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CURSO DE FILOSOFIA
SÃO LUÍS– MA
2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
MICHAEL MAX PIRES AMORIM
Sâo Luís – MA
25/03/2019
MICHAEL MAX PIRES AMORIM
Data:
Nota:
Banca examinadora:
Orientador
Prof.
Prof.
DEDICATÓRIA
A Santíssima Virgem Maria e ao glorioso São José, por terem me dado força e saúde
para superar as dificuldades.
Aos meus pais Isaias Pereira Amorim e Maria José Pires, que ensinaram-me a sorrir
nas mais severas e desfavoráveis circunstâncias.
Ao meu amor, Indiara Marques (“Todas as mulheres são virtuosas, mas tu, supera a
todas”. Prov. 31,29).
A minha orientadora Rita de Cássia pelo suporte no pouco tempo que lhe coube.
Ao meu amigo e professor Ivan Pessoa por toda ajuda, incentivo e confiança.
Ao meu irmão de consagração Alexandre Ferreira, pela caridade e pacientes
correções.
Aos meus amigos do grupo Carcarás por todo apoio e orações.
E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu muito
obrigado.
Sumário
7 – Conclusão…………………………………………………………………………………...
REFERẼNCIAS BIBLIOGRAFICAS..........................................................................................11
1- As circunstãncias de Ortega y Gasset
A obra de Ortega y Gasset não pode ser bem compreendida sem se levar
em conta o contexto em que foi escrita e o povo a qual foi endereçada. Ortega
fala como espanhol e para espanhóis. A pretensão de falar para todos nunca
encontrou lugar em seus escritos. Em seu primeiro livro, Meditações do Quixote
(1914), escreve: “O indivíduo não pode orientar-se no universo senão através da
sua raça, porque vai incluído nela como a gota no seio da nuvem peregrina”. Não
raro, Ortega manifestava sua preocupação em ser mal entendido por povos de
outras línguas. Tanto que, visando orientar o leitor estrangeiro, acrescentou ao
livro A Rebelião das Massas um “Prólogo para franceses” e um “Epílogo para
ingleses”. Júlian Marias, aluno de Ortega e um de seus mais fiéis discípulos, na
introdução à obra citada lembra que “Se isolarmos os textos de seus contexto, a
intelecção não pode ser plena” (A Rebelião das Massas, ORTEGA, pág. 12. Vide;
Edição: 1ª. 22 de janeiro de 2016). Ortega buscava não só falar a espanhóis,
como também uma visão espanhola do mundo. Kujawski atenta para o fato de
que “em Ortega o fator espanhol e o fator universal estão fundidos um no outro.
Aos vinte e poucos anos ele anunciou qual seria o seu programa de trabalho: a
interpretação espanhola do mundo” (Ortega y Gasset, a aventura da razão. p. 11.
São Paulo: Moderna, 1994). Qualquer um que se aventure por seus textos deve
ter isso em mente.
Desde o final do século XVIII a nação espanhola estava cada vez mais
separada da Europa moderna. A espanha entrou no século XX marcada pelo atraso e
desorientação, o que resultou num povo deprimido, afogado em falta de perspectiva,
sem esperanças no futuro e sem o entusiasmo que motiva e cria. Com Afonso XII no
trono tendo como chefe de governo Cánovas del Castillo, a distastia borbônica volta a
reinar no século XIX, o que para muitos seria um período de restauração nacional.
Restauração que não passou de um engodo. A nação que em outros tempos dominara o
mundo com Carlos V e Felipe II, é derrotada na guerra contra os EUA em 1898. Com
isso a Espanha perdeu o que lhe restava de comércio colonial, deixando o povo
espanhol perplexo e impotente diante do próprio destino.
Em sua busca por compreender o contubardo século XX, Ortega y
Gasset deparou-se com a herança do século XIX: o modo de pensar. O homem
do século XX, avalia Ortega, enxerga o passado pelas lentes dos intelectuais,
interpretações, crenças e estilos do século XIX. O passado está distante, tão
distante quanto as interpretações do século XIX permitirem. Em 1916, afirma o
filósofo: “Falando com rigor, o século XIII e todos os demais pretéritos só existem
para nós dentro do século XIX, segundo ele os viu através de seu gênio.”(Nada
Moderno y Muy Siglo XX. P 22. 1916).
