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Sin Frontera: Sin-ismos 1

Primavera 2012
Magalhães

Afonso Lopes Vieira: a literatura e o processo de nacionalização do povo português

Dedico este artigo ao poeta Afonso Lopes Vieira, cuja escrita e casa-museu continuam

a encher de magia a localidade de São Pedro de Moel mas também à minha colega e amiga

Cristina Nobre, que me desvendou uma grande personalidade da vida, da cultura e da história

portuguesa.

Introdução
A história da humanidade muito deve aos líderes comunitários que sabiamente

souberam conduzir os destinos da civilização, tornando-a cada vez mais apta a elaborações

culturais e simbólicas complexas. Todas as grandes civilizações da história tiveram ao leme

do seu comando grandes líderes. Entre estes, os escritores, ao colocarem a sensibilidade e

sabedoria ao serviço do progresso e da afirmação das suas comunidades, tornaram-se líderes

distintos das massas.

Afonso Lopes Vieira foi um dos escritores que desde finais do século XIX, até

meados da centúria seguinte, soube ler os sinais de tempos difíceis para a comunidade

nacional portuguesa. A sua obra constituiu um documento social que visou uma ação

interventiva num momento em que Portugal vivia uma grave crise económica, social e

cultural. Este período coincidiu com o despontar da consciência nacional. Da galeria dos mais

famosos líderes responsáveis pela nacionalização do povo português fazem parte

antropólogos como José Leite de Vasconcelos, historiadores como Alexandre Herculano, o

introdutor do romance histórico em Portugal, ou poetas e escritores como Afonso Lopes

Vieira ou Fernando Pessoa, entre outros.

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Afonso Lopes Vieira faleceu em 1946 mas a sua memória perdurou até aos nossos

dias, fruto do reconhecimento da comunidade atribuído à sua ação, em prol da região que o

viu nascer e da nação que o viu morrer. A memória de Afonso Lopes Vieira permanece viva

na poesia mas também na sua casa, transformada em museu, assim como em todos os objetos

que inseridos nela conviveram com o poeta durante a sua vida.

A partir deste artigo pretendo, numa primeira parte, evidenciar a ação de Afonso

Lopes Vieira no contexto nacional da primeira metade do século XX. Neste sentido, divido o

texto numa primeira parte denominada Afonso Lopes Vieira: entre o decadentismo e a

Renascença Portuguesa onde situarei a obra e a ação do poeta no contexto da crítica social

literária que está na origem dos movimentos do decadentismo e da Renascença Portuguesa.

Numa segunda parte, a análise centrar-se-á na memória viva do poeta, a sua casa – museu.

Em A Casa-Museu Afonso Lopes Vieira ou a imortalização do poeta e da sua obra, analisarei

a transformação da casa em museu como tributo da região e da nação à obra e ao génio do

poeta.. As casas-museu são à semelhança dos seus ilustres ex-habitantes, monumentos à

nação e sobretudo memoriais aos seus líderes.

Em A Casa-Museu Afonso Lopes Vieira: lugar de memória, a minha análise focar-se-

á na metamorfose de um local antes de acesso privado em público. A musealização da casa

confluiu na sua edificação em lugar de memória e literário do poeta e da sua obra.

Por fim, em A região da Estremadura em Afonso Lopes Vieira, irei fazer uma breve

pesquisa acerca da questão provincial em Portugal enquanto única divisão regional existente

no país até 1956. A província da Estremadura, berço de Lopes Vieira, é cantada pelo poeta

na sua poesia, o que o transforma num dos grandes autores da região. A incursão pela

província é feita pelo autor numa ótica de inter-relação com a comunidade nacional, situando

nela a génese de grandes feitos nacionais como as descobertas.


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Afonso Lopes Vieira: entre o decadentismo e a Renascença Portuguesa

O poeta foi contemporâneo de Fernando Pessoa, nasceu na cidade portuguesa de

Leiria, em 1878, falecendo em 1946. A sua vida repartiu-se por três localidades: Lisboa, local

para onde foi viver com a família e onde passava frequentemente o inverno; São Pedro de

Moel, aldeia costeira do concelho da Marinha Grande, situado a cerca de 120 km norte de

Lisboa; e Coimbra, onde se formou em direito na sua famosa universidade. A casa-museu

localiza-se em São Pedro de Moel, tendo constituído o local de habitação predileto do poeta

durante o verão. Como refere Cristina Nobre (2010) na Casa: “sobretudo na varanda, Lopes

Vieira sonhou, ideou, escreveu, corrigiu, voltou a escrever, discutiu com os amigos, leu pela

primeira vez os seus poemas recém-orquestrados ao hóspede ocasional, planeou novas acções

culturais, entusiasmou-se com tertúlias, esqueceu-se de si, vislumbrou ilhas utópicas dos seus

sonhos de portugalidade” (Nobre 6).

