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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A SEXUALIDADE E GÊNERO

1
Sumário
NOSSA HISTÓRIA ............................................................................................. 3
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 4
ORIGENS DA POLÍTICA LGBT ......................................................................... 5
POLITICAS PUBLICAS PARA A SEXUALIDADE E GÊNERO .......................... 7
CONSELHO NACIONAL DE COMBATE À DISCRIMINAÇÃO/LGBT ................ 9
SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA -
SDH/PR ............................................................................................................ 10
POLITICAS PUBLICAS DE GENÊRO.............................................................. 11
DESAFIOS DO ESTADO LAICO .................................................................. 16
DIREITOS SEXUAIS NO BRASIL .................................................................... 18
BRASIL SEM HOMOFOBIA ............................................................................. 22
RELAÇÕES E TENSÕES COM O MOVIMENTO LGBT .................................. 25
DIVERSIDADE SEXUAL, RELAÇÕES DE GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS
......................................................................................................................... 28
DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO NO
BRASIL: AVANÇOS E DESAFIOS ................................................................... 31
MUITAS VIOLAÇÕES E CONHECIMENTO PRECÁRIO ............................. 33
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 36

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NOSSA HISTÓRIA

A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de em-


presários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Gradua-
ção e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade
oferecendo serviços educacionais em nível superior.

A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a partici-
pação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua forma-
ção contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, ci-
entíficos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o
saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de for-


ma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma
base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das ins-
tituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação
tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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INTRODUÇÃO

A temática dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transe-


xuais (identificados pela sigla LGBT desde a 1ª Conferência Nacional datada
em 2008) tem ganhado, nos últimos anos, grande visibilidade no debate públi-
co. As Paradas do Orgulho LGBT têm sido organizadas em diversas partes do
país e tem contribuído para a publicitação de situações de discriminação e vio-
lência direcionadas a este segmento da população. Casos de violência motiva-
dos por homofobia, lesbofobia e transfobia demonstram a intolerância ainda
reinante na cultura brasileira em relação a identidades sexuais e de gênero
discordantes do modelo cis-heterossexual hegemônico. Tal visibilidade tem
sido acompanhada de alguns importantes ganhos do ponto de vista legal.

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) proferida em maio de


2011 representa importante marco, na medida em que estendeu aos casais do
mesmo sexo os mesmos direitos conjugais garantidos aos casais do sexo
oposto vivendo em união estável. Esta decisão possibilitou que, no ano de
2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) garantisse aos casais do mesmo
sexo o direito ao casamento civil. Mais recentemente, em 2018, o STF decidiu
que travestis e transexuais podem alterar seus registros civis sem a necessida-
de de laudos psicológicos ou cirurgias de transgenitalização, um histórico pas-
so para o reconhecimento das identidades de gênero.

Da mesma forma, o Programa “Brasil Sem Homofobia”, elaborado no


governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), foi a primei-
ra política pública direcionada especificamente à promoção e defesa dos direi-
tos de LGBT na América Latina. Em decorrência, o referido Programa motivou
a que diversos estados e municípios criassem políticas públicas voltadas ao
segmento LGBT. Essas vitórias legais representam importantes avanços na
luta pela cidadania plena de LGBT, a despeito dos enfrentamentos cotidianos
que o movimento social tem sofrido nos últimos anos no Congresso Nacional.

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ORIGENS DA POLÍTICA LGBT

Os dados obtidos nas entrevistas com os gestores demonstraram uma


diversidade de experiências e fatores que impulsionaram a criação desses ór-
gãos, mais ou menos conflitivas. Acreditamos que quando há convergência
entre os projetos políticos, entendidos aqui nos termos de Dagnino et al (2006)
como o “conjunto de crenças, interesses, concepções de mundo, representa-
ções do que deve ser a vida em sociedade, que orientam a ação política dos
diferentes sujeitos” (DAGNINO et al, 2006, p. 38)10, entre ativistas e setores do
governo, o diálogo e a negociação se tornam mais viáveis, facilitando o pro-
cesso de construção da política LGBT no Estado11.

Por outro lado, se esses projetos forem distintos ou antagônicos, aumen-


ta o nível de embate e de dificuldade para a criação de um espaço para ações
LGBT no governo. É o que demonstraram as experiências pernambucanas.

A Assessoria de Diversidade Sexual do governo estadual foi criada após


forte pressão política do Movimento LGBT, que realizou uma marcha no centro
da capital bloqueando o trânsito no Palácio do Campo das Princesas (sede do
governo estadual). Essa mobilização ocorreu no ano de 200912, mesmo ano
em que o organismo de políticas de diversidade sexual foi criado.

O então governador do estado, Eduardo Campos (PSB-PE), tinha vincu-


lações com setores da esquerda local e nacional13 e demonstrou-se aberto às
demandas do movimento LGBT local. Já em outro contexto, em 2012, o Centro
Estadual de Combate à Homofobia surgiu após diálogo entre a ONG Leões do
Norte – instituição que administrava o antigo Centro de Referência de Combate
à Homofobia – e o governo estadual que já contava com a Assessoria de Di-
versidade Sexual para mediar o diálogo entre o Movimento LGBT e o governo
(FEITOSA, 2017).

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Nesse diálogo, o então Centro de Referência gerido pela ONG foi “en-
tregue” à Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos que pas-
sou a administrar os serviços com a migração de membros dessa ONG para o
governo do estado, ou seja, essa experiência contou com o trânsito de atores
da sociedade civil para o Estado.

Nas demais prefeituras, a sociedade civil também teve papel fundamen-


tal na criação dessas estruturas governamentais: os dados revelam que a mai-
oria dos organismos de políticas LGBT foi instalada após intervenção do Movi-
mento LGBT, seja através de diálogos diretos com os Chefes do Executivo,
seja por meio das conferências LGBT.

É importante destacar o papel das conferências no alargamento dessas


políticas em território nacional. As etapas municipais, regionais e estaduais,
partes constituintes da etapa nacional, fomentaram discussões locais que re-
sultaram ou contribuíram para a criação de estruturas administrativas LGBT
principalmente junto aos governos municipais.

No caso dos demais municípios que contaram com a iniciativa do próprio


governo na decisão de criar estes espaços, observou-se a importância dos
gestores alinhados com o campo dos movimentos sociais nestas iniciativas.
Em termos de oposição à criação dessas políticas, a maioria dos gestores en-
trevistados respondeu que desconhecia algum tipo de movimento ou grupo po-
lítico claramente opositor.

No entanto, Heitor, do governo estadual, relatou que a divulgação da


criação da Assessoria de Diversidade Sexual para a imprensa só ocorreu, es-
trategicamente, no dia da assinatura do decreto de instalação, visando evitar
que setores oposicionistas tivessem tempo hábil de se organizarem politica-
mente e ensaiassem um boicote ante o governador.

Evidentemente, uma estratégia de prevenção dos possíveis ataques que


poderiam acontecer caso a criação do órgão fosse divulgada com antecedên-
cia. Nicolas, gestor municipal, afirma ter havido oposição da bancada evangéli-
ca da Câmara de Vereadores de seu município e Filipe compartilhou que, em-
bora não tenha havido oposição à criação da Coordenadoria, presenciou críti-

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cas à criação do Conselho Municipal LGBT da sua cidade pela bancada de ve-
readores da oposição.

A atuação política de religiosos cristãos refratárias a cidadania LGBT


não é exclusividade de Pernambuco. Mello, Brito e Maroja (2012) notam que o
investimento do Movimento LGBT sobre o Poder Executivo é reflexo dos ata-
ques que o segmento vem sofrendo do Poder Legislativo. Além da tentativa de
impedir o funcionamento de políticas públicas LGBT, representantes políticos
católicos e evangélicos já apresentaram projetos de lei como o dia do orgulho
hétero, o Estatuto da Família, a cura gay e a censura do debate sobre gênero e
sexualidade na educação (chamado por esses setores de “ideologia de gêne-
ro”).

Por fim, nossos dados apontam que esses organismos foram criados en-
tre os anos de 2005 (o mais antigo) a 2014 (ano da pesquisa) possivelmente
graças as iniciativas de criação de centros de referência de cidadania LGBT no
âmbito do Programa Brasil Sem Homofobia lançado em 2004.