Essa situação histórica se faz problemática para o século XX pois a
cosmovisão que adotou, lhe veio por herença do século anterior. Sua forma de
pensar lhe foi imposta. Os homens do século XIX buscavam o progresso e
entusiasmados com essa ideia creram estar no limiar dos tempos. Viam-se como
superiores; um século onde tudo estava consumado e não um período que, como
todos os outros, deveria ser superado. O homem de hoje vê mais longe
justamente por “ começar a existir, desde logo, sobre certa quantia de passado
amontoado” (A Rebelião das Massas, ORTEGA, p. 71. Vide; Edição: 1ª. 22 de
janeiro de 2016). O passado não deve estar tão distante. Um povo que se vê na
plenitude dos tempos tende a enxergar no passado apenas tentativa, prólogo,
preparação. Diz o filósofo espanhol na obra supracitada:
Os tempos de plenitude sempre se sentem como resultado de muitas outras
idades preparatórias, de outros tempos sem plenitudes, inferiores a ele, sobre os quais
vai montada essa hora requintada. Vistos, da sua altura, aqueles períodos preparatórias
parecem como se neles tivesse vivido puro afã e ilusão não realizada; tempos só de
desejo insatisfeito, de precursores ardentes, de “ainda não”, de penoso contraste entre
uma clara aspiração e a realidade que não lhe corresponde. É assim que o século XIX
vê a Idade Média (A Rebelião das Massas, ORTEGA, p. 53. Vide; Edição: 1ª. 22 de
janeiro de 2016).
Ortega, com efeito, estava convencido de que a circunstância espanhola
estava enferma. Nos ensaios de El Espectador o filósofo espanhol traz a
esperança de que o homem de sua época poderia superar essa crise. Pois a
ideia de progresso definitivo os deixaram acomodados e por isso, vazios. Cheios
de si, não percebem que renegam a cultura e o legado dos séculos passados,
inclusive o maior deles: o legado dos erros:
Mas agora nos damos conta de que esses séculos tão satisfeitos, tão
perfeitos, estão mortos por dentro. A autêntica plenitude vital não consiste na
satisfação, na conquista, na chegada. Já dizia Cervantes que “o caminho é
sempre melhor que a pousada”. Um tempo que satisfaz seu desejo, seu ideal, já
não deseja mais nada, sua fonte de desejo secou. Isto é, que a famosa plenitude
é em realidade uma conclusão (A Rebelião das Massas, ORTEGA, p. 101. Vide;
Edição: 1ª. 22 de janeiro de 2016).
Ortega também procura saber se os conflitos existenciais de seu país
também aflingem outros povos do mundo, afinal, a vida de todo homem está
ligada a circunstância em torno e não pode ser diferente. O nível de filosofia do
século XX tratava especialmente da vida humana e seu cotidiano, mais do que
todos, Ortega levou isso muito a sério. Em seu famosíssimo Meditações do
Quixote, remete à detalhes da paisagem espanhola, ao modo de conversar dos
lavradores, ao que é modesto e íntimo ao homem, e sem ignorar a devida
hierarquia que evita que o caos se instaure no cosmos, dirige sua meditação ao
que é próximo da nossa pessoa. Tratando das particularidades de cada vida, dos
pontos de vista, das circunstâncias e dramas vividos.
A Espanha havia se afastado das coisas realmente importantes, não
sabendo mais a que se ater, afogava-se num mar de vulgaridades e ódio ao
mundo que lhe envolvia, ódio à sua circunstância. Eis o diagnóstico de Ortega:
Não se pode, numa introdução à sua obra, não citar o fato de que Ortega
é, além de pensador de grande estirpe, grande prosador da língua espanhola,
chegando a criar uma terminologia e estilo filosófico espanhol próprios. A técnica
orteguiana difere da de Heidegger, pro exemplo, ao evitar o uso de neologismos,
preferindo devolver às expressões usais do idioma. Ortega transformou o uso da
metáfora em algo metafísico, esforçando-se para ser sempre inteligível por todos.
