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EAD

Educação na Modernidade

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1. OBJETIVOS
• Reconhecer a importância da época moderna para a edu-
cação.
• Examinar a reestruturação da escola moderna.
• Conhecer as principais vertentes pedagógicas da Moder-
nidade.
• Investigar a relação entre o processo de formação indivi-
dual e o de formação social.

2. CONTEÚDOS
• Época moderna.
• Reformismo religioso e educação.
• Modernidade.
• Iluminismo.
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3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Chamamos Iluminismo o movimento cultural que se de-
senvolveu na Inglaterra, na Holanda, na Alemanha e na
França nos séculos 17 e 18. Nessa época, o o progresso
científico e cultural, que vinha ocorrendo desde o Renasci-
mento, deu origem a ideias de liberdade política e econô-
mica, defendidas pela burguesia. Os filósofos e economis-
tas que difundiam essas ideias se julgavam propagadores
da luz e do conhecimento, sendo, por isso, chamados de
iluministas. O Iluminismo trouxe grandes avanços que, jun-
tamente com a Revolução Industrial, abriram espaço para
a profunda mudança política determinada pela Revolução
Francesa. O precursor desse movimento foi o matemático
francês René Descartes (1596-1650), considerado o pai do
racionalismo. Em sua obra Discurso do método, ele reco-
menda, para se chegar à verdade, que se duvide de tudo,
mesmo das coisas aparentemente verdadeiras. A partir da
dúvida racional, pode-se, segundo o filósofo francês, alcan-
çar a compreensão do mundo e mesmo de Deus.
2) Antes de iniciar os estudos desta unidade, será interes-
sante você conhecer um pouco da biografia dos pensa-
dores, cujos pensamentos norteiam o estudo desta uni-
dade. Para saber mais, acesse os sites indicados.

Erasmo de Roterdã (1466-1536)


[...] ficou conhecido como Erasmo de Rotterdam, mas seu
nome era Desidério Erasmo e ele foi um pregador do evan-
gelismo filosófico. Nasceu na cidade de Rotterdam, na Ho-
landa. Em 1488 ingressou na ordem dos agostinianos e
virou padre, depois aceitou o cargo de secretário do bispo
de Combai, na França. Em Paris estuda teologia. Escreve
Colóquios e Antibárbaros, que é considerada uma obra es-
colástica, crítica da exaltação dos valores da Antiguidade
clássica. Viaja pela primeira vez para a Inglaterra em 1499,
onde toma contato com o movimento humanista e conhece
aquele que seria seu grande amigo, Thomas More. Traduz
o Novo Testamento. Mantém vasta correspondência. De-
nuncia a vida na igreja como distante da fé. Fala que os
cristãos devem seguir os ensinamento simples de Cristo, sendo que a estrutura da
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igreja e da vida monástica haviam se tornado distantes do amor de Deus, de Sua


benevolência e da prática evangélica que Erasmo defende na Filosofia Christi. Os
homens renascentistas dedicaram-se a várias atividades. Eles começaram a con-
tar a nova realidade. Cervantes, no célebre livro Dom Quixote de la Mancha conta-
-nos a história de um louco, apegado a valores que já não existiam como a digni-
dade, decência e nobreza de caráter do cavaleiro medieval. Erasmo de Rotterdam
escreve um livro Elogio da Loucura (dedicado a Thomas More) onde apresenta
a loucura como uma deusa que conduz as ações humanas. Identifica a loucura
em costumes e atos como o casamento e a guerra. Diz que é ela que forma as
cidades, mantém os governos, a religião e a justiça. Ele critica muitas atividades
humanas, identificando nelas mediocridade e hipocrisia (Imagem e texto disponí-
veis em: <http://www.consciencia.org/erasmo.shtml>. Acesso em: 18 out. 2010).

Tomás More (1478-1535)


A forma latinizada de seu nome é Thomas Morus, e More
é a forma inglesa. More nasceu e morreu em Londres,
Inglaterra. Era filho de juízes do banco dos reis. Com
quinze anos virou pajem do cardeal Morton, da Cantuá-
ria. Foi um pensador humanista, otimista em relação à
solução dos problemas, bastando para isso bem condu-
zir a razão e obedecer à natureza. Tinha muitas relações
e amizades, apesar de reconhecer injustiças nas nações
da Europa. Em 1497 foi terminar os estudos em Oxford,
onde tomou contato com Desiderius Erasmo, filósofo
e teólogo de Rotterdam, Holanda. Se tornaram gran-
des amigos, e More era como um discípulo de Erasmo,
mais velho, que dedicou a ele seu principal livro Elogio
da Loucura. Mantiveram correspondência. Thomas More chegou a chanceler da
Inglaterra e escrevia para Erasmo: "Não podes avaliar com que aversão me en-
contro nesses negócios de príncipe, não há nada de mais odioso do que essa
embaixada." More falava de sua missão diplomática de resolver uma importante
dissidência entre Henrique VIII, a quem chama de invencível e dono de um gênio
raro, e o príncipe Carlos da região de Castela (Imagem e texto disponíveis em:
<http://www.consciencia.org/more.shtml>. Acesso em: 18 out. 2010).

Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592)


Montaigne é autor de um só livro: Ensaios. Mas nesse
livro único, escrito sem estrutura preestabelecida, sem
método, ao acaso dos acontecimentos e das leituras,
procura entregar-se por inteiro aos seus leitores. Pu-
blica quatro edições sucessivas dos Ensaios. Ia dizer
quatro moagens: a primeira, com 47 anos, em 1580.
Volta ao texto, corrige-o, remata-o e, ao morrer (em
1592) deixa um exemplar da obra sobrecarregado de
variantes e de acréscimos, que as edições posteriores
têm que tomar em consideração (Imagem disponível
em: <http://www.nodo50.org/rebeldemule/foro/viewtopic.
php?f=19&t=8717>. Acesso em: 18 out. 2010. Texto disponível em: <http://www.
consciencia.org/montaigne-gide.shtml>. Acesso em: 18 out. 2010).

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René Descartes (1546-1650)


[...] nasceu de uma família nobre dedicada à medicina e ao
comércio. Os Descartes se fixaram em La Haye, Tourenne.
Seu pai se chamava Joaquim e era conselheiro do parla-
mento britânico. René tinha uma saúde frágil, e era cui-
dado por sua avó. Entrou no colégio jesuíta de Le Flèche,
que havia sido fundado dois anos antes, mas já adquirira
notoriedade. Nesse estabelecimento René teve formação
filosófica e científica. Foi um bom aluno, mas não encon-
trou a verdade que procurava, como escreveu no Discurso
do Método.
Em 1620, renuncia à carreira militar e parte para a Itália.
Escreveu alguns trabalhos nesse período. Em 1637 publica
o Discurso do Método - para bem conduzir a própria ra-
zão e procurar a verdade nas ciências. Teve uma filha com
Heléne Jans, essa filha morreu com cinco anos e ele a amava. Seu nome era
Francine e a dor da perda afetou Descartes. Ao contrário do Discurso do Método,
que foi escrito em francês, Meditações foi escrito em latim. Seus pensamentos
suscitavam muitas críticas, entre elas a de Hobbes.
Consagrado, Descartes se relacionava com a princesa Isabel, e mantinha corres-
pondência. Princípios da filosofia foi dedicado à princesa Elizabeth de Boêmia.
Em 1649 aceita um convite da rainha Cristina da Suécia e vai para lá, entregar
os originais de seu último trabalho (Imagem e texto disponíveis em: <http://www.
consciencia.org/descartes.shtml>. Acesso em: 18 out. 2010).

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).


[...] um dos mais considerados pensadores europeus no
século XVIII. Sua obra inspirou reformas políticas e edu-
cacionais, e tornou-se, mais tarde, a base do chamado
Romantismo. Formou, com Montesquieu e os liberais in-
gleses, o grupo de brilhantes pensadores pais da ciência
política moderna. Em filosofia da educação, enalteceu a
"educação natural" conforme um acordo livre entre o mes-
tre e o aluno, levando assim o pensamento de Montaigne
a uma reformulação que se tornou a diretriz das corren-
tes pedagógicas nos séculos seguintes. Foi um dos filó-
sofos da doutrina que ele mesmo chamou "materialismo
dos sensatos", ou "teísmo", ou "religião civil". Lançou sua
filosofia não somente através de escritos filosóficos formais, mas também em
romances, cartas e na sua autobiografia (Imagem e texto disponíveis em: <http://
www.culturabrasil.pro.br/rousseau.htm>. Acesso em: 18 out. 2010).

4. INTRODUÇÃO
Na unidade anterior, você teve a oportunidade de familia-
rizar-se com os problemas pedagógicos presentes na época me-
dieval. Vimos que seu caráter opressivo e dogmático não propor-
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cionava condições para o pleno e integral desenvolvimento do


indivíduo humano, mas preocupava-se em manter o status vigente
do sistema clerical, utilizando-se, para tal fim, da poderosa ferra-
menta da fé.
Nesta unidade, você compreenderá como se deu a ruptura
da época medieval com o advento do Renascimento, bem como a
consolidação da visão moderna. Tal ruptura afeta todas as áreas
humanas, até mesmo a educação. Esta, em virtude dos novos de-
safios, iniciou a busca de novos modelos e soluções para atender
às necessidades do homem moderno.
Com o surgimento do Estado nacional e com a ascensão da
burguesia, a educação assumiu um caráter mais laico e liberal. O
Estado é que tomará conta da educação, e esta, por sua vez, pro-
moverá seus fins. Em contrapartida, a libertação das correntes me-
dievais tornou atual a questão da formação pessoal do indivíduo.
A Modernidade apresentou-se como uma época acentuadamente
contraditória em termos políticos, econômicos, sociais, culturais e
pedagógicos. Com base nesse caráter contraditório, ela desenhou
a sua própria gênese dialética, tentando encontrar a almejada sín-
tese. Vamos conhecer um pouco das particularidades do pensa-
mento moderno sobre a educação?

5. ÉPOCA MODERNA: TRAÇOS GERAIS


O crepúsculo da mundividência medieval iniciou por volta do
século 15. A crise na Igreja católica e as corrupções e os abusos do
clero abalaram ainda mais seus fundamentos. Guerras, conflitos po-
líticos e econômicos desenharam o quadro geral dessa época em
declínio. Todavia, tais crises despertaram novas ideias, anseios e de-
sejos que circunscreveram, por sua vez, os primeiros traços desse
período . Se pensarmos no historicismo lógico de Hegel, diríamos
que a Idade Média necessariamente produziu seu fim em prol de
outra situação histórica, mais avançada e rica – a Modernidade.

