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Fernando Corrêa de Azevedo

Aspectos Folclóricos do Paraná


(Continuação do primeiro número dos Cadernos)

Edição do Conselho Municipal de Cultura de Paranaguá

Curitiba • 1975
ASPECTOS FOLCLÓRICOS DO PARANÁ

(Continuação do primeiro número dos Cadernos)

Prof. Fernando Corrêa de Azevedo

"Fala-se muito nas massas e pretende-se, mesmo os


que as querem exaltar, que o problema é ministrar-lhes
apenas ideologias pelas quais se devem sacrificar. Vamos,
antes de doutrinar, conhecer o povo, compreendê-lo em
sua sabedoria, em sua ingenuidade, em sua beleza, aus-
cultar, através de seus mitos, das suas histórias, das suas
lendas, das suas artes e superstições, o seu grande cora-
ção, para aprender a linguagem com que o devemos co-
mover e orientar. E, conhecendo o povo, a nós mesmos
é que nos vamos conhecendo".

Renato Almeida
Ao CONSELHO MUNICIPAL DE CULTURA, de Para-
naguá, e ao Dr. JOSÉ LOUREIRO FERNANDES, dinâmico
diretor do Museu de Arqueologia e Artes Populares de
Paranaguá, a quem devo a publicação deste trabalho, o
meu melhor «agradecimento.

Agradeço também a valiosa colaboração emprestada


pelos meus amigos EDGARD CHALBAUD SAMPAIO, OL-
DEMAR BLASI, ARYON DALL'IGNA RODRIGUES, THEODO-
RO DE BONA, JORGE JOÃO FRANK, VLADIMIR KOZAK,
BENTO MOSSURUNGA, MARIO MACAGE, OSWALD LO-
PES, por minha esposa YOLANDA e meus filhos GILDA
MARIA e FERNANDO LUIZ.

O Autor.
DANÇA DAS BALAINHAS

(Continuação do 1.° Volume dos Cadernos)

Coleta feita na Colônia Maria Luísa, em 1953.

A dança das Balainhas, em Maria Luísa, segue-se ao Pau-de-Fita


dentro da representação do Boi-de-Mamão. É dançada pelos mesmos
pares que figuraram na dança anterior. É dança muito graciosa, bo-
nita e de singular efeito. Em Paranaguá é usada geralmente junto
com o Pau-de-Fita e dançada antes desta última.

O característico da dança é o emprego de arcos, com um diâ-


metro de pouco mais de um metro, feitos de cipó flexível (urupeva) e
ornados de papel de seda de cores.

Formam-se duas filas, de homens e mulheres (homens travesti-


dos), voltados todos para o mesmo lado, como duas filas indianas.
Os pares seguram os arcos, pegando cada um dos elementos numa
extremidade. Quando se inicia a dança, os participantes estão vi-
rados no sentido A-B, como esclarece o desenho. As duas filas põem-
se em marcha, no sentido A-B. Quando os pares chegam ao ponto
E-F, voltam para trás e marcham no sentido B-A, passando por den-
tro das duas filas. São portanto na realidade quatro filas, duas ex-
ternas e duas internas. As filas externas caminham no sentido A-B,
e as internas, no sentido B-A. Quando as filas infernas chegam ao
ponto C-D, voltam-se novamente e continuam nas filas externas. Os
arcos empunhados pelos pares das filas externas ora passam por
cima dos arcos e dos pares das filas internas que vêm em sentido
oposto, ora passam por baixo. Assim, o par C-D levanta os braços
de maneira que o arco fique bem alto. O par K-L, que marcha em
>entido contrário, aperta o seu arco e passa com ele sob o arco do
asai C-D. O par G-H, que é o mesmo par C-D depois que o par K-L
assou sob o seu arco, deverá agora encolher o próprio arco, para
assar debaixo do arco do par M-N. Assim, cada par de fila externa
issará ora por fora, ora por dentro dos arcos levados pelos pares
fila interna. A mesma coisa acontece com os pares das filas in-
nas. O par O-P passará sob o arco l-J, por cima do G-H, por baixo
do seguinte, etc, até atingir o ponto C-D e se converter em fila
externa.

Esse é o primeiro passo da dança.

Ao som de um violão, de um cavaquinho e de um pandeiro,


que fazem o acompanhamento musical, o marcador vai cantando os
solos:

Meus senhores que aqui estão,


Faz favor de apreciar
Esta nossa Balainha,
Que aqui vamos apresentar.

Aqui vamos apresentar,


No meio deste salão;
Seja bem ou seja mal,
É de minha obrigação.

É de minha obrigação
A Balainha apresentar.
É número da brincadeira
Para certo nós armar.

O marcador não dança. Com uma bengala na mão, ele dá voltas


em torno do bloco, comandando a dança e tirando os solos.

Depois de cada estrofe, os dançarinos cantam o estribilho:

Resposta:

Quero ver, quero ver,


Quero ver, quero tirar,
Quero ver a Balainha
Do jeito que vai ficar.

A resposta é sempre regularmente a mesma. Os solos, no en-


tanto, são mais ou menos improvisados no momento e na forma dos
que foram acima indicados.

A certa altura da dança, isto é, do primeiro passo descrito, o


marcador canta a ordem para "armar a Balainha". "Armar a Balai-
nha" é colocar os arcos uns por cima dos outros, de maneira que os
bailarinos formem um círculo que vai girando sem cessar, conforme
vai explicado no segundo passo.

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Ordem para "armar a Balainha":

Meu bloco que aqui estão:


Todos devem escutar,
No terminar de meu verso,
A Balaia imos armar.

Quando é dada a ordem para "armar a Balainha", os bailarinos


passam do primeiro para o segundo passo da dança. Os arcos vão
sendo sobrepostos uns aos outros, sem que os participantes da dança
larguem as suas extremidades. Assim os pares A-B, C-D, e E-F for-
mam uma roda, como esclarece a figura baixo. Essa roda vai gi-
rando num sentido, até ser dada a ordem para trocar de mão. Dada
a ordem, os dançarinos fazem meia-volta, trocam a mão com que es-
tavam segurando o arco e a roda passa a girar no sentido contrário.

Ordem para trocar de mão:

O povo de meu bloco,


Faz favor, preste atenção,
No terminar de meu verso
Nós imos trocar de mão.

Em seguida:

Nós já troquemos de mão,


A Balaia está armada.
Meu povo todos apreciem,
Não percisa pagar nada.

Chama-se, como se vê, Balaia, a figura resultante dos arcos so-


brepostos.

Depois da roda girar num e noutro sentido, é dada a ordem pa-


ra "desmanchar a Balainha":

Meu bloco que aqui estão,


Faz favor de me escutar:
No terminar o meu verso,
A Balaia imo desmanchar.
A essa altura desmancha-se a Balainha e voltam os pares a fa-
zer o primeiro passo, com que finda a dança.

Segue-se o desenho explicativo dos dois passos da dança:

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PRIMEIRO P A S S O

A "BALAINHA" ARMADA
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A Dançar das Balainhas, pelas aiunas do Instituto ds Educação, ds Curitiba.
BOi-DE-MAMÃO

Coleta feita em Paranaguá, em 1943,


e na Colônia Maria Luísa, em 1953.

No Boi-de-mamão da Colônia Maria Luísa tomam parte os se-


guii tes personagens:

a) o Vaqueiro
b) o Brincador
c) o Pai Mateus
d) o Cavaleiro
e) o Doutor
f) o Boi
g) o Barão
h) a Bernunça
i) o Velho
i) a Velha
k) o Cavalinho
D o Carneiro
m) a Mariola.
O Vaqueiro é o chefe da turma, o ensaiador do auto, o respon-
sável pela festa, o patrão do bloco. Suas vestes são especiais, de
modo a distinguí-lo do re-tante das figuras. Traz à cabeça um chapéu
de pano, alto, com fitas vermelhas e brancas. Usa uma bengala com
que vai batendo no chão, acompanhando o ritmo da música, enquan-
to puxa os solos do canto. Todos lhe obedecem. (Ele está sempre dan-
do voltas no meio do bloco, geralmente na frente, puxando o res-
tante da turma).

Brincador é o que fica abaixado sob a armação do boi. Repre-


senta um papel difícil, por ser muito penosa a sua posição.

O Pai Mateus brinca e pula atrás do boi. É uma espécie de pa-


lhaço, com roupas remendadas, um chapéu ridículo e um pano no
pescoço. Usa bengala e máscara e, quando fala, altera a voz, para
não se dar a conhecer. Aliás, quatro figuras usam máscaras: o Pai
Mateus, o Doutor, o Velho e a Velha. E todos quatro falam com voz
de falsete.

O Cavaleiro, como o nome indica, é o que vai montado no ca-


valinho.
O Doutor, a quem cabe a parte cômica do auto, é sempre rece-
bido com risadas e traz também um vestuário que provoque hilari-

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dade. Deve o papel ser representado por um indivíduo que tenha
desenvolvida veia humorística, pois ele é aguardado com ansiedade
e interesse, por causa da jocosidade que provocam suas atitudes e
palavras. Usa máscara e voz de falsete.

O Boi é assim constituído: a cabeça é uma autêntica caveira de


boi, com chifres e tudo. O corpo é formado por um tronco de pau,
no lugar da espinha, ao qual está presa uma armação de varas. Co-
brindo a armação vai um pano branco, que se alonga até o chão. So-
bre o pano estão pintadas malhas pretas. No lugar dos olhos, são
presos com linha dois vagalumes. O rabo é de pano recortado. O
Brincador fica escondido dentro do pano e sustentando nas costas to-
da a armação. Deve ficar arcado durante toda a representação.

O Barão (corruptela de tubarão?) é um bicho medonho, enorme,


sob o qual trabalham dois homens Tem uma boca descomunal, ca-
paz de engolir uma pessoa. A armação da boca é de madeira, co-
berta com pano branco por fora e vermelho por dentro, tendo na
parte externa superior duas faixas pretas cruzadas. Os dentes, visí-
veis em todo o comprimento da boca, são de pano recortado. Os
olhos ou são pintados com tinta preta ou duas rodelas de pano pre-
to costuradas. O corpo do bicho não tem armação de madeira. É só
um pano grande, capaz de cobrir dois homens encurvados, preso na
cabeça. O bicho não tem rabo. O corpo do monstro é de terrível as
pecto, pois é coberto de barba-de-pau pregada no pano.

A Bernunça (corruptela de "abrenuntio"?) é a fêmea do Barão.


Tem o mesmo aspecto que o Barão, mas menor e encobre apenas
um homem.

O Velho e a Velha não desempenham papel especial. Acom-


panham o bloco, usando máscaras e voz de falsete. A Velha traz
uma boneca na mão.

O Carneiro que, embora esteja na tradição dos colonos de Ma-


ria Luísa, não participou desta vez, é feito igualmente com uma ca-
veira de carneiro e armação semelhante à do Boi.