O quadro literário português de finais do século XIX, tempo de juventude do poeta

Afonso Lopes Vieira, inspirava-se no movimento intelectual designado decadentismo. Esta

corrente de pensamento foi levada à sua máxima expressão por Charles Boudelaire, tendo

ainda como ilustres representantes Théophile Goutier, Joris Karl Huysmans e Oscar Wilde.

Rafael Santana Gomes, em Ressonâncias decadentistas no modernismo

português,evidencia a originalidade do decadentismo na convicção,muito avançada para a

época, da fragmentação identitária do eu e da defesa do valor da arte per si: “rompendo com a

conceção burguesa de um fazer artístico obrigatoriamente voltado para o social”. A

preocupação máxima da estética finissecular que caracteriza a literatura decadentista residia


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na: “produção de obras extremamente refinadas, porque somente essas seriam capazes de dar

algum sentido à vida” (Gomes 3).

Afonso Lopes Vieira começa por escrever sob a influência do decadentismo, sendo no

entanto original na forma como vai beber à tradição lírica e cultural portuguesa (Oliveira).

Citando Seabra Pereira, Marco António Oliveira refere que Lopes Vieira começa por:

“prolongar facetas do Decadentismo na versão menos contaminada pelos influxos exteriores

das letras franco-belgas, exprime crescentemente a germinação da vertente neogarrettiana do

neo-romantismo lusitanista em dissidência complementar do Decadentismo e, de ambos os

modos, oferece, (…) um dos melhores documentos da correlação da poesia epocal com as

condições culturais e sócio-políticas do nosso agónico fim de século” (Oliveira 42).

Cristina Nobre, uma das principais investigadoras da obra de Afonso Lopes Vieira,

sintetiza o posicionamento do poeta num período:

Caracterizado por uma amálgama de diversos fazeres poéticos e


culturais que ora parecem degaldiar-se, ora se revelam ramos de uma mesma
procura: a da eterna poesia nova. Assim se compreende a utilidade do conceito
de esteticismo finissecular, capaz de abranger as características decadentistas e
simbolistas, pondo em destaque a estética neste período de transição em que a
poética de Afonso Lopes Vieira se posiciona (Nobre, 2).

Em 2005, a investigadora havia já referido que Afonso Lopes Vieira é visto como o:

“paladino de uma atitude humana que equipara os valores morais aos valores estéticos, numa

confusão deliberada entre vida e literatura, um pouco a da figura do poeta inspirado que a

estética romântica delineou com êxito e o fim de século consagrou ainda em algumas figuras

como as de Oscar Wilde e os estetas da arte pela arte” (Nobre 38).

O poeta nasceu e viveu numa época e num país que experimentavam grandes desafios

nos campos social e cultural. O ultimato inglês de 1890, em que o império britânico exigia a

retirada imediata das forças militares portuguesas estacionadas entre os territórios de Angola
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e de Moçambique, sob pena de uma declaração de guerra, despoletou reacções de índole

nacional, movimentando toda a sociedade portuguesa, desde os meios intelectuais aos

populares. Outros fatores como as crises económicas, políticas e sociais que assolavam

Portugal em finais do século XIX e inícios do século XX, constituíram agentes que

configuraram um quadro de forte dinâmica intelectual, pugnando-se o patriotismo, a

apreciação dos valores nacionais e a educação democrática como bases para Portugal

ultrapassar o atavismo reinante (Ribeiro). Esta dinâmica foi transversal às artes com a pintura

de José Malhôa, ou as caricaturas de Rafael Bordalo Pinheiro que procuravam retratar as

paisagens de um Portugal finissecular em decadência, onde a pobreza e a emigração

caracterizavam a vida social (Magalhães). Também a literatura constituiu um terreno profícuo

à crítica do estado em que se encontrava o país.

Perante este panorama, Afonso Lopes Vieira soube retratar Portugal, a sua sociedade e

a cultura sem se manter exclusivamente inspirado nas correntes saudosistas que, sonhando

com o regresso do passado grandioso, defendiam um lusitanismo puro e uma raça

portuguesa virada para dentro. Estas discussões no seio da elite literária portuguesa da cidade

do Porto, viriam a caracterizar as primeiras reflexões que conduziram à inauguração do

movimento cultural Renascença Portuguesa, em 1911.

Citando Marco Oliveira, pode referir-se que as:“primícias simbolistas decadentes de

Lopes Vieira, […] irão confluir, nos alvores do século XX, num projeto de “reescrita de

Portugal”, de matriz lusitanista, através do qual se pretende reatar a tradição cultural

genuinamente portuguesa”(Oliveira 42). Cristina Nobre, observou no posicionamento de

Afonso Lopes Vieira uma vertente combativa do poeta: “contra uma eventual

descaracterização da tradição e da literatura portuguesas, que o escritor considerava existir

nas primeiras décadas do século XX, em Portugal (Nobre 144).