POLITICAS PUBLICAS PARA A SEXUALIDADE E GÊNERO

Faremos um percurso histórico sobre a construção de leis e políticas


públicas que preconizam as questões envolvendo a diversidade sexual e de
gênero. Parte-se da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que
afirma em seu preâmbulo que o desprezo e o desrespeito pelos direitos huma-
nos resultaram em atos bárbaros que ultrajam a consciência da humanidade.
Em seu artigo 2º, declara:

Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades


proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, no-
meadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de
opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna,
de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será
feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou in-
ternacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja
esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito
a alguma limitação de soberania.

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Segundo Limongi (1977), essa declaração foi aprovada objetivando as-
segurar o respeito aos direitos humanos, bem como tratar os casos de viola-
ção.

Os anos 1960-1970 foram marcados, no Brasil, de acordo com Dallari


(2007), especialmente pela capacidade de resistência do povo diante dos arbí-
trios e da ausência de respeito às instituições democráticas. Naquele mesmo
período, as discussões em relação aos direitos sexuais e reprodutivos se da-
vam no campo da saúde reprodutiva, e, em nível internacional, foram promovi-
das as políticas de planejamento familiar.

As diferenças nas demandas, como a questão da invisibilidade lésbica


dentro do movimento, e do reconhecimento das identidades travestis e transe-
xuais surtiram na segmentação deste movimento, que é historicamente marca-
do pelo protagonismo dos gays. As disputas indenitárias o surgimento da sigla
LGBT ocorre na tentativa de contemplar a diferença destes sujeitos (FACCHI-
NI, 2005). A ascensão da AIDS transitou de um dispositivo inquisidor a um mo-
tivador de luta, e a desestigmatização culminou em um pilar central no reco-
nhecimento da luta LGBT no Brasil. É também, neste momento, que os primei-
ros grupos de ativismo passaram pelo processo de desenvolvimento de ativi-
dades de prevenção à AIDS. Após isto, outras lutas foram incorporadas à pla-
taforma LGBT, como a parceria civil/ casamento, e a adoção de crianças por
casais não-heterossexuais. Recentemente, incorporasse, também, a luta pela
criminalização da homofobia no âmbito da segurança pública, a partir do en-
tendimento da “necessidade” de uma punição aos perpetradores da violência
homofóbica.

O Plano LGBT foi lançado recentemente, em 14 de maio de 2009 confe-


rência nacional em 2 eixos estratégicos: I - Promoção e defesa da dignidade e
cidadania LGBT ; II – Implantação sistêmica das ações de promoção e defesa
da dignidade e cidadania LGBT, com ações a serem desenvolvidas a curto
prazo (ainda em 2009) e em médio prazo (até 2011) distribuídas entre os Minis-
térios da Saúde; Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Trabalho e Em-
prego; Previdência Social; Relações Exteriores; Turismo; Justiça; Segurança
Pública; Educação; Cultura; Defesa; Cidades; Meio Ambiente; Planejamento,

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Orçamento e Gestão; e a SEDH. O documento mostra que “o Plano contempla,
numa perspectiva integrada, a avaliação qualitativa e quantitativa das propos-
tas aprovadas na Conferência Nacional GLBT, considerando ainda a concep-
ção e implementação de políticas públicas” (BRASIL, 2009, p. 9). Tem como
objetivo: Orientar a construção de políticas públicas de inclusão social e de
combate às desigualdades para a população LGBT, primando pela intersetor
alidade e transversalidade na proposição e implementação dessas

CONSELHO NACIONAL DE COMBATE À DISCRIMINA-


ÇÃO/LGBT

A Secretaria dos Direitos Humanos - SDH assumiu a defesa dos direitos


da população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, desde o
lançamento do Programa Nacional dos Direitos Humanos, em 1996. Diante da
III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
Intolerância Correlata realizada em Durban-África do Sul, no ano de 2001, a
SDH reconheceu a luta dos movimentos e passou a incluir um representante
de cada segmento no Comitê de preparação da participação brasileira na Con-
ferência.

Em 2004, através do trabalho do CNCD e entidades organizadas da so-


ciedade civil, foi lançado o Programa “Brasil Sem Homofobia”, que propõe a
inclusão da perspectiva da não-discriminação por orientação sexual e identida-
de de gênero e de promoção dos direitos humanos de LGBT, nas políticas pú-
blicas e estratégias de governo a serem implementadas por seus diferentes
ministérios e secretarias.

De acordo com o seu Regimento Interno, o conselho tem por função a


formulação e proposição de diretrizes de atuação governamental voltadas para
o combate à discriminação e para a promoção e defesa dos direitos. Ao conse-
lho compete participar na elaboração de critérios e parâmetros de ação gover-
namental, assim como compete a revisão e monitoramento de ações, priorida-
des, prazos e metas do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos
Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - PNLGBT.

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Compõe-se paritariamente por 30 membros do poder público e da soci-
edade civil organizada. Para representar o poder público, participam membros
de diversos órgãos do governo federal. Os quinze representantes da sociedade
civil, por sua vez, são indicados por entidades sem fins lucrativos, selecionadas
por meio de processo seletivo público.

SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA


DA REPÚBLICA - SDH/PR

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República é a res-


ponsável pelo acompanhamento, articulação, elaboração e implementação das
políticas públicas destinadas à população LGBT. Ela tem em sua estrutura a
Coordenação Geral de Promoção dos Direitos de LGBT e o Conselho Nacional
LGBT que cumprem esse papel.

Neste contexto, é importante que se reconheçam os avanços conquista-


dos para a promoção de direitos e cidadania LGBT, contribuíram para um au-
mento significativo e regularidade constante das violências. Em maio de 2011,
a união estável para casais do mesmo sexo foi reconhecida pelo Supremo Tri-
bunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132,
onde ministras e ministros corroboraram o entendimento do ministro relator das
ações, Ayres Britto. Segundo ele, o artigo 1.723 do Código Civil deve ser inter-
pretado conforme a Constituição, excluindo do mesmo qualquer significado que
impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pesso-
as do mesmo sexo como “entidade familiar” (STF, 2011). A partir dessa deci-
são, outros direitos passam a ser garantidos e reforçados.

Esta importante conquista ganha força com os dados apresentados pelo


Censo 2010. De acordo com eles o Brasil possui 60.002 casais LGBT (IBGE,
2011). A região com o maior número de pessoas que declararam viver com
companheiras e companheiros do mesmo sexo é a região Sudeste, com
32.202 casais; seguido pelo Nordeste (12.196), o Sul (8.034) e o Centro-Oeste

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(4.141). A região Norte, com 3.429 casais LGBT, é a que registra o menor nú-
mero de uniões entre pessoas do mesmo sexo. Entre os estados onde se re-
gistra a maior quantidade de uniões estão os estados de São Paulo (16.872
casais), Rio de Janeiro (10.170) e Minas Gerais (4.098). Já os menores índices
ficam entre Roraima (96), Tocantins (151) e Acre (154).

Contudo, se por um lado se reconhecem avanços, por outro os dados de


violência apresentados e os requintes de crueldade nas diversas cenas de
agressão noticiadas pela imprensa ainda chocam e provocam preocupações
ao Poder Público. Para combater essa realidade se faz necessário e urgente a
implantação de políticas públicas de combate as homofobias em todos os ní-
veis de gestão (municipais, estaduais, distrital e da União) em articulação com
a Sociedade Civil Organizada. Sem ações efetivas, a violência não será conti-
da.

POLITICAS PUBLICAS DE GENÊRO

Em maio de 2004, o Governo Federal lançou o Programa de Combate à


Violência e à Discriminação contra GLBT e de Promoção da Cidadania Homos-
sexual, que ficou conhecido como programa “Brasil sem Homofobia”, coorde-
nado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
(SDH/PR). Esse Programa teve participação de oito ministérios que passaram
a estruturar e incorporar ações de reconhecimento dos direitos da população
LGBT, de forma inédita no Brasil.

O “Brasil sem Homofobia” foi construído em parceria com entidades da


Sociedade Civil Organizada e englobava 53 ações distribuídas nas áreas de
acesso a direitos, legislação e justiça, cooperação internacional, segurança
pública, educação, saúde, trabalho, cultura, juventude, mulheres, combate ao
racismo e homofobia.