O Cavalinho é pequeno, em comparação com o Boi. A cabeça


é de pau, forrada de pano. Tem também uma armação coberta de
pano, formando o corpo, aberta no lombo, por onde sai meio corpo
do cavaleiro. O Cavalinho anda, assim, pelos pés do Cavaleiro.

A Mariola encerra sempre a brincadeira do Boi-de-mamão. É um


bichinho pequeno, delicado, que atrai as simpatias e é acariciado
por todos. A cabecinha, pouco maior do que uma mão fechada, é de

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madeira, com enchimento de pano. Os olhos são de vidro. Tem ore-
lhas grandes e o pano do corpo não é branco, como nos demais bi-
chos, mas de fazenda floreada. O corpo não tem armação de madei-
ra, mas apenas o pano pregado na cabeça, encobrindo um homem de
cócoras. O aspecto é mais ou menos o de uma galinha de angola
grande. A cabeça está fixa num pau, que é segurado pelo homem
que representa a Mariola, de maneira que a cabeça se move em to-
dos os sentidos.
Acompanha essas figuras especiais o bloco, no nosso caso for-
mado de 18 homens, vestidos de setineta vermelha e branca, con-
forme o costume. Os homens travestidos das primeiras danças con-
tinuam com as mesmas roupas no Boi-de-mamão.
Os instrumentos são três: violão, cavaquinho e pandeiro.

O V a q u e i r o e os músicos. (Colônia Maria Luísa)

O auto se divide em cenas, cada qual com sua música própria,


sua letra e seu bicho central. As cenas são: do Boi, do Barão, da
Bernunça, do Carneiro e da Mariola.

Cena do Boi e do Cavalinho

Quando a música começa a tocar, entra o Vaqueiro, seguido do


Boi, do Pai Mateus, do Velho e da Velha, e do Bloco. Todos, inclusive
o Boi, vão dançando ao ritmo da música e dando voltas na sala. O

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vaqueiro começa a cantar os solos, mais ou menos improvisados no
momento. Depois de cada verso (não de cada estrofe) o Bloco res-
ponde:

Eh! Bichinho da cidade não!

Essa resposta só é usada na cena do Boi e deixa de ser cantada


quando o Boi não está mais presente.

Aí vão algumas das estrofes entoadas pelo Vaqueiro:

Meus senhores que aqui estão,


Estou aqui para apresentar
Este nosso Boi-de-mamão,
Que foi feito para brincar.

Eu quero apresentar,
Que é de minha obrigação,
Um bichinho interessante
Chamado boi-de-mamão.

Eu me chamo Braz dos Santos,


Meu nome não posso negar.
Eu sou um catarinense,
Mas resido em Paraná.

Quando eu pego a cantar,


Me lembro de minha gente,
De meu pai, de minha mãe,
Meus irmãos e meus parentes.

Senhor doutor Fernandes,


Seu nome quero salvar,
Que é de minha obrigação,
No lugar que eu me achar.

Amante Mário Macage,


Para o senhor eu vou cantar.
O senhor é meu grande amigo,
Eu quero lhe abraçar.

Meus senhores que aqui estão,


Novamente vou falar.
Eu venho de lá tão longe,
Porque mandaram me chamar.

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No dia de meu nascimento,
Eu já truxe meu destino.
Eu me chamo Braz dos Santos,
Meu pai se chama Raulino.

Meu pai se chama Raulino,


Meu avô Manuel Vicente.
Eu não tive grande estudo,
Mas sou filho de boa gente.

Meus senhores que aqui estão,


Vós queira me desculpar,
Eu sou um simples lavrador,
Não tive tempo de estudar.

A certa altura o Vaqueiro canta a ordem para o Boi investir


contra o Pai Mateus:

Acompanha meu boizinho,


Note, quem manda sou eu:
Dando uma volta em roda,
Arremete o Pai Mateus.

Com isso o boi ataca o Pai Mateus, dá-lhe uma valente chifra-
da e ele cai espetacularmente no chão. Então o Vaqueiro dá a ordem
para o Boi deitar:

Pode deitar meu boizinho,


Para um pouco descansar.
Vamos chamar o Doutor,
Para este homem curar.

Note-se que o Boi não está doente. Ele deita por ordem do
Vaqueiro. Nisto o Boi-de-mamão da Colônia Maria Luísa difere da
tradição da morte e ressurreição do Boi.
Deitado o Boi, o Vaqueiro e o Bloco deixam de cantar. Os mú-
sicos entoam então alguns versos, chamando o Cavalinho para trazer
o Doutor:

O senhor Doutor,
O senhor Girão (?),
Vem curar o Mateus, ó Maninha
Que está morto no chão.

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Seu cavalinho,
Que está na banda de fora.
Venha trazer o Doutor
E venha logo sem demora.

O senhor Doutor,
Que na sala chegou,
Veio curar o homem,
Que o Boi machucou.

Enquanto são cantados esses versos, entra o Cavalinho, trazen-


do o Doutor na garupa. O Cavalinho dá apenas uma volta pela sala
e sai da cena. A música e o canto param. Agora fala o Doutor. Co-
meça queixando-se do cavalo. Pergunta por que o chamaram e se
têm dinheiro para pagar a consulta. Em seguida examina o doente,
que continua estendido no chão. Toma o pulso no tornozelo, olhan-
do para um pseudo-relógio de pulso. A cena do Doutor é uma cena
cômica por excelência e que atrai a atenção de todos. O Doutor mexe
com um e com outro, faz perguntas, diz tolices. Os assistentes soltam
piadas, dão palpites sobre a doença do Pai Mateus, participam enfim
ativamente da cena. O Doutor faz apreciações sobre o doente, diz
que o bicho é feio, que tem 13 doenças e que é difícil rebater tudo.
Pergunta se o doente está morto há meses. Abre um livro, que diz
trazer todas as doenças e remédios, e lê atentamente. Depois de uma
série de momices, que provocam o riso, o Doutor escreve a receita,
que o Vaqueiro lê:

1. Susto — chá de folha de laranja.


2. Fígado crescido — um litro de pinga.
3. Moela furada — um saca-trapo (saca-rolhas).
4. Coalheira cansada — um balde de água fria.
5. Arca caída — banha de purga (pulga) e mocotó de
mosquito.
6. Papo seco — um saco de areia.
7. Bicha alvoraçada — amargosa com arruda.
8. Dor de barriga — chá de cebola.
9. Garrotilho — injeção preventiva.
10. Dor de cabeça — Melhorai.
11 . Reumatismo — graxa de purga e banha de formiga.
12. Peste das cadeiras — injeção de miolo de abelha.
13. Sarna — um banho e uma esfregação de urtiga.

Por fim o Doutor arrebate as doenças com uma benzedura:


"Pedro e Paulo venho de Roma, co liscarpe enpe.
Encontraram uma senhora num lagedão de pedra.

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Perguntaram: o que que há? Ela disse: muita doença.
Zipra, Zipela, e Zipelão. Eles perguntaram:
Como é que se cura? Ela disse: Com a carona, a sela e
o xergão. Assim o doente fica bom".

Disse-me o Doutor, que é descendente de italianos, que essa


benzedura foi trazida da Itália por seus pais. Ainda no meio se no-
tam vestígios de palavras italianas.

Feito isto, o Doutor faz um montinho de pólvora no chão, acen-


de-o, e o Pai Mateus se levanta no meio de um clarão e uma nuvem
de fumaça, enquanto os presentes assustados correm e gritam.

Recomeça então a música e o canto, com a ordem para o Boi


levantar:

Levanta meu boizinho,


Que o homem já está curado.
O Doutor foi bom doutor.
Curou e fez milagre.

Seguem-se outros versos do gênero, enquanto o Boi se levanta


e recomeça todo o movimento na sala. O vaqueiro vai improvisando
os solos e o bloco respondendo o estribilho. O Boi volta a investir
contra os presentes e a dançar em roda da sala, acompanhado por
todo o bloco. As crianças gritam e correm. O Boi ataca as moças. Ri-
sadas gerais. Por fim o Vaqueiro canta a ordem para o Cavalinho en-
trar e laçar o Boi:

Meu Cavalinho,
Venha lá de fora.
Venha laçar este Boi,
Pode entrar sem demora.

Reaparece então em cena o Cavalinho, que começa a ser atacado


pelo Boi. O Cavalinho procura escapar das chifradas e o canto conti-
nua, até que vem a ordem para laçar o Boi:

O seu Cavalinho,
Que na sala chegou.
Essa ordem já é sua
Pode laçar este Boi.

O Boi é laçado pelo Cavaleiro, enquanto o canto prossegue:

O seu Cavalinho,
Esta ordem já foi sua.

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Nosso boi já está laçado,
Pode puxá-lo pra rua.

Enquanto isso, o Cavalinho vai puxando o Boi para fora da sala


e o bloco o acompanha até a saída. Segue-se um intervalo, para des-
canso dos músicos e dos cantores. Está finda a cena do Boi.

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O Doutor atende ao Pai Mateus. (Colônia Maria Luísa)

O Boi laçado pelo cavaleiro tenta ainda investir- (Colônia Maria Luisa).

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O Boi laçado abandona o recinto. (Colônia Maria Luísa).

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Cena do Barão

Com o reinicio da música, entra em cena o Barão. Segundo in-


formação que obtivemos, este bicho é chamado em alguns pontos
do litoral de Bicho Raspante.
Canta o Vaqueiro:

Meus senhores que aqui estão,


É de minha obrigação,
Apresentar este bichinho,
Que tem nome de Barão.

Meus senhores que aqui estão,


Eu quero apresentar
Este se chama Barão,
Foi feito para brincar.

Ele parece ser brabo


Mas ele não é brabo não.
Parece ser perigoso,
Este bicho é o Barão.

Este bicho Barão,


Ele brinca muito bem,
Brincando com muito jeito,
Para não machucar ninguém.

O Barão entra amedrontando todo o mundo. Ameaça com a


bocarra os presentes, mordendo o braço d'um, a cabeça d'outro,
ameaçando engolir um terceiro. Causa gritos e correrias. A certa
altura, engole mesmo uma criança, que é expelida em seguida pelo
traseiro. Depois de cada estrofe do Vaqueiro, o bloco responde:

Brinca meu bichinho,


Brinca meu bichão,
Brinca meu bichinho,
Ele se chama Barão.

Finalmente o Barão sai de cena, atrás do Chefe da turma, é


segue-se novo intervalo de alguns minutos.

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O Barão e n g o l e o menino

O Barão e a Bernunça

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Cena da Bernunça

Entra então a Bernunça. A representação é idêntica à do Barão.


O marcador canta:
Aqui está nossa Bernunça,
Que vamos apresentar,
É de nossa obrigação,
No lugar que nós se achar.

O bloco da brincadeira,
Eles brincam muito bem,
Vamos brincar com jeito,
Para não ofender ninguém.

Todos sabem de meu nome,


Não perciso mais dizer.
Vem gente de todos os Estados,
Que tenho o prazer de ver.

