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Paradoxalmente, as dificuldades de aplicação desta "terceira via' à prática projectual

imediatamente surgirão no seu primeiro trabalho significativo, o Plano da Zona Residencial do


Campo Alegre, de 49; contrariando oS anteriores planos para o local, de Piacentini e Múzio,
que ali previam um centro de cidade retomavam uma tradição de continuidade e
caracterização do desenho urbano, a proposta efectuada constitui uma afirmação radical de
modernidade, que utiliza todos os padrões do racionalismo e onde as questões da
continuidade e enraizamento arquitec tónicos parecem limitar-se à pretensão de que o plano
seja, como refere o seu autor, "um acto perfeitamente portuense"21.

Casa sobre o mar:

Todavia, nas obras que efectuará durante o mesmo período temporal, Távora parece não
desejar, ou não conseguir ainda, adequar o seu posicionamento teórico à produção desenhada,
optando, paradoxalmente, por uma atitude de modernidade radical, na crença talvez de que
bastava imprimir aos seus trabalhos um voluntarismo de intenções para lhes garantir a
almejada "individualidade portuguesa" e que seria suficiente explorar algumas
especificidades do formalismo internacional para resolver os problemas do carác-ter e
enraizamento da sua arquitectura; de referir todavia, que um caminho alternativo será
apontado, pela primeira vez na Casa sobre o Mar.

Távora desenhará, ainda em 52, a Casa sobre o Mar, num posicionamento que, demarcado
embora dos três trabalhos anteriores, "owes something to Giuseppe Terragni's 'rati-onalist'
Casa sul Lago, project of 1934, and it is also indebted, at the level of detail, to the regionally
inflected modernism of Marcel Breuer's New England manner of the 50's", como constatará,
recentemente, K. Frampton?5. A tentativa de integração dos valores da tradição
arquitectónica nesta obra, à que não é estranha também a influência do Brasil Builds, far-se-á,
ainda algo ingenuamente, revestindo todas as fachadas a "azulejo nacional"; todavia, e é
importante referi-lo, será a partir deste projecto que Távora inicia uma incessante procura, a da
inserção dos valores da tradição arquitectónica portuguesa na arqui-tectura que vai
desenhando, como condição necessária da sua modernidade.

Sobre o princípio de Fernando Távora de evocar o passado

Posicionamento sobre seu ensino pedagógico (Carlos Ramos) assumia então: a variação
estilística e a fragilidade ideológica, a postura aberta, empírica e pragmática, a recusa de
modelos ideológicos e apriorísticos, a afirmação do método de projectação como conceito
central e legitimante da práxis arquitetónica e, por último, a tensão permanente entre
modernidade e tradição, entre arquitectura nacional e internacional’’. Como refere F. Lisboa

Fernando Távora diiza que era um ensino onde até certo ponto a modernidade era encarada de
um ponto de vista estilístico (..) onde se podia utilizar aquilo que então se chamava estilo
moderno, que nessa altura evoluía-se através da influência da arquitetura fascista italiana e
alemã. Também começaram a surgir nomes brasileiros como Lucio Costa e Oscar Niemeyer.
Comentando criticamente a sua formação escolar, Távora constatará que "o apare.

cimento de coisas tão diferentes criava no nosso espírito uma desorientação terrível (..).

Tenho a impressão de que a crise que sofri a seguir ao final do curso nasceu precisamente da
necessidade de acertar ideias", explicando simultaneamente que "talvez essa crise fosse
também provocada por uma certa incompatibilidade entre uma formação racionalista e outra
familiar, de ambiente; e, de certo modo. com um tempera mento que não se adaptaria a essa
formação

A inquietação resultante da sua educação e formação levarão F. Távora, então com vinte e
quatro anos, a redigir O Problema da Casa Portuguesa, na sequência, aliás de preocupações
semelhantes às de Keil do Amaral e paralelas à de Raul Lino e, mais remotamente, de Gabriel
Pereira, Fialho de Almeida e D. José Pessanha. Nessa pequena publicação abordar-se-ão as
questões da caracterização, da continuidade e do enraiza mento da nossa arquitectura,
defendendo-se a sua necessária modernidade. conside rada condição necessária para que
fosse validamente portuguesa, o que pressupunha a aplicação, no seu desenho, dos princípios
do Movimento Moderno como garante da sin-tese desejada". Neste texto constatará Távora
que variam as condições, é diferente a circunstância portuguesa, os homens de hoje não são
iguais aos de ontem (..) Sendo tão forte o grau destas variações, porque o não hão-de ser
outras, muitas outras, as soluções a encontrar para os portugueses de hoje? (..). O estudo da
arquitetura portuguesa não está feito (…). A casa popular fornecer-nos-á grandes lições quando
devidamente estudada, pois ela é a mais funcional e a menos fantasiosa, numa palavra aquela
que está mais de acordo com as novas intenções (.). Na arquitectura contemporânea não e
dificil entrever já uma prometedora solidez (...) e é nela que deve entroncar-se a arquit tectura
portuguesa sem receio de que perca o seu 'carácter"".

