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NARRATIVA E ANALOGIAS NA ARQUITECTURA

Doutoramento em Arquitectura

Especialidade: Teoria e Prática do Projecto

José Carlos de Oliveira Manalvo

Orientador:
Professor Catedrático Jorge Filipe Ganhão da Cruz Pinto
Constituição do Júri:
Presidente e vogal:
Doutora Maria Madalena Aguiar da Cunha Matos, Professora Associada,
Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa.
Vogais:
Doutor Domingos Manuel Campelo Tavares, Professor Catedrático Emérito, Faculdade
de Arquitectura da Universidade do Porto;
Doutor Jorge Filipe Ganhão da Cruz Pinto, Professor Catedrático, Faculdade de
Arquitetura da Universidade de Lisboa;
Doutor João Gabriel Viana de Sousa Morais, Professor Catedrático, Faculdade de
Arquitetura da Universidade de Lisboa;
Doutora Paula Cristina André dos Ramos Pinto, Professora Auxiliar, ISCTE do Instituto
Universitário de Lisboa;
Doutora Maria Soledade Gomez Paiva Sousa, Professora Auxiliar, Faculdade de
Arquitetura da Universidade de Lisboa.

Tese especialmente elaborada para a obtenção do grau de doutor


Documento definitivo
Dezembro, 2016
NARRATIVA E ANALOGIAS NA ARQUITECTURA
Doutoramento em Arquitectura

Especialidade: Teoria e Prática do Projecto

José Carlos de Oliveira Manalvo

Orientador:
Professor Catedrático Jorge Filipe Ganhão da Cruz Pinto
Constituição do Júri:
Presidente e vogal:
Doutora Maria Madalena Aguiar da Cunha Matos, Professora Associada,
Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa.
Vogais:
Doutor Domingos Manuel Campelo Tavares, Professor Catedrático Emérito, Faculdade
de Arquitectura da Universidade do Porto;
Doutor Jorge Filipe Ganhão da Cruz Pinto, Professor Catedrático, Faculdade de
Arquitetura da Universidade de Lisboa;
Doutor João Gabriel Viana de Sousa Morais, Professor Catedrático, Faculdade de
Arquitetura da Universidade de Lisboa;
Doutora Paula Cristina André dos Ramos Pinto, Professora Auxiliar, ISCTE do Instituto
Universitário de Lisboa;
Doutora Maria Soledade Gomez Paiva Sousa, Professora Auxiliar, Faculdade de
Arquitetura da Universidade de Lisboa.

Tese especialmente elaborada para a obtenção do grau de doutor


Documento definitivo
Dezembro, 2016

i
ii
Para a Clara

iii
iv
RESUMO

NARRATIVA E ANALOGIAS NA ARQUITECTURA

Doutoramento em Arquitectura

Especialidade: Teoria e Prática do Projecto

José Carlos de Oliveira Manalvo

Esta investigação cruza a narrativa e a arquitectura, incidindo na


relação do conhecimento expresso em histórias, com a concepção
espacial suportada em analogias, na arquitectura de Quatrocentos,
com Alberti (1404-1472), e a recriação da narrativa com Francisco de
Holanda (1517-1584) e António Rodrigues (c. 1525-1590), em
Portugal.

Tem como ponto de partida, a base teorética do conhecimento


narrativo investigado pelas Ciências Sociais, Ciências Cognitivas, e
Narratologia. Segundo estas disciplinas, as narrativas estruturam o
conhecimento num enredo com poder cognitivo, fazendo sentido e
dando sentido à experiência, iludindo a perda de memória através da
grafia que guarda a qualidade narrativa do pensamento originário.

A investigação estabelece, a partir da leitura das fontes primárias, o


quadro conceptual da análise aos objectos, para enquadrar o
conhecimento narrativo, a sua validação, o campo na arquitectura e os
aspectos pragmáticos. Transfere e define os conceitos que ligam a

v
narrativa e a arquitectura, imaginação narrativa, estruturas narrativas,
diegese, transformação e, finalmente, as analogias.

A partir dos fundamentos da base conceptual, apresentam-se os


resultados com aspectos narrativos e as analogias na concepção da
arquitectura de Alberti; discutem-se as dimensões operativas da
narrativa na arquitectura e na prática de projecto, para explicar como o
pensamento narrativo dá forma à arquitectura e como a narrativa se
torna campo de teste no tempo de Holanda e Rodrigues.

PALAVRAS CHAVE: conhecimento narrativo; imaginação narrativa,


analogias, discurso narrativo, natura naturans.

vi
ABSTRACT

NARRATIVE AND ANALOGIES IN ARCHITECTURE

Doutoramento em Arquitectura

Especialidade: Teoria e Prática do Projecto

José Carlos de Oliveira Manalvo

This research crosses the narrative and architecture, focusing on the


relation of knowledge expressed in stories, with the spatial conception
supported by analogies in the Quattrocento architecture, with Alberti
(1404-1472), and the recreating of narrative with Francisco de
Holanda (1517 -1584) and António Rodrigues (c. 1525-1590) in
Portugal.

It takes as its starting point, the theoretical basis of narrative


knowledge investigated by the Social Sciences, Cognitive Sciences, and
Narratology. According to these disciplines, the narratives structure
knowledge in a plot with cognitive power, making sense and giving
meaning to the experience, eluding memory loss by recording the
narrative quality of the original thought.

The research establishes, from a reading of primary sources, the


conceptual framework of the analysis to objects, to frame the
narrative knowledge, its validation in the field architecture and
pragmatic aspects. Transfers and defines the concepts linking

vii
narrative and architecture, narrative imagination, narrative structures,
diegesis, transformation, and finally the analogies.

Starting on the conceptual basis, the results are presented in narrative


aspects and analogies in the design of Alberti's architecture; discusses
the operational dimensions of narrative in architecture and design
practice, to explain how the narrative thinking shapes the architecture
and how the narrative becomes a testing ground in the time of
Holland and Rodrigues.

KEYWORDS: narrative knowledge; narrative imagination, analogies,


narrative discourse, natura naturans.

viii
AGRADECIMENTOS

O autor deseja expressar o seu sincero apreço ao Professor Doutor


Jorge Cruz Pinto pela orientação, pela confiança e pela liberdade com
que permitiu o desenvolvimento desta investigação, e como
acompanhou a participação em conferências internacionais.

Além disso, um agradecimento especial ao Doutor José Vela Castillo,


e à Arquitecta Catarina Fernandes, pelo interesse manifestado na
investigação e pelas discussões sobre o tema.

Finalmente, um agradecimento a todas as pessoas das Instituições


Religiosas com as quais desenvolveu obras, pelo interesse manifestado
no desenvolvimento desta investigação em paralelo com a actividade
profissional.

ix
x
ÍNDICE

Resumo v
Abstract vii
Agradecimentos ix
Índice xi
Imagens xiii
Quadros xvii
Introdução 3
Capítulo 1 7
Caso de estudo 7
Propósito da investigação 11
Problema específico a abordar 13
Estado da arte 34
Teoria 35
Arquitectura 36
Literatura 38
Metodologia 41
Análise de informação 41
Selecção de objectos 43
Selecção de assuntos 44
Estrutura da tese 45
Capítulo 2 49
Quadro conceptual 49
Enquadramento 51
Validação do conhecimento 52
O campo: narrativas na arquitetura 57
Conhecimento expresso em narrativas 59
Reconstituição de narrativas 60
Suportes 62
Pragmática do conhecimento narrativo 64
Legitimação do conhecimento narrativo 68
(Des)legitimação, desempenho 70
Instabilidades 73
Conceitos 74
Imaginação narrativa 75
Estruturas narrativas 86
Diegese 90
Tempo e acção 97

xi
Actante 109
Analogias 110
Capítulo 3 121
Resultados e discussão 121
Descrição dos resultados 121
Estrutura do discurso narrativo 121
Forma do discurso 128
Denotação 133
Similaridades 139
Delineamento e narrar 155
Temas 159
Imagens narrativas 162
Discurso ilustrado 168
Reelaboração de narrativas 171
Edificações 176
Discussão 186
Narrativa anterior à arquitectura 189
Narratividade 194
Pensamento narrativo 199
Desenho narrativo 207
Estruturas de conhecimento 220
Lógica das analogias 228
Conclusão 238
Perspectivas de desenvolvimento 249
Anexos 251
Bibliografia 259

xii
IMAGENS

Imagem 1 – Invenção de Pitágoras, referida por Vitruvio no Livro IX


De Architectura, “cette invention qui est utile à beaucoup de
choses, mais principalement pour mesurer, a aussi un grand
usage dans les Edificespour regler les hauteurs des degrez des
Escaliers (…) como podemos ler versão de Perrault de
1673:255. 24
Imagem 2 – Exemplo prático de Alberti, sem referência a Pitágoras,
para representação de triângulos rectângulos que permitem
decompor formas mais complexas para realizar
levantamentos e retirar medidas indirectas, in Ex ludis rerum
mathematicarum c. 1450. f.8. (seq. 19). 24
Imagem 3 – A sequência de números inteiros que permite construir em
ângulo recto é sintetizada na representação gráfica, dando
corpo ao Teorema de Pitágoras. Observamos que os
quadrados que compõem cada lado são iguais e a soma das
partes em ângulo recto é igual ao conjunto maior de
quadrados. 25
Imagem 4 – De re aedificatoria. Trad. Giorgio Vasari, 1550. 29
Imagem 5 – De Aetatibus Mundi Imagines (1543-1573) . Madrid. 29
Imagem 6 – Tratado de Arquitectura. António Rodrigues (?). 1576.
BN. 30
Imagem 7 – Santa Maria Novella. In
http://www.museumsinflorence.com/musei/santa_maria_n
ovella-cloist.html, consultado a 20150901. 177
Imagem 8 – Santo Sepulcro da Capela Rucellai, Florença. In
http://www.museomarinomarini.it/section.php?page=rucell
ai, consultado a 20150901. 177

xiii
Imagem 9 – Palácio Rucellai, Florença. In
http://www.europeana.eu/portal/record/08535/local__def
ault__6108.html?start=1&query=what%3A%22Palazzo+Ru
cellai+in+Florenz%22&startPage=1&qt=false&rows=24,
consultado a 20150901. 178
Imagem 10 – interior da Santissima Anunziata, Florença. In
http://www.firenze-online.com/visitare/informazioni-
firenze.php?id=6#.VhFLZbRUMuI, consultado a 20150901.
179
Imagem 11 – São Sebastião, Mântua. In
http://www.cpp.edu/~aehacker/arc362/Northern%20Italy
%20and%20Palladio/Images/3176.jpg, consultado a
20150901. 179
Imagem 12 – São Sebastião, Mântua. In .
http://www.lombardiabeniculturali.it/architetture/schede/
MN360-01055/, consultado a 20150601 180
Imagem 13 – Templo Malatestiano, Rimini. In
http://www.historiasztuki.com.pl/ilustracje/STYLE-
RENESENS/Tempio-Malatestiano-Alberti.jpg, consultado a
20150901. 180
Imagem 14 – Templo Malatestiano, Rimini. In
http://www.historiasztuki.com.pl/ilustracje/STYLE-
RENESENS/Tempio-Malatestiano-Alberti-plan-3.jpg,
consultado a 20150901. 181
Imagem 15 – Santo André, Mântua. In
https://classconnection.s3.amazonaws.com/101/flashcards/
739101/jpg/s._andrea21326424823092.jpg, consultado a
20150901. 182
Imagem 16 – Santo André, Mântua. In
http://www.historiasztuki.com.pl/ilustracje/STYLE-
RENESENS/Sant'Andrea-Mantua-fasada.jpg, consultado a
20150901. 183

xiv
Imagem 17 – São Sebastião, Mântua. In
http://architetturaquattrocentocinquecento.blogspot.pt/201
2/02/san-sebastiano-mantova-1460.html, consultado a
20150901. 184
Imagem 18 – Santo André, Mântua. In
http://www.historiasztuki.com.pl/ilustracje/STYLE-
RENESENS/SantAndrea-Matua-interior.jpg, consultado a
20150901. 184
Imagem 19 – fotografia de paisagem, desenhos, maqueta. (Manalvo,
Projecto e Narrativa: a investigação sobre a narrativa como
método de pesquisa., 2009) 186

xv
xvi
QUADROS

Quadro 1 – Diagrama temporal 252


Quadro 2 – Tipos de conhecimento e procedimentos empregues na
pesquisa de narrativas, segundo Polkinghorne, in Hatch e
Wisniewski, ed. (1995). 254
Quadro 3 - Estrutura básica para a metodologia de pesquisa sobre a
análise narrativa. (Webster e Mertova 2007:105). 255
Quadro 4 – Analogias na De re aedificatoria. 256
Quadro 5 – Raciocínio analógico. 257

xvii
xviii
Introdução

Esta investigação é o culminar da pesquisa, pensamento e obra que


começou nos últimos anos da licenciatura em arquitectura. Nesta, a
pesquisa sobre a arquitectura e a prática de edificar, conduziu à
procura de uma forma estruturante do pensamento e da acção que
servisse de mediação entre a arquitectura, o desenho e o pensamento.

Esta forma estruturante que ‘dar a ver a arquitectura’, o desenho e o


pensamento radicou, desde muito cedo, na concepção da palavra e
imagens literárias, o que conduziu à ideia da presença e à imposição de
formas narrativas na arquitectura, na concepção e na investigação.

A ideia da presença das formas narrativas, tornou-se produtiva,


desenvolveu-se em paralelo, e com iterações, com o percurso
profissional, acompanhando obras no papel, obras construídas e
mobiliário, com o ímpeto de estrutura agregadora. Em 2009 teria o
primeiro momento de registo, fora do contexto da obra, através da
dissertação de mestrado sobre o tema ‘Projecto e Narrativa: a investigação
sobre a narrativa como método de pesquisa’ (FAUTL). Através desta
dissertação, foi iniciado o registo de uma inquietação, pensamento
sobre a disciplina ‘pesquisa narrativa’, combinando essa forma de
pesquisa com a investigação no projecto, no contexto da
contemporaneidade.

A teoria narrativa introduziu-se assim, de uma forma mais evidente,


nas preocupações da obra, no sentido de potenciar a imaginação
literária e arquitectónica, e clarificar a comunicação pela obra.

3
A investigação ulterior aprofunda os argumentos filosóficos da relação
da narratologia com a arquitectura, tomando a obra escrita de Leon
Battista Alberti (1404-1472), sobretudo De re aedificatoria (1486), como
narrativa anterior à arquitectura a que se refere, e procurando testar a
presença da forma narrativa na concepção de arquitectura em
Francisco de Holanda (1517-1584) e de António Rodrigues (c. 1525-
1590), cem anos depois das formulações de Alberti.

A investigação é também o resultado da participação em conferências


científicas, onde foram apresentados e discutidos resultados
provisórios desta investigação, e onde foram recolhidos contributos
de outros investigadores interessados nesta temática1.

1 Antuérpia (‘Narrative and Analogies in Architecture. The recreation of Alberti's treatise (1486) in
Portuguese Renaissance with Holanda (1517-1584) and Rodrigues (c. 1525-1590)’. 2012. Editada
em Proceedings of the international conference ‘Theory by Design. Architectural
research made explicit in the design teaching studio’. Faculty of Design Sciences. Artesis
University College. Antwerp University Association. Oct 2012. ISBN: 978-94-90705-07-
7;

São Paulo (‘Narrativity and Architecture. The Portuguese Renaissance with Holanda (1517-1584)
and Rodrigues (c. 1525-1590)’. 2012. Editada em Proceeedings of the international
conference ‘Espaços Narrados. A construção dos múltiplos territórios da língua
portuguesa’. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. pp
659-671. Oct 2012. ISBN: 978-85-8089-022-8;

Delft (‘Disegno interno’: rhetoric and narrative into architectural design. Paper presented in the
second International Conference on Architecture and Fiction, ‘Writingplace. Literary
Methods in Architectural Research and design’. Faculty of Architecture, Delft University
of Technology. Nov 2013;

Covilhã (‘Narrative ways of designing’. Paper presented in the International Conference on


Design Research ‘Designa 2013: Interface’. Universidade da Beira Interior. PT. Nov
2013. ISBN 978-989-654-139-2 (papel); 978-989-654-140-8 (e-pub); 978-989-654-141-5
(pdf) ;

Coimbra (‘Designing by narrative. An inquiry into architecture after ‘De re aedificatoria’’. 2013.
Editado em Proceedings of the international conference Digital Alberti ‘’Tradition and

4
innovation in the theory and practice of architecture’’; Joelho, Coimbra; vol 5; 2014.
ISSN: 1647-2548;

e Lisboa (‘Architectural narrative fictions’ Paper presented at the International Conference


ARCH&LIT: Inter-Arts Dialogue(s), FCSH-Universidade Nova, Lisboa, 4-5 dezembro
2014.

5
6
Capítulo 1

CASO DE ESTUDO

É reconhecida a aproximação descritiva à arquitectura2 em textos e em


suportes de acção / acontecimentos que fazem a distinção da forma
construída e a forma habitada. Contudo, retirando os textos do
âmbito da linguagem, resta um meio, uma estrutura de suporte menos
sujeita à dúvida e ao desajuste em relação ao referente – o desenho.
Esta perspectiva vem valorizar a via do desenho para a arquitectura e
retoma o desenho como base para a invenção de máquinas
arquitectónicas no Renascimento, suportes para fazer arquitectura.