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O poeta assume-se como a voz do povo: “procurando no mais fundo de si as raízes de

uma cultura popular, emprestando a sua voz até que se dilua no seio de uma voz colectiva,

popular e patriótica” (Nobre, 42). Acrescenta a investigadora que, fazendo parte de toda uma

geração: “nacionalista, neogarretista ou saudosista, [Afonso Lopes Vieira] vai procurar

ancorar a sua produção literária a um passado venerado como repertório indispensável para

que o presente e o futuro ganhem sentido, encontrando na figura do Poeta o sublime

instrumento dessa reescrita”(Nobre 144).

O nacionalismo, o neogarrettismo e o saudosismo, quadros intelectuais que marcaram

a juventude de Lopes Vieira encontram-se associados. São três faces de um movimento que

confluiu, de um ponto de vista antropológico, no processo literário de nacionalização do povo

português. O maior mentor do neogarretismo foi Alberto de Oliveira que: “com a sua

exaltação inflamada dos valores e símbolos nacionais, não podia deixar de reconhecer no

esteio sebastianista1um poderoso argumento nacionalista” (Oliveira 45).

Os principais defensores do neogarretismo inspiram-se no: “apelo de Garret a uma

revolução literária […] pretensamente alcançada através de uma presença autêntica, nunca

perdida nem desnacionalizada, a das “nossas primitivas fontes poéticas, os romances em

verso e as legendas em prosa, as fábulas e crenças velhas, as costumeiras e as superstições

antigas” (Nobre 275).

Por seu lado, o saudosismo, proposto por Teixeira de Pascoaes nas primeiras reuniões

que acabaram por originar o movimento Renascença Portuguesa: “procede ao

aprofundamento místico, metafísico e gnoseológico do conceito de saudade, convertendo-o

em pedra angular da sua teoria da História e do seu ideário estético e em mito conformador

do inconsciente colectivo” (Oliveira 46). O saudosismo era para Teixeira de Pascoaes: “o

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culto da alma pátrea ou da saudade erigida em Pessoa, divina e orientadora da nossa

actividade literária, artística, religiosa, filosófica e mesmo social” (Pascoaes 134).

Afonso Lopes Vieira era um homem cosmopolita, viajou por países como Espanha,

França, Itália, Bélgica, norte de África e Brasil. Defendendo a voz do povo, elemento

essencial dos nacionalismos, o poeta, nacionalista e patriota, fora influenciado pelas viagens

que efectuou. A sua colaboração no movimento Renascença Portuguesa, assim como os

ideais por si comungados, defendendo a voz do povo e estando sempre ao lado do povo,

confluem na defesa dos valores da pátria e da nação. A originalidade de Afonso Lopes Vieira

manifesta-se na preocupação do poeta em afirmar o lugar de Portugal na Europa através da

defesa incondicional de um programa literário e cívico de reanimação da portugalidade

(Oliveira 42).

Por outro lado, nas suas viagens, Lopes Vieira terá comungado de outros movimentos

intelectuais internacionais, seus contemporâneos, que pugnavam pela defesa das

particularidades regionais e nacionais. Tanto na Europa como na América, várias correntes de

pensamento dos campos literário, artístico, etnográfico e outros, defenderam o regresso á

terra bem como às origens em contraposição á massificação, á excessiva industrialização e ao

cansaço provocados pela sociedade moderna, na primeira metade do século XIX (Leal;

Magalhães). A literatura, tal como outros campos do saber que defendem a arte popular

enquanto expressão mais genuína da região ou da nação, advoga o povo e o seu saber como o

elemento básico das comunidades do início do século XX (Torgal 1088).

Citando Orvar Löfgren, o antropólogo João Leal defende que:

a importância atribuída à arte popular não é especificamente


portuguesa e nada tem de provinciano: em toda a Europa, no mesmo período,
era esse o espírito do tempo; à direita e à esquerda. As artes populares eram
vistas – a par de elementos mais prosaicos como a bandeira e o hino ou de
elementos mais sofisticados como mitos de origem ou ideias de um passado
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comum – como um dos aspectos fundamentais do kit “faça você mesmo” que,
segundo Orvar Lofgren (1989) é requerido pelas identidades nacionais
modernas.(Leal, 473)

Como veremos, este estado de espírito influenciou também Afonso Lopes Vieira, que

não só escreveu Portugal, como usou objetos tradicionais portugueses na decoração das suas

habitações. Em particular, na sua amada residência de São Pedro de Moel, é ainda hoje

possível observar um espólio pontuado pela mais refinada arte popular nacional. É neste

contexto que surge o Movimento cultural Renascença Portuguesa, ao qual Afonso Lopes

Vieira esteve ligado. As primeiras reuniões que estiveram na origem deste movimento

tiveram em Teixeira de Pascoaes e Raul Proença, dois dos seus principais arautos, e

realizaram-se no Porto. De acordo com Américo Monteiro (1997) estes encontros

inspiravam-se num determinado saudosismo, defendendo o lusitanismo puro e ausente de

contaminações estrangeiras, em que se evocava em termos laudatórios a raça portuguesa.

