Você está na página 1de 5

26/04/2021 Entre a Biopolítica e o Necropoder – Justificando

  
HOME | COLUNAS | PODCASTS | LIVROS | PROGRAMAS | CONTATO | PANDORA |

 Home » Artigos » Entre a Biopolítica e o Necropoder 

RECENTES

Quarto de despejo 4.0: os ecos


da escravidão ...
22 de abril de 2021

Operação Lava-Jato e
Independência judicial: ...
22 de abril de 2021

Eduardo Pereira da Silva: Os


Quinta-feira, 2 de abril de 2020
gorilas invisíve...
20 de abril de 2021

Entre a Biopolítica e o Necropoder Reginaldo Melhado: Trabalho


escravo e morte n...
15 de abril de 2021

Arte: Ivy Frizo/Justificando


Por que precisamos falar sobre
a vacina da CO...
15 de abril de 2021
Por Marcelo Herval Macêdo Ribeiro e Roberto Barbosa de Moura
Thiago Pagliuca dos Santos:
Para que serve o ...
14 de abril de 2021
Esta é a primeira parte de um artigo dividido em dois. Num primeiro momento,
desenvolveremos algumas considerações gerais a respeito da noção de biopolítica e de como Eduardo Pereira da Silva: Breve nota sobre
esta se relaciona ao crescente fenômeno de pandemia da COVID-19. Em seguida, passaremos a o ...
13 de abril de 2021
uma análise mais particular concernente às relações entre as mortes causadas pelo vírus e as
técnicas políticas de extermínio, à luz da teoria da necropolítica elaborada pelo intelectual Sobre Céu e Terra: “Descansar a
camaronês Achille Mbembe. vista até ond...
8 de abril de 2021

Como se produzem corpos


“violentáveis”?
8 de abril de 2021
O ano de dois mil e vinte principiou com um cenário cujo enredo parece ter sido extraído de
uma engenhosa obra de distopia. Ruas e avenidas que antes assistiam a um incessante tráfego Justiça e ditadura: notas acerca
do legado au...
de veículos e transeuntes quedaram-se desertas; pessoas se viram na necessidade de permanecer 7 de abril de 2021
isoladas em suas residências, em regime de confinamento e quarentena; escolas, universidades e
shopping centers foram todos fechados; aqueles a quem não foi conferida a possibilidade de
permanecer confinados valeram-se dos meios necessários para afugentar o quanto possível o
inimigo invisível que se lhes rodeava: máscaras, luvas e materiais antissépticos passaram a
compor alguns dos itens essenciais deste “kit de sobrevivência” — o que talvez explique o
exacerbado aumento de até 700% [1] no valor de produtos como álcool em gel (mais uma
demonstração das pretensas benesses operadas pela “virtuosa” mão invisível do mercado…).

O elemento subjacente a todo esse cenário aparentemente escatológico escapava, no entanto, a

a d
409 qualquer previsibilidade mais apurada. Trata-se de uma nova enfermidade viral altamente
SHARES J * 

https://www.justificando.com/2020/04/02/entre-a-biopolitica-e-o-necropoder/ 1/5
26/04/2021 Entre a Biopolítica e o Necropoder – Justificando

HOME | COLUNAS | PODCASTS | LIVROS | PROGRAMAS | CONTATO | PANDORA |


O presente texto, longe de qualquer pretensão de exaurir o debate, pretende problematizar, à luz
de alguns aportes teóricos desenvolvidos pelo intelectual francês Michel Foucault e pelo
intelectual camaronês Achille Mbembe, qual racionalidade que subjaz e configura o imaginário
coletivo e a práxis política relativamente a este novo e preocupante fenômeno de pandemia da
COVID-19.

Leia também:

Como a internet está matando a


democracia

A VIDA CAPTURADA PELA POLÍTICA E A EMERGÊNCIA DE UMA TÉCNICA DE


PODER CENTRADA NO SER BIOLÓGICO

Em meados dos anos 70, o intelectual francês Michel Foucault deslocou-se dos estudos que até
então vinha realizando acerca dos dispositivos disciplinares e passou a se debruçar em um novo
objeto de estudo. Preocupado, à época, em entender como determinadas transformações sociais
— especialmente a industrialização e a explosão demográfica — levaram ao surgimento de
novas tecnologias de poder, o autor desenvolveu um conceito que abarcasse a compreensão
acerca de fenômenos que passaram a ser levados a cabo a partir do final da segunda metade do
século XVIII e início do século XIX. Nesse sentido, utilizou-se do termo “biopolítica” para
caracterizar o conjunto de processos políticos, econômicos, sociais e científicos cujo domínio
fundamental repousava na preocupação com as relações entre a espécie humana, os seres
humanos enquanto espécie, enquanto seres vivos, e seu meio, seu meio de existência —
sejam os efeitos brutos do meio geográfico, climático, hidrográfico: os problemas, por exemplo,
dos pântanos, das epidemias ligadas à existência dos pântanos durante toda a primeira metade
do século XIX. E, igualmente, o problema desse meio, na medida em que não é um meio natural
e em que repercute na população; um meio que foi criado por ela. Será, essencialmente, o
problema da cidade.