Aqui está nossa Bernunça,


Que é mulher do Barão.
Viemos apresentar
Aqui dentro do salão.

E o bloco responde no fim de cada estrofe:

Aqui mesmo hei de sambar!

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Cena do Carneiro

Novo intervalo. Vem a cena do Carneiro que, no nosso caso,


como já foi explicado, não se realizou. O marcador canta:

Meu senhor dono de casa,


Venho aqui apresentar.
Nosso carneiro está morto,
Já não pode mais falar.

E a resposta:

Oh! roçar, chover, ventar! (No fim de cada verso).

Cena da Mariola

Após breve descanso, entra a Mariola para a cena final. O mar-


cador e os componentes do auto calam-se. São agora os músicos que
tocam e cantam a Morena Luxosa. Durante o canto, a Mariola vai per-
correndo a sala, cumprimentado um e outro, sendo afagada, coçando-
se, catando pulgas nos presentes, sempre dengosa e mimada.
É a seguinte a letra da Morena Luxosa:

Eu gosto do luxo que a morena gosta.


Te quero bem, morena luxosa
O corpo é bem feito, a pele é mimosa,
Amarra o cabelo, fita cor de rosa.

Quando bate o vento, fica balaneeosa.


O vestido dela foi feito na moda,
De saia godê, correndo na rosa,
Colar no pescoço, brinco de argola.

Ela é morena, da cor não descora,


Gostei da morena, por ter boas prosas.
Ela pra falar é muito carinhosa.
Peguei na mão dela, ôi! que mão mais friosa.

Ainda me lembro da noite saudosa,


Nós dançando juntos uma valsa chorosa.
No outro dia tivemos que ir embora,
Ela me cortou um raminho de aurora.

Arrumou no meu bolso e disse: agora


Nunca se esqueça dessa que te adora.

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Coração pode ser duro, mas nesta hora ele chora.
Eu disse a ela: tu queres ir embora.

Resolva logo, não quero demora,


Meu cavalo é bom, não leva senhora,
Quatro légua e meia daqui para fora,
Na marcha trotada chegai sem demora.

Terminado o canto, a Mariola sai da sala e está encerrado o


Boi-de-mamão.

A Mariola dengosa e mimada. (Colônia Maria Luísa).

Um inquérito de âmbito estadual, sobre a ocorrência do Bumba-


meu-Boi no Paraná, foi organizado pela Comissão Paranaense de
Folclore, sob a orientação do Prof. Aryon DalTIgna Rodrigues.
Revelou ter existido o auto nos municípios de Castro, Lapa, An-
tonina e Morretes, estando vivo ainda, em Paranaguá e Guaratuba.
Com razão Mário de Andrade considerava o Boi-de-mamão co-
mo o mais nacional dos autos populares. É sobretudo, pelo seu signi-
ficado social, uma dança dramática verdadeiramente notável.

Como vemos, o Boi-de-mamão no litoral paranaense está em


franca desintegração e só se conserva por força da tradição, se bem
que já bastante afastado dessa mesma tradição. Nunca houve, no
litoral paranaense, uma influência especial do boi sobre a vida do

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homem. Não é lugar da "civilização do couro", de que fala Capistra-
no de Abreu. Sente-se bem a tradição açorita, chegada até aqui por
intermédio dos colonos catarinenses.
Se, por um lado, a falta da morte e da ressurreição do boi que-
bra o mais forte elo de tradição que une esse auto em toda a vas-
tidão do território nacional, por outro, a não participação de mulhe-
res e o uso de homens travestidos parecem estar conformes com a
mais antiga forma sob que se tem apresentado esse auto no Brasil.

Em 1948, tivemos ocasião de assistir a um Boi-de-mamão em Pa-


ranaguá, dançado nas ruas, como lá é costume, e com os seus com-
ponentes vestidos de índios, com tangas e cocares de penas.

AG figuras que compunham a dança eram:

o Cacique, que indicava os pontos de parada do bloco e dava as


ordens, tudo por meio de gritos;

o Porta-Estandarte ou Balisa, que ia dançando na frente do


bloco e segurando o estandarte que o caracterizava.

o Caveira, que era uma figura encarregada de abrir caminho


entre o povo. Ia na frente atropelando os que impediam a passa-
gem do bloco,-

o Boi, que dançava e avançava no Toureiro;


o Toureiro, que tinha por função precípua tourear o Boi;

o Boiadeiro, que era o dono do Boi e o ia puxando pela rua.


Quando o bloco parava para a representação, o Boiadeiro entrega-
va o Boi ao Toureiro e puxava o canto;

dois Chefes dirigentes do cordão, que cuidavam do alinha-


mento;

dois Pontas, que marcavam e dirigiam as danças, puxando os


cordões;

dois cordões em filas indianas.

Desse Boi-de-mamão, que aliás era chamado excepcionalmente


pelos seus componentes de Bumba-meu-boi, cheio de sincretismos e
em franca desintegração, colhemos a seguinte letra:

Lá no rio acima,
Vem um brigue entrando.
Dentro dele vem, ó Maninho,
O meu boi dançando.

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Na Bahia tem,
Eu vou mandar buscar
Fronhas de travesseiro, ó Maninho,
E ferro de engomar.

Ora dança meu boi, eh! boi!


E torna a dançar, eh! boi!
Na presença do povo, eh! boi!
De Paranaguá, eh! boi!

O meu boi é pintado, eh! boi!


O meu boi é' malhado, eh! boi!
De rabo pra cabeça, eh! boi!
E da cabeça pro rabo, eh! boi!

Dança meu boi, eh! boi!


Nesta cidade, eh! boi!
E faz cortesia, eh! boi!
Para as autoridades, eh! boi!

Fui passar na ponte,


A ponte estremeceu.
Agua tem veneno, ó Maninho,
Quem bebeu, morreu.

Coco de vintém,
Na Bahia tem.
Tem, tem, tem, ó Maninho,
Eu vou mandar buscar.

Adeus, o meu senhor,


Adeus, minha sinhá.
O Bumba-meu boi, ó Maninho,
Vai se retirar.

O meu boi vai embora,


Daqui desta cidade.
Vai deixando o povo, ó Maninho,
Chorando saudade.

O senhor Emanuel do Carmo Silva, que preparou esse Bumba-


meu-boi, teve como objetivo homenagear a cidade de Paranaguá,
por ocasião das comemorações do seu Tricentenário, em julho de
1948. Organizou então o que ele denominou de Batucada dos ín-

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dios com Bumba-meu boi. Além das estrofes acima transcritas, e que
são tradicionais em Paranaguá, o senhor Emanuel do Carmo Silva
compôs para a sua Batucada os versos que seguem e que ele intitu-
lou de

Tempos que não voltam mais.

Com licença meu sinhô,


Com licença minha sinhá.
Queremos sua licença,
Para os nego aqui dança.

Me leva, me leva, sinhô Rafael,


Me leva, me leva, pra onde quiser.

Caiapó, dança de negros,


Todos dançam muito bem.
Dançam os negros e as mulatas
E dança o meu sinhô também.

Me leva, me leva, sinhô Rafael,


Me leva, me leva, pra onde quiser.

Este boi é muito antigo,


É criolo de sinhô,
Foi criado na Bahia,
Terra de São Salvador.

Me leva, me leva, sinhô Rafael,


Me leva, me leva, pra onde quiser.

Nós viemos recordar


Os tempos que já passou
Tempos que não voltam mais
De sinhá e de sinhô.

É ainda da mesma lavra e cantado na mesma ocasião, o

Salve Paranaguá!

Salve a boa terra


De Paranaguá.
O Bumba-meu boi
Não tem outro igual.

30
Com sua licença,
Meu sinhô e minha sinhá,
O nosso grupo
Pede para aqui dança.

Nós somos das selvas


E queremos ver.
O povo da terra
Tem que nós temer.

31
FANDANGO

Locais de Coleta:

a) Colônia de pescadores da Costeirinha (foz do Rio Gua-


raguaçu), na Baía de Paranaguá;
b) Colônia de pescadores do Pontal do Sul (Praia de Les-
te), no município de Paranaguá;
c) Colônia de pescadores do Rio dos Medeiros, na Baía de
Paranaguá.
Data: de 1948 a 1955

O Fandango, no Paraná, é uma festa típica dos caboclos e pes-


cadores habitantes da faixa litorânea do Estado, na qual se dançam
várias danças regionais, denominadas marcas do Fandango.

Temos registrado perto de trinta marcas diferentes e muitas ou-


tras existem ainda, próprias de cada região em que se dança o Fan-
dango. As que ternos anotado são as seguintes: Anu, Xarazinho, Xará-
Grande, Queromana, Tonta, Dondom, Chamarrita, Andorinha, Cana-
Verde, Marinheiro, Caranguejo, Vilão-de-Fita, Meia-Canja, Chico, Ti-
raninha, Lageana, Passeado, Feliz, Serrana, Sabiá, Recortado, Cara-
dura, Sapo, Tatu, Porca, Estrala, Pipoca, Mangelicão, Coqueiro, Pega-
fogo e outras, umas conhecidas em certas zonas e outras, noutras.

As danças se dividem em dois grupos: as batidas e as valsadas


ou bailadas. As primeiras se caracterizam pelo sapateado forte, baru-
lhento, batido a tamanco ou sapato. Abafam quase completamente
a música do conjunto. Esse bater do tamanco se chama em alguns
lugares rufar. Nas segundas não há sapateado. São uma espécie de
valsa lenta, em que cada dançarino baila em geral com o mesmo par,
mais se arrastando do que dançando.

As marcas valsadas são intercaladas entre as batidas, para des-


canso dos bailarinos, intercalando-se geralmente uma valsada depois
de duas ou três batidas. O sapateado batido a tamanco, com a vio-
lência com que é usado, é um exercício exaustivo, que deixa os dan-
çarinos do Fandango tresandando a suor e com a camisa alagada. É

32
conhecido, no Balneário de Caiobá, o sr. Machadinho, cujo pai to
mou o nome de Machado, porque, com a força com que batia o Fan-
dango, quebrava as tábuas do soalho. Os Fandangos são dançados
sempre em recinto fechado, isto é, dentro de casa, e onde o chão
seja de madeira, de modo que haja a devida ressonância do batido.

O sapateado é feito exclusivamente pelos homens. As mulheres


não batem o Fandango.
Em Serra Negra, no Rio dos Medeiros e em outros pontos da
Baía de Paranaguá, o Fandango é dançado em cima do arroz, a fim
de "tirá-lo do casco". A isso se chama "fazer gambá". Alia-se assim
ao Fandango uma função econômica, altamente proveitosa.

Não há comando que oriente o desenrolar da coreografia. Os


dançarinos seguem a música, aliando à sua execução uma série de
convenções sabidas por todos e aprendidas em casa desde crianças.

O ritmo da dança, nos valsados, é diferente do ritmo da música,


sendo este último bem mais rápido. Aliás, toda a música do Fandan-
go é quase só ritmo. A linha melódica é muito indeterminada e por
vezes imperceptível.

