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Estas funções não estão listadas em ordem de importância. Para algumas pessoas, uma
ou algumas dessas funções serão mais importantes que as outras. Mas essa hierarquia
mudará de acordo com quem você é e com o que quer fazer. Nenhuma performance
exerce todas esssas funções, mas muitas enfatizam mais de uma. Muito raramente uma
performance focaliza uma única função, ou mesmo duas. Uma demonstração de rua ou
uma peça propagandística pode ser prioritariamente voltada para ensinar-persuadir-
convencer, mas também tem que entreter e pode, igualmente, estimular a comunidade.
Xamãs curam, mas também entretém, estimulam a comunidade e lidam com a esfera do
sagrado/demoníaco. A postura de um médico ao lado da cama do paciente é uma
performance de encorajamento, ensino e cura. As missas de uma igreja Cristã
Carismática curam, entretém, mantêm a comunidade solidária, invocam a ambos, Deus
e o demônio e, se o sermão for tolerável, às vezes ensinam também. Se alguém durante
a missa declara ter se encontrado com Jesus e renascido, sua identidade é, então,
marcada e modificada. O presidente falando à nação, quer convencer e estimular a
comunidade – mas é melhor que entretenha o público se quiser que o ouça. Rituais
tendem a ter o máximo número de funções, enquanto as produções comerciais têm o
mínimo. Um musical da Broadway vai entretê-lo, e pouco mais do que isso. Essas sete
funções são melhor representadas como esferas que interagem e se sobrepõe como
numa network. Obras inteiras, e até gêneros de obras performáticas, podem ser
moldados para funções bem específicas. Há exemplos de performances políticas ou
propagandísticas em todo o mundo. O Teatro Campesino da Califórnia, criado nos anos
1960 para apoiar imigrantes mexicanos que trabalhavam em fazendas no calor de uma
greve bastante conflituada, estimulou a solidariedade entre os grevistas, educou-os a
respeito das questões implicadas no movimento, atacou seus patrões e também os
entreteve. Grupos como o Greenpeace e o Actup usam a performance como parte de sua
militância por uma ecologia humana mais saudável ou para angariar fundos para
pesquisa e tratamento da AIDS. "Teatro para o desenvolvimento", como praticado na
África, Ásia e América Latina, educam pessoas sobre uma vasta gama de temas, do
planejamento familiar e prevenção de doenças, até a irrigação de plantios e a proteção
de espécies ameaçadas. O Teatro do Oprimido de Augusto Boal (1931), fortalece os
espectadores, estimulando-os a encenar, analizar e mudas suas situações de vida. O
Teatro do Oprimido de Boal é, de certo modo, baseado na obra de Brecht,
especialmente na sua Lehrstucke (Espetáculos de Aprendizado) que ele produziu nos
anos 1930, tais como As medidas tomadas ou A exceção e a regra. Durante a Revolução
Cultural Chinesa, que ela mesma ajudou a orquestrar, Jiang Qing (1914 – 1991)
produziu uma série de "óperas modelo", cuidadosamente forjadas para educar, entreter e
são extremamente porosas, não apenas para as pessoas, mas sobretudo para informações
e idéias. Os novos mapas não podem ser desenhados porque o que precisa ser
representado não são territórios, mas networks de relacionamentos. Mapeá-las requer
complexas redes de afluentes de números que estão sempre alterando sua forma e valor.
A noção de referencias fixos para o mundo tem estado sob ataque desde 1927, quando
Werner Heisenberg (1901-1976) propôs o seu "princípio da incerteza". Poucas pessoas
fora do círculo de físicos quânticos puderam de fato entender essa teoria. Mas a
incerteza ou a indeterminabilidade fez soar um sinal de alerta. Era uma metáfora
poderosa e apropriada para a época. Afetou o pensamento em várias disciplinas.
