e a sua composição é dada pela atmosfera, litosfera, hidrosfera e biosfera.
A perspectiva da educação ambiental nas escolas, públicas ou privadas,
contribui para a formação de cidadãos mais conscientes, aptos para decidirem
e atuarem na realidade socioambiental de um modo comprometido com a vida,
com o bem-estar, o que, aliás, vai ao encontro da proteção constitucional, no
sentido de promover uma sociedade com meio ambiente ecologicamente equi-
librado, para as presentes e futuras gerações.
O espaço escolar pode ser considerado um dos locais onde o futuro
cidadão dará os primeiros passos para a sua conscientização sobre a impor-
tância da sustentabilidade e meio ambiente. Isso porque é na escola que o
aluno dará sequência ao processo de socialização iniciado em casa e portanto,
possui um papel importante no que diz respeito ao processo de formação tanto
social, quanto ambiental dos alunos. Portanto, o ensino em educação ambiental
deve ser abordado em sala de aula não apenas para cumprir uma exigência
do Ministério da Educação, mas, sobretudo, por se acreditar que é a única
maneira de aprender e ensinar que existem outros habitantes no planeta além
dos seres humanos.
A partir de tal perspectiva, pode-se compreender a educação ambiental
como um tema multidisciplinar, a incursionar variadas formas de pensamento,
exigindo do educador a compreensão do conhecimento de cada aluno, exercendo,
portanto, papel fundamental nesse processo de imersão educativo-ambien-
tal. O educador deve estar preparado para aplicar os conteúdos de interação
com o aluno, dividindo culturas, experiências e, acima de tudo, respeitando a
maneira de pensar de cada sujeito. Tanto que segundo o art 22, caput, da Lei n.
9.394/1996, que estabelece diretrizes e bases da educação nacional, “a educação
básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação
comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para
progredir no trabalho e em estudos posteriores”. Tal previsão legal nos leva a
compreender que qualquer educador tem a obrigação de buscar um desen-
volvimento pessoal e consciente da Educação Ambiental no espaço escolar.

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Tanto é que, de acordo com o art. 3º, inciso X, da Lei n. 6.938/1981, que
dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, a Política Nacional do Meio
Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade
ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvol-
vimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção
da dignidade da vida humana, atendidos, dentre outros princípios, a “educação
ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade,
objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente”.
De modo geral, como visto, a sociedade atual - dita como moderna, ou
mesmo pós-moderna - tem poucos meios para lidar com os riscos criados e
exasperados pelo consumismo. Atualmente, pode-se dizer que praticamente
inexistem instituições capazes de monitorar as mudanças tecnológicas e suas
influências nos modos de vida das pessoas. Ao que se infere, a educação cien-
tífica parece colocar a natureza como se ela ainda fosse a velha natureza; ou
seja, como se a tradição científica ainda fosse a tradição no período industrial.
Assim, é de concluir que a quebra do paradigma [i]rreflexivo, construído
e fortalecido pelas dicotomias desenvolvimentistas do consumismo, retira dos
sujeitos a capacidade de refletir sobre suas ações, individuais e coletivas, sobre
o meio em que estão inseridos e os impactos para a consecução de um loop
criacional de riscos, alimentados pela ausência de senso crítico. A roda que gira
o consumo e legitima com mascaramento democrático a esteira consumista é,
em si mesma, frágil, inconsequente, e, alimenta-se, sobretudo, pela incessante
busca de felicidade e materialidade emocional em produtos e serviços destina-
dos à descartabilidade. Superar esse panorama sociocultural é, antes de tudo,
compreender que a criação da sociedade estruturalizada no risco tem início na
educação de base que se tem sobre consumo, meio ambiente e sociedade e,
portanto, aqui, nesta etapa de construção do sujeito social, há maior possibilidade
de quebrar a curva devastadora da [ir]reflexibilidade moderna: a superação da
sociedade de risco pelo processo de ensino-aprendizagem.
A partir desse panorama, pode afirmar-se que a Educação Ambiental se
tornou, na sociedade contemporânea, mais do que uma obrigação legal/institu-
cional das escolas, mas, sobretudo, uma ferramenta indispensável no combate
à destruição ambiental no qual todos os seres vivos estão inseridos, com a
promoção de ações voltadas ao incursionamento de pensamentos e atitudes de

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cunho sustentável. Nesse espaço, professores e alunos tornam-se os principais
agentes de transformação e de conservação do meio ambiente, uma vez que é
nesse espaço de ensino onde mais se conversa sobre o assunto. Assim, para
que se crie uma ideia conservacionista do planeta, mostra-se imprescindível a
criação de uma consciência na qual o ambiente não é propriedade individual,
mas um lugar de todos e para todos.

REFERÊNCIAS
BACHA, Maria de Lourdes; SANTOS, Jorgina; SCHAUN. Considerações teóricas sobre o conceito
de Sustentabilidade. VII SEGeT – Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia – 2010, p. 8.
Disponível em: <https://www.aedb.br/seget/arquivos/artigos10/31_cons%20teor%20bacha.pdf>.
Acesso em: 22 mar. 2023.

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1ª. Ed., vol.01, p. 52, 2010. Disponível em: <https://www.unifafibe.com.br/revistasonline/arquivos/
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EFFTING, Tânia Regina. Educação ambiental nas escolas públicas: realidade e desafios. Monografia
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09

PATRIMONIALISMO, BUROCRACIA E
GERENCIALISMO NA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA BRASILEIRA

Gabriel Augusto Miranda Setti


Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

' 10.37885/231115083
RESUMO

O estudo pretende analisar a possível coexistência de três modelos de admi-


nistração pública no Brasil (patrimonialista, burocrática e gerencialista). Neste
contexto vale levar em consideração os avanços e retrocessos que houveram no
âmbito da reforma de Estado alavancada em grande parte a partir do período
de governo de Fernando Henrique Cardoso. As conseqüências desta reforma
de maior âmbito, a reforma de Estado, e a relação da mesma com a tentativa de
reforma na Administração Pública brasileira darão elementos para se discutir
a possível coexistência dos três modelos no Brasil.

Palavras-chave: Reforma de Estado, Reforma na Administração Pública,


Modelos de Administração Pública, Brasil.

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A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PATRIMONIALISTA:

A Administração Pública “Patrimonialista” possui uma característica fun-


damental: a permeabilidade entre o público e o privado. Como assim? Se fosse
criada uma linha evolutiva entre os modelos de administração pública, e mesmo
sobre uma concepção de Estado que leve em conta a res publica (coisa pública)
, a Administração Pública Patrimonialista com certeza seria a menos desen-
volvida e racional, ou a que menos levaria em conta o que é de fato “público”.
Neste caso há uma confusão e uma interpenetração entre o patrimônio
público e o patrimônio privado (como o próprio nome “patrimonialismo” se faz
remeter). Na verdade o que existe é praticamente uma apropriação do que é
público pelo governante, que utiliza o bem público como se fosse uma simples
“extensão” de sua propriedade. Vale a pena recorrer à maestria de Weber para
descrever os traços da relação dos funcionários patrimoniais:

A posição global do funcionário patrimonial é, portanto, em


oposição à burocracia, produto de sua relação puramente pessoal
de submissão ao senhor, e sua posição diante dos súditos nada mais
é que o lado exterior desta relação. Mesmo ali onde o funcionário
político não é pessoalmente um dependente da corte, o senhor
exige sua obediência ilimitada no cargo. Pois a fidelidade ao
cargo do funcionário patrimonial não é uma fidelidade objetiva do
servidor perante tarefas objetivas, cuja extensão e conteúdo estão
delimitados por determinadas regras, mas sim, uma fidelidade de
criado que se refere de forma rigorosamente pessoal ao senhor e
constitui uma parte integrante de seu dever de princípio universal
de piedade e fidelidade. (WEBER, 1999, p. 254)

Além destas características acima a administração pública baseada em


valores patrimonialistas está bastante vulnerável ao nepotismo e a corrupção,
já que os princípios que a norteiam são subjetivos e pessoais, não públicos e
racionais. Bresser, ex-Ministro da Era FHC e um dos principais pensadores
sobre o tema, ressalta ainda que este modelo definiu as monarquias absolutistas
que entendiam o Estado como propriedade do rei e de seus agregados. Para
corroborar com este argumento as palavras dele são esclarecedoras:
A característica que definia o governo nas sociedades pré-capitalistas e
pré- democráticas era a privatização do Estado, ou a interpermeabilidade dos

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


180
patrimônios público e privado. ― Patrimonialismo significa a incapacidade
ou relutância de o príncipe distinguir entre o patrimônio público e seus bens
privados. A administração do estado pré-capitalista era uma administração
patrimonialista. (PEREIRA, 2005, p.26).
Acrescenta ainda que esse modelo de administração iria historicamente
se tornar incompatível com as novas estruturas dos Estados capitalistas que
emergiram a partir do século XIX, com o surgimento das democracias e das
sociedades industrializadas. Desta maneira é possível dizer que a administração
patrimonialista foi um primeiro modelo que daria gênese às novas estruturas
que seriam criadas ao longo dos séculos seguintes. Entretanto, é o mais super-
ficial e menos racional dos modelos, já que é erguido sob critérios baseados
em privilégios, tradição, parentesco e outros, bem distantes da meritocracia do
modelo burocrático, que será explicado logo em seguida.
É bem ilustrativo, no caso brasileiro, a Administração Pública se encon-
trar recheada dos chamados ― cargos comissionados - que funcionam como
uma espécie de butim a ser dividido por aqueles que foram exitosos nas elei-
ções. Os cargos comissionados ou “cargos de confiança” são aqueles de livre
nomeação e exoneração por parte do político eleito, o qual possui grandes
margens para a contratação, sem concurso público, de servidores temporários.
Destaca-se que muitas vezes os mesmos não possuem as qualidades requeridas
para executar de forma satisfatória suas tarefas no Serviço Público. Essa rotina
bem recorrente nos três âmbitos de governo (Federal, Estadual e Municipal) serve
na maioria das vezes como cabides de empregos para pessoas despreparadas
e agregados dos grupos políticos que venceram os pleitos.

A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BUROCRÁTICA

Na análise da evolução histórico-cronológica dos modelos de Administra-


ção Pública explicitados por Bresser chega-se o momento de esmiuçar alguns
detalhes da Administração Pública chamada de “Burocrática”. Esta se caracteriza
por uma racionalização dos processos administrativos e uma profissionalização
dos quadros do funcionalismo. A administração pública burocrática reflete a
ascendência do capitalismo e o amadurecimento das instituições públicas
democráticas que se consolidaram principalmente a partir do século XIX.

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Esse modelo é de certa maneira uma resposta à permeabilidade que
existia na Administração Pública Patrimonialista, cuja característica básica era
o pouco ou nenhum limite entre o público e o privado. Bresser, ainda sobre este
assunto explica que:

Com o surgimento do capitalismo e da democracia, estabeleceu-se


uma distinção clara entre res publica e bens privados. A democracia
e a administração pública burocrática emergiram como as principais
instituições que visavam a proteger o patrimônio público contra a
privatização do Estado. Democracia é o instrumento político que
protege os direitos civis contra a tirania, que assegura os direitos
sociais contra a exploração e que afirma os direitos públicos em
oposição ao rent-seeking. Burocracia é a instituição administrativa
que usa, como instrumento para combater o nepotismo e a corrupção
– dois traços inerentes à administração patrimonialista -, os princípios
de um serviço público profissional e de um sistema administrativo
impessoal, formal e racional. (PEREIRA, 2005, p.26).