Com efeito, tratava-se a biopolítica de uma tecnologia de poder que incidia fundamentalmente
não mais sobre o corpo individual (como ocorria com as anteriores técnicas disciplinares,
conquanto não houvessem estas sido superadas, porém complementadas), mas, sim, sobre “uma
massa global, afetadas por processos de conjunto que são próprios da vida […] como o
nascimento, a morte, a produção, a doença etc.”[5], em síntese, incidiam em face de uma
população, com o objetivo de identificar, escrutinar, medir e calcular a ocorrência dos
fenômenos ligados à vida e à morte, no nível exato em que eles ocorriam, suas dimensões e
efeitos relativamente a esta massa global.

409
SHARES a d J * 

https://www.justificando.com/2020/04/02/entre-a-biopolitica-e-o-necropoder/ 2/5
26/04/2021 Entre a Biopolítica e o Necropoder – Justificando

Nesse sentido, a biopolítica, em particular, e o biopoder em geral (cujo limitado espaço deste
HOME | COLUNAS | PODCASTS | LIVROS | PROGRAMAS | CONTATO | PANDORA |
artigo não nos permite desenvolver mais profundamente as distinções concernentes aos dois
termos), podem ser compreendidos como um conjunto de tecnologias que, ao contrário das
vetustas técnicas soberanas que possuíam como elemento distintivo primordial a faculdade de
“fazer alguém morrer ou deixar alguém viver” — por meio, entre outros, de mecanismos como o
suplício e as execuções públicas —, passará, então, a partir de estratégias regulatórias, a “fazer
alguém viver ou deixar alguém morrer”. Explica Foucault:

A soberania fazia morrer e deixava viver. E eis que agora aparece um poder que eu chamaria de regulamentação

e que consiste, ao contrário, em fazer viver e em deixar morrer […] agora que o poder é cada vez menos o direito de

fazer morrer e cada vez mais o direito de intervir para fazer viver, e na maneira de viver, e no “como da vida”, a partir do

momento em que, portanto, o poder intervém sobretudo nesse nível para aumentar a vida, para controlar seus

acidentes suas eventualidades, suas deficiências, daí por diante a morte, como termo da vida, é evidentemente o

termo, o limite, a extremidade do poder.[6]

O questionamento que cumpre responder, nesta linha de raciocínio, é: qual a relação entre as
tecnologias de poder biopolítica, que aspiram à maximização da vida, e a crescente pandemia de
COVID-19 observada mundialmente? Comecemos pelo exemplo da Itália.

A Sociedade Italiana de Anestesia, Analgesia, Reanimação e Terapia Intensiva (Siaarti)


divulgou um documento oficial [7] consignando algumas recomendações que os médicos
italianos deverão observar no que se refere aos critérios de escolha das pessoas que vão
sobreviver (em outros termos, das que serão “feitas viver”) relativamente àquelas que
provavelmente morrerão (ou serão “deixadas morrer”). Entre as recomendações, consta a
necessidade de estabelecer um limite para admissão nas Unidades de Tratamento Intensivo
(UTI), de modo a “maximizar os benefícios” e privilegiar as pessoas com maior chance de
sobrevivência — como as pessoas mais jovens ou com maior expectativa de vida.

Trata-se, essencialmente, de uma escolha biopolítica: a partir de cálculos estatísticos,


empreende-se um raciocínio atuarial visando a maximizar a vida daqueles a quem se imagina ter
mais chances, escapando, no entanto, dos benefícios deste empreendimento — e situando-se,
por conseguinte, na extremidade do poder — aquelas pessoas cujas chances são diminutas, a
quem outra opção não restará conferida senão a própria sorte.

Para além deste paradigmático exemplo, pode-se mencionar as aceleradas tentativas de


desenvolvimento de uma vacina eficaz contra o novo coronavírus. A esse respeito, afirmará
Foucault que a medicina e a higiene — na busca de técnicas de imunizatórias — se constituirão
como os mais relevantes saberes destinados à maximização das potencialidades do corpo —
tanto o corpo em sua perspectiva orgânica, individual, e disciplinar, portanto, quanto em seu viés
social, massivo, populacional, regulamentador em suma. Afirma o autor: “a medicina é um
saber-poder que incide ao mesmo tempo sobre o corpo e sobre a população, sobre o organismo e
sobre os processos biológicos e que vai, portanto, ter efeitos disciplinares e efeitos
regulamentadores”[8].

