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Os seus herdeiros, que não o viam havia muito, fazem examinar os seus papéis e

descobrem então que ele fora o principal accionlsta do Banco de Inglaterra. Para
quem não ganhava um vintém e distribuía, generosamente, o dinheiro à sua volta,
convenha-se que não era nada mau. Encontram também um testamento em que deixa
dito que lega toda a sua fortuna à família. Exige, porém, que se mure
imediatamente o jazigo onde será sepultado e que nenhuma inscrição vá assinalar
o seu túmulo. Isso se fez, a 12 de Março de 1810, na catedral de Derby.
Jamais se procederá ao exame do cadáver ou à sua autópsia. Não temos um único
retrato dele. Nem se sabe, exactamente, a que trabalhos se dedicou nos seus
numerosos laboratórios. O essencial das suas publicações não viría a ser
impresso senão em 1921, mais de cem anos após a sua morte. Em 1970, muitos baús
continuam ainda cheios de papéis da sua autoria e de instrumentos cuja utilidade
não se imagina.
O que se sabe, de certeza, é já extraordinário. Aquele que se fazia chamar Henry
Cavendish empregava constantemente os símbolos da alquimia para designar tanto
os metais como os planetas, mas realizou trabalhos avançados, centenas de anos,
em relação à sua época. É assim que, dois séculos antes de Einstein, calcula o
afastamento dos raios luminosos pela massa do Sol e acha um resultado
numericamente muito próximo do daquele prestigioso
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cientista. Determina, com precisão, a massa da Terra. Isola os gases raros do
ar.
Não se preocupa muito em publicar nem ter qualquer prioridade. Faz experiências
de espantosa originalidade para a época. Assim, a 27 de Maio de 1775, este
recluso convida sete cientistas ilustres para assistirem a uma experiência:
reproduziu artificialmente uma tremelga e transmitiu aos seus visitantes choques
eléctricos inteiramente semelhantes aos que o peixe normalmente produz. Diz aos
seus visitantes, antes de Galvani e de Volta, que esta nova força modificará o
Mundo. Como pode sabê-lo? Encontra, na mesma época, um meio de medir a voltagem
eléctrica pela intensidade do choque que sente ao tocar num circuito, o que
denota uma constituição fisiológica assaz surpreendente. Considera a
electricidade como um fluido único numa época em que se ignora o electrão.
Calcula a densidade média da Terra em 5,48, enquanto o número moderno é de 5,52.
Para quem dispõe apenas de um laboratório que nos parece muito rudimentar, o
resultado é ainda mais extraordinário. Interessa-se pelas antigas ciências
hindus, principalmente pelo calendário hindu. Procura, nele, uma determinada
referência, que estuda numericamente, e estabelece comparações com a ciência
chinesa. É singularmente moderno.
Tudo isto me parece ser apenas o exterior de investigações extremamente
profundas, que ele não revela. Está provado que conhecia a conservação da
energia e que enuncia o seu principio pela primeira vez, muito antes de toda a
gente. É mesmo possível que tenha ido até à equivalência matéria-energia, que
Einstein devia enunciar muito mais tarde. E isto na linguagem dos alquimistas,
usando, muitas vezes, os seus símbolos.
Há, em Cavendish, um encontro, muito estranho, do passado e do futuro.
Entretanto, o presente e os interesses dos homens deixam-no tão indiferente como
a moda do
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vestuário. Durante quarenta anos, o alfaiate arranjar- -Ihe-á um fato sempre
igual. Não parece que haja, alguma vez, manifestado o mínimo interesse pela
Revolução Francesa e por Napoleão. Ocupa-se das suas investigações científicas e
de coisas que nos são completamente desconhecidas
No que diz respeito à precisão espantosa das suas investigações, citemos esta
passagem do trabalho original de Lorde Rayleigh e de Wiliam Ramsey acerca da
descoberta do árgon (31 de Janeiro de 1895), onde se presta homenagem a
Cavendish nos seguintes termos:
«A identificação do ‘ar contendo1 flogístico’ com o constituinte do ácido
nítrico é devida a Cavendish, cujo método consistia em fazer falsear uma
centelha eléctrica sobre uma delgada coluna de gás isolada com potassa sobre
mercúrio, na extremidade superior de um tubo em forma de U invertido.