A concepção da arquitectura, é hoje uma disciplina onde o sentido da


visão e os meios visuais são mais valorizados que a invenção dos
meios que permitam edificar essa arquitectura. Contudo, começamos a
recuperar hoje, a partir de outras disciplinas, outros sentidos e
aceitamos uma forma menos consciente para a experiência e a prática
da arquitectura. Este domínio multissensorial é assim aceite e, do
ponto de vista filosófico, dá corpo e substância à experiência, ao
habitar e ao aparecimento do espaço vivido.

Os textos que se referem ao espaço vivido, tem sido sobretudo um


meio descritivo e prescritivo de aspectos técnicos e funcionais, usados
no projecto para clarificar o pensamento e as intenções de desenho. E,
desta forma, têm sido relegados para segundo plano na prática da

2 Na redação deste documento, por opção do autor, não se seguem as regras do acordo
ortográfico.

7
concepção da arquitectura, porque não atingem o âmago da
concepção, da arte edificatória.

No domínio estrito da literatura encontramos imagens de arquitectura,


descrição de espaços dos acontecimentos e dos estados de espírito,
que são parte integrante da forma literária, porque os acontecimentos
têm lugar num cenário, ou cenários, sem os quais não teriam suporte.
Estes cenários são lugares, na acepção arquitectónica, que evocam as
experiências que neles têm lugar através da palavra e das acções de
actantes. Para o ouvinte, transformado em actante, a imaginação é
activada pelos sentidos visuais e auditivos, criando assim imagens
visuais, o ambiente e a consciência necessários para a experiência dos
lugares. Esta caracterização da experiência humana, lugar cinemático,
define o ponto de vista da concepção orientada para o protagonismo
do criador / actante de uma ficção. Nessa concepção dá-se lugar a
imagens vivas na mente, um conjunto de memórias emocionais.

Encontramos também outros textos, veja-se Umberto Eco, Calvino,


Borges, onde a forma arquitectónica passa para a literatura. Nestes
textos a arquitectura é matriz de organização, organiza o diverso,
embora não esteja baseada num fim teorético ou estético da
arquitectura, mas na unidade do nosso mundo externo e interno. Em
certo sentido, repetimos como (Sartre, 1964) expressa em ‘Les Mots’,
recontando as histórias3 como se as estivéssemos a viver, o mundo
interno e externo na mesma narrativa.

3 Usamos a grafia história para designar as histórias que se contam e não as histórias do
universo da historiografia (stories e não histories).

8
Nesta visão, a arquitectura está centrada na vida e no que esta abarca e
não somente nas relações de forças que lhe definem a forma4. Se
imaginamos uma parede, pensamos no que acontece atrás dela e não
noutras paredes ou artifícios estéticos.

No domínio da arquitectura, como sabemos, fundem-se vários


conhecimentos, pelo que é muitas vezes uma forma de saber impura,
sem um ponto de partida claro, com métodos diversos. Vitrúvio
sugere que a arquitectura tem uma origem mítica e que se fundamenta
na concepção da cabana primitiva associada à descoberta do fogo, à
vida em sociedade e à invenção da linguagem. Já Alberti propõe que a
arquitectura resulta da necessidade de protecção do homem e dos seus
bens, relativamente à intempérie (livro IV, cap. 1), depois concebida
como necessidade de conservação da vida em comodidade. Alberti dá
assim, voz a aspectos estéticos, económicos e emocionais, reunindo
assim muitos e diversos conhecimentos numa disciplina complexa e
dotada de entropia. Para resolver a multiplicidade de aspectos em
presença, a palavra, os conceitos verbais, as figuras de estilo e os
fenómenos de esquematismo são fulcrais para compreender as
narrativas e a imaginação que a partir delas se constrói. Desta relação,
nasce o paralelismo entre a escrita e o desenho, desde Vitrúvio, às
ilustrações com letras em Alberti, entre muitos outros.5

É contudo, Alberti quem escreve um conjunto de livros teóricos, De re


aedificatoria, de carácter argumentativo e sem ilustrações desenhadas,

4 Na literatura clássica a vida é abordada de uma forma épica, com relações de casualidade,
interdependências e dimensões humanas, éticas e morais.
5 Por vezes os textos têm um influência fundamental para a arquitectura. A este propósito,
veja-se, por exemplo, a obra e os escritos de Louis Kahn (1901-1974).

9
que têm a particularidade de activarem a imaginação do ouvinte
através de meios literários, por si, através da forma e da lógica e das
figuras de estilo como metáforas6. É através desta figura retórica que
relaciona um objecto com outro, que se leem transferências de
informação analógicas, transpostas de uma coisa para outra, de género
para a espécie, e ao contrário, ficando o primeiro objecto implícito no
segundo.

Assim, a literatura, ou o texto, evoca uma consciência do fenómeno


arquitectónico mediando sensações de experienciar a arquitectura do
texto adequado à arquitectura, da linguagem para o pensamento
espacial e arquitectónico. Esta evocação traduz-se numa poética, no
sentido evocativo e metafórico, na formalização verbal para o
leitor/ouvinte sentir o fenómeno arquitectónico. Neste sentido, o
propósito das palavras é dar sentido, orientar, iluminar e revelar. Uma
palavra poética que dá a ver, activa os sentidos e o entendimento, que
estudos recentes ( (Havik, 2014) com referência a Pallasmaa pp. 12)
tentam capacitar ‘escrever arquitectura’ da mesma forma como um
compositor escreve música. Nestes estudos, entre a arquitectura e a
literatura, procura-se compreender a capacidade das palavras para
estimularem a experiência arquitectónica, textos que medeiam as
experiências sensoriais que não são comunicáveis em desenho7.
Outros estudos como (Keunen, 2011) incidem sobre as narrativas
para explorar conceitos do estruturalismo, de Bahktin, relativos à
criação de imagens mentais, como imaginação narrativa.

6 Segundo (Aristóteles, 2011) p. 7, (384 a.C. – 322 a.C.), o uso de metáforas é o maior
talento do homem, aquele que não se pode aprender de outros.
7 A este propósito lembramos a descrição de J. Ruskin (1819-1900) em The Stones of Venice,
da fachada de S. Marcos.

10
Estes desenvolvimentos definem assim o campo do estudo geral,
situado na relação entre as narrativas e a arquitectura, mediado pela
experiência do espaço vivido e a construção mental das imagens
narrativas, do texto e do edificado. Definem também a circunscrição
da investigação, de caráter teorético, à relação entre o texto
instaurador da teoria da arquitectura de Alberti (De re aedificatoria),
escrito no alvor do humanismo, e os textos de Francisco de Holanda e
António Rodrigues no contexto do Renascimento em Portugal, cem
anos depois das formulações de Alberti.

Propósito da investigação
Esta investigação, centrada na teoria e prática do projecto, tem como
objectivo geral traçar a relação entre a narrativa e a arquitectura, no
sentido de deduzir a correspondência entre a narrativa e os resultados
nos objectos de estudo, para compreender as razões que dão sentido a
diferentes interpretações na arquitectura.

O enquadramento disciplinar da investigação, com o ponto de vista a


partir da teoria e prática do projecto e da pesquisa narrativa, permitirá
descodificar a narrativa e caracterizar os processos bem como os
acontecimentos críticos identificáveis na obra arquitectónica, para
testar a passagem do texto à arquitectura através de um estudo
selectivo de objectos considerados relevantes que, simultaneamente,
coloquem à prova a problemática enunciada pela pretensa passagem
de conceitos, como analogia formativa e expressiva.

Pretende-se, assim, analisar de que modo a narrativa intervém na


concepção, e se esta atribui significado e forma ao espaço
arquitectónico, relacionando a metodologia do discurso humanista e

11
os ensinamentos de Alberti (1404-1472) na narrativa anterior à
arquitectura, De re aedificatoria, e instauradora da teoria da arquitectura
como antropogenese, com os resultados patentes na arquitectura de
Quatrocentos, para pesquisar os mecanismos que regem o uso da
narrativa no delineamento de um “corpo completo e claramente construído”.

Pretende-se, ainda, questionar a existência de um pensamento


narrativo na arquitectura, e especificamente a relação entre
pensamento discursivo e não discursivo, através do teste da
arquitectura do Renascimento em Portugal, de Francisco de Holanda
(1517-1584) e de António Rodrigues (c. 1525-1590), para determinar
os instrumentos da pesquisa narrativa bem como as dimensões
operativas da arquitectura e da prática de projecto, que assumem
maior relevância na investigação e na compreensão da arquitectura
como suporte e como fonte de disseminação de informação.

Este objectivo, assenta numa perspectiva teorética da investigação


narrativa, para desvendar a relação entre (pensamento) narrativas e a
(representação da arquitectura) arquitectura a partir da leitura de
Alberti, para desvendar a transformação do registo verbal no registo
espacial. A disciplina da investigação narrativa propõe o acesso e a
reconfiguração do real no contexto das narrativas. Estes dois modos
de acesso ao real centram-se no estudo das transformações, registados
nos suportes em narrativas, fábulas e ficções. Segundo a filosofia das
histórias, estes suportes apresentam-se em conflito de legitimidade, e
desenvolvem dois caminhos: a hermenêutica do significado e a lógica
do sentido. Do pronto de visto pragmático, a função da narrativa

12
apresenta-se diverso, já que a forma e o objectivo divergem com o
aparecimento de meta-narrativas8.

Relativamente à narrativa instauradora da teoria da arte edificatória, o


interesse na interpretação e compreensão do legado deixado por
Alberti mantém-se actual e com valor para os nossos dias, a avaliar
pela continuidade das traduções da obra e pela investigação das
conexões entre a obra teórica, a obra arquitectónica e a cultura da
época. A vasta bibliografia sobre Alberti e sobre o Renascimento não
esclarece, contudo, qual a relação da narrativa com a arquitectura, não
enuncia as dimensões operativas da arquitectura de raiz clássica e da
prática de projecto, e quais as conexões desta proposta teórica com as
obras do Renascimento / Maneirismo (1520-1600) no contexto
nacional. Argumentando a expressão de Sartre sobre “recontar
histórias”, não está esclarecido como a passagem das artes da memória
medievais chegam à “retórica arquitectónica” e como estruturam o
pensamento racional sobre a disciplina.

Problema específico a abordar


Podemos compreender um objecto arquitectónico através do apelo
que esse objecto faz os sentidos da visão e do movimento. Face a uma
imagem, uma representação, uma maqueta ou a realidade, os sentidos
participam de uma forma directa na apreensão dos estímulos para a
intelectualização e compreensão do real, procurando determinar a
posição, a dimensão, a relação entre as partes, os limites, as
permeabilidades, a luz. Neste movimento, do corpo para o objecto, os
sentidos deslocam a fisicidade do corpo pelas representações ou pela

8 Ver (Lyotard, 1984) a propósito da definição da pós-modernidade.

13
realidade, para compreender se o objecto é habitável, o que é, qual o
tema que desenvolve. Outra forma, indirecta, de compreender um
objecto da cultura material é através da leitura de fontes bibliográficas
que investiguem esse objecto ou através do(s) seu(s) autor(es). A
primeira forma procura dar a compreender a realidade através do
ordenamento de acontecimentos relevantes, que constroem uma
narrativa e que dão sentido a uma interpretação enquanto a segunda
forma recebe passivamente esse ordenamento como uma história que
é contada.

Compreende-se, deste modo, que há diferentes tipos de narrativas e


diferentes maneiras de fazer histórias uma vez que dependem das
interpretações e das formulações que lhes dão sentido. Parafraseando
Sartre, em Les Mots (ed. 1964), “as pessoas são contadoras de fábulas, vivem
rodeadas pelas suas histórias e das histórias dos outros, veem tudo o que lhes acontece
através dessas histórias e tentam viver as suas vidas como se estivessem a recontá-
las”. As narrativas constituem, por isso, uma forma de estruturar o que
se sabe, são veículos de (in)formação fundados na cultura, estruturas
adequadas à comunicação de saber, com interesse para a arquitectura.

Mas, como se usa o que se sabe? Esta interrogação está presente na


praxis9, bem como na relação do pensamento com a matéria, na
poiesis10 e, é muitas vezes respondida subjectivamente com uma
estrutura narrativa que permite grafar resultados possíveis. A
estrutura, como suporte de informação é, em nosso entender, aquela
que permite analisar o veículo de pensamento e comunicação,
comparável à linguagem. Para esta análise, a formulação das hipóteses

9 Praxis, no sentido da prática de investigação, demonstração, prova prática.


10 Poiesis, no sentido de produção plasmada na matéria, poeticamente.

14
para a compreensão deste fenómeno assenta na noção, da filosofia das
histórias, de que as histórias representam coisas como se existissem,
ou coisas que existem, e as circunstâncias como acto11.

Contudo, para distinguir as narrativas no texto, nas imagens e na obra


arquitectónica, é necessário investigar o que é representado na
narrativa e o que se denomina de conteúdo narrativo da história. Para
investigar esta temática, suspeita-se que a narratividade na arquitectura
resulta do uso de analogias, enquanto a prática de projecto se funda
no pensamento narrativo, uma forma de ‘poiesis’. Importa, assim,
determinar a relação dos dois domínios, narrativa e arquitectura, bem
como as dimensões operativas da narrativa na arquitectura. Para
investigar a relação entre a narrativa e a arquitectura toma-se como
objecto, da reflexão, a narrativa de Alberti, ‘De re aedificatoria’, por se
tratar de um texto de arquitectura que se refere à arquitectura que
ainda não existe e, avança-se, como hipótese, a existência de uma
estrutura narrativa em De re aedificatoria, especialmente incorporada no
processo do lineamentis e que esta dá sentido à arquitectura.

A prática reflexiva e comparativa no estudo da relação do texto com a


arquitectura, a partir do ponto de vista da teoria e da prática do
projecto, contribui para um entendimento das conexões entre saberes
diferentes e em última análise da disciplina que trata da edificação,
mesmo na contemporaneidade12. O texto sobre a arte edificatória, tal
como a restante obra de Alberti é fundamental para compreender as
realizações do Humanismo Italiano, no qual ocorrem transformações

11 Tal como refere (Currie, 2010), in “Narratives & Narrators. A Philosophy of Stories”.
12 Esta prática reflexiva e comparativa remonta a Vasari (Le Vite …1550) com as
implicações disciplinares do texto que supera o exemplo edificado.

15
não só na arte, mas na cultura e na língua13, criando um legado para a
disciplina na contemporaneidade polarizada entre construção
vitruviana e a coisa mentalmente concebida. Os textos do
humanismos são também importantes para compreender a alteração
do paradigma da concepção, por proporem narrativas didácticas,
esclarecer a vontade de compreender, de criar conhecimento e, por
antecederem a realização das obras14.

Para esta investigação, o horizonte temporal do ‘corpus’ em análise


circunscreve-se ao percurso delineado no Quadro 1 – Diagrama
temporal (pp. 252), a partir do Renascimento Italiano e, considera-se a
importância de Alberti na transição de uma prática organizada em
ministeriu (lat. ofício de servo) para uma coisa mental, uma arte liberal
independente da profissão manual.

Tal como Alberti refere no Prólogo do De re aedificatoria, publicado em


latim, em Florença em 1485, recebemos do passado “muitos e variados
saberes”, que estão à vista de todos, não se excluindo, antes se
relacionando, tecendo o suporte “para que a vida seja vivida de uma forma
agradável e feliz”. Destes saberes, a arquitectura apresenta-se “utilíssima e
extremamente agradável ao género humano” (Alberti L. B., Da Arte
Edificatória, 2011), pp. 137. Com esta perspectiva, Alberti inaugura o
discurso disciplinar sobre a arquitectura, com o “desejo de ser

13 É neste período, pela mão de Alberti, que a teoria científica da perspectiva é enunciada,
passando da óptica medieval para a perspectiva científica com três tipos de raios numa
pirâmide visual. É igualmente da sua responsabilidade o estabelecimento das regras
gramaticais do volgare florentino que ganha assim o estatuto de língua.
14 Note-se contudo, que na obra De re aedificatoria há algumas referências, embora breves, a
outros trabalhos em que Alberti participou, apenas como exemplos de um processo e
não como resultados de uma prática.

16
absolutamente claro (…) fácil e acessível”15, sem contudo tomar a forma de
um texto científico ou literário. Trata-se de um texto que não explicita
ideias ou as enuncia, como faria um texto científico, nem trabalha um
enredo ou uma exposição narrativa como um texto literário.

A arte da edificação, na acepção de Alberti, explanada ao longo dos


dez livros, trata da disposição de matérias, desde a fundação ao
coroamento de uma edificação, ora enunciando ora expondo. Este
enunciado, na forma de uma anotação sobre o objecto de estudo,
descreve disciplinadamente o objecto – a edificação material –
ultrapassando o propósito da encomenda proposta, a anotação aos
dez livros de Vitrúvio entretanto redescoberto e publicado, igualmente
em latim, em Roma em 148616. Através deste discurso, Alberti
pretende dar a entender um assunto multifacetado, vasto e difícil de
expor, sem contudo nada acrescentar para enfeitar o discurso, como o
próprio afirma ao longo da obra (Livro V (Alberti L. B., Da Arte
Edificatória, 2011) pp. 317; Livro VI (Alberti L. B., Da Arte
Edificatória, 2011) pp. 375), mas atribuindo valor à forma não
discursiva da arquitectura.

