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Fichamento do texto: ARAÚJO, Antônio.

O processo colaborativo como modo de


criação. Olhares, v. 1, n. 1, p. 48-51, 2009.

Tema: O processo colaborativo como modo de criação a partir da conexão entre o


binômio método e modo. A horizontalidade das funções criativas: atuação,
dramaturgia e direção para a permanência de um teatro construído de forma
coletiva e democrática.

O autor expressa sua satisfação por contribuir com o primeiro número da revista do
Célia Helena Teatro-escola, agora elevada à condição de curso superior. Ele destaca
sua experiência significativa como professor na escola, influenciado por Célia Helena e
uma equipe comprometida com a integração entre "criar" e "transmitir". Reflete sobre a
importância dessa experiência na formação de atores e incentiva o crescimento da
instituição. Além disso, menciona a relevância da criação compartilhada,
exemplificando com sua experiência no Teatro da Vertigem, onde alguns membros
vieram da escola em questão.

O texto discute a natureza do processo colaborativo no teatro, especialmente no


contexto da criação coletiva. Destaca-se a dinâmica fluida entre coordenação e
subordinação, onde a colaboração ocorre por meio de um intrincado jogo de liderança
e cooperação. As decisões não são impostas, mas sim resultado de escolhas
conscientes do grupo, tanto na seleção dos membros como na contribuição ativa de
cada indivíduo para a definição artística. A distinção entre método e modo no processo
colaborativo é essencial, ressaltando que a ênfase está na forma como a colaboração
se estabelece, não apenas na presença do diálogo participativo. O resumo destaca a
importância da flexibilidade e adaptabilidade nesse tipo de trabalho, evidenciando que
a colaboração é uma experiência única e dinâmica no teatro

O processo colaborativo, fruto das décadas de 1960 e 1970, é uma metodologia de


criação em que todos os participantes têm igual espaço propositivo, resultando em
uma obra cuja autoria é compartilhada. Sua dinâmica des-hierarquizada não implica na
ausência total de hierarquias, mas sim em um sistema de hierarquias momentâneas ou
flutuantes, concentrando-se em diferentes polos de criação, como dramaturgia,
encenação e interpretação, em momentos específicos.

De maneira geral, o processo colaborativo é percebido como um método tanto por


profissionais quanto por estudiosos de teatro. A distinção entre método e modo é
sugerida, considerando que os métodos são diretrizes operacionais, enquanto os
modos referem-se à maneira de inter-relacionar elementos na construção da obra. A
reflexão sobre o binômio método e modo pode esclarecer a aparente dicotomia entre
processo colaborativo e criação coletiva. Alguns artistas argumentam que esses
termos denotam práticas equivalentes, talvez devido a uma visão que os concebe
como métodos. A coletivização do fazer e a ênfase no diálogo sugerem uma
interconexão entre processo colaborativo e criação coletiva.

Ao analisar as dinâmicas do processo colaborativo e da criação coletiva pelo viés do


modo, percebe-se que a inter-relação entre os elementos de criação resulta em
processos distintos. No processo colaborativo, o diálogo ocorre entre funções já
definidas desde o início, com o trabalho de criação iniciando-se a partir de um pacto
pré-estabelecido pelo grupo. Decisões sobre a ocupação de áreas artísticas são
tomadas por consenso ou endosso, levando em consideração interesses e habilidades
dos participantes. Diferentemente das personagens, as funções não passam por um
período em que todos os integrantes as experimentam, sendo comum a continuidade
de colaboradores em projetos subsequentes. Em algumas práticas de criação coletiva,
a definição de atribuições pode ocorrer muito tempo após o início dos ensaios.

Até o momento, a prática do Vertigem caracteriza-se pela falta de mobilidade de


funções durante um mesmo espetáculo. No entanto, não há impedimento para que
essa mobilidade ocorra de um projeto para outro, sem descaracterizar o processo
colaborativo. Por exemplo, um ator do grupo em uma peça pode se tornar o
dramaturgo ou diretor na montagem seguinte, sem que isso represente um problema
para a integridade do processo.