A única voz de comando que se ouve .no Fandango é dada como


sinal para indicar o fim de qualquer marca: ô de casa! — gritada por
um dos violeiros. A esse grito as mulheres saem da roda e os ho-
mens batem o arremate.
As marcas batidas, embora se componham de partes batidas e
valsadas, terminam sempre no batido, com um batido forte, unísso-
no, dado simultaneamente por todos os bailarinos.

Antes do início do Fandango ou nos intervalos das marcas, ge-


ralmente os cavalheiros batem sapateando pela sala, sem música,
por sua própria conta, com o fim de convidar, influir e chamar as
damas, e, ao mesmo tempo, provocar o início da dança.
O Fandango é dançado em toda a faixa litorânea do Paraná,
mesmo ao pé da Serra do Mar e já bastante afastado, portanto, das
praias, como em Morretes e Porto de Cima. Na zona praieira, con-
serva-se melhor nos locais distantes dos balneários e das cidades,
ainda não atingidos pela civilização, como o Pontal do Sul, na Praia
de Leste; a barra do Rio Guaraguaçu; o Rio dos Medeiros; a Serra
Negra; etc. Nas zonas balneárias, como Matinhos, Caiobá e Guaratu-
ba, já perdeu muito dos seus característicos.

O Fandango tem, no Paraná, uma vitalidade e uma pureza ra-


ras, embora a tendência, em nossos dias, seja para o seu total de-
saparecimento, dentro de mais duas ou três gerações. Os que man-

33
têm a tradição do Fandango vivida e pura são os velhos e os homens
feitos. Os jovens da nova geração já não querem dançar o Fandan-
go, sentem-se envergonhados e preferem as danças modernas.
É usual o emprego da expressão folgadeira, para designar as
mulheres que participam do Fandango. Os homens são folgadores.
Aliás, é de se ver a atitude apática e indiferente das mulheres, an-
dando molemente, com as mãos metidas nos bolsos dos casacos, sem
trejeitos nem requebros. Fisionomias absolutamente inexpressivas. O
seu entusiasmo pela dança, que é sincero, não se manifesta absoluta-
mente no exterior.

INSTRUMENTOS MUSICAIS

O acompanhamento do Fandango é feito por um pequeno con-


junto musical, constituído de uma ou duas violas, uma rabeca e um
adufo (pandeiro). Os músicos cantam junto com a música, mas os
que dançam não cantam. Por vezes o violeiro não se contenta com to-
car e cantar, mas ainda bate, braceia, valsa e larga a viola para bater
palmas. Na letra, encontram-se décimas tradicionais, conhecidas em
outros Estados e em Portugal. Uma parte, porém, é improvisação de
momento, que vai brotando espontânea da alma dos violeiros.
A viola tem geralmente seis cordas (às vezes sete), incluindo a
meia- corda, chamada turina. É construída pelos próprios pescadores,
de uma madeira denominada cacheta, com requintes de acabamento
artístico. A cacheta é uma árvore grande e grossa, útil para constru-
ção, e que não é afetada pelo cupim. No corpo da viola fazem in-
crustações de canela ou imbuia, representando pombinhas e dese-
nhos geométricos.
A rabeca tem três cordas (às vezes quatro) e é também feita de
cacheta, tendo o braço e o arco de canela preta ou cedro. O sedenho
do arco é feito de crina de rabo de cavalo ou mesmo de fio de linha.
O adufo é coberto com couro de cotia ou de mangueira (ca-
chorro do mangue), sendo de salientar a superiodade do couro de
cotia.
O Fandango começa ao anoitecer, sete ou oito horas, e só ter-
mina de manhã, depois do sol nascido. É comum dançarem a noite de
sábado para domingo, descansarem durante o dia, e recomeçarem à
noite, de domingo para segunda, emendando assim duas noites con-
secutivas. No Carnaval, o Fandango se estende por 3 ou 4 noites se-
guidas, estabelecendo-se mesmo uma porfia, entre dois ou três con-
juntos, para ver qual o que agüenta até o amanhecer. Bebidas, comi-
das, desafios de cantadores, por eles conhecidos como profias (por-
fias), enchem os intervalos nas noites de Fandango.

34
Viola do Fandango (Rio Guaraguaçu)

35
Viola, Rabeca e Adufo (Rio Guaraguaçu). Acompanhamento do Fandango.

Errar no Fandango é fazer balaio e desfeita faz a folgadeira que


se recusa a dançar.

O passo característico do Fandango e que entra em quase todas


as marcas é o oito. O cavalheiro, dançando, descreve um oito, tendo
por centro dos dois círculos as duas folgadeiras que se encontram à
sua frente e atrás de si, na roda.

QUENTÃO

A bebida típica do Fandango é o Quentão. O quentão se desti-


na mais aos violeiros, cantadores e assistentes. Os que dançam não
tomam quentão, por causa do suor e para não se resfriarem (sic). Isso
pelo menos enquanto o quentão está quente. Uma vez esfriado, os
os dançarinos podem tomá-lo. Há a crença de que o quentão faz mal,
quando tomado quente pelos que dançam o Fandango. Os canta-
dores que tomam quen*ão não tomam cachaça, para não ficarem rou-
cos (sic). Tomar quentão e sair para o ar frio provoca rouquidão (sic).

O quentão se prepara da seguinte maneira: põe-se cachaça nu-


ma panela. Para cada litro de cachaça, adiciona-se um quarto de quilo
de açúcar. Pode-se pôr também um pouco de água. Junta-se casca de
laranja, cortada miudinha, e gengibre, também cortado miudinho, ou
melhor, socado. Mistura-se bem e deixa-se ferver ao fogo, cuidando
para que não pegue fogo na bebida. Quando isso acontece, abafa-se

36
com a tampa da panela. Os que preferem o quentão mais fraco, dei-
tam fogo dentro da panela e deixam queimar um pouco. O quentão,
como o nome indica, serve-se quente. Uma vez frio, como o tomam
os dançarinos, é mais fraco.

Durante a noite, todos se alimentam com a "sustância do Fan-


dango": salgadinhos, salsichas, cebolas, pão, saladas, vinagre. O ca-
fé é servido a noite toda, com pão, bolos e doces.

Barreado oferecido em Paranaguá aos componentes do II Congresso Brasileiro de


Folclore (1953).

BARREADO

O único prato verdadeiramente característico do Paraná é o


Barreado, também usado nas festas do Fandango, sobretudo no Car-
naval, Ê também originário do litoral. Para preparar um Barreado,
adiciona-se a cinco quilos de carne bem cortadinha todos os cheiros
de que se dispuser: pimenta do reino moída, cebola, alho, toucinho
picado, vinagre, etc. Põe-se também sal, banha e um pouco d'água.
Mistura-se bem tudo isso numa panela de barro. Em seguida tampa-
se a panela, barreando-se as frestas com massa de cinza ou farinha
com água. Todo lugar por onde possa sair o bafo deve ser barreado.
Se a tampa fecha hermeticamente, põe-se uma panela em cima, para
que ela não se levante com a força do vapor e não deixe sair o bafo.
Algumas vezes a "força do cozido" fura a fresta, obrigando a barrear-
se novamente a abertura. Geralmente começa-se a fazer o Barreado

37
à boca da noite. Com três ou quatro horas de fogo, ele já está cozi-
do. Tira-se então do fogo, mas não se abre a panela. De manhã, aí
pelas dez horas, esquenta-se novamente, não sendo preciso que fer-
va. O acompanhamento do Barreado é o pão, farinha, biju de cuscus,
biju de mandipuva, biju de tipioca, etc. A carne, fervida e refervida
em recinto hermeticamente fechado, quase que se desmancha com-
pletamente. O Barreado é forte, concentrado, indigesto, não devendo
quem o come beber água senão algumas horas depois. O álcool ao
contrário auxilia a sua digestão. Em certos lugares, porém, não há es-
sa prevenção contra a água junto com o Barreado.

BIJU DE MANDIPUVA

Para preparar-se o Biju ou Cuscus de Mandipuva, pega-se a man-


dioca com casca, cortam-se as duas extremidades e dá-se um talho de
alto a baixo. No chão prepara-se o lago, um buraco com água, forrado
com folhas de bananeira, para pôr a mandioca de molho. Espera-se en-
tão que ela fique mole e apodreça. Com três e quatro dias de lago a
mandioca começa a molear. Leva às vezes até quinze dias para apodre-
cer. Depois de podre, descasca-se a mandioca, colocando-a no tipiti,
onde ela vai ser comprimida, na prensa, para enxugar. Uma vez enxuta,
soca-se no pilão, coando-a em peneira fina. Separa-se o "fino", pon-
do-se o "grosso" de novo no pilão, para ser mais socado. O "fino"
vai para um cocho, onde se mistura sal, erva-doce, fubá ou arroz e
cravo. A erva-doce deve ser bem socada. Em seguida coloca-se a mas-
sa no cuscuseiro (panela de barro com diversos furos em baixo) e
este em cima de um panela de barro com água. Barreiam-se as duas
panelas, para que o bafo não se desperdice pela fresta, mas seja
aproveitado para cozer a massa, penetrando pelas aberturas existen-
tes no fundo do cuscuseiro. No fundo do cuscuseiro são colocados dois
pedaços de folha de bananeira, em forma de cruz, sem tapar os bu-
racos. A folha de bananeira impede que a massa adira ao fundo e
ajuda a soltá-la. O bafo da panela de baixo cozinha a massa, que
não deve ser mexida. Quando a massa endurece, emborca-se o
"cuscuseiro" e a massa sai como um bolo. O bolo é cortado em fatias,
que são torradas no forno. E está pronto o Biju. Mandipuva é o mesmo
que mandioca podre.

BIJU DE CUSCUS

O Biju de Cuscus ou Cuscus de massa-braba faz-se do mesmo


modo que o Biju de Mandipuva, só que a mandioca não fica de mo-
lho no lago e não é, portanto, podre. Rala-se a mandioca na roda,
enxuga-se no tipiti e coa-se em peneira fina, sem socar no pilão. Mis-

3B
tura-se no cocho com sal, erva-doce e fubá. Em seguida a massa vai
para o "cuscuseiro" e é cozida como foi indicado acima.

BIJU DE TIPIOCA

Para fazer-se o Biju de Tipioca, rala-se a mandioca na roda. Adi-


ciona-se água à massa, que é depois espremida num pano. Duas
pessoas seguram as extremidades do pano, que vão torcendo, en-
quanto a massa é espremida. A água vai caindo numa gamela, en-
quanto a massa fica no pano. Na gamela fica uma mistura de goma
com água. Espera-se que a goma assente bem no fundo e em se-
guida tira-se a água. A goma aos poucos endurece. Põe-se a massa
numa panela e vai-se quebrando com a mão até ficar bem miudi-
nha. Depois leva-se ao sol para enxugar. Coa-se numa peneira. A
massa fica solta como farinha. Depois de coada, tempera-se com sal
e erva-doce. Coloca-se no forno a farinha solta, aos poucos, distri-
buída com a mão. O forno deve estar bem quente. Quanto torrado
o lado de baixo, vira-se, para torrar o outro lado. Com uma liga à
escolha, enrola-se a massa e corta-se para comer.