15 Contrariamente à falta de inteligibilidade de outros discursos sobre a disciplina, como em


Vitrúvio ao escrever sobre toda a arquitectura. In (Alberti L. B., Da Arte Edificatória,
1485) p. 145, Livro I, cap. 1.
16 Os dois tratados, de Vitrúvio e de Alberti, têm recepção contemporânea na cultura do
Quattrocento, apesar de 15 séculos de distância. Note-se que o humanismo recuperou os
modelos literários da antiguidade greco-romana, com o objectivo de restaurar o latim
clássico. Na recuperação destes modelos encontramos a tradição ciceroniana segundo a
qual se recuperava o conhecimento que afecta a condição humana e promove o
aperfeiçoamento espiritual do homem, o conhecimento humanista. Neste sentido os dois
tratados são contemporâneos, apesar do hiato temporal (Payne, 1999). Não obstante a
recuperação do latim, Alberti proporá em 1437-1441 as Regole della volgar lingua fiorentina
(Regras da língua vulgar de Florença), também designada Grammatichetta Vaticana.

17
A narrativa de Alberti aborda a arte edificatória, baseada na análise e
no levantamento histórico referenciado, embora pouco
pormenorizado. Por isso, não é um texto sobre a arquitectura da
Antiguidade, como o de Vitrúvio, mas é um texto para ser lido por
patronos, sobre uma forma de fazer arquitectura recuperando a
memória e ultrapassando a referência. De re aedificatoria analisa os
edifícios antigos numa síntese tripartida17, com equivalência semântica
ao que fez Vitrúvio, sob o ponto de vista da construção (necessitas) -
firmitas, da comodidade (commoditas) – utilitas e da beleza (voluptas) –
venustas, para fundamentar uma prática re-edificatória, renovadora da
arquitectura do passado que se perdia da memória. Os livros I, II e III
abordam a necessitas – teoria geral da construção, uma relação entre a
matéria e a forma da edificação; os livros IV e V abordam a commoditas
onde é desenvolvida a concepção no binómio necessidade / desejo; os
livros VI, VII, VIII e IX abordam a voluptas, o prazer gerado pela
beleza; finalmente, o livro X, já fora do entendimento ternário, aborda
as regras de reparação dos edifícios voltando a referir-se aos três
primeiros livros18.

De re aedificatoria retoma temas abordados anteriormente, tratados de


arte paralelos com a obra literária de Alberti como se tratasse de
sequências (ou enredos) que conformam uma obra (a edificação) no

17 Veja-se (Cassirer, 1983 [1927]) pp. 383 sobre a analogia da trindade dos signos sensíveis
com o divino na aproximação ao saber na filosofia do renascimento, (…) tout ce qui est
achevé et parfait est de toute nécessité triple. Or la Sagesse est parfaite, la trinité est parfaite, donc on
trouve trois Sagesses et trois trinités. (ie - in mundo:Intellectualis / Celestis / Sensibilis).
18 Este é, segundo alguns autores, um livro incompleto (Alberti L. B., Da Arte Edificatória,
1485) pp. 25) mais próximo de uma obra literária e menos tratadista, recapitulando
noções, como uma obra aberta, existencial.

18
seu conjunto, completa e multifacetada19. A estrutura das sequências
está presente nas partes do tratado com linhas de desenvolvimento
que abordam novas perspectivas sobre os conteúdos. Assim, os livros
que compõem o tratado têm uma relativa unidade com o conjunto
dos livros em sequências de conhecimento disciplinar, mas permitem
a leitura separada, sem sequência e sem perda de sentido parcial.

O texto de Alberti é o primeiro especificamente sobre a arquitectura


que ainda não existe, um texto que não aborda todo o conhecimento
sobre a edificação, mas que toma a concepção da edificação o seu
objecto principal. Note-se que a diferença principal entre o tratado de
Vitrúvio e o de Alberti reside no objecto de cada um e na identificação
dos ramos de conhecimento que são necessários para abordar esse
objecto. Vitrúvio, em De Architectura refere-se ao produto da
arquitectura e enuncia os saberes necessários no Livro I, mas Alberti,
em De re aedificatoria refere-se ao estudo sistematizado da concepção da
arquitectura sem enunciar quais os saberes em causa, antes reporta-se
a analogias com conhecimentos fora da arquitectura, como o
“edifício-corpo” no Prólogo, corpo animal cuja matéria é delineada,
ou como no Livro IX cap. 5 com as analogias com a música20.

19 A especificação do campo disciplinar da arquitectura centra-se no conhecimento do


objecto arquitectónico, a coisa, o acontecimento de algo determinado e que tem
existência mental ou que é objecto de um discurso de fundamentação assumindo-se
assim simultaneamente objecto mental e sensível, dado a ver e a compreender.
20 Além dos conceitos que Alberti faz equivaler aos que encontramos no texto de Vitruvio,
a concepção é dominada pela introdução de analogias. Estas analogias têm como
objectivo a inteligibilidade da arquitectura através de equivalências com harmonias
musicais e sistemas proporcionais derivados da matemática Pitagórica, nomeadamente
com a equivalência das proporções pitagóricas para a visão com a música.

19
Outras distinções dos dois tratados permitem antever o carácter
generativo da narrativa que advém da formulação de Alberti. No
domínio da concepção, enquanto Vitrúvio concebe a prática unida à
reflexão, atribuindo-lhe uma filiação estrutural, Alberti atribui-lhe uma
dimensão mental, na concatenação das partes, precedendo a obra
onde se persegue a beleza e harmonia cultural face à beleza e
harmonia criadas pela natureza. No domínio da teoria e da prática,
Vitrúvio enuncia uma doutrina artística canónica, uma teoria prática,
com projectos pré-determinados a partir da noção de euritmia21,
enquanto Alberti apresenta uma teoria do projecto, não como um
edifício é por si, mas como é para nós, no acto perceptivo22, uma coisa
mental baseada na faculdade de apreciação humana e uma ordenação
disciplinar, uma teoria metafísica e didáctica. Relativamente às relações
proporcionais, Vitrúvio apresenta uma visão dogmática com uma
modulação previamente adoptada e corrigida opticamente, enquanto
Alberti aborda o todo, como uma história bela para o ouvido, aliando
o prazer dos olhos ao prazer dos ouvidos, comparando o trabalho de
um arquitecto ao de um músico por compor a diversas vozes,
estabelecendo relações biunívocas entre o texto (musical) e a
arquitectura23. A analogia das harmonias musicais (Livro IX Cap. 5)
serve para o desenvolvimento de sistemas proporcionais, de carácter
argumentativo já que a partir de duas dimensões se relaciona uma
terceira harmoniosamente. Alberti define este processo de

21 Proporção entre as partes de um todo, regularidade do ritmo.


22 Choay in (Alberti L. B., L' art D' edifier, 2004) designa este processo de concepção uma
antropogenese por situar o homem no meio dos homens e na natureza, tornando a praxis
arquitectónica matéria de carácter antropológico.
23 A este propósito veja-se (Eriksen, 2001).

20
proporcionar um edifício de concinidade24 (conformidade, elegância,
apuro) com a natureza, a harmonia das partes para constituírem a
totalidade, que prevalece sobre uma suposta unidade estilística ao
conjugar em planos distintos estilos diversos (tempos e narrativas).
Finalmente, no domínio dos estilos, Vitrúvio apresenta quatro ordens
ou géneros: dórica, jónica, coríntia, compósita (ou itálica), enquanto
Alberti substitui as ordens pelo conceito de columnatio – partes da
coluna e não as ordens – sistema generativo com sete elementos que
se organizam para reproduzir as ordens nas variações específicas:
pedestal, base, coluna, capitel, arquitrave, cornija (Livro VII, cap. 5)25.

As analogias e exemplos usados por Alberti baseiam-se na tradição da


retórica de Cícero, para potenciar a comunicação persuasiva da
narrativa, como por exemplo “a diversidade dos edifícios deve-se à diversidade
dos humanos e à arquitectura deve-se, mesmo, a possibilidade de vida em
sociedade”26. Ao manter figuras da eloquência no acto da concepção
arquitectónica, Alberti cria uma retórica arquitectónica que usa os
ensinamentos da escolástica e da oralidade no ordenamento do
discurso disciplinar. Neste discurso, os descritores usados constituem

24 O conceito de concinidade é fundamental para a compreensão dos limites da linguagem em


que Alberti opera e, por extensão, dos limites da concepção da arte edificatória. Tal
como definiu os limites das representações, claramente traçados a negro em Della Pittura
(1435), o conhecimento dos limites que dão forma à cultura permite organizar a realidade
para a tornar compreensível ao pensamento e, criar uma estrutura semântica cujos limites
são conhecidos pelos sentidos (Ackerman, 1991).
25 No limite Alberti recusa o desenho e dá a ver esquemas análogos ao desenho de letras,
Livro VII, cap. 7, recuando do esquema de um som para a ideia de um símbolo.
26 In (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 1485) pp. 37, Introdução por Mário Kruger. Esta
ideia dos exemplos de Alberti apoia-se na obra Della famiglia (1432). Veja-se, contudo
outra tese sobre a origem da arquitectura (McEwen, 1997), anterior aos conceitos
desenvolvidos pela filosofia clássica grega que nela se suportam.

21
os paradigmas que são trabalhados: a região, a área, a
compartimentação, a parede, a cobertura, a abertura (…) para
valorizar a arquitectura como um dos saberes que contribuem para
que a vida seja vivida de uma forma agradável e feliz.

Com o texto sem desenhos27, Alberti valoriza a transmissão oral da


concepção da arquitectura sem a pré-figuração e o controlo efectivo
da obra pelas prescrições desenhadas, como na contemporaneidade. A
valorização da oralidade em detrimento do desenho impede a cópia de
modelos e a consequente perda de sentido28. Desta forma, Alberti
defende o valor generativo das regras e do método narrativo que dá a
ver o mundo mental, contra o poder redutor da imagem, que dá a
compreender imprecisões interpretativas. Por um lado, o texto integra
a narrativa de uma prática da memória e é menos adulterável que o
desenho, em virtude de ser suficiente para descrever conceitos, como
relações proporcionais e analogias. Assume um carácter retórico para
um caminho de nova contextualização com a particularização do
legado deixado pelo passado, a base da formulação da interpretação da
memória que se revive. Por outro lado, o desenho inicia o caminho de
um novo quadro edificado, dando a compreender os objectos da
arquitectura mental através dos sentidos. A perda de controlo da obra

27 Embora alguns autores justifiquem a forma do tratado pelos meios disponíveis na época,
não nos parece, contudo, completamente válida a argumentação relativa à tradição de
edição de folios, baseada na cópia e iluminura, uma vez que já em 1439 Johannes Gutenberg
(c. 1398-1468) tinha melhorado a impressão com tipos móveis e a utilização da gravura era
frequente.
28 Note-se contudo, que alguns autores que se debruçaram sobre o período histórico
anterior reforçaram o valor da representação gráfica como estratégia de memória. Veja-se
(Carruthers, The Craft of Thought. Meditation, Rhetoric, and the Making of Images,
400-1200, 2006), pp. 228-231 sobre o plano de St. Gall.

22
é resolvido a partir do projecto, uma forma de retórica visual ( (Alberti
L. B., Da Arte Edificatória, 2011) pp. 72, na introdução por M.
Kruger), como uma escrita, através da qual o delineamento e a
tradução edificada tentam coincidir.

Embora a forma do tratado exclua as imagens, os conhecimentos


anteriores, como o tratado de Vitrúvio, estão presentes noutras obras
de Alberti. Veja-se (Alberti L. B., Ex ludis rerum mathematicarum)29
(manuscrito “Matemática Lúdica” que apesar do titulo em latim foi
escrito em vulgar, c. 1450) onde Alberti aborda a possibilidade de
medir grandezas inapreensíveis sem o uso de instrumentos, máquinas,
tendo apenas como auxílio a matemática, dando voz à ciência na
tentativa de ampliar o domínio do homem sobre a natureza natural.
Neste aspecto, a narrativa de Alberti reflecte as tradições anteriores e,
à semelhança de Vitrúvio em De Architectura no Livro IX, apresenta
um princípio de Pitágoras na forma de uma sequência de números
inteiros (3, 4, 5), de utilização ainda hoje frequente, para executar
ângulos rectos na construção (Imagem 1, Imagem 2, Imagem 3). Ao
retirar este saber do tratado da arte edificatória, reforça o valor do
verbo na concepção30.

29 Alberti, Leon Battista, 1404-1472. Ex ludis rerum mathematicarum : manuscript, [14--]. MS Typ
422.2. Houghton Library, Harvard University, Cambridge, Mass.
30 Do De re aedificatoria existe uma referência breve a este conhecimento no livro III cap. 2
in (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 1485) pp. 233 sem contudo referenciar Pitágoras.

23
Imagem 1 – Invenção de Pitágoras,
referida por Vitruvio no Livro IX De
Architectura, “cette invention qui est utile à
beaucoup de choses, mais principalement
pour mesurer, a aussi un grand usage
dans les Edifices pour regler les hauteurs
des degrez des Escaliers (…) como
podemos ler versão de Perrault de
1673:255.

Imagem 2 – Exemplo prático de Alberti,


sem referência a Pitágoras, para
representação de triângulos rectângulos
que permitem decompor formas mais
complexas para realizar levantamentos e
retirar medidas indirectas, in Ex ludis
rerum mathematicarum c. 1450. f.8. (seq.
19).

24
Imagem 3 – A sequência de números
inteiros que permite construir em ângulo
recto é sintetizada na representação
gráfica, dando corpo ao Teorema de
Pitágoras. Observamos que os quadrados
que compõem cada lado são iguais e a
soma das partes em ângulo recto é igual
ao conjunto maior de quadrados.

O texto de Alberti é, assim, um novo método de concepção em


arquitectura que possibilita a criação e não a reprodução de obras da
Antiguidade Clássica, operando a síntese Medieval – pelas estratégias
da memória – com o pensamento moderno - sustentado pela razão. É
um documento com uma dimensão narrativa facilmente identificável
dado o universo de personagens, os acontecimentos reais e fictícios
no espaço e no tempo, que ilustram as dimensões conceptuais que
estruturam a disciplina. Neste sentido a narrativa é o suporte
legitimado para geração de conhecimentos ou aplicação de práticas
para a realização de uma obra, trabalhando os significados,
assimilando-os, acomodando-os ou transformando-os. Este processo
que reescreve, ou redesenha, o que foi escrito antes é diferente da

25
cópia e baseia-se na retórica explorado no Quattrocento31 e opera de
quatro maneiras: “por adição, por subtração, por transferência e por
transformação (…) mas não por cópia integral”. Deste modo, a arte
edificatória defendida por Alberti, movendo-se entre a imitação e a
concinidade, manifesta-se ambígua porque transforma o legado da
arquitectura clássica de algo previsível em inexplicável e, por outro
lado, o tratado inverte os termos da teoria, transformando o
inexplicável em algo previsível, como observa M. Kruger ( (Alberti L.
B., Da Arte Edificatória, 2011), p. 120, Introdução). Compreende-se
assim, que as influências das obras de Alberti fazem-se sentir no
desenvolvimento e na sistematização do saber sobre a disciplina, na
prática e na transmissão desse saber32.

A falta de imagens ou desenhos reforçam o valor e peso do verbo na


oralidade da narrativa. Reflecte, ainda a precisão na transmissão de um
modo generativo de arquitectura e não reprodutivo33. Com o advento
da impressão, o texto de Alberti é publicado em 1485 e 1550 em
Florença34, com imagens ilustrativas que interpretam (dão a

31 Veja-se (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 1485) pp. 119, na Introdução por M. Kruger,
a referência ao professor de latim e retórica de Alberti, Gasparino Barzizza (1360-1431)
32 A bibliografia sobre Alberti é vasta atestando o interesse da sua obra que permanece
referencial no nascimento da sistematização sobre a disciplina da arquitectura, e da
inovação projectual, no nascimento de uma arte liberal, coisa mental que necessitava da
teoria didáctica, não só relativa à encomenda mas também à aprendizagem da prática e
separação dos saberes conceptuais dos tradutores.
33 Como referência, o primeiro tratado com imagens impressas foi editado por Serlio (1475-
1553/55) em 1537 e 1540, livros III e IV respectivamente, após a publicação parcial em
1517. Neste tratado, pela primeira vez as ilustrações têm tanta importância como o texto,
no apelo ao sentido da visão, em representações concretas e informativas, recorrendo a
projecções ortogonais e perspectiva na mesma representação
34 Edição de Cosimo Bartoli.