Mesmo a simultaneidade ou conjugação de funções dentro de um mesmo projeto,


embora seja uma situação mais complexa, não inviabilizaria a prática do processo
colaborativo. A viabilidade dependerá das funções assumidas pela mesma pessoa e
da capacidade do grupo em gerenciar essa situação. Isso poderia resultar em uma
forte interferência autoral por parte dos intérpretes, desafiando o caráter de onipotência
e onisciência tradicionalmente associado a certas funções no processo criativo.

Esse aspecto refere-se à síntese final no processo colaborativo, destacando o


tensionamento entre autoria individual e vontade grupal. No Vertigem, o artista
responsável por uma área detém a palavra final sobre ela, partindo do pressuposto de
discussão, incorporação de elementos e negociação com o coletivo. Em casos de
impasses insolúveis, a síntese artística final fica a cargo desse artista. A dinâmica de
negociações é apontada como a principal causa da dilatação do tempo de ensaio,
dedicando-se tempo considerável a debates e busca de soluções consensuais.
Embora isso torne a criação mais lenta e distendida, pode ser crucial para o
amadurecimento de um discurso coletivo de forma orgânica e consciente, mesmo que
possa representar um desgaste nas relações a longo prazo.

A presença de um conceito individual forte cria um polo tensionador significativo em


um processo caracterizado por inúmeras interferências e contribuições. Esse conceito
individual desempenha um papel dual, favorecendo tanto a filtragem e seleção do
vasto material produzido quanto atuando como um eixo aglutinador das proposições
grupais. Enquanto, por um lado, age como uma barreira, um limite, uma fronteira, por
outro, facilita e estimula a interlocução e a expansão das zonas de colaboração. Essa
dinâmica evidencia a complexidade e a riqueza inerentes ao processo colaborativo,
onde a tensão entre o individual e o coletivo desempenha um papel vital na criação
artística.

O polo criador individual, paradoxalmente, acaba intensificando o posicionamento


grupal. Ele gera uma tensão produtiva, e por vezes um antagonismo, que fortalece o
grupo e o conceito geral que este tem do trabalho, mesmo que por meio da crise e do
conflito. Nesse contexto, as individualidades também saem fortalecidas pela dinâmica
de confrontos, diálogos e negociações presentes no processo colaborativo.

Pode-se considerar a "crise" não apenas como uma consequência inevitável do


grupo, mas como um mecanismo intrínseco e impulsionador em processos dessa
natureza. A sua deflagração não é vista apenas como uma reação espontânea e
indesejada, mas como uma ação transformadora, um resultado do próprio processo
colaborativo. Essa perspectiva revela como as tensões e crises podem desempenhar
um papel construtivo e evolutivo na dinâmica criativa coletiva.

A análise do processo colaborativo à luz dos elementos de subordinação e


coordenação revela uma abordagem mais flexível em comparação com o teatro
tradicional, que frequentemente segue hierarquias rígidas e definidas por cláusulas
contratuais. Nas estruturas tradicionais, como exemplificado, o ator se submete às
indicações do diretor, que, por sua vez, segue as orientações do dramaturgo, e todos
se submetem aos parâmetros do produtor. Alternativamente, se o espetáculo gira em
torno de um ator específico, essas linhas de dominação podem se inverter.

Entretanto, no contexto do processo colaborativo, as relações de trabalho são mais


fluidas, com uma abordagem de coordenação em vez de subordinação. As
contribuições de cada membro do grupo são mais equitativas, e não há uma estrutura
hierárquica rígida. A colaboração é baseada na negociação, no diálogo e na interação
constante entre os participantes, promovendo uma dinâmica mais horizontal e
participativa. Essa abordagem permite uma distribuição mais equitativa de
responsabilidades e decisões, enfatizando a importância da coordenação em
detrimento da subordinação.

No contexto da criação coletiva, busca-se estabelecer um plano de horizontalidade


máximo, onde ninguém subjuga ou direciona os outros. Todos estão em pé de
igualdade o tempo todo em relação a todos os aspectos da criação. Em casos em que
essa dinâmica e o projeto utópico nela embutido funcionaram efetivamente,
testemunhamos uma estrutura baseada em um sistema de coordenação.