A burocracia no sentido de uma administração pública baseada em


critérios racionais e legais possui suas raízes no pensamento de Weber, o qual
considera este tipo de dominação (racional-legal) como a principal função do
Estado Moderno. Sobre a concepção weberiana de Estado as próprias palavras
do autor são elucidativas:

O Estado, do mesmo modo que as associações políticas


historicamente precedentes, é uma relação de dominação de
homens sobre homens, apoiada no meio de coação legítima (quer
dizer, considerada legítima). Para que ele subsista, as pessoas
dominadas têm que se submeter à autoridade invocada pelas
que dominam no momento dado. Quando e por que fazem isto,
somente podemos compreender conhecendo os fundamentos
justificativos internos e os meios externos nos quais se apóia a
dominação. (WEBER, 1999, p.526)

Weber considera que as justificações internas, ou seja, os fundamentos


da legitimidade de uma dominação recaem sobre três princípios. O primeiro
deles é a dominação baseada na tradição. O segundo é a dominação caris-
mática. E, finalmente, a dominação em virtude da legalidade e na crença em
estatutos legais, que se baseia nas competências objetivas fundamentadas em
regras racionalmente elaboradas.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


182
Estes são os princípios básicos de uma Administração Pública Burocrática,
critérios de racionalidade, legalidade, normas, formalidade e outras maneiras
objetivas de garantir a forma e o Poder Público dos Estados. Weber traz impor-
tante definição sobre a conceituação de Estado Moderno:

Estado moderno é uma associação de dominação institucional, que


dentro de determinado território pretendeu com êxito monopolizar
a coação física legítima como meio de dominação e reuniu para
este fim, nas mãos de seus dirigentes, os meios materiais de
organização, depois de desapropriar todos os funcionários
estamentais autônomos que antes dispunham, por direito próprio,
destes meios e de colocar-se ele próprio, em seu lugar, representado
por seus dirigentes supremos. (WEBER, 1999, p.529)

É na formação dos Estados Modernos e capitalistas que a burocracia


ganhou autonomia e foi o grande diferencial das estruturas administrativas até
então vigentes. O critério passava a ser racional e objetivo e não mais baseado
em carisma, dogmas ou parentescos. Essa formação de um corpo burocrático
impunha uma profissionalização dos quadros administrativos e a seleção dos
mesmos deveria passar paulatinamente a se basear em critérios meritocráticos
e de aptidão para executar as tarefas típicas do Estado.
Pode-se dizer que no modelo burocrático o poder emana das normas,
das regras, dos procedimentos. Para que isso aconteça esse tipo de adminis-
tração precisa possuir alguns traços fundamentais. Dentre eles se destacam
a formalização, que consiste na utilização de maneiras escritas e formalizadas
de comunicação e nos procedimentos com o intuito de garantir a proteção
de alterações arbitrárias e também garantir os registros das tramitações de
assuntos relevantes para a administração pública.
Outras características da administração burocrática são: a divisão do
trabalho, uma especificação das atividades de cada funcionário público; a
hierarquização, ou seja, a composição de uma pirâmide organizacional em que
existem funções de chefia e outras subalternas; a impessoalidade, que nada
mais é do que uma forma de trabalho do servidor público que garanta que sua
substituição não trará nenhum prejuízo ao sistema como um todo, de modo
que não haja uma apropriação pessoal do cargo ocupado e nem tratamento
especial para qualquer possível beneficiário.

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Avançando na lista tem-se a competência técnica e a meritocracia, que
consiste na escolha dos funcionários a partir de critérios que levem em conta o
mérito e as capacidades para execução das tarefas as quais foram destinados,
havendo critérios de seleção e de avaliação objetivos; separação entre propriedade
e administração, fato este que impede que os burocratas sejam ― donos - da res
publica, mas sim funcionários que servem ao Estado; a profissionalização dos
funcionários, que busca a capacitação e a reciclagem constante do funciona-
lismo público e por fim a previsibilidade do funcionamento, ou seja, a partir de
critérios formais e objetivos pode se obter um controle sobre o funcionamento
da máquina pública, mesmo este não sendo pleno.
Segundo o autor de grande prestígio Abrucio, o momento em que este
modelo de Welfare State se mostrou aparentemente esgotado foi em meados
dos anos 1970, quando os Estados entraram em crises em suas três dimensões:
econômica, social e administrativa. O autor acrescenta ainda que estas três
dimensões estão intimamente interligadas, como explica no trecho abaixo:

A primeira dimensão era a keynesiana, caracterizada pela ativa


intervenção estatal na economia, procurando garantir o pleno
emprego e atuar em setores considerados estratégicos para o
desenvolvimento nacional – telecomunicações e petróleo, por
exemplo. O Welfare State correspondia à dimensão social do modelo.
Adotado em maior ou menor grau nos países desenvolvidos, o Estado
do Bem-Estar social (educação, saúde, previdência social, habitação
etc.), para garantir o atendimento das necessidades básicas da
população. Por fim, havia a dimensão relativa ao funcionamento
interno do Estado, o chamado modelo burocrático weberiano, ao
qual cabia o papel de manter a impessoalidade, a neutralidade e a
racionalidade do aparato governamental. (ABRUCIO, 2005, p. 175).

Além das funções básicas exercidas pelo Estado liberal dos séculos ante-
riores foram acrescentadas tantas outras como: prover a educação pública, a
saúde pública, a cultura, a seguridade social, os incentivos à ciência e tecnologia,
investimentos em infra-estrutura e proteção ao meio ambiente. Criou-se também
a necessidade de mecanismos mais eficientes de cobranças e recolhimento de
impostos, já que a carga tributária em relação ao Produto Interno Bruto (PIB)
aumentou substancialmente.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


184
Podem ser elencadas algumas das disfunções causadas pelo excesso de
burocracia como: a internalização rígida das normas, o excesso de formalismo
e papéis, a resistência a mudanças, a despersonalização dos relacionamentos
entre as pessoas, a categorização das decisões, o recurso da autoridade como
justificação de determinadas ações e tantas outras.
A Administração Pública Burocrática acabou se tornando sinônimo do
que cotidianamente no senso comum se chama de “burrocracia” ou do “excesso
de burocracia” ou do “custo” Brasil. Na verdade a existência da burocracia, tec-
nicamente falando, é a própria condição de existência de um Estado racional
e que funciona sobre bases legais, ou seja, a burocracia é a alma da máquina
estatal que foi erguida ao longo dos processos históricos de consolidação dos
Estados nacionais modernos. Todavia, no sentido mais rasteiro a burocracia
é o excesso de formalismo, exigências, regras estúpidas que impedem que a
administração pública seja eficiente.
Neste sentido a burocracia acabou se tornando um fim em si mesmo. Ela
se tornou em muitos casos auto-referenciada, impedindo inovações e adapta-
ções às novas demandas societais. As regulamentações excessivas, o apego
demasiado às formalidades e outras tantas disfunções contribuíram para que
o objetivo principal da administração pública fosse desviado, deixando de ter o
foco no interesse público e passando a criar uma estrutura que se preocupava
com a sua própria manutenção e sobrevivência.

A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL

O terceiro modelo de Administração Pública na escala histórica descrita


por Bresser é o chamado “Gerencial”. Ele difere bastante dos dois anteriores e
seria uma espécie de progresso ou avanço dos seus antecessores. No primeiro
tipo já descrito, o Patrimonialista, a característica essencial é a permeabilidade
entre o público e o privado, o que gera distorções graves como o nepotismo e
critérios de organização baseados na subjetividade.
Já na Administração Pública Burocrática há um progresso com relação
ao patrimonialismo. O modelo weberiano foi a resposta objetiva ao surgi-
mento dos Estados

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Nacionais e às suas novas demandas. A existência de uma administração
baseada em critérios de dominação racional-legal e de procedimentos objetivos
atendeu às exigências da época assim como foi importante para fundar um corpo
burocrático profissionalizado e meritocrático. Como já foi dito anteriormente, com
a expansão dos Estados e com a sua conseqüente atuação em diversas outras
esferas da sociedade os princípios da administração burocrática começaram a
caducar e demonstraram sinais de esgotamento e de ineficiência.
Bresser considera que o esgotamento ou mesmo a falta de respostas às
novas demandas do mundo globalizado forçaram nos últimos anos à redefinição
do papel do Estado, do seu grau de interferência na sociedade, principalmente
no campo econômico. Essa redefinição do aparelho de Estado como um todo
também forçou a emergência de um novo modelo de administração pública, o
modelo chamado por ele como “Gerencial”. Ele define algumas de suas carac-
terísticas básicas:

Algumas características básicas definem a administração pública


gerencial. É orientada para o cidadão e para a obtenção de
resultados; pressupõe que os políticos e os funcionários públicos
são merecedores de grau limitado de confiança; como estratégia,
serve-se da descentralização e do incentivo à criatividade e à
inovação; e utiliza o contrato de gestão como instrumento de
controle dos gestores públicos. (PEREIRA, 2005, p. 28)

Ele acrescenta ainda que a administração gerencial surge como um


modo de enfrentar a crise fiscal pela qual os Estados estavam passando. Era
uma estratégia para reduzir os custos e tornar mais eficiente a administração
dos imensos serviços que cabiam ao Estado, depois do processo de inflamento
que ele sofreu nas últimas décadas.
O ex-Ministro no Plano Diretor da Reforma do Estado de 1995 conceitua
o modelo pós-burocrático a ser implantado no Brasil:

Administração Pública Gerencial – Emerge na segunda metade


do século XX, como resposta, de um lado, à expansão das funções
econômicas e sociais do Estado, e, de outro, ao desenvolvimento
tecnológico e à globalização da economia mundial, uma vez que
ambos deixaram à mostra os problemas associados ao modelo
anterior. A eficiência da administração pública – a necessidade
de reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços, tendo o

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


186
cidadão como beneficiário – torna-se então essencial. A reforma
do aparelho do Estado passa a ser orientada predominantemente
pelos valores da eficiência e qualidade na prestação dos serviços
públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas
organizações. (BRASIL, 1995, p. 16)

A partir destas características do gerencialismo Bresser se defende das


críticas de que é uma “estratégia neoliberal”. Segundo ele a administração
pública gerencial é frequentemente identificada com o neoliberalismo porque
as técnicas de gerenciamento são quase sempre introduzidas ao mesmo tempo
em que se implantam os programas de ajustes estruturais que visam enfrentar
as crises fiscais dos Estados. Por este motivo a administração gerencial, mesmo
possuindo uma plataforma administrativa claramente identificada com a lógica
empresarial, não deve ser vista, segundo o autor, como uma reforma neoliberal.
A administração pública gerencial, segundo consta no Plano Diretor da
Reforma do Estado de 1995, constitui um avanço e até certo ponto um rompi-
mento com a Administração Pública Burocrática. Isto não significa, entretanto,
que negue todos os seus princípios (BRASIL, 1995, p. 16). E logo adiante acres-
centa uma das diferenças mais significativas dos dois modelos ao dizer que
― a diferença fundamental está na forma de controle, que deixa de basear-se
nos processos para concentrar-se nos resultados, e não na rigorosa profissio-
nalização da administração pública, que continua um princípio fundamental.
(BRASIL, 1995, p. 16).
Apesar dos alicerces na Administração Pública Burocrática, a inspiração
vem da gestão empresarial. Segundo o Plano Diretor feito por Bresser e sua
equipe, enquanto a receita das empresas depende dos pagamentos que os
clientes fazem livremente da compra de seus produtos e impostos, a receita
do Estado é proveniente dos impostos. Outra diferença é com relação aos
mecanismos de controle. Se na empresa é o mercado que dita as regras e as
aprovações ou punições, no tangente à administração pública é a sociedade
quem faz este controle.
Outro destaque é para o fato de que nas empresas o objetivo é o lucro e a
maximização dos interesses dos donos ou acionistas. Já no caso da administra-
ção gerencial o único interesse deve ser a satisfação pública. Dessa relevância
do interesse público surge uma outra diferença entre o modelo burocrático e a

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proposta gerencialista. Bresser considera que o entendimento sobre o significado
de interesse público no paradigma burocrático acaba sofrendo uma distorção,
ou seja, a burocracia estatal passa a enxergar o interesse público como o inte-
resse do próprio Estado, ou mais, do seu próprio interesse, tornando-se, como
já foi dito, em uma estrutura que acaba por se preocupar com a sua própria
manutenção e sobrevivência.
Nesse contexto Bresser considera no Plano Diretor da Reforma de Estado
elaborado por ele e pela equipe do Ministério da Administração e Reforma de
Estado – MARE - que ao atuarem sob este princípio, os administradores públicos
terminam por direcionar uma parte substancial das atividades e recursos do
Estado para o atendimento das necessidades da própria burocracia, identificada
com o poder do Estado (BRASIL, 1995, p. 17). Ainda no mesmo parágrafo há uma
contraposição deste efeito colateral encontrado na burocracia e eliminado no
gerencialismo ao dizer que a Administração Pública Gerencial nega essa visão
do interesse público, relacionando-o com o interesse da coletividade e não com
o do aparato do Estado (BRASIL, 1995, p. 17).
Outros traços fundamentais do modelo gerencial são apresentados no
Plano Diretor. Um deles é o fato de que o gerencialismo vê o cidadão como
contribuinte de impostos e como “cliente” dos seus serviços. O bom resultado
é aquele que conseguiu atender as necessidades do cidadão-cliente, ao con-
trário da prioridade até então dada aos processos administrativos, como era
no caso do burocrático.
Além da satisfação dos usuários dos serviços públicos, o paradigma
gerencial deve ser fundamentado nos princípios da confiança e na descentra-
lização das decisões. Para que isso aconteça é necessário que existam formas
flexíveis de gestão, horizontalização de estruturas, descentralização de funções
e incentivos à criatividade. Esse perfil é o oposto da visão da burocracia tradi-
cional, a qual acabava atuando de forma engessada e se baseando na ideologia
do formalismo e do rigor técnico dos procedimentos.
Desta nova concepção estatal é que surgem, segundo Bresser, as críticas
de que o novo Estado preconizado por ele e por outros intelectuais de renome
foi erroneamente chamado de neoliberal. Para ele o neoliberalismo visa um
Estado ultra-mínimo, uma diminuição drástica de sua atuação na sociedade,
enquanto a sua proposta é a redefinição do Estado, a partir de critérios mais

