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Nos planetas de Ana e Matheus

Hoje é uma segunda-feira chata, calma, e cinza, de abril. No refeitório a gente sente o
cheiro do café de filtro feito pela senhora de olhar ranzinza nos encarando, André, meu
colega, se senta ao meu lado, são nove horas da manhã e ele tenta puxar assunto.
- Iai cara? Hoje ela vem te visitar, não é? – Ele me pergunta colocando os braços sobre a
mesa.
- Infelizmente sim. Eu não sei porquê ela ainda vem, eu sequer a respondo direito. – Eu
respondo frustrado ao meu companheiro que se levanta, sai, e em poucos segundos retorna
com dois copos de café e me entrega um. Eu sigo deprimente, volto para o cubículo, o
relógio caminha, e então já são meio dia, e com poucos minutos de atraso chega uma
garota branca e magra, de cabelos ruivos, com um sorriso branco lindo e bem esboçado
como se ela chegasse a se esquecer que está dentro de um hospital psiquiátrico.
- Oii! Como andam as coisas? Melhor? – Ela me pergunta, animada, cheia de alegria e
expectativa.
- As coisas não mudam muito por aqui. – Respondo-a, seco, deprimido, encarando o teto ao
invés de seu rosto esbelto. Ela se curva na cadeira encarando o teto, em seguida, continua.
- Aiai, tive um dia daqueles. Sabe o Otávio que eu te falei quando nos conhecemos? Então,
a gente tá se dando bem de novo. Não sei se vai valer a pena, mas ele é um cara legal... –
Ela continua após isso, assim como eu continuo a rezar para qualquer entidade existente a
apontar os dedos para a porra do relógio e fazer com que isso termine, e, por favor, logo. –
Nossa e também, eu e umas amigas novas do colégio saímos a noite, depois da praia, era
uma noite linda e... – Já é o segundo mês disso e eu interrompo a garota de uma vez por
todas.
- Ana, sério, por que você está aqui? – Eu indago.
- Eu vim pra ver você ué... – Ela responde confusa dando um sorriso.
- Não, Ana. Você não veio pra me ver. Você veio para eu te ver. – O sorriso da mesma
garota está começando a desaparecer.
- Como assim? – Agora, ela indaga.
- Ana... Você conversa comigo, para falar sobre você, suas conquistas, suas amigas e
amigos, seus rolês, até suas fodas, você não vem me ver, você vem pra que eu veja você,
eu não sou um amigo com problemas que você visita no hospital, eu sou o amigo que você
trata como diário para ditar como a sua vida é sem problemas.
- Não é bem assim! – Ela responde chateada.
- Não é? Quer saber o que eu fiz nos últimos quinze dias? Eu invadi o vestiário dos médicos
do hospital, dobraram as minhas sessões terapêuticas e limitaram o meu acesso no andar
inteiro.
- Eu não fazia ideia... por que fez isso? Você está bem? – Ela agora me pergunta
preocupada, tentando se aproximar de mim.
- Agora você quer saber se eu estou bem? Eu vou te dizer como eu estou. Eu estou no seu
pólo oposto. Não tenho amigos, não tenho família, não tenho namorado, não tenho
qualquer rede social para estar sempre ouvindo de outras pessoas como eu sou bonito,
inteligente, ou querido pelas mesmas porque é isso que você quer, é o que você deseja, ser
desejada. E sabe o que eu tenho? O que eu tenho são livros e poemas escritos a mão
sobre tudo aquilo que eu não tenho: sentimentos.
A garota se levanta, olha para o relógio, lacrimejando, ela sai do quarto, com o rosto mais
fechado do que as portas do final do corredor. E já são meio dia e quinze. Provavelmente
ela não vai mais voltar para me trazer um mundinho escurecido, com a sua estrela emitindo
seu egoísmo e narcisismo queimando minha alma frígida, solitária, vazia, melancólica...
Que por acaso, precisa muito de um estímulo verdadeiro.
- André! – Vou até o corredor e chamo, ele sai do cubículo ao lado.
- Opa. – Ele responde com pressa.
- Vamos tomar um café.

Fim.

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