26
compreender) os princípios enunciados por Alberti, passando a fazer
parte da difusão do conjunto de narrativas sobre arquitectura35. Os
conceitos usados por Alberti começam então a ser conhecidos e
entram no léxico comum, como base do Renascimento, no âmbito da
aprendizagem e da recepção da arquitectura. No contexto português o
interesse pelo legado de Alberti centra-se nas viagens de Francisco de
Holanda (1517-1584) e António Rodrigues (c. 1525-1590), no reinado
de D. João III, para Itália. Há, ainda, a convicção de que André de
Resende (1500-1573) trabalhava numa tradução do texto de Alberti
para vernáculo, no reinado de D. João III, pelo que o tratado estaria
acessível para Holanda, Rodrigues, tal como outros ensinamentos de
geometria/desenho e matemática. (Moreira, Um Tratado Português de
Arquitectura do século XVI (1576-1579), 1982) atribui a António
Rodrigues a autoria do primeiro tratado de arquitectura português
composto por duas partes conhecidas: um manual de fortificação de
pendor vitruviano e, outra parte de, preposiçois mathematicas. No entanto,
esta atribuição não tem sido consensual uma vez que as páginas
existentes não se apresentam de forma estruturada e aproximam-se
mais de uma produção escrita, provavelmente enquadrada noutra

35 Nestas narrativas inclui-se o redescobrimento de Vitrúvio, com a primeira tradução


impressa para italiano (1521), depois de Fra Giocondo (1433-1515) de Cesare Cesariano
(1476/78-1453); os livros de Sebastiano Serlio (1475-1553/55) com publicação parcial a
partir de 1517, com representações em perspectiva e projecção ortogonal; Iacomo
Barozzi da Vignola (1507-1573) afastando-se do estudo da arquitectura antiga, faz a
interpretação e compila as regras em imagens, na forma de Cânone com a teoria das
proporções visando a aplicabilidade prática (pré-barroco); Andrea Palladio (1508-1580)
com ilustrações rigorosas em projecções ortogonais (planta, corte e alçado) de obras
próprias que estabelecem o valor do exemplo ao ilustrarem o tratado; Vincenzo
Scamozzi (1548-1616) que pela primeira vez faz surgir o projecto como instância
mediadora, enquanto a ideia permanece o conceito mental (universal); entre outros.

27
forma de transmissão dos saberes36, onde a geometria e a construção
andavam a par.

Neste período, o ensino centrava-se no Paço da Ribeira, na lição dos


moços fidalgos, reorganizada em 1562 e em 1572, onde se reunia o
ensino da matemática e da arquitectura37; mais tarde, na aula da esfera
(Colégio de Santo Antão) – final do séc. XVI até meados do séc.
XVIII – onde se ensinavam disciplinas físico-matemáticas38; e na Aula
de do Risco (Paço da Ribeira) fundada por Filipe II em 159439.

36 Veja-se a referência de (Conceição, 2008) p. 427) “Para além da sua incompletude, essa
palavra — arquitectura — não é sequer escrita, ao mesmo tempo que o vocábulo arquitecto
surge apenas na correcção posterior, a rasurar descuidadamente a palavra fortificador”, para
justificar. Compõe um texto onde são reunidos apontamentos retirados principalmente de
Vitrúvio na edição de Daniel Barbaro, dos dois primeiros livros de Serlio e do tratado de
Pietro Cataneo, num esboço inicial que pode sugerir um desejo tratadístico, mas um
desejo frustado”.
37 Ver (Soromenho, 1991), Manuel Pinto de Vilalobos, da Engenharia Militar à Arquitectura (vol.
1). Dissertação de Mestrado. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa. Ver ainda, (Ferreira,
2009) Luís Serrão Pimentel (1613-1679): Cosmógrafo Mor e Engenheiro Mor de
Portugal. Dissertação de Mestrado em História dos Descobrimentos e da Expansão.
Lisboa: Faculdade de Letras da universidade de Lisboa, Departamento de História, 2009
38 In Sphaera Mundi: A Ciência na Aula da Esfera. Manuscritos científicos do Colégio de
Santo Antão nas colecções da BNP. Lisboa BNP 2008.
39 Não obstante o interesse nacional pelo Humanismo Italiano, o contexto nacional foi
menos entusiasta nas realizações. Veja-se a este propósito as referências ao encontro de
Frei Bartolomeu dos Mártires (1514-1590), (Duarte, 2011), com Daniele Barbaro (c.
1514- 1570).

28
Imagem 4 – De re aedificatoria. Trad.
Giorgio Vasari, 1550.

Imagem 5 – De Aetatibus Mundi


Imagines (1543-1573) . Madrid.

29
Imagem 6 – Tratado de Arquitectura.
António Rodrigues (?). 1576. BN.

Assim, atendendo à importância do texto fundador da teoria da


concepção, o problema específico a abordar, o interesse de
investigação recai sobre a sobre a pergunta geral:

“como é que as narrativas informam a arquitectura?”,

e, em particular:

“como é que a narrativa em De re aedificatoria informa os resultados na obra de


Alberti?”
“Qual a relação do conceito de lineamentis – a ideia que ordena uma prática
cultural do humanismo, através da qual se complementam a estrutura (narrativa) e a
geometria – com a construção de uma natureza espacial que deriva da transmissão
oral grafada pelas linhas euclidianas, em alternativa aos modelos numéricos
pitagóricos e platónicos que se acreditava regular a harmonia do mundo” segundo
(Hersey, 1976).

“Qual a relação da proposta teórica sobre o plano de criação na arte da edificação


com os ensinamentos de Nicolau de Cusa (1401 - 1464)”.

30
E, no contexto nacional40,

“como é que a narrativa instauradora da teoria da arquitectura é recriada com


Francisco de Holanda (1517-1584) e António Rodrigues (c. 1525-1590) e,
(in)forma o renascimento em Portugal, 100 anos depois”.

O corpo de hipóteses que se avançam para explicar o fenómeno em


estudo centram-se:

no poder da grafia para registar o saber, registar a memória, permitindo a passagem


do conhecimento prático dos ofícios ao projecto e à arquitectura.

Nesta,

as narrativas suportam-se no uso de analogias que têm poder cognitivo e, invertendo o


sentido das formas grafadas, o texto “dá a ver” enquanto a imagem “dá a
compreender”.

Estabelece-se assim

a arquitectura como arte do enredo, onde a narrativa dá sentido (poder cognitivo) e


faz sentido.

Nesta hipótese, delinear a arquitectura é equivalente a narrar a forma


mental imaginada, narrativa que a matéria persegue. Este processo de

40 A aplicação no contexto da renascença em Portugal precisa de ser validada pela


historiografia, através da atribuição inequívoca das obras escritas e das obras edificadas
aos autores expressos. Essa validação historiográfica está fora do âmbito desta
investigação. Recolhem-se por isso argumentos críticos para a validação dos registos
escritos e edificados, e foca-se a investigação no campo teorético da teoria e prática da
arte edificatória.

31
saber específico que Alberti denomina de lineamentis41, por oposição a
construção, reúne o poder generativo para a concepção por se mover
entre necessitas, commoditas e voluptas, e se reportar à imaginação
(narrativa) de quem define e gera a arquitectura. Para Alberti “toda a
função e razão de ser do delineamento resume-se em encontrar um
processo, exacto e perfeito, de ajustar entre si linhas e ângulos, afim de
que, por meio daquelas e destes, se possa delimitar e definir a forma do
edifício”42. Mais do que equivalente às linhas43 que representam os
raios visuais que impõem os limites das formas em Della Pittura44, este
processo de conformação cria simultaneamente o limite e a semântica
das formas. Entende-se, por isso, que

este processo é análogo à criação de uma tecitura, uma narrativa do visível que se
baseia em axiomas e na abstracção que permite manter os conceitos válidos quando
se abandona a hipótese.

Note-se que o processo de usar linhas, no desenho, é diferente para o


pintor e para o arquitecto, como refere Alberti. Enquanto o pintor

41 Lineamentis designa uma linha traçada ou definida, tal como o contorno de uma figura ou
de um perfil. Lineamentum – linea+mentum (ampliação do prefixo). Linea designa uma
linha, simultaneamente um objecto como uma corda usada por carpinteiros ou
construtores para medir um alinhamento, como uma linha traçada numa superfície com
um riscador, ligando dois pontos ou assinalando um alinhamento e ainda, como uma
relação genealógica de ascendência. In Oxford Latin Dicitonary, (AA. VV., 1968). Na
tradução de A. Santo, e revisão de M. Kruger, em Alberti 2011, este conceito é traduzido
por delineamento, recuperando um termo hoje em desuso.
42 In (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 1485) pp. 145, Livro 1, cap. 1.
43 Herança do vitral gótico.
44 Alberti não explica se os três tipos de raios visuais (extrínsecos, medianos e centrais) que
permitem a descrição e a representação da realidade num véu, numa janela, emanam dos
objectos ou do olho de quem vê. Veja-se (Ackerman, 1991) pp. 59-96.

32
desenha uma janela que perspectiva o infinito e o estar em face, uma
impressão num véu, para o arquitecto, uma planta representa o estar
dentro, é uma expressão dos limites.

Compreende-se então que o delineamento (narrativa),

não depende intrinsecamente da matéria, embora a matéria seja fundamental na


estética, o delineamento tem um estatuto ontológico e de um saber autónomo, um
carácter criativo de uma coisa mental que prescinde de ser representada para ser
compreendida.

Mas, por outro lado, o delineamento é o

ordenamento, um traçado mentalmente concebido, uma coisa mental imaginada que


tem uma representação gráfica da localização e proporção das partes, é uma síntese
do particular e do geral levada a cabo pela razão.

É um conhecimento análogo à proposta de Nicolau de Cusa (1401-


1464) sobre a natureza do conhecimento modelada pela razão, pelo
conhecimento matemático, mantendo a unidade por meio de
correspondências45.

E, como no delineamento se opera uma especificação de um saber


análogo46, altera-se o paradigma aristotélico das causas que reúnem

45 Vejam-se as analogias musicais na comparação dos acordes com as relações


proporcionais do edificado, originados a partir de uma ordem matemática universal que
exclui o artista. Esta é uma característica inata da beleza, a relação entre as partes.
46 A analogia permite a transferência de saberes de uma disciplina para outra sem relação
causal. Permite desenvolver o processo cognitivo por apresentar uma solução verosímil,
apoiando-se num saber prévio sobre outra matéria que é transferido para o problema em
causa. As semelhanças são objecto de interpretação fazendo sentido num contexto
particular, por exemplo, a analogia de um “corpo completo e claramente definido” com a

33
potência e acto na matéria, para criar uma teoria ordenadora de um
edifício que edifica. Esta recuperação de um saber anterior assente na
teoria tem, assim, um valor ético que é diferente de uma arte mecânica
tradutiva / medieval circunscrita às máquinas que permitem colocar
em prática a coisa material.

Estado da arte
Adoptando o sentido de narrativa, a partir da raiz latina47, como
ordenamento de particularidades, verifica-se que narrar radica em
conhecer e não em contar, o que indica que as narrativas ao
estruturam acontecimentos, um enredo num contexto espacio-
temporal, não se limitam à relação de causa-efeito própria de uma
sucessão temporal (de contar) mas ampliam o conhecimento através
das relações entre vários saberes no seio da cultura (de conhecer). É
nesta concepção que se caracterizam as narrativas com um sentido
antropológico ou existencial ou em alternativa um sentido formal,
ligado a esquemas e gramáticas, consoante sejam relevantes para a
compreensão de um fenómeno dando sentido, ou para a compreensão
de uma prática, fazendo sentido. Por isso, enumeram-se outras
narrativas para além das literárias, como as narrativas pictóricas e as
narrativas arquitectónicas, ficções, consoante o objecto e o suporte48.
Esta concepção de narrativas tem inerente uma complexidade e

ideia incorpórea do arquitecto, a semelhança arquitectura e música segundo a qual “a


arquitectura baseia-se em matemáticas, e o arquitecto deve rectificar as normas das
harmonias musicais”.
47 (AA. VV., 1968) Oxford Latin Dictionary. London, Oxford University Press.
48 A compreensão do valor e da importância das narrativas para a cultura, nos domínios da
investigação e da prática, assume importância para a investigação do fenómeno descrito
na temática em estudo, sobretudo considerando-se que a investigação se movimenta num
corpus de informação onde a qualidade e quantidade são relevantes para o saber.

34
amplitude que revela o alcance da narrativa como ferramenta e como
objecto de estudo pertinente.

Contudo, a temática da relação entre a narrativa e a arquitectura não


tem sido estudada de forma sistemática e fora do contexto da
historiografia. Interessa-nos por isso, registar três grupos de
investigações consideradas pertinentes para a compreensão da
problemática das narrativas e arquitectura: a perspectiva teorética
vinda das ciências sociais onde a preocupação principal reside na
aplicabilidade e validade; a perspectiva da arquitectura, e, finalmente a
perspectiva vinda da literatura, que atravessa a modernidade, sobre a
validade do conhecimento (narrativo).

Teoria
Nos últimos 20 anos, o desenvolvimento dos limites do conhecimento
incorporou no domínio da ciência uma forma de saber que é
especificamente veiculada em narrativas, abordada por uma
metodologia de investigação, tomando de empréstimo a filosofia das
histórias (Clandinin & Connelly, 2004). Em 1966, (Barthes,
Introduction à l’analyse struturale dês récits, 1966)49, ampliou as
narrativas para além das literárias, para suportar uma variedade de
actividades cognitivas e comunicativas, da fala às artes visuais.

O interesse pela forma de investigação suportada em histórias levou


ao desenvolvimento de uma metodologia da investigação da narrativa,
centrada nos eventos críticos da mesma. Esta forma de investigação
emerge por direito próprio, sendo abordada desde há duas décadas
como instrumento de ensino, primeiramente na pesquisa sobre

49 Originalmente publicado in Communications, 8.

35
literatura educacional e, mais recentemente, como metodologia de
pesquisa autónoma atravessando várias disciplinas (filosofia, educação,
teologia, psicologia, economia, medicina, biologia e ciências do
ambiente, entre outras). Esta forma de investigação sobre a narrativa
está, assim, centrada nas experiências humanas com a preocupação
sobre a construção do significado (Nash, 1990). A investigação sobre
narrativas incidiu assim, inicialmente, sobre a ‘história de vida’, como
registam os ensaios reunidos por (Hatch & Wisniewski, 1995) in Life
History and Narrative. O desenvolvimento do interesse sobre esta
temática atinge a cultura com o interesse pela pesquisa cognitiva e
comportamental (Britton & Pellegrini, 1990)(1987) e pelas histórias
que se contam nas ciências, filosofia e literatura (Nash, 1990).

A forma de investigação levou ao desenvolvimento de uma disciplina


que é simultaneamente uma ferramenta de investigação: pesquisa
narrativa. Através desta, a pesquisa sobre a narrativa fornece uma
matriz através da qual se pode investigar a maneira como
experimentamos o mundo, através das histórias que contamos,
sugerindo processos primordiais de comunicação de cultura viva.

Arquitectura
Na arquitectura, são escassas as investigações sobre a relação com a
narrativa. Recentemente, (Ricoeur, Architecture et narrativité, 1998)
estabeleceu a relação entre a arquitectura e a narratividade através da
analogia da entre o tempo das narrativas e o espaço da arquitectura,
“pré-figurado, configurado e refigurado”50. (Leyton, 2006) reconhece
na narrativa o instrumento que permite a passagem de conceitos para

50 Ver também (Umbelino, 2011) pp. 141-162, in Revista Filosófica de Coimbra – n.º 39
(2011).

36
a arquitectura, ficando esta com o ‘registo das forças actuantes’. Nesta
perspectiva a narrativa cria gramáticas generativas que dão forma ao
espaço. (Psarra, 2008) desenvolve argumentos mais abrangentes que
incluem a noção que as narrativas permitem passar dos conceitos para
a experiência, traduzir outros saberes, aumentando o significado
cultural da arquitectura. Esta perspectiva no domínio das narrativas,
centra-se por um lado, na tese de que as narrativas acrescentam
significado á arquitectura, a partir de um desenvolvimento de histórias
míticas. E, por outro lado, incide sobre a performance na arquitectura,
para justificar a visão narrativa a partir da forma de habitar. (Coates,
2012), responsável nos anos 80 pela revista NATO (Narrative
Architecture Today), aborda o domínio da expressão com a noção de que
a narrativa pode sobrepor artifícios de outra natureza, à função real e
original do edifício, criando a sensação de estar numa circunstância
híbrida.

Contudo, os autores referidos não esclarecem a partir de quando,


como e com que objectivos a narrativa se liga à arquitectura. Referem
apenas que existem narrativas na arquitectura, que podemos investigar
a arquitectura a partir da investigação dessas narrativas, na forma de
interpretações. Reforçam que no domínio da arquitectura, ocorre uma
singularidade que consiste, por um lado, em usar representações e
instrumentos que dão sentido a histórias da experiência espacial e, por
outro lado, em usar instrumentos que fazem sentido como recursos
comunicativos. Esta singularidade suporta-se na concepção da
narratividade da arquitectura (Ricoeur, Architecture et narrativité,
1998) e na participação do sujeito corpóreo nas histórias como actante
(Everaert-Desmedt, 1984).