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


188
mercadológicos e menos estadocêntricos, e a implantação de uma gestão
pública mais eficiente e eficaz.
Atualmente a discussão sobre o Estado se atualizou e chegou a algumas
conclusões importantes. Porém a grande crítica é a de desprezo ou negligên-
cia com as grandes questões sociais que o Brasil enfrenta desde sempre. Não
adianta pensar na reforma das instituições estatais levando em conta somente
seus ajustes estruturais, da máquina pública, mas sim pensando em seu papel
na redistribuição de renda e na busca de uma justiça social mínima em um país
com tamanhas desigualdades, econômicas, regionais, sociais e outras.
Fica claro que se não forem levados em conta esses fatores sociais, falar
em reforma de Estado pode acabar se tornando uma utopia, bem longe de ser
realizável. No artigo de Kettl (2005) o caráter estruturalista das reformas da
administração pública que geralmente acontecem é percebido pela plataforma de
ajustes recomendados: limitação das dimensões do setor público, privatização,
comercialização ou corporatização de órgãos públicos, descentralização para
governos subnacionais, desconcentração no governo central, uso de mecanismo
típicos de mercado, novas atribuições aos órgãos da administração central e
outras iniciativas de reestruturação ou racionalização.
Ainda focado num viés de reformas basicamente institucionais, no mesmo
livro de Bresser, William Glade apresenta as recomendações do Banco Mundial
no tocante ao enxugamento do Estado e na melhoria da gestão pública:

Reformas do serviço público, introdução de melhorias na


contabilidade pública e nos sistemas de controle fiscal,
desenvolvimento de sistemas aperfeiçoados de gerenciamento
financeiro e de informações, reformas na administração da lei,
mecanismos de auditoria, avaliação de desempenho nas saídas
(outputs) e não apenas nas entradas (inputs), sistemas variados
de treinamento e gerenciamento para lidar com a característica
evasiva da burocracia, introdução de maior vigilância do executivo
pelo Legislativo, descentralização das funções para governos
estaduais e locais a fim de combater o hábito do centralismo
administrativo, introdução da competição no setor público para
intensificar o accountability etc, - tudo isso visa a construir a
capacidade institucional e demonstrar o reconhecimento pelo
Banco (Mundial) de que, afinal, a reestruturação envolve não
só a mudança dos contornos da economia, mas também uma
reconfiguração do sistema administrativo.(GLADE, 2005, p. 132).

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O atendimento às recomendações do Banco Mundial e de outros orga-
nismos de crédito internacional como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e
o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) era pressuposto essencial
para a aquisição de empréstimos por parte dos países em dificuldades finan-
ceiras. Na maioria das vezes eram formas bastante explícitas de recomendar o
modelo institucional que mais se adequava, seguindo as orientações dos países
de capitalismo central e seus interesses.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na lista dos modelos de administração pública apresentados pelo


ex-Ministro e Professor Bresser-Pereira (patrimonial, burocrática e gerencial)
os casos brasileiros podem ser exemplificados como modelos híbridos. O que
isto significa e o que isto ajuda a entender? Ora, é fácil perceber que no Brasil
o modelo almejado era o de uma Administração Pública Gerencial, com ênfase
em resultados e performance e adequados às novas realidades. Porém o que de
fato aconteceu foi a co-existência dos três modelos de administração pública.
Explicando melhor, no Brasil existem, ao mesmo tempo, características
dos modelos “patrimonialista”, “burocrático” e “gerencial”. Na verdade os res-
quícios do patrimonialismo, principalmente, atravancam muito o alcance do
gerencialismo. O modelo burocrático nem sequer foi consolidado e já se tornou
ultrapassado e inadequado, porém parece ser o modelo ainda vigente.
Essa co-existência dos três modelos ajuda a concluir que as etapas de
progresso histórico dos modelos de administração pública existentes nem sequer
foram consolidadas. Ao se estudar a trajetória da evolução da Adminstração
Pública no Brasil verifica-se que pouco se avançou no quesito administração
pública, como algo profissionalizado e interativo com a sociedade. Na verdade
a sensação que se dá é contrária. Muitas vezes o cidadão se sente um refém
do Estado e da sua excessiva cobrança de impostos e tributos.
Quando olhamos para esse contexto de hibridismo de modelos adminis-
tração pública nos chama atenção a indagação do pesquisador do tema o Pro-
fessor Flávio Rezende em seu texto: Por que falham as reformas administrativas?
O Professor ressalta que há uma espécie de contradição interna intrínseca
aos próprios projetos de reforma administrativa. O primeiro problema reside no

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


190
fato de que as reformas procuram melhorar a performance do Estado gastando
menos. Daí aparece a primeira complicação. Como melhorar o desempenho
do Estado com menos recursos? O simples enxugamento de quadros tornaria
isto viável? Parece que não. A implantação de novos mecanismos de gestão,
com bases em novas tecnologias de informática e processos mais ágeis e com
maior controle necessita de investimentos.
Esta necessidade remete a um outro problema. Do ponto de vista prático
as políticas de reforma de Estado como um todo deram ênfase no ajuste fiscal,
ou seja, na tentativa de economizar recursos públicos. Para que se implantas-
sem sistemas de melhoria de arrecadação e cobrança de tributos, por exemplo,
eram necessários investimentos maciços, o que muitas vezes ia de encontro aos
interesses de outros órgãos gestores da reforma, que viam esses incrementos
de gestão como contrários às políticas de contenção de gastos.
Era esta contradição entre melhoria da eficiência e a busca de ajuste de
contas, inclusive pelas próprias pressões internacionais, que condicionavam
os resultados neste campo (econômico) aos empréstimos de recursos interna-
cionais e suas renovações. No caso brasileiro isto ficou muito claro, visto que
os Ministérios da Fazenda e do Planejamento muitas vezes sobrepujaram as
intenções do MARE, tudo isto em prol do objetivo maior de manter o ajuste fiscal.
O próprio Ministro Bresser se mostrou desgostoso com os rumos que as
coisas tomaram em determinados momentos:

O Ministro do Planejamento fica de tal forma concentrado no


orçamento que acaba deixando as reformas estruturais e a melhoria
da gestão pública em segundo plano. Para agir nesta área, não
é preciso muito poder; o que é necessário para o ministro é ter
uma orientação correta, ser respeitado pelos seus pares e pela
alta administração pública, e contar com o respeito e o apoio
do presidente. Eu contei com tudo isso, e por isso pude dar os
primeiros passos em uma reforma que ainda precisa caminhar
muito para ser julgada completa. (D’Incao e Martins, 2010, p.210).

As palavras de Bresser confirmam o fato de que a sensação é de incom-


pletude, e que falta muito a avançar nas reformas. No Brasil de Fernando Hen-
rique Cardoso, o Ministério da Administração e Reforma do Estado, o MARE,
se encontrava no mesmo nível hierárquico dos outros ministérios, o que o

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impossibilitava de tomar ações enérgicas e que englobassem todas a estrutura
da máquina estatal brasileira.
Havia ainda mais um agravante, o fato de que mesmo com apoio do
presidente, outros interesses de ministérios considerados mais importantes,
como o da economia e do planejamento, acabavam prevalecendo, sempre sob
o argumento de que os ajustes fiscais viriam em primeiro lugar. Isso fez com
que o MARE acabasse se tornando um Ministério que criava apenas recomen-
dações, nada com a força necessária para as transformações efetivas. A maior
prova disso é que o Plano Diretor da Reforma do Estado, de 1995 não passou
de apenas um documento com diretrizes.
Pode-se dizer que o Plano Diretor de 1995 logrou êxito em algumas
áreas. A transferência para o setor privado de atividades de produção de bens
e serviços cuja distribuição passou a se realizar através dos mecanismos de
mercado foi uma delas. Foram lançadas as bases, mesmo que incompletas,
da emergência de um Estado regulador, e não mais promotor do desenvolvi-
mento. As privatizações tiveram alguns pontos positivos, como a melhoria de
alguns serviços, como foi o caso da telefonia no Brasil. Em outros quesitos não
avançou muito, algumas tarifas subiram exacerbadamente e os serviços não
melhoraram como era esperado. Afinal, a realidade social é bem mais complexa
do que o próprio Plano.

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Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


194
10

UNIVERSALIZAÇÃO,
CONSERVADORISMO E SUBJETIVAÇÃO:
A HERANÇA CULTURAL DA VIOLÊNCIA
CONTRA A MULHER E PESSOAS
LGBTQIA+

Maria Clara Ramos Nery


Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS)

' 10.37885/231114920
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo investigar e analisar a presença e


a influência da universalização, do conservadorismo e da subjetivação na
construção da sociedade brasileira relacionando com às questões de gênero
e sexualidade, esses elementos são analisados de maneira complexa desta-
cando como a cultura e herança europeia desempenharam e desempenham
um papel fundamental na sociedade brasileira. O estudo busca compreender
como esses fatores contribuem para a manutenção da desigualdade de gênero
e a recusa ao diferente em se tratando da diversidade sexual no contexto de
nossa sociedade. O referencial teórico do estudo é baseado nos conceitos
de Michel Foucault, que auxiliam na compreensão das complexas interações
entre os elementos herdados do processo de colonização e a subjetivação na
sociedade brasileira. O estudo é dividido em vários momentos, incluindo a aná-
lise das relações de poder na colonização, a influência da cultura portuguesa,
a interdependência entre universalização, conservadorismo e subjetivação, a
aplicação da herança colonial na discriminação da comunidade LGBTQIA+ e
na violência contra as mulheres, e as considerações finais.

Palavras-chave: Universalização, Conservadorismo, Subjetivação,


Herança Cultural.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


196
INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo gerar reflexões acerca da presença em


nossa esfera sociocultural da universalização, do conservadorismo e da subjeti-
vação1 que se constituem elementos intrincados na construção das sociedades
ao longo da história do mundo Ocidental, moldando seus valores, normas e
relações de poder. No contexto brasileiro, essa dinâmica complexa da cultura
e herança cultural europeia, desempenha um papel fundamental nas questões
de gênero e sexualidade, especialmente quando se trata da violência dirigida
a mulheres e à comunidade LGBTQIA+.
Este tópico de estudo envolve a análise das influências da universalização,
caracterizada por ideais e normas globais, a presença do conservadorismo,
que resiste a mudanças e perpetua normas tradicionais, e a subjetivação, que
molda a forma como as pessoas se veem e interagem com o mundo à sua volta.
Esses elementos interagem de maneira complexa, criando um ambiente em
que a violência de gênero e a discriminação contra pessoas LGBTQIA+ são,
em muitos casos, enraizadas e perpetuadas, no contexto de nossa realidade
enquanto traços característicos típicos.
Esta pesquisa científica de caráter bibliográfico e resultante da revisão de
literatura relativo a projeto de pesquisa sobre diversidade sexual e de gênero,
visa lançar luz sobre as complexas interconexões entre esses elementos e suas
consequências para a promoção da igualdade de gênero e da diversidade sexual
em nossa sociedade.
O referencial teórico essencial para o estudo aqui realizado se constituiu
nos enfoques conceituais estabelecidos por Michel Foucault, na medida em
que este autor nos permite aprofundamentos necessários para compreen-
dermos a complexidade e as relações de interdependência entre elementos
herdados do processo de colonização especialmente a matriz de subjetivação

1 A subjetivação em Foucault refere-se ao processo pelo qual as pessoas se tornam sujeitos, internalizando
normas, valores e discursos específicos em contextos históricos e culturais. Este conceito desafia a ideia de uma
identidade fixa e unificada, destacando como o poder e o discurso desempenham um papel fundamental na
formação das subjetividades individuais e coletivas.

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constitutiva enquanto traço característico típico das diversas instâncias da
sociedade brasileira.
No primeiro momento trabalhamos com o enfoque no universal Ocidental,
destacando que nosso processo de colonização envolveu relações de poder
caracterizados pela subjetivação, em sentido foucaultiano, buscando demonstrar
a herança cultural recebida de nossos colonizadores e as raízes que ficaram no
contexto de nossa realidade cultural contemporânea; em segundo momento
objetivamos trabalhar de forma mais específica com a cultura transplantada
que recebemos dos portugueses colonizadores e seus efeitos nas esferas
sociocultural, sociopolítica e socioeconômica da sociedade brasileira; poste-
riormente buscamos demonstrar a relação de interdependência existente entre
universalidade, conservadorismo e subjetivação, como elemento constitutivo
nas dinâmicas das relações de poder presente em nossa sociedade; em outro
momento buscamos “aplicar” a herança colonial enquanto herança discrimina-
tória no campo da realidade do preconceito contra a comunidade LGBTQIA+
e a violência contra a mulher resultante do patriarcalismo que se encontra em
relação direta com o advento do machismo em nossa realidade sociocultural
historicamente e, por fim, nossas considerações finais.