No processo colaborativo, há uma contínua flutuação entre subordinação e


coordenação, resultado do dinamismo associado às funções e ao momento em que o
trabalho se encontra. A definição do projeto, dos colaboradores, das técnicas a serem
experimentadas, ocorre coletivamente, muitas vezes por meio de votação em casos de
impasse, sob a égide da coordenação. Em outros momentos, como a distribuição de
papéis, que fica a cargo do diretor, a definição final do texto a cargo do dramaturgo, ou
o desenho da luz a cargo do iluminador, o grupo, mesmo que envolva debates e
confrontos, acata a decisão de quem é responsável por aquela função, trabalhando
sob um regime de subordinação. Essa alternância entre subordinação e coordenação
reflete a natureza dinâmica e fluida do processo colaborativo.
As definições mencionadas não surgem arbitrariamente, mas são moldadas por
experimentação, amadurecimento ao longo do tempo e negociações contínuas entre
os membros do grupo. Essas definições são intrinsecamente ligadas à complexa rede
de interdependências que caracteriza o processo colaborativo, onde as mudanças de
opinião e posicionamento são comuns devido aos embates criativos.

Quando a subordinação faz parte do processo, é crucial que não ocorra de maneira
mesquinha, envolvendo lutas de poder ou demarcações territoriais egoístas. Pelo
contrário, a subordinação deve ser orientada por um compromisso compartilhado com
a visão coletiva e os objetivos do grupo. Isso assegura que as decisões sejam tomadas
de maneira construtiva, visando ao benefício do processo criativo como um todo,
promovendo uma colaboração mais efetiva e harmoniosa.

Além disso, o ato de acatar uma definição artística alheia parte de uma escolha
anterior e criteriosa realizada por todo o coletivo em relação a esse "outro" com o qual
estabelece uma parceria. Trata-se, portanto, de uma subordinação que é decorrência
de uma prévia dinâmica de coordenação. O grupo escolheu com quem queria
trabalhar, não sendo simplesmente contratado para realizar um espetáculo com uma
equipe pré-definida.

Por outro lado, os colaboradores convidados pelo grupo não atuam como simples
executores. Eles participam e contribuem para a definição do conceito-geral do
trabalho. Vale a pena observar que há uma grande diferença entre "exercer uma
função" e "ser funcionário", subentendendo, neste último caso, uma submissão passiva
e burocrática. Dessa forma, os colaboradores-convidados se inserem também nessa
dinâmica fluida de coordenação-subordinação, contribuindo de maneira ativa para o
processo criativo.

É crucial perceber que esses regimes de coordenação e subordinação podem


ocorrer sucessivamente, em um jogo de ir e vir, dentro de um mesmo momento da
montagem. Um exemplo desse processo é evidenciado no âmbito da direção,
especialmente na materialização das marcas e movimentações. Os atores propõem
gestos ou deslocamentos, o diretor seleciona e cria uma partitura, e os atores, então,
reconfiguram aquele primeiro desenho. O diretor, por sua vez, determina uma segunda
formalização, e esse ciclo pode se repetir sucessivamente.

Essa dinâmica demonstra como a coordenação e a subordinação não são estáticas,


mas sim fluidas e interativas durante o processo criativo. Cada ajuste, seleção ou
reconfiguração contribui para a evolução contínua do trabalho, mostrando a natureza
colaborativa e adaptativa do processo.

Em todos esses casos, é possível identificar a existência de uma atitude artística


autoral, marcada por um intrincado jogo de dependência-independência, que oscila
entre liderar e cooperar, entre impermeabilidade e porosidade. O que diferencia um
processo dessa natureza de ser "Maria-vai-com-as-outras" ou, no polo oposto, de
empacar e não arredar pé antes mesmo do início das discussões.
Todos os exemplos mencionados destacam que a questão central não é a presença
ou ausência do elemento dialógico e participativo, mas sim como ele se estabelece.
Nesse sentido, pelo viés do modo, o processo colaborativo e a criação coletiva não são
a mesma coisa, não traduzem a mesma experiência. A distinção entre método e modo
é capaz de nos ajudar a entender a discussão, muitas vezes polêmica, que cerca
esses dois conceitos teatrais. Essa reflexão enfatiza a importância da forma como a
colaboração se desenrola e como as dinâmicas interativas são gerenciadas no
processo criativo

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