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A questão que surgia naquele contexto histórico era a ur-


gência de instaurar uma nova situação histórica que propiciasse
na criação de um mundo novo e cheio de esperança. A necessi-
dade inventar um modelo novo ou uma nova mundividência que
suprisse as necessidades e os anseios dos homens novos. Trata-se
da reinvenção do modelo do mundo greco-romano. Francesco Pe-
trarca deu o nome de "Re-nascimento" à esse movimento cultural.
Renascimento dos valores clássicos numa versão cristã – eis a novi-
dade no cenário histórico. Estamos diante do fenômeno da época
do Renascimento, cujos protagonistas são as cidades italianas e
seus nobres cidadãos, os novos humanistas.
O Renascimento representa marca o início da época moder-
na, ele foi marcado pelo progressivo rompimento dos paradigmas
econômicos e políticos, vigentes no modelo estático da época me-
dieval. Cabe dizer que a Modernidade foi fruto de uma revolução
multifacetal: econômica, política, social, ideológica, geográfica e,
não por último, pedagógica.
No âmbito econômico, iniciou-se o rompimento do modelo
feudalista – um modelo acentuadamente fechado – e o surgimen-
to do capitalismo com base em uma nova classe – a burguesia e
seu exercício comercial. Em síntese:
• As mudanças ocorridas no espaço político conduziram ao
surgimento do Estado nacional moderno, que se define
com a repartição do poder nas instituições.
• No plano social, a Modernidade introduziu uma nova
classe – a burguesia –, que assume o papel de protagonis-
ta do capitalismo.
• A razão, em detrimento da fé, ganhou cada vez mais es-
paço nesse novo mundo, provocando uma revolução de
ideias progressistas que culminam no Iluminismo.
São essas as principais mudanças que deram nova cara ao
mundo ocidental. Essas profundas alterações no "velho continen-
te" colocam grande desafio diante da educação, à qual se atribui a
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missão pedagógica de produzir o homem novo, apto a compreen-


der, aceitar e atuar nos novos modelos e paradigmas.
O sentido religioso que inspirava a pedagogia medieval ce-
deu lugar ao sentido humanista. Com isso, a educação não se nor-
teou pela noção de classe, como nos modelos estáticos anteriores,
mas pelo modelo humanista, expresso pela ideia de homem uni-
versal.

6. RENASCIMENTO
O primeiro traço específico da cultura renascentista é o rom-
pimento da hierarquia medieval, manifestada em graus divinos e
terrestres. Isso ocorreu pela aproximação gradativa do homem a
Deus, uma vez que o homem pretendia criar mundos e até corri-
gir as falhas da construção divina. Rafael, por exemplo, costumava
dizer que o artista deve apresentar, em suas obras, não o mundo
como foi criado (por Deus), mas como deveria ter sido criado. As-
sim, pode-se entender que, segundo a visão renascentista, o ho-
mem é o que faz de si mesmo, e não aquilo que tinha herdado via
sangue nobre, isto é, propriedade ou status.
Essa nova visão, que rompeu com a tradição medieval, indica
que o ser humano possui valor por si mesmo. Tal era a essência do
humanismo renascentista. Apesar do golpe que a teoria de Copér-
nico infligiu no orgulho humano, destituindo-o da posição central
do universo, a nova visão de homem impôs-se como posição cen-
tral do humanismo. Este, por sua vez, inspirou-se na ideia de Pro-
tágoras, segundo a qual o homem é a medida de todas as coisas.
Desse modo, o homem é criador e denominador do mundo; tudo
passa a ser avaliado por seu caleidoscópio.
Em sentido literal, "Renascimento" significa ressurreição dos
ideais greco-romanos da arte, da moral, da política e da educação.
No entanto, não podemos reduzir essa época gloriosa da história
humana a, apenas, uma réplica do mundo antigo. O Renascimento
é o anúncio de uma nova época – uma época de descobertas cien-

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tíficas, geográficas e artísticas. Mas tudo isso começou quando a


religião perdeu o monopólio sobre a vida espiritual dos homens.
O homem novo exigia novo modo de vida, novos desafios e
conquistas. Antes de tudo, ele preocupava-se com a felicidade terres-
tre, tendia aos prazeres sensíveis e queria uma vida cheia e plena. O
homem de então descobriu o mundo para si, fazendo que o mundo
do Renascimento girasse não ao redor da terra, nem ao redor do sol,
mas ao redor do homem. O novo movimento de toda essa cultura, até
mesmo da educação, era antropocêntrico. Fora das portas das univer-
sidades escolásticas, o homem aprendia um universalismo novo – o
Humanismo. Este possuía um caráter mundano, livre e aberto.
O Humanismo demonstrativamente se opôs à Igreja e à sua
estreita e dogmática visão de mundo. O homem novo tinha inte-
resses enciclopédicos e educação humanitária (Studia Humanitatis),
incluindo gramática, retórica, poesia, história e ética. Têm-se, como
exemplos de homens humanistas, Dante Alighieri, que escreveu A
Divina Comédia, Sobre língua italiana, Monarquia, Banquete etc.,
e Francesco Petrarca, o primeiro humanista a ganhar popularidade
com seus poemas, tratados filosóficos, cartas e com sua atuação
política e publicidade.
As grandes transformações políticas, econômicas e culturais
que a época do Renascimento realizou no decorrer da história se
explicam, justamente, pela ascensão da burguesia e pela criação
do Estado nacional. A cidade passou a ser o centro da vida política
e cultural, e o comércio promoveu a abertura cultural e a circula-
ção de novas ideias.
No tópico a seguir, você irá conhecer um pouco dos ideais
pedagógicos da época renascentista, resumidamente expressos no
Studia Humanitatis.

Studia Humanitatis
O Renascimento tem mérito por ter forjado um novo ho-
mem e uma nova virtude. O novo homem é o cidadão, alguém
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que aprecia a vida na cidade e cuja nova virtude é o humanismo.


O papel de vanguarda desses novos ideais coube à educação. Basi-
camente, os humanistas do Renascimento procuraram no modelo
clássico de educação o paradigma para estabelecer as novas bases
pedagógicas que iriam sustentar a proposta renascentista. A ênfa-
se dessa retomada deve ser, talvez, procurada nas traduções entu-
siastas das obras dos clássicos, que se projetam como modelo da
erudição renascentista. Encabeçado por Francesco Petrarca e seus
discípulos, o processo de "Re-nascimento" entra em pleno vigor
com Leonardo Bruni e seu ideal de Studia Humanitatis. Bruni ela-
borou um novo modelo educativo, baseado na erudição literária e
na busca de excelência do estilo e da fala. Seu método consiste no
exercício da leitura e da escrita.
Outro protagonista do cenário pedagógico-humanista é Píer
Vergerio. Este, em suas obras sobre a educação, defende a forma-
ção das virtudes morais, tais como honestidade, amor pela glória,
respeito aos velhos etc. No programa de Vergerio, atenção espe-
cial é dada à história e à filosofia. Inicialmente, o educando enri-
quece com modelos e paradigmas de conduta e comportamento;
depois, torna-se apto para escolher a razão do seu agir.
Leon Alberti também é figura de destaque no processo pe-
dagógico na época do Renascimento. Diferentemente de Bruni,
Alberti baseia sua fórmula pedagógica mais na aquisição e realiza-
ção do saber prático do que na formação erudita. Sua proposta se
destinava, especificamente, para a nova burguesia, que, diferente-
mente da nobreza, necessitava de saberes práticos. O programa de
Alberti visava, sobretudo, ao estudo de ciência e artes, completa-
do por jogos e ginástica.
As escolas humanistas, centradas nas Studia Humanitatis,
revelavam caráter eclético, cujo currículo tinha como base a litera-
tura, as artes, a ciência, a ginástica e a ética, com uma forte preo-
cupação com a prática didática. O ensino compreendia três etapas:

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• elementar – cujo objetivo se resumia no estudo, na leitu-


ra e na escrita;
• gramatical – consistia no estudo gramatical da língua e na
sua estrutura lógico-formal (esse ensino era o mais avan-
çado);
• e superior – que compreendia a retórica, disciplina que
consistia no estudo e análise das obras dos clássicos, tais
como, Platão, Aristóteles, Cícero etc.
Na área pedagógica, destacavam-se alguns mestres, como
Guarino Veronese, Vitorino de Rambold, entre outros.
Guarino Veronese estudou em Veneza, Pádua e Constanti-
nopla e, após o término dos seus estudos, começou a prática do-
cente em Florença, Veneza e Verona. Seu método pedagógico con-
siste em leitura detalhada e analítica para a apropriação total do
texto; para ele, é a partir dessa leitura que o aluno adquire aptidão
para encontrar as ideias gerais que permeiam o texto. Esse ensino
se completa pelas atividades físicas, cujo propósito é o fortaleci-
mento do espírito.
Vitorino de Rambold fez seus estudos em Pádua, na Facul-
dade de Artes e, em seguida, foi para Veneza, onde se dedicou aos
estudos sobre os gregos. Posteriormente, inaugurou sua própria
escola em Pádua, em que selecionava rapazes inteligentes, inde-
pendentemente da sua origem. O modelo educativo de Rambold
tenta unir o ideal humanista aos valores cristãos. Tal formação
requer estudo sobre os clássicos e as virtudes cristãs. A filosofia,
segundo o esse mentor pedagógico, deve constituir o ápice da
educação – talvez, por isso é que o ideal formativo de Rambold
contemplava a formação individual emancipatória, independente-
mente das necessidades conformistas do Estado, propondo uma
educação para um indivíduo universal que abraçava os valores hu-
manistas.
Com base nessas considerações, torna-se claro que, na épo-
ca do Renascimento, predominava uma educação para o indivíduo
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e seu desenvolvimento pessoal. A educação para o Estado, mesmo


que fosse contemplada, não exercia uma influência predominan-
te. A razão desse modelo formativo estava na forte presença das
ideias individualistas e universalistas que fundamentam o pensa-
mento humanista.
Como já havíamos dito anteriormente, a partir do Huma-
nismo do século 15, abrem-se novas perspectivas e necessidades
diante do processo pedagógico, inspiradas pela nova concepção
de homem, livre e mundano, que, no entanto, deve adotar, em
sua educação, os valores cristãos. Os grandes protagonistas dessa
ênfase cristã na educação são Erasmo e Lutero, os quais você co-
nhecerá no tópico a seguir.

7. REFORMISMO RELIGIOSO E EDUCAÇÃO


As mudanças que ocorrem durante o renascimento foram
reconfigurando todos os aspectos da vida e da sociedade na Eu-
ropa do século 16. Nas artes, na política, na economia, na filoso-
fia, etc., tudo tinha de ser "re-formulado" para poder atender aos
novos anseios dessa sociedade de homens empreendedores. No
que diz respeito ao âmbito educacional, a religião teve um papel
fundamental. Vamos analisar a influência religiosa na concepção
pedagógica do renascimento iniciando por Erasmo de Roterdã.

Erasmo de Roterdã
Erasmo é considerado o representante mais ilustre do Hu-
manismo do século 16. No âmbito pedagógico, Erasmo se propõe
o desafio de renovar o sistema educacional. Seu ponto de partida
são as críticas que dirige ao modelo escolástico de educação e sua
própria esterilidade.
As novas condições históricas impuseram a necessidade de
superação dos modelos antigos, e Erasmo, mais do que qualquer
outro, sente as influências dessa época de transição. Por volta de

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1500, Erasmo elaborou seu primeiro projeto pedagógico com forte


ênfase na importância da prática. Embora sob o prisma da tradição
cristã, em sua base teórica, o pensador holandês apontou, como
fonte indispensável para uma boa formação, o estudo sobre os au-
tores clássicos.
Por volta de 1511, Erasmo publicou seu tratado sobre a edu-
cação, intitulado Sobre o método certo de ensino (De ratione studii).
O propósito desse tratado consiste em fazer que o aluno desenvolva
a sua inteligência com base no estudo e na leitura em latim e grego
e, também, com base na boa formação cristã. Cabe, pois, ao mestre
inspirar o gosto dos alunos pela leitura dos clássicos.
Sobre a educação dos meninos é sua obra mais famosa de
cunho pedagógico. Nela, o humanista holandês, como sempre, di-
rige críticas ao sistema educacional, corrompido pelo mal ensino e
pela incapacidade dos mestres, pois, em sua visão, a boa educação
requer mestres capacitados e aptos a lidar com as diferenças entre
os alunos, cabendo, portanto, ao Estado o dever de contratar e
promover bons mestres, capazes de realizar a formação integral
do novo homem. Apesar do tom crítico, Erasmo considera a práti-
ca magisterial como demasiado honrosa por conduzir os jovens no
caminho da virtude e da sabedoria.