O universal Ocidental e nosso processo de colonização marcado pela


subjetivação

Para abordar, o universal heterossexual, a violência contra a mulher


e pessoas LGBTQIA+, não podemos prescindir do enfoque no processo de
colonização e o universal ocidental. Refletir sobre a constituição histórica da
sociedade brasileira, se torna essencial e é este ponto que aqui temos por
escopo aprofundar. Este exame aspira compreender os aspectos históricos
que deram origem a uma estrutura sistemática de exercício da violência con-
tra esses segmentos sociais, alicerçada na concepção do universal ocidental.
Essa violência se manifesta de diversas formas, abrangendo desde agressões
físicas até maneiras mais sutis, como violência psicológica e simbólica, bem
como em múltiplas formas de discriminação. Nosso enfoque está na análise
da universalização da heterossexualidade como valor normativo das condutas
e na percepção da diversidade sexual e das relações de gênero.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


198
Destaque-se que o termo “universal ocidental” é referente à ideia de
padrões culturais que têm sido historicamente promovidos pelo mundo oci-
dental, marcado pelo eurocentrismo, portanto, pela cultura europeia e suas
extensões. Esta concepção de universalidade envolve a imposição de valores,
normas e sistemas de pensamento considerados universais, mas que, na rea-
lidade, refletem as perspectivas e interesses da cultura ocidental dominante.
Afirma França Neto o seguinte:

A civilização ocidental, desde seus primórdios, vive a utopia de


um universal sem restos. Desde a polis grega, passando pela
religião cristã e a república moderna, o ideal do Todo completo,
que fizesse da humanidade um corpo único, é a aspiração que
mobiliza o Ocidente. Mas o resto insiste. Nos gregos eles se
corporificavam nos escravos e nas mulheres; a religião cristã
exigiu um sacrifício inaugural, e a existência em separado, como
exceção transcendente, de seu criador; e a república moderna se
vê o tempo todo às voltas com os excluídos, presentificados, por
exemplo, nos imigrantes ilegais e nas favelas de nossas metrópoles.
(FRANÇA NETO, 2009, p.650-61).

A assertiva do autor nos deixa claro que a civilização ocidental, desde


seus remotos tempos, tem perseguido uma universalidade completa, não con-
siderando aqueles aos quais o autor denomina como “restos”, os diferentes, os
outsiders. Se busca um todo que para o autor tornaria a humanidade unificada em
seus preceitos socioculturais. Ao longo da história surgem grupos ou indivíduos
que ficaram a margem desse ideal da “vontade” universalizante do ocidente.
Na república moderna, a exclusão continua a ser um problema, com
exemplos como imigrantes ilegais e pessoas que vivem em favelas nas grandes
cidades, membros da comunidade LGBTQIA+, que são vistos como excluídos
ou marginalizados pela sociedade. Portanto, o autor busca demonstrar que
uma universalidade sem restos tem sido uma aspiração ao longo da história
da civilização ocidental, mas essa utopia é constantemente desafiada pela
existência de grupos ou indivíduos excluídos que não se encaixam nesse ideal,
mas que constroem específicos repertórios de ações individuais e coletivas que
tem chamado a atenção para a este “universal ocidental”.
No âmbito deste estudo, a referência ao “universal ocidental” sugere,
então, que a estrutura de violência contra mulheres e pessoas LGBTQIA+ na

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sociedade brasileira foi influenciada, por ideias e valores impostos, que podem
não ser necessariamente representativos das diversas culturas e perspectivas
presentes na sociedade brasileira e em outras culturas não ocidentais.
Esta imposição de valores universais muitas vezes resulta em uma mar-
ginalização das identidades culturais individuais e coletivas não conformes
com esses valores, contribuindo para a perpetuação da violência, discrimina-
ção, estigmatização contra grupos específicos, não enquadrados nos valores
e concepções ocidentais. Considerando estes aspectos cremos que podemos
perguntar: universal para quem?
Nossa cultura brasileira historicamente é uma cultura transplantada
(SODRÉ, 1993) do mundo europeu, sendo, portanto, marcada pelo eurocen-
trismo, o qual está intrinsecamente relacionado à universalização de valores
e concepções de mundo. Isso se deve ao papel histórico desempenhado pela
Europa e suas potências coloniais na expansão e imposição de suas ideias,
normas, visões de mundo e perspectivas em escala global.
Essa relação pode ser compreendida a partir do domínio colonial europeu,
que iniciou no Século XV. Nesse período, as potências europeias estenderam
seus valores culturais, éticos e morais, pelo mundo por meio do processo de
colonização. O eurocentrismo promoveu a ideia de que os valores, normas e
concepções de mundo europeus eram universais e superiores. Isso levou à
disseminação de ideias eurocêntricas como se fossem padrões objetivos e
aplicáveis a todas as culturas e sociedades em termos globais. A religião cristã,
a língua portuguesa no caso brasileiro e os sistemas políticos europeus foram
e continuam sendo frequentemente impostos como normas universais.
Destaque-se que: no contexto do colonialismo, a subjetivação desempe-
nhou um papel crucial na imposição da cultura e dos valores dos colonizadores
sobre as populações colonizadas. O colonialismo não se limitou apenas à domi-
nação física ou política, mas também visou moldar as mentes e as identidades
das pessoas colonizadas, forjando nelas uma subjetividade que se alinhasse
com a visão de mundo dos colonizadores. São significativas as palavras de
Novais, quando afirma que:

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


200
É, pois, a partir das coordenadas da estrutura socioeconômica da
época, a partir das relações dos homens entre si e não dos homens
com a natureza, que se poderá apreender o sentido da colonização
do Brasil. Sintetizando, para retomarmos mais adiante, o Brasil
nessa perspectiva apresenta-se como um produto da colonização
europeia e parte integrante do Antigo Sistema Colonial (NOVAIS,
2005, pg.27).

A Novais (2005) enfatiza a importância de compreender o processo de


colonização do Brasil, dentro do contexto das relações sociais, políticas e eco-
nômicas da época, em oposição à visão que se concentra apenas nas relações
dos colonizadores e a natureza, pois este processo estabeleceu os traços carac-
terísticos típicos da cultura brasileira. De outra parte, Novais (2005) argumenta
que é fundamental analisar a colonização brasileira, como um processo moldado
pelas dinâmicas econômicas e sociais da Europa e do Novo Mundo. Também,
considera que a colonização deve ser compreendida a partir das relações
entre os seres humanos, ou seja, das relações entre colonizadores europeus
e as populações nativas, bem como as dinâmicas sociais e econômicas que
surgiram na interação entre esses grupos. Importante o destaque feito pelo
autor de que o Brasil não é simplesmente uma área geográfica, ou um território,
mas sim um produto da colonização europeia. Isso nos permite compreender
que para o colonizador o Brasil não existia como uma entidade política e social
com seus traços típicos definidos, para eles (colonizadores) era um “bando” de
incivilizados que precisariam de “sua bondade” para tornarem-se civilizados,
tornarem-se “gente”.
Significativo o que o autor ressalta: que o Brasil fazia parte do Antigo
Sistema Colonial, que era um conjunto de colônias controladas por potências
coloniais europeias, como Portugal e Espanha. Isso implica que o Brasil estava
inserido em uma rede de relações comerciais, políticas e sociais que se esten-
diam além de suas fronteiras geográficas. Em suma, Novais (2005) destaca a
importância de considerar o contexto mais amplo das relações sociais, econô-
micas e políticas da época para entender a colonização do Brasil. Ele enfatiza
que o Brasil só pode ser adequadamente compreendido como um produto da
colonização europeia e como parte integrante do sistema colonial da época.
Isso nos convida a analisar a história do Brasil dentro de um quadro mais amplo
de dinâmicas globais e regionais.

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201
Assim, considerando nosso autor citado, podemos compreender que o
processo de subjetivação foi um elemento fundamental utilizado pelo coloniza-
dor europeu, não apenas para o Brasil, mas também para os demais países da
América Latina. Esse processo, em suma, constituiu uma matriz de subjetivação
no contexto das interações com as populações nativas.
A subjetivação, segundo Foucault (2018) refere-se ao processo pelo
qual as pessoas se tornam sujeitos, internalizando normas, valores e discursos
específicos em contextos históricos e culturais. Para o referido autor, as con-
cepções de sujeito e subjetividade são moldadas e transformadas ao longo
da história. Ele sugere que diferentes períodos históricos e culturais têm suas
próprias maneiras de definir e entender o sujeito. Portanto, a concepção de
Foucault acerca do sujeito é crítica das noções tradicionais de sujeito autô-
nomo. Concebe, então o sujeito como uma construção que é influenciada por
práticas e exercícios de poder presentes em contextos históricos específicos.
Este conceito desafia a ideia de uma identidade fixa e unificada, destacando
como o poder e o discurso desempenham um papel fundamental na formação
das subjetividades individuais e coletivas.
Nesse sentido, a subjetivação exercida no período colonial instituiu uma
matriz que incluía e inclui a aceitação e internalização das normas, valores e
discursos eurocêntricos. Isso envolveu a imposição de línguas, religiões, siste-
mas políticos e formas de conhecimento europeus nas sociedades colonizadas,
repetimos. As populações colonizadas foram por meio de coerção e violência,
obrigadas a adotar esses elementos culturais e a abandonar ou suprimir suas
próprias tradições e identidades.
Essa matriz colonial teve efeitos profundos e duradouros nas sociedades
colonizadas, afetando não apenas as estruturas sociais, políticas e econômicas,
mas também as identidades individuais e coletivas. Muitas vezes, as pessoas
colonizadas passaram a internalizar uma visão de si mesmas como inferiores aos
colonizadores, o que perpetuou um senso de desvalorização e subalternidade.
Portanto, a subjetivação no contexto do colonialismo representa não
apenas uma imposição de controle político, mas também uma imposição de
controle cultural e ideológico. Ela demonstra como o poder pode ser exercido
não apenas através da força física, mas também por meio da moldagem das
mentes e identidades das pessoas, influenciando suas percepções, desejos e

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


202
comportamentos conforme as normas e valores impostos pelos colonizadores,
ou seja, envolve a moldagem dos sujeitos colonizados de acordo com os prin-
cípios eurocêntricos.
Então, a categoria conceitual de subjetivação em sentido foucaultiano, é
em nosso entendimento essencial para que possamos compreender as dinâ-
micas presentes no campo das relações de poder que se constituem a partir
do nosso processo de colonização e suas consequências duradouras, criando
raízes profundas, nas sociedades pós-coloniais. O legado do eurocentrismo
envolveu a universalização de valores europeus em muitas partes do mundo
atual, notadamente no Brasil, influenciando instituições políticas e demais ins-
tituições, sistemas legais, religiões, tradições, visões de homem e de mundo e
valores sociais. De outra parte, são significativas as palavras de Melo (2020),
quando afirma que:

O arco nacional-ocidental se apresenta então como um sistema


autossuficiente de possibilidades, uma suposta totalidade por
onde navega a imaginação política e cultural brasileira, da direita à
esquerda; entre posições conservadoras e progressistas; religiosas
e seculares; ruralistas e industrialistas; desenvolvimentistas e
ecologistas; contendo, claro, todas as possíveis combinações e
rearranjos da vida ideológica brasileira. O arco nacional-ocidental
abrange tanto as propostas nacional-desenvolvimentistas do campo
dito progressista quanto as plataformas da bancada conservadora
da Bala, do Boi e da Bíblia, pois cada uma dessas correntes políticas
e ideológicas confeccionam uma equivalência própria para os
significantes “Brasil” e “Ocidente” (MELO, 2020, p. 26).

Melo (2020) deixa claro o arranjo nacional-ocidental. Nele, observamos


a presença do universalizante, do homogêneo e do não diferente. Devemos
compreender que essa característica típica, historicamente constituída, permeia,
interpela e atravessa a estrutura sociocultural, sociopolítica e socioeconômica da
sociedade brasileira, refletindo o conceito de “uma suposta totalidade”, conforme
indicado pelo autor. Este é um elemento significativo para a reflexão sobre a
sociedade brasileira, a partir da categoria conceitual de “nacional-ocidental”,
considerando suas estruturas e sua matriz de subjetivação.