Numa segunda fase, as reuniões realizam-se em Lisboa, tendo como um dos seus mentores

António Sérgio. Esta reunião representa uma certa mudança de perspectiva. Não deixando de

defender o progresso moral da nação e os valores nacionalistas, pretendia-se que o

movimento constituísse uma plataforma de intervenção cívica, inserindo Portugal na

modernidade do mundo ocidental, de modo a acompanhá-lo na dinâmica económica, social e

cultural (Monteiro 1997).

Neste sentido, António Sérgio referiu que:

(...) fundámos a Renascença na convicção, mais ou menos consciente,


de que a Pátria demanda uma revolução construtiva; e de que a maneira mais
eficaz de a tentar não são os processos vulgares da política, mas sim uma larga
acção educadora, exercida pela fundação e manutenção de jardins-escolas e
escolas-oficinas, universidades populares, revistas, conferências, discussões
(…). Nessa irmandade espiritual que se propõe acordar um povo pela acção
moral e educativa, contam-se actualmente homens de todas as classes sociais,
e não só portugueses, mas brasileiros também. (Sérgio 21)
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Estavam lançadas as bases para a fundação do Movimento Renascença Portuguesa.

Nasce em 1911 na cidade do Porto, e possui como face mais visível a publicação A Águia,

seu órgão divulgador e emblemático. Este movimento irá marcar “o panorama cultural e

literário português, balizado entre a implementação da República e o decénio de 30, com o

encerramento da primeira Faculdade de Letras da Universidade do Porto” (Samuel).

O impacto deste movimento e da sua revista na sociedade da época foi elevado,

constituindo marcos decisivos nesse processo literário de nacionalização do povo português.

Como refere Luís Reis Torgal :

A revista Águia, do movimento da Renascença Portugesa, é veladora


dessa tendência para a formação de uma cultura nacional e por ela passam
nomes como Leonardo Coimbra, filósofo saudosista que se ligou à República,
com a qual se viria a incompatibilizar no seu final, Jaime Cortesão,
republicano que se tornará um intelectual da oposição ao regime que em 1932-
1933 será fundado por Salazar e se intitulará “Estado Novo”, como nomes de
tradicionalistas monárquicos, dos quais Afonso Lopes Vieira é um caso
exemplar. Mas, entretanto já se formara uma plêiade de intelectuais de sentido
regionalista e nacionalista, como, para além do citado Afonso Lopes Vieira,
Augusto Gil, António Correia de Oliveira e Raul Lino […]. (Torgal 1088)

Em resumo, Afonso Lopes Vieira fez parte de um grupo de intelectuais que, atentos às

dificuldades experimentadas por Portugal na transição do século XIX para o século XX,

utilizaram a pena e o papel para responder positivamente à crise vigente no país do seu

tempo. Mais do que a escrita fechada em si, e ainda que o decadentismo marcante das

primeiras fazes da vida literária do poeta defendesse a arte desligada do social, é bem visível

não só na escrita como na atividade cultural e intelectual desempenhada pelos escritores da

primeira metade do século XX, uma preocupação assinalável com os problemas atravessados

pela nação portuguesa bem como na busca de uma resposta a essas questões.

A Casa-Museu Afonso Lopes Vieira ou a imortalização do poeta e da sua obra

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Cem anos passaram e a memória de tantos daqueles que construíram e afirmaram

Portugal enquanto nação, permanece viva nos objetos que com eles conviveram e cuja

matéria lhes proporcionou um período mais longo de vida. É neste contexto que nascem as

casas-museu.

Tal como os poetas de outrora e suas obras, as casas-museu têm servido de elementos

identificativos e agregadores do grupo. Uma pesquisa efetuada por Linda Young sobre casas-

museu no Reino Unido, EUA e Austrália, levou-a a concluir que a musealização de casas de

escritores obedece a agendas nacionais. De acordo com a investigadora, nas casas-museu:

“(…) the values and myths of nation-states (and their microcosms of town or locality) are

exhibited, and often exemplified in the personae of culture heroes” (Young 27). O referido

processo de constituição das comunidades nacionais, a produção dos seus quadros

referenciais de memória, assim como o procedimento de seleção e de classificação dos

objectos a partir dos quais se fabricou a mentalidade nacional, teve por base discursos e ações

desenvolvidas por líderes que assumiram os destinos do grupo, e cuja legitimidade

reclamaram na academia, na democracia ou, ainda, na economia, entre outros (Bourdieu;

Magalhães).

As casas-museu de escritores, memorizando líderes comunitários, constituem um dos

dispositivos de construção e de difusão da memória nacional. Como refere Linda Young

(2011):

(…) a house museum visit can well be understood as a ritual that


reinforces national identity. It doesn’t demand uniformity of belief, but
nonetheless produces a sense of community. Literature is especially powerful
in expressing the idea of a shared national culture, thanks to the primacy of
language as a national indicator. Furthermore, its products and its creators are
widely, if vaguely, known by most speakers. (Young 27)

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São Pedro de Moel, a Marinha Grande, a região de Leiria e Portugal, cujas glórias e

grandezas tomaram corpo na vida e obra de Afonso Lopes Vieira, «podem olhar em frente

com confiança e auto-estima» graças às raízes comunitárias lançadas pela poesia de Afonso

Lopes Vieira.