Martinho Lutero
Outra figura proeminente no processo de renovação cristã
na educação é Lutero, quer partindo de seu postulado protestan-
te, segundo o qual a salvação do homem só ocorre pela fé, sem a
mediação da Igreja, Lutero prepara o solo para um entendimen-
to novo de educação: caso a fé seja a base da salvação humana,
inspirando-se nos textos sagrados, então, para se ter acesso a tais
textos, o indivíduo necessita ser alfabetizado.
Essa é a razão que fundamenta a proposta luterana de alfabe-
tização geral do povo. Assim, vem à tona a importância das escolas
públicas, das quais, segundo Lutero, a salvação humana depende.
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Segundo o mentor protestante, o dever da promoção da educação


pública cabe tanto à Igreja renovada, como também ao Estado civil,
pois, além das virtudes cristãs, cuja promoção é dever da Igreja, o
homem tem de receber instrução no que diz respeito aos valores
de convivência e harmonia no âmbito da sociedade. Para ele, o pro-
gresso da sociedade depende dos cidadãos bem formados.
O programa educativo de Lutero contempla dois desafios, a
saber: a formação do homem cristão e a formação do cidadão.
Ele propõe o seguinte modelo educativo:
• o estudo da Sagrada Escritura, que requer o estudo do
grego, do latim, do alemão e de outras línguas;
• o estudo de literatura que fornece a base gramatical, a
qual é importantíssima para a compreensão plena das Sa-
gradas Escrituras.
Segundo Lutero, deve-se completar o processo educativo
pelas artes, pela ciência, pelo direito e pela medicina. O ensino
técnico, que visa ao domínio de uma profissão, também faz par-
te da formação integral do homem. Cabe apenas aos alunos mais
talentosos e dotados se dedicarem, exclusivamente, aos estudos
teóricos, dispensando o ensino prático, pois são esses os alunos
que deverão assumir os cargos públicos e religiosos futuramente.
Assim, a educação não pode desempenhar um papel inde-
pendente dos requeridos na sociedade. Ela exerce um papel ins-
trumental que consiste na preservação dos valores da religião e da
sociedade. Portanto, a proposta luterana visa, sobretudo, à instru-
ção social e religiosa em detrimento da formação individual. Nesse
aspecto, a sua proposta é bastante diferente da proposta humanis-
ta, que visa, como sabemos, ao aspecto individual e subjetivo da
formação humana.

Contrarreforma
A divisão do mundo cristão, operada por Lutero e sua pro-
posta protestante, causou a reação da Igreja católica em termos

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de um retorno aos ensinamentos doutrinais da Idade Média e, so-


bretudo, da Escolástica. Em virtude disso, a Igreja católica travou
uma luta desesperada contra o Estado moderno, contra a Reforma
e contra todas as instituições novas, frutos do pensamento mo-
derno. Essa reação ficou conhecida como o movimento Contrar-
reforma.
As cruzadas contra o mundo protestante assumiram uma
face essencialmente educativa. Assim, o modelo contrarreformista
criou novas unidades escolares – o colégio e o internato –, cogi-
tando as classes menos privilegiadas. Em tais unidades escolares,
ressaltava-se o papel das escolas piedosas, que, diferentemente
das outras, dedicavam especial atenção ao povo carente, revelan-
do, assim, seu perfil ético, social e religioso.

Companhia de Jesus
Fundada em 1539, por Ignácio de Loyola, a Companhia de
Jesus foi um dos instrumentos desse novo intuito. Segundo tal es-
tratégia pedagógica, a formação do homem deveria suprir o de-
senvolvimento dos seus dons naturais e alcançar o fim para o qual
ele foi criado.
A princípio, a Companhia de Jesus seguiu o modelo huma-
nista de educação, baseado nas leituras dos clássicos e, sobretudo,
de Aristóteles na versão tomista. Inicialmente, a Companhia era
frequentada pelos que pretendiam dedicar sua vida ao sacerdó-
cio, aplicando-se aos estudos de retórica, lógica, ética, metafísica,
teologia, língua grega e hebraica. Mais tarde, por volta de 1548,
suas escolas abriram as portas também àqueles que não neces-
sariamente dedicariam sua vida ao sacerdócio. Em sua missão
educativa, a Companhia inaugurou várias instituições de ensino,
espalhadas por toda Europa, tornando-se a instituição pedagógica
mais difundida no continente.
Os planos de ensino da Companhia de Jesus contemplavam
rigorosamente a disciplina escolar, horários de aula, exercícios,
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provas, debates e disputas. A metodologia utilizada contemplava


três passos: preleção, concerto e repetição. Vamos conhecê-los?
Preleção
A preleção compreendia quatro momentos:
1) Leitura do texto integral por parte do mestre.
2) Esclarecimento do contexto histórico.
3) Análise detalhada do texto.
4) Observações sobre as questões levantadas.
Desse modo, a preleção dizia respeito a todas as disciplinas
humanistas.
Concerto
O segundo passo do ensino era o concerto. Este se aplicava
paralelamente à preleção e contemplava o debate, em virtude do
qual ocorria o concerto das opiniões errôneas.
Repetição
As duas formas de ensino deviam ser completadas por esta
terceira: o exercício, o ensaio, isto é, a repetição, com o propósito
de fortalecer a memória para a integral apropriação do estudo.
Essa é a resposta pedagógica que a Contrarreforma dá às
tendências reformistas. É preciso observar que a inclusão do povo
carente no processo de ensino é uma tentativa de revigorar a visão
católica com novos adeptos e fiéis, por meio da missão pedagógica
das instituições de ensino.
Outra característica desse movimento renascentista e huma-
nista são os modelos utópicos de educação, que você irá conhecer
no tópico a seguir.

Modelos utopistas de educação


Historicamente, a época do Humanismo das reformas reli-
giosas e da Contrarreforma é uma época de transição que revela

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contradições multifacetais. Por um lado, à educação cabe a indi-


cação do caminho que leva à salvação; por outro, requer-se a sua
popularização. Devido à expansão do comércio e à ascensão da
burguesia, bem como à urbanização da cidade – fatores que me-
tamorfoseiam as relações sociais –, a educação toma novos rumos
ao tentar responder a essa nova situação.
A Europa estava dilacerada devido a conflitos religiosos e
políticos e pela ameaça externa por parte do Império Otomano,
que completava ainda mais o quadro negativo. Nesse ambiente
caótico, na educação, depositava-se a esperança de uma forma-
ção pacífica e harmoniosa. Essa esperança engendrou os utopistas
como protagonistas.
Thomas More
A grande figura da versão utopista chama-se Thomas More.
Podemos dizer que seus interesses sobre os problemas da educação
formaram-se sob a influência do amigo e companheiro Erasmo.
Uma das questões fundamentais que More discute em sua
Utopia é como manter a paz e a ordem na sociedade perfeita des-
crita por ele. Evidentemente, cabe à educação o papel de encarre-
gar-se dessa tarefa fundamental.
Em sua cidade utópica, More propõe uma educação livre,
de acordo com o gosto e os interesses de cada um, exceto àqueles
cuja vocação tende aos estudos. Entre estes, deveriam ser escolhi-
dos os homens públicos (governantes, ministros, sacerdotes etc.).
Cada um, conforme seus dons naturais, deveria contribuir para o
bem comum da sociedade; portanto, a sociedade utópica de More
é uma sociedade esclarecida. Ressaltamos que sua proposta edu-
cativa visa, além do bem comum da sociedade, ao desenvolvimen-
to subjetivo do indivíduo, conforme a riqueza da sua natureza pes-
soal, uma vez que os indivíduos diferem pelos seus dons naturais.
Obviamente, a proposta educativa de More inspira-se na
perfeita República proposta por Platão, também de caráter uto-
pista.
© U3 - Educação na Modernidade 109

8. A EDUCAÇÃO NA MODERNIDADE
A partir da Modernidade, a pedagogia ganha status de obje-
to de saber científico. A educação moderna ocupa cada vez mais
o papel de primeira importância na sociedade, que é, por assim
dizer, a formação do cidadão.
Como Foucault (apud CAMBI, 1999) sublinha, uma das ca-
racterísticas da visão moderna de educação é a do controle. Ela
visa a formação de um indivíduo formal e normativo. Obviamente,
tal educação é fortemente marcada pelo aspecto social, em detri-
mento do aspecto individual e subjetivo. Para funcionar o organis-
mo estatal, cada membro deste deve passar por devida instrução,
que é a educação. Em virtude desse aspecto social, a pedagogia
moderna altera profundamente os papéis dos principais promoto-
res da educação, a saber, a família e a escola.
Conforme Cambi (1999), a família é, por assim dizer, o in-
cubatório no qual os filhos se tornam aptos para o exercício da
vida social. À escola, por sua vez, cabe a promoção do papel ideo-
lógico, uma vez que ela é o aparato ideológico do Estado, como
diz Althusser, aparato que produz força de trabalho, mas também
ideologia (CAMBI, 1999). Contudo, a Modernidade revela-nos uma
escola que também promove a emancipação do sujeito, para que
este se torne ativo e crítico. Assim, a ideologia estatal e a crítica
pessoal convivem dialeticamente na sociedade moderna.
A Modernidade, em sua versão inicial, isto é, na época do
Renascimento, retoma o modelo clássico de Paideia, ou seja, o
modelo de Isócrates, de Platão e dos estoicos e neoplatônicos.
Essa retomada é, também, uma tentativa de circunscrição do novo
ideal da Modernidade, a partir dos valores clássicos numa versão
moderna. Na nova versão curricular, estudos políticos e religiosos
e as disciplinas de matemática e ciências assumiram o papel de
protagonistas, sobretudo após o ano 1600. Na medida em que o
Estado nacional moderno se tornou um fato, na formação peda-

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110 © Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação

gógica do homem moderno, entraram disciplinas como história e


geografia, com o propósito de torná-lo consciente das suas raízes
históricas e de seu mapa nacional.
Outra mudança no campo pedagógico ocorreu com a intro-
dução do modelo racional galileano, que substituiu a visão estética
predominante da época renascentista pela visão científica, ampa-
rada pelo grande avanço das ciências.
Em toda a educação moderna, observa-se, em suas variadas
modalidades, um caráter ambíguo que gera uma dialética perma-
nente. Por um lado, a pedagogia moderna tenta formar cidadãos
compatíveis com o projeto político do Estado; portanto, trata-se de
uma educação conformista e padronizada em prol de uma convi-
vência pacífica. Por outro, o ideal da escola como instituição edu-
cacional consiste em promover uma formação crítica e consciente,
desenvolvendo os talentos e as faculdades do sujeito singular, que,
na maioria das vezes, são opostos aos ideais de uma educação para
o Estado. Nisso, consiste praticamente essa oposição dialética. Esta-
mos diante de um problema não só da Modernidade, mas de toda a
história da educação, desde seu nascimento até a época atual. For-
mar ou formatar – eis o dilema fundamental diante da educação.
As principais questões que a Modernidade levantou no âm-
bito da educação giram em torno da institucionalização do ensino,
buscando modelos e programas que melhor correspondam aos
desafios da época. Assim, na França, por volta de 1518, surgiu uma
nova instituição de ensino conhecida como Colégio Real da França.
As disciplinas com destaque nessa instituição pedagógica eram: fi-
losofia, retórica, direito civil, botânica, medicina e línguas. Nesses
colégios, o ensino era gratuito, mantido e coordenado, inicialmen-
te, pela ordem dos dominicanos e, mais tarde, pelos jesuítas. O do-
mínio clerical sobre o ensino público tendia, no entanto, a retornar
ao modelo escolástico em sua versão medieval. Essa tendência iria
se tornar alvo da crítica feroz por parte dos humanistas franceses.
Os principais protagonistas dessa crítica foram François Rabelais e
© U3 - Educação na Modernidade 111

Michel Montaigne. Vamos tentar, a seguir, conhecê-los e recuperar


suas ideias pedagógicas?