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203
A herança colonial portuguesa na cultura brasileira

A constituição da cultura brasileira a partir da colonização europeia é


um aspecto fundamental da história e da identidade cultural nacional. A che-
gada dos colonizadores europeus, principalmente os portugueses, no início do
século XVI, desencadeou uma série de transformações culturais que tiveram
um impacto profundo naquilo que hoje compreendemos como cultura brasi-
leira. Podemos afirmar que o Brasil possui uma “tapeçaria cultural”, com traços
estruturais marcantes que permeiam todas as esferas da sociedade, a partir da
matriz de subjetivação.
A América Latina é uma região rica em diversidade cultural e linguís-
tica. A língua espanhola é dominante em grande parte do continente, abrangendo
países como México, Espanha, Argentina, Colômbia, entre outros. No entanto,
o Brasil se destaca como uma notável exceção na América Latina, uma vez que
o português é a língua predominante. Essa singularidade linguística cria uma
série de implicações culturais e sociais para o Brasil. Em primeiro lugar, a língua
é um elemento central na construção da identidade de um povo.
A diferença linguística coloca o Brasil em uma posição única, o que pode
gerar um certo estranhamento em relação aos outros países da América Latina,
que compartilham a língua espanhola como um fator unificador. Além disso, a
diversidade linguística na América Latina é um reflexo da rica herança colonial
da região. Os países latino-americanos foram colonizados por potências euro-
peias, predominantemente Espanha e Portugal. Essa colonização deixou uma
marca profunda nas línguas faladas na região, com o espanhol e o português se
tornando os idiomas predominantes nas áreas colonizadas por essas nações.
Destaque-se, sem nos atermos a uma religião específica, a influência do
cristianismo como legado da colonização, na sociedade brasileira é significativa
e profunda, abrangendo desde o período colonial até os dias atuais. O Brasil
detém o título de país com a maior população católica do mundo, embora
tenhamos testemunhado um aumento expressivo no número de evangélicos
nas últimas décadas, especialmente os evangélicos neopentecostais. Dessa
forma, podemos considerar a influência do cristianismo como um componente
abrangente no contexto da sociedade brasileira, que engloba tanto a fé católica
quanto as diversas vertentes do protestantismo.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


204
A influência da colonização europeia na constituição da sociedade
brasileira e sua formação cultural ainda se faz sentir de maneira profunda. Ela
envolveu a construção de uma matriz organizacional sólida, fundamentada na
economia agrária baseada na produção de cana-de-açúcar, café e outros produ-
tos agrícolas, através da utilização do trabalho escravo africano. Essa influência
marcou de forma indelével a estrutura social, cultural, política e econômica do
Brasil, até os dias de hoje.
A relação entre cultura e economia é interdependente e complexa. A cultura
influencia a economia por meio de sua contribuição para as indústrias culturais,
o turismo e a imagem de um país. Ao mesmo tempo, a economia desempenha
um papel na promoção ou restrição da produção cultural, no acesso à cultura
e no impacto da globalização na diversidade cultural. Essa interação dinâmica
entre cultura e economia é um campo de estudo multidisciplinar e é fundamental
para a compreensão da sociedade contemporânea, no caso deste trabalho a
sociedade brasileira.
O sistema jurídico foi outra herança significativa da colonização euro-
peia. O sistema jurídico brasileiro tem suas raízes no sistema legal portu-
guês. O direito romano e o direito canônico da mesma forma influenciaram a
formação do sistema legal brasileiro. Portanto, a cultura brasileira, transplantada
da Europa (SODRÉ, 1993), possui seus traços estruturais marcantes como paterna-
lismo e acomodação conservadora, no tocante a esfera sociocultural; apropriação
privada da coisa pública, no que se refere a esfera sociopolítica e superexploração
da força de trabalho pública, pertencente à esfera socioeconômica.
Não podemos deixar de mencionar a herança política do processo de colo-
nização brasileiro que ainda expande seus tentáculos no contexto da realidade
social, política, econômica e cultural brasileira, moldando o desenvolvimento
deste país de várias maneiras. Alguns aspectos desta herança política incluem:
a) - Centralização do poder: durante a colonização, Portugal exerceu um
controle rígido sobre o Brasil, centralizando o poder nas mãos da metrópole. Essa
centralização do poder teve um impacto na estrutura de governo e na política
brasileira, contribuindo para um sistema político altamente centralizado e hie-
rárquico. b) - Patrimonialismo: o patrimonialismo é um conceito que descreve
a apropriação do Estado e de seus recursos por elites políticas e econômicas
em benefício próprio. Esse fenômeno tem raízes na colonização e continuou a

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ser uma característica da política brasileira ao longo de sua história. c)- cliente-
lismo: o clientelismo é uma prática política em que políticos, em troca de apoio
político ou votos, oferecem benefícios e favores pessoais aos eleitores. Essa
prática tem sido uma parte importante da política brasileira, ligada à herança
da colonização e às relações sociais e econômicas que dela resultaram; d) -O
patriarcalismo: consideramos que é apropriado considerar o patriarcalismo como
uma herança da colonização, uma vez que as estruturas e valores patriarcais
introduzidos pelos colonizadores europeus tiveram um impacto duradouro e
moldaram a cultura e a sociedade brasileira ao longo da história.
O patriarcalismo desempenhou um papel fundamental na construção da
cultura brasileira desde os tempos da colonização, e suas influências continuam
a ser sentidas na sociedade brasileira até os dias de hoje. O patriarcalismo refe-
re-se a um sistema social e cultural em que o poder, a autoridade e o controle
estão centralizados nas mãos dos homens mais velhos, geralmente os chefes
de família. Aqui estão algumas maneiras como o patriarcalismo influenciou a
cultura brasileira ao longo dos séculos:
a) - Sistema de Poder e Hierarquia: durante a colonização, o Brasil adotou
a estrutura de poder do sistema patriarcal, que foi importada da Europa. Isso
significava que a autoridade estava nas mãos dos homens mais velhos, geral-
mente os pais de família. Essa hierarquia estendia-se não apenas às famílias,
mas também às instituições sociais, como a igreja e o governo colonial; b) -
Escravidão e Exploração: o patriarcalismo também influenciou a relação entre
senhores e escravos no Brasil. Os senhores de escravos eram frequentemente
vistos como figuras patriarcais que detinham poder absoluto sobre seus escravos.
Essa dinâmica de poder contribuiu para a exploração e a desigualdade social
ao longo da história do Brasil; c) - Papéis de Gênero: o patriarcalismo também
moldou os papéis de gênero na sociedade brasileira.
As mulheres muitas vezes ocupavam posições subordinadas e tinham
responsabilidades tradicionais de cuidar da família e da casa. Embora tenha
havido mudanças significativas ao longo do tempo, a influência do patriarca-
lismo nos papéis de gênero ainda é percebida em muitos aspectos da sociedade
brasileira; d) -Cultura e Valores: o patriarcalismo também influenciou os valores
culturais, como o respeito à autoridade, a ênfase na família e a valorização da

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


206
figura paterna. Esses valores ainda desempenham um papel importante na
cultura brasileira contemporânea.
É importante notar que o Brasil é uma nação vasta e diversificada, e as
influências patriarcais podem variar em intensidade e expressão em diferen-
tes regiões e grupos sociais. No entanto, a herança patriarcal é um elemento
importante na história e cultura do país, e sua compreensão é fundamental para
entender as dinâmicas sociais e culturais ao longo dos séculos.
Com relação ao campo religioso, enquanto herança colonial considere-
mos primeiramente o período do Império à República Velha: a Igreja Católica
manteve sua influência durante o período do Império, sendo a religião oficial
do Estado. Já Com a Proclamação da República em 1889, o Brasil tornou-se
oficialmente um Estado laico, separando a Igreja do governo. No entanto, a
influência católica continuou a ser forte na sociedade, enquanto representante
do cristianismo.
Destaque-se que a partir do século XX, teremos a expansão do Protestan-
tismo no Brasil, com a chegada de missionários e ações evangelísticas. O cres-
cimento das igrejas evangélicas, como a Assembleia de Deus e neopentecostais
como a Igreja Universal do Reino de Deus, teve impacto relevante na cultura
brasileira, cultura religiosa e política do Brasil, tendo como traço característico
típico o conservadorismo.
Na atualidade da sociedade brasileira a influência do cristianismo tanto
pelo lado católico, quanto pelo evangélico ainda é potente na cultura brasi-
leira. As igrejas tanto católicas quanto pentecostais e neopentecostais conti-
nuam a desempenhar um papel significativo na vida de indivíduos e grupos,
das comunidades, oferecendo apoio espiritual, enquanto estrutura plausível de
mundo e social, pois segundo Pierucci (1996): “a religião dá, o que a sociedade
não dá.” E, devemos considerar este aspecto como um fator de empoderamento
do campo religioso em sua influência no contexto da sociedade brasileira, na
cultura brasileira como um todo, onde temos raízes de forte conservadorismo no
que tange a questões de gênero e sexualidade, bem como com relação ao aborto.
A herança política da colonização brasileira é complexa e multifacetada,
e muitos dos desafios políticos enfrentados pelo Brasil, como a luta pela demo-
cracia, a redução da desigualdade e a inclusão social, estão relacionados a essa
herança histórica. O país tem passado por transformações políticas ao longo de

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sua história, mas a compreensão da colonização é fundamental para entender
muitos dos aspectos da política brasileira contemporânea.
Buscamos deixar claro alguns aspectos que nos permitem compreender
a influência da colonização em nossa sociedade como elemento estrutural e
estruturante, alicerçada na matriz de subjetivação e em uma concepção euro-
centrista e universalizante. Neste sentido, instaura-se na cultura nacional uma
concepção refratária à diferença e conservadora, o que consideramos como traço
característico típico da nossa sociedade, essa influência estabelece traços que,
definem a sociedade nas esferas sociocultural, sociopolítica e socioeconômica.
Não podemos compreender a realidade brasileira em vários aspectos
sem antes entender a sua constituição histórica, alicerçada em seu elemento
fundante, ou seja, a matriz de subjetivação, pois é importante a compreensão da
constituição social e cultural de nosso país como resultantes da opressão. E, com
relação a uma concepção universalista de mundo ponto central de uma visão
eurocêntrica do presente no campo cultural nacional, a centralidade dessa con-
cepção deve ser abordada e desconstruída para compreender a essência das
contribuições das culturas não europeias. Devemos acompanhar, em relação à
análise dos contextos socioculturais, o que Franz Boas afirma: “[...] os ideais de
cada nação em particular são determinados por sua própria tradição histórica”
(BOAS, 2022, p. 45).”
Portanto, para compreensão mais profunda de nossa realidade cultural
em seu conservadorismo, racismo, machismo, rechaço a diferença, a concepção
universalista deve ser questionada no campo das estruturas sociais, políticas,
econômicas e culturais da sociedade, para que possamos desconstruir as práti-
cas discursivas que envolvem preconceitos, estigmas e violências com relação
aos “restos”, como nos diz França Neto (2009).

Universalidade, conservadorismo e subjetivação – uma relação de


interdependência nas dinâmicas do poder

A relação entre a universalização, conservadorismo e a subjetivação, pode


ser compreendida por meio de uma análise das dinâmicas de poder e conhe-
cimento que ocorrem no processo de universalização de normas, discursos e
práticas, que possuem como elemento fundamental o moldar. Foucault (2018)

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


208
desenvolveu sua teoria a respeito do poder e da subjetivação para compreender
como as formas de governo, controle e regulação influenciam a formação das
subjetividades.
A universalização, é uma estratégia de poder na qual normas, valores,
discursos e práticas são disseminados e aplicados de forma ampla e uniforme
em uma sociedade. Esse processo pode ser utilizado por instituições, governos
ou grupos dominantes para estabelecer e manter o controle sobre a população.
Neste sentido a universalização dentro da concepção foucaultiana envolve
concebê-la enquanto um dispositivo de regulação de indivíduos e grupos.
Devemos considerar um elemento significativo, que é o processo de inter-
nalização das verdades construídas e estabelecidas por meio da universalização
e a subsequente subjetivação. Através desse processo, são construídas verda-
des tidas como absolutas, as quais, por sua vez, são internalizadas, moldando
formas de pensamento e ações que convergem para a uniformidade, unificando
as maneiras de pensar e os comportamentos adotados por indivíduos e grupos.
Foucault (2018) faz os seguintes questionamentos os quais são significativos
para refletirmos sobre a questão do poder no contexto de nossa sociedade:

[...] como é que, numa sociedade como a nossa, o poder não pode
ser exercido sem que a verdade tenha que se manifestar, e se
manifestar na forma de subjetividade, e sem que, por outro lado, se
espere dessa manifestação da verdade na forma da subjetividade
efeitos que estão além da ordem do conhecimento, que são da
ordem da salvação e da libertação para cada um e para todos? De
uma maneira geral, os temas que eu gostaria de abordar este ano
[são] os seguintes: como, em nossa civilização, se estabeleceram
relações entre o governo dos homens, a manifestação da verdade
na forma da subjetividade e a salvação para todos e cada um?
(FOUCAULT, 2018, p.69).