A Casa-Museu de São Pedro de Moel reúne a memória do poeta, os seus livros e toda

uma panóplia de objetos que assumem a função de documento por deter implicitamente em

seu formato e em seu objetivo de função prática, informações cruciais (tipo de técnica, de

material, de época, o estilo, o contexto histórico, o valor material) (Ribeiro 2).

O objeto -- documento presente na Casa-Museu Afonso Lopes Vieira relaciona--se

metonimicamente com o autor. Foi parte dele, mas o percurso do tempo e consequente

musealização da casa, conferiu interpretações simbólicas aos seus objetos, que resultam de

um conjunto de visões que desde meados do século XX convergem no estudo, na divulgação

e na conservação das relíquias do poeta (Magalhães). Assim, objetos de uso quotidiano

transformaram-se em marcas da comunidade.

Citando Cristina Nobre :

Afonso Lopes Vieira encontrou na casa o instrumento criativo mais


longevo e duradouro para fazer permanecer as suas idealizações artísticas. Em
articulação com as várias fases da sua obra literária e em aproximação com os
seus programas de acção cultural criativa, foi colando à casa, como poemas na
pedra, sinais inequívocos das suas opções estéticas, marcando assim o sucesso
de algumas obras ou assinalando os motivos da sua predilecção.
A sua sensibilidade leva-o a rodear-se e a servir-se de todos os materiais
que fossem portugueses, numa simbiose entre a «poiesis» e o seu entusiasmo
com a decoração do lar. Assim, há todo um culto do artesanato português a par
do aproveitamento de materiais da natureza envolvente, na decoração do
interior da Casa, desde os ferros de Coimbra e as cerâmicas de Caldas da
Rainha, até às chitas de Alcobaça e às flores, conchas e búzios da praia,
destroços trazidos pelo mar, objectos transformados pela natureza em arte
numa metamorfose sem fim […]. (DG 1922)(…) (Nobre 5).

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O desígnio de transformar a antiga habitação de Afonso Lopes Vieira, espaço privado,

em museu, espaço público, apesar de não ter sido um projeto pessoal do poeta, segue a

mesma linha de pensamento que esteve na mente daqueles que foram pioneiros na abertura de

casas de escritores ao público, em inícios do século XX. É por volta de 1919 que: “private

societies, municipal government, and tour book writers had identified for the public and

preserved as memorials the homes of writers, artists, statesmen, and scientists, their

publications mapped London through literary and historic associations – including

associations with events in fiction” (Zemgulys 57). Estes factos configuraram uma agregação

e disposição dos objetos pela casa que pretendem ilustrar não só a sua visão cosmológica da

comunidade, como o desejo de manter essa visão por parte de todos aqueles que no presente

afirmam a comunidade.

A doação da casa à câmara municipal da Marinha Grande: “(...) por vontade

testamentária do proprietário (doação por sua morte ou morte da esposa) para nela ser

instalada um Colónia Balnear infantil (…)” (Nobre 6) constituiu um primeiro passo na

preservação do local. Por outro lado, a musealização de parte da habitação atribui um sentido

ao conjunto da casa que passou a responder como património de todos os marinhenses e

portugueses. Tal como a Casa-Museu de Gilberto Freyre, o conjunto arquitetónico outrora

habitado por Afonso Lopes Vieira: “(...) além de ser o «ninho» de um escritor de renome, é

um elemento sólido da nossa identidade cultural” (Ribeiro).

A Casa-Museu Afonso Lopes Vieira: lugar de memória

Pierre Nora (1986) e Mona Ozouf (1986) demonstraram a importância que o culto aos

heróis fundadores e aos grandes homens desempenharam nos discursos que estiveram na

origem da fundação de diversos tipos de comunidades modernas. A figura do grande homem

e/ou do herói possui imagens sociais que os aproximam quer dos seres humanos, quer dos
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divinos. Os grandes homens são seres mortais, terrestres, incluindo-se nesta categoria figuras

do Estado-Nação, escritores, pintores, cientistas, poetas e gente comum como pais de família

exemplares. De acordo com os cânones da Revolução Francesa, os grandes homens

destacaram-se das massas pelo contributo positivo que deram num campo da vida social.

Os heróis constituem personagens posicionadas num campo de contacto entre o

mundo dos homens e o dos Deuses. Fazem parte dos heróis, os santos, os reis, os guerreiros e

as rainhas. Os heróis estabelecem a ponte entre o mundo visível e o invisível, reclamando a

legitimidade em Deus para exercerem o poder político sobre os seus reinos (Bourdieu;

Pomian; Kantorowicz 37), no caso dos reis, ou religioso, no caso dos santos (Ozouf). Como

declarou Jaime I, rei inglês de inícios do século XVII: “Os Reis são com razão chamados

Deuses, porque exercem sobre a terra um poder semelhante ao Poder Divino” (Kantorowicz).