37
Literatura
É a partir do cruzamento do campo da teoria da literatura com a
prática da arquitectura, que têm sido feitos desenvolvimentos
exploratórios com interesse para o caso de estudo. Nestes estudos
exploratórios, procura-se através das ferramentas da literatura, registar,
fazer e compreender a arquitectura, muito para além do mero
processo de recepção dessa arquitectura. Por exemplo, numa
investigação recente, (Havik, 2014) apresenta-nos uma distinção entre
as formas de perceber a escrita de arquitectura, separando, por um
lado, os textos relativos à arquitectura que podem ser textos
denotativos, aqueles que são descritivos, prescritivos e que se referem
à estrutura arquitectónica. Em oposição, coloca os textos conotativos,
aqueles que têm carácter transcritivo, e que se referem aos sentidos, ao
olhar, aos sentimentos e sensações. Finalmente, outro grupo de textos
regista a arquitectura como aproximação a um ‘script’, num sentido
cinemático, onde se articulam os sentidos com a arquitectura, onde o
domínio proprioceptivo se activa. É contudo, na aproximação à
perspectiva ‘scriptiva’ que a autora desenvolve três conceitos – a
descrição, a transcrição e a prescrição, de métodos literários como
aproximações conceptuais e pragmáticas à arquitectura. Nestas
aproximações, a escrita e a literatura acompanham assim o processo
de desenho, como ferramentas práticas, instrumentais na pesquisa e na
aprendizagem51. Os métodos literários e o real lidam dessa forma com
o mundo interior, experiencial e emocional no desenho.

51 Esta ideia segue de perto a proposta e desenvolvimento da disciplina ‘narrative inquiry’,


nos objectos de estudo e na aplicação.

38
Na investigação de (Havik, 2014) encontramos um paralelo com a
investigação desenvolvida por (Keunen, 2011). A primeira refere-se à
imaginação literária, enquanto o segundo à imaginação narrativa.
Ambos reforçam a imaginação, funcional e espacial, do criador ao
mesmo tempo que projectam a ‘vida’, imagens da vida em espaços de
ficção. Atribuem à arquitectura a equivalência a uma coreografia
espacial, equivalente à coreografia da vida e das emoções presentes na
literatura (A-B como a-b) análogas, coreografia espacial e a vida, com
regras e lógicas diferentes.

O conceito de imaginação narrativa desenvolvido por (Keunen, 2011),


decorre da tese enunciada por (Bakhtin, 1981), de que nas narrativas
ocorre a construção de uma relação especial entre o tempo e o espaço,
a que dá o nome de ‘chronotope’. Segundo o autor, as imagens narrativas
que estão presentes nas narrativas são construídas mentalmente,
‘imaginal constructs’, e, embora não pertençam ao domínio do texto em
si, são formas que revelam o entendimento desse texto. O autor afasta
ainda a ideia que dessa forma as narrativas são irreais, afirmando que
são formas da mais ‘imediata realidade’ uma vez que o tempo e o
espaço são fenómenos narratológicos.

É este o sentido que tem mais interesse para a investigação, a relação


entre o contexto narrativo e o contexto arquitectónico, ou seja, a
realidade imaginária que possui referentes e coordenadas temporais e
espaciais, e onde se oculta a forma da voz do narrador / criador.
Neste sentido, a ligação entre os dois domínios decorre da interligação
entre as coordenadas espaciais que definem a posição e as
coordenadas temporais que definem a experiência, sem que uma seja
suficiente ou substitua a outra.

39
Nestes estudos exploratórios, reforça-se que a imagem da coreografia
autoriza a imaginação espacial, sensível e a empatia. Segundo (Havik,
2014) pp. 14, ‘o reino dos sentidos fora da visão pode ser mais eficientemente
apreendido e mediado através da descrição verbal’, particularmente nos
encontros em primeira pessoa (eu e a arquitectura). Escrever evoca
imagens arquitectónicas e expõe como a arquitectura se relaciona e é
parte do mundo mental e emocional. As palavras têm a capacidade
para mediar experiências fora da realidade perceptual comum,
equivalem a uma disciplina desmaterializada (natureza do espaço) que
se relaciona com a experiência sensual do espaço. Esta relação entre o
real (A) e a realidade (B), entre o naturante e a natureza coloca em
questão o discurso, a que Pallasmaa chama de ‘disciplina impura’, e a
fala - um universo de ambiguidades.

Para tentar responder a esta questão, (Havik, 2014) propõe uma leitura
de processos de ambiguidade, processos próprios da literatura,
processos metafóricos e, finalmente, processos analógicos. A
ambiguidade, entropia e ‘impureza’ esclarece-se a partir da literatura e
a partir da criação e do acto de contar histórias. A partir desse meio
estabelecem-se no texto, na comunicação verbal, os processos
metafóricos e finalmente as analogias. Na obra, a experiência mediada,
do ponto de vista do espaço vivido52, coloca-nos face a esta

52 Lefebre (Havik, 2014) pp. 24, propõe que a arquitectura tal como o texto partilham um
código unitário. Este código permite, segundo o autor, ligar a natureza concebida de um
discurso de teor ético sobre o espaço e o espaço ‘vivido’ habitando. Esta ligação em sido
pesquisada como linguagem (com um alfabeto, léxico e gramática) que pode unir
diferentes disciplinas, pelo que a ligação seria uma dialética (e dialógica) de outras
disciplinas. A união de diferentes disciplinas assume-se como uma forma de literacia, ou
seja, fornece capacidades para ler, escrever e compreender a arquitectura (nas escalas da
casa à cidade).

40
ambivalência, subjetividade e diferentes idiossincrasias na ficção
criada. Esta consequência é oposta à objectividade e à realidade que,
por exemplo a tratadística (prescritiva ou generativa) aborda para
diminuir a incerteza, do ponto de vista construtivo e conceptual.

A ideia da ligação como ‘código unitário’ entre o texto e a


arquitectura, suportada pelo ‘espaço vivido’, nasce da literatura e é
focada na experiência dos lugares. Cruza-se com a filosofia das
histórias, fornece ferramentas para descrever, ler e escrever a cidade,
liga as disciplinas espaciais com a literatura. Deste modo, a literatura
tem a força de reunir muitos géneros e perspectivas, simultaneamente.

Metodologia
A metodologia da investigação compreende a análise de informação
relevante, recolhida no âmbito da teoria da narrativa, ciências
cognitivas e da filosofia das histórias. A informação é recolhida a
partir dos suportes selecionados, registos do objecto de investigação, e
filtrada para apresentar apenas os assuntos relevantes para a temática e
as questões colocadas no início.

Análise de informação
Para abordar a complexidade do fenómeno, sobre “como conceber a
arquitectura”, a investigação é constituída por duas componentes,
análise comparativa da narrativa e arquitectura e, análise narrativa e
pesquisa narrativa. A primeira é circunscrita à teoria com a
investigação sobre a narrativa anterior à arquitectura, De re aedificatoria,
incidindo no conceito de ‘lineamentis’, e a segunda é relativa à análise
da arquitectura com os instrumentos da pesquisa narrativa, incidindo

41
nos paradigmas e nas analogias que permitem, hipoteticamente, o
registo de saberes diferentes.

A proposta da metodologia para investigação do fenómeno decorre da


natureza dos suportes dos factos que constituem o objecto de uma
análise comparada dos conteúdos geradores da forma expressa. O
mesmo é dizer, análise da narrativa subjacente à concretização formal
(e social) da arquitectura, com uma linguagem arquitectónica que
permita compreender o fenómeno e prever o comportamento dos
dados.

A análise comparativa das duas componentes da investigação implica


que a descrição do fenómeno seja estabelecida a partir da
complementaridade da investigação sobre a narrativa com a
investigação narrativa, de acordo com a distinção de (Polkinghorne,
1995) Quadro 2 (pp. 254), dando sentido ao que é conhecido e
configurado na narrativa. A primeira, investigação sobre a narrativa,
dirige-se especificamente ao conhecimento paradigmático, na forma
de conceitos, factos quantificáveis e suporta-se na razão para construir
uma matriz de análise das histórias, enquanto a segunda, investigação
narrativa, se dirige ao conhecimento narrativo, na forma do enredo
das histórias, com o apoio dos sentidos e suporta-se numa experiência
analógica, parte da descrição de acontecimentos críticos,
reconfigurando-os através de um novo enredo, para descrever as
histórias a partir dos elementos. Uma vez que usa o enredo narrativo,
o resultado da análise é uma história que dá sentido aos
acontecimentos da experiência a partir do ponto de vista testado,
implicando, por isso, descobrir a razão que liga as partes num
desenvolvimento temporal que pode ser observado.

42
A metodologia que procura investigar o conhecimento
antropocentrado, pesquisa narrativa, segue a estrutura básica
esquematizada no Quadro 2, (p. 255), na pesquisa de acontecimentos
críticos que dão sentido à arquitectura como registo cultural.

Selecção de objectos
A interrogação sobre o texto instaurador das regras generativas da arte
de construir abarca, ainda, outras obras, já que a caracterização que
Alberti faz da praxis assenta no reconhecimento da necessidade de
outros saberes que integram a arquitectura, com “Della famiglia”
(1432), “Della Pittura” (1435) e a “Grammatichetta Vaticana – Regole
della volgar lingua fiorentina (Regras da língua vulgar de Florença)”
(1437-1441). O corpus de obras, atribuídas a Alberti, onde
procuraremos a verificação da estrutura narrativa é constituído pelos
edifícios53: em Florença, a Loggia (1460) e a Capela Rucellai (1467),
tribuna da Santíssima Annunziata (c. 1470). É ainda constituído pelas
obras atribuídas igualmente a outros autores54: Igreja S. Francisco
(Tempio Malatestiano, 1447-50), Rimini – Matteo de’ Pasti; Fachada
do palácio Rucellai (c. 1445-51) e fachada de Santa Maria Novella
(1456-70), Florença, e provavelmente na Loggia della Benedizione,
Roma – Bernardo Rosselino; Igreja de San Sebastiano (1460-70) e de
Sant’ Andrea (c. 1470), Mântua – Luca Francelli. Finalmente, há ainda
outras obras cuja atribuição a Alberti não tem aceitação consensual:
Villa Medicis de Fiesole; Loggia dei Torricini, balneário no Palácio
Ducal de Urbino; pátio e o vestíbulo do palácio Venezia em Roma.

53 In (Tavares, 2004).
54 In (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 1485) p. 70, na Introdução por M. Kruger.

43
Complementarmente, o objecto de estudo é amplia-se à obra teórica e
arquitectónica de Francisco de Holanda (1517-1584)55 e António
Rodrigues (c. 1525-1590), arquitectos renascentistas em Portugal
(Moreira, A Arquitectura do Renascimento no sul de Portugal. A
encomenda régia entre o Moderno e o Romano, 1991) (Moreira,
Arquitectura: Renascimento e Classicismo, 1995) (Moreira, Um
Tratado Português de Arquitectura do século XVI (1576-1579), 1982),
com o exame do impacto que a narrativa tem na disciplina da prática
da arquitectura e, mais especificamente, como é que a narrativa foi
transmitida e refeita, analisando hipóteses de limitações materiais e
influências culturais. Será dada especial atenção à obra de destes
Arquitectos Reais que receberam os ensinamentos do humanismo
italiano, quase um século depois do enunciado de Alberti, quando em
Portugal André de Resende (c. 1500 – 1573) se ocupava de um livro
de arquitectura, presumivelmente a tradução do texto de Alberti. Os
casos de estudo a abordar incidirão em tipos de edifícios comparáveis
com aqueles do tempo de Alberti, em programas de arquitectura
sagrada e profana.

Selecção de assuntos
Em síntese, para realizar a análise comparativa entre a narrativa e a
arquitectura, a partir de Alberti, no sentido de determinar as
dimensões operativas da arquitectura e da prática de projecto,
esquematizar e explicar como o pensamento narrativo dá forma à

55 Refira-se que de Holanda apenas se conhece a autoria da Fortaleza de Mazagão, referida


pelo próprio. No contexto nacional, Holanda deve ser considerado “consultor estético”
de D. João III na feitura do Paço de Xabregas na composição da narrativa plástica, na
Igreja da Conceição em Tomar, Capela das Onze mil virgens em Álcácer do Sal,
Convento de Jesus em Valverde, loggia dos Açougues em Beja, capela-mor da Igreja de S.
Maria de Belém, capela-mor da Igreja do Convento de N. Senhora da Luz.

44
arquitectura e como a narrativa se torna campo de teste no tempo de
Holanda e Rodrigues, a investigação é decomposta nas seguintes
partes:

- descodificação do texto de Alberti, esquematizando os acontecimentos críticos da


narrativa, os operadores da narrativa e as proposições teóricas;

- análise do conhecimento da época e dos novos contributos de Alberti;

- identificação do processo de (in) formação da obra arquitectónica a partir do


texto, através da identificação de acontecimentos críticos na obra e da alteração de
paradigmas;

- teste dos resultados sobre a influência da narrativa, repetindo o processo anterior,


com as obras (teóricas e arquitectónicas) de Rodrigues e Holanda.

Estrutura da tese
A investigação centrada na área disciplinar da teoria e prática do
projecto, tem como pontos de apoio a arquitectura e a arte do
renascimento, registadas pela historiografia; a(s) teoria(s) da narrativa
que define(m) o ponto de vista a partir da contemporaneidade, com
expressão nas ciências cognitivas, na filosofia e na literatura; e a
perspectiva de objectivação na aplicabilidade análoga da narrativa, na
prática contemporânea da investigação e da edificação.

Assim, o estudo divide-se em tês partes. Na primeira parte,


correspondente ao Capítulo 1, é apresentado o caso de estudo, a
narrativa que informa a arquitectura, com o propósito da investigação;
o problema específico a abordar, onde se apresentam os indícios e a
hipótese de investigação; o estado da arte relativo aos estudos que
relacionam a narrativa com a arquitectura, que se apresentam

45
divididos em três blocos – teoria, arquitectura e literatura; e
finalmente, a metodologia de investigação.

Na segunda parte, correspondente ao Capítulo 2, apresenta-se o


quadro conceptual da investigação, modelado pela primeira leitura das
fontes primárias (Alberti, Holanda e Rodrigues) a partir das quais se
elege no estado da arte, o enquadramento do conhecimento narrativo
e os conceitos. No enquadramento desenvolve-se a validação, o
campo da arquitectura, o conhecimento expresso em narrativas, a
reconstituição de narrativas, os suportes, a pragmática, a legitimação, o
desempenho e, finalmente, as instabilidades; e nos conceitos
desenvolve-se a imaginação narrativa, as estruturas narrativas, a
diegese, o tempo e a acção, o actante e, finalmente, as analogias.

Na terceira parte, correspondente ao capítulo 3, apresentam-se os


resultados e a discussão resultantes da aplicação do quadro conceptual
do Capítulo 2 e da metodologia do Capítulo 1 ao caso de estudo.
Após a conclusão apresentam-se as perspectivas de desenvolvimento.
Na descrição de resultados apresentam-se a estrutura do discurso, a
forma do discurso, a denotação, as similaridades, o delineamento,
imagens narrativas, o discurso ilustrado, a reelaboração de narrativas e
as edificações. Na discussão que incide sobre os resultados enunciados
antes e a aplicação do quadro conceptual do Capítulo 2, desenvolvem-
se argumentos relativos à narrativa anterior à arquitectura, a
narratividade na arquitectura, o pensamento narrativo, o desenho
narrativo, as estruturas de conhecimento e a lógica das analogias. A
apresentação dos resultados e discussão é fechada com as conclusões
da tese, comprovando-se um indício enunciado e especificando-se no
caso português a equivalência conceptual argumentada.

46
Apresentam-se no final, as perspectivas de desenvolvimento
suscitadas por esta investigação, com interesse para a teoria e prática
do projecto.

47
48
Capítulo 2

QUADRO CONCEPTUAL

Para diminuir a incerteza que subjaz da ambiguidade que decorre da


experiência pessoal e idiossincrática do espaço arquitectónico e/ou
literário, é necessário analisar o quadro conceptual da narrativa, para, a
partir dos processos próprios da literatura, processos metafóricos e
analógicos, se esclarecer a ambiguidade na forma de contar histórias e
na recepção da narrativa na arquitetura.

Este quadro conceptual implica analisar e ilustrar os conceitos que


ligam a narrativa e a arquitectura, para descodificar os operadores
presentes na narrativa, as proposições próprias do tempo da narrativa,
bem como rever os resultados da repetição e transformação do
conteúdo narrado.

Na tentativa de reduzir o campo de ambiguidades na pesquisa da


operatividade das narrativas, da concepção narrativa para a concepção
arquitectónica, e para a pesquisa sobre o espaço ‘vivido’, os meios
usados pertencem ao domínio da palavra, da literatura, e em particular
da pesquisa narrativa. A escolha desta disciplina para discutir a obra
seminal da teoria da arquitectura, dos aspectos espaciais, pode parecer
distanciada da natureza desse suporte. Contudo, como demonstra o
enquadramento teórico da disciplina oriunda das ciências sociais, este
caminho permite passar do conhecido ao desconhecido e realizar essa
pesquisa, centrada na experiência pessoal daquele que lê ou habita a
arquitectura, ou melhor, no ouvinte que imagina o que lê ou o que
experimenta. Deste modo, a investigação sobre a narrativa oferece um

49
caminho que abarca o real com potencial, desde a concepção e a
recepção da arquitectura, pensada e experienciada através do uso da
faculdade de criar imagens.

Não obstante, as distinções entre a literatura e a arquitectura são


evidentes. Repare-se que relativamente aos suportes, a literatura é
evocativa, descreve sensações, percepções de espaço, com detalhe,
atmosferas, memórias, aspectos sociais, poder, enquanto a
arquitectura é sobretudo formal / visual, funcional, é o cenário dos
acontecimentos, o lugar de vida. A primeira oferece assim, uma maior
riqueza para pesquisar a experiência dos lugares, já que na literatura o
utilizador é personagem da história que se desenrola e autor que
reproduz a história na imaginação, equivalente ao actante na
arquitectura. Na literatura o leitor movimenta-se entre a realidade e a
imaginação, no domínio da especulação, enquanto na arquitectura o
registo desenhado prescreve, faz a medição (igual a palavras).