Seus livros são, além de tudo, verdadeiros diálogos. Escrever sempre foi para ele
um modo de conversar, de estabelecer um vínculo de amizade com quem o lê. O
uso e abuso de expressões metafóricas fazem sua obra ser lida de perto, o autor
fala – às vezes sussura – ao indivíduo, ao leitor, no singular. Cativando seu
espírito com metáforas e alusões ao cotidiano, pois é na circunstãncia particular
que o homem se completa. Ao fazer tais alusões, citar provérbios populares e usar
metáforas, Ortega torna sua filosofia acessível aos seus leitores: homens do povo, que são
capazes de compreendê-lo ainda que este faça as mais elevadas investigações. No filósofo
espanhol se vê a leveza de uma crônica banhada pela mais rigorosa filosofia. Clareza e
rigor aqui se unem para trazer a filosofia ao cotidiano, ao homem comum, pois “a clareza
é a cortesia do filósofo”. A esses procedimentos linguísticos absolutamente novos, Júlian
Marías dá o nome de “dizer da razão vital” (Vida y razon em la filosofia de Ortega. La
escuela de Madrid. Estudios de filosofia espanola. Buenos Aires, 1959. Obras, V).
Além de filósofo, era Ortega também um literato e sempre escreveu para o
homem, no singular. Seus textos apesar do alto rigor filosófico, foram escritos para o
homem comum, para qualquer um que se sinta perdido na agitação do mundo e tome a
decisão de agarrar-se à algo para dar sentido à sua vida. O filósofo espanhol sempre
entendeu que a filosofia precisa da poesia; que a filosofia é dada ao povo em pétalas
douradas pela poesia. Seus ecsritos seduzem e atraem, aproximamo-nos de sua obra como
que crianças à roda em volta da fogueira, maravilhados e curiosos com a história contada
pelo ancião. Imagem e conceito se unem perfeitamente para guiar o leitor através das mais
elevadas asceses filosóficas. A vida, para o filósofo aqui apresentado, é drama. Sua
argumentação se faz como o desenrolar de uma peça de teatro, atraindo a atenção por
meios líricos. Visando sempre aproximar o leitor, através da clareza do discurso, ao drama
da vida. Recursos próprios da literatura são enxertados nas explicações filosóficas e o
conceito ganha atributos dramáticos, para que assim possa apreender o conteúdo da vida,
por isso, o uso constante de metáforas e imagens.
Quanto ao estilo, pode-se dizer que Ortega é um filósofo sui generis,
atípico. Sua obra é fragmentária; em toda sua extensa produção filosófica não se
encontra um único livro completo, perfeitamente ordenado, digo, com começo,
meio e fim. Talvez por isso muitos de seus comentadores e discípulos insistam
não haver nela um sistema. Julían Márias, porém, não partilha dessa posição e
na introdução dA Rebelião das Massas, diz:
Muito longe do que sentimos hoje do dogma hegeliano, que faz do pensamento
a substância última de toda a realidade. É demasiado amplo o mundo, e
demasiado rico, para que o pensamento assuma a responsabilidade de quanto
ele ocorre (Meditações do Quixote, p. 82. José Ortega y Gasset. 1 edição –
Março de 2019 – CEDET).
Porém, sem abraçar as teses realistas que, herdadas dos gregos, distanciam o
objeto do indivíduo ao superestimá-lo. Cito novamente Ortega:
Por isso não basta “ligar coisa com coisa”, como faz o logos; é preciso
ligar “coisa com coisa e tudo conosco”; coisa com coisa e tudo comigo,
aqui e agora, na minha circunstância, onde pulsa o meu coração. De
nada vale a razão ligar coisa a coisa numa estrutura grandiosa (como
os grandes sistemas ideológicos) se eu, que executo essa ligação,
permaneço excluído dela. Pensar é circunstancializar, chegar ao
universal a partir da circunstância (Gilberto de Mello Kujawski Ortega y
Gasset, a aventura da razão. p. 32. São Paulo: Moderna, 1994.
Coleção Logos).
Em resumo: sem mundo não há consciência e consequentemente não haveria
eu. O eu e as coisas não existem, coexistem. O mundo só é mundo em sua relação
essencial com a subjetividade do sujeito e a subjetividade do sujeito só existe em sua
relação essencial com o mundo: o dinamismo do mundo determina meu agir, meu amá-
lo ou odiá-lo; por sua vez, o dinamismo de minha subjetividade, minhas crenças, valores,
ideias, história, ponto de vista, determina o ser do mundo. E é esse o sentido filosófico e
inovador que Ortega dá para a vida. Viver é ter seus sentidos envolvidos com o que nos
cerca, é pensar o mundo, mas também, tocá-lo, vê-lo, degustá-lo, amá-lo ou não etc.