Estimulou o surgimento de um certo tipo de arte. John Cage (1912-1992) usou a
indeterminabilidade como base para sua música, influenciando toda uma geração de
artistas e teóricos em diversos campos do conhecimento. As fronteiras estão rarefeitas
de várias maneiras. Na internet, as pessoas participam sem esforço de um sistema que
transgride as fronteiras nacionais. Até mesmo os idiomas representam uma barreira
menor hoje do que antes. Você já pode se conectar e escrever na sua própria língua
sabendo que sua mensagem será traduzida na linguagem daquele a quem foi endereçada,
qualquer que seja ela. No presente, esse recurso está disponível para um número
reduzido de idiomas, mas o repertório de tradutibilidade aumentará. Logo, será um
hábito a comunicação entre chinês e mandarim, ou entre uma pessoa numa pequena
cidade para "n" outras pessoas a nível global. Além disso, para o melhor ou para o pior,
o inglês passou a ser mais um idioma global do que nacional. Na ONU, 120 países,
representando mais de 97% das populações do mundo, escolhem o inglês como meio de
comunicação internacional. A dissolução das fronteiras nacionais ocorre em relação aos
objetos manufaturados tanto quanto em relação à política e informação. Por exemplo: se
você dirige um carro norte-americano, japonês, alemão ou coreano, você pode acreditar
que ele vem do país cujo selo ele exibe. Mas onde foram manufaturadas suas partes
componentes? Onde o carro foi montado, onde foi desenhado? A marca do carro refere-
se a si própria, não a um local de origem. Carros japoneses são montados no Tenesse, e
a Ford possui linhas de montagem no Canadá, Europa e outros lugares. O México
abriga várias montadoras. Mas o que dizer das suas roupas? Observe as etiquetas
daquilo que você está vestindo agora. Será que seu vestido, camisa, jeans e sapatos vêm
do mesmo país? Você sabe onde eles foram costurados, por quem, a que preço e sob que
condições de trabalho? Mas, muito mais do que carros e roupas são transnacionais.
Culturas também estão rarefeitas. A globalização está acelerada. Aeroportos parecem os
mesmos em todo lugar; lanchonetes de fast food padronizadas estão disponíveis em
praticamente todas as grandes cidades do mundo. O cinema e a TV americanos são
vistos em todo o planeta. Mas, os Estados Unidos são, por sua vez, cada vez mais
interculturais tanto em termos de população quanto em termos de estilos de vida. A
profusão de festivais internacionais de artes e as trupes de artistas em turnê pelos quatro
cantos do mundo são um meio essencial para a circulação de diversos estilos de
performance. Estilos musicais híbridos como o world beat combinam sonoridades
africanas, asiática, latino-americana e européia na sua composição. Novos híbridos
emergem a cada momento. As pessoas discutem se toda essa mistura é boa ou má. Será
que globalização equivale a americanização? Questões sobre globalização e
performances interculturais têm suscitado importantes discussões. As funções da
performance
Nós abordamos o que é performance e o que pode ser estudado como performance. Mas,
o que a performance consegue realizar? É difícil estipular as funções da performance.
Através do tempo, e em diferentes culturas, têm havido várias propostas. Uma das mais
incluindo o próprio espaço cîenico como um domínio diferenciado, o abrir e fechar de
cortinas, as três chamadas antes do início do espetáculo… demarcam os limites entre a
vida e a arte. Quando as pessoas vão ao cinema, sabem que os universos sociais e
pessoais apresentados não são aqueles dos atores, mas dos personagens. Naturalmente,
este é o primeiro limite que a vanguarda e depois a mídia e a internet têm sabotado com
grande sucesso. Personalidades públicas costumam fazer crenças com relativa
freqüência – encenando efeitos que desejam que o público de suas performances
aceitem como reais. Quando o Presidente Americano assina um documento importante,
seus assessores encenam o ato no Salão Oval da Casa Branca, onde o Presidente pode
performar sua autoridade. Atrás dele uma platéia seleta de VIPs, incluindo o Vice-
Presidente. Um escudo presidencial de grandes proporções imprime no ambiente o
necessário patriotismo. Noutros momentos porém, o chefe da nação pode desejar ser
visto como um amigo, ou um vizinho camarada, conversando informalmente com os
seus concidadãos. Hoje em dia, todo mundo sabe que esses tipos de situações são
planejadas em seus mínimos detalhes. A presidência norte-americana hoje é – pelo
menos na sua face pública, uma performance totalmente roteirizada. As palavras do
Presidente são escritas por redatores profissionais de discursos, as bandeiras e objetos
cênicos, cuidadosamente confeccionados para obter o máximo efeito, o Chefe do
Executivo deve estar sempre bem ensaiado. O teleprompter irá garantir que o Presidente
pareça estar falando de improviso quando, na verdade, está lendo cada palavra. Cada
detalhe é coreografado, desde o modo como o Presidente olha para a câmera ou para a
sua audiência VIP num evento ao ar livre, até seu modo de gesticular com as mãos,
vestir-se e a própria maquiagem. O objetivo disso é fazer crenças – primeiro,
construindo as bases para a fé pública no Presidente e, segundo, sustentando a fé do
Presidente em si mesmo. Suas performances convencem a ele próprio na medida em que
ele luta para convencer a outros. É possível argumentar que o Presidente é um homem
importante em virtude de sua posição e autoridade. Mas dado o crescimento
exponencial da mídia, hordas de cidadãos comuns têm entrado no negócio de fazer
crenças. Alguns são verdadeiros camelôs midiáticos, vendendo de utensílios culinários e
ginástica do bumbum durinho, até a salvação eterna pelo poder inquestionável do
sangue de Jesus. Outros são os famosos âncoras de telejornais, cujos rostos e vozes
familiares seguram a audiência através das notícias que se sucedem. Outros ainda são
experts – economistas, juristas, generais da reserva – cuja autoridade se deve somente à
freqüência de suas aparições. Há também os mestres do marketing, contratados por
políticos e corporações para transformar más notícias em boas. Como produtores agindo
nos bastidores, seu trabalho é garantir que, o que quer que aconteça, seja dramatizado o
bastante para atrair espectadores. Quanto maior a audiência, mais alto o investimento
dos anunciantes. Algumas notícias são dramáticas por si sós – como desastres, guerras,
crimes e julgamentos. Mas, os mestres da mídia aprenderam a dramatizar até mesmo o
mercado de ações e a meterorologia. Como construir um angulo de interesse humano
em cada história? Os produtores sabem que as mesmas notícias estão disponíveis em
vários veículos, então seu trabalho é desenvolver atrações paralelas instigantes.