Rabelais
Rabelais, em sua famosa obra Gargantua e Pantagruel, diri-
ge uma crítica implacável contra as instituições pedagógicas orga-
nizadas pelo clero, chegando ao ponto de ridicularizá-las pela sua
esterilidade e inutilidade. Sua proposta de ensino consiste num
ideal que une as virtudes morais ao desenvolvimento das faculda-
des intelectuais. Para tal fim, o ensino deve incluir nos seus currí-
culos o estudo de línguas, filosofia clássica, matemática, música,
história e direito civil.
Rabelais deu um passo avançado nos programas de ensino,
incluindo nestes o estudo da natureza. Tal estudo incluía não só a
natureza circundante, mas também a natureza humana estudada
sob forma de anatomia – algo que só alguns séculos depois entra-
ria nas ementas. A seguir, utilizaremos um trecho da sua mais cé-
lebre obra Gargantua e Pantagruel, na qual, em poucas palavras,
descreve seu ideal de ensino:
Pelo que, meu filho, exorto-o a empregar a sua juventude no
processo dos estudos e da virtude. Você está em Paris, com seu
preceptor Epistemon; este, por orientações práticas e verbais, e
aquela, por louváveis exemplos, podem-no instruir. Entendo e que-
ro que aprenda perfeitamente as línguas, primeiramente a grega,
como quer Quintiliano; secundariamente, a latina; depois a hebrai-
ca por causa da santas epístolas; a caldaica e arábica pela mesma
razão; que forme seu estilo, quanto à grega, à imitação de Platão;
quanto à latina, a maneira de Cícero; que não haja história que não
tenha presente na memória a qual o ajudará a geografia de tudo
quanto se tem escrito.
Das artes liberais, Geometria, Aritmética e Música, dei-lhe algum
gosto quando ainda pequeno, entre cinco e seis anos de idade, e da
Astronomia saiba todas as regras. Deixe a Astrologia divina e a arte
de Lúlio como abuso e vaidade. Do Direito Civil quero que saiba de
cor os belos textos e compare-os com a Filosofia.
Quanto ao conhecimento dos fatos da natureza, quero que se ador-
ne cuidadosamente deles; que não haja mar, ribeiro ou fonte dos
quais não conheça os peixes; todos os pássaros do ar, todas as árvo-

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112 © Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação

res, arbustos e frutos das florestas, todas as ervas da terra, todos os


metais escondidos no ventre dos abismos, as pedrarias do oriente
e do Sul, nada lhe seja desconhecido.
Depois, cuidadosamente estude sem cessar os livros dos médicos
gregos, árabes e latinos, sem condenar tal mudistas e cabalistas
e, por frequentes estudos de Anatomia, adquira perfeito conheci-
mento do outro mundo que é o homem (RABELAIS apud LAGARDE;
MICHARD, 1957, p. 49-51, tradução nossa).

Percebe-se, claramente, pelo texto citado, que o ideal de for-


mação de Rabelais tende ao universalismo. O indivíduo deve co-
nhecer, em detalhes, praticamente tudo o que a herança cultural
possui. Rabelais insiste mais no desenvolvimento e na formação
do sujeito do que na sua instrução social, uma vez que essa última
já é pressuposta, sem ser imposta pelo próprio desenvolvimento
humano e pelos estudos humanísticos – Direito Civil e Filosofia,
sobretudo.

Montaigne
Michel de Montaigne nos apresenta um notável avanço no
pensamento pedagógico. Ele abertamente critica a fé no poder da
razão, que é, cada vez mais, difundida e propagada pela Moderni-
dade. O atual ensino, segundo o pensador, não passa de transmis-
são de conhecimentos e erudição sem uma presença real na vida.
É o que ele sublinha no seguinte trecho:
Mas, o que é pior, nossos estudantes e aqueles a quem ensinarão
não se nutrem nem se alimentam muito mais que isso; a ciência
passa assim de mão em mão, com o único objetivo de entender
os outros e contar estórias, como moeda recolhida, inútil a qual-
quer uso, e empregada apenas para calcular e depois atirar-se fora
(MONTAIGNE, 1946, p. 86, tradução mossa).

A posição de Montaigne é cética. Todavia, o pensador francês


vê a educação como a única solução dos problemas do homem, e,
para tal fim, é imprescindível, segundo ele, uma total reorganiza-
ção do ensino, incluindo mestres e disciplinas. Montaigne critica
a mentalidade docente que vê, nos castigos uma ferramenta útil
para a aprendizagem. Ele insiste num ensino que reflita a dimensão
© U3 - Educação na Modernidade 113

prática, ou seja, uma escola que prepare para a vida. As atividades


intelectuais e as atividades físicas devem ser alternadas ao longo
do processo de aprendizagem: as primeiras seriam desenvolvidas
com base na leitura dos clássicos e dos modernos, ao passo que as
segundas, as atividades físicas, por meio de jogos, dança, corridas,
caça, luta etc. Em linhas gerais, a proposta de Montaigne visa à
formação do homem crítico, mais aberto e livre.

As revoluções científicas e a educação


As novas descobertas das ciências nos séculos 16 e 17 cons-
titui um fator decisivo para o desenvolvimento das escolas moder-
nas. Assim, as revoluções científicas alteraram profundamente o
caráter do ensino. A seguir, vamos conhecer um pouco dos prota-
gonistas dessa revolução.
Copérnico foi o responsável pela elaboração da teoria helio-
centrista, substituindo, assim, a dominante doutrina geocentrista,
proposta por Aristóteles e Ptolomeu. Com essa mudança, enuncia-
-se o primeiro golpe contra a velha ciência.
Com Galileu, a ciência assume outra face, bem diferente da
face da ciência antiga. Galileu vê, na natureza e no mundo, estru-
turas matemáticas; ele rejeitou as teorias apoiadas nas autorida-
des e insistiu em uma verdadeira observação e investigação da
natureza.
Outro protagonista da então nova visão científica é o em-
pirista inglês Francis Bacon. De acordo com sua posição crítica à
ciência antiga, esta deve ser rejeitada por promover erros, enga-
nos e superstições. De fato, a ciência antiga age como os "raios X"
da realidade, ou seja, ela restringe-se à descrição da natureza con-
forme os princípios previamente estabelecidos. Bacon nega esse
finalismo aristotélico e abre a possibilidade de uma nova visão de
ciência, a saber, de transformação da natureza, pondo-a a serviço
do homem e da sua felicidade.

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114 © Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação

Todas essas modalidades da revolução científica alteraram


profundamente o rumo da educação. Nesse aspecto, Bacon vê a
necessidade de revisão do sistema pedagógico existente.
Em sua obra Nova Atlântida, o pensador inglês expõe sua
proposta pedagógica, que, segundo ele, deve vigorar num Estado
ideal. Logo, a nova escola, antes de tudo, tem de voltar sua aten-
ção à nova interpretação da natureza, dominando e utilizando-se
de aspectos técnicos, que, por sua vez, proporcionarão o posterior
avanço das ciências, contribuindo para a felicidade humana.
Certamente, o projeto ideal de educação em Nova Atlânti-
da sofreu influências dos modelos utopistas de Platão e More. No
entanto, Bacon revela a sua originalidade ao afirmar que o papel
da educação não se reduz, unicamente, à conservação e à trans-
missão de sabedoria; deve servir, antes, como ferramenta que pro-
porciona o avanço das ciências por meio da inovação e realização
de novas descobertas. Para isso, será de tamanha importância a
inclusão no âmbito pedagógico de laboratórios e tecnologias a ser-
viço das ciências.
Com sua proposta, Bacon supera o tradicionalismo do mo-
delo escolástico, tão criticado por ele, e abre os "portões" da nova
mentalidade para que fossem aceitos os desafios do progresso
científico. Grosso modo, a educação deve servir ao progresso cien-
tífico, e este, à felicidade humana.

Descartes
Descartes é outro protagonista do pensamento moderno
cuja contribuição é incomensurável.
Apesar de ter passado por uma formação jesuíta, Descartes
bem cedo se declarou decepcionado pelo modelo escolástico de
educação. Em sua obra Discurso do método, ele afirma que tudo o
que aprendeu no colégio é cheio de dúvidas e não apresenta ne-
nhuma verdade que pudesse resistir a elas. Dessa forma, a dúvida
© U3 - Educação na Modernidade 115

desempenhará papel importante em suas Meditações, tornando-


-se o ponto de partida das suas reflexões filosóficas.
Descartes revela uma postura acentuadamente questiona-
dora e crítica. Afirma ele em sua obra Discurso do método: jamais
aceitar algo se não for claro e distinto – eis o eixo do método car-
tesiano e o último critério da verdade.
A teoria cartesiana estabelece o pensamento como sujeito
e critério absoluto do conhecimento. Entretanto, isso apareceu
como obstáculo do progresso científico, na medida em que só às
ideias inatas se conferia a verdade indubitável. Para Descartes a
única e verdadeira fonte do nosso conhecimento são as ideias ina-
tas. Essa parte de sua teoria foi alvo de pesadas críticas por parte
do empirismo inglês.
Deixando tais críticas para depois, o que nos importa, neste
momento, é analisar o método cartesiano como um itinerário, não
só para as ciências, mas também para o processo de aprendiza-
gem, ou seja, para a formação humana. Desse modo, o Discurso
do método, que contém basicamente as propostas cartesianas de
direção e orientação do espírito, pode ser considerado um tratado
pedagógico também. Observemos, a seguir, um trecho da obra em
que Descartes esboça o método:
O primeiro era de não receber alguma coisa por verdadeira sem
que eu a conhecesse evidentemente como tal. Quer dizer, evitar
cuidadosamente a precipitação e a prevenção e não incluir nada
em meus juízos que não se apresentasse tão clara e distintamente
a meu espírito que não subsistisse nenhum motivo de dúvida.
O segundo, dividir cada dificuldade examinada em tantas parcelas
quantas possíveis e necessárias para melhor resolvê-las.
O terceiro, conduzir por ordem os meus pensamentos, começando
pelos objetos mais fáceis e mais simples de conhecer, para subir
pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento das coisas
mais complexas, supondo ainda uma ordem entre os que não se
sucedam naturalmente uns aos outros.
E o último, fazer para cada caso enumerações tão complexas e re-
visões tão gerais que se esteja seguro de nada haver omitido (DES-
CARTES, 1973, Discurso do método, Parte II).

