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MULHERES // SÉCS.

XIX-XX

CAROLINA MICHAËLIS DE VASCONCELOS


A alemã que nos mostrou a nossa cultura
Veio pôr ordem nos estudos filológicos num país cujo povo considerava
com tendência para o «deixar andar»
Por Mariana Almeida Nogueira

C
arolina Michaëlis de nessa altura o ensino superior
Vasconcelos foi uma vedado às mulheres, tem «por
pioneira. Além de ter mestres apenas os livros», con-
sido a primeira mu- ta a própria em Lições de Filo-
lher a dar aulas numa logia Portuguesa.
universidade em Por- É precisamente com a ajuda
tugal, «fez escola», nas palavras dos livros e de um professor do
da professora e filóloga Maria seu antigo colégio, Carl Gol-
Manuela Gouveia Delille, e «foi dbeck, que, a partir de 1867, a
uma revolucionária no campo da jovem Carolina, especialmente
filologia portuguesa». dotada para a assimilação de
Qual arqueóloga minuciosa, línguas estrangeiras, aprende
a alemã escavou o passado em e aperfeiçoa o árabe, as línguas
busca de fontes históricas que germânicas e eslavas, o sânscri-
confirmassem a autoria de uma to, as línguas e literaturas se-
série de textos da literatura clás- míticas, o provençal, o francês
sica portuguesa e ajudassem a antigo e o espanhol, publicando
traduzi-los com precisão. ainda, em revistas científicas
Foi assim que, como sublinhou alemãs, vários trabalhos filoló-
em 1956 o professor Albin Eduard gicos sobre as línguas e literatu-
Beau, por ocasião da inauguração ras italiana e espanhola.
de uma exposição comemorativa É então que, em 1872, «há
da filóloga no Instituto Alemão uma viragem decisiva para
de Lisboa, «desenterrando te- assuntos portugueses», subli-
souros há muito olvidados, de- nha Maria Manuela Delille.
cifrando preciosos pergaminhos O trabalho da filóloga alemã
e interpretando os valores da chamou a atenção de Teófilo
língua e da poesia, pelos méto- Braga, Francisco Adolfo Coe-
dos adquiridos na Alemanha e lho e Joaquim de Vasconcelos,
na França, ela contribuiu para três jovens eruditos que, entre
Em família Carolina com os netos mais velhos, Manuel e Joaquim
restituir à sua pátria adotiva e Ernesto, em 1911 1873 e 1875, editam, no Porto,
para revelar a todo o mundo culto a revista Bibliografia Crítica de
grande e valiosa parte do quinhão português Michaëlis, professor de Fonética e Estenogra- História e Literatura.
no património da cultura europeia». fia na Universidade de Berlim, Carolina «lia Os três intelectuais, que consideram Ca-
tudo o que lhe ia parar às mãos», conta Maria rolina «uma senhora [..] dotada de conheci-
Uma autodidata Assunção Pinto Correia em O Essencial sobre mentos mais técnicos da erudição peninsular
Carolina Michaëlis nasceu em Berlim a 15 de Carolina Michaëlis de Vasconcelos. e guiada por métodos inabaláveis da filologia
março de 1851 e era a mais nova de cinco ir- A curiosidade de Carolina parece ter sido o moderna», convidam-na para colaborar na
mãos de uma antiga família protestante. Filha motor essencial da vasta obra que produziu revista. Mantêm também uma troca de cor-
de Henriette Louise Lobeck, descente de uma ao longo da vida. Aos 16 anos, após deixar respondência com a alemã, a qual é mais
conhecida linhagem de editores, e de Gustav o colégio feminino onde estudava, e estando frequente com o musicólogo e historiador de

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