São esses os principais petiscos que acompanham o Fandango.

Ê interessante observar-se, tanto no Fandango como em outras


festas populares, a força de absorção da terra, o poder tremendo de
assimilação que o meio exerce sobre o homem. No local denominado
Balneário, na Praia de Leste, encontramos, como mestre de Fandango,
o senhor João Cláudio Gilier, filho de franceses e todo ele de aspec-
to gaulês. Da mesma forma, em Morro Grande, município de Cerro
Azul, encontramos um Schleder comandando a Dança de São Gon-
çalo.

Nas diversas marcas do Fandango, sente-se, quer nos batidos


quer nas palmas (sempre batidas nos intervalos do sapateado), a in-
fluência viva de Portugal e Espanha.

Os textos musicais que se seguem, tomados uns na Colônia de


Pescadores da Costeirinha, na barra do rio Guaraguaçu (Município de
Paranaguá), outros na Colônia de Pescadores do Pontal do Sul, na
Praia de Leste, também no Município de Paranaguá, representam
apenas a linha melódica do canto. O grupo do Pontal do Sul desen-
volve na parte instrumental, sobretudo a rabeca, uma outra frase
melódica, em contraponto, não registrada neste trabalho. Este grupo,
melhor na afinação e na parte instrumental de um modo geral, tem um
mais pronunciado sabor de primitivismo, que encanta e atrai pela sua
ingenuidade.

39
ANU

Geralmente a marca que abre o Fandango é o Anu. Nessa dan-


ça os homens e mulheres, alternados, formam uma grande roda. É
dança batida, mas só os homens sapateiam, como aliás, acontece com
todas .Os tamancos batem fortes no chão, uníssonos, numa cadência
perfeita e difícil. A roda vai girando. Nos intervalos do sapateado, as
palmas substituem o batido. O passo principal do Anu é o oito. Os
homens descrevem simultaneamente um oito, tendo por centro dos
dois círculos as damas que os ladeiam. Isso durante o batido e sem
interrompê-lo. Antes de cada oito, as mulheres se voltam para trás
e dão sua mão direita à esquerda do homem, com os braços levan-
tados, formando um arco, por baixo do qual passam, indo portanto
ocupar o lugar da dama anterior.

A letra que colhemos é a seguinte:

O anu é passo preto,


Passarinho do verão,
Quando canta meia-noite,
Alegra meu coração.

Meu senho, dono de casa,


Minha fita de nobreza,
Pra canta em sua casa,
Canto com delicadeza.

Me sentei neste banquinho,


Com este pinho na mão,
Quero dá um viva alegre,
Meu sinhô e cidadão.

Vem o cisco da enchente,


A maré trazendo areia,
Vem os peixinho nadando,
Atrás da mãe da sereia.

Laranjeira, mãe do choro,


Vinde me ajuda chora.
O bem eu trago na vida,
Esse me querem tirá.

A saudade é uma semente,


Que por todo o mundo anda.
Saudade, não me mateis,
Vai a matar quem te manda.

40
O Quadro A mostra o passo do oito, como é feito no Anu e
nas outras marcas. O homem segue a linha D-A-E até voltar ao seu
lugar primitivo.
XARAZINHO

O Xarazinho (Sarazinho) é dançado por quatro pares, formando


dois grupos de dois pares cada um. Formam-se assim pequenas rodas
de quatro pessoas, sendo dois homens e duas mulheres. A dança é
batida, e não tem valsado. Em alguns lugares, como no Rio dos Me-
deiros, os passos são os mesmos do Xará-Grande, que vai desc-ito
adiante, inclusive o bailado.

Colhemos os seguintes versos dessa dança:

Na vera do rio deitei-me.


Fiz travesseiro das mão.
Sonhei que andava nadando
No mar do teu coração.

Peguei nesta violinha


Pra canta um bocadinho.
Pra vê se estes meus peito
Tão ainda saradinho.

42
Querê bem vai da fortuna,
Fortuna vai de quem tem,
Como eu fortuna não tenho,
Não padeço por ninguém.

Paranaguá, boa terra,


Terra onde me criei.
Não é em farta de amores
Que eu de lá me arretirei.

Uma luz não alumeia


Uma sala e uma varanda,
Como pode um coração
Fazer o que não se manda.

Cajueiro, cajueiro,
Quem te deitará no chco?
Em baixo das tuas ramas
Foi a minha perdição.

XARÁ-GRANDE
No Xará-Grande, forma-se a roda, como já foi descrito, com
homens e mulheres alternados. A roda gira da esquerda para a di-
reita. A dança é batida e valsada. Em certos momentos, as mulhe-
res viram-se de frente para os homens, como indica o QUADRO B, e
com seu braço direito erguido E seguram a mão do braço esquerdo
F do homem, formando um arco E-F, sob o qual passam, como indi-
ca a linha G, indo ocupar o lugar da dama imediatamente anterior
D. Em seguida, o cavalheiro C e a dama D dançam o valsado, man-
tendo-se mais ou menos dentro da sua posição na roda grande, cujo
movimento não cessa. Esses movimentos são feitos simultaneamente

43
por todos os pares, É assim o Xará-Grande uma marca de descanso,
em que o batido é alternado com o bailado. De vez em quando os
pares se cumprimentam, trocando um ligeiro aperto de mãos.

Dessa dança, colhemos os seguintes versos:

Não posso canta mais,


Canta como já cantei;
De bebê água de bruço,
Que até de falá mudei.

Campo verde serenado,


Coberto de serração.
Pelos olhos eu conheço
Quem me traz com má lenção.

QUADRO B

44
QUEROMANA

A Queromana é também batida e valsada. Tem o passo do arco,


que já foi descrito no Xará-Grande, e que está mais uma vez indica-
do no QUADRO C. Logo em seguida ao arco, estando a mulher de
frente para o homem, dão-se as mãos (esquerda do homem e direita
da mulher) e os dois braços unidos balançam para um e outro lado,
enquanto a roda vai caminhando. O desenho do QUADRO C esclarece

45
os movimentos. Os batidos na Queromana são diferentes das outras
marcas e mais difíceis. Segue-se uma seqüência de oitos igual à que
vai descrita na Tonta (ver o Quadro desta dança), quando os oitos
são feitos simultaneamente pelos três homens da roda e não por
um de cada vez. A única diferença nesse passo, entre a Queromana
e a Tonta, é que na Queromana as rodas não param enquanto vai
sendo feito o oito, enquanto que na Tonta, esse passo é feito com a
roda parada e os dançarinos virados para o centro. A Queromana e
a Tonta são as duas marcas mais difíceis do Fandango e são pou-
cos os que sabem dançá-las.

Os versos que colhemos são:

Minha cabeça me dói,


Meu corpo doença tem.
Sarando minha cabeça,
Meu corpo sara também.

Quero dá outra despedida,


Atrás desta mais argum.
Quem tem um amor tem dois,
Quem tem um, não tem nenhum.

Lairilailai, queromana,
Eu vou andando.
O cavalo que eu vim nele
Está no campo me esperando.

Lairilailai, queromana,
Queromana, estou querendo.
De saudade ninguém morre,
Triste de mim, vou morrendo.

Lairilailai, queromana,
Queromana, eu vou e vorto.
Trato bem do que é meu,
Que eu dos outro não me importo.

Queromana, eu vi ovi (vi e ouvi)


Meu amor no braço doutro;
De paixão quase morri.

46
Qu.erow»avia (_ CoslViWii"ha.)

4'
TONTA
A Tonta é dançada em rodas de seis, três homens e três mu-
lheres, e às vezes de oito. É batida também e não faltam as palmas
marcando o ritmo. Só os homens no entanto batem palmas e sapa-
teiam. As mulheres se caracterizam por uma completa displicência.
Noutros lugares a Tonta é sinal de fim de festa. Significa despedida.
Ê dançada já de manhã, quando o sol vem nascendo, e contém, nos
versos, diversas referências ao sol. No Paraná, no entanto, são desco-
nhecidos esses característicos.
A Tonta se distingue por duas seqüências complicadas de oitos.
Na primeira, cada folgador da roda, em separado, faz os seus oitos.
Na segunda, os três cavalheiros fazem os oitos simultaneamente. Con-
vém observar que o caminho seguido nos oitos individuais é diferen-
te do seguido nos oitos coletivos, conforme explica o QUADRO D.
A roda fica parada.
O movimento do oito individual está explicado no QUADRO D,
figura A. O homem A parte por onde indica a seta E, contorna a mu-
lher C, segue a flexa F, dá uma volta em torno da mulher B, contorna
novamente a C, continua pela seta G, volteia a mulher D e volta ao
seu lugar pela flexa H.
QUADRO D
Figura A (oito individual)
O movimento do oito coletivo está explicado no QUADRO D,
Figura B. Os três homens simultaneamente fazem o movimento indi-
cado pelo homem A. Ele parte pela flexa E, contorna a mulher B, segue
a seta F, volteia a mulher D, encaminha-se pela flexa G, dá uma volta
em torno da mulher C, contorna em seguida a mulher B, segue a seta H,
volteia a mulher D e atinge o seu lugar pela flexa I. O homem A faz
assim dois "oitos" um inicial e um final, em torno das mulheres B-D
que o ladeiam, dando uma volta ,entre os dois oitos, em torno da
mulher C, que lhe é fronteira. Esse mesmo passo é feito na Quero-
mana, como ficou dito atrás. Os oitos são feitos sempre sob sapa-
teado.

QUADRO D

Figura B (oito coletivo)

49
Recolhemos, da Tonta, os versos que seguem:

Quando eu vim da minha terra,


Muita menina chorou.
Também eu chorei um pouco,
Por uma que lá ficou.

Passa, passa, passarinho


Co'bico n'água sem se molha.
Se eu andei aqui sozinho,
Não me acabe de matá.

Menina, passai a Tonta,


Tornai a Tonta passa.
Depois da Tonta passada,
Cada um no seu lugá.

"Passar a Tonta" é fazer a seqüência dos oitos.

513
DONDOM

O Dondom é só valsado, do começo ao fim. Todos conservam o


mesmo par.

CHAMARRITA

A Chimarrita ou Chamarrita, de origem açoriana, é também co-


nhecida por "Limpa-banco", porque ninguém fica sem dançar (quando
se trata da bailada). Existe a Chamarrita simples e a Chamarrita de
oito. Esta última é dançada por oito pares, formando duas rodas
de quatro pares cada uma. A Chamarrita de Oito é batida, enquanto
que a simples não é; é apenas valsada. Todos conservam o mesmo
par. Há também a Chamarrita de Quatro, quando é dançada por qua-
tro pares. Pode ainda ser de Doze, Dezesseis, etc. A música é a mes-
ma usada no bailado. O passo é o do oito. Os homens e as mulhe-
res, que ocupam lugares opostos na roda, trocam os lugares entre si,
depois de, com mãos dadas e braços estendidos, formarem cruzes de
braço no meio da roda.

