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Impactos invisíveis da atividade mineradora: testemunhos dos

territórios-alvo do projeto de instalação da Mina Guaíba.

Vitória Battisti da SILVA 1


José Carlos Moreira da SILVA FILHO 2
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS

RESUMO

Recentemente, foi possível verificar um crescente interesse do mercado minerador quanto


às reservas gaúchas. Quanto ao carvão, mais especificamente, o projeto de instalação da
Mina Guaíba ganhou grande repercussão. Caso instalada, a 15 quilômetros do centro de
Porto Alegre, nos municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas, seria a maior mina de
carvão a céu aberto da América Latina, com cerca de 5.000 hectares. A atividade retiraria
de seus territórios as populações indígenas Guarani Tekoá Guajayví e Tekoá Pekuruty,
os e as integrantes do loteamento Guaíba City e do Assentamento Apolônio de Carvalho.
Após grande pressão e organização da sociedade civil, o processo foi arquivado, situação
impulsionada pela judicialização do caso. Entretanto, tem-se conhecimento de que a
articulação e pressão realizadas pela empresa Copelmi a fim de obter êxito em sua
intenção foram intensos sobre os e as moradoras do local. Apesar do desfecho vitorioso
à sociedade e aos movimentos sociais, o resultado não é definitivo, podendo ser reativado
em momento futuro. Assim, delimita-se o presente problema de pesquisa: O processo de
instalação da Mina Guaíba foi gerador de dano social? Em caso positivo, quais danos são
verificados? Para responder ao problema, propõe-se realizar pesquisa empírica qualitativa
de tipo abdutivo, através de entrevistas abertas temáticas com habitantes do território-
alvo de instalação da mina. Em seguida, para análise do material coletado, propõe-se a
utilização do método de reconstrução de entrevista (Rosenthal, 2014). Entende-se que os
métodos empregados tem capacidade de apreender não apenas o sentido manifesto pelos

1
Mestranda em Ciências Criminais (PUCRS), graduada em Ciências Jurídicas e Sociais na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com período de mobilidade acadêmica no Institut d’Études
Politiques de Rennes, na França. Bolsista do Programa Institucional PRO-Stricto. E-mail:
vbattistidasilva@gmail.com
2
Orientador. Doutor em Direito pela universidade Federal do Paraná, com pós-doutorado na Universitat
de Barcelona. Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUC-RS.
e pelas entrevistadas, mas também seu sentido latente, extraído a partir do contexto e
ordem em que as informações são transmitidas, sendo adequados aos objetivos
específicos de (1) aprofundar a pesquisa no campo teórico a que se propõe, para que seja
possível (2) mapear a ocorrência ou não de dano social a partir do caso estudado e (3)
identificar de que forma é possível classificá-los. Como aporte teórico para a realização
da pesquisa, lança-se mão do campo de estudo acerca dos Crimes dos Poderosos. Como
um desdobramento do conceito de “crime de colarinho branco” (Sutherland, 1940), eles
podem também ser praticados por Estados e seus representantes, sendo uma categoria
que demanda abordagem zemiológica (Rothe, Kauzlarich, 2018), além de compreendida
como um conceito guarda-chuva, marcado pelo entendimento da dinâmica e das
estruturas de poder, interesses e influência entre Estado e Corporações. No sentido de
complexificar a discussão, tem-se como aporte também a Criminologia Verde, uma vez
que ela vai além dos limites legais estabelecidos pelo Estado (Michalowski, 2018), sem
buscar a expansão da tutela penal (Karam, 1996), adotando o conceito de dano social no
lugar do crime (Silva Filho, 2022), que permite compreender a complexidade de episódios
ambientais (Lynch, 1990), com foco na visibilidade das vítimas (Budó, 2017; Natali,
2014; Colognese, 2018), sobretudo a partir do Sul Global (Rodriguez Goyez, 2021). Por
fim, apresenta-se como instrumentos de análise as proposições da Justiça de Transição,
entendida como um conjunto de alternativas para o aprofundamento permanente da
democracia e respeito aos Direitos Humanos (Oliveira; Silva Filho, 2022), pautada pela
justiça, verdade, reparação e memória (Abrão, Genro, 2022). Tal abordagem possibilita a
valorização da experiência vivida enquanto construção histórica, social, política e coletiva
para que se estruturem novas formas de amparo, reparação e não-repetição (Silva Filho,
2022). Assim, além da identificação de quais são os possíveis danos sociais causados pelo
episódio analisado – aspecto caro à Criminologia Verde –, os resultados da presente
pesquisa podem ser utilizados no sentido de proporcionar maior proteção às populações
vulnerabilizadas, sobretudo aquelas em locais de interesse de grandes corporações, para
que seja possível não apenas repará-los, mas também evitá-los.

PALAVRAS-CHAVE: Criminologia Verde; Crimes dos Poderosos; Justiça de


Transição; mineração; testemunho.

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