Paradoxalmente, o resultado disso é um público cada vez mais difícil de enganar. Com
tantas performances à vista, o espectador vira um astucioso e sofisticado desconstrutor
das técnicas teatrais que são empregadas para seduzi-lo. Fronteiras rarefeitas
O que dizer das muitas performances da vida diária? Desempenhar papéis profissionais,
papéis relacionados ao gênero ou raça que modelam a identidade de cada um de nós não
são ações de faz-de-conta, pelo menos não do modo como seria a repesentação de
papéis num filme ou palco. As performances do cotidiano fazem crenças – criando a
própria realidade social que é encenada. Nas performances que fazem crer, a distinção
entre o que é real e o que é faz-de-conta é sempre clara. Crianças brincando de médico
sabem muito bem que estão apenas fazendo-de-conta. No palco, várias convenções,
tornou-se, hoje, cultura hegemônica. A lista de movimentos avant garde é extensa,
incluindo realismo, naturalismo, simbolismo, futurismo, surrealismo, construtivismo,
dadaísmo, expressionismo, cubismo, teatro do absurdo, happenings, Fluxus, teatro
ambiental, arte da performance… e mais. Às vezes, obras feitas em alguns desses estilos
são consideradas como teatro, às vezes dança, música, artes visuais, multi-mídia. Não
raro, eventos foram atacados como não sendo nenhuma forma de arte – como ocorreu
com os Happenings, antecessores da arte da performance. Allan Kaprow, criador do
primeiro Happening, viu aí a oportunidade de se criar um lugar para o que ele chamava
de "arte-como-vida". "Arte da performance" foi um termo cunhado nos anos 1970 como
um guarda-chuva para obras que, de outro modo, resistiriam à categorização. O
resultado disso é que hoje, muitos eventos que não seriam formalmente pensados como
arte ou performance – agora são assim designados. Esses tipos de ação são performadas
diariamente, não apenas no Ocidente. Essas referências retroativas são bem complicadas.
O trabalho de um japonês dançarino de Butô pode influenciar a obra de um coreógrafo
alemão, cujas danças são, por sua vez, ealaboradas por um performer Mexicano… e
assim por diante, sem limites definidos entre culturas e nacionalidades. Por trás de uma
obra de arte composta, há um mundo confuso, feito de performances acidentais e
incidentais. Webcams exibem na internet o que as pessoas fazem dentro de casa. TVs
formatam notícias como entretenimento. Teóricos da performance argumentam que a
vida diária é performance, e cursos são ministrados sobre a estética do cotidiano. Hoje,
dificilmente existe atividade humana que não seja uma performance para alguém, em
algum lugar. De um modo geral, a tendência do século passado foi dissolver as
fronteiras entre a performance e a não-performance, a arte e a não-arte. De um lado,
desse espectro está muito claro o que é uma performance, o que é uma obra de arte; do
outro lado, essa clareza não existe. Como se fosse performance
Performances ocorrem em oito tipos de situações, algumas vezes distintas, outras vezes
intersectadas uma à outra:
Essas reflexões nos levam às seguintes questões: Onde ocorre a performance? Uma
pintura ocorre num objeto físico, uma novela ocorre em palavras. Mas uma performance
(mesmo quando partindo de uma pintura ou de um romance) ocorre apenas em ação,
interação e relação. A performance não está em nada, mas entre. Deixem-me explicar.