É no domínio da literatura que se abrem novas perspectivas na criação


das ficções, dando a ‘ver através dos olhos de outro’, e abrem-se
possibilidades de ‘pesquisar os sentidos’ mais do que a visão, segundo
técnicas literárias que usam a forma da uma personagem para
descrever um lugar específico. Na experiência dos lugares, com o
actante, através deste dispositivo e da concepção da arquitectura,
torna-se operativo. O actante está para o mundo natural onde se
relaciona através dos sentidos como a concepção está para o mundo
naturante onde através da imaginação narrativa, cria ficções do lugar.
Neste domínio, importa reflectir sobre dois aspectos: o
enquadramento do conhecimento narrativo e os conceitos que nos

50
servem neste conhecimento para a compreensão do espaço
intermédio entre a literatura e a arquitectura.

Relativamente ao primeiro aspecto, sobre o enquadramento do


conhecimento narrativo, interessa reflectir sobre o processo de
validação do conhecimento (da origem da palavra narrar, conhecer),
sobre o campo das narrativas, sobre o problema da influência das
narrativas, bem como sobre o processo de reconstituição operado
através da leitura. Importa também reflectir sobre a natureza do
suporte, o domínio pragmático do conhecimento narrativo e a sua
legitimação, bem como as alternativas decorrentes das instabilidades
que resultam da subjectividade deste conhecimento.

Relativamente ao segundo aspecto, os conceitos entre a narrativa


literária e a narrativa da arquitectura, interessa reflectir sobre a
imaginação narrativa (a lógica das narrativas, a tipologia das narrativas
e a recepção da arquitectura), as estruturas narrativas, a ‘diegesis’(‘reader
constructs’ e ‘imaginal constructs’), o tempo e a acção, os actantes e
finalmente, o modo como as analogias formam a estrutura do
conteúdo expresso e representado.

Enquadramento
Para fazer o enquadramento do conhecimento narrativo
desenvolvem-se os aspectos considerados relevantes, tendo como a
priori a leitura da narrativa de (Alberti L. B., Da Arte Edificatória,
2011), das narrativas de (Holanda, Da Fábrica que Falece à Cidade de
Lisboa, 1571) (Holanda, Da pintura antiga, 1984) (Holanda, Diálogos
em Roma, 1984) (Holanda, Do tirar polo natural, 1984) (Holanda,
Livro das Idades, 1983) (Holanda, Álbum das Antigualhas, 1989) e,

51
finalmente, do tratado atribuído a (Rodrigues, 1576). É a partir desta
leitura primeira das fontes que se faz o enquadramento conceptual dos
aspectos do conhecimento narrativo, considerados relevantes para a
investigação, nomeadamente: a validação do conhecimento, o campo
da arquitectura, o conhecimento expresso em narrativas, a
reconstituição de narrativas, os suportes, a pragmática, legitimação e
desempenho do conhecimento narrativo e, finalmente, as
instabilidades.

Validação do conhecimento
Qualquer saber envolve um processo de validação que pode ser
complexo, idiossincrático e sempre resultado da envolvente cultural
onde se insere esse saber. A arquitectura não se afasta desta
necessidade. Fazer arquitectura envolve a sua legitimação, métodos e
processos que podem ser investigados como subtemas do processo
mais geral de legitimação de narrativas, da criação de uma ordem de
particularidades. Fazer arquitectura e contar histórias na esfera da
arquitectura, ou reconhecer as possibilidades performativas na
linguagem, são assim dois fenómenos, que embora diferentes, se
esclarecem mutuamente. A problemática da legitimação torna-se
visível como objecto de estudo, na medida em que exige a
compreensão de uma metodologia de investigação ou de produção
que atribui valor.

Neste sentido, é mais importante conceptualizar a pesquisa sobre a


narrativa e os processos qualitativos do que os paradigmas retirados
do real. A este propósito veja- se a distinção feita por (Polkinghorne,
1995) e (Hatch & Wisniewski, 1995). Segundo estes autores, o estudo
de paradigmas a partir da análise de histórias consiste num movimento

52
redutor, das histórias para os elementos comuns, um processo
racional que separa o todo. Pelo contrário o estudo sobre a narrativa,
é um processo que reconfigura os acontecimentos, constrói uma
alternativa de história, sintetizando o que se sabia com o que se sabe
agora. É este movimento do que se não sabia para o que se sabe, que
é feito numa experiência analógica que reconfigura ao real da história
que é gerador de novo conhecimento narrativo e imaginativo, que é
relevante para a literatura, como para a arquitectura. A validade e
relevância deste movimento decorre de se tratar de um processo de
síntese, ou seja de um processo que é construtivo e consequente, ao
contrário dos processos que extraem partes perdendo a relação entre
elas.

Desse ponto de vista, a síntese, ou 'representação', torna-se


essencialmente uma forma de conhecer, compreender, o real, já que
conjuga a reprodução para a subjectividade, de uma objectividade
exterior à representação. Propõe-se assim, na arquitectura, como uma
teoria pelo desenho cujas categorias fundamentais são a adequação,
precisão e verdade.

Contudo na crise da representação, a transição entre estes dois polos,


do realismo que não tem conhecimento próprio, aos processos
cognitivos entre processos representativos e processos não
representativos, levanta o problema de não ser discursivo ou pelo
contrário, ser discursivo. Esta distinção implica a produção de um
modelo adequado de replicação de uma realidade exterior ou, pelo
contrário, produzir novos conhecimentos, novos enunciados, gerando

53
'novas ideias', 'recortadas' no espírito existencial do tempo em que são
formuladas56.

No que diz respeito à complexidade inerente aos processos narrativos,


fazemos a ressalva que resulta da especulação constante e
autorreferencial baseada no valor da totalidade (conceito hegeliano),
logo de forma conotativa. Por oposição, as narrativas menos
complexas ou relatos, são precisamente menos complexas porque são
a reprodução de argumentos de forma denotativa. Compreende-se
assim, que ocorre uma distinção das narrativas conforme são
valorizadas, segundo o desempenho. A pragmática das narrativas,
baseada na performatividade a que se referem (Lyotard, 1984) e
(Ricoeur, Architecture et narrativité, 1998), entre outros, decorre do
princípio de transformação na forma como a narrativa é valorizada,
como novo campo de pesquisa (desde a valorização nas ciências
sociais, com 20 anos) mas, mais importante, como acontecimento
central na perspectiva existencial de um modo de pensamento
comparável à lógica abstrata.

A validade desta forma de pesquisa destinada à ficção e narrativa


histórica, ao acto de contar histórias, reforça-se por transmitir
conhecimento expresso nessas histórias, por ser analógico e
conotativo. Esta expressão é diferente do conhecimento abstrato,
denotativa, lógico, que é atributo das ciências positivas. Trata sim da

56 Note-se que, segundo (Lyotard, 1984), o processo de legitimação a partir da


contemporaneidade, na forma como é compreendido, ou avaliado, permite delinear a
análise narrativa das formas mais antigas de legitimação, recuperadas, para solucionar a
falta de conhecimento dessas formas.

54
oposição de diferentes visões do mundo patentes na diferenciação de
(Lyotard, 1984), entre ‘contar histórias’ e abstração científica, cuja
distinção reside na relação de cada forma de conhecimento com a
temporalidade, e em particular, com a retenção do passado. De uma
forma genérica, as narrativas actuam como uma forma de ultrapassar
o esquecimento, já que são caracterizadas por consumirem o passado,
retendo os estímulos e perdendo a relação com os objectos57. No
esquecimento do tempo passado para criar o futuro que há-de vir,
gera-se uma contradição, com a ideia de narrativa como uma forma
primitiva de guardar informação ou transferência social. Esta
formulação diferencia o consumo do passado numa narrativa e a sua
armazenagem com a recolha e desconstrução no pensamento
científico.

É devido a esta contradição que, na contemporaneidade, as narrativas


são sobretudo objecto de estudo nas ciências sociais e no
conhecimento da forma dos artefactos culturais. É (Lyotard, 1984)
quem aborda esta questão do uso das narrativas e da validação do
conhecimento com particular interesse. Segundo o autor, no ‘pós-
modernismo’ abre-se um novo modo de produção estética, tal como
se estabelecem diferentes relações da ciência com o conhecimento. Na
produção estética, surgem as alusões históricas, as citações, o pastiche
e as analogias do neoclassicismo. Da estética abre-se, no pós-
estruturalismo, o caminho à ética com o convite para uma nova
‘estrutura social’ – o monumento, que encarna a narrativa simbólica.
(Lyotard, 1984) segue a contradição enunciada por Levi-Strauss, ‘uma

57 Nesta relação, o tempo deixa de ser um suporte de memória, já que a verbalizarão


implica a entoação e o ritmo, na ausência de pontuação.

55
narrativa que - como todas as narrativas – deve gerar a ilusão de uma
resolução imaginária de contradições reais’, e abre caminho para a
pesquisa não de consensos, como na ciência anterior, mas para a
‘instabilidade’ pesquisada através de paralogismos. Esta abordagem
das ambiguidades tem a implicação formal da resolução do problema
de como fazer sem narrativa através dos meios narrativos58. A
distinção em relação ao conhecimento científico, abstrato permite
contudo enunciar um tipo de conhecimento com uma perspectiva
teleológica em vez de uma perspectiva de conformidade, própria do
conhecimento científico abstrato.

Deste modo, a abordagem da ‘nuvem narrativa’, deve incidir no


estudo dos elementos da linguagem narrativa: denotativos,
prescritivos, descritivos, que decorrem de uma ou mais componentes
pragmáticas. Deve incidir sobre o problema geral de saber como se
estabelecem construções de linguagens e, que propriedades têm para
serem comunicáveis, se são resultado de um determinismo local ou
cultural e como são legitimadas59. Se a legitimação da transferência é
cultural ou é operada pelas analogias à semelhança do conhecimento
científico60. Apoia-se em (Lyotard, 1984), que a propósito do
conhecimento da pós-modernidade, refina a sensibilidade para as
diferenças e reforça a nossa capacidade para tolerar o incomensurável,
o universo próprio das narrativas na contemporaneidade, e da sua
análise.

58 (Lyotard, 1984) afirma que a análise de narrativas se torna impossivel, porque não podem
abarcar o desconhecido.
59 Esta problemática da legitimação é abordada a partir das meta-narrativas.
60 Entendemos que na prática do projecto e da edificação importa fazer a análise formal e
pragmática dos discursos de forma a torna-los operativos e transmissíveis.

56
O campo: narrativas na arquitetura
A hipótese desta investigação é a de que das narrativas se passa à
inscrição na arquitectura de estímulos, registados no texto, sem os
objectos anteriores. O ponto de partida situa-se num discurso, texto,
que de forma imediata define o objecto de estudo – a narrativa De re
aedificatoria, ou Da Arte Edificatória na tradução de (Alberti L. B., Da
Arte Edificatória, 2011) por Santo e Kruger. Através da relação do
texto com a arquitectura, investiga-se o modo como a transição,
transcrição, que se opera da experiência de vida para as narrativas e
das narrativas para a prática pedagógica, ocorre. Esta passagem tem
paralelo no modo como a transcrição tem vindo a ser explorada nas
ciências sociais desde a década de 60, no desenvolvimento da
disciplina ‘pesquisa narrativa’ e no estatuto do conhecimento na (pós)
modernidade.

O conhecimento que operamos hoje sobre o renascimento, inscreve o


tratado de Alberti num tipo de discurso de arquitectura como
antropogénese (Alberti L. B., L' art D' edifier, 2004) na leitura de
Choay. Nos últimos anos, o desenvolvimento do interesse sobre o
estudo de narrativas, desenvolveu teorias, metodologias e processos
que incidem sobre o problema da comunicação e transcrição. Estes
desenvolvimentos procuram compatibilizar linguagens diferentes,
problemas de armazenagem de informação e o advento de analogias
suportadas em estruturas que criam novo conhecimento. Este
interesse desenvolveu duas linhas principais: a pesquisa sobre
narrativas, paradigmática e a transmissão de conhecimento pela via da
‘pesquisa narrativa’. A primeira tem um interesse pelos paradigmas e
estabelece-se de forma abstrata, enquanto a segunda tem um carácter
idiossincrático.

57
No campo da passagem das histórias para a arquitectura, a noção geral
que preside a estas formas de conhecimento é a de que a natureza do
conhecimento muda de acordo com o contexto e a sua transformação,
dos factos para a reprodução. Segundo (Lyotard, 1984) pp4, se o
corpo de conhecimento não for traduzido em novos canais que o
tornem operativo, será abandonado. E, acrescenta, os ‘produtores’ e
utilizadores de conhecimento devem ter os meios para traduzir em
novas linguagens o que querem inventar ou aprender. Estes criadores
/ ‘conhecedores’, através da exteriorização do conhecimento,
independentemente da posição que ocupam no processo de
conhecimento, criam novos processos de aquisição de conhecimento,
indissociáveis, contudo, da forma de ’consumo’ desse conhecimento61.
O consumo enunciado implica uma troca, pelo que o conhecimento
deixa de ser um fim em si mesmo, perdendo o valor de uso para se
tornar uma forma de produção. Adquire assim o valor de troca, de
informação.

A troca de conhecimento entre as histórias e a arquitectura é contudo


mais complexa. Devido ao binómio produção / distribuição as formas
de produção baseadas na retórica e nos processos analógicos
desenvolvem-se em paralelo com os processos paradigmáticos,
aqueles que mais facilmente permitem dar forma à arquitectura62. Na
distribuição, os modelos, o enquadramento teorético e os outros
conhecimentos em presença desenvolvem teorias onde subjaz o
perigo de incorporação na cultura como uma ferramenta que optimiza

61 Já não como o antigo ‘treino de mentes’, mas como valor.


62 Falamos dos paradigmas clássicos da arquitectura, os limites, o chão, as paredes, o tecto,
as aberturas, o fogo.

58
a performance. Entre a produção e a distribuição impõe-se revelar a
transparência e descodificar a forma de iterações entre as duas
posições.

Assiste-se também à transformação da natureza do conhecimento


através das formas de comunicação, como o liberalismo, a prescrição,
a descrição, a conotação, a denotação, a ilustração, o educativo, os
canais. Perguntamos então, como se processa a tradução na disciplina
da arquitectura, do conteúdo das narrativas para o conteúdo espacial
arquitectónico.

Conhecimento expresso em narrativas


A hipótese de trabalho é a de que a arquitectura tem uma estrutura
narrativa, e que a transferência da narrativa, ela própria, ocorre através
do uso e repetição de analogias. Este cenário, implica a discriminação
dos agentes face ao conhecimento expresso, dos riscos de
intersubjectividade e contaminação, bem como de outros pontos de
vista, nomeadamente a arquitectura sem narrativa e a narrativa sem o
texto arquitectónico. No que diz respeito aos riscos, importa destacar
o valor da narrativa como prescrição, como predicativa em relação à
realidade e o valor estratégico em relação à introdução de
conhecimento ‘outro’ para a arquitectura63.

Esta hipótese da existência de uma estrutura narrativa na arquitectura,


assume o carácter existencial, não se encontra estudada plenamente no
domínio da arquitectura, e desafia o paradigma do conhecimento na
ciência, por se caracterizar pela descontinuidade e pelo
enquadramento idiossincrático. Como conhecimento científico ‘por

63 A este propósito veja-se (Markus & Cameron, 2002) e (Eriksen, 2001).

59
si’, não representa a totalidade do conhecimento, mas a possibilidade
do conhecimento narrativo instaura-se como alternativa ou modelo de
equilíbrio interno do conhecido, como referem (Hatch & Wisniewski,
1995) a propósito do desenvolvimento e aplicação no estudo e na
aprendizagem.

Desta oposição entre o conhecimento estrito científico, abstrato, e o


conhecimento narrativo, importa retomar os processos de legitimação
em cada metodologia. Nesta perspectiva, construir e o poder
associado ao conhecimento são duas formas de legitimação.

Reconstituição de narrativas
Para abordar o problema da transferência e da reconstituição do saber,
é colocado enfâse nos aspectos pragmáticos denotativos, bem como
no referente. No que diz respeito aos aspectos denotativos da
narrativa, encontramos o contexto da leitura do texto que coloca o
orador na posição de pedagogo; e encontramos o ouvinte a quem se
dirige o orador, quem recebe a informação. E, no que diz respeito ao
referente consideramos o tema a que se refere o discurso narrativo.
Em síntese, de uma forma específica, a reconstituição ocorre através
dos lugares do discurso que colocam o ‘conhecedor’ e as referências,
face ao receptor que valida o discurso, referente.

No discurso, o orador imbuído de autoridade, na posição social e


artística que ocupa, com o poder persuasivo que detém, dá forma ao
discurso e articula o que era desconhecido. Nesta articulação serve-se
dos diferentes tipos de comunicação e dos seus efeitos específicos, da
narrativa textual, à narrativa em imagens, segundo a noção de
ampliação do âmbito das narrativas defendido por (Currie, 2010). Para

60
o destinatário que habita a narrativa, como uma performance64, o
referente coincide com a enunciação, ou seja, o objecto do discurso
não está sujeito à discussão ou validação pelo destinatário que é
colocado imediatamente no contexto.