Coletamos a seguinte letra da Chamarrita:

Chamarrita é moda nova,


Moda que veio do Rio,
Que os marinheiro trouxeram,
Na popinha do navio.

Vós que fostes e vi estes


Do lado que ontem vim:
Mlncontrei co'aquela ingrata.
Como ela passou sem mim!

Chamarrita, mecê não me qué,


Para mim não me falta mulhé.
Chamarrita, mecê não me ensina,
Para mim não me falta menina.

51
Chamarrita, mecê não me adora.
Quando eu canto, mecê chora.

ANDORINHA

A Andorinha é uma dança muito delicada e bonita, que poderia


ser introduzida com êxito nos nossos salões. A linha melódica é mais
definida. A dança é batida. Feita a roda, começa a mesma a girar,
entre palmas e sapateados. Tem lugar então o passo do arco, já
descrito em outras danças e que mais uma vez vai indicado no QUA-
DRO E. O braço direito E da dama B levanta-se e, de mão dada, for-
ma um arco com o braço esquerdo F do folgador A. A dama passa
sob o arco seguindo a linha indicada pela seta G e vai postar-se no
lugar indicado pela dama H. Formam-se assim dois círculos. Um maior,
dos homens, e outro menor e interior, das mulheres. Braços erguidos,
a dama H e o cavalheiro C continuam de mãos dadas, sempre o braço
direito da dama com o esquerdo do cavalheiro, como está indicado
pela linha K. Enquanto os homens andam sempre para a frente, fa-
zendo a roda airar, as mulheres vão rodando como um pião, mas

52
vagarosamente, sem largar da mão do seu par, no sentido indicado
pela seta J. Esse rodopio das damas chama-se "fazer o verão" ou "ro-
dopiar a andorinha".

Temos a letra que segue:

Peguei nesta violinha,


Nesta viola peguei.
Quero vê estes meus peito
S'inda está como deixei.

Neste mato não tem passarinho,


Passarinho chamado andorinha.
Andorinha voou, foi-se embora,
Deixou os ovo nos campo de fora.

Tijitica co'o bico no chão,


Pomba rola arrancando feijão.
Hoje te darei meu olho,
Amanhã meu coração.

53
CANA-VERDE

A Cana-Verde é, a meu ver, a mais alegre, a mais agradável e


a mais interessante das marcas do Fandango. Em alguns lugares é
usada para fechar o Fandango, É evidentemente reminiscência da
Caninha Verde, de Portugal, embora já não tenha com ela nenhuma
afinidade, senão no nome. A Cana-Verde é dançada em rodas de
quatro, dois homens e duas mulheres. A sala enche-se de rodinhas.
As rodas da Cana-Verde distinguem-se das outras do Fandango, por-
que todos estão de mãos dadas (o que às vezes também não acon-
tece). A primeira posição é a indicada no QUADRO F, Figura A: a ro-
da fechada. A roda gira primeiro num sentido, depois no outro. Em
seguida as duas folgadeiras se aproximam, como está indicado na
Figura B, afastando-se logo, para então os homens se aproximarem,
como na Figura D, e se afastarem novamente. Isso várias vezes su-
cessivamente.

54
55
QUADRO G

FISOU D

O segundo passo da Cana-Verde é difícil de explicar e de re-


presentar graficamente. Nele a alegria atinge o seu apogeu. Este
passo está representado na Figura C e, melhor ainda, no QUADRO
G. Nele a roda de quatro se desmancha. A mulher A da Figura D dá
sua mão direita à esquerda do homem C da mesma Figura e giram
no sentido indicado pela flexa. Quando a mulher A da Figura D pas-
sa perto do homem B da Figura C, larga a mão do seu par e dá a
sua esquerda à direita do homem B, girando agora com ele, no sentido
indicado pela flexa. Ao mesmo tempo em que a mulher A da Figura
D troca de par, o homem C da mesma Figura deve estar passando
perto da mulher D da Figura B. Dá a mão esquerda à sua direita 6
roda com ela, no sentido da flexa. Quando a mulher A da Figura C
passa novamente junto do homem C da Figura D, larga do seu par e
volta para ele. A mesma coisa faz o homem C da Figura B, quando
passa perto da mulher A da Figura D. De maneira que a mulher A
faz um círculo ora com o homem C na Figura D, ora com o homem
B na Figura C. O homem C da Figura D, por sua vez, ora faz o cír-
culo com a mulher A da Figura D, ora com a mulher D da Figura B.
De maneira que continuam as mesmas quatro pessoas, porém trocan-
do de par a cada giro e girando cada uma em dois lugares diferentes
(um giro em cada um). A mesma coisa que foi explicado com relação
à mulher A e ao homem C da Figura D, fazem o homem B e a mu-
lher D da Figura A.

A letra da Cana-Verde, que colhemos, é a seguinte:

Cana-Verde, Cana-Verde,
Cana do Canavial,
Que me chama Cana-Verde
Me qué bem, não me qué mal.

Quando eu era pequeninho,


Que pelo mato andava,
Todas folha que caía,
Os passarinho voava.

Abaxai-vos, serra verde,


Que eu quero ver a cidade.
Quero ver o meu amor,
Senão morro de saudade.

O rodopio do segundo passo da Cana-Verde faz-se em veloci-


dade cada vez maior, saltando e pulando, até terminar de forma es-
tonteante.

57
QUADRO G

FIOOKA B

O segundo passo da Cana-Verde é difícil de explicar e de re-


presentar graficamente. Nele a alegria atinge o seu apogeu. Este
passo está representado na Figura C e, melhor ainda, no QUADRO
G. Nele a roda de quatro se desmancha. A mulher A da Figura D dá
sua mão direita à esquerda do homem C da mesma Figura e giram
no sentido indicado pela flexa. Quando a mulher A da Figura D pas-
sa perto do homem B da Figura C, larga a mão do seu par e dá a
sua esquerda à direita do homem B, girando agora com ele, no sentido
indicado pela flexa. Ao mesmo tempo em que a mulher A da Figura
D troca de par, o homem C da mesma Figura deve estar passando
perto da mulher D da Figura B. Dá a mão esquerda à sua direita e
roda com ela, no sentido da flexa. Quando a mulher A da Figura C
passa novamente junto do homem C da Figura D, larga do seu par e
volta para ele. A mesma coisa faz o homem C da Figura B, quando
passa perto da mulher A da Figura D. De maneira que a mulher A
faz um círculo ora com o homem C na Figura D, ora com o homem
B na Figura C. O homem C da Figura D, por sua vez, ora faz o cír-
culo com a mulher A da Figura D, ora com a mulher D da Figura B.

56
De maneira que continuam as mesmas quatro pessoas, porém trocan-
do de par a cada giro e girando cada uma em dois lugares diferentes
(um giro em cada um). A mesma coisa que foi explicado com relação
à mulher A e ao homem C da Figura D, fazem o homem B e a mu-
lher D da Figura A.

A letra da Cana-Verde, que colhemos, é a seguinte:

Cana-Verde, Cana-Verde,
Cana do Canavial,
Que me chama Cana-Verde
Me qué bem, não me qué mal.

Quando eu era pequeninho,


Que pelo mato andava,
Todas folha que caía,
Os passarinho voava.

Abaxai-vos, serra verde,


Que eu quero ver a cidade.
Quero ver o meu amor,
Senão morro de saudade.

O rodopio do segundo passo da Cana-Verde faz-se em veloci-


dade cada vez maior, saltando e pulando, até terminar de forma es-
tonteante.

57
58
MARINHEIRO

O Marinheiro, também chamado Colorinda, é dança batida, mas


de coreografia delicada e graciosa. A roda vai girando. A certa altura
faz-se o passo do arco, já explicado em outras danças. Logo que a
folgadeira atinge o lugar que era ocupado pela anterior, levanta os
dois braços, até um pouco acima dos ombros, com as mãos espal-
madas para cima e os dedos recurvos. O folgador que vem atrás
prende ali os seus dedos, e nessa posição dançam, valsando, sem
sair da roda. Terminado esse passo, segue-se o oito já descrito. O
QUADRO H explica o passo: a mulher A passa pelo arco E e vai co-

QUAIRO H

MAEIKHEIBO

59
locar-se no lugar da mulher C, pondo os braços na posição indicada.
O homem D estende os braços para a frente, até pegar a mão da
sua dama no ponto G.

Letra:

Marinheiro me leva,
Para a barca de vela.
A bonita açucena
É de cravo e canela.
• 63Ílax9 H OSGAUO
Peguei nesta violinha
Com toda as minhas pena.
Tristeza, tu, menina!
Pra te leva, não posso;
Pra te deixa, tenho pena.

60
CARANGUEJO

O Caranguejo foi dança de roda, rural, também de origem aço-


rita. O passo começa com o arco já conhecido. Em seguida, folgador
e folgadeira, frente a frente, dão-se as mãos, com os braços caídos.
Começam então a balançar os braços, sobrepondo ora uma, ora ou-
tra mão, quando os braços vêm para o centro. O QUADRO I, Figura
A, explica a posição. O folgador C e a folgadeira D, de frente um
para o outro, dão-se as mãos H-l. A Figura B mostra o balanço dos
braços, sobrepondo-se ora a mão K, ora a mão L.

Os versos do Caranguejo são:

Caranguejo, você está enganado,


Está na porta do buraco, acomodado.
Vem o cachorro do mangue,
Passe pra cá, camarada.

Repete-se a mesma estrofe da Queromana:

Minha cabeça me dói,


Meu corpo doença tem.
Minha cabeça sarando,
Meu corpo sara também.

Laudaça (estribilho):

Tá fazendo buraquinho no chão.


Tá tirando caranguejo co'a mão.
Que isto não se acaba assim não.

61
62
63
BAILADO

O Bailado subexisfe em alguns lugares com o nome de marca,


mas em geral significa a marca valsada, sem sapateado. Como no-
me indica, é bailado ou valsado do começo ao fim. A música é a
mesma da Chamarrita.

VILÀO-DE-FITA

O Vilão-de-Fita, também chamado Vilão-de-Lenço ou Sapo, tem,


em alguns lugares, a mesma música e a mesma letra da Cana-Verde,
só se diferenciando desta pela coreografia.
Formam-se duas filas de homens e mulheres alternados em arri-
ba;, afastadas uma da outra, segurando cada par (os pares são for-
mados por homens de uma fila com mulheres da outra) um lenço
grande, geralmente de cabeça. O folgador segura numa extremidade
do lenço e a folgadeira na outra. Braços levantados, forma-se assim
um túnel de lenços. O QUADRO J ilustra a explicação. As duas filas
são formadas pelos dançarinos A-K e B-L, estando os lenços indicados
por M. Iniciada a dança, os bailarinos A-B fazem a curva indicada
pelas setas C-D, abaixam-se e passam por dentro das filas exteriores
e por baixo dos lenços levantados. Os que vêm atrás fazem os mes-
mos movimentos, de maneira que ficam quatro filas: duas exteriores
e duas interiores. As de fora, com os braços erguidos, fazendo o tú-
nel de lenços. As de dentro, abaixadas, passando sob os lenços. Quan-
do os dançarinos G-H chegam ao final do túnel, fazem a volta indi-
cada pelas flexas l-J e retomam a posição primitiva, nas filas exterio-
res. Quando os dançarinos passam pelo túnel, os lenços, em vez de
estarem esticados como em M, estão caídos, como em N. Toda essa
marcha é feita sob o batido.