Um performer do dia-a-dia, num ritual, num jogo ou nas artes performáticas
propriamente ditas, faz/mostra algo – performa uma ação. Por exemplo: uma mãe leva a
colher até sua própria boca e então à do bêbe, para ensiná-lo a comer mingau. Aí, a
performance é o ato de levar a colher à própria boca, e depois à boca do bebê. O bebê é,
de início, espectador da performance da mãe. Num dado momento ele se torna um co-
performer, à medida em que pega a colher e repete a ação, de início errando a direção da
boca e besuntando o rosto com o alimento. Papai filma todo o evento. Mais tarde, talvez
anos depois, o bebê seja uma mulher adulta, mostrando à sua filha um vídeo do dia em
que sua mamãe aprendeu a usar a colher. Assistir a esse vídeo é uma outra performance,
existindo na complexa relação entre o evento original, a memória dos avós (velhos ou
até mortos), e a fruição do momento presente, em que a mãe aponta para a tela dizendo:
"Aquela é a mamãe quando tinha sua idade!" A primeira performance ocorre entre a
ação de mostrar à criança como usar a colher e a reação desta à ação da mãe. A segunda
performance ocorre entre o vídeo da primeira e a recepção desta por ambas – a mãe
(então bebê) e sua própria filha. O que é verdadeiro, para esta performance de home-
video, vale para todas as outras performances. Tratar qualquer objeto, obra ou produto
como performance – uma pintura, um romance, um sapato, ou qualquer outra coisa –
significa investigar o que esta coisa faz, como interage com outros objetos e seres, e
como se relaciona com outros objetos e seres. Performances existem apenas como ações,
interações e relacionamentos.
Em 1999, um anúncio de página inteira no New York Times vendia um Cadillac Seville.
Bill Parcels (1941), legendário treinador de futebol americano, olhava fixamente para os
leitores. Um de seus olhos estava imerso numa sombra que se mesclava ao fundo da
É muito importante que distingamos estas noções umas das outras. Ser pode ser ativo ou
estático, linear ou circular, expandido ou contraído, material ou espiritual. Ser é uma
categoria filosófica apontando para qualquer coisa que as pessoas teorizem como
realidade última. Fazer e mostrar-se fazendo são ações. Fazer e mostrar estão sempre
num continuum, sempre mudando o universo pré-socrático de Heráclito (535-475 AC)
que disse que "Ninguém pode pisar duas vezes o mesmo rio, nem tocar uma substância
mortal duas vezes na mesma condição" (fragmento 41). O quarto termo, explicar ações
demonstradas, é um esforço reflexivo para compreender o mundo da performance e o
mundo como performance. Esse tipo de compreensão é o trabalho dos críticos e
acadêmicos. Todavia, no teatro Brechtiano, em que o ator se afasta do personagem para
comentar suas ações, e nas performances construídas através de uma perspectiva crítica,
como Couple in a Cage (1992), de Guillermo de la Peña (1955), e Coco Fusco (1960) –
a performance se dá de forma reflexiva.
Performances
O que dizer das ações que são, aparentemente, exercidas apenas uma única vez – os
happenings de Allan Kaprow (1927), por exemplo, ou uma ocorrência corriqueira como
cozinhar, vestir-se, caminhar, conversar com um amigo? Até mesmo estas são
construídas a partir de comportamentos préviamente exercidos. De fato, a própria
redundância das ações cotidianas é precisamente o que constitui a sua familiaridade, a
sua qualidade de ação construída a partir de pedaços de comportamentos, rearranjados e
modelados de modo a produzir um efeito determinado. A arte cotidiana – como Kaprow
denomina várias de suas obras – é próxima da vida diária. A arte de Kaprow sublinha e
destaca comportamentos ordinários com sutileza – conduzindo a atenção para o modo
como uma refeição é preparada, ou observando as pegadas deixadas por alguém ao
caminhar no deserto. Prestar atenção em ações simples, performadas no momento
presente, é desenvolver uma consciência Zen em relação ao que é comum e honrar o
que é ordinário. Honrar o que é ordinário é observar quão ritualística é a vida diária, e o
O que é Performance
Richard Schechner
Tradução Dandara
No contexto dos negócios, do esporte ou do sexo, dizer que alguém fez uma boa
performance é afirmar que tal pessoa realizou aquela coisa conforme um alto padrão,
que foi bem sucedida, que superou a si mesma e aos demais. Na arte, o performer é
aquele que atua num show, num espetáculo de teatro, dança, música. Na vida cotidiana,
performar é ser exibido ao extremo, sublinhando uma ação para aqueles que a assistem.
No século XXI, as pessoas têm vivido, como nunca antes, através da performance.
Fazer performance é um ato que pode também ser entendido em relação a:
Ser
Fazer
Mostrar-se fazendo
Ser é a existência em si mesma. Fazer é a atividade de tudo que existe, dos quazares aos
entes sencientes e formações super galáticas. Mostrar-se fazendo é performar: apontar,
sublinhar e demonstrar a ação. Explicar ações demonstradas é o trabalho dos Estudos da
Performance.