Na elaboração da reconstituição da narrativa, os aspectos prescritivos


podem ser reportados como ordens, comandos, instruções,
recomendações ou regras. Através destas, o orador / autor está
igualmente numa posição de autoridade, atinge o sucesso à custa do
jogo com o adversário, com o poder argumentativo da linguagem.
Compreende-se assim a pragmática da prescrição que conduz o
destinatário para um desenrolar de acção através de um referente.

Outra ordem diferente é a eficiência de uma narrativa, como lemos


nos jogos de linguagem de Wittgenstein, cada discurso pode ser
definido em termos de regras que especificam as suas propriedades e a
forma como podem ser usados, como gramática65. Sem ‘regras’ não há
mensagem e se uma regra muda, muda a natureza da mensagem que
nela se suporta, mesmo que dependente da intersubjetividade66. Cada
desenvolvimento narrativo, cada desenrolar de acontecimentos é de

64 Este conceito aplicado às narrativas foi desenvolvido por (Coates, 2012) e antes disso,
nos anos 80, na revista NATO (Narrative Architecture Today), onde aborda o domínio da
expressão com a noção de que a narrativa pode sobrepor artifícios de outra natureza, à
função real e original do edifício, criando a sensação de estar numa circunstância híbrida.
65 Contudo, estas regras não transportam nelas a sua legitimação. Mas, são objecto
abstracto explícito ou implícito entre as partes intervenientes, e são exteriores aos
intervenientes, aos sentidos.
66 Neste particular interessa recordar que as regras no humanismo não substancialmente
diferentes das regras de hoje, dadas sobretudo as noções de corpo e do acto de criação.

61
forma eficiente, um evento num cenário criado e resultado desse
cenário.

Suportes
O suporte da formulação narrativa tem também um papel
determinante. É através do suporte que a narrativa dá sentido ao que é
transmitido e que faz sentido, com maior acutilância quando se
discursa de arquitectura. A leitura do suporte permite compreender os
limites que estão inscritos na narrativa e, através do apoio do
estruturalismo e da semântica, compreender as relações de
performatividade, ou seja, a relação entre ‘input’ e ‘output’.

É através dos ajustamentos internos que os suportes criam a


viabilidade narrativa, e permitem a distinção entre o conhecimento da
experiência e o conhecimento reflexivo. Esta distinção entre os dois
tipos de conhecimento, um resultado da experiência, positivo que se
traduz num sistema de reprodução e outro, o conhecimento crítico,
reflexivo, que reflete sobre os valores, sobre os objectivos, instaura
dois caminhos do saber narrativo que na arquitectura são
interdependentes67.

Segundo a perspectiva da filosofia, o suporte de expressão das


narrativas, hoje e no renascimento, aborda concepções diferentes. O
processo de acesso à informação e os processos de derivação no
humanismo estão intimamente ligados à posição do indivíduo no
cosmos, colocado à semelhança de Deus criador, como Deus ‘in terris’.
A inscrição do criador depende então da inscrição da criação na

67 Heiddegger, construir, habitar, pensar.

62
‘grande narrativa’, tal como fará (Holanda, Livro das Idades, 1983),
muito antes do Romantismo de William Blake.

Hoje, a sociedade onde a narrativa é criada, é ‘orgânica’, sem


identidade específica do eu, cada um existe num tecido de relações e
inscrito no processo de recepção /validação da arquitectura como
emissor e destinatário. Este sistema de inscrição implica a
transformação, ou seja a performance e o consumo de informação que
é alimentado pela construção das narrativas. As perspectivas da
filosofia, que definem esta viragem metodológica implicam dar
sentido à experiência e fazer sentido dos estímulos resultados dos
objectos.

Nesta dicotomia do sentido, estabelece-se uma relação entre o


referente e a mensagem assente nas experiências prévias,
necessariamente diversas, conscientes e nas determinações dos
sentidos. No suporte, a linguagem assume uma nova importância, para
além da manipulação ou transmissão unilateral da mensagem, através
da retórica. As mensagens serão definidas como denotativas,
prescritivas, de valores, performativas, para além do facto de
comunicarem informação.

As relações que se estabelecem entre a narrativa inicial e a que é


construída dependem da pragmática, quando o sentido de um
conceito passa para outro meio através do uso de analogias. Esta
alteração de sentido não afecta a capacidade para se dirigir ao ouvinte
ou ao referente, mas provoca um movimento iterativo de ‘um como o
outro’, um movimento de reação e não um movimento de produção
autónoma. Esta relação que assume o potencial do discurso, cria

63
novas ligações e interrompe as anteriores, através da conotação que
cria novas regras. A este propósito vejam-se as experiências de
linguagem poética (Aristóteles, Poética, 2011), onde a criatividade se
assume como o desígnio de ‘deus in terris’ trabalhando com cenários
prospectivos.

Pragmática do conhecimento narrativo


É (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 2011) quem transmite a
autoridade e legitimidade do discurso, através da formula ‘do passado
recebemos muitos conhecimentos úteis’. Este utilidade, no renascimento,
diverge do conhecimento científico, embora não seja muito distante68.
Hoje, o conhecimento narrativo levanta a questão da legitimidade por
incluir diferentes campos, embora se mantenha a forma retórica na
estrutura e na forma de afirmação denotativa. Para ser aceitável, os
objectos do discurso a que se refere, devem estar acessíveis, como não
estariam no passado. Acessíveis para observação explicita, na inversão
moderna de ver para compreender, e ler para ver.

Para além do conhecimento reportado na forma denotativa, implica


também o saber de experiências anteriores (ouvir, fazer, viver)
registado em verbos de acção. A eficiência fica assim determinada pela
qualidade técnica (facilmente transferível em prescrições) enquanto a
sua validade (como o valor transformado em avaliação, e ética), dos
estímulos proprioceptivos. São estes estímulos que transferem a
narrativa na experiência do real, na performance, quando validam num
discurso possível, objectos que podem ser conhecidos, avaliados e
consumidos.

68 A este proposito veja-se (Alberti L. ) Ex ludis rerum mathematicarum : manuscript, [14--]. MS


Typ 422.2. Houghton Library, Harvard University, Cambridge, Mass e Della Pittura (1435).

64
Daqui resulta que as narrativas estão para os intervenientes como
criadoras de competências novas, enquanto permanecem
consubstanciadas em diferentes formas, em competências diferentes.
Então, o que faz um bom argumento? Uma boa performance
denotativa ou técnica? A resposta é dada pelos operadores, pela
resistência das metáforas no texto - firmitas – necessitas; utilitas –
commoditas; venustas – voluptas, de Vitrúvio a Alberti. É ainda reforçada
pela legitimação divina por (Cusa, De la Pensée [De Mente], 1983)
como ‘deus in terris’, por Holanda, ‘o último dos arquitectores’ capaz de
ilustrar as ‘idades do mundo’.

Hoje, os critérios diferentes relativos ao belo, verdadeiro e / ou


eficiente depende do contexto sócio-cultural dos intervenientes
(emissor e interlocutores). O consenso que este enquadramento das
formulações permite distinguir, na própria cultura, aquele que sabe
dos que não detêm esse conhecimento. Assim, de forma teórica,
explica-se e transmite-se para ‘educar’ e ‘deleite’ de forma narrativa no
sentido arcaico, antropológico de contar histórias69.

Como expressa (Lyotard, 1984) pp 19, no conhecimento ‘a premência da


forma narrativa na formulação do conhecimento tradicional’ é clara, e no estudo
desta forma, alguns orientam-se pela própria narrativa enquanto
outros pela forma estrutural, como operador. Reforça assim, em
primeiro lugar, que ‘narrar é por excelência a forma de conhecimento
do quotidiano’70. Deste modo, as narrativas permitem, no meio onde

69 Para prevenir, guardando assim, culturalmente a sobrevivência do conhecimento.


70 Por exemplo, em histórias populares, aprendemos ao mesmo tempo que recontamos as
histórias, como se as estivéssemos a viver, somos o herói que se auto-legitima inserindo-
se no mito (artista, com ou sem sucesso).

65
são contadas, definir os critérios de competência e avaliar com base
nesse critério o que é realizado ou pode ser tornado em acto a partir
dele, definem a aplicabilidade. Em segundo lugar, a forma narrativa
admite muitas linguagens, texto, imagem, edificação, ampliadas pela
filosofia das histórias, e assim muitos critérios que se interligam
ordenados pelo ponto de vista sobre esse conhecimento.
Conhecimento, que no humanismo de Alberti é o conhecimento dos
‘antigos’ e que nos relatos de viagem de Holanda são os factos da
experiência vivida até ao diálogo com Miguel Ângelo.

No que diz respeito à forma de transmitir uma narrativa, reforça-se


uma forma pragmática de transmissão, de que reconhecemos em
Alberti um perfeito orador que desenha com palavras, com
conhecimento prévio para tal, por dar forma à narrativa que se
estabelece com princípio e fim71. Esta dupla forma que começa e
encerra as instruções pragmáticas revela que o orador / narrador,
retém a competência para contar a história como a ouviu e a estivesse
a reviver, enquanto o ouvinte adquire autoridade potencial, porque
escuta a história. A narrativa torna-se assim uma forma fiel de
transmissão de conhecimento, potenciada pela performance e / ou
inventividade, criatividade do narrador dotado de uma forma retórica
ou analógica. O texto adquire, desta forma, um papel instrumental no
conhecimento transmitido, assim como ultrapassa as funções de

71 Invariavelmente, as histórias têm uma primeira frase: ‘aqui começa a história... como
ouvi...’ e são fechadas com ‘aqui termina a história’, na manifestação textual ou como
vemos em Holanda, com a representação em Imagem 5 – De Aetatibus Mundi Imagines
(1543-1573) . Madrid. pp. 28

66
enunciação, determina o que se organiza no discurso para potenciar a
recepção, para ser o mais claro possível.

Determina ainda, que desempenho se justifica para integrar o objecto


da narrativa, integrar a arquitectura como cenário de vida, ou seja, a
leitura idiossincrática valida o conhecimento transmitido. O
conhecimento que surge deste dispositivo de subjectividade
estabelece, por isso, as regras pragmáticas que constituem o objectivo
da narrativa. A ligação das narrativas à pragmática fica assim fundada
na forma de legitimação que é ilustrada na forma como estas podem
ser repetidas traduzidas no meio cultural de que são parte.

Finalmente, através da forma como a narrativa é contada, afecta o


tempo, introduz ritmo, sequência de acontecimentos, figuras de estilo
como a analepse, sintetiza, pelo que congrega tempos diferentes.
Neste tempos diferentes, os ritmos introduzem a repetição que é
patente na arquitectura, sobrepondo-se ao limite edificado. O tempo
deixa de ser suporte e torna-se imemorial. Na ausência do tempo o
espaço perde o sentido imposto na criação, uma vez que o ritmo
marca a experiência, mantém o movimento para um desenlace para
não esquecer a transformação. Note-se que na experiência, as
referências narrativas podem pertencer ao tempo passado, mas na
realidade, são contemporâneas com o acto de ‘recitar’. É o acto
presente que actualiza no efémero o que se ouviu e o que se vai ouvir,
organiza particularidades da experiência72.

72 Compreendem-se assim, as ocorrências narrativas, episódios presentes nas formulações


narrativas que tornam a experiência imemorial.

67
Legitimação do conhecimento narrativo
A legitimação é no domínio das narrativas um aspecto determinante
para a sua validade. Hoje, já não é um factor de aprovação como foi
no humanismo, uma vez que se reverte a legitimação como força de
pesquisa do conhecimento narrativo, de ‘ser no lugar’. No domínio
narrativo, as histórias contam de forma ‘épica’ o conhecimento que de
facto não tem características de épica. O conhecimento é contado
pelas regras do jogo narrativo, sendo influenciado dessa forma pelos
vários suportes. A credibilidade da história depende desta ‘épica’ na
transmissão usada para obter o melhor resultado perante os ouvintes.

Na narrativa encontramos outras regras de legitimação, como por


exemplo, a argumentação para obter o consenso (forma homológica),
a unidade (unicidade) do referente como garantia de acordo versus a
heterologia do referente, o diálogo inter-partes como garantia de
reconhecimento das questões colocadas e aceitação das regras.

Como sabemos, a forma narrativa do discurso, ou a forma discursiva


sobre a arquitectura sintetizada na figura retórica do ‘delineamento’
que reconta como e porquê se constrói, concebe a arquitectura desta
forma e que conhecimento lhe está implícito, funda o conhecimento
de arquitectura nessa forma narrativa e a arquitectura reproduz esse
pensar. Mais, o esforço de correspondência valida a forma narrativa
porque se reporta a essa forma como experiência do espaço de vida, e
como conhecimento necessário para uma ‘vida plena e feliz’. Esse
conhecimento é assim encenado mais do que narrado, pelo que fica
mais próximo de uma narrativa ‘trágica’ que ’épica’.

68
Compreende-se desta forma, a partir do tratado de Alberti, que o
conhecimento da arquitectura não pode saber, nem ser conhecido (o
verdadeiro conhecimento), sem recorrer a outro, ao conhecimento
narrativo e à sua estrutura de organização de particularidades
relevantes, que formam o ponto de vista sobre todo o conhecimento.
Sem este recurso, da autoridade da narrativa, a validade fica por testar
por falta da dialética (e da dialógica) que articula a história do
pensamento73.

Hoje, o apelo explícito da narrativa está firmemente inserido na nossa


prática, autorizando-nos a resolver problemas. Presume-se que a
narrativa acumula saber, dirigindo-se a novos interlocutores, novas
idiossincrasias que retomam o debate sobre o que é verdadeiro e falso,
produzem novos ‘paradigmas’ científicos com leis revistas com o que
foi apreendido74.

Conclui-se que o que caracteriza o conhecimento narrativo, o que


forma a base da nossa concepção de conhecimento narrativo é o facto
de combinar dois tipos de competências: argumentos ou enunciados
denotativos relativos ao que é verdadeiro e enunciados prescritivos
com outras pretensões. Verifica-se ainda, que o modo de legitimação
que reintroduz a validade do conhecimento narrativo toma dois
caminhos. Um caminho representa o tema como cognitivo

73 No humanismo do renascimento, esta autoridade decorre da procura metafisica, da prova


de autoridade transcendental.
74 Ressalva-se que hoje, o processo de legitimação é diverso do que se percebe no período
humanista. Neste período, o conhecimento tradicional que estava a ser criado era um
conhecimento de minorias. Hoje, a legitimação não passa pela mesma estrutura mas por
processos sócio-politicos, como refere (Lyotard, 1984).

69
(conhecimento), e outro como prático (praxis). Um e outro caminho
contribuem assim para alterar o significado da legitimação.

(Des)legitimação, desempenho
Do ponto de vista filosófico, a liberdade narrativa humanista encontra
reflexos no idealismo. Contudo o princípio do utilitarismo que preside
à disseminação do conhecimento é contrário à liberdade referida75.
Deste modo, do ponto de vista idealista, o lugar do texto no itinerário
do conhecimento, indirecto e verdadeiro, garante a legitimidade da
narrativa. A validade do conhecimento não está ‘por si’, mas na praxis
ou nos resultados práticos (na prescrição). As declarações denotativas
informam assim aspectos práticos do assunto sobre a realidade e a
execução das leis e normas, inscritas nessa narrativa. O conhecimento
coloca assim as questões de inscrição na sociedade, da finalidade e da
legitimação ‘fundada’ na realidade76. Estas questões reintroduzem a
função crítica do conhecimento (como meta-discurso) que perde a
validade fora da praxis e da cultura.

No que diz respeito à legitimação pelo desempenho, este processo


assenta em dois mecanismos: a utilização de meios retóricos e figuras
de estilo para o estabelecimento do discurso e, a complexidade dos
processos de estabelecimento de prova, assentes no exemplo, na
arqueologia do saber, na forma de anotação e na assertividade do
legado deixado pelos antepassados. Neste último mecanismo, importa

75 Os desenhos de Diego de Sagredo (c. 1490 – c. 1528) inscrevem-se nesta perspectiva


utilitária, e tornam-se por isso prescritivos.
76 É a partir do séc. XIX com a evolução técnica e as tecnologias que se dá o declínio dos
processos narrativos. Os meios tradutivos como meios para um fim, aceleram a perda de
legitimidade das grandes narrativas.

70
referir que a enumeração faz sentido para o destinatário que assim
confirma a narrativa através do recurso a analogias não provadas, não
demonstradas, mas que questionam um saber anterior para validar o
‘novo’. Desta forma, o sistema de valores do segundo interveniente
passa a pertencer ao primeiro, numa transferência de valores formais
ou de relação de forças formativas, na mesma sintaxe de sistema
formal.

Como forma de deslegitimação do universo narrado, encontramos o


uso de analogias entre domínios sem relação lógica ou formal. Este
uso de analogias é assim determinado pelo critério de similitude, ao
estabelecer qualidades e propriedades próximas, do mesmo tipo de
família mais do que da mesma raiz ou genoma. É ainda, determinado
pela critério de completude, não se pode juntar mais nada sob pena de
perder a consistência.