A partir de suas ações, muitos projetos estratégicos foram desenvolvi-


dos: apoio à realização de Paradas do Orgulho LGBT que se multiplicaram pe-
lo país; sensibilização de professoras e professores e outros profissionais da

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educação para o tema de combate à discriminação por orientação sexual e
identidade de gênero; fomento à criação de Centros de Referência em Direitos
Humanos de Prevenção e Combate a Homofobia; e implantação de Núcleos de
Pesquisa e Promoção da Cidadania LGBT em universidades públicas. Também
foram apoiados projetos estratégicos como a realização de seminários nacio-
nais nas áreas de direitos humanos, segurança pública, educação, saúde, en-
tre outros (CNCD, 2004). O programa “Brasil sem Homofobia” instrumentalizou
a discussão transversal de política pública, em diversos órgãos e estruturas
governamentais, considerando a inserção do recorte de orientação sexual e
identidade de gênero, inspirando o debate e o fortalecimento de iniciativas para
o combate a homofobia.

Com o amadurecimento do tema na esfera das políticas públicas, a par-


tir das ações do Programa, criou-se condições para ampliar a discussão sobre
os Direitos Humanos de LGBT. Assim, foi também a partir da estrutura (financi-
amento, equipe, rede de apoio e trabalho) do Programa “Brasil Sem Homofo-
bia” que se tornou viável a realização da 1ª Conferência Nacional LGBT. A 1ª
Conferência Nacional LGBT, em junho de 2008, teve como tema “Direitos Hu-
manos e Políticas Públicas: o caminho para garantir a cidadania de LGBT”.

A Comissão Organizadora foi composta por representantes do Governo


Federal e das redes nacionais de organizações da sociedade civil voltadas à
promoção e defesa dos direitos de pessoas LGBT, reunindo cerca de mil parti-
cipantes de todo o país na capital brasileira. O resultado da 1ª Conferência Na-
cional LGBT norteou a elaboração do Plano Nacional de Pro moção da Cida-
dania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transe-
xuais, baseado em diretrizes, preceitos éticos e políticos que buscam a garan-
tia dos direitos e do exercício da plena cidadania LGBT (Brasil, 2009). Lançada
em dezembro de 2009, a última versão do Programa Nacional de Direitos Hu-
manos - PNDH-3, dá relevância, de forma transversal, às demandas por igual-
dade de direitos e combate à discriminação da população LGBT no Brasil.

Resultado da compilação de diversas Conferências Nacionais, o PNDH-


3 fortalece e incorpora reivindicações históricas do movimento LGBT. São 38
Ações Programáticas com interface nas questões dos direitos da população

12
LGBT dentro do PNDH-3, concentradas no eixo “Universalizar direitos em um
contexto de desigualdades”. Estas ações, convertidas em decreto, apontam a
prioridade de atuação para os órgãos do Governo Federal responsáveis por
sua execução (Brasil, 2010). Outra ação importante foi a criação da Coordena-
ção Geral de Promoção dos Direitos de LGBT e da Coordenação Geral da Se-
cretaria Executiva do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Pro-
moção dos Direitos de LGBT (CNCD/LGBT) na Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República, em 2009.

No ano seguinte, foi publicado o Decreto que dispõe sobre a composi-


ção, estruturação, competências e funcionamento do CNCD/LGBT e em 2011 o
Conselho foi instalado. (SDH/PR, 2011). Em consonância com o PNDH-3, a
efetiva implementação do Plano Nacional LGBT surge como uma questão fun-
damental e se apresenta como o centro do debate da 2ª Conferência Nacional
de Políticas Públicas e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Tra-
vestis e Transexuais – LGBT. Esta Conferência terá como objetivo central ana-
lisar as ações realizadas e avaliar seus resultados, bem como propor estraté-
gias para o seu fortalecimento e diretrizes para a implementação de políticas
públicas no combate à discriminação e a promoção da cidadania de LGBT.

Em junho de 2011, foi fundado o Fórum Nacional de Gestoras e Gesto-


res Governamentais de Políticas Públicas para Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais (FONGES), formado por representantes de órgãos
governamentais, de cidades e estados brasileiros, que atuam com políticas pú-
blicas para a população LGBT. Este fórum tem como principais objetivos, a
formulação de diretrizes básicas para subsidiar o aprimoramento das políticas
públicas para LGBT e o posicionamento em favor dos interesses de municípios,
estados e do Distrito Federal na execução de políticas públicas específicas
(Jusbrasil, 2011) A lista dos órgãos gestores estaduais e municipais de políti-
cas LGBT encontra-se no Anexo II.

Dentre as ações importantes realizadas pelo Governo Federal se desta-


cam a regulamentação do processo transexualizador no SUS em 2008, o reco-
nhecimento pela Receita Federal das uniões estáveis entre pessoas do mesmo
sexo na declaração de imposto de renda, desde o ano-base de 2010.

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Em maio de 2010, através da Portaria 233 do ministério do Planejamen-
to, Orçamento e Gestão ficou assegurada a utilização do nome social adotado
por servidoras e servidores transexuais e travestis. Igual medida tomou o minis-
tério da Saúde com a publicação da portaria que garantiu o uso do nome social
no atendimento médico. Também a Carta dos Usuários do SUS, Portaria
1820/2009, garante o nome do uso social das travestis e transexuais. Em feve-
reiro de 2011, a SDH/PR lançou o selo “Faça do Brasil um Território Livre da
Homofobia” que divulga o módulo LGBT do Disque Direitos Humanos.

Contextualizando os avanços nos estados e municípios, em 2009, o es-


tado do Rio de Janeiro incluiu nos boletins de ocorrência de 132 delegacias, a
denominação de crime por homofobia e, assim, se tornou o primeiro a notificar,
em dados oficiais, a violência contra a população LGBT.

O levantamento de dados foi feito a partir dos boletins de ocorrência re-


gistrados em delegacias e divulgados pelo “Programa Rio Sem Homofobia”
apontaram 776 denúncias de delitos contra cidadãs e cidadãos LGBT, entre
julho de 2009 e novembro de 2010. Dos 92 municípios do estado, 42% tiveram
casos de violência contra homossexuais.

As regiões que mais registram ocorrências são: a cidade do Rio de Ja-


neiro com 62,5%, seguida pela Baixada Fluminense e a região no entorno da
capital onde se concentraram 15,1% dos casos (CLAM, 2011). Minas Gerais
iniciou no primeiro semestre de 2011, uma iniciativa semelhante, com a criação
de um novo modelo de boletim de ocorrência.

O documento, utilizado pelas polícias Civil e Militar e pelo Corpo de


Bombeiros, terá campos específicos para preenchimento da orientação sexual
da vítima e da possível motivação do crime. Por meio desses dados, será pos-
sível mensurar a violência contra homossexuais e traçar políticas públicas de
combate as homofobias (Defensoria-MG, 2011).

Algumas constituições estaduais e legislações municipais tratam explici-


tamente da discriminação em razão da orientação sexual. De acordo com os
resultados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (IBGE, 2009), a
proibição de discriminação por orientação sexual consta em três constituições

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estaduais (Mato Grosso, Sergipe e Pará), e há legislação específica nesse sen-
tido em mais cinco estados (Rio de Janeiro, Santa Catarina, Minas Gerais, São
Paulo e Rio Grande do Sul) e no Distrito Federal. No que diz respeito aos da-
dos municipais, esta pesquisa identificou 126 municípios, 2,3% do total, possu-
em algum tipo de política para a população LGBT.

Essas políticas são proporcionalmente predominantes em municípios


mais populosos, onde vivem 9,5 milhões de habitantes, o que corresponde a
5% da população brasileira. De modo geral, no que diz respeito às coordena-
ções governamentais de políticas LGBT, tem-se, além Coordenação Geral
LGBT em âmbito federal, a Coordenação do Estado de São Paulo, de Minas
Gerais, do Ceará e no Rio Grande do Sul e as Coordenações Municipais de
Fortaleza (CE), Vitória (ES), Betim (MG), Rio de Janeiro (RJ), Campinas (SP),
Porto Alegre (RS) e São Paulo (SP) (ABGLT, 2011).

Há ainda outros espaços governamentais, não denominados coordena-


ções, mas que atuam com a política LGBT, são eles: Assessoria Especial para
assuntos LGBT ligado ao Gabinete do Governador do Estado de Pernambuco,
a Superintendência de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos da Secretaria
de Assistência Social e Direitos Humanos do Governo do Estado do Rio de Ja-
neiro, o Departamento de Humanidades de Santo André (SP), com uma asses-
soria para cuidar da temática, ainda a Gerência da Livre Orientação Sexual,
vinculada à Secretaria de Direitos Humanos de Recife (PE), Gerência de Políti-
cas da Diversidade da Secretaria de Políticas para Mulheres e Promoção da
Igualdade Racial do Estado de Goiás, Núcleo de Atendimento Especializado
para Pessoas em Situação de Discriminação Sexual, Racial e Religiosa do Go-
verno do DF, Coordenadoria da Mulher, Direitos Humanos e Equidade do Go-
verno de Palmas, Gerência dos Direitos Sexuais e LGBT do Governo da Paraí-
ba e a recém criada Divisão de Políticas para a Diversidade Sexual da Secreta-
ria de Cidadania e Assistência Social de São Carlos (SP).