A assertiva de Foucault (2018), no escopo do presente estudo aborda a


relação de interdependência existente entre o exercício do poder, a manifestação
da verdade na forma de subjetividade, cabendo destacar que para o autor citado
a subjetividade é histórica e social e os seus efeitos vão além do conhecimento
como a salvação e a libertação de uma sociedade, na análise que o mesmo faz
sobre o cristianismo em sua obra “Do Governo dos Vivos.” Foucault (2018),
questiona como em nossas sociedades o poder não pode ser exercido sem que

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a verdade seja expressa através da subjetividade. Portanto, a verdade não se
constitui apenas em um conceito objetivo, mas está intrinsecamente relacionada
às experiências e perspectivas individuais. Aponta em sua assertiva o autor que
essa manifestação da verdade, na forma de subjetividade, é acompanhada de
expectativas de efeitos que vão para além do mero conhecimento e se mani-
festam enquanto, a internalização da exterioridade (BERGER, 1985).
A proposta foucaultiana envolve a reflexão sobre como as relações entre
o exercício do poder, a manifestação da verdade na subjetividade e a busca pela
salvação e libertação se estabeleceram em nossa civilização Ocidental. Essa
questão que é fundamental levanta a necessidade de compreender como as
dinâmicas de poder e conhecimento influenciam não apenas a compreensão da
verdade, mas também os destinos individuais e coletivos em nossa sociedade.
Em se estabelecendo como critério de verdade o universal heterossexual,
por exemplo. Esse critério foi internalizado por indivíduos e grupos, tornando-se
um fator determinante de concepções de mundo e comportamentos dentro das
sociedades, sendo também potencialmente impulsionado pelo campo religioso.
Isso ocorre porque a subjetividade também inclui elementos externos presen-
tes em nosso ambiente social, os quais incorporamos e consideramos como
verdadeiros e, neste processo constitui-se por consequência a naturalização,
a qual refere-se ao desenvolvimento pelos quais práticas, valores, categorias e
formas de compreender o mundo são tornadas aparentemente naturais, óbvias
e imutáveis dentro de uma sociedade. Esse processo de naturalização, tem
implicações profundas na manutenção e perpetuação das estruturas de poder
e controle (FOUCAULT, 1996).
Importante destacar que a concepção foucaultiana permite compreender
que o poder não é apenas exercido por força da coerção física, mas também
através da produção de discursos, normas e categorias que moldam a forma
como as pessoas pensam e se comportam. A naturalização, portanto, se cons-
titui num mecanismo crucial neste processo, pois quando algo é naturalizado,
as pessoas tendem a aceitá-lo como uma parte incontestável e intrínseca da
ordem histórico-social (FOUCAULT, 2012).
Foucault (1996) examina como a naturalização ocorre em várias áreas da
vida, como sexualidade, loucura, criminalidade, medicina e conhecimento em
geral. Por exemplo, a ideia de que a heterossexualidade é a única forma “natural”

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


210
de sexualidade é uma forma de naturalização que reforça normas sociais e de
gênero. Da mesma forma, a classificação da loucura como uma condição médica
“natural” esconde as relações de poder subjacentes na institucionalização e
medicalização da loucura.
Assim, consideramos que uma análise crítica da categoria conceitual
de naturalização sob a ótica foucaultiana, é fundamental para desestabilizar
as estruturas de poder e revelar como as normas e valores são moldados e
mantidos ao longo do tempo. Ao desnaturalizarmos conceitos e categorias
é possível questionar as relações de poder que os sustentam e abrir espaço
para novas formas de compreensão e práticas sociais do contexto sociocul-
tural da sociedade brasileira com seus traços estruturais marcantes na esfera
sociocultural, sociopolítica e socioeconômica, pois sem essa análise crítica não
conseguiremos compreender os elementos que mantém preconceitos, discri-
minações, violências e estigmatizações do diferente.
Compreendemos que o elemento que leva à naturalização de práticas
discursivas que mantém a estrutura de poder envolve regimes de verdade pois
a verdade se constitui como uma construção social no campo das relações de
poder que varia de acordo com as práticas discursivas e as relações de poder
de uma determinada sociedade e em dado período histórico (FOUCAULT,
2018). A verdade é então um produto das relações de poder e é moldada pelas
instituições e práticas discursivas dominantes de uma época (FOUCAULT, 2012).
Consideramos que para a análise adequada da sociedade brasileira pas-
sada e presente é necessária nossa compreensão acerca também da relação
de interdependência entre regime de verdade – naturalização – estruturas de
poder, pois somente assim poderemos compreender de forma mais profunda
os elementos não ditos acerca da realidade brasileira na prática discursiva
manifesta pelos segmentos dominantes.
Portanto, enquanto efeitos do poder de subjetivação, Foucault (2018),
argumenta que o poder não é apenas coercitivo, mas também produtivo, no
sentido de que o poder não apenas impõe limites às ações das pessoas, mas
também molda suas identidades e subjetividade. Assim, quando normas e dis-
cursos universais são disseminados eles influenciam a forma como as pessoas
se percebem e se comportam.

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Quando temos por foco a formação da identidade e subjetividade, deve-
mos considerar que no contexto da universalização, as pessoas podem inter-
nalizar as normas, discursos e práticas que tem como universais como parte
integrante de sua identidade. Isso ocorre porque a sociedade recompensa a
conformidade com essas normas e puni a não conformidade. Assim as pessoas
podem se subjetivar de acordo com as normas universais, adotando-as como
parte de sua própria identidade.
Importante atentar para o fato de que o regime de verdade (FOUCAULT,
2018) se constitui enquanto uma obrigação com relação a uma criada verdade,
não importando que não seja uma verdade, se falsa ou não, mas sendo interna-
lizada funciona como uma efetiva verdade. Mas Foucault (2018), considera que
a verdade que é, não precisa de regime de verdade. Afirma Foucault o seguinte,
quanto ao regime de verdade:

E por regime de verdade entendo o que força os indivíduos a um


certo número de atos de verdade, no sentido que defini para vocês
da última vez. Um regime de verdade e, portanto, o que constrange
os indivíduos a esses atos de verdade, o que define, determina
a forma desses atos e estabelece para esses atos condições
de efetivação e efeitos específicos. Em linhas gerais, podemos
dizer, um regime de verdade é o que determina as obrigações
dos indivíduos quanto aos procedimentos de manifestações do
verdadeiro. (FOUCAULT, 2018, p. 85).

A assertiva de Foucault (2018), explicando e definindo, que um “regime de


verdade” é um conjunto de regras e normas sociais que compelem indivíduos e
grupos a realizar determinados “atos de verdade”. Esses” atos de verdade” são
ações ou declarações que são consideradas verdadeiras dentro de um contexto
cultural ou social específico, conforme ele definiu anteriormente. Portanto, um
regime de verdade não apenas força as pessoas a realizar esses atos, mas
também define e determina como esses atos devem ocorrer e estabelece as
condições sob as quais eles são efetivos e os efeitos que produzem.
Simplificando, um regime de verdade impõe às pessoas obrigações espe-
cíficas relacionadas à forma como elas devem manifestar o que é considerado
verdadeiro dentro de uma determinada sociedade ou contexto cultural. Isso
destaca a influência das normas sociais e culturais na construção e na aceitação

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


212
do que é considerado verdadeiro em uma sociedade. Foucault (2018) estava
interessado em explorar como esses regimes de verdade operam e como eles
moldam o conhecimento e o poder nas sociedades ao longo do tempo.
Universalização e subjetivação, quando compreendidas na perspectiva
de Michel Foucault, de regime de verdade, relacionam-se a forma como o poder
e o conhecimento são exercidos sobre as pessoas, influenciando a formação
de suas identidades individuais e coletivas. As normas e discursos universais
moldam os sujeitos, portanto a relação entre universalização e subjetivação é um
elemento essencial na análise foucaultiana das dinâmicas de poder e controle
na sociedade, que devem ser consideradas quando analisamos os elementos
constitutivos da sociedade brasileira.
Em se tratando do conservadorismo na esfera nacional como caracterís-
tica típica da esfera sociocultural brasileira, este é um fenômeno multifacetado
e complexo que abrange diversas esferas da sociedade, como política, cultura
e valores. Ele se manifesta de várias formas e configurações na contempora-
neidade e é influenciado por diferentes fatores. Alguns destes fatores são: a) -o
conservadorismo político no Brasil tem se fortalecido nos últimos anos, refletin-
do-se em lideranças políticas e partidos que promovem pautas conservadoras,
muitas vezes associadas a valores religiosos, familiares e morais. Isso se traduz
em oposição a políticas progressistas, como direitos LGBTQIA+, políticas de
gênero e agendas de esquerda; b) - no contexto do campo religioso a influência
das igrejas evangélicas pentecostais, neopentecostais e da Igreja Católica, se
constitui num elemento-base do conservadorismo brasileiro.
Constata-se que muitos líderes religiosos e fiéis têm desempenhado papéis
ativos na promoção de valores conservadores e na influência sobre decisões
políticas; c) -no atinente ao nosso comportamento cultural, o conservadorismo
se manifesta como oposição a expressões artísticas e culturais consideradas
“progressistas” ou ditas “liberais”. As tensões daí decorrentes se expressam
com frequência em debates sobre censura, liberdade de expressão, relações de
gênero, diversidade sexual, comunidade LGBTQIA+ e educação; d) - no campo
da segurança pública podemos observar a presença da herança conservadora
colonial como resposta à crescente criminalidade e violência no país.
Algumas pessoas, denominadas “influenciadores”, presentes nas redes
sociais digitais e na mídia em geral, defendem políticas de flexibilização do acesso

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a armas de fogo, são discriminatórias em relação às pessoas da comunidade
LGBTQIA+, são contrárias à união homoafetiva e acabam adotando condutas
racistas, bem como estigmatizantes e práticas de violência em suas múltiplas
dimensões no âmbito da sociedade brasileira.
Temos vivenciado, de uns tempos para cá, a potencialização do nacio-
nalismo e do patriotismo, desempenhando um papel significativo no conser-
vadorismo. Isso inclui uma ênfase na defesa de valores tradicionais da cultura
brasileira e uma certa idealização de um “mito de retorno” a contextos históricos
marcados pela opressão, como o golpe militar de 1964.
O conservadorismo brasileiro se manifesta, também, por meio de uma
polarização política significativa, que se acentuou nos últimos anos. Grupos
conservadores frequentemente entram em conflito com movimentos de esquerda
e progressistas. No que tange à manipulação da informação, considera-se que
ela representa um dispositivo de manutenção de uma concepção conservadora
do mundo. Nesse processo de manipulação da informação, estabelecem-se
regimes de verdade que, quando internalizados e naturalizados, perpetuam as
estruturas de poder vigentes.
Portanto, o conservadorismo no Brasil é um fenômeno complexo e não
uniforme, com várias nuances e perspectivas. No entanto, é verdade que, ao
longo da história do Brasil, houve uma influência significativa do conservado-
rismo defendido por segmentos da elite dominante nacional. Esta elite pode ser
composta por grupos econômicos, políticos, religiosos e culturais que compar-
tilham valores e interesses conservadores. Constata-se no contexto de nossa
realidade que setores da elite dominante frequentemente apoiam políticos e
partidos com agendas conservadoras, que resistem a reformas progressistas e
promovem políticas alinhadas com os interesses da elite. E, é importante desta-
car que a propriedade de meios de comunicação por parte da elite dominante
pode influenciar a disseminação de discursos conservadores e a manipulação
da opinião pública, criando regimes de verdade.
Há em nossa realidade a relação de interdependência entre dois valores
eurocêntricos: universalismo e conservadorismo. Historicamente como disse-
mos anteriormente nossos traços culturais abrangentes foram transplantados
da Europa, sendo assim o universalismo que se refere à crença na aplicação
de princípios, valores e normas em uma escala global, independentemente das

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


214
diferenças culturais, étnicas ou geográficas e nosso conservadorismo parecem
possuir um toque diferente, o qual envolve segundo Follmann2 o paternalismo
das elites e a consequente acomodação conservadora por parte dos segmentos
subalternos da sociedade.
Assim, nosso conservadorismo preservando as tradições, valores culturais
e sociais eurocêntricos, impostos pela hegemonia dos segmentos dominantes
da sociedade estabelece repertórios de ações individuais e coletivas resisten-
tes a mudanças radicais e disruptivas e reafirma nossa dificuldade cultural de
aceitar os diferentes, efeito do universalismo advindo de nosso processo de
colonização. De outra parte, consideramos significativas as palavras de Fou-
cault, quando aponta que:

Se a decolagem econômica do Ocidente começou com os processos


que permitiram a acumulação do capital, pode-se dizer, talvez,
que os métodos para gerir a acumulação dos homens permitiram
uma decolagem política em relação a formas de poder tradicionais,
rituais, dispendiosas, violentas e que logo caídas em desuso, foram
substituídas por uma tecnologia minuciosa e calculada da sujeição
(FOUCAULT, 2022, p. 213).

Essa afirmação de Michel Foucault sugere uma relação entre o desenvol-


vimento econômico do Ocidente e as mudanças nas formas de poder político ao
longo da história. Foucault argumenta que a ascensão econômica do Ocidente
começou com a acumulação de capital. No entanto, essa acumulação de riqueza
também levou a transformações nas formas de exercício do poder político. Des-
taca que, à medida que a acumulação de capital se tornava um objetivo central
na sociedade ocidental, as formas tradicionais de poder, que eram muitas vezes
rituais, dispendiosas e violentas, caíram em desuso. Em vez disso, elas foram
substituídas por métodos mais minuciosos e calculados de sujeição.
A assertiva de Foucault (2022), implica, portanto no fato de que o desen-
volvimento da economia capitalista no Ocidente não ocorreu isoladamente, mas

2 Dr. José Ivo Follmann, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos em aula ministrada no
Curso de Especialização em Educação Popular, no ano de 1987, demonstrou os traços estruturais marcantes da
sociedade brasileira, sendo que na esfera sociocultural temos: paternalismo das elites e acomodação conserva-
dora por consequência.