Tudo isso, é viver. Todo o fenômeno entre o eu e a circunstância que foi ignorado pelo
idealismo e pelo racionalismo, a relação entre ser e viver; eis o princípio radical da
filosofia Orteguiana.
A circunstância é o mundo em torno, porém mundo aqui não significa apenas
aquilo que afeta o sujeito sensorialmente, a realidade física; circunstância também
significa a realidade social e histórica, e inclusive, mente e corpo, pois também fazem
parte da realidade em que somos inseridos e, portanto, parte de nossa circunstância.
Ortega aproxima-se da fenomenologia e considera eu e mundo instâncias inseparáveis.
Viver é um que fazer que tem necessidade do mundo em volta. Ao se considerar um,
deve-se levar em conta o outro. Tudo aquilo que circunda o homem, sendo coisas
palpáveis ou não, relaciona-se com ele. No livro Que és filosofía? Pode-se ler que
[...] o importante não é que as coisas sejam ou não corpos, senão que
elas nos afetam, nos interessam, nos acariciam, nos ameaçam e nos
atormentam. Originariamente isto que chamamos corpo não é senão
algo que nos resiste e nos estorva, ou nos sustenta e leva [...]. Mundo,
em sensu stricto, é o que nos afeta (1997b, v. 2, p. 416)
Circunstância é tudo aquilo que não sou eu, mas com o qual tenho um
encontro, aquilo que me é dado, recebido e com o qual tenho de agir no mundo. A
realidade não emana do sujeito, apesar de se tornar inteligível apenas em contato com
ele. Sendo assim, a circunstância compreende toda a sociedade, outros homens, valores
e crenças que cada um encontra em seu tempo. Isso evita que Ortega caia num
solipsismo, pois O mundo não é uma realidade subjetiva. O mundo é algo real e objetivo
que está fora do sujeito, o sujeito está agindo e vivendo no mundo; o mundo não existe
em si e eu não existo em mim, afirmar isso seria cair nos erros do realismo e idealismo,
visões que devem ser superadas. Em síntese: o mundo não existe sem o sujeito por ser
soma de suas possibilidades vitais.
“Eu sou eu e minha circunstância”; fechando este tópico, cito pontos
fundamentais extraídos por Kujawski ( 1994 ) dessa firmação:
Como foi exposto aqui, a vida humana é a realidade básica, radical, onde todas as
realidades acontecem. A vida está no centro das circunstâncias e é onde o fluxo dinâmico
dos acontecimentos convergem. É no campo vital de cada indivíduo que o universo torna-
se inteligível e perceptível. A vida é razão vital, ou seja, o órgão máximo de compreensão
humana, e o ponto de vista particular é a parte da realidade que nos cabe perceber. Sendo
dinâmica a realidade, como um rio que corre sem parar, a vida não pode ser estática. O
homem não é um ser feito, acabado, mas sempre um ser por fazer. Viver é um
acontecendo, jamais um acontecido. Ou seja, a vida é o que eu sou e o que me acontece,
em síntese: agir e sofrer. Nascemos num universo sob determinadas circunstâncias que
não escolhemos, mas aquilo que escolhemos fazer com o que é nos é dado, é o que
realmente importa.