Em relação a equipamentos de atendimento à população LGBT, existem


diversas cidades e alguns estados que tem centros de referência de prevenção
e combate a homofobia, como nas cidades de São Paulo (SP), Assis (SP), Belo
Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ), Nova Friburgo (RJ), Duque de Caxias

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(RJ), Fortaleza (CE) e nos estados da Paraíba, Sergipe, Alagoas, Amazonas,
Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Acre e Piauí. No que tange as políti-
cas públicas, o Estado de São Paulo tem o Comitê Inter secretarial que elabo-
rou o Plano Estadual de Enfrentamento à Homofobia e Promoção da Cidadania
LGBT e no Estado do Rio Janeiro, foi lançado o Rio sem Homofobia. Por fim,
em relação aos espaços de controle social, além do já detalhado CNCD/LGBT,
existem representações LGBT nos Conselhos Nacional da Saúde, da Mulher,
da Juventude e Segurança Pública.

Os conselhos LGBT dos estados do Rio de Janeiro, Goiás, Bahia, Rio


Grande do Norte e Paraíba estão em funcionamento e no Estado de São Pau-
lo, há portaria de publicação, mas o mesmo não foi instalado. Em relação aos
municípios, existem conselhos em São Paulo (SP), Teresina (PI), Bauru (SP),
São Carlos (SP) e Rio de Janeiro (RJ).

DESAFIOS DO ESTADO LAICO

Dentre avanços e retrocessos, posicionamentos sociais discriminatórios


têm se refletido nas discussões do Parlamento Federal, estaduais, distrital e
municipais. Também tem se transformado num obstáculo a mais para que as
questões da cidadania LGBT sejam discutidas na perspectiva de novos marcos
legais e na garantia dos direitos fundamentais.

Tais questões sofrem diretamente influência de correntes religiosas con-


servadoras e fundamentalistas, que por meio de uma interpretação particular
de seus dogmas, questionam o reconhecimento da cidadania e dos direitos de
LGBT, e atuam no legislativo, com a ação das bancadas evangélicas e católi-
cas, pressionando o Executivo e ainda o Poder Judiciário.

O fundamentalismo se origina na crença de que há uma palavra escrita


que é revelada – uma escritura sagrada (Pierucci, 2006). Ademais, a cada pro-
cesso eleitoral o fundamentalismo se fortalece, se organiza, e avança sobre o
Estado e as políticas de cidadania e direitos humanos, promovendo um discur-

16
so incisivo, por vezes violento, embasados em dogmas religiosos, o que pode
estimular o ódio e legitimar situações de violência.

A garantia do Estado Laico deve ser ressaltada e defendida pela socie-


dade e pelo Estado brasileiro. Porém, o ponto central desse debate vai para
além da luta pelo Estado Laico, que legitima a pluralidade e a diversidade reli-
giosa, garantindo a sustentabilidade de todas as expressões das religiões.

O Estado precisa ser democrático, dentro da definição de Ivone Gebara,


de que democracia não é o voto da maioria, mas a possibilidade de todas as
pessoas, de uma ou de outra forma, serem incluídas (Schwarz, 2006).

Com a primeira Constituição Republicana, em 1891, consolida-se a se-


paração entre religião e o Estado, fortalecendo o exercício do respeito às dife-
renças e ao pluralismo. A Constituição Federal de 1988, estabelece em seu
Artigo 19, inciso I, que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, em-
baraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou suas representantes re-
lações de dependência ou aliança, ressalvada, na formada lei, a colaboração
de interesse público” (Brasil, 1988).

Nestes termos, Estado laico é Estado leigo, neutro. A laicidade é a ga-


rantia de um espaço democrático onde se articulam as diferentes filosofias par-
ticulares em todos os âmbitos da esfera pública. Diferente do que muitas pes-
soas pensam, o Estado Laico não se contrapõe à religião, ao contrário, é a fa-
vor da pluralidade religiosa, porém sem se permitir intervenção destas na sua
organização. O Estado não tem sentimento religioso e, sendo laico, não deve
estabelecer preferências ou se manifestar por meio de seus órgãos (Diniz,
2011).

17
DIREITOS SEXUAIS NO BRASIL

Na trajetória dos direitos humanos, a afirmação da sexualidade como


dimensão digna de proteção é relativamente recente, tendo como ponto de par-
tida, no contexto internacional, a consagração dos direitos reprodutivos e da
saúde sexual como objetos de preocupação (Rios, 2007).

Em âmbito nacional, a inserção da proibição de discriminação por orien-


tação sexual iniciou-se em virtude de demandas judiciais, a partir de meados
dos anos 1990, voltadas para as políticas de seguridade social (Leivas, 2003).
Seguiram-se às decisões judiciais iniciativas legislativas, municipais e estadu-
ais, concentradas nos primeiros anos no terceiro milênio, espalhadas por diver-
sos Estados da Federação (Vianna, 2004).

Um exame do conteúdo destas iniciativas e da dinâmica com que elas


são produzidas no contexto nacional chama a atenção para duas tendências: a
busca por direitos sociais como reivindicação primeira onde a diversidade se-
xual se apresenta e a utilização do direito de família como argumentação jurídi-
ca recorrente.

Estas tendências caracterizam uma dinâmica peculiar do caso brasileiro


em face da experiência de outros países e sociedades ocidentais, onde, via de
regra, a luta por direitos sexuais inicia-se pela proteção da privacidade e da
liberdade negativa e a caracterização jurídico-familiar das uniões de pessoas
do mesmo sexo é etapa final de reconhecimento de direitos vinculados à diver-
sidade sexual.

Além destas tendências, a inserção da diversidade sexual, assim como


manifestada na legislação existente, revela a tensão entre as perspectivas uni-
versalista e particularista no que diz respeito aos direitos sexuais e à diversida-
de sexual, de um lado, e à luta por direitos específicos de minorias sexuais, de
outro.

18
A primeira tendência a ser examinada é a utilização de demandas rei-
vindicando direitos sociais como o lugar a partir do qual defende a diversidade
sexual.

Como referido, enquanto em países ocidentais de tradição democrática


a luta por direitos sexuais ocorreu, inicialmente, pelo combate a restrições le-
gais à liberdade individual, no caso brasileiro o que se percebe é a afirmação
da proibição da discriminação por orientação sexual como requisito para o
acesso a benefícios previdenciários.

Tal é o que revela, por exemplo, a superação no direito europeu da cri-


minalização do sexo consensual privado entre homossexuais adultos — a
chamada sodomia — com fundamento no direito de privacidade, ao passo que,
no caso brasileiro, desde o início, o combate à discriminação foi veiculado em
virtude da exclusão discriminatória contra homossexuais do regime geral da
previdência social, quando se trata de pensão e auxílio-reclusão para compa-
nheiro do mesmo sexo. Uma hipótese para a compreensão deste fenômeno
vem da gênese histórica das políticas públicas no Brasil.

Gestadas em suas formulações pioneiras em contextos autoritários, nos


quais os indivíduos eram concebidos muito mais como objetos de regulação
estatal do que sujeitos de direitos, estas dinâmicas nutrem concepções frágeis
acerca da dignidade e da liberdade individuais.

Alimentadas pela disputa política entre oligarquias e pelo referencial do


positivismo social, as políticas públicas no Brasil caracterizaram-se pela centra-
lidade da figura do trabalhador como cidadão tutelado, caracterizando um am-
biente de progresso econômico e social autoritário, sem espaço para os princí-
pios da dignidade, da autonomia e da liberdade individuais (Bosi, 1992).

Daí a persistência de uma tradição que privilegia o acesso a prestações


estatais positivas em detrimento da valorização do indivíduo e de sua esfera de
liberdade e respeito à sua dignidade, dinâmica que se manifesta na história das
demandas por direitos sexuais mediados pelos direitos sociais no Brasil. A se-
gunda tendência é a recorrência dos argumentos do direito de família como
fundamentação para o reconhecimento de direitos de homossexuais.