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esteve intrinsecamente ligado a mudanças nas estruturas de poder. À medida
que a acumulação de riqueza se tornou mais importante, as formas tradicionais
de dominação e controle foram substituídas por métodos mais eficazes, como
os mecanismos de controle social, disciplina e vigilância, que se tornaram proe-
minentes na sociedade moderna. Assim, o autor está sugerindo que a revolução
econômica no Ocidente não foi apenas uma mudança econômica, mas também
uma mudança na forma como o poder era exercido e mantido, com a ascensão de
formas mais sutis e calculadas de controle social e governança. E, ponderamos
que no contexto de nossa realidade sociocultural a relação de interdependência
entre universalização e conservadorismo se constituíram como mecanismos
de controle social e sujeição que traduzem as relações de poder presentes na
realidade social, política, econômica e cultural nacional até os dias de hoje.
Não há dúvida de que a cultura brasileira é rica e diversa, resultado de
séculos de influências indígenas, africanas, europeias e asiáticas. No entanto, a
interação entre a universalização e o conservadorismo é um aspecto importante
a se considerar, especialmente no que diz respeito ao preconceito, à estigma-
tização e às violências presentes na sociedade brasileira contra aqueles que
não estão enquadrados nos valores culturais hegemônicos.
A cultura brasileira é caracterizada por uma mescla de elementos, o que
pode ser visto como uma forma de universalização. Essa diversidade cultural e
étnica é uma das riquezas do país. No entanto, ao longo da história, a cultura
brasileira também enfrentou influências conservadoras que buscam manter
valores tradicionais e resistir a mudanças sociais. Importante compreender
que a coexistência de elementos universalizantes e conservadores dá origem
a preconceitos raciais, étnicos, de gênero, orientação sexual e religião no
Brasil. A hierarquia e a desigualdade resultantes desses preconceitos são um
reflexo das tensões entre a universalização e o conservadorismo. Portanto, as
tensões culturais fonte geradora de discriminação, ataques verbais e físicos e
até mesmo violência institucional estão enraizadas em atitudes sectárias, into-
lerantes, racistas, sexistas e homofóbicas e, neste sentido, pode-se constatar
que o Brasil enfrenta altas taxas de violência, especialmente contra grupos
minoritários, incluindo a população negra e a comunidade LGBTQIA+.
A cultura brasileira é um mosaico complexo de influências, e a interação
entre a universalização e o conservadorismo desempenha um papel significativo

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


216
na formação das atitudes sociais e construção de repertórios individuais e
coletivos que vão interagir no todo social, sendo que no contexto presente,
encontramos a ratificação pela naturalização das estruturas de poder existentes
em nossa realidade social, política, econômica e cultural, enquanto dispositivo
de poder (FOUCAULT, 2022). Considere-se que o paternalismo das elites e o
gerar a acomodação conservadora por parte dos segmentos subalternos da
sociedade brasileira, denota a histórica presença do elemento fundante da
esfera sociocultural brasileira, a estrutural e estruturante matriz de subjetivação.

Consequências da Herança Discriminatória: O Impacto do Preconceito


contra a Comunidade LGBTQIA+ e a Violência de Gênero

O legado que nos foi deixado por herança por parte do europeu colonizador,
além de suas marcas visíveis deixadas pela exploração econômica e política,
também inclui um aspecto profundamente enraizado em nossa cultura: o rechaço
às diferenças, expresso pela violência onde o outro diferente simplesmente é
relegado ao “canto da casa de uma existência ausente.” Pois enquanto matriz
de subjetivação constituída historicamente ainda não superamos as sementes
da desigualdade, discriminação e preconceito, os quais continuam a afetar as
relações entre diferentes grupos étnicos, culturais, até os dias de hoje.
Vamos considerar duas situações para ilustrar os efeitos colaterais de
uma abordagem universalista e conservadora que permeia nossa estrutura
social, enraizada na matriz de subjetivação que molda a cultura nacional. Esta
abordagem frequentemente obstrui a compreensão do verdadeiro fundamento
do desenvolvimento humano, que reside na diversidade, na diferença - não
apenas biológica, mas de concepções de mundo, estilos de vida e modos de ser.
Essas diferenças, que não se encaixam nos padrões socialmente aceitos devido
ao universalismo, não recebem a devida consideração. E, podemos verificar em
termos da nossa realidade contemporânea a violência dirigida a membros da
comunidade LGBTQIA+ e a violência contra a mulher. Essas formas de violência
têm sua origem no patriarcalismo brasileiro e são consequências preocupan-
tes que perpetuam normas e valores tradicionais muitas vezes em detrimento
da igualdade e dos direitos humanos. Quanto ao nosso patriarcalismo Freyre
aponta o seguinte:

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217
Em sua atitude para com a esposa, o brasileiro da década de 1850
era um verdadeiro patriarca à maneira romana. Dentro de casa
concedia-lhe alguma autoridade. Fora, lhe era negado qualquer
poder. Fora de casa a mulher era apenas, legalmente e socialmente,
a sombra do marido. “Ligeiro passeio, com a oportunidade de
um namoro, é-lhe negado”, observa outro norte-americano, C.S.
Stewart em seu livro sobre o Brasil patriarcal. Apontando as
virtudes da matrona brasileira no antigo regímen, do qual ele é
remanescente ilustre, Carlos de Laet diz que “ela sabia obedecer
ao marido”. (FREYRE, 2009, p.87).

A assertiva de Freyre (2009), descreve a dinâmica de gênero e os papéis


tradicionais das mulheres e dos homens na sociedade brasileira da década de
1850. O trecho ressalta que o homem brasileiro dessa época era visto como um
verdadeiro patriarca, adotando um comportamento semelhante ao dos antigos
romanos. Se consideramos o espaço da casa e o espaço da rua, dentro de casa,
ele concedia à esposa alguma autoridade, o que implicava que, em questões
domésticas, ela tinha algum grau de influência e poder.
No entanto, fora de casa, a mulher brasileira daquela época tinha pouco
ou nenhum poder. Ela era legalmente e socialmente considerada a sombra
do marido, o que significa que estava sujeita à autoridade e controle dele em
todos os aspectos de sua vida fora de casa. O trecho também menciona que
até mesmo um simples passeio ou encontro romântico era negado a ela, enfa-
tizando a restrição de suas liberdades e interações sociais.
Carlos de Laet, mencionado na citação, elogia as virtudes da matrona
brasileira naquele período, destacando que uma de suas principais qualidades
era saber obedecer ao marido. Isso ressalta a ênfase na obediência feminina e
na conformidade com os papéis de gênero tradicionais, onde o homem exercia
autoridade e controle sobre a mulher. A citação ilustra a profunda desigual-
dade de gênero e a limitação das liberdades das mulheres naquela sociedade
patriarcal da década de 1850 no Brasil.
É crucial analisar os impactos da violência contra a mulher e a comunidade
LGBTQIA+ no contexto da sociedade brasileira. Isso se deve a nossa herança
colonial com base na matriz de subjetivação, fonte estrutural e estruturante da
sociedade brasileira em sua esfera sociocultural.

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


218
Alguns dados de eventos presentes em nossa realidade são importan-
tes. A Folha de São Paulo em sua edição de março de 2023, divulgou o relatório
realizado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª. Região, intitulado: “Pesquisa
aponta aumento de violência contra a mulher no Brasil em 2022 e integrantes do
Comitê de Equidade comentam os números.” E, o relatório mencionado apresenta
os seguintes dados: a)- Todas as formas de violência contra a mulher aumentaram
no Brasil durante o ano de 2022, sendo que estas violências são xingamentos,
ameaças, violências físicas e psicológicas e feminicídios; b)- 50 mil mulheres
sofreram algum tipo de violência a cada dia em 2022; c)- a maioria das violências
foram dirigidas a mulheres pretas, sendo o índice de 48%; d)- 49% é o índice de
mulheres com escolaridade até o fim do Ensino fundamental; e)- mulheres com
filhos que sofreram violência 44,4%; divorciadas, que sofreram violência 65,3%;
f)- faixa etária entre 25 e 34 anos, que sofreram violência, perfizeram 48,9%;
h)- em termos mundiais, globalmente com relação a violência contra a mulher
envolve 27%, verificados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2021,
no Brasil foi constatado no mesmo ano 43%. Com relação ao feminicídio, entre
1º de janeiro e 30 de junho de 2023, 862 feminicídios foram registrados pela
imprensa no Brasil. Destes, 599 foram consumados e 263 tentados. A média
nacional foi de 3,32 assassinatos de mulheres por dia.
Podemos perguntar considerando os danos colaterais de nossa herança
colonial eurocêntrica: a concepção de posse do homem sobre a mulher advinda
do patriarcalismo não está a permanecer no contexto da sociedade brasileira
no campo das relações de gênero? O patriarcalismo que recebemos por
herança, não mantém seus tentáculos ainda no campo da esfera sociocultural
brasileira? Há uma relação recíproca entre o patriarcalismo e o machismo em
nossa sociedade? Respondendo a última questão, sim, pois o patriarcalismo
e o machismo estão relacionados, pois ambos são componentes de sistemas
sociais e culturais brasileiros que perpetuam a desigualdade de gênero e a
subjugação das mulheres.
Em se considerando a estrutura de poder, tanto o patriarcalismo quanto
o machismo são fundamentados em nesta estrutura que coloca os homens em
posições de autoridade e controle sobre as mulheres. No patriarcalismo, os
homens são considerados os chefes de família e possuem autoridade sobre as

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esposas e filhos. O machismo, por sua vez, é a crença na superioridade masculina
sobre as mulheres, o que resulta em discriminação e desigualdade de gênero.
Tanto o patriarcalismo quanto o machismo promovem normas de gênero
rígidas. No patriarcalismo, espera-se que as mulheres desempenhem papéis
tradicionais de cuidadoras e mantenham a obediência aos homens. O machismo,
por sua vez, impõe a ideia de que os homens devem ser assertivos, dominado-
res e superiores, enquanto as mulheres devem ser submissas e subordinadas.
Ambos os sistemas contribuem para a desigualdade de gênero e a dis-
criminação contra as mulheres. No patriarcalismo, as mulheres frequentemente
têm menos acesso a recursos, educação e oportunidades, devido à falta de
autonomia e ao controle masculino. O machismo promove a crença de que as
mulheres são inferiores e, portanto, justifica a discriminação, a violência e a
negação de direitos a elas.
O patriarcalismo e o machismo se reforçam mutuamente. O sistema
patriarcal oferece suporte e justificação para atitudes machistas, enquanto o
machismo legitima e mantém a estrutura patriarcal de poder. Ambos perpetuam
a desigualdade de gênero, tornando difícil para as mulheres desafiarem esses
sistemas e alcançarem igualdade. Portanto, o patriarcalismo é um sistema
social que enfatiza a autoridade masculina na família e na sociedade, enquanto
o machismo é a crença na superioridade masculina sobre as mulheres. Eles
estão interligados e trabalham juntos para manter a desigualdade de gênero
e a opressão das mulheres. O combate ao machismo e ao patriarcalismo é
essencial para alcançar a igualdade de gênero e a justiça social.
No Blog Brasil de Direitos, em reportagem datada de 15 de junho de 2023,
consta que durante o ano de 2022, a cada 32 horas neste país uma pessoa
LGBTQIA+ é morta, referenciando-se a matéria no Dossiê Mortes e Violências
contra LGBTI+ no Brasil, mencionando que é coordenado pelas organizações
Arte e Política LGBTI+, a Associação Nacional de Travestis e Transsexuais
(ANTRA); e a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Bissexuais (ABGLT),
indicando ter havido 273 mortes e 228 assassinatos, sendo que a maioria das
vítimas foram mulheres transsexuais, travestis e homens gays.
Constata-se então, que a violência direcionada a indivíduos da comuni-
dade LGBTQIA+ é um problema persistente. Segundo o Dossiê elaborado pela
equipe, o Brasil se encontra no primeiro lugar do ranking global em termos de

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


220
homicídios de pessoas LGBTQIA+, superando todas as outras nações. A situa-
ção é desafiadora e as conquistas em termos de direitos para essa comunidade
são relativamente recentes. Para ilustrar, há apenas 33 anos que a Organização
Mundial de Saúde (OMS) deixou de classificar a homossexualidade como uma
doença. Além disso, em alguns países, a homossexualidade ainda é considerada
crime (GONZAGA, 2023). Considerando os dados, percebemos que a violência
contra mulheres e a comunidade LGBTQIA+ está intrinsecamente ligada aos
conceitos de universalização, subjetivação e critérios de verdade, presentes na
estrutura sociocultural da sociedade brasileira, constituindo-se enquanto traço
característico típico desta esfera estrutural e estruturante.
A universalização se refere à imposição de normas, valores e crenças
consideradas universais em uma sociedade. No contexto da violência contra
mulheres e a comunidade LGBTQIA+, a universalização pode se manifestar e
expressar na imposição de normas heterossexuais, binárias de gênero e patriar-
cais como padrão socialmente aceitável. Essas normas são frequentemente
usadas para justificar e perpetuar a violência, uma vez que qualquer desvio
dessas normas é frequentemente considerado inaceitável.
Com relação a subjetivação, de acordo com Foucault (2018), refere-
-se ao processo pelo qual os indivíduos internalizam as normas e valores da
sociedade em que vivem, tornando essas normas parte de sua identidade e
autoimagem. No contexto da violência, a subjetivação pode fazer com que as
vítimas de violência internalizem crenças prejudiciais sobre si mesmas, como
culpa, vergonha ou a sensação de que merecem o tratamento violento devido
à sua identidade de gênero ou orientação sexual.
No que tange aos regimes de verdade (FOUCAULT, 2018) que são as
normas e crenças consideradas verdadeiras e aceitáveis em uma sociedade, no
contexto da violência de gênero e contra a comunidade LGBTQIA+, os critérios
de verdade frequentemente incluem a visão de que a heterossexualidade é a
única orientação sexual “verdadeira” e que a conformidade estrita às normas
de gênero tradicionais é a única forma aceitável de identidade de gênero.
Essas “verdades” construídas historicamente no campo das relações de
poder, são dispositivos que levam a justificar a violência contra a mulher e a
discriminação e violência com relação aqueles que não se encaixam aos moldes
dos valões aceitos socialmente e são concebidos então como “os diferentes”,