Ao definir a vida como quefazer Ortega deixa claro que a realidade da vida não é
uma “coisa” e sim o que se faz com aquilo que nos cerca. Viver ativamente e não só
passivamente é a vocação do filósofo. A vida biológica não serve para explicar o agir
humano, pois ela não considera sua história e a execução de seus atos desde seu lugar no
mundo. Os demais seres da natureza têm certa programação natural que impede a
desordem e mudança, isso não vale para o homem. O homem, como Adão no paraíso, tem
que ponderar o que fazer com a vida que lhe foi concedida, tem de fazê-la ele mesmo. O
macaco é condicionado a ser macaco, já o homem é forçado a pensar sobre o que é ser
homem e como ser um. Adão no paraíso, encontra-se com a importante tarefa de nomear
os seres, ou seja, dizer sobre algo “quid est”, o que é. O problema de estar na vida; eis é a
máxima preocupação filosófica. O homem celebra a vitória e padece o sofrimento da
derrota, sente a alegria da vida e a dor do luto, ama e odeia, aconchega-se nos braços da
amada e sente a falta que lhe faz uma Eva. É oprimido pelo mundo em torno, mundo que
não escolheu mas que esta aí. É este o drama da vida humana: imaginar um projeto vital
diante das circunstâncias impostas. Gilberto de Melo Kujaswki lembra que
A vida, diz Ortega, é faina poética porque o homem tem que inventar o que vai
ser. Todos nós, acrescenta, somos novelistas de nós mesmos, originais ou
plagiários. A circunstância nos é imposta, eu vivo aqui e agora sem escolher
nem meu tempo, nem meu país (Gilberto de Mello Kujawski Ortega y Gasset,
a aventura da razão. p. 53. São Paulo: Moderna, 1994. Coleção Logos)
Uma vez que cada indivíduo nasceu num mundo e tempo que não escolheu, é
forçado a agir dentro das possibilidades que lhe são apresentadas. Para isso, carece de
projeto, saber o que lhe é possível e o que não é; o homem ludovicense do século XXI que
vive em 2019 não pode, por exemplo, escolher ser cavaleiro medieval e lutar pela
reconquista da Terra Santa, ou embarcar numa caravela rumo à mares nunca dantes
navegados dedicando a vida pela expansão do império de Portugal. Antes de tudo, viver é
ter essa consciência: saber o que nos é possível; o que se pode ser. Circunstância e
decisão, eis os dois elementos radicais que compõem a vida. Cada vida humana, para ser
uma vida ativa, autêntica, carece de propósito, de um projeto vital dentro de sua
circunstância particular. Agir sobre o mundo que o cerca e oprime, um agir que pode ser
glorioso ou modesto, valoroso ou medíocre que seja, é essa a condição inexorável do
homem. “Em suma, a reabsorção da circunstância é o destino concreto do homem”
(Meditações do Quixote, José Ortega y Gasset. p. 31. 1 edição – Março de 2019 –
CEDET).
É o homem roteirista da própria história e não pode estar na vida sem um projeto,
pois um personagem carece de falas e ações. Os atos precisam de roteiro e por vezes, de
improviso, porém sempre, de propósito; a atuação visa o espetáculo. O público observa,
julga, diverte-se, ao ator, cabe desempenhar bem ou mal seu papel. Viver é estar numa
peça sem roteiro onde se é, ao mesmo tempo, ator e diretor. O homem tem de inventar sua
história, aquilo que pretende ser, por isso, viva é também, pretensão. O personagem pode
mudar drasticamente, falhar miseravelmente ou arrancar aplausos da plateia, mas nisso
tudo, tem ele de decidir como agir e o que ser, ou escolher não agir e o que não ser.
Acumulando o passado e confrontando posições, sendo e deixando de ser; caminhando
para algo e por algo, seguindo propósitos ou ilusões, em tudo, sendo ele mesmo
responsável por suas ações. Pois se a vida é o que fazer, sou eu quem faço. É o eu que age
na vida escolhendo suas possibilidades. Viver é ato, mas também consequência. Cito
Julían Marías:
Pois bem, minha vida é um que fazer, isto é, sou eu que tenho de fazê-la, tenho
de decidir a cada instante o que vou fazer – e portanto ser – no instante
seguinte; tenho de escolher entre as possibilidades com que me encontro, e
ninguém pode me eximir dessa escolha e decisão (Julían Márias. História da
Filosofia. p. 510. Martins Fontes Editora Ltda., São Paulo. 2004).
4 - Vocação e destino.
Ortega repete por diversas vezes que circunstância é tudo aquilo que não sou eu, inclusive meu corpo e
minha alma. Tomo posse de meu corpo assim como tomo posse de uma herança. Faço minha vida com as
coisas que me são dadas, sejam elas físicas ou não, mas não sou nenhuma delas. O agir vital usa as
circunstâncias sem confundir-se com elas, usa-se o rio para chegar ao mar, mas não confunde-se com as
águas que correm. O que se faz com o que é recebido, é essa a definição do homem. Sendo assim, o homem
está sempre em definição, pois está sempre agindo, fazendo-se. Para agir no mundo, como já dito, faz-se
necessário um projeto de vida. É precisamente isso que Ortega chama de vocação. É sabido da maioria que
vocação vem do latim, vocare, que significa chamado. Ora, para que haja um chamado é necessário alguém
que chama. Um chamado sempre vem de fora, de uma força externa que aje sobre o sujeito, impelindo-o a
movimentar-se nesta ou naquela direção. Pode-se negar ou atender o chamado, mas em ambos os casos, se
faz necessário a ação. Escolher não fazer nada ainda é uma escolha. No entanto, seguir sua vocação é
essencial para se ter uma vida autêntica. Ao negar seu chamado, o homem falseia sua vida e a torna
mediocre.