19
De fato, não é difícil perceber que, em muitos casos, a inserção de con-
teúdos antidiscriminatórios relativos à orientação sexual valeu-se de argumen-
tos de direito de família, o que se manifesta de modo cristalino pela extensão
do debate jurídico — nos tribunais e naqueles que se dedicam a estudar direi-
tos sexuais — acerca da qualificação das uniões de pessoas do mesmo sexo.

A par da polêmica sobre a figura jurídica adequada a essas uniões, é


comum associar-se de modo necessário o reconhecimento da dignidade e dos
direitos dos envolvidos à assimilação de sua conduta e de sua personalidade
ao paradigma familiar tradicional heterossexual. É o que sugere, por exemplo,
a leitura de precedentes judiciais que deferem direitos ao argumento de que,
afora a igualdade dos sexos, os partícipes da relação reproduzem em tudo a
vivência dos casais heterossexuais - postura que facilmente desemboca numa
lógica assimilacionista.

Nesta, o reconhecimento dos direitos depende da satisfação de predica-


dos como comportamento adequado, aprovação social, reprodução de uma
ideologia familista, fidelidade conjugal como valor imprescindível e reiteração
de papéis definidos de gênero. Daí, inclusive, a dificuldade de lidar como temas
como prostituição, travestismo, liberdade sexual, sadomasoquismo e pornogra-
fia, por exemplo. Ainda nesta linha, a formulação de expressões, ainda que
bem intencionadas, como “homo afetividade”, revela uma mentalidade homo
normativa.

Conservadora, na medida em que subordina os princípios de liberdade,


igualdade e não-discriminação, centrais para o desenvolvimento dos direitos
sexuais (Rios, 2007) a uma lógica assimilacionista; discriminatória, porque, na
prática, distingue uma condição sexual "normal", palatável e "natural" de outra
assimilável e tolerável, desde que bem comportada e “higienizada”.

Com efeito, a sexualidade heterossexual não só é dizível como tomada


por referência para nomear o indivíduo "naturalmente" detentor de direitos (o
heterossexual, que não necessita ser heteroafetivo), enquanto a sexualidade
do homossexual é expurgada pela "afetividade", numa espécie de efeito mata-
borrão.

20
As razões desta recorrência ao direito de família podem ser buscadas na
já registrada fragilidade dos princípios da autonomia individual, da dignidade
humana e da privacidade que caracterizam nossa cultura. Com efeito, fora da
comunidade familiar, onde o sujeito é compreendido mais como membro do
que como indivíduo, mais como parte, meio e função do que como fim em si
mesmo, não haveria espaço para o exercício de uma sexualidade indigna e de
categoria inferior.

Uma rápida pesquisa sobre as respostas legislativas estaduais e muni-


cipais revela a predominância de duas perspectivas quanto à diversidade se-
xual e os direitos a ela relacionados.

De um lado, diplomas legais de cunho mais particularista, nos quais uma


categoria de cidadãos é identificada como destinatária específica da proteção:
são os casos, por exemplo, da legislação paulista sobre combate à discrimina-
ção por orientação sexual, Lei nº. 10.948 de 2001 (São Paulo, 2001); da cidade
de Juiz de Fora, Lei nº. 9.791 de 2000 (Juiz de Fora, 2000); de outro, diplomas
mais universalistas, destacando-se a lei gaúcha, Lei n.º 11.872 de 2002 (Rio
Grande do Sul, 2002).

De fato, enquanto os primeiros referem-se a “qualquer cidadão homos-


sexual (masculino ou feminino), bissexual ou transgênero” (Juiz de Fora, 2000,
p.1), o segundo: Reconhece o direito à igual dignidade da pessoa humana de
todos os seus cidadãos, devendo para tanto promover sua integração e repri-
mir os atos atentatórios a esta dignidade, especialmente toda forma de discri-
minação fundada na orientação, práticas, manifestação, identidade, preferên-
cias sexuais, exercidas dentro dos limites da liberdade de cada um e sem pre-
juízo a terceiros (Rio Grande do Sul, 2002, p. 1).

Não se questiona, em nenhum momento, a intenção antidiscriminatória


presente nestes dois modelos de respostas. Todavia, é necessário atentar para
as vantagens, desvantagens e os riscos próprios de cada um.

Com efeito, a adoção de estratégias mais particularistas expõe-se a ris-


cos importantes: reificar identidades, apontar para um reforço do gueto e in-
crementar reações repressivas (basta verificar o contra-discurso conversador

21
dos “direitos especiais” e a ressurgência de legislação medicalizadora “curati-
va” de homossexuais). Isto sem se falar dos perigos de limitar a liberdade indi-
vidual na potencialmente fluida esfera da sexualidade (preocupação expressa
pela chamada ‘teoria queer’) e de requerer, quando acionados os mecanismos
de participação política e de proteção estatal, definições identitárias mais rígi-
das acerca de quem é considerado sujeito da proteção jurídica específica.

Neste contexto, parece preferível a adoção de estratégias mais univer-


salistas. Elas parecem ser capazes de suplantar as dificuldades de uma con-
cepção meramente formal de igualdade, desde que atentas às diferenças reais
e às especificidades que se constroem a cada momento, sem nelas se fechar;
trata-se de reconhecer a diferença sem canonizá-la, trabalhar com as identida-
des auto-atribuídas sem torná-las fixas e rejeitar a reificação do outro.

BRASIL SEM HOMOFOBIA

Política Pública criada com grandes avanços e lutas do Movimento


LGBT somadas às medidas que vieram sendo desenvolvidas nos anos anterio-
res a criação, pelo governo de Fernando Henrique Cardoso1 - ou seja a luta
partiu dos oprimidos escalandose nessa verticalização, não de cima para bai-
xo. Esse período de 1990 a 2000 é reconhecido por um momento em que hou-
ve um desenvolvimento de políticas públicas em nível federal, principalmente
com a chegada dos Partido dos Trabalhadores ao poder e o fortalecimento de
conselhos e conferências, e uma diversidade de outros tipos de arranjos parti-
cipativos que envolveram movimentos sociais, assumiram um papel destacado
na conquista de novas políticas públicas de garantia de direitos (Albuquerque,
2019, p. 211), não somente na formulação das políticas, mas também na sua
implementação (Abers, 2019).

Como escreve Euzeneia Carlos (2019, p. 123), são essas relações só-
cio-estatais geram os processos de “conflito, aprendizagem e cooperação”,
pois “constituem novas capacidades estatais, mas também novos repertórios
para os próprios atores sociais”. Criado em 2004, com seus 10 (dez) itens2 de
ações que abrangem questões políticas e sociais visando o combate à homo-

22
fobia, no primeiro mandato de governo do então presidente Luiz Inácio Lula da
Silva3 . “O BSH é o marco brasileiro da inclusão na perspectiva de não discri-
minação por orientação sexual e identidade de gênero e de promoção dos di-
reitos humanos de pessoas LGBT como pauta das políticas públicas e estraté-
gias do governo a serem implantadas transversalmente (parcial ou integralmen-
te) por seus diferentes Ministérios e Secretarias”.

As ações políticas homossexuais se tornaram mais concretas e origina-


ram o Movimento LGBTQ+ Brasileiro em um novo pico de autoritarismo da his-
tória brasileira, porém, logo chegou um novo episódio que certamente mexera
com todas as estruturas do aspecto político-social: a AIDS.

Um grande estigma foi deixado no Movimento, ocasionado pela incom-


preensão desta nova doença recém descoberta nos Estados Unidos da Améri-
ca e que estava deixando os “aidéticos”9 debilitados rapidamente, uma vez
que, diferente de hoje em dia, há tratamentos10 que permitem as pessoas so-
ropositivas a viverem de forma perfeitamente normal como qualquer outra pes-
soa soronegativa.

Percebe-se dois fenômenos neste cenário: Primeiramente, e neste mo-


mento não há surpresa: a epidemia que surge a partir do contágio do vírus do
HIV11, caracterizada como doença sexualmente transmissível, reforçou a ideia
de que a AIDS seria um castigo ao sexo; mas não qualquer relação sexual,
como foi rapidamente associada à relação entre duas pessoas do mesmo se-
xo, a punição era para os que não realizavam o sexo tradicional (heterossexu-
al). A “peste gay”. Esta suposição se emplacou entre os próprios LGBTs na-
quele momento, enfraquecendo o MHB. Contudo, diferente do que ocorre entre
os estadunidenses, o Estado brasileiro em redemocratização se aproxima des-
ta população de risco e do Movimento.