Quase quarenta anos depois Távora esclareceria a posição defendida no opúsculo balizando-a
entre duas atitudes opostas, a de Keil do Amaral e a de Cassiano Branco e Teotónio Pereira ", e
considerando que "defendia neste texto o que se chamava a *er cetra via", no sentido de uma
evolução da arquitectura moderna com capacidade de ider tificação com o tradicional. Uma
posição que significava uma certa desconfiança por alguns caminhos da arquitetura moderna,
que reconhecia a incapacidade dessa arqui tectura para resolver alguns problemas*

Távora sempre esteve em busca de alcançar seu princípio arquitetônico, a causa que sempre o
manteve a teimar na busca da Terceira Via para uma nova arquitetura portuguesa, síntese da
modernidade internacional e da condicção local. Motivação pessoal de enfrentar uma causa
nacional de refundação arquitetónica, à medida que admirava Le Corbusier, por aquela
condição heróica na defesa de uma nova arquitetura, pela regeneração de Portugal a partir da
sua valorização cultural.

É capaz de estruturar uma linha de pensamento que consiste na fusão entre o moderno e a
tradição, denominando-a de Terceira Via.
A Casa sobre o Mar, seu projeto para a obtenção do CODA (Concurso para Obtenção de
Diploma de Arquitecto), em 1951. Por seu carácter inicial, podemos considerá-lo uma
verdadeira declaração de intenções. Capacidade de por em prática as teorias propostas em seu
primeiro manifesto escrito, o anteriormente mencionado O Problema da Casa Portuguesa.

‘’Da análise do nosso trabalho resulta clara a intenção de produzir uma obra que, para além
do^ interessei* funcional ou técnico^ possua acentuado valor plástico.’’ – Memória Descritiva
sobre o CODA, p.6

’’ Revestindo as fachadas o azulejo tradicional há que esperar da sua correcção, da beleza da


sua cor, do seu brilho (nada como ele sabe refletir os poentes da Foz), um dos elementos de
maior interesse nessa construção.’’ – p.7

Assim, frente ao singular desenho estrutural com vigas de betão que propõe para permitir a
consola na construção da casa sob o penhasco, incrementando-se com os pilotis com que a
habitação se eleva, ou as fachadas de cerâmica, tradicionais da arquitectura religiosa e
residencial portuense, já demonstram essa identidade integradora.

Nessa obra, é indiscutível a vontade de Távora em projetar uma casa que poderia mostrar de
forma gráfica, apesar da noção de que ela não seria edificada, a viabilidade dos ideais plásticos
afirmados em ‘’O Problema da Casa Portuguesa’’, parafraseando sua proclamação de que
‘’tudo há que refazer, começando pelo princípio’’. Apesar do grande risco que Távora assume
em sua proposta, especialmente em relação ao seu manifesto escrito, ele o assume com
grande coragem, superando o medo que o mesmo reconhecia no inicio de sua carreira
profissional.

Ainda dizia Távora ‘’O urbanismo, (...) para mim constituiu uma fuga aos problemas com que
me debatia para exercer a função da Arquitectura’’. Entrevista Fernando Távora 1971 (Revista
Arquitectura) p.171

No âmbito do Plano Geral de Urbanização da Cidade do Porto, a acção de Marcello


Piacentini(1938-39) e Giovani Muzio (1940-43), As suas propostas incidem, sobretudo, na
criação de centros cívicos de traçados axiais e hierarquizados, com pendor monumental e que
têm no “plano de imagem”3 Por falta de pressão demográfica ou de iniciativa de vanguarda,
aceita-se o novo mais por imperativo de renovação do que por desígnio “ideológico” para a
resolução dos problemas sociais da cidade.

Talvez por isso, os programas de habitação colectiva económica nunca tenham sido muito
explorados, mantendo-se o modelo da habitação unifamiliar definido pelo Estado como
modelo da casa para todos – tipologia, como já vimos, perfeitamente integrada na estrutura
física e social da cidade. Apenas com a abertura ou prolongamento de arruamentos como Sá
da Bandeira e Ceuta (anos 40) se introduziu no Porto a habitação plurifamiliar (burguesa),
ainda que com base no desenho tradicional de quarteirão. A grande inovação é a dimensão em
profundidade e largura dos lotes que, pela primeira vez, pressupõe na cidade um novo tipo de
promotor e cliente.