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116 © Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação

Na base desse método puramente racional, Descartes pare-


ce conferir ao cogito o status de último critério para aquisição do
conhecimento verdadeiro.
No tópico a seguir, iremos conhecer as propostas educativas
do "período das luzes". Vamos lá?

9. PROPOSTAS PEDAGÓGICAS DO ILUMINISMO


As profundas alterações realizadas pela Modernidade no de-
correr histórico, começando pelo Renascimento e pela Reforma,
prepararam o solo de onde brotou, naturalmente, o Iluminismo.
Segundo Kant, é no Iluminismo que a humanidade alcança a idade
da razão, ou seja, a sua maturidade.
O Iluminismo é a saída do homem da menoridade de que ele pró-
prio é culpado. Menoridade é a incapacidade de o homem se servir
da sua razão sem a orientação de um outro. Esta menoridade é de
culpa própria, sempre a causa da mesma se não encontra na falta
de razão, mas na falta de decisão e de coragem de se servir dela
sem a orientação de um outro. Sapere aude! Tem coragem de te
servires da tua própria razão! Esta é, pois, a divisa do Iluminismo.
A preguiça e a cobardia são as causas por que um tão grande número
de homens, depois de a Natureza há muito os ter libertado da orien-
tação dos outros (naturaliter majorennes), prefere, mesmo assim,
ficar toda a vida com o estatuto de menoridade; e por que é tão fá-
cil aos outros arvorarem-se em seus mentores. É tão cómodo ser-se
menor. Se tenho um livro que tenha a razão por mim, um sacerdote
que tenha a consciência por mim, um médico que prescreva a dieta
por mim, etc., não preciso realmente de me esforçar. Não tenho ne-
cessidade de pensar, desde que possa pagar; outros farão por mim
essa fastidiosa tarefa. O facto de a grande maioria das pessoas (entre
elas todo o belo sexo) considerar o passo em direcção à maioridade,
além de penoso, igualmente muito perigoso - disso se encarregam
os tutores que, com tanta generosidade, tomaram sobre si dirigi-las
superiormente. Depois que domaram os seus animais domésticos e
impediram cuidadosamente que estes seres pacíficos ousassem dar
um passo sem a canga em que os aprisionaram, mostram-lhes em
seguida o perigo que os ameaça se tentarem andar sozinhos. A ver-
dade é que este perigo não é assim tão grande, pois que depois de
algumas quedas acabariam por aprender a andar; todavia, exemplos
destes acabam por intimidar e normalmente por impedir tentativas
futuras. Por conseguinte, é difícil ao indivíduo desembaraçar-se da
© U3 - Educação na Modernidade 117

menoridade que se lhe tomou quase numa segunda natureza. Ele


até começou a afeiçoar-se a ela e de momento é realmente incapaz
de se servir da sua própria razão, porque nunca o deixaram tentar
fazer uso dela. Normas e fórmulas, esses instrumentos mecânicos de
um uso racional, ou antes, de um mau uso dos seus dotes naturais,
são os grilhões de uma menoridade constante. Quem se desfizesse
deles daria, mesmo por sobre o fosso mais estreito, apenas um salto
inseguro, porque não está habituado a movimentos assim livres. Por
isso é pequeno o número daqueles que conseguiram, mediante o
exercício do espírito, desembaraçar-se da menoridade e, apesar de
tudo, dar passos seguros.
Mas que uma comunidade se esclareça a si própria é já bem mais
possível: pode dizer-se até que é quase inevitável se se lhe der li-
berdade. Pois que haverá sempre aí alguns homens que pensam
por si - mesmo entre os tutores nomeados para a grande massa
- os quais, depois que se libertaram por si próprios do jugo da me-
noridade, espalharão à sua volta o espírito da avaliação racional
do próprio valor e da vocação própria de cada homem de pensar
por si. O que há de especial neste caso é que a comunidade, que
anteriormente foi colocada por eles sob esse jugo, os obriga depois
a ficar sob ele, se acaso tiver sido incitada a isso por alguns dos
seus tutores, incapazes eles próprios de qualquer esclarecimento
do espírito; tão prejudicial é, pois, semear preconceitos, porque no
fim acabam por se vingar naqueles que foram - eles ou os seus pre-
cursores - os seus autores. Por isso, só lentamente é que uma co-
munidade pode chegar a um esclarecimento do espírito. Mediante
uma revolução, poderá conseguir-se a libertação de um despotis-
mo pessoal ou de uma opressão ambiciosa ou tirânica, mas nunca
a verdadeira reforma do pensamento; apenas novos preconceitos
servirão, tal como os antigos, de trela da grande massa inconscien-
te. Para este esclarecimento do espírito, porém, nada mais se exige
do que liberdade; e a mais inofensiva de entre tudo a que possa
chamar-se liberdade, a liberdade de fazer uso público e integral da
sua razão. (KANT, 2011).

Assim, Thomas Giles (1989, p. 170) descreve essa época:


[...] a civilização ocidental está na aurora de uma nova época, carac-
terizada pelo otimismo, pela confiança na razão e pela lei natural,
no cosmopolitismo e na fé do progresso universal. Acredita-se que,
em fim, a humanidade liberta-se de todas as superstições, dos pre-
conceitos e da cega crueldade do passado.

A fé no poder da razão afeta profundamente os dogmas reli-


giosos; acredita-se que, apenas pela razão, o homem pode resolver
todos os seus problemas e desvendar todos os enigmas do mundo.

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118 © Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação

A razão substitui Deus, sem que este seja totalmente negado; ela
se torna o suporte indispensável para toda atividade humana – éti-
ca, política, econômica etc.
O Iluminismo travou uma guerra implacável contra o caráter
absolutista das instituições políticas e religiosas e contra as desi-
gualdades e diferenças sociais de classe. Vale lembrar que os pro-
tagonistas desse movimento histórico são filósofos e pensadores.
Estes assumem uma posição radical na luta contra as instituições
conservativas, tornando-se vanguarda da nova ideologia. Os no-
mes de destaque são: Barão de Montesquieu, Voltaire e Diderot,
e suas ideias alcançaram todos os campos da atividade humana
– ciência, religião, ética, política etc. No âmbito religioso, os filó-
sofos iluministas introduziram a concepção deísta, que apresen-
ta uma saída bastante efetiva, por meio da qual o homem liberta
suas mãos das orações para construir um novo mundo, ordenado
e perfeito, segundo as leis racionais.
Nesse âmbito de profundas alterações, mudanças e transi-
ções, a velha visão conservativa lutou pela sua manutenção e so-
brevivência, e a nova visão mostrou-se bastante forte para per-
mitir que a primeira se conservasse. Tudo isso fez que a política
educativa ficasse no meio de sérias contradições. Por um lado, as
enraizadas instituições de ensino, promovidas, em sua maioria,
pelas ordens religiosas, espalhadas por toda a Europa, impediam o
desaparecimento da velha visão pedagógica. Por outro, a marcha
histórica, seguindo seu curso natural, abriu as portas de uma nova
mundivisão. Nesse momento, a educação encontrava-se em atra-
so se comparada com outras áreas humanas. Esse atraso foi facil-
mente explicado pela sua tendência em garantir a conservação do
sistema vigente.
Lembremo-nos de que uma das missões educativas é a per-
petuação da ordem vigente. Todavia, começa a criação de novos
modelos educativos justamente pelos protagonistas da Moderni-
dade. Os novos mentores da educação insistem em três aspectos
básicos que devem permear a educação, a saber:
© U3 - Educação na Modernidade 119

• Necessidade de compreensão psicológica do processo de


aprendizagem, voltada mais para o comportamentalismo
do que para a adequação das estratégias de ensino.
• Necessidade de enriquecimento dos conteúdos progra-
máticos do ensino, tendo em vista o surgimento de novas
ciências.
• Necessidade de uma democratização do ensino, sem a
importância da classe social. Trata-se de uma visão de
igualdade de direitos que não propunha a garantia de di-
ferenciação para aqueles que dela necessitavam.
No entanto, esses novos projetos pedagógicos demoraram a
entrar em vigor. Nesse aspecto, Thomas Giles (1989, p. 175) nota
a disparidade entre a teoria e a prática: "Apesar de abundância de
teorias, a distância entre estas e a prática era enorme".
Essa disparidade que justificava a crítica de Montaigne não
deixa de ser fundamental na crítica do grande pensador e empi-
rista, o inglês John Locke, que acreditava que o modelo empírico
devia alicerçar, também, o processo pedagógico. Suas ideias mais
significativas estão em sua célebre obra Ensaio sobre o entendi-
mento humano, escrita em 1690.
Nessa obra, polemizando com Descartes, o pensador inglês
rejeita as ideias inatas. Ele acredita que estas não nos trazem co-
nhecimento, mas somente conhecemos por meio da experiência.
Antes da experiência, nada habita no interior da mente humana,
ou seja, não há ideias inatas. A mente humana, inicialmente, apre-
senta-se como "tábula rasa" ou como folha branca de papel, que,
só a partir da experiência, será preenchida com conhecimentos.
Portanto, a experiência é a única fonte para a aquisição do conhe-
cimento.
Aplicando tais ideias empiristas à educação, vemos que esta
deve seguir outros métodos, muito diferentes dos tradicionais.
Portanto, o processo educativo, compreendido como processo
de aquisição de conhecimentos, deve ser construído conforme o

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120 © Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação

método empírico. Todavia, Locke insiste no caráter moral da edu-


cação e propõe um sistema moral e cívico para ela. Sua proposta
ementária inclui, além da alfabetização na leitura e escrita, histó-
ria, ciências e vários estudos técnicos e profissionalizantes. Com
suas ideias políticas, sociais e pedagógicas, Locke exerceu grande
influência na vida intelectual europeia.
As críticas constantes sobre o caráter conservativo das
instituições de ensino atingiram seu ponto culminante com os en-
ciclopedistas franceses, dentre os quais podemos destacar Diderot,
d'Alambert e Condillac. As críticas foram tão radicais que eles che-
garam a considerar os estudos tradicionais como totalmente inú-
teis e estéreis, em que o aluno nada aprende, mas, sim, perde seu
tempo e se corrompe.
A época iluminista busca, portanto, novos modelos e pro-
postas pedagógicas que simultaneamente estejam compatíveis
com o novo espírito cultural da Europa. No meio dessa época ver-
tiginosa, surge, como principal protagonista da teoria pedagógica,
Jean-Jacques Rousseau, que estudaremos a seguir.