Após os períodos de ditadura militar na América Latina, os Estados Na-


ções iniciaram uma tentativa de manter as ações obrigatórias do Estado ocor-
rendo devidamente a partir da teoria accountability13 – conjunto de mecanis-
mos cujo o propósito é garantir que o representante governamental permaneça

23
agindo com transparência de seus gastos com a conta pública, bem como o
andamento das políticas do seu governo.

Este objetivo ainda não vem obtendo êxito na sociedade latina, uma vez
que por mais que haja a presença destes mecanismos, não é tão visualmente
praticado – diferente do que o autor Cleyton Feitosa (2017) escreve em sua
obra, não está enraizado culturalmente entre os brasileiros, por mais que haja
a tentativa; pois a teoria vai além de ter como sua execução, há de ter uma ini-
ciativa de enraizamento cultural da busca por estas clarezas políticas. Este dis-
positivo da democracia participativa poderia trazer benefícios para a garantia
de criações de políticas públicas LGBTs.

A recém consolidada democracia brasileira pós período da ditadura ci-


vilmilitar possuiu dificuldades em se estabilizar totalmente e englobar as diver-
sidades que vivem dentro da sociedade brasileira, entre elas, de gênero e se-
xualidade; a democracia, destaco, não se reduz à vontade ou decisão do maior
número de pessoas, em contraposição à concepção rousseuaniana – pode não
incluir a diversidade e resultar em sistemas autoritários, heteropatriarcais e ra-
cistas.

A Aids não teve sua cura descoberta e, ainda que em 2003 tenha com-
pletado 20 anos da resposta brasileira de combate ao vírus, havia cerca de 20
a 22 mil novos casos por ano; foi então necessário ampliar o desenvolvimento
de políticas públicas que agissem de maneira que se pudesse controlar a taxa
de transmissão do vírus causador.

Nesse ano foi publicado pelo Diretor do Programa Nacional de


DST/Aids15, Alexandre Granjeiro16, um panorama de do que foi a trajetória até
o momento e a trajetória a se traçar nos anos seguintes, como: (i) Melhorar a
assistência no interior do país; (ii) Ampliar o acesso ao preservativo, interferin-
do o menos possível na sexualidade da população e buscando a iniciativa pri-
vada para aumentar a rede de distribuição – e realizá-la em locais estratégico
como escolas, postos de saúde, restaurantes, bares, etc.

A meta para 2006, era alcançar 1,2 bilhão de unidades/ano. Para isso,
foi aberta uma fábrica no Acre que permitiu a diminuição dos custos dos pre-

24
servativos. Em 1994 foram consumidas 152 milhões de camisinhas durante o
ano e em 2003 este número alcançou 700 milhões. Esse avanço se deu pela
distribuição gratuita via “Projeto Preservativo” e a sua segunda fase, o “Preser-
vativo de Baixo Custo”; (iii) O Brasil buscou se aliou a outros países, Tailândia,
China, Índia e África do Sul, para obter avanços tecnológicos e criar indepen-
dência dos países ricos, seguindo recomendações da Organização Mundial da
Saúde; (iv) Quebra de tabus e preconceitos com articulações com o serviço de
saúde e sociedade civil; (v) Realizar ações específicas para cada grupo de ma-
neira que seja possível entender e focar nas especificidades que adolescentes,
mulheres, homossexuais – o documento ressalta o foco na diversidade sexual
e que também há a inclusão de travestis e profissionais do sexo; Novamente
podemos realizar a conexão com o Programa Brasil Sem Homofobia, pois esse
documento foi lançado no dia anterior ao do Programa, transparecendo que há
uma nova fase se formulando.

Contudo, novamente o documento parece ser um pouco vazio a respeito


deste tópico de saúde, registrado em seu 6º item “Direito à Saúde: consolidan-
do um atendimento e tratamentos igualitários”, tópicos e subtópicos referentes
ao investimento que será realizado na área. Creio que isso ocorre para não
assustar a camada mais conservadora, já que o plano traz “Homofobia” em seu
nome, deixando claro que se trata de uma política pública voltada para a popu-
lação LGBT. Desta maneira, seria possível realizar oposição consciente e inte-
ligente ao “holding conservador-fundamentalista”, onde, especialmente no Bra-
sil, é possível observar a política e a religião próximas uma da outra, compro-
metendo a laicidade do Estado.

RELAÇÕES E TENSÕES COM O MOVIMENTO LGBT

Como os estudos de Cruz (2015), Santos (2006) e Simões e Facchini


(2009) têm demonstrado, as divergências e rupturas políticas, mais conhecidas
por “rachas”, tem marcado a trajetória do Movimento LGBT brasileiro desde o
seu início até os períodos mais recentes. Com o deslocamento de muitos/as
ativistas para a seara do Estado, sobretudo a partir dos anos 2000 com a che-

25
gada do Partido dos Trabalhadores (PT) ao executivo federal, as tensões pre-
sentes no Movimento LGBT se complexificaram e novas configurações das
relações políticas e pessoais foram estabelecidas.

Os pontos de tensão e disputas dentro do movimento LGBT são múlti-


plos e variados como, por exemplo, a tensão entre ativistas filiados/as a parti-
dos políticos e aqueles/as que não são vinculados/as a nenhum partido; a dis-
puta no campo partidário entre os distintos partidos políticos aos quais fazem
parte ativistas do Movimento LGBT; as tensões entre as distintas identidades
sexuais (L, G, B, T e outras identidades não contempladas na sigla oficial como
intersexos, assexuais, pessoas não-binárias, entre outros) disputando a centra-
lidade de suas especificidades ante o Estado e à sociedade (COLLING, 2013);
as tensões entre distintas gerações com ênfase para ativistas jovens e ativistas
“históricos”; as tensões entre movimentos identitários e pós-identitários ou
Queers (COLLING, 2015); os conflitos entre as ONGs LGBT que disputam fi-
nanciamentos escassos entre si; os antagonismos entre o Movimento LGBT e
o Estado na luta por direitos e políticas públicas; as disputas entre o Movimento
LGBT e outros movimentos sociais indiferentes, resistentes ou hostis à causa
LGBT, além das tensões entre os distintos projetos políticos de cada organiza-
ção ou ativista LGBT, apenas para nomear aquelas diretamente relacionadas à
política LGBT. Quando comparada com outras políticas sociais, as políticas de
diversidade sexual e de gênero têm a particularidade de serem operacionaliza-
das, em sua maioria, por gestores/as oriundos/as do movimento social (IRI-
NEU; RAFAEL, 2009; MELLO; FREITAS, 2010; MELLO; AVELAR; MAROJA,
2012).

Esta proximidade com o movimento social traz diversas possibilidades


de sinergia entre sociedade civil e Estado, mas também tensões entre estes
dois polos. No caso dos gestores estaduais de Pernambuco, Heitor relata que
a relação com o Movimento LGBT local era boa, caracterizada pela sinergia e
citou as Paradas da Diversidade como ações resultantes dessa parceria.

Contudo, reconheceu que em diversas situações, a relação com o mo-


vimento foi de tensão, de cobranças e pressão. No seu caso em especial, ava-
lia que o Movimento LGBT não poderia reclamar além de certo limite, pois foi o

26
próprio movimento social que havia indicado seu nome para assumir a estrutu-
ra criada para desenvolver as políticas da área.

Como se pode ver, a relação entre essas duas instâncias era mais pró-
xima e espinhosa do que se imagina e envolve, além de relações políticas, re-
lações pessoais e afetivas entre os atores e atrizes envolvidos na construção
dessas políticas públicas. Enzo, do Centro Estadual de Combate a Homofobia,
vê como estratégica a decisão dos governos criarem organismos de políticas
LGBT e indicarem ativistas com certa influência e inserção no Movimento
LGBT. Segundo ele, sua relação foi de parceria com o Movimento LGBT e citou
também as Paradas como ações que os/as aproximaram.

Desse modo, inferimos que para desvelar a relação do órgão de política


pública LGBT com o Movimento é necessário analisar cada caso, explorando
como o órgão foi criado e como se deu a chegada do gestor naquele espaço
político (que pode ter sido chancelado pelo Movimento LGBT ou não, afinal,
outras variáveis interferem nesse processo como os arranjos partidários ou o
perfil profissional, por exemplo). Entre os gestores municipais, predominou o
discurso de que a relação com o ativismo LGBT foi de muito diálogo e parceria
com a militância embora revelem também haver tensões.