Em certo momento, pára esse movimento e abre-se a roda do


Fandango. Têm lugar então os passos do arco e do oito, como no
Anu.

64
65
MEIA-CANJA

A Meia-Canja não apresenta nenhuma particularidade de coreo-


grafia. Forma-se a roda grande do Fandango e, sem desmanchar essa
roda e sem que ela pare no seu movimento rotativo, cada um valsa
com o seu par, conservando o mesmo até o fim. A dança é toda bai-
lada. A certa altura, os violeiros param de tocar e cantar. Então, um
dos folgadores canta um verso. Quando ele termina, recomeça o val-
sado e as violas reiniciam a música, respondendo um dos cantadores
ao verso do folgador. Quando os violeiros terminam a resposta, pára
novamente a música e a dança, e o folgador seguinte canta o seu
verso. Recomeça tudo de novo, e os violeiros respondem. E assim
por diante, até que todos os folgadores tenham cantado o seu verso.
Depois que todos os folgadores tiverem cantado, começam as folgadei-
ras, até que todos os componentes da roda tenham satisfeito esse re-
quisito da Meia-Canja.

Ê uma espécie de desafio entre os dançarinos e os violeiros.

Quando o par é constituído de namorados, muitas vezes um dos


dois canta o verso dirigindo-se ao outro e aproveitando-o para ga-
lanteios e declarações. O violeiro então responde procurando enca-

66
bular o par ante os presentes. Por vezes as moças têm vergonha de
cantar o seu verso. Então um dos dançarinos fá-lo em seu lugar.
A expressão "meia-canja" é influência da fronteira castelhana e
corruptela de meia "cana".

CHICO

O Chico é dançado em rodas de quatro, com dois pares. É ba-


tido e valsado como o Xará-Grande. Alternam-se as duas formas.
Os versos que colhemos dessa dança são:

Sereno que serenaste


Caiu na flor da rama.
Também eu decaí
No braço de quem me ama.

Chiquinho me disse que fosse lá,


Tinha uma coisa para me dá.
Peixinho do rio, camarão do má,
Caminha arrumada pra se deita.

67
TIRANINHA

A tiraninha veiu também dos Açores. Infelizmente não dispo-


mos de dados para precisar a sua coreografia. É batida e bailada.
Em certas regiões é igual à Andorinha.
A letra que colhemos é a seguinte:

Meu amor, falai baixinho,


Que as parede têm ouvido
Que os amor mais encoberto,
Esses são os mais sabido.

A viola não é minha.


Querendo, minha será.
Uma vez que intento nela,
Meu dinheiro pagará.

O " A " quer dizer amor,


Que eu firme te consagrei.
Alma, vida, coração,
Nas tuas mão entreguei.

Laudaça:

Se eu te quero bem, é certo.


Se me queres bem, não sei.
LAGEANA

A Lageana é mais melodiosa que as demais. Não temos dados


sobre a sua coreografia, que, em alguns lugares, é igual à do Xará-
Grande.
Os versos que coletamos são:

Abri meu peito, vereis,


Meu coração como está.
Todo feito em pedacinho,
Sem se pode ajuntá.

Vou-me embora pra São Paulo,


Vou vê o meu bom dinheiro,
Compra parelha de mula,
Cavalo passarinheiro.

Meu amor tá na janela,


Tá vendo os otros passa.
Ela namora ligeiro,
Eu namoro devagá.

Laudaça:

Adeus, adeus, Lageana!

PASSEADO

A característica do Passeado é que os pares passeiam, de dois


em dois, com as mãos dadas. É dança batida. Por vezes os pares ro-
dopiam, com as mãos um nos ombros do outro.

Enquanto isso os violeiros cantam:

69
Fui passeá no jardim,
De manhã, com meu amor,
Pegando pelas mão dela,
Para não corta as frol (flor).

Não sei que versinho canta,


No meio de tanta gente.
Tanta boca, tanto olhos,
Tanto nariz, tanto dente.

FELIZ

A coreografia do Feliz é igual à do Xará-Grande, com sapatea-


dos e valsados alternados, havendo entre os dois o passo do arco.
Diferencia-se uma dança da outra pela música e pela letra.

Colhemos do Feliz a letra seguinte:

Sou um pobre coitadinho,


Não tenho nada de meu.
Tenho uma viola velha,
Que um companheiro meu deu.

Laudaça:

Dona Mariquinha
Vem descendo a serra.
Matando e ferindo,
Vem fazendo guerra.
Sua esquadra pelo mar,
Mariazinha por terra.

70
SERRANA
A Serrana também é usada com a mesma coreografia do Xará-
Grande, tendo apenas letra e música próprias, que a distinguem da-
quela dança.

Cantam os violeiros:
Quando eu era pequeninho
Cantava que retinia,
Cantava aqui na cidade,
Lá em Curitiba se ouvia.
Quando eu era pequeninho,
Minha mãe me embalava.
Tantas mocinha bonita
Neste meu rosto beijava.

71
Quem seria que prantou
Erva cidreira na fonte.
Foi Maria com Aninha,
Que vieram de lá onte.

Serrana : (Costeifiwha.')

SABIÁ

A coreografia do Sabiá é ainda a mesma do Xará-Grande. O


passo do oito, o arco, o batido, o valsado e a roda grande sempre
a girar.

Enquanto isso os cantadores entoam:

Saracura do pântano,
Sabiá do Mato Grosso.
Quem cia de seus amor
Sespindura no pescoço.

72
Laudaça:
A malvada sabiá,
Que comeu meu arrozá,
Não me ajuda a prantá,
Nem tão pouco a capina.
O gavião que te pegue,
Que te leve para o ar,
Que não te deixe escapa.
Gavião, comei a carne,
E os ossos deixa ficá.

Meu bem, eu choro,


Chorando não canto mais.
Quero canta outra vez,
Outra vez quero canta,
Quero dá por despedida,
Por despedida vou dá.

Êylií ( Costeir-in!•)<?.")
VALSADO

O Valsado em alguns lugares é nome de marca do Fandango,


mas em geral é uma característica de certas marcas, que se contrapõe
ao sapateado. Como o nome indica, é valsada do começo ao fim.

Enquanto os pares rodopiam, os violeiros cantam:

Quero começa cantando,


Já que chorando nasci.
Quero vê se recupero,
O que chorando perdi.

Abri meus peito, vereis,


Meu coração como está.
Todo feito em pedacinho,
Sem se pode ajuntá.

Adepois que eu morre,


Que fizera-nos bastante,
Abri minha sepultura,
Pode sê que eu me levante.

RECORTADO

O Recortado muitas vezes é a dança empregada para encerrar


o Fandango. É uma mistura de todas as danças dançadas durante a
noite. É formado com pedaços recortados das outras danças. Isso em
certas regiões. Noutras, o Recortado tem uma coreografia própria.
A dança é só sapateada. Não tem valsados. Também não tem o pas-
so do oito. Forma-se a roda grande, com homens e mulheres alter-

74
nados. Os homens rodam num sentido e as mulheres no sentido opos-
to. Cada um passa uma vez por dentro e outra por fora do dançarino
que vem em sentido contrário. Quando se aproximam um do outro,
estendem-se mutuamente as mãos como num cumprimento. As mãos
ficam seguras até que os dançarinos se afastem. Quando já se vão
afastando, outro se aproxima, e então a mão livre é dada ao bai-
larino que vem. Dessa forma, o cumprimento é feito ora com a mão
direita, ora com a mão esquerda de ambos. Quando o cumprimento
é feito com a mão direita, os dançarinos se cruzam à esquerda, e
vice-versa. O QUADRO K ilustra a explicação. O homem C e a mu-
lher B vão cruzar-se, rodando em sentido oposto. Ambos deram-se a
mão esquerda e vão portanto passar pela direita. Cada um segue a
linha indicada pela seta. O homem C passou por fora e a mulher B por
dentro. Quando a mulher B se aproximar do homem E, larga a mão
do homem C e dá agora a sua direita à direita do homem E. Passará
agora a mulher D por fora e o homem E por dentro. E assim alter-
nadamente. Os homens giram na direção da flexa H e as mulheres na
da seta M.

Enquanto folgadores e folgadeiras se entrecruzam dessa forma,


cantam os violeiros:

Recorta, meu bem, recorta,


Recortado miudinho,
Que também de recorta
Nas asas do passarinho.

Peguei nesta violinha,


No meio deste salão,
Para toca e canta
Em tudo a repartição.

Meu camarada!

Tocando a sua rabeca,


Taremo na mesma coisa.
Tocamo nossa viola,
Seremo na mesma lousa.

É comum, no meio das danças ou do canto, um dos violeiros


soltar alto uma piada, dar um grito de animação, como: "Eia, moça-
da!" "Vamo, minha gente!", etc. Isso anima muito o Fandango e ale-
gra os espíritos.

75
CARADURA

A Caradura é uma dança valsada. Os pares formam a roda e


dançam conservando sempre mais ou menos o mesmo lugar. Há
porém um folgador sem companheira, que fica no meio da roda. Fo-
ra da roda, não participando da dança, fica um cavalheiro com um
bastão na mão. De vez em quando ele bate com o bastão no chão.
Os pares então se largam e os homens trocam de dama. O folgador
do meio da roda segura uma folgadeira para si. Sobra então o cara-
dura, que vai para o meio da roda.

SAPO E TATU

Sobre o Sapo e o Tatu, infelizmente não temos elementos.


O Sapo é, em alguns lugares, outro nome do Vilão-de-Fita.

PORCA

O característico da letra da Porca é a seqüência ascendente da


numeração, na letra dos versos:

77
O um matou o dois,
Deixa o jogo pra depois.
O dois matou o três,
Acinte ninguém me fez.

O três matou o quatro.


Mete a cabeça no mato.
O quatro matou o cinco,
Pra mim ninguém fez acinte.

O cinco matou o seis,


Acinte ninguém me fez.
O seis matou o sete,
Comigo ninguém se mete.

O sete matou o oito,


Pra mim ninguém seja afoito.
O oito matou o nove,
Comigo ninguém se envolve.

O nove matou o dez,


Muita tripa por dé (dez) réis.
O dez matou o onze,
Vem mata o que em bronze.

E assim continua, até alta numeração.