«As tentativas para repetir essa experiência à maneira de Cavendish apenas
serviram para aumentar a admiração que sentimos por esta investigação
maravilhosa. Trabalhando com quantidades de matéria quase microscópicas, e com
operações que se prolongavam por dias e semanas, estabeleceu um dos factos mais
importantes da química. E, o que se relaciona ainda mais com o tema, suscitou,
com o mesmo conhecimento que nós, as questões essenciais que esta experiência
apresenta.»
Assim, segundo a opinião dos maiores cientistas, Cavendish revela-se um
experimentador extraordinário. É, ao mesmo tempo, um antecipador espantoso e as
suas investigações mergulham nas raízes da alquimia.
Se juntarmos a isto a sua estranha indiferença relativamente à natureza humana,
a sua imensa fortuna, cuja origem continua por explicar, bem como todo o seu
comportamento geral, sem dúvida que nos encontramos
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perante uma personagem que não pode ser explicada apenas pela excentricidade.
Aliás, parece excessivo acusar de misantropia um homem a quem a caridade nunca
faltou e de misogenia um homem que se não escusava a arriscar a vida por uma
mulher.
As coisas não são simples. Somos tenbados a citar Lovecraft: «Ou nasceu numa
estranha solidão, ou encontrou o meio de passar a porta interdita.» Ou, ainda:
«Este rosto é uma máscara. E o que ela encobre não é humano.»
Seria fácil fazer de Cavendish um caso isolado, se tivesse sido elé o único, no
século XVIII, a beneficiar, sem explicação, de considerável ajuda material e de
conhecimentos secretos. No entanto, conhecemos outros exemplos do mesmo
fenômeno. Assim, o jesuíta Roger Boscovitch, que, a partir de 1756, publica um
tratado onde se encontram indicados, não só um resumo da relatividade e da
teoria dos quanta1, mas também ciências que desconhe- mos, como a viagem no
tempo, a antigravitação e a bilocação.
1 Quantum (pl. quanta)= quantidade mínima constante, universal, pela qual a
energia se propaga, de modo descontínuo. A teoria dos quanta está na base de
toda a Física moderna. (N. do T.)
2 Vide Saint-Germain, le Rose-Croix Immortel, de Moura e Louvet. Col. L’Aventure
Mystérieuse, das Éditions J’ai-Lu.
Saint-Germain, o imortal1 2, é outro exemplo. Alguns não têm a mesma qualidade.
Deste modo, ser-se-ia tentado a escrever assim a história do século XVIII:
1
— Primeira introdução, em meados do século XVIII, de uma fonte X de informações,
facto que se dá cerca de 1730. Alguém (um ou vários) já não se limita a
informar-se e a investigar, mas introduz, na Europa, informações importantes,
especialmente no que respeita à física e à química.
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2
— Primeira difusão dessas informações, feita, quer por mensageiros —e é sedutor
pensar que Cavendish é um desses mensageiros—, quer por homens d0' mais elevado
valor moral, que não procuram tirar qualquer proveito material do saber que
difundem. Entre eles, Bos- covitch, Saint-Germain, Benjamin Franklin, Priestley
e o conde de Rumford.
3
— Difusão de informações por homens de menor valor, aproveitando-se dos
detentores desta informação: o exemplo mais significativo é Messmer.
4
— última fase: aparecimento de autênticos char- latães, explorando, unicamente
em seu proveito, fragmentos incoerentes de saber, sem dúvida roubados.
Cagliostro é o tipo dos protagonistas desta última fase, que durará até ao
início do século XIX.
Em 1810, parece que todos os detentores autênticos do saber morreram ou
desapareceram. Assim como não se dá, na Europa, um tal aparecimento súbito de

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