Para um levantamento mais fiel, seria necessário migrar da análise das


percepções dos gestores e observar as minúcias dessa relação no cotidiano
considerando fatos e eventos. Segundo nossos entrevistados, como algumas
estruturas foram criadas recentemente, a relação ainda estaria se desenhando.
Outros disseram que não haviam grupos LGBT organizados em seu município,
resultando em diálogos com um número restrito de atores/atrizes sociais. Já
Alexandre, da Secretaria Executiva de Articulação Social, compartilhou um fe-
nômeno diferente dos demais casos: a iniciativa de dialogar com a população
LGBT e organizá-la politicamente partiu de sua Prefeitura (através de um curso
de formação política organizado pela sua Secretaria), o que, segundo nosso
interlocutor, foi visto inicialmente com certa desconfiança pelos/as sujeitos/as
LGBT participantes. Nesse caso a iniciativa de criar um corpo político deman-
dante partiu do governo municipal, o que aponta para a complexidade e hete-
rogeneidade do Estado e das interações entre poder público e sociedade civil.

27
DIVERSIDADE SEXUAL, RELAÇÕES DE GÊNERO
E POLÍTICAS PÚBLICAS

Os autores e organizadores do livro possuem formação na área de ciên-


cias da saúde - Medicina, Educação Física, Psicologia - e também em Estatís-
tica e Artes Visuais. Apesar dessa diferença, todos fazem parte de grupos de
pesquisas relacionados aos estudos de direitos humanos, diversidade sexual e
de gênero, ligados às instituições de ensino: Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

O livro Diversidade sexual, relações de gênero e políticas públicas está


estruturado da seguinte forma: a primeira parte focaliza os movimentos sociais
na busca por direitos igualitários; a segunda parte apresenta os estudos reali-
zados pelo Núcleo de Pesquisa em Sexualidade e Relações de Gênero
(NUPSEX), da UFRGS; e, no terceiro bloco, intitulado "Anexos", apresenta a
parentalidade e conjugalidade de casais de pessoas do mesmo sexo e também
a legislação sobre igualdade de direitos.

Na apresentação, os organizadores enfatizam a interdisciplinaridade da


obra e também apresentam a sua utilidade: servir como ferramenta de forma-
ção de profissionais para atuação nas políticas públicas. No desfecho, os orga-
nizadores informam que o livro originou-se do trabalho conjunto entre o grupo
NUPSEX e o Centro de Referência em Direitos Humanos, Relações de Gênero
e Sexualidade, ambos vinculados ao programa de Pós-Graduação em Psicolo-
gia Social e Institucional e ao Instituto de Psicologia da UFRGS.

No primeiro texto, "Relações de gênero e diversidade sexual: compreen-


dendo o contexto sociopolítico contemporâneo", de Henrique Nardi, faz-se um
resgate histórico do conceito de homossexualidade e de seus marcos, como a
retirada da homossexualidade do rol de doenças da Associação Psiquiátrica
Norte-Americana, a revolta de Stonewall, em Nova Iorque - que originou os
movimentos Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis/Transexuais (LGBT). O
autor aborda, ainda, questões relacionadas à homofobia, ao heterossexismo, à

28
heteronormatividade, à heterossexualidade compulsória, além de questões re-
lacionadas à epidemia de AIDS, assim como aos movimentos sociais e à legis-
lação. No desfecho, são apresentados alguns elementos para luta contra o
preconceito.

O texto "Sobre travestilidades e políticas públicas: como se produzem os


sujeitos", de Maria Filgueiras e Marília Amaral, apresenta dados relacionados à
violência contra os homossexuais e às formas de opressão, nos diversos con-
textos em que transitam: família, escola e trabalho. Aborda questões acerca do
projeto "Direitos e violências na experiência de travestis e transexuais em San-
ta Catarina: construção de perfil psicossocial e mapeamento de vulnerabilida-
des" - o qual visa oferecer subsídios de inclusão social a esses sujeitos -, as-
sim como outras questões relacionadas a políticas públicas.

Em "'Senhora, essa identidade não é sua!': reflexões sobre a transno-


meação", de Camila Guaranha e Eduardo Lomando, é apresentado o nome
enquanto signo importante nas questões individuais e sociais para travestis,
transexuais e demais casos relacionados; os autores afirmam que o nome so-
cial é o ponto-chave para construção de novas identidades.

No capítulo "Ser trans e as interlocuções com a educação", de Marina


Reidel, é apresentada uma reflexão sobre os direitos do movimento trans,
composto por travestis e transexuais. É destacado que, mesmo com os recen-
tes avanços, como a criação da Articulação Nacional de Travestis e Transexu-
ais (ANTRA), ainda há muito a ser discutido e realizado no que diz respeito à
inserção política, social e educacional, desse grupo.

No texto "Da patologia à cidadania", de Célio Golin, são destacadas


questões para reflexão sobre o movimento de gays, lésbicas, travestis e tran-
sexuais. No decorrer do texto, o autor apresenta relatos do grupo no qual é co-
ordenador - Nuances -, que atua no movimento pela livre expressão sexual.

Em "Nuances de uma in(ter)venção indisciplinada com gênero e sexuali-


dade: vertigens de um modo de fazer política", de Fernando Pocahy, o autor
apresenta experiências de pesquisa e atuação junto ao grupo Nuances, tra-
zendo a história local (Porto Alegre-RS) dos movimentos da população de Lés-

29
bicas, Gays, Bissexuais, Transgênero/Transexual, Intersexual (LGBTI), desta-
cando os marcos: Parada livre (1997), associação com a Assessoria Jurídica e
Estudos de Gênero (Themis) (2001), Projeto Olhares (2004), dentre outras ati-
vidades.

O capítulo "Violência doméstica contra as mulheres e a Lei Maria da Pe-


nha: uma discussão que exige reflexão e formação permanentes", de Raquel
Silveira e Henrique Nardi, traz dados estatísticos da violência contra a mulher,
além das medidas de prevenção e redes de proteção contra esse tipo de vio-
lência. Esse texto, segundo seus autores, objetiva servir de incentivo à reflexão
para os profissionais que atuam no atendimento a esse público.

Em "A mulher-mãe e o homem-ausente: notas sobre feminilidades e


masculinidades nos documentos das políticas de assistência social", de Priscila
Detoni e Lucas Goulart, os autores apresentam as políticas públicas assisten-
ciais, no âmbito federal, no que se refere às suas ações. O texto ainda discute
o papel da mulher na sociedade e faz uma crítica ao papel da mulher como
"reprodutora".

O primeiro texto da segunda parte, intitulado "Diversidade sexual e dis-


criminação: ética e estética", de Cristina Moraes, faz um relato sobre a aplica-
ção da oficina de mesmo título, apresentado no XII Salão de Extensão da
UFRGS, em 2012.

O segundo, "Homofobia no contexto escolar: vivências de uma observa-


ção participante", de Rodrigo Peroni e Julia Rombaldi, traz o relato sobre a
pesquisa "Formas de enfrentamento da homofobia nas escolas: análise de pro-
jetos em andamento na região metropolitana de Porto Alegre", iniciada em
2011 e que se encontrava em andamento quando o capítulo foi escrito.

No capítulo "Mapeamento da rede de atenção em direitos humanos, re-


lações de gênero e sexualidade", de Priscila Detoni, Daniela Bassanesi e Viní-
cius Roglio, apresenta-se a atuação do Centro de referência em Direitos Hu-
manos, Relações de Gênero e Sexualidade (CRDH), projeto ligado à UFRGS e
com objetivo de assistir mulheres e público LGBT no que concerne aos diver-
sos tipos de violência.

30
O anexo "Estado de arte da pesquisa a respeito da parentalidade e con-
jugalidade de casais de pessoas do mesmo sexo a partir do "amici cu-
riae do defense of marriage act" é uma tradução, feita por Ângelo Costa, do
relatório da APA sobre a Lei de defesa do casamento nos EUA. O autor dessa
tradução, no anexo "Síntese de políticas LGBTTS nacionais, estaduais e lo-
cais", apresenta uma coletânea de leis (federais, estaduais - Rio Grande do Sul
- e municipais - Porto Alegre) sobre igualdade de direitos no campo da diversi-
dade sexual.

A Política Nacional de Saúde LGBT é um divisor de águas para as políti-


cas públicas de saúde no Brasil e um marco histórico de reconhecimento das
demandas desta população em condição de vulnerabilidade. É também um
documento norteador e legitimador das suas necessidades e especificidades,
em conformidade aos postulados de equidade previstos na Constituição Fede-
ral e na Carta dos Usuários do Sistema Único de Saúde.