Jean-Jacques Rousseau
Influenciado pelas ideias de Locke, Rousseau, em sua obra
de teor pedagógico – Emílio –, esboça uma original doutrina edu-
cativa, que permanece, no entanto, no leito das teorias utopistas.
O tratado sobre a educação, exposto em Emílio, definitivamente
rompe com o tradicional entendimento de educação, mostrando-
-se de acordo com o espírito iluminista.
Rousseau esta ciente de que a transformação social só será
possível se for amparada por uma educação que reflita o espírito do
Iluminismo. Rousseau vê no retorno à natureza, ou, pelo menos, no
retorno ao espírito da natureza, a possibilidade de uma mudança
social. Nisso, consiste a razão da sua constatação de que o homem
nasce bom, mas a sociedade o corrompe. Esse pensamento será o
critério que irá permear o novo ideal rousseauniano de educação.
© U3 - Educação na Modernidade 121

Segundo o pensador suíço, a formação do homem determi-


na-se por três aspectos fundamentais, a saber, a natureza, os ou-
tros homens e as coisas:
Esta educação vem-nos da natureza, ou dos homens ou das coi-
sas. O desenvolvimento interno das nossas faculdades e de nossos
órgãos é a educação da natureza; o uso que nos ensinam de fazer
desse desenvolvimento é a educação dos homens; e a aquisição
da nossa própria experiência sobre os objetos que nos cercam é a
educação das coisas (ROUSSEAU, 2004, p. 38).

De acordo com Rousseau, esses aspectos determinantes de-


vem ser contemplados em sua relação mútua para o alcance da
plena e integral formação humana. Como notou perfeitamente
Thomas Giles (1989, p. 17):
[...] antes do Iluminismo, todo o processo educativo foi ineficaz, por-
que derivava de duas fontes apenas, ou seja, os homens e as coisas.
Ignorava aquela base que é primeiríssima, a saber, a natureza.

Em sua teoria pedagógica, Rousseau mostra como é possível


conjugar esses três aspectos fundamentais. Essa educação deve
ocorrer gradativamente, respeitando a natureza do educando em
suas etapas de amadurecimento. A criança a ser educada não deve
amadurecer precocemente, porque isso não apenas iria contra a
natureza, mas também seria uma falta de compreensão para com
ela.
A obra Emílio é um tratado sobre o aluno ideal, formado sob
a tutela de uma educação ideal. Compõe-se de cinco partes que
revelam a ordem correspondente ao amadurecimento do homem.
O primeiro período de Emílio fala sobre a educação da crian-
ça nos seus dois primeiros anos de vida, em que a educação está
sob a total responsabilidade da mãe e a criança começa a adquirir
experiências. Rousseau dedica especial atenção ao ambiente que a
cerca nesses primeiros anos e recomenda um contato imediato com
a natureza. A experiência do mundo circundante fornecerá à criança
conhecimentos que antes ela desprovia. Assim: "Antes de falar, an-
tes de entender, ela já se instruiu" (ROUSSEAU, 2004, p. 41).

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122 © Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação

O segundo período de formação da criança estende-se dos


dois aos 12 anos. A educação, nesse período, deve dispensar qual-
quer instrução intelectual e livresca, pois a criança ainda não está
em condição de aprender intelectualmente: "[...] em qualquer es-
tudo que se possa ter, sem a ideia das coisas representadas, os
signos representantes não são nada" (ROUSSEAU, 2004, p. 106).
A criança, nesse estado, não é capaz de formar ideias gerais, pois
sua aprendizagem ainda consiste na experiência imediata com as
coisas.
Portanto, o tutor deve, antes de tudo, acentuar o desenvol-
vimento da condição física do aluno, a partir de jogos e exercícios:
"Amai a infância, favorecei seus jogos, seus prazeres, seu amável
instinto" (ROUSSEAU, 2004, p. 62).
O terceiro período da formação humana é designado por
Rousseau como "puberdade", a qual ocorre entre 12 e 15 anos.
Nessa etapa, começa o estudo, provocado pela curiosidade sobre
o mundo circundante:
Tornai vosso aluno atento aos fenômenos da natureza, cedo o torna-
reis curioso; mas, para alimentar a sua curiosidade, não vos apressais
em satisfazê-la. Colocai os problemas ao seu alcance e deixai que os
resolva. Que ele nada saiba porque vos lho dissestes, mas porque o
compreendeu por ele mesmo (ROUSSEAU, 2004, p. 186).

Nesse momento, fazem parte do conteúdo programático a


física (astronomia) e a geografia, esta última se aprende por meio
de viagens, e não de mapas. Nada de história e de gramática, acon-
selha Rousseau (2004).
O quarto período desse ensino, com base no desenvolvi-
mento natural do ser humano, abrange o período entre 15 e 20
anos. É o momento em que o aluno ideal, Emílio, se torna adul-
to: "O homem não é feito para permanecer sempre na infância.
Sai dela no momento prescrito pela natureza; e esse momento de
crise, se bem que curto, tem demoradas infâncias" (ROUSSEAU,
2004, p. 245).
© U3 - Educação na Modernidade 123

Nesse momento, o ensino moral desempenha papel impor-


tante. Entre as virtudes importantes a serem ensinadas, na visão
de Rousseau, estão a amizade, a piedade e a compaixão. Agora, a
história fará parte do conteúdo, mas somente aquela que é conta-
da imparcialmente, como a de Tucídides.
O quinto período corresponde ao momento em que Emílio
tem de conhecer os outros homens e aprender a conviver com
eles. Parte importante dessa convivência se compõe de sua vida
matrimonial. Rousseau dedica o último livro do seu tratado sobre
a educação à futura companheira de Emílio – Sofia: "Não é bom
que o homem fique só. Emílio é homem; nós lhe prometemos
uma companheira e é preciso dar-lha. Esta companheira é Sofia"
(ROUSSEAU, 2004, p. 445).
Na educação de Sofia, basicamente, Rousseau basicamente
esboça a educação da mulher; ela deve ser instruída em modéstia,
honestidade e saberes práticos que dizem respeito ao lar, como
cozinhar, costurar etc.
Portanto, para Rousseau, a educação exerce uma função
fundamental para o bem comum. Assim, a formação naturalista,
descrita por ele, possibilitará e dará apoio às ideias políticas do
seu Contrato social. Essa é a razão pela qual o filósofo de Genebra
insiste em uma educação pública, mas tutorial, promovida pelo
Estado, seguindo, desse modo, as ideias de Platão em sua obra A
República. O Estado deve, pois, garantir a todos igual oportunida-
de para a formação plena e integral do indivíduo.
É certo que as pessoas não são iguais por natureza; toda-
via, essa desigualdade natural não deve se transformar em desi-
gualdade social. Essas ideias são expostas em seu Discurso sobre
a desigualdade social, propondo a abolição de classes em prol de
uma vontade geral, em que todos devem participar, a fim de pro-
porcionar o bem comum. A realização desse modelo só é possível
a partir de uma educação igual para todos, ou seja, uma educação

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124 © Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação

que contemple os três aspectos, a saber: a natureza, os outros ho-


mens e as coisas.
Vemos, a seguir, como Paul Arbousse-Baside e Lourival Go-
mes Machado definem o Emílio de Rousseau:
O Emílio é um ensaio pedagógico sob a forma de romance e nele
Rousseau procura traçar as linhas gerais que deveriam ser seguidas
com o objetivo de fazer da criança um adulto bom. Mais exatamen-
te, trata dos princípios para evitar que a criança se torne má, já
que o pressuposto básico do autor é a crença na bondade natural
do homem. Outro pressuposto de seu pensamento consiste em
atribuir à civilização a responsabilidade pela origem do mal. Conse-
qüentemente, os objetivos da educação, para Rousseau, compor-
tam dois aspectos: o desenvolvimento das potencialidades naturais
da criança e seu afastamento dos males sociais.
A educação deve ser progressiva, de tal forma que cada estágio do
processo pedagógico seja adaptado às necessidades individuais do
desenvolvimento. A primeira etapa deve ser inteiramente dedicada
ao aperfeiçoamento dos órgãos dos sentidos, pois as necessidades
iniciais da criança são principalmente físicas. Incapaz de abstra-
ções, o educando deve ser orientado no sentido do conhecimento
do mundo através do contato com as próprias coisas: os livros só
podem fazer mal, com exceção do Robinson Crusoe, que relata as
experiências de um homem livre, em contato com a natureza.
Liberta da tirania das opiniões humanas, a criança, por si mesma,
e sem nenhum esforço especial, identifica-se com as necessidades
de sua vida imediata e torna-se auto-suficiente. Vivendo fora do
tempo, anda precisando das coisas artificiais e não encontrando
qualquer desproporção entre desejo e capacidade, vontade e po-
der, sua existência vê-se livre de toda ansiedade com relação ao fu-
turo e não é atormentada pelas preocupações que fazem o homem
adulto civilizado viver fora de si mesmo.
É necessário, contudo, prepará-la para o futuro. Isso porque ela
tem uma enorme potencialidade, não aproveitada imediatamente.
A tarefa do educador consiste em reter pura e intacta essa energia
até o momento propício. Nesse sentido, é particularmente impor-
tante evitar a excitação precoce da imaginação, porque esta pode
tornar-se uma fonte de infelicidade futura. Outros cuidados devem
ser tomados com o mesmo objetivo e todos eles podem ser alcan-
çados ensinando-se a lição da utilidade das coisas, ou seja, desen-
volvendo-se as faculdades da criança apenas naquilo que possa
depois ser-lhe útil.
Até aqui, o processo educativo preconizado por Rousseau é negati-
vo, limitando-se àquilo que não deve ser feito. A educação positiva
© U3 - Educação na Modernidade 125

deve iniciar-se quando a criança adquire consciência de suas rela-


ções com os semelhantes. Passa-se, assim, do terreno da pedago-
gia propriamente dita aos domínios da teoria da sociedade e da
organização política (ROUSSEAU, 1978, p. 17-18).

O pensamento rousseauniano exerceu enorme influência so-


bre a vida social da Modernidade, sendo ele o pano de fundo, no
qual se delineou, posteriormente, o desenvolvimento da sociedade.
As ideias do Contrato social precisavam de homens que as refletis-
sem e as compreendessem, ou seja, homens formados de acordo
com tal contrato, o qual fornece a base para a sua realização. A for-
mação humana, conforme a sua naturalidade, que é, por sua vez,
boa, seria compreendida como a realização da natureza humana.
Essas ideias de Rousseau tiveram um impacto considerável sobre o
pensamento de Kant, que você irá conhecer no tópico a seguir.

Kant
Kant trouxe contribuições preciosas para o campo da filo-
sofia, as quais tiveram um impacto profundo sobre o posterior
desenvolvimento do pensamento filosófico, mudando totalmen-
te sua face deste e delineando novos problemas e soluções. Suas
contribuições, entretanto, não se limitaram à revolução copernica-
na, ao criticismo e à filosofia transcendental; sua filosofia foi além
desse campo puramente teórico e especulativo ao introduzir um
entendimento novo sobre a razão prática – a moral formal.
A moral formal rompeu com as tendências eudemonistas,
que visavam, como meta suprema da vida humana, a partir de
boas ações, o alcance da felicidade; é como se esta fosse o prêmio
prometido em troca de bom serviço. Kant, ao contrário da ten-
dência eudemonista, fundamenta a moral na natureza humana.
Conforme tal entendimento, o homem não age moralmente com
vista de um fim, pois já está na natureza humana o princípio desse
agir moral, isto é, o homem é livre da necessidade natural, mas,
justamente por isso, obedece à lei moral, norteado pelo imperati-
vo categórico.