O nome Porca é provavelmente uma variação de Polca.


ESTRALA

Dança batida e valsada. Roda grande. Faz-se o arco, como no


Anu, sob o qual passa a folgadeira, transformando-se logo em se-
guida a dança, do batido para o valsado.

COQUEIRO

O Coqueiro é uma dança bailada, que se caracteriza pelas tro-


cas de pares.

(")
Deve-se observar que a distribuição dos versos pelas várias
marcas não é coisa absoluta. Há freqüentemente mistura, versos cria-
dos na hora, conforme a memória e a inspiração vão ajudando os
cantadores'. Mas no fim, há sempre um fundo comum de tradição,
com versos conhecidos também nos Açores e em Portugal. E esse é
um dos elementos que fazem do Fandango um patrimônio folclórico
brasileiro que, como todo legítimo foclore, tem suas raizes no pa-
trimônio universal da humanidade.

79
APÊNDICE

SANTOS REIS

Coleta feita em Guaratuba, em 1951.

Nos dias que antecedem a Festa dos Reis (6 de janeiro), em


Guaratuba, costumam organizar-se grupos de crianças ou de adultos,
os quais, cantando e tocando, vão percorrendo as várias casas do
lugar, durante a noite, e recebendo as ofertas que lhes são dadas.

Os instrumentos musicais do conjunto são: um tambor, com cou-


ro de lagarto, tamanduá, veado ou cotia; uma viola de 7 cordas, in-
clusive o grilo (meia-corda); a machete, viola pequena, de 3 cordas,
sem grilo; e um sino ou ferrinho para a percussão.

O mestre ou folião é o que toca a viola e canta os solos. O con-


junto repete os versos em coro. Eles distinguem o tripé (tiple) do
contra. O primeiro canta alto e fino, o segundo, mais baixo. Saqueiro
é o que carrega o saco para receber as ofertas: dinheiro, bananas,
melancia, feijão, etc.
Chegando diante da casa, onde muitas vezes os moradores es-
tão dormindo, o grupo canta, na frente da porta fechada:

Boa-noite, meu senhor,


O Santo Rei veiu dar,
Nossa Senhora venzeu,
Deus do Céu abençoou.
Santo Rei vem de longe,
Cansado de viajar.
Venho lhe pedir umoferta,
Por acaso puder dar.

Vós viestes da oferta,


Com o vosso filho no braço.
Acordais quem tá dormindo,
Na vossa cama dorada.
Havireis ser ajudado
Por Nossa Senhora dos Passos.

80
Vi a luz reluzir.
Pelo buraco da chave
Mandai abrir vossa porta
Por vosso nobre criado.

Aberta a porta, pelo dono da casa, cantam

Oferta

A oferta desse senhor


Já foi no céu e vortou.
O Santo Rei tá cansado,
Tá cansado de anda.

O Santo Rei tá cantando


Debaixo desse telhado.
Não sabeis o quanto custa
Passar uma noite fora.

Por fim vem a

Despedida

O Santo Rei vem de longe,


Cansado de viajar,
Vem pedindo uma oferta,
Por acaso puder dar.
O Santo Rei se despede,
Até pro ano voltar.
Nossa Senhora das Graças
Que lhe sirva de madrinha.

A oferta do senhor,
Deus do Céu há de pagar.
Essa oferta do senhor,
Deus do Céu há de pagar.

O Santo Rei foi em Roma,


Foi em Roma e já vortou.
Nós fomos lá no céu,
No pé de Nosso Senhor.

O Santo Rei vai embora,


Que já tá ficando tarde.
Me descurpe, meu senhor,
Me descurpe a demora.
Na Colônia Maria Luísa (Município de Paranaguá), colhemos os
seguintes versos do Terno de Reis: ,

Os três reis por serem santos,


Saíram a caminhar,
Foram chegar em Belém,
Antes do galo cantar.

Aqui estou em vossa porta,


Em baixo de seu beirado.
Mande abrir a sua porta,
Pelo seu nobre criado.

Pelo buraco da chave,


Eu já vi a luz luzir.
Pelo seu nobre criado,
Sua porta mande abrir.

BENZEDURAS

Coleta feita na Colônia Maria Luísa


(Município de Paranaguá).

Ezipra

De onde vindes, Pedro Paula?


— De Roma, Senhor.
— Que doença há por lá?
— Ezipra, eziprela.
Muita gente morreu dela.
— Com que cura-se, Pedro Paula?
— Cura-se com a lã do carneiro
e o azeite de oliveira,
e o nome de Deus e a Virgem Maria".
"Com estas santas palavras a ezipra do corpo de Fulano sararia".
Um Padre-nosso e uma Ave-Maria.

Para dor de dente e dor de cabeça

"Deus é o sol, Deus é a lua, Deus é a claridade. Sol clarisbela,


1
por onde entrastes, por aí sairás, com o nome de Deus e da Virgem
Maria".
Reza-se um Padre-nosso, uma Ave-Maria, oferecidos ao Santíssi-
mo Sacramento do Altar, para a dor que estiver no dente ou na ca-
beça de Fulano.

82
"Se fôr sol, se fôr lua, se fôr claridade, se fôr nervagia, se fôr
sangue, se fôr ramo de ar, seja curado, com o nome de Deus, que é
o Pai e o Filho, o Espírito Santo, Amém".

Para olhado e azar

"Deus nos traz no mundo, e Deus é que nos faz criar. Fulano,
eu te benzo, para se tiveres olhado ou azar, eu tirarei. Com dois te
deram e com três eu te tiro. Três são as três virtudes da Santíssima
Trindade. Se tiveres olhado de raiva, azar de maus olhos, eu te tiro
com o nome de Deus e da Virgem Maria. Senhora, ajudai-nos; dos
maus inimigos defendei-nos sempre. Glória ao Padre e ao Filho e o
Amor também, que é um só Deus e pessoas três, como no princípio,
agora, sempre foi e depois por todos os séculos dos séculos. Amém".

Para cobreiro

— "Da onde vindes, Pedro Paula?


—• De Roma, Senhor.
— Que doença há por lá?
— Cobreiro, Senhor.
— Com que cura-se, Pedro Paula?
— Cura-se com o ramo do monte e água da fonte.
Com as palavras benditas, o cobreiro do corpo de Fulano sara-
ria, com o nome de Deus e a Virgem Maria".

Para impingem

"Impingem rabija, que quer rabijá.


Eu te mato com cuspo em jejum e a cinza do lar.
E o nome de Deus que há de te curar.
Que a impingem de teu corpo irá secar.
Que de hoje em diante ela não aumentará.
Seja curada com Deus Pai e o Filho, Espírito Santo, Amém".

83
ÍNDICE GERAL

Proêmio Vol. I - 57
Romaria de S. Gonçalo Vol. I - 57
FOLGUEDOS POPULARES DO LITORAL PARANAENSE
Introdução Vol. I - 64
Dança do Pau-de-Fita Vol. 1 1 - 1 3
Dança das Balainhas Vol. 1 1 - 7
Boi-de-Mamão 13
Cena do Boi e do Cavalinho 15
Cena do Barão 23
Cena da Bernunça 25
Cena do Carneiro 26
Cena da Mariola 26
Fandango 32
Instrumentos musicais 34
Quentão 36
Barreado 37
Biju de mandipuva 38
Biju de cuscus 38
Biju de tipioca 39
Anu 40
Xarazinho 42
Xará-Grande 43
Queromana 45
Tonta •• 48
Dondom 51
Chamarrita 51
Andorinha 52
Cana-Verde 54
Marinheiro 59
Caranguejo 61
6 4
Bailado
6 4
Vilão-de-Fita
Meia-Canja 66
Chico 67
Tiraninha 68

85
Lageana 69
Passeado 69
Feliz 70
Serrana 71
Sabiá 72
Valsado 74
Recortado 74
Caradura 77
Sapo 77
Tatu 77
Porca 77
Estrala 79
Coqueiro 79
APÊNDICE 80
Santos Reis 80
Benzeduras 82

86
ÍNDICE DOS QUADROS COREOGRÁFICOS

Dança de Pau-de-Fita — 1.° passo . . .


2.° passo (1.° quadro)
2.° passo (2.° quadro)
3.° passo (1.° quadro)
3.° passo (2.° quadro)
3.° passo (3.° quadro)
3.° passo (4.° quadro)
4.° passo (1.° quadro)
4.° passo (2.° quadro)
Dança das Balainhas — 1.° passo
2.° passo

Anu
Xará-Grande
Queromana .
Tonta (oito individual)
Tonta (oito coletivo)
Andorinha
Cana-Verde — 1.° passo
2.° passo
Marinheiro
Caranguejo
Vilão-de-Fita
ÍNDICE DAS FOTOGRAFIAS

Violeiro da Romaria de São Gonçalo


A trança do Pau-de-Fita
A Balainha armada
Balainhas — 1.° passo
Dança das Balainhas pelas alunas do Instituto de Educação
de Curitiba
O Vaqueiro e os músicos
O Doutor atende ao Pai Mateus
O Boi laçado pelo cavaleiro tenta ainda investir
O Boi laçado abandona o recinto
O Barão engole o menino
O Barão e a Bernunça
A Mariola dengosa e mimada

Viola do Fandango
Viola, Rabeca e Adufo — Aocmpanhamento do Fandango
Barreado em Paranaguá

88
ÍNDICE DOS TEXTOS MUSICAIS

Romaria de São Gonçalo


Dança do Pau-de-Fita
Dança das Balainhas
Cena do Boi
Chamada do Cavalinho para trazer o Doutor
Cena do Barão e da Bernunça
Anu (Costeirinha)
Anu (Pontal do Sul)
Xarazinho (Pontal do Sul)
Xará-Grande (Costeirinha)
Xará-Grande (Pontal do Sul)
Queromana (Costeirinha)
Queromana (Pontal do Sul)
Tonta (Costeirinha)
Tonta (Pontal do Sul)
Dondom (Costeirinha)
Chamarrita (Costeirinha)
Chamarrita de "oito" (Pontal do Sul)
Andorinha (Costeirinha)
Andorinha (Pontal do Sul)
Cana-Verde (1.° Variante — Costeirinha) .
Cana-Verde (2.° Variante — Costeirinha) .
Cana-Verde (Pontal do Sul)
Marinheiro (Costeirinha)
Marinheiro (Pontal do Sul)
Caranguejo (Costeirinha)
Caranguejo (Pontal do Sul)
Vilão-de-Fita (Costeirinha)
Meia-Canja (Costeirinha)
Chico (Pontal do Sul)
Tiraninha (Pontal do Sul)
Lageana (Pontal do Sul)
Passeado (Pontal do Sul)
Feliz (Costeirinha)
Feliz (Pontal do Sul)
Serrana (Costeirinha)
Serrana (Pontal do Sul)
Serrana (Costeirinha)
Sabiá (Pontal do Sul)
Valsado (Pontal do Sul)
Recortado (Pontal do Sul)
Porca (Costeirinha)

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