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE SEXUAL E


DE GÊNERO NO BRASIL: AVANÇOS E DESAFIOS

A própria criação da categoria “homossexual” e sua identificação como


uma “condição” respondia a necessidades dos movimentos que, na Europa do
final do século XIX, procuravam enfrentar leis que consideravam crime as rela-
ções sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Ao longo da segunda metade do
século XX, contudo, dois processos se desenvolvem paralelamente. O primeiro
diz respeito à separação entre a orientação do desejo sexual e identidade de
gênero. O segundo tem relação com o processo de retirada da homossexuali-
dade e, recentemente, da transexualidade dos manuais e classificações inter-
nacionais de diagnósticos e de doenças.

O 17 de maio, Dia Internacional contra a Homofobia relembra a data em


que, no ano de 1990, a Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde
(OMS) aprovou e oficializou a retirada do código 302.0 – “homossexualismo” –
da CID (Classificação Internacional de Doenças), e declarou oficialmente que

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“a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio”. A Associação Ame-
ricana de Psiquiatria já havia retirado a palavra da lista de transtornos mentais
ou emocionais em 1973.

O dia 28 de junho relembra a revolta de Stonewall de 1969, um marco


na organização política de lésbicas, gays e pessoas trans em âmbito internaci-
onal, quando a comunidade que frequentava o bar Stonewall Inn em Nova Ior-
que reagiu com um levante que durou dias contra uma batida policial que pre-
tendia deter frequentadores e provocar o fechamento do estabelecimento. A
partir de então, assumir-se com vistas a obter reconhecimento e garantia de
direitos se tornou uma prática dos movimentos em favor da diversidade sexual
e de gênero.

O dia 18 de junho de 2018 também entrará para essa história: após mais
de dez anos de elaboração, a OMS divulgou a nova versão da CID – a CID-11
– que será apresentada à Assembleia Mundial de Saúde em maio de 2019 e
entrará em vigor no início de 2022. Nessa versão, a transexualidade deixa de
ser considerada um “transtorno” para ser classificada como uma "condição", a
"incongruência de gênero" - "uma incongruência marcada e persistente entre o
gênero que um indivíduo experimenta e o sexo ao qual ele foi designado".
Além disso, deixa de estar incluída na lista de "distúrbios mentais" e passa a
integrar uma nova categoria - "condições relacionadas à saúde sexual".

A CID-11 trará também a retirada de resíduos patologizantes da homos-


sexualidade, como a categoria “orientação sexual egodistônica” – F66-1 da
CID-10 -, que vinha sendo utilizada em vários países como justificativa para a
oferta de “terapias de reversão sexual”. No Brasil, tal classificação foi recente-
mente utilizada no âmbito do judiciário para apoiar pesquisas, eventos e oferta
de “atendimentos psicoterapêuticos que se fizerem necessários à plena inves-
tigação científica de transtornos comportamentais” associados à orientação
sexual.

Apesar dessa história e da Declaração Universal dos Direitos Humanos


ser explícita quanto à universalidade desses direitos, relatores das Nações
Unidas e especialistas internacionais em direitos humanos pronunciaram-se

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recentemente lembrando que em 72 países ainda existem leis que criminalizam
relações homossexuais e expressões de gênero e que apenas um terço das
nações contam com legislação para proteger indivíduos da discriminação por
orientação sexual e cerca de 10% têm mecanismos legislativos para proteger
da discriminação por identidade de gênero.

Segundo os especialistas, “a discriminação contra as pessoas LGBT


alimenta a espiral de violência a que elas estão sujeitas diariamente e cria um
ambiente favorável à sua exclusão de oportunidades em todas as facetas da
vida, incluindo educação e participação política e cívica, contribuindo para a
instabilidade econômica, a falta de moradia e saúde debilitada”. Este momen-
to, no qual se celebra os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Huma-
nos e 40 anos do movimento brasileiro em favor dos direitos de LGBT, convida
a um balanço.

MUITAS VIOLAÇÕES E CONHECIMENTO PRECÁRIO

No Brasil, as primeiras ações do nascente movimento homossexual, no


final dos anos 1970, incluíram certificar-se do direito à associação com fins de
defesa dos direitos desses sujeitos e a mobilização de ampla campanha que
levou ao posicionamento de diversas associações científicas e conselhos pro-
fissionais, inclusive do Conselho Federal de Medicina, em favor da não classifi-
cação da homossexualidade como condição patológica. Demandas por legisla-
ção antidiscriminatória, por reconhecimento de uniões homoafetivas e por polí-
ticas de segurança pública e de educação integram a agenda do movimento
brasileiro desde seu surgimento.

Uma primeira dificuldade ao se fazer um balanço dos direitos de LGBT


decorre do modo como se produz conhecimento sobre esses sujeitos. Diferen-
temente de outros recortes populacionais, há poucas estatísticas de maior
abrangência disponíveis e avaliação de indicadores divulgados. Isso se deve à
dispersão dessa população, ao caráter sensível da informação sobre a orienta-
ção sexual ou identidade de gênero dos sujeitos, mas também ao precário re-

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conhecimento dos mesmos como sujeitos de direitos e ao desprestígio que até
pouco tempo poderia atingir pesquisadores envolvidos com a temática.

Os dados divulgados mais regularmente dizem respeito à quantidade de


países que pune ou protege direitos de LGBT. Outros dados comparativos en-
tre países são geralmente produzidos por organizações ativistas transnacionais
e referem-se majoritariamente a “crimes de ódio” e a casos tratados no âmbito
das organizações de direitos humanos em nível internacional. Embora as viola-
ções a diretos humanos sejam bem conhecidas e divulgadas pela mídia, a es-
cassez de dados quantitativos dificulta a produção e a avaliação do impacto de
políticas públicas.

A maior parte da produção científica brasileira sobre LGBT focaliza o


HIV e aids, único tema sobre o qual há produção sistemática e regular de da-
dos epidemiológicos. O segundo maior tema é o da discriminação e violência,
que aparece articulado à vulnerabilidade individual e social para a infecção pe-
lo HIV, mas também para outros agravos à saúde, incluindo depressão, idea-
ção e tentativas de suicídio, abuso de substâncias e, ainda, dificuldades de
acesso a cuidados e serviços de saúde.

Esforços de pesquisa acompanharam e possibilitaram a construção de


políticas públicas de combate à violência contra LGBT na década passada e
indicam consistentemente percentuais de vitimização e de reconhecimento de
preconceitos ou condutas discriminatórias. Contudo, não há produção e divul-
gação sistemática ao longo do tempo de dados oficiais sobre discriminação e
agressões contra LGBT no Brasil. Conselhos profissionais tiveram papel rele-
vante no apoio ao reconhecimento e proteção de direitos. Além do parecer de
1985, reconhecendo que a homossexualidade não se configura como condição
patológica, o Conselho Federal de Medicina emitiu, em 1997, sua primeira re-
solução autorizando a realização de cirurgias de transgenitalização e procedi-
mentos complementares para transexuais.

O Conselho Federal de Psicologia emitiu, em 1999, resolução orientan-


do a prática profissional no sentido da não participação em eventos e serviços
que proponham tratamento ou cura das homossexualidades e, em 2018, reso-

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lução similar envolvendo práticas que impliquem discriminação e oferta de ser-
viços visando reorientação da identidade de gênero de travestis e transexuais.

Ainda que tais avanços tenham transformado positivamente a vida de


LGBT no país, a primeira metade da década de 2010 foi marcada pela morosi-
dade da agenda de direitos dessa população no âmbito federal e pela intensifi-
cação dos investimentos na reversão de direitos. Têm se multiplicado projetos
de lei que propõem excluir uniões homoafetivas do rol das entidades familiares
reconhecidas pelo Estado brasileiro, restringir a possibilidade de uso de nome
social por pessoas transexuais ou travestis, ou mesmo que favorecem possibi-
lidades de oferta de terapias de reversão sexual.

Os avanços na proteção aos direitos humanos de LGBT observados re-


centemente no Brasil estiveram ancorados num contexto de reconhecimento
de direitos sexuais e reprodutivos e de combate à intolerância no âmbito das
Nações Unidas, mas fragilizam-se sensivelmente ao sabor dos processos
transnacionais de politização reativa das moralidades e do campo religioso.

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REFERÊNCIAS

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Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos LGBT. Brasília, 2009.

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pós-graduação em antropologia social da USP, São Paulo, v. 24, n. 24, p. 264-
289.

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