A renovação profunda, realizada a partir do imaginário urbano moderno, só surgirá na


sequência da acção pedagógica de Carlos Ramos, na ESBAP, da criação do grupo ODAM, em
1947, e da tomada de consciência de classe, explicita no Congresso de 1948, onde se
debaterão as questões ligadas à vida urbana moderna – local onde arquitectos do Porto, como
Arménio Losa, Mário Bonito ou Viana de Lima se destacam em comunicações, que terão mais
tarde reflexos em algumas das principais obras de arquitectura moderna na cidade. Mas, talvez
devido à escala dos investimentos e da estrutura fundiária e política da cidade (na habitação
social as acções ficaram-se quase todas pelos programas das Caixas e do MOP), os planos de
urbanização modernos, centrados na habitação colectiva, vão ter um processo longo de
maturação, 16 - Grande edifício de lojas, salas e casas-andar, praça D. João I, lado norte,
Agostinho Ricca, 1940. 112 CAPÍTULO III 34 - Arquitecto que estava nessa altura envolvido em
projectos de grande escala em Lisboa. 35 - Nuno Grande, 2002 :148. orientando a atenção dos
arquitectos mais para o edifício do que para o território. O “bloco” valoriza-se, pois, como
representação da modernidade, que se afirma em radical oposição à cidade para a qual, pelas
razões já enunciadas, contribui timidamente com a ideia do «zoning».

Sem espaço para a especulação e investigação em volta dos temas enunciados, de forma tão
inflamada, no Congresso de 1948, o pensamento urbanístico parece cristalizar-se nos valores
estéticos da modernidade, mais centrados no edifício e menos no significado “social” da
projectação. Efectivamente, com a nova geração de arquitectos modernos a cidade vê surgir
edifícios modernos que aceitam o diálogo com a estrutura urbana preexistente, sendo os
conjuntos urbanos de maior dimensão uma excepção e fruto, sobretudo, da encomenda
institucional - pontuados pelo plano do Campo Alegre (1949) ou pelo Plano de Ramalde (1952),
de Fernando Távora,

Apesar disso, e pelo menos nesses planos, a acção moderna abstractiza-se em “operações
típicas da modernidade, fixada e regida pela Carta de Atenas - zonamento e edifício; sol-
espaço-verde” (M. Mendes, 1987).

O plano da Zona Residencial do Campo Alegre foi realizado por Fernando Távora, em 1949,
para uma população de 6.000 pessoas. O projecto de uma nova ponte, que só se concretizaria
mais tarde (anos 60), foi a motivação para um plano que se implantava a uma cota alta com
grande sentido de monumentalidade (“capaz de produzir um grande «impact»” (F. Távora,
1993 :49)), demolindo toda a área entre a encosta e a rua do Campo Alegre. Operação de
construção moderna na cidade que lembra, inevitavelmente, as propostas de Le Corbusier para
o Centro de Paris («Ilot insalubre n.º 6», 1936) e as propostas contemporâneas para a Avenida
EUA em Lisboa. O mote era o da “ordem e unidade” que Fernando Távora vinha defendendo,
pelo menos desde 194538. [imagem 17] O plano era caracterizado por um conjunto de blocos
de habitação de grande altura, organizados paralelamente ao longo de um eixo e com
orientação dominante Norte/Sul. Do lado oposto da via, no tramo nascente do conjunto,
existiam edifícios mais baixos no sentido perpendicular aos primeiros; no cruzamento entre o
eixo principal do plano e uma das vias de acesso á cidade, previa-se o centro cívico com
equipamentos que se autonomizavam formalmente em função do seu programa (as
referências a Le Corbusier são evidentes). Com total autonomia entre vias de peões e carros, o
espaço público, centrado na praça e espaço verde, era organizado com percursos livres que
cruzavam os edifícios no r/c e com uma avenida de peões que delimitava a construção no lado
sul, voltada para o rio.

A realização destas propostas no tecido urbano nacional, que não tinha experimentado a
demolição maciça das cidades centro europeias, restringiu-se, sobretudo, a pequenas áreas de
expansão ou planos de pormenor, que procuram a sua articulação com a estrutura urbana
existente
Devido à sua eficácia no processo de urbanização, a progressiva aplicação dos princípios da
Carta de 4 - José Fernando Gonçalves, 1995. CONCLUSÃO 339 Atenas (mais como cartilha
metodológica do que proposta filosófica5) generalizar-se-á e constituirá mesmo um elemento
charneira de crescimento urbano, onde se encontram operações típicas: no zonamento; na
separação dos percursos dos peões dos automóveis; na implantação de edifícios no meio de
espaço verde.

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