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arte Joaquim de Vasconcelos, com quem virá

DOMITILA CARVALHO
a casar-se em 1876, mudando-se para o Porto.

Dignificar a literatura portuguesa Na Universidade


Quando começa a trabalhar em Portugal, Quem lê, nos romances de Eça
Carolina destaca-se imediatamente no pa- de Queiroz, as evocações do ambiente
norama da filologia nacional pelo conheci- estudantil coimbrão, nota que se trata
mento profundo que tem de diversas línguas. de um mundo masculino. A mulher que
quebrou o tabu foi Domitila Hormizinda
Tal conhecimento permite-lhe ler as versões
de Carvalho, nascida em 1871 na Feira
originais dos textos e identificar, nas tradu- e que se licenciou em Matemática,
ções portuguesas então existentes, erros que, Filosofia e Medicina. Médica e escritora,
segundo a própria, denotam «audácia e ig- monárquica e conservadora, seria
norância» da parte dos tradutores. apoiante do Estado Novo e uma das
Na sua História da Literatura Portugue- primeiras deputadas. Morreu em 1966,

ANTT
sa, realizada em parceria com Teófilo Braga, com 95 anos.
cujo trabalho, no entanto, teve de retificar
várias vezes, como conta Maria Assunção
Pinto Correia, refere que o «temperamento europeia», conviveu e correspondeu-se com de instrução; a sua característica é o progresso
português» está associado ao «deixar an- figuras como Antero de Quental, Oliveira na educação das gerações futuras».
dar» e identifica a necessidade de «digni- Martins, Teófilo Braga, Joaquim de Araújo, É precisamente a pensar nessa educação
ficar a cultura portuguesa, despertando o Leite de Vasconcelos, Ricardo Jorge, Afonso das gerações futuras que, enquanto membro
interesse do povo por um património que Lopes Vieira, Trindade Coelho, Jaime Cor- da Sociedade de Instrução do Porto, tenta
só por ignorância, desleixo ou apatia se tesão, Eugénio de Castro ou Alfredo Pimen- criar um jardim-de-infância modelo na ci-
insistia em desconhecer». ta, mas também com a amiga de juventude dade, revê a tradução de alemão para portu-
«Ela era muito rigorosa», observa Maria Helene Lange, extremamente relevante no guês da obra Deveres Maternos e Educação
Manuela Delille. «Já o Teófilo Braga, apesar movimento feminista burguês alemão. na Primeira Infância e incentiva amigos
de ter tido uma importante e positiva ação escritores e poetas a dedicarem trabalho à
política, enquanto filólogo era uma pessoa A luta pela educação literatura infantil e a traduzirem contos e
muito pouco rigorosa e inexata.» A par do trabalho na área da Filologia, Ca- poemas para a infância.
A obra vasta que Carolina desenvolve rolina preocupou-se também com a questão A 19 de janeiro de 1912, com 60 anos,
nos anos seguintes granjeia o louvor dos da educação das mulheres, talvez pela troca Carolina Michaëlis de Vasconcelos torna-se,
contemporâneos que, tal como José Leite regular de correspondência com Helene Lan- enfim, a primeira mulher a dar aulas numa
de Vasconcelos fez em 1911, talvez se te- ge, que, em 1901, lhe pede, inclusive, para es- universidade em Portugal, concretamente
nham questionado várias vezes como ha- crever um texto sobre o tema para o Manual na recém-criada Faculdade de Letras da
via cérebro capaz de armazenar «tamanha do Movimento Feminista Alemão. Universidade de Coimbra.
quantidade de saber» e conseguir «assim No texto, a mulher que acabaria por ser Além das lições de Filologia Românica e
o adquirir e divulgar». convidada para presidente honorária do Con- Filologia Portuguesa, que «atraíram à ve-
«Espantosa» é a palavra que Maria Manuela selho Nacional das Mulheres Portuguesas de- lha universidade coimbrã um contingente
Delille usa para definir a dimensão e a amplitu- fende que «a questão feminista, na Península numeroso de alunos estrangeiros de todas
de do trabalho filológico de Carolina Michaëlis. Hispânica, é atualmente uma simples questão as partes do mundo» – relata Maria Ma-
E, ainda que considere difícil eleger «a joia da nuela Delille em A Vida e a Obra de Caro-
coroa» da sua vasta produção científica, que lina Michaëlis de Vasconcelos: Evocação
incidiu sobretudo na época medieval, em Ca- e Homenagem, Exposição Bibliográfica e
mões, Gil Vicente e Francisco Sá de Miranda, Documental – a filóloga lecionou também
a especialista destaca as edições críticas das cursos de Língua e Literatura Alemã.
poesias de Sá de Miranda e do Cancioneiro da Aquela que acreditava que «quem estende
Ajuda, trabalho que a ocupa durante 25 anos a vista pelo universo sente dilatar-se não só
e que dedica à rainha D. Amélia. Identificava, nas o seu intelecto, mas também o coração e fica
Paralelamente, a mulher que, nas palavras mais apto a compreender tanto a humana
traduções portuguesas,
de Delille, deu a conhecer ao mundo e aos pequenez como os deveres sociais e a cooperar
próprios portugueses «riquezas esquecidas erros que denotavam na solução dos magnos problemas que agitam
da literatura nacional», apresentando-as «audácia e ignorância» o mundo» abandonaria a cátedra apenas aos
«sempre como parte integrante da cultura dos tradutores 74 anos, poucos meses antes de morrer.

VISÃO H I S T Ó R I A 33

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