Mas e quando esse saber-poder não consegue atingir a todos equitativamente? O que dizer,
então, das populações cujo acesso à saúde é francamente negado, ou, quando possível de
acessar, largamente sucateado? E aquelas pessoas a quem não se consegue (ou melhor, não se
deseja) maximizar a vida? É neste ponto que se insere o paradigma do racismo e da
necropolítica, que será melhor trabalhado na segunda parte deste artigo.

Marcelo Herval Macêdo Ribeiro é advogado. Mestrando em Direito pela Universidade Federal
de Alagoas (UFAL). Vice-presidente da Comissão de Estudos Criminais da OAB/AL.

a
409 Coordenador adjunto do Grupo de Estudos em Ciências Criminais e Direitos Humanos do
SHARES d J * 

https://www.justificando.com/2020/04/02/entre-a-biopolitica-e-o-necropoder/ 3/5
26/04/2021 Entre a Biopolítica e o Necropoder – Justificando

IBCCRIM/AL. Membro do Grupo de Pesquisa Biopolítica e Processo Penal. Membro do Fórum


HOME | COLUNAS | PODCASTS | LIVROS | PROGRAMAS | CONTATO | PANDORA |
Popular de Segurança Pública de Alagoas (FPSP/AL).

Roberto Barbosa de Moura é advogado. Coordenador Adjunto do Instituto Brasileiro de


Ciências Criminais – IBCCrim em Alagoas. Membro do Grupo de Pesquisa Biopolítica e
Processo Penal – Unit/AL. Membro do Fórum Popular de Segurança Pública – FPSP/AL.
Secretário-Adjunto da Comissão de Estudos Criminais da OAB/AL. Coordenador do
Laboratório de Ciências Criminais do IBCCrim/Unit/AL.

O Justificando não cobra, cobrou, ou pretende cobrar dos seus leitores pelo acesso aos seus
conteúdos, mas temos uma equipe e estrutura que precisa de recursos para se manter. Como
uma forma de incentivar a produção de conteúdo crítico progressista e agradar o nosso
público, nós criamos a Pandora, com cursos mensais por um preço super acessível (R$
19,90/mês).

Assinando o plano +MaisJustificando, você tem acesso integral aos cursos Pandora e ainda
incentiva a nossa redação a continuar fazendo a diferença na cobertura jornalística nacional.

[EU QUERO APOIAR +MaisJustificando]

Notas:

[1] https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/03/04/coronavirus-para-evitar-precos-abusivos-

franca-tabela-preco-de-alcool-gel.htm

[2] https://exame.abril.com.br/ciencia/taxa-de-letalidade-do-coronavirus-no-mundo-e-de-374/

[3] https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-tem-92-mortes-por-novo-coronavirus-segundo-ministerio-da-

saude,70003250799

[4] FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes,

2005, p. 294.

[5] FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes,

2005, p. 289

[6] FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes,

2005, p. 294.

[7] SIAARTI. Clinical Ethics Recommendations For The Allocation Of Intensive Care Treatments, In Exceptional,

Resource-Limited Circumstances. Disponível em: <http://www.siaarti.it/SiteAssets/News/COVID19%20-

%20documenti%20SIAARTI/SIAARTI%20-%20Covid-19%20-%20Clinical%20Ethics%20Reccomendations.pdf>.

Acesso em 29 de março de 2020.

[8] FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes,

2005, p. 302.

 Achille Mbembe Biopoder biopolitica covid-19 michel foucault Necropolítica

Quinta-feira, 2 de abril de 2020


    

 Os ideários neoliberais frente à Resiliência, desigualdades e a

CONTEÚDO MENTES QUEM SOMOS FAÇA PARTE ANUNCIE CONTATO

INQUIETAS
Notícias Colunistas Apresentação Envie seu Artigo Apoiadores Justificando Conteúdo Cultural LTDA

Artigos Colunas Corpo Editorial Normas de Seja um apoiador

Entrevistas 409
SHARES a Publicação
d J *
redacao@justificando.com 

https://www.justificando.com/2020/04/02/entre-a-biopolitica-e-o-necropoder/ 4/5
26/04/2021 Entre a Biopolítica e o Necropoder – Justificando
Livros Aproximadamente 1.5 milhões de visualizações Facebook Twitter
HOME | mensais
COLUNAS | PODCASTS
e mais de 175 mil |curtidas
LIVROSno| PROGRAMAS | CONTATO | PANDORA |
Advocacia Digital
Facebook.

ISSN: 2527-0435 - Justificando.cartacapital.com.br - 2017 Notícias Artigos Entrevistas Livros

409
SHARES a d J * 

https://www.justificando.com/2020/04/02/entre-a-biopolitica-e-o-necropoder/ 5/5

Você também pode gostar