Na categoria dos grandes homens incluem-se personalidades portuguesas que se

destacaram pela sua obra em prol da nação. Em São Pedro de Moel, Marinha Grande -

Portugal, a figura dos heróis fundadores conjuga-se em harmonia com a dos grandes homens:

se o rei D. Dinis plantou o Pinhal de Leiria, Afonso Lopes Vieira transformou-o num ícone

da sua região e da nação, ao declamá-lo nos seus versos. O pinhal é para Lopes Vieira a:

Catedral verde e sussurante, aonde


a luz se ameiga e esconde
e onde ecoando a cantar
se alonga e se prolonga a voz do mar, ditoso Lavrador que a seu contento
por suas mãos semeou este jardim;
ditoso o poeta que lançou ao vento
esta canção sem fim…

Ai flores, ai flores do Pinhal florido,


que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal florido
Rei Dom Dinis, bom poeta e mau marido
Lá vêm as velidas a bailar
[…].
(Vieira 75-76)
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Afonso Lopes Vieira faz parte da categoria dos grandes homens portugueses. Pela

obra desenvolvida foi imortalizado na transformação da sua casa à beira-mar plantada em

museu. A casa-museu é um lugar literário e um lugar de memória. O mar e o pinhal, cantados

por Afonso Lopes Vieira constituem alguns dos principais símbolos identificativos de

Portugal e da sua região da Estremadura. O simbolismo que esses elementos alcançaram no

repertório nacional materializou-se na sua apropriação nos discursos subjacentes á construção

da comunidade nacional e às suas relações com as regiões que a compõem.

A atribuição da acção heróica a Afonso Lopes Vieira encontra-se ligada à importância

do pinhal na epopeia dos descobrimentos, metamorfoseando-o num grande poeta nacional.

Nos séculos XV e XVI saiu do pinhal muita da madeira que serviu para construir as

embarcações das descobertas. Foi com a madeira do Pinhal que se construíram as nossas

caravelas, os mastros das nossas naus. Foi o solo da Marinha Grande, os seus areais

dourados, que forneceram a seiva que alimentou esses gigantescos pinheiros, matéria-prima

base da nossa frota dos Descobrimentos e Conquistas e de grande parte da obra do nosso

escritor (Cardoso 46).

No Guia de Portugal, Afonso Lopes Vieira caracteriza o Pinhal de Leiria como o:

“mais vasto maciço vegetal do País (…). Decerto anterior a D. Dinis, que teria regularizado e

intensificado as sementeiras, o pinhal de Leiria é também um padrão da história, intimamente

ligado ao ciclo dos Descobrimentos nacionais, como havendo fornecido a madeira dos

navios” (Vieira 648).

Ai flores, ai flores do Pinhal louvado,


que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal louvado,
são as caravelas, teu corpo cortado,
é lo verde pino no mar a boiar.
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Pinhal de heróicas árvores tão belas,


foi do teu corpo e da tua alma também
que nasceram as nossas caravelas
ansiosas de todo o Além;
foste tu que lhes deste a tua carne em flor
e sobre os mares andaste navegando,
rodeando a Terra e olhando os novos astros,
oh gótico Pinhal navegador,
em naus erguida levando
tua alma em flor na ponta alta dos mastros!...
[…].
(Vieira 75-76)

A inauguração da Casa-Museu Afonso Lopes Vieira, inserindo-se num tempo em que

este tipo de estruturas se transformou num meio de imortalização de heróis e de grandes

homens (Ozouf), constitui o maior tributo ao poeta. A sua memória consubstancia-se na casa

e nos objectos que dela fazem parte, tais como os azulejos, os livros, e todos os elementos da

casa que renascem como recordações da vida do poeta.

A região da Estremadura em Afonso Lopes Vieira

As províncias constituíram até ao século XIX as únicas regiões em que Portugal se

dividia. Tiveram um papel fundamental na literatura portuguesa enquanto palco privilegiado

da obra de muitos dos nossos poetas. A partir de 1835/6 cedem lugar aos distritos, num

processo centralizador da reorganização administrativa do território português. Apesar de

tudo, as províncias fazem ainda hoje parte do imaginário dos portugueses, enquanto

representações culturais.

De acordo com José Leite de Vasconcelos [1858-1941], etnógrafo contemporâneo de

Afonso Lopes Vieira, as províncias já existiam antes da fundação do país mas é a partir do

século XVI que adquirem significado, mais geográfico e cultural do que

político/administrativo. Nessa altura existiam seis províncias: Entre-Douro-e-Minho ou

Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Entre-Tejo-e-Odiana (Guadiana) ou Alentejo, e

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(reino do) Algarve (Vasconcelos 19). No século XIX, o Minho é separado do Douro e a Beira

dividida em Beira Alta e Beira Baixa.