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126 © Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação

Esses pensamentos sobre a moral fundamentam, por sua


vez, a concepção kantiana sobre a educação. Nesse âmbito, a in-
fluência de Rousseau sobre Kant é evidente. Thomas Giles (1989,
p. 186) afirma: "O mais fundamental problema do processo educa-
tivo consiste em harmonizar a submissão às necessárias restrições
e à capacidade e ao livre arbítrio da criança".
Kant chama de pedagogia esse processo de harmonização.
Além disso, segundo ele, é papel do pedagogo conduzir e controlar
tal processo de formação.
Concordando com Rousseau sobre o argumento, de que, na
idade da infância, a criança está desprovida do sentido moral, Kant
rejeita qualquer tentativa de educação moral nessa fase, todavia,
diferentemente de Rousseau, ele insiste na disciplina no processo
educativo. Essa disciplina tem como propósito desencadear um
mecanismo de controle dos desejos desenfreados da criança, mas
não inclui castigos e punições, pois estes forçam artificialmente a
obediência da criança e ela, portanto, não compreende o caráter
necessário da disciplina. Logo, o processo pedagógico, na visão de
Kant, seria um processo de desenvolvimento das faculdades do
homem, as quais ele possui em potência, na direção da realização
da natureza humana.
Ao longo das suas reflexões sobre a educação, Kant dirige
uma crítica ao sistema escolar, destacando a sua ineficiência e
esterilidade. Mas, apesar dessas críticas, o pensador königsber-
guiano afirma a necessidade do ensino escolar, diferentemente
de Rousseau, que preferia o sistema tutorial. O ensino escolar, no
entanto, deveria passar por um processo de reestruturação para
tornar-se mais apto para passar os valores morais e instruir ho-
mens virtuosos.
Em contrapartida, Kant declara-se adepto da visão pedagó-
gica de Basedow e de seu instituto educacional, uma vez que apre-
ciava muito a sua ideia de formação de docentes, que se tornam,
por sua vez, promotores da verdadeira formação. Era nessa ideia
© U3 - Educação na Modernidade 127

de formação de docentes, proposta por Basedow, que Kant vê o


caminho de melhoramento das escolas e a possibilidade destas
cumprirem com sua missão, que era a de levar o homem do reino
animal ao reino da humanidade.
Em contraste com Rousseau, que insiste em uma educação
mediada, sobretudo, pela natureza, Kant (1996, p. 10) dá mais ên-
fase ao papel dos "outros" no processo educativo:
O homem só pode tornar-se verdadeiro homem mediante a edu-
cação e ele é tal como ela o faz. Deve-se notar que ele só pode ser
educado por outros homens que, por sua vez, foram educados...
se um ser superior tomasse conta de nós, veríamos tudo o que o
homem pode vir a ser... Se pelo menos uma experiência fosse feita
com ajuda dos poderosos ou com as forças colaboradoras de mui-
tas pessoas, poderíamos conhecer o ápice da capacidade humana.
É extremamente penoso para o filósofo e para o filantropo cons-
tatar como os poderosos na maioria das vezes só pensam em si
próprios e não tomam parte no importante experimento sobre a
educação para fazer a humanidade aproximar-se da sua perfeição.

Para Kant, a pedagogia é, pois, uma ferramenta poderosa no


intuito de promover a perfeição humana, compreendida, sobretu-
do, em termos de moralidade. Percebe-se que a formação moral é
um processo pedagógico. Assim, a pedagogia introduz-se no âmbi-
to filosófico ou, mais exatamente, na sua dimensão prática.
A reflexão de Kant sobre a pedagogia norteia-se por quatro
aspectos fundamentais:
1) Disciplina: cujo papel consiste em pôr limites à desen-
freada vontade instintiva que habita a animalidade hu-
mana.
2) Cultura: responsável pela instrução e ensinamento.
3) Instrução social do homem: cabe a ela tornar possíveis
as relações interpessoais.
4) Formação moral: culmina no aperfeiçoamento do sujei-
to humano.
Outro grande pensador iluminista que foi de importância ca-
pital para o desenvolvimento pedagógico desse período, é Pesta-
lozzi. Vamos conhecer suas propostas no tópico a seguir?

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128 © Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação

Pestalozzi
No final do século 18 e início do século 19, aparece, no ce-
nário pedagógico, a figura de Pestalozzi e seu projeto de reformu-
lação da educação.
Assim como Kant, Pestalozzi sofre enorme influência do pen-
samento pedagógico de Rousseau. Sua intenção inicial de Pesta-
lozzi foi a de aplicar, na prática, a teoria pedagógica de Rousseau,
exposta em Emílio. O mérito de Pestalozzi é descrito por Thomas
Giles (1989, p. 189) assim:
[...] apesar das amargas derrotas sociais, conseguiu formular uma
pedagogia modelo para a escola elementar secular moderna. O
que, além de outras contribuições revolucionárias ao processo
educativo, lhe garante lugar de destaque na história da educação
ocidental.

Partindo do postulado rousseauniano da bondade natural


do homem, Pestalozzi resolve pôr em prática suas ideias na educa-
ção do seu filho, deixando-o, na medida do possível, sob a tutela
da "mestra" natureza. A experiência com o filho, porém, mostrou-
-lhe que, em alguns pontos, o projeto naturalista falha.
Mais tarde, Pestalozzi empreende outra missão – a criação
de um orfanato em que pudesse educar e instruir crianças caren-
tes a partir de estudos e trabalhos. A experiência fracassou devi-
do à falência do sítio em que o orfanato foi sediado. Seguiram-se
outras tentativas de pôr em prática as suas ideias, sem, porém,
sucesso considerável.
Para compreender as ideias de Pestalozzi e as suas tentativas
de introduzi-las na prática, temos de analisar a situação social que
engendra tais ideias.
Basicamente, a atenção pedagógica de Pestalozzi está vol-
tada à população carente, profundamente imersa na miséria e na
ignorância. Adepto do Iluminismo e de suas ideias progressistas,
ele acredita que seja possível uma formação mais plena e digna,
também, para os carentes. É Justamente essa a temática que em-
basa a sua obra pedagógica Leonardo e Gertrudes.
© U3 - Educação na Modernidade 129

Gertrudes é uma mulher pura e honesta que tenta salvar seu


marido, Leonardo, vítima de fracassos pessoais, a partir de meios
simples e eficazes. A esposa consegue ajudá-lo a resgatar sua dig-
nidade humana, e, por isso, os meios pedagógicos de Gertrudes se
espalharam na pequena aldeia, que se recupera da miséria espi-
ritual e da ignorância que a dominava. A mensagem de Pestalozzi
consiste nisso, ou seja, na criação e aplicação de métodos simples
e eficientes que pudessem renovar a sociedade e garantir a seus
membros, sobretudo às crianças, um bom desenvolvimento em
termos morais e intelectuais. Temos de frisar, ademais, que Pesta-
lozzi foi o educador mais famoso da sua época.
A partir do século 19, o "relógio" das mudanças sociais corre
mais rápido que nunca. O Iluminismo, com suas ideias progressi-
vas, busca freneticamente a sua realização. O âmbito social altera-
-se profundamente a partir da Revolução Francesa, que indica o
novo rumo da sociedade. Com as ideias de Rousseau, Kant e Pesta-
lozzi definitivamente instaura-se a cisão entre escola e Igreja.
O âmbito educativo, ao acompanhar essas alterações so-
ciais, delineia outras metas, novos problemas e novas propostas,
principalmente a partir de um estudo sistemático da natureza da
criança e da aplicação de práticas educativas de acordo com os
resultados de tal estudo.
Essas preocupações, mais de cunho teórico do que prático,
seriam o ponto de partida dos discípulos de Pestalozzi – Herbert
e Fröbel. Vamos conhecer um pouco sobre as propostas desses
pensadores?
Herbert
Com agudo olhar filosófico sobre os problemas da educa-
ção, Herbert insiste em uma ligação íntima desta com a moral e
a psicologia. Segundo ele, a mente humana é totalmente despro-
vida de conhecimentos, retomando, com isso, a versão empirista
de educação, conforme a qual, a partir das representações vindas

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130 © Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação

do exterior, o espírito humano processa tais representações e, ao


ordená-las e agrupá-las, forma ideias, juízos, memória, imagina-
ção, sentimentos, volições etc. A formação realiza-se, pois, pela
instrução, que deve contemplar dois momentos: instrução moral e
instrução intelectual. Para o discípulo de Pestalozzi, a melhor for-
ma desse tipo de formação é a ampliação do horizonte mental.
Fröbel
Fröbel é outro discípulo de Pestalozzi com grande destaque
na missão educativa. Em sua obra capital A educação do homem,
expõe suas ideias pedagógicas, cujo traço marcante é o misticis-
mo, o qual insistia na compreensão intuitiva das leis que regem o
mundo e o universo.
Fröbel vê, no simbolismo, o meio mais adequado para a
formação humana, principalmente na infância. Para ele, tudo no
mundo está penetrado pelo espírito divino que garante a sua uni-
dade; assim, Deus é o princípio unitário de todas as coisas. Logo, a
missão da educação resume-se em promover esse sentimento de
unidade que rege o universo, em virtude do qual se torna possível
a revelação do divino que está na natureza humana.
O principal meio de educação cabe à natureza, pois é ela que
revela na criança o espírito divino. Fröbel insiste em uma formação
transversal que mostre a ligação íntima entre as diferentes maté-
rias garantidas pelo espírito divino.
Depois de você ter conhecido as principais propostas de Pes-
talozzi e de seus discípulos, irá conhecer também, no tópico a se-
guir, as principais contribuições de Hegel para a pedagogia.

10. EDUCAÇÃO PRUSSIANA: TENDÊNCIAS IDEOLÓGICAS


O início do século 19 foi marcado por conflitos políticos e guer-
ras entre Estados. Em 1806, explodiu a Guerra Franco-Prussiana, com
a derrota e a anexação da Prússia. Tal derrota impôs a necessidade de
© U3 - Educação na Modernidade 131

uma renovação cultural e espiritual da nação alemã. O progressivo


Rei Friedrich Wilhelm III, projetou um plano de renovação moral e
política da nação. Esperava-se, então, que a educação assumisse o
papel de vanguarda. Todavia, temos de ressaltar que a base des-
sa educação renovadora consistia em promover e enfatizar senti-
mentos nacionalistas e patrióticos que inspirassem a formação de
um cidadão fiel à pátria. Dessa forma, elaborou-se um programa
pedagógico que refletia tais ideias nacionalistas.