É necessário ressaltar que vocação não se trata de profissão ou carreira, como popularmente se crê. A
verdadeira vocação é algo de âmbito puramente íntimo e pessoal onde cada indivíduo toma consciência de
que tem de fazer aquilo e não o contrário. Quando não agir de tal forma é negar seu projeto vital, trair quem
se é e fantasiar seu ponto de vista, tem-se então, uma genuína vocação. Um verdadeiro projeto vital busca o
sentido do que nos rodeia, um propósito sincero que nos dá um repuxão na consciência e meio que nos
empurra para uma diração e não para outra. É saber, dentro do leque limitado de possibilidades, aquela ação
que eu e somente eu posso desempenhar, é quando o eu olha atentamente desde seu ponto de vista e
descreve com o máximo de fidelidade possível aquilo que vê, pois ninguém além dele, pode ver com seus
olhos. É um ver ativo, que contempla e interpreta, uma certa atenção que ama e ordena as coisas ao redor. É
tomar posse do real, mesmo accorentados pelas limitações de nossas possibilidades, é saber a extensão
dessas correntes e então, agir de acordo com suas inclinações, sejam elas dar aulas de filosofia, pintar belos
quadros ou passear no campo. O plano de cada indivíduo é livre, ainda que limitado. Cabe ao homem que
escolhe e só a ele, caminhar de acordo com sua vocação escolhendo as circunstâncias que trazem harmonia
ao seu projeto.
Ortega diz que uma vida autêntica é, pois, tarefa do homem que se encontra perdido.
Somente a alma que busca uma certeza fundamental, algo que a permita saber a quê ater-
se na vida pode filosofar. Esta é a razão do por quê e para quê filosofa o homem. Ao tomar
consciência da inexorável situação humana – que é vida e problema – busca-se algo a que
se agarrar, uma tábua de salvação em meio ao mar de falsidades e mentiras. O homem de
alma elevada, agarra-se ao que lhe é necessário, às ideias que dão sentido à sua vida. Não
o faz por ego ou mera convenção, o faz para viver. Lê-se na Rebelião das Massas que
É preciso urgentemente saber o que é o mundo de nosso tempo. Para Ortega, saber uma
nova forma de ser espanhol, saber a que se ater, ser uma geração que aceita a realidade e
assim toma posse dela. Isso não significa conformismo, pelo contrário, aquele que
reconhece estar perdido busca incansavelmente achar-se. Esclarece Marías (1960, p.67):
Quando digo aceitação da realidade, não quero dizer “conformidade” com ela,
muito menos “conformismo”, pelo contrário: aceitação da realidade tal com é,
e encontram que é, paradoxalmente, inaceitável. Quero dizer com isto que lhe
vão tomar precisamente como algo no qual se pode ficar, porém de onde se
pode partir. O naufrágio em que consiste a realidade espanhola vai ser o ponto
de partida.
E ainda: “Os homens de 98 fazem literatura, arte, história, ciência, porque não tinha mais
remédio, porque partem de um náufrago e necessitam saber a que ater-se” (MARIAS, 1960, p.
68). A única coisa que pode salvar a Europa é saber a que ater-se, ou seja, uma autêntica
filosofia. Em suma, o eu precisa “sair de si mesmo” e encarar o mundo ao seu redor. Na
síntese das sínteses, o eu precisa viver: “Mas isso – uma realidade que consiste em que um eu
veja um mundo, pense-o, toque-o, ame-o ou deteste-o, e aguente-o e sofra-o – é o que desde
sempre se chama “viver”, “minha vida”, “nossa vida”, a de cada um” (O que é filosofia?