Aristides Amorim Girão, à semelhança do escritor e poeta Afonso Lopes Vieira,

defendeu a regionalização de Portugal, na década de 30 do século passado, como resposta ao

excessivo centralismo de Lisboa. Influenciado pela escola francesa, o autor advogou o

conceito de “região natural” em detrimento da “região política”, propondo a divisão do país

em 13 regiões naturais, “mais ou menos coincidentes com a nossa tradicional divisão em

províncias” (Girão, 29). As bacias hidrográficas deveriam servir como elementos de

unificação geográfica. Amorim Girão influenciou a redefinição do mapa regional saído dos

códigos administrativos de 1936, com a divisão do país em 11 autarquias provinciais. Criou

em 1958, em simultâneo, uma série de estereótipos associados a cada uma das províncias,

(Girão).

As novas províncias estavam estruturadas em dois órgãos: Conselho Provincial e Junta

de Província. Estes possuíam funções limitadas, nomeadamente competências de fomento,

coordenação económica, cultura e assistência (Pestana). Em 1959 as províncias são extintas

pelo Decreto-Lei nº 42536 de 28 de Setembro. As Câmaras, Juntas de Freguesia e Juntas

Distritais passam a substituir as Juntas Provinciais.

Afonso Lopes Vieira foi um dos maiores defensores da manutenção e afirmação da província

da Estremadura, na qual se situa São Pedro de Moel. O autor não procurava reagir à recém-

nascida província da Beira Litoral, com a consequente repartição do distrito de Leiria, que

fazia parte na sua totalidade da anterior província estremenha. A poesia de Afonso Lopes

Vieira, versa diversos lugares da Estremadura, que fazem parte do imaginário nacional, tais

como Alcobaça e a Batalha. O poeta foi acompanhado por outras personalidades na defesa da

unidade distrital conferida pela inclusão do distrito de Leiria na Estremadura. Américo Pinto,
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Eduardo Monteiro, António Guerra, Marino Ferreira e Rafael Calado, desempenhando

funções de relevo no distrito leiriense, fizeram uma exposição ao Governo do Estado Novo,

manifestando a sua discordância com o projecto de regionalização começado a delinear em

1936:

O Distrito de Leiria […] sente com profunda mágoa que a antiquíssima


Província da Estremadura, a que sempre teve a honra de pertencer, venha a ser
desmembrada e ingloriamente sacrificada pela nova organização
administrativa.
Esta notabilíssima província, cujo nome ainda tem gloriosamente ligado
à nossa história, em todas as suas páginas mais brilhantes e memoráveis, que
[…] resume toda a sonorosa epopeia das nossas conquistas e que foi teatro de
tantas acções heróicas para a independência e defesa da Pátria, tem todo o
direito de existência, porque pelo seu nobre exemplo de amor e patriotismo
[…] é bem o coração de Portugal!
Se pudesse manter-se una e indivisível seria a melhor forma de lhe
respeitar os seus altos privilégios de nobreza e os sagrados direitos que tão
brilhantemente soube conquistar.
[…] O Distrito de Leiria nunca foi Beira. Tomar e Vila Nova de Ourém,
Mafra e Torres Vedras, Alcobaça e Batalha não ficam precisamente no
Ribatejo. (Pinto et. al 3-4)

Afonso Lopes Vieira produziu ícones regionais e nacionais por intermédio dos seus

poemas, como se pode verificar na sua grande obras, Onde a Terra se acaba e o Mar

Começa, publicada em 1940. Nela, o autor afirma-se explicitamente estremenho, reflectindo

esse sentimento de pertença nos poemas que a compõem. A Estremadura é o lugar:

(...) onde a terra se acaba e o mar começa


(…)
com o Verde pino que em glória floresça,
mosteiros, castelos, tanta pátria ali há!
(Vieira 23).

A ideia da província tem-se mantido forte nas representações mentais das elites

regionais. Este facto está relacionado com a forma como Portugal, enquanto nação, tem sido

imaginado desde o século XIX. A organização do Guia de Portugal, por parte de Raul

Proença, em 1927, evidencia-o. Inspira uma estruturação regional portuguesa materializada

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em províncias e influencia, tal como os poetas, os historiadores ou os etnógrafos de finais dos

séculos XIX e XX, os pensadores da província da Estremadura.