Hegel
Na derrota prussiana, Hegel via o "mal necessário" para a
ressurreição do espírito alemão. A construção da Alemanha (1801-
1803) é uma obra escrita sob a influência da situação histórica. A
análise da história dos acontecimentos, passando pelo olho indi-
ferente do historiador Hegel, aprova o que ocorria naquele mo-
mento, chegando, assim, a uma visão positiva da guerra, tida como
necessária para a saúde de um Estado.
Hegel vê, na causa da derrota, um impulso da liberdade, que
fez que o Estado alemão se dividisse. Temos aqui uma valorização
do Estado em detrimento da liberdade do indivíduo, o qual se tor-
nou a causa do enfraquecimento do Estado. Portanto, o papel da
educação, na visão de Hegel, consiste em promover a dissolução
da subjetividade do indivíduo e torná-lo alheio à vontade do Esta-
do; isto é, reconciliar os seus fins particulares com os propósitos
do Estado. Trata-se, grosso modo, de uma formação (bildung) na
qual o indivíduo se eleva gradativamente do inferior (estado subje-
tivo) para o superior (estado objetivo) até que, no fim, por meio da
marcha negativa da dialética, alcança o estado absoluto – a plena
identidade de fins subjetivos e objetivos.
Para a compreensão da lógica interna deste processo, faz-se neces-
sária a análise das principais noções hegelianas: consciência, auto-
consciência e Espírito. A compreensão das noções de consciência
envolve a relação da consciência com um objeto (consciência é
sempre consciência para um objeto, algo que está diante de um
sujeito). Esta é a certeza sensível. À medida que a consciência per-

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132 © Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação

cebe que o objeto diante dela não é algo estranho a ela, mas é ela
mesma, torna-se autoconsciência; com efeito: autoconsciência é a
descoberta que o em-si do objeto é a própria consciência, de que a
consciência é a própria verdade (HEGEL, 1973, p. 152).

Para que a consciência chegue à certeza de que a realidade é


a própria consciência, ela deve atravessar um caminho tortuoso e
cheio de contradições que a própria dialética impõe.
Por meio da sua marcha negativa, que consiste em anular a
oposição desenhada pela tese e pela antítese em prol de um grau
mais elevado (a síntese), a dialética delineia, cada vez mais clara,
a autoconsciência. Portanto, o estado de autoconsciência precisa
ser conquistado.
A concepção hegeliana de autoconsciência deve ser entendi-
da em um sentido duplo: primeiro, como espírito subjetivo (o indi-
víduo); segundo, como espírito objetivo (a sociedade organizada).
A realização do Espírito na sociedade, ocorre por meio da
ética, que, conforme Hegel, é uma absoluta identidade espiritual.
Assim, a autoconsciência transforma-se em Espírito somente na
comunidade organizada, isto é, na sociedade. Justamente ali ocor-
re a quebra do si-natural (o indivíduo com os seus direitos natu-
rais) em prol do si-social (saída do estado natural e ingresso no
Estado civil).
A passagem da vida natural para o Estado acompanha o mes-
mo processo histórico-dialético, que vai delineando todas as fases
e graus de oposição, anulando-as.
Como tudo é o Absoluto e o Estado é o Absoluto terrestre
(deus terrestre), é cabível pensar que todas as diferenças (opo-
sições) dentro do Estado e a anulação necessária deste levam à
unificação de toda individualidade e polaridade, no sentido de de-
saparecer toda diferença.
Essa ideia hegeliana vai, evidentemente, na contramão das
ideias liberais, pois considera o indivíduo não pela sua particula-
© U3 - Educação na Modernidade 133

ridade, mas em função do todo, do Estado, do deus terrestre. Em


prol do Estado, que é a entidade absoluta e seus fins, Hegel insiste
na sobreposição objetiva da educação (imposta pelo Estado) à for-
mação subjetiva. Em outras palavras, o sujeito não possui sentido
por si mesmo, mas só como parte do todo, do Absoluto. Portanto,
a formação subjetiva não faz nenhum sentido; ela é, ao contrário,
prejudicial ao Estado.
Por trás da ilustre teoria especulativa de Hegel, encontra-se,
sobretudo, o ideal da formação. A formação, compreendida em
termos dialéticos, desenha o processo da libertação do inessencial
na direção da plena e absoluta realização. É no tempo e na histó-
ria que se dá esse processo, sob a tutoria da marcha dialética. Os
fracassos e as derrotas tanto na vida do Estado como no âmbito
individual representam o motor principal da ascensão, ou seja, da
educação. Esse processo formador, conduzido pela dialética he-
geliana, é descrito, perfeitamente no célebre caso de "senhor e
servo":

Dialética do senhor e do escravo ––––––––––––––––––––––––


Dois homens se enfrentam numa luta de reconhecimento. O primeiro arrisca a
sua vida em prol do reconhecimento, o outro, por medo de perder a sua vida, se
submete. Instaura-se assim uma relação entre senhor e servo. Senhor é senhor
pelo seu servo e o servo é servo pelo seu senhor. Nenhum deles é o que é sem o
outro. Este é o reconhecimento. O vencedor (o senhor) não mata seu adversário
vencido (o servo), mas o conserva, pois é pelo servo que o senhor é reconhecido
como senhor. Conservar, literalmente, significa com-servo, isto é, produzir um
servo, que é resultado imediato da luta pelo reconhecimento.
Pela obrigação imposta pelo senhor, o servo produz coisas que são posse do
senhor, mas não dele, mesmo que as produz. Com efeito, o servo está alienado
dos produtos que produz para o senhor (desejo refreado).
O senhor, ao depender dos produtos que o servo produz, depende também do
servo; torna-se uma espécie de servo do seu servo, por depender dele.
Ao mesmo tempo o servo (mesmo que alienado do gozo dos produtos pro-
duzidos por ele) aprende a fazer coisas, e com isto ele se forma, ou seja, ele
aprende a ter disciplina, a se superar e a sobreviver. Assim, ocorre a verdadeira
inversão dialética, em que pelo trabalho o servo aprende a vencer as necessi-
dades da vida, o que o torna livre. O servo transformado pelas provações ga-
nha mais liberdade do que o seu senhor, pois este depende dele (desvanecer
contido).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

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134 © Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação

Podemos observar, nesse caso célebre, que por trás de toda


relação de oposição instaurada pela dialética, está a ideia da for-
mação humana – um processo doloroso e difícil, mas necessário.
Trata-se de um processo de Paideia, porém, expressa em termos
sociais, ou seja, em prol do Estado.
Segundo Hegel, cabe ao Estado promover o processo educa-
tivo. O Estado é o deus terrestre, e os súditos, passando por eta-
pas sucessivas de formação, alcançarão, por fim, a plena realização
dos seus fins, que são os mesmos do Estado. Hegel vê, no Estado
Prussiano, a realização desse ideal pedagógico; isto é, que os fins
subjetivos coincidam com os fins objetivos do Estado, delineando,
assim, o caráter absoluto.
Em sua teoria política e social, podemos abstrair as nuanças
pedagógicas e ver claramente que a formação subjetiva do indiví-
duo não apresenta, para Hegel, qualquer valor considerável, pois,
historicamente, está em processo de formação. Hegel privilegia a
pedagogia repressiva que promove o ideal do Estado. O indivíduo
deve alienar-se da sua naturalidade, ou seja, do seu si-natural, em
prol de uma sociedade, ou seja, do si-social.
A seguir, você poderá avaliar se os conteúdos desta unidade
foram apreendidos. Portanto, tente respondê-los e, depois, confi-
ra se suas respostas foram corretas no Tópico Gabarito.

11. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) A partir da Modernidade, a pedagogia ganha status de objeto do saber cien-
tífico. Com isso, a educação moderna ocupa cada vez mais o papel de pri-
meira importância na sociedade. Então, a preocupação passa a ser:
a) A formação do homem voltado para si mesmo.
b) A formação do ser humano voltado para o aspecto religioso.
c) A formação do cidadão.
d) A formação com uma visão filosófica da sociedade.
e) A educação voltada para o mass media.
© U3 - Educação na Modernidade 135

2) A Modernidade manifesta progressivo rompimento dos paradigmas econô-


micos e políticos vigentes no modelo estático da época medieval. Leia:
Mas, o que é pior, nossos estudantes e aqueles a quem ensinarão
não se nutrem nem se alimentam muito mais que isso; a ciência
passa assim de mão em mão, com o único objetivo de entender os
outros e contar estórias, como moeda recolhida, inútil a qualquer
uso, e empregada apenas para calcular e depois atirar-se fora.
Indique a autoria do trecho anteriormente descrito:
a) Platão.
b) Aristóteles.
c) Tomás de Aquino.
d) Karl Marx.
e) Michel Montaigne.
3) Podemos afirmar que a educação renascentista:
a) É precursora do humanismo ateu, visto que é crítica da educação medieval.
b) Resgata os valores educacionais do Antigo Egito, Grécia e Roma.
c) É uma educação de base antropocêntrica.
d) Valoriza o conhecimento religioso em detrimento do conhecimento científico.
e) Nenhuma das anteriores.
4) A necessidade de compreensão psicológica do processo de aprendizagem;
a necessidade de enriquecimento dos conteúdos programáticos do ensino,
tendo em vista o surgimento de novas ciências; e a necessidade de uma
democratização do ensino, sem a importância da classe social – esses são
aspectos básicos que devem permear a educação na:
a) Idade Média.
b) Período antigo.
c) Modernidade.
d) Pós-modernidade.
e) Contemporaneidade.

Gabarito
Depois de responder às questões autoavaliativas, é importante
que você confira o seu desempenho, a fim de que possa saber se é pre-
ciso retomar o estudo desta unidade. Assim, confira, a seguir, as respos-
tas corretas para as questões autoavaliativas propostas anteriormente:
1) c.
2) e.
3) c.
4) c.

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136 © Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação

12. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você conheceu a importância da época
moderna para a educação, examinou a reestruturação da escola
moderna, verificou as principais vertentes pedagógicas da Mo-
dernidade e investigou a relação entre o processo de formação
individual e de formação social.
Nesse sentido, estudou as principais correntes filosóficas
da Modernidade e os principais aspectos históricos que geraram
as profundas mudanças que caracterizam a passagem do período
medieval para o período moderno, tais como: o reformismo reli-
gioso e o Iluminismo.
O impacto desses fatores históricos e filosóficos na educação
foi enorme. Gerou uma confiança extraordinária na formação de
um homem racionalmente potente, que, pelo uso maduro de suas
capacidades teórico-cognitivas, iria criar uma sociedade mais justa
e feliz.
No entanto, esse ideal de realização racional do humano não
conseguiu alicerçar a sociedade que almejava. Estouraram as guer-
ras e uma nova época surgia. Já não confiantes na força da razão
em conduzir o homem à sua perfeição, surgem propostas com as
de Nietzsche, Marx, entre outros.
Tais propostas configuram o novo norte da educação con-
temporânea, influenciando não só esta, mas todas as áreas da cul-
tura humana.

13. E-REFERÊNCIA
KANT, I. Resposta à pergunta: o que é o Iluminismo?. Disponível em: <http://www2.crb.
ucp.pt/historia/kant.pdf>. Acesso em: 13 jul. 2011.
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14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CAMBI, F. História da pedagogia. Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo: UNESP, 1999.
DESCARTES, R. Discurso do Método. Tradução de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. São
Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os Pensadores).
GILES, T. R. História da educação. São Paulo: E.P.U., 1987.
KANT, I. Sobre a pedagogia. Piracicaba: Unimep, 1996.
HEGEL, G. W. F. A fenomenologia do espírito. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os
Pensadores).
LAGARDE, A.; MICHARD, L. XVI siècle. Paris: Imprimerie Chaix, 1957.
MONTAIGNE, M. Du pédantisme. In: ______. Essais. Paris: Societé Les Belles Lettres,
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Claretiano - Centro Universitário


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