GASSET, Ortega, p. 214. Vide; Edição: 1ª. 10 de agosto de 2016))
Como já foi dito aqui, para Ortega o conhecimento não deve ser
analisado a partir do falso dilema entre vida e razão e sim visto desde uma
superação do dito dilema; nem nos vale o racionalismo, tese segundo a qual o
sujeito não tem primazia alguma, sendo um sujeito transcendental, sem vida nem
história. Tampouco é válido o relativismo, segundo o qual todo sujeito é particular
e a realidade deforma-se de modo distinto segundo o sujeito, não havendo um
conhecimento universal e verdadeiro. A solução, segundo propôe o filósofo, é o
perspectivismo: a estrutura psíquica de cada indivíduo é um receptor que
depende das circunstâncias em torno, ou seja, a realidade é percebida de dentro
do campo vital do sujeito. Em El tema de nuestro tiempo nos é apresentado a
verdade do ponto de vista, uma tentativa de resolver o problema das relações
entre vida e cultura, ou para ser mais exato, entre vida e razão. A síntese na qual
o vitalismo e o culturalismo se unem e assim desaparecem, eis o que Ortega
denomina perspectivismo. A realidade não está acima do ponto de vista
individual. A verdade do mundo não pode ser vista fora do ponto de vista de cada
indivíduo: “O ponto de vista individual me parece o único ponto de vista desde
qual se pude ver o mundo em sua verdade” (El Espectador I, p.19. 1916,
Biblioteca Nueva. Tradução nossa).
Antonio Rodríguez Huéscar em seu Perspectiva y Verdad (Alianza
Universidad), Primeira edição em Revista de Occidente, 1966 que o
perspectivismo é a teoria geral da filosofia orteguiana e não uma doutrina à parte,
dentro dela. A perspectiva do homem dentro de sua vida é de suma importãncia
para qualquer investigação. Deve-se ser fiel à seu ponto de vista para que se
possa viver uma vida autêntica, ainda que tal ponto de vida seja problemático.
Para Ortega a realidade é percebida desde as destintas perspectivas; ou seja,
não existe um ponto de vista absoluto, uma visão eterna que abarque todo o real.
Assim sendo, a realidade do universo por econtrar-se fora de nossas mentes
individuais, só pode ser contemplada a partir de várias perspectivas. Uma visão
sub especie aeternitatis à lá Espinosa não seria verdadeira, a visão de Ortega é
bem mais próxima de Leibniz, onde cada mônada é uma perspectiva do
universo, uma parte única da verdade. Os diferentes pontos de vista entre os
homens não implicam na falsidade de uma delas, pelo contrário: cada vida é um
ponto de vista sobre o universo. Assim como uma paisagem admite diferentes
descrições, a realidade admite destintos pontos de vista. Diferentes perséctivas
ampliam, mas não negam a perspectiva individual.
A verdade, através de cada ponto de vista, cada perspectiva, adquire
uma dimensão vital. Não se trata de um relativismo, mas de uma profunda
fidelidade ao que vitalmente somos; um olhar atencioso e honesto para nossas
circunstâncias a fim de conhecer o mundo e aceitar nosso destino. Tem-se então,
uma inversão na escala axiológica, elevando à categoria dos valores vitais. A
posição de cada indivíduo no mundo é o que lhe permite captar a parte da
realidade que corresponde ao seu ponto de vista. Cada indivíduo é por assim
dizer, um aparato de conhecimento insubstituível. Ele e somente ele, enxerga
desde seu ponto de vista. Ele é único e insubstituível. Ninguém pode ver pelo
outro, sentir suas dores e emoções, viver sua vida. No entanto, um ponto de vista
é uma verdade fragmentada que precisa das outras partes para completar-se.
Uma verdade total só é possível a partir de uma união de várias verdades
particulares ou seja, somente considerando o ponto de vista do próximo. Levando
em conta todas as verdades particulares teremos o ponto de vista de Deus que é,
nada mais, que a soma dos pontos de vista individuais. Desse modo, se
conhecemos alguma verdade não é por contemplá-la desde o ponto de vista de
de Deus, o inverso parece mais verossímel, diz Ortega, “Deus vê as coisas
através dos homens, os homens são órgãos visuais da divindade” (Obras
Completas Vol. 1).
Em sua coleção de ensaios El Espectador, apresenta o indivíduo de alma
filosófica que não é um dogmático, nem lógico ou grande sistematizador e sim,
aquele que é fiel à sua perspectiva. Em Verdad y Perspectiva (El Espectador I),
lê-se o poético trecho:
6 – Consideraçoes finais.