O Guia de Portugal constitui uma publicação em quatro volumes e vários tomos,

classificado e organizado de acordo com a divisão provincial. A publicação foi coordenada

por Raúl Proença e por Sant’Anna Dionísio, constituindo uma das mais completas e

detalhadas descrições das paisagens e das gentes de Portugal. Entre os colaboradores da obra,

contam-se nomes como Afonso Lopes Vieira, António Sérgio, Aquilino Ribeiro, Brito

Camacho, Carlos Selvagem, Francisco Keil do Amaral, Hernâni Cidade, Jaime Cortesão,

João Barreira, Joaquim Vieira Natividade, José de Figueiredo, Laranjo Coelho, Lyster

Franco, Matos Sequeira, Orlando Ribeiro, Raul Brandão, Raul Lino, Raul Proença, Reinaldo

dos Santos, Rodrigues Miguéis, Sant’Anna Dionísio, Sarmento de Beires, Silva Teles,

Teixeira de Pascoaes, entre outros.

A Lopes Vieira coube descrever o caminho que liga a Marinha Grande a São Pedro de

Moel, entrecortado pelo famoso Pinhal de Leiria, ao qual o poeta dedica uma atenção

particular:

Saindo da Marinha Grande, pelo S. da vila, encontra-se a estrada


florestal (constr. em 1881), sempre bem conservada, que conduz a S. Pedro de
Muel. À entrada da mata vê-se um dos seus postos fiscais (Guarda Nova). Os
carris são do Decauville do serviço de exploração.
É neste trajecto que pode ter-se uma intensa visão do Pinhal de Leiria
(…). (Vieira 648)

No Guia de Portugal o distrito de Leiria surge integrado na Estremadura e os seus

monumentos constituem objectos que servem para materializar a ideia dessa província. Nesta

obra, a Estremadura está dividida em 3 sub-regiões: a Estremadura Transtagana, à qual é

atribuída uma série de características particulares, é a: “região que abrange a parte sul do

distrito de Lisboa, entre o Tejo e o Sado, […]. População de tipo e falar alentejano,

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arrastado”.2 A Alta Estremadura, compreendendo duas regiões distintas: 1.) uma região de

transição mas de carácter ainda predominantemente estremenho que, por Tomar, Pombal e

Ansião, se estende até à Ribeira de Alge, afluente do Zêzere. Integra os concelhos do centro

norte do distrito de Leiria, assim como Tomar. 2.) Outra região já caracteristicamente

beirense, agrupando Figueiró dos Vinhos, Castanheira de Pêra e Pedrógão Grande, estende-se

desde a Ribeira de Alge, até às margens do Zêzere. Existe uma zona de transição entre estas

duas da qual fazem parte Ferreira do Zêzere, Alvaiázere e Cinco Vilas. Por fim a sub-região

da Estremadura Litoral, constituída pela nesga marginal da Estremadura, cobre a parte

ocidental dos distritos de Lisboa e Leiria até as praias do oceano. Na Estremadura Litoral

foram incluídos os concelhos do centro e sul do distrito de Leiria, numa surpreendente união

entre o centro e oeste leirienses.

Conclusões

Com este artigo o meu objetivo era percorrer, à luz da poesia e da pena de um poeta

em particular, Afonso Lopes Vieira, cem anos de nacionalização do povo português. Lopes

Vieira faz parte da restrita galeria dos grandes homens que, detentores do dom da sabedoria, a

souberam utilizar e colocar ao serviço do grupo, para com ela construir a comunidade

nacional. O poeta foi, com toda a propriedade, observador crítico da sociedade e da cultura do

seu tempo, mentor e colaborador ativo dos meios intelectuais portugueses que observavam e

intervinham cirurgicamente no quadro sociocultural português da época. Utilizaram para isso

a escrita, invenção maior das grandes civilizações. Por isso, a memória de Lopes Vieira

permanece viva na casa onde viveu uma boa parte da sua vida. Localizada em São Pedro de

Moel, concelho da Marinha grande, Portugal, e atualmente transformada em museu, a Casa-

Museu Afonso Lopes Vieira é um elemento central da beleza intrínseca do povoado,

comungando e testemunhando juntamente com ele, o mar e a obra do autor. A Casa-Museu é


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o abrigo da obra-testemunho da vida do poeta. É por isso a memória viva do poeta e o

coração de tantas comunidades que ali confluem. Testemunha a obra do autor, que contribuiu

para a afirmação da comunidade local, mas também atesta o seu labor em prol da construção

da nação e da sua reivindicação de um lugar no mundo.

A visita à casa é um desígnio para quem deseje entender o significado da obra poética

para os projetos de construção da nação, ao longo dos últimos 200 anos. A viagem à Casa-

Museu de São Pedro de Moel enriquece-se de sentido para todos aqueles que ambicionem

perceber a construção das regiões portuguesas, bem como da história nacional. A partir dela

contempla-se a fronteira atlântica, o mar das descobertas, que permitiu a um país pequeno em

território mas de uma alma infinita, dar novos mundos ao mundo.

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Notas
1
Sobre o mito sebastianista em Portugal, na obra de Fernando Pessoa, veja-se Sebastianismo

e Quinto Império, editado por Jorge Uribe e Pedro Sepúlveda pela editora Ática, Lisboa, em

2012.
2
Veja-se o volume do Guia de Portugal correspondente à Estremadura, Alentejo e Algarve.

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