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tendo por trás das práticas discursivas humilhantes um conteúdo de sentido
de eliminação do diferente, portanto, a violência contra as mulheres e a comu-
nidade LGBTQIA+ estão profundamente enraizadas nas estruturas sociais que
promovem a universalização de normas, a subjetivação das identidades e a
imposição de critérios de verdade que perpetuam a discriminação e a violência
e no contexto da sociedade brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Queremos destacar a complexidade da herança colonial na cultura bra-


sileira e sua relação com a construção sociocultural e a presença do rechaço
ao que é diferente. O universal ocidental desempenhou um papel significativo
em nossa história de colonizados, impondo estruturas de poder, hierarquias e
padrões culturais que moldaram nossa sociedade. O processo de subjetivação
imposto durante a colonização contribuiu para a perpetuação de normas rígidas
de gênero e a manutenção de hierarquias sociais.
A herança colonial se reflete em nossos valores e práticas, que muitas
vezes excluem e discriminam aqueles que não se encaixam no molde estabe-
lecido socialmente. O ocidentalismo, o conservadorismo brasileiro são uma
força que mantém essas estruturas de poder, resistindo a mudanças e refor-
çando preconceitos.
A relação de interdependência entre universalidade, conservadorismo e
subjetivação é evidente na sociedade brasileira. Esses elementos se retroalimen-
tam, criando um ambiente em que o rechaço ao que é diferente é perpetuado.
Isso tem sérias consequências, como a violência de gênero e o preconceito
contra a comunidade LGBTQIA+.
É crucial que continuemos a questionar as estruturas de poder presentes
em nossa sociedade, gerando reflexões acerca de nossa história e trazendo o
passado para o momento presente e este poder ser pensado em suas conse-
quências, em seus danos colaterais. Em nossa realidade a herança da coloni-
zação nos trouxe danos colaterais muito profundos que permanecem com suas
raízes ou tentáculos, estabelecendo formas de agir, de pensar e de sentir para
indivíduos e grupos, que possuem uma concepção de mundo universalizante

Ciências Humanas e Sociais: tópicos atuais em pesquisa


222
e conservadora, onde a diferença se constitui enquanto ausente do campo das
relações e interações humanas.
Somente ao desafiar as normas discriminatórias arraigadas em nossa
cultura, poderemos construir uma sociedade mais inclusiva e justa, onde todos
tenham a liberdade de ser quem são, sem medo de discriminação ou violên-
cia. O caminho para superar a herança discriminatória e suas consequências
e podermos reconhecer que a diferença é um elemento constitutivo do desen-
volvimento humano, e que a universalização nega a presença de outros indiví-
duos e grupos que possuem uma cultura e concepção de mundo não restrita
ao modelo Ocidental, exige um esforço contínuo de questionamento crítico
da matriz de subjetivação herdada e uma mudança profunda na forma como
compreendemos a diferença e a diversidade em nossa sociedade.

REFERÊNCIAS
BERGER, P. O Dossel Sagrado. Petrópolis. Editora Vozes, 1985.

BOAS, F. Antropologia da Educação. São Paulo. Editora Contexto, 2022. FOUCAULT, M. Do Governo
dos Vivos. São Paulo. Editora Martins Fontes, 2018.

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A ordem do Discurso. São Paulo. Edições Loyola, 1996.

FOUCAULT, M. Arqueologia do Saber. São Paulo. Editora Forense. 2012. FRANÇA NETO, O. Por
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FREYRE, Gilberto. Vida Social no Brasil: nos meados do século XIX. São Paulo. Editora Global, 2009.

GONZAGA, M.E. Blog Brasil de Direitos. 15 de junho de 2023. O que é LGBTfobia? Conheça os
números do fenômeno no Brasil (brasildedireitos.org.br).

MELO, A.C. Crítica da Razão Nacional – Ocidentalista: por uma nova abordagem pós-colonial nos
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NOVAIS, F.A. Aproximações: Estudos de História e Historiografia. São Paulo. Editora Cosac Naify, 2005.

PIERUCCI, Antônio Flávio e PRANDI, Reginaldo. A Realidade Social das Religiões no Brasil. São
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SODRÉ, N. W. Síntese da História da Cultura Brasileira. Rio de Janeiro. Bertrand Editora, 1993.

ISBN 978-65-5360-512-1 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br


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SOBRE OS ORGANIZADORES
Marcelo da Fonseca Ferreira da Silva
Licenciatura plena em Matemática pela Escola de Ensino Superior Fabra, Graduado em
Tecnólogo em Gestão Pública pela Universidade Anhanguera - Uniderp, Graduado em
Pedagogia pela UNAR. Mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local da Escola
Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM). Especialista em
Gestão de Trânsito (FACULDADE FACEC), Especialista em Direito, Educação e Segurança no
Trânsito (FACULDADE LUSO CAPIXABA), Especialista em Inteligência Policial (FACULDADE
FACUMINAS), Especialista em Gestão Prisional (FACULDADE ÚNICA). Especialista em
Educação. Técnico em segurança do trabalho, Técnico em transações imobiliárias - corretor
de imóvel. Perito e Avaliador de imóvel. Atualmente sou servidor Publico do Governo do
Estado do Espírito Santo, professor de pós-graduação, docente da cadeira de legislação
de trânsito e política da ASSINTRAN. Docente da Escola Técnica Grau técnico. Diretor
de ensino e geral de Cfc. Consultoria e Assessoria: Em Mobilidade Urbana e Consultor
Político. Membro do corpo editorial, dentro do Conselho Técnico Científico da Editora
Atenas. Membro do conselho editorial da Editora Científica Digital, Editor Chefe da Revista
Digital Urbanismo de Mercado e Escritor.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8256025812096945

Flávio Aparecido de Almeida


Graduado em Psicologia (UNIFAMINAS), História (UEMG), Pedagogia (FINOM), Educação
Especial (UNIFAVENI), Sociologia (UNIFAVENI), Filosofia (FAERP -UNIETEP) e Ciências
da Religião (UNICV). Especialista em: Educação Inclusiva, Especial e Políticas de Inclusão
(UCAM), Psicopedagogia Clínica e Institucional (UCAM), Gestão em Saúde Mental (UCAM),
Ensino Religioso (FINOM), Gestão de Processos Educativos: Supervisão e Inspeção
Escolar (UEMG), Psicologia Social (INTERVALE), Psicologia Comportamental e Cognitiva
(FAVENI), Psicologia Escolar e Educacional (FAVENI), Psicologia Existencial Humanista e
Fenomenológica (FANENI), AEE - Atendimento Educacional Especializado (IBRA), Ética,
Filosofia e Sociologia (IBRA), ABA - Análise do Comportamento Aplicada (IBRA), Autismo
(FCE), Psicologia Clínica (IBRA), Neuropsicologia (UCAM), História do Brasil (UCAM),
Psicomotricidade Aplicada à Educação Especial (IBRA), Ética e Filosofia Política (INTERVALE),
Docência do Ensino Superior (UCAM), Gestão Escolar (Administração, Supervisão, Orientação
e Inspeção) (FAVENI), Antropologia (FAVENI) e Neuropsicopedagogia (UCAM). Mestre
em Ciências das Religiões (UNIDA) e Doutor em Ciências da Educação (UML). Como
psicólogo clínico atua com terapias focadas em crianças autistas, com Deficiência Intelectual,
Transtornos de Aprendizagens e Psicoterapia com adultos. Atualmente tem dedicado as
suas pesquisas em Atendimento Educacional Especializado, Dificuldades e Transtornos de
Aprendizagem, Educação Especial e Inclusiva, Espiritualidade e Psicologia Clínica, Autismo,
Ensino Religioso Escolar, Educação, Diversidade e Inclusão. Pesquisa também sobre os
Direitos Humanos, a Educação Popular e libertadora e vulnerabilidades que permeiam a
comunidade LGBTQIAPN+. Membro do Conselho Editorial da Editora Científica Digital
desde 2020.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2192204324890376
ÍNDICE G
Gestão: 8, 9, 10, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 30,

REMISSIVO 31, 32, 34, 36, 38, 167, 176, 186, 187, 188, 189, 191,
193
Grandes Diretores e o Quixote: 140
A
H
Adaptações Audiovisuais: 140
Herança Cultural: 195, 196, 197, 198
Agenda Global 2030: 154, 155, 156, 158, 168, 170,
171, 172, 177 Humanismo: 9, 28, 33, 34, 37, 38, 53
Análise Automática do Discurso: 90, 91, 92, L
95, 96, 97, 100, 101, 102, 103, 105, 106, 107, 108, 109,
112, 113, 114, 115 Linguística: 91, 92, 93, 96, 97, 98, 99, 102, 104,
105, 110, 113, 114, 115, 204
B Literature Review: 117, 120, 128, 135, 137
Brasil: 9, 10, 11, 12, 13, 17, 20, 38, 53, 55, 56, 57, 58,
59, 60, 61, 62, 64, 65, 66, 67, 71, 76, 86, 88, 115, 146, M
151, 155, 156, 157, 158, 159, 171, 172, 173, 176, 177, Marcos Textuais: 54, 55, 57, 58, 62, 64
179, 185, 186, 187, 188, 189, 190, 191, 192, 193, 194, Marxismo: 91, 99, 100, 102, 104, 107, 108, 110, 113
201, 202, 203, 204, 205, 206, 207, 213, 214, 216,
218, 219, 220, 223 Meio Ambiente: 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 49,
66, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 164, 165,
C 166, 167, 168, 170, 173, 174, 175, 176, 177, 184
Concepção Biocêntrica: 40, 45 Meio Ambiente: 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 49,
Conservadorismo: 195, 196, 197, 198, 207, 208, 66, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 164, 165,
213, 214, 215, 216, 222 166, 167, 168, 170, 173, 174, 175, 176, 177, 184
Miguel de Cervantes: 140, 141, 142, 144, 145, 147,
Critical Social Media and Internet Studies:
148, 152, 153
116, 117, 118
Modelos de Administração Pública: 179, 180,
D 181, 190
Davi Kopenawa: 69, 70, 78, 82
O
Desenvolvimento Sustentável: 50, 155, 157,
164, 171, 172, 176, 177 Ontopsicologia: 9, 14, 15, 28, 29, 34, 38

Direito: 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, P
22, 37, 38, 41, 53, 62, 73, 74, 97, 141, 155, 156, 157, Paradigmas: 91
160, 161, 163, 164, 170, 172, 177, 183, 205
Periódicos: 55, 57, 58, 59, 63
Discurso: 72, 75, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98,
99, 100, 101, 102, 103, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, Pesquisa em Educação: 54, 55, 56, 57, 58, 59,
112, 113, 114, 115, 192, 197, 202, 223 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 177
Dom Quixote: 53, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145, Políticas: 66, 69, 70, 71, 72, 77, 86, 87, 104, 105,
146, 147, 149, 150, 152, 153 111, 113, 114, 115, 166, 169, 177, 182, 191, 201, 202, 203,
205, 207, 208, 213, 214
E Povos Indígenas: 69, 87, 88, 89
Educação Ambiental: 154, 155, 156, 157, 158,
162, 164, 165, 166, 167, 168, 170, 172, 174, 175, 176, R
177 Reforma de Estado: 179, 188, 189, 191, 193
Ética: 12, 13, 14, 26, 38, 39, 40, 42, 47, 48, 49, 50, Reforma na Administração Pública: 179, 193
51, 52, 53, 72
Research Impact: 117
F
S
FOIL: 8, 9, 10, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 37, 38
State-of-the-art Studies: 117, 135, 136
Subjetivação: 195, 196, 197, 198, 200, 202, 203,
204, 208, 209, 211, 213, 217, 218, 221, 222, 223
Sustentabilidade: 43, 49, 50, 51, 53, 154, 155,
156, 157, 158, 160, 163, 164, 167, 170, 171, 174, 176,
177

U
Universalização: 59, 195, 196, 197, 198, 200, 203,
208, 209, 212, 213, 216, 221, 222, 223

V
Versões Espanholas: 140

W
Wendy Brown: 69, 70, 72, 76, 77, 81
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