Tanto vale dizer que vivemos como dizer que nos encontramos em um
ambiente de possibilidades determinadas. A este âmbito chama-se “as
circunstâncias”. […] Porque este é o sentido originário da ideia de
“mundo”. Mundo é o repertório de nossas possibilidades vitais. Não é,
pois, algo a parte ou alheio a nossa vida, senão que é sua autêntica
periferia. Representa o que podemos ser, portanto, nossa
potencialidade vital. Esta tem que concentrar-se para realizar-se, ou,
dito de outra maneira, chegamos a ser só uma parte mínima do que
podemos ser. Daqui que nos parece o mundo uma coisa tão enorme, e
nós, dentro dele, uma coisa tão pequena. O mundo ou nossa possível
vida é sempre mais que nosso efetivo destino. (O.C., v 4, 1951a,
p.163).
7 - Conclusão.
Nosso intuito foi mostrar que o ser humano precisa filosofar. A filosofia é
uma função de sua vida e consiste em tentar conhecer o todo em seu conjunto.
Ou seja, a finalidade do pensar filosófico é averiguar o universo e tudo quanto há,
desde o ponto de vista da vida humana. O pensar sobre aquilo que lhe é dado,
sobre as perspectivas insuficientes e fragmentadas. Voltar-se às coisas com
sinceridade e necessidade radical de náufrago. Filosofar é, segundo aqui
exposto, abordar assuntos sobre a existência e a realidade e sobre a capacidade
humana de compreendê-la. Uma reflexão sincera sobre o eu e o mundo. Ao viver
o homem se encontra de modo inevitável, limitado por suas circunstâncias.
Encontra-se fatalmente no mundo, porém esse mundo não é algo abstrato e
universal, mas uma realidade concreta e particular em que se depara com seus
próprios problemas e é forçado a agir. Quando o ser humano nasce, obviamente as
suas possibilidades vitais são numerosas, à medida que a vida passa e a velhice chega, as
oportunidades de escolha se limitam cada vez mais, viver é poder e fazer tais escolhas e de
certa forma, seguir sua vocação. O mundo, portanto, não é algo sem relação com o Eu,
mas é seu quintal, digamos assim, aquilo que podemos vir a ser, nossa potencialidade vital
que tem de ser concretizada, atualizada, porém ao pegar um rumo na vida deixamos de
pegar outros, logo, chegamos a ser só uma parte ínfima do que podemos ser. Sendo assim,
nos assustamos diante do mundo e sua enorme potência de ações, por isso, o viver é
sempre problema.
Em suas obras – e aqui procuramos expôr – Ortega se ocupa em afirmar a vida
como realidade radical. Sua concepção busca uma superação da noção ontológica
tradicional, seja uma visão realista ou idealista/racionalista, que define o ser como algo
acabado. Em Ortega, esta visão cede espaço a uma “definição” atuante, ou seja, o
homem define-se sempre, seu ser consiste em uma interação com o mundo e essa
interação sempre é devir. Um devir atuante que toma consciência de sua condição no
universo, que sabe o que lhe ocorre e esforça-se para encontrar-se em sua vida, um eu
que a partir de seu lugar no mundo aspira elevar-se e transforma sua época ainda que
mude apenas seu viver, eis a vida autêntica. Para concluir, cito Ortega;
E há em mim uma substancial, cósmica aspiração a erguer-me da fera
como de um leito de sangue. Não me obrigueis a ser só espanhol se
espanhol só significa para vós homem da costa reverberante. Não
enfieis guerras civis em minhas entranhas; não aguceis o ibero que vai
em mim com suas ásperas, desgrenhadas paixões contra o loiro
germano, meditativo e sentimental, que ofega na zona crepuscular de
minha alma. Aspiro a pôr a paz entre meus homens interiores e os
empurro à colaboração (Meditações do Quixote, José Ortega y Gasset.
p. 89. 1 edição – Março de 2019 – CEDET).
3- BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, José Maurício de. Lições de Ortega sobre a vida humana. Ética e Filosofia
Política, Juiz de Fora, v. 1, n. 1, p. 81-90, jul./dez. 1996.
MARÍAS, Julián. Acerca de Ortega. Madrid: Espasa Calpa, 1991.
Julían Márias. História da Filosofia (Martins Fontes Editora Ltda., São Paulo.
2004).
El Tema de Nuestro Tiempo. Obras Completas, vol III, cap. X. Rev. de Occ. Madrid.1966,
pp. 197-203).