Moldado pela noção de utilidade que determina o desempenho desse


conhecimento, o discurso formal terá aplicabilidade consoante as
proposições desse discurso. A aplicabilidade decorre sobretudo de
proposições que pertencem ao sistema, mas cuja limitação resulta da
descrição de um artifício / artificial através de uma forma natural (o
discurso) na modalidade de prescrição. Não obstante, a flexibilidade
dos meios na pluralidade, e do ‘delineamento’, bem como o carácter
pragmático dos resultados, procede em novas proposições que
contrastam com o enunciado discursivo77.

77 Passa-se assim do plural ao singular que é vivido pelo plural, consistente.

71
A edificação, como produção de prova78, leva-nos noutra direcção. É
o resultado, em parte, de uma forma de um processo de argumentação
desenhado para ser eficaz, aceite, para novas declarações de espaço
(de)limitado de vida, dando testemunho de vida. Mas, esta
argumentação plasmada, apresenta um problema crucial: é
independente da forma discursiva. O referente, ‘realidade’ é outro e a
prova desta realidade precisa de ser ‘provada’ descritivamente,
repetindo o mesmo processo, e precisa de ser observada (não ouvida)
para estar no patamar de prova, para ser perscrutada pelos sentidos
(sentidos enganadores, proprioceptivos). Os sentidos assumem assim
a dualidade de lógicas, entre a narrativa e a edificação, enganam no
processo de estabelecimento de analogias. O mesmo é dizer, a
performance do discurso narrativo é limitada pelos sentidos
(input/output).

A questão da transmissão e transposição do corpo de conhecimento


narrativo, do ponto de vista pragmático, ou do desempenho, pode ser
dividida em: quem transmite, o que é transmitido, para quem, através
de que meio, de que forma e qual o resultado esperado. O que é
transmitido, na visão de uma pedagogia, ensinado com processos
relevantes para a memória, para obter conhecimento, difere de
legitimar e ensinar grandes narrativas79. No plano de criação, as
grandes narrativas têm como força principal a criação do verdadeiro,
enquanto as pequenas narrativas têm como força a adquisição de

78 A necessidade de prova (forma de poder baseada na legitimação) define a pragmática do


conhecimento e substitui o conhecimento tradicional baseado na revelação.
79 Como faz Francisco de Holanda a propósito das ‘idades do mundo’

72
conhecimento como poder80. As primeiras colocam a questão do
verdadeiro e porquê, enquanto as segundas colocam a questão de
como fazer, a questão da razão eficiente, operacionalizam o que se
conhece.

Esta forma didáctica das narrativas ultrapassa a transmissão de


informação e competência, tomando a capacidade para actualizar
conhecimento relevante na resolução de problemas e organizar
conhecimento de uma forma estratégica. Não se obtém novo
conhecimento, mas organiza-se o que se sabe de uma nova forma que
constitui um avanço porque liga conhecimentos antes desligados. Esta
ligação é efectuada através do processo de imaginação. O uso deste
processo resulta das qualidades principais, ou seja, da rapidez e
competência com que produz conhecimentos81. O prolongamento
didáctico através de imaginar novos ‘modelos’ de conhecimento,
novas concepções (na pesquisa, produção e reprodução de
conhecimento) ultrapassa assim, a transmissão paradigmática
(funcionalista) que define uma didáctica simples.

Instabilidades
Como indicámos antes, a pragmática da transposição de narrativas
depende do desempenho dessas narrativas. Temos, por isso, de
abordar o problema da instabilidade que se desenvolve quando se
processa a transposição. Esta circunstância resulta da
intersubjectividade que é necessário atingir, entre o emissor e o

80 Esta distinção é coerente com o uso de analogias entre o muito grande e o muito
pequeno.
81 A criação de imagens resulta da estimulação e especulação a partir dos estímulos
presentes enquanto se perde o desempenho do objecto e do seu significado anterior.

73
receptor, bem como da necessidade de negociação de procedimentos
para atingir o objectivo. A instabilidade tem, por isso, um papel
decisivo no estado do conhecimento que é determinado pela
performatividade, ou seja definido pelo input / output. A estabilidade
dos sistema depende do controlo de variáveis singulares, baseadas em
relações dialógicas onde as circunstâncias deixam de estar em conflito,
entre o emissor e o receptor. Neste particular, a utilidade do texto
reside no potencial gerador de ideias de poder contar histórias através
dele, sem necessidade de verificação82.

A legitimação das formulações narrativas por via das analogias recorre,


no que diz respeito às grandes narrativas, à dialética do espírito e ao
humanismo como fonte de validação do discurso. Neste particular, as
pequenas narrativas permanecem como formas essenciais de invenção
imaginativa. Dão sentido e fazem sentido, são uma forma de
legitimação no caminho da morfogénese83. Compreendemos deste
modo como o discurso é decisivo para fixar hipóteses, ou equilíbrios
sem que os enunciados se esgotem, reflectindo o desejo pelo
desconhecido, mesmo que as analogias presentes sejam do ponto de
vista lógico, enganadoras, paralogias.

Conceitos
Os conceitos considerados relevantes, para a investigação das fontes
primárias, decorrem do enquadramento anterior e procuram

82 Neste sentido é diferente do conhecimento científico.


83 (Lyotard, 1984) pp60 refere-se a uma alternativa, através de uma lógica paralela,
paralogia, que difere da inovação e que assente na pragmática do conhecimento. O fim
não é a obtenção de um consenso, mas uma lógica, analógica, paralela. Deste modo, na
heterogeneidade de regras, o discurso torna-se uma alternativa ao sistema teórico estável.

74
especificar os aspectos singulares da estrutura narrativa e analógica em
estudo. Assim, abordam-se os conceitos da criação de imagens
narrativas, as estruturas narrativas, a diegese, o tempo e a acção, a
figura dos actantes e finalmente, as analogias, tendo em perspectiva a
relação das narrativas com a arquitectura.

Imaginação narrativa
Há dois caminhos que relacionam a arquitectura com a teoria
narrativa: um centra-se na linguagem literária e o outro abre-se à
imaginação narrativa. O primeiro conduz da literatura à arquitectura,
prescreve, descreve, mesmo que de forma poética como faz Ruskin a
propósito de S. Marcos84, enquanto o segundo faz o caminho
contrário, da coisa arquitectónica para as histórias. Neste último, que
para os arquitectos e para os utilizadores parece ser o caminho mais
atractivo, desenvolvem-se múltiplas visões do mundo natural e do
mundo naturante85. De qualquer forma, é um caminho idiossincrático,
por vezes vagos de contornos e evasivos.

Deste modo, o objecto de estudo, são as imagens narrativas, que


consistem assim em realidades que têm sobretudo representações
mentais, assentes em leitores e narradores do espaço, que tornam o

84 Ilustrando esta distinção, veja-se a descrição de Ruskin em The Stones of Venice, da fachada
de S. Marcos. Esta descrição mostra como a emoção perante os edifícios pode
transformar a arquitectura em literatura, sem esclarecer em nada o desenho
arquitectónico ou a natureza da obra como arquitectura.
85 A compreensão do mundo, através da percepção estética, coloca-nos em presença de
objectos da cultura material construídos pelo homem. Nestes objectos, de acordo com
(Dufrenne, 1967), é através da interpretação de quem os cria que se expande a natureza
antes de ser investigada pelas ciências e técnicas. Assim, a natureza naturante é aquilo que
é por si e concebido por si, os atributos das substâncias que expressam uma essência, a
criação livre que expande a própria natureza.

75
registo destas representações latentes no âmago das trocas narrativas.
Este caminho é significativamente diferente do primeiro, que no
exemplo de Ruskin, procura explicar e reproduzir as imagens
perceptivas de um objecto. O caminho que se percorre nesta
investigação é o segundo, ou seja, o mais elusivo, mas também o mais
rico para propor uma explicação para o uso da narrativa na
arquitectura, a partir do humanismo do Quattrocento italiano, cuja
construção procura descrever a natureza das imagens narrativas.

De acordo com (Keunen, 2011), o efeito da linguagem (literária) nos


leitores e narradores, a descrição dos seus efeitos, os estímulos
transmitidos pelo meio narrativo, resulta na criação de imagens
mentais que invertem o paradigma ver (uma imagem) que conduz à
compreensão e ler (um texto) que conduz à visualização do objecto
referido. Estas imagens mentais são ambíguas, pelo que a sua análise
se torna impossível. Contudo, há invariantes na imaginação narrativa
tal como na percepção do mundo empírico. Para a primeira podemos
listar os conceitos de enredo, personagens, acontecimentos,
transformação, limites, enquanto para a segunda listamos as relações
proprioceptivas, calor, frio, luz, entre outras. E, de acordo com
(Keunen, 2011), existem regras para as invariantes. No mundo
empírico, as regras estabelecem estratégias para o conhecimento,
eficientes e pragmáticas pela sistematização e solidez dos resultados.
Pelo contrário, na imaginação narrativa como (Keunen, 2011) e
(Lyotard, 1984) observam, trata-se de outra forma de pensamento,
autónoma, comparável ao conhecimento científico e com interferência
neste mundo abstrato.

76
Como (Bruner, 1991) pp. 4 observa, as duas formas (conhecimento
científico e conhecimento narrativo) são usadas nas tentativas para
entender o mundo. No conhecimento científico, através de relações
lógicas entre unidades epistémicas (derivadas de efeitos causais de
factos a partir dos quais se desenvolvem processos que formulam uma
lei sobre esse fenómeno), enquanto no pensamento narrativo não
existem provas lógicas, mas acções consecutivas de estados e
acontecimentos. Ao pensamento científico, (Bruner, 1991) chamou a
base para o pensamento paradigmático e propôs os paradigmas para
compreender as invariantes. Este pensamento pode ser pesquisado da
forma como apresentámos no Quadro 2, p. 254.

Em complemento a esta forma de pensamento científico puro que


opera em informação mais concreta, o pensamento narrativo
prescinde das provas lógicas a partir de observações empíricas. Na
base desta forma de conhecimento está, assim, a utilização de imagens
mentais interligadas com expectativas espontâneas na forma de
transformação, tornar-se outro, habitando o espaço86. As observações
de (Bruner, 1991), mostram que a imaginação narrativa é uma
realidade que se distingue da percepção e da lógica87.

86 Quando imaginamos uma casa, invariavelmente pensamos no acolhimento


(transformação de estado), na distinção da natureza exterior (limite) e ainda assim nos
limites ocorrem acontecimentos (portas, janelas) para essa natureza, mantendo a
condição de partida de quem imagina, habita.
87 O estudo da temática das narrativas tem assim dois caminhos divergentes. Um caminho
segue de perto a análise das narrativas e procura investigar o conteúdo paradigmático das
mesmas, enquanto o outro caminho reconstrói a experiência para investigar
narrativamente. Ou seja, uma caminho segue a percepção e a lógica enquanto o outro
segue a imaginação como construção mental no seio das histórias.

77
As duas formas encerram, por isso, uma diferença no material usado
na aquisição de conhecimento: no primeiro caso, blocos de dados
empíricos que são isolados em laboratório e no segundo caso, na
construção de um mundo ficcional, através de processos mentais
(dinâmicos) que criam imagens. As duas estratégias partilham o
objectivo de tornar a mudança e o desconhecido, compreensível, sem
que se possa considerar o conhecimento abstrato superior ao
conhecimento imaginário, aquele que decorre de imagens mentais.
Segundo alguns autores, (Squire, et al., 2014), nalguns casos, no
âmbito da psicologia da memória, o pensamento por imagens é mais
eficiente que pensamentos lógico-abstratos.

É no âmbito da fenomenologia, (Merleau-Ponty M. , O Olho e o


Espírito, 2015), que somos recordados que a imagem não é apenas
uma impressão captada pelo olho, no cérebro, mas envolve um
processo complexo de transformação de pensamento. A este
propósito, veja-se também (Carruthers, The Book of Memory. A
Study of Memory in Medieval Culture, 2005) (Carruthers, The Craft of
Thought. Meditation, Rhetoric, and the Making of Images, 400-1200,
2006), sobre os artefactos de memória, valorizando o uso de imagens
como forma mais eficiente de transferir informação, neste caso,
imagens mentais traduzidas em imagens físicas para compreensão.

Para reforçar a premência desta forma de conhecimento, refira-se que


imagem e valor são simultâneos, pelo que quando percebemos os
objectos, percebemos também o valor desses objectos88. Assim, todos
os fenómenos, na natureza, em construções narrativas ou em

88 Quando identificamos uma porta, como forma de transição, identificamos também o


valor de mediação, antes e depois.

78
arquitectura, manifestam a sua existência e o seu valor conjuntamente
e, por isso, são sujeitos à avaliação que deles fazemos89.

As imagens são, assim, formas complexas de informação, cuja


qualidade se transmite para a imaginação narrativa, para as imagens
que se relacionam nas narrativas. A ficção opera estas imagens
criativamente a partir da percepção e da memória, assimilando essas
imagens na forma de recontar a história como se a estivéssemos a
viver, num mundo em devir. Como resultado, as imagens adquirem a
complexidade e a valoração de um conhecimento ‘criativo’ (ideias),
representando situações futuras, descobrindo, antecipando e
inventando. Esta é, segundo o entendimento da psicologia, a
capacidade cerebral que é vital, é o próprio pensamento.

É com estes meios meramente intelectuais que a imaginação narrativa


cria conhecimento sistemático sobre as transformações no mundo, é
um ‘laboratório’ existencial onde as mudanças são encenadas, onde os
acontecimentos do mundo natural e do mundo criado são explorados,
experimentados, para serem compreendidos, para serem vividos fora
da literatura.

Na abordagem da teoria das narrativas, o estudo de invariantes


textuais na narrativa, distingue estratégias retóricas (na ordem do
tempo narrado), na forma como ordena os acontecimentos no texto90.
As questões das qualidades das imagens nos textos e os

89 Esta abordagem, defendida por (Keunen, 2011), foi desenvolvida a partir de (Bakhtin,
1981), pioneiro na investigação sobre a imaginação narrativa na literatura.
90 Hoje, os textos são lidos como objetos culturais que adquirem significado através de
numerosas operações mentais. Ver Eco, U. 1989, (Herman, Narrative Theory and the
Cognitive Sciences, 2003)

79
acontecimentos representados devem, por isso, ser abordados de
outro ponto de vista, cuja recepção é condicionada, nomeadamente,
pelas estratégias que estimulam a imaginação do leitor. É neste
domínio que as analogias se fundamentam, como formas cognitivas
que potenciam a compreensão do fenómeno, mesmo com estímulos
de outro fenómeno. Para o leitor, o significado da narrativa decorre
dos processos de consciência que não podem simplesmente, ser
deduzidos da própria estrutura literária.

Segundo a narratologia, a disciplina que estuda a lógica das narrativas


foi concebida desde os primeiros desenvolvimentos como um
projecto que transcende disciplinas e suportes. Desde os anos 60 do
séc. XX, a configuração do suporte perdeu a relevância, atendendo à
proposta disciplinar de que as histórias podem ser transpostas de um
suporte para outro sem que se percam as propriedades essenciais. Esta
concepção implica considerar que as narrativas não são, na sua
essência, artefactos baseadas na linguagem, escrita ou falada. São, de
acordo com as definições da filosofia das histórias (Currie, 2010),
construções mentais que podem ser criadas em resposta a vários tipos
de sinais. Esta perspectiva da natureza independente do suporte é
defendida por (Barthes, Introduction to the Structuralist Analysis of
Narratives, 1977 [1966]) que argumenta que a narrativa está presente
na literatura escrita, na oralidade, teatro e filme, pintura, dança e
mímica, entre outras expressões. Forma assim outras classificações
como literatura, conversação, contar histórias, narrativa pictórica,
narrativa visual. Notamos que a música é omitida na lista, devido às
discussões controversas sobre a dimensão narrativa e, é igualmente
omitida, a arquitectura, objecto desta investigação.

80
Não obstante, no seio da disciplina, não foi proposta nenhuma
definição de suporte e assim a narrativa tem assumido uma definição
de transmídia, demonstrada através da enumeração de categorias que
intuitivamente consideramos suportes. Esta tendência para a
enunciação do suporte dependendo da investigação e do seu
propósito, conduz à contaminação das disciplinas e à perda de
relevância do suporte para a enunciação. A título de exemplo, um
crítico de arte pode listar como suporte da narrativa, a música, a
pintura, a escultura, a literatura, o teatro, a fotografia ou a arquitectura,
enquanto o criador dessas expressões enunciaria como suporte
primeiro, o som, a tinta, o barro, a palavra, a encenação, a luz ou o
espaço habitado. A disparidade das respostas reside na ambiguidade
do conceito de suporte, de mídia, ou seja, do canal de comunicação ou
informação e dos meios materiais ou técnicos usados na expressão
como observam (Herman, Jahn, & Ryan, Routledge Encyclopedia of
Narrative Theory, 2005) p. 288.

Neste sentido, a natureza do suporte admite a arquitectura, já que


através da arquitectura se obtém uma experiência, de uma estética
própria que liga a possibilidade de ver e o movimento com o tempo
dessa experiência. O espaço construído suporta, por isso, muitas
outras representações da música à literatura, ou seja é o espaço de
acontecimentos. As características básicas da narrativa que se
estabelece nessa arquitectura são por isso inspiradas na literatura como
épica, na capacidade para contar histórias e também, em parte, nas
narrativas dramáticas. Dessa forma, o acesso perceptivo à construção
espacial compromete-se com diferentes tempos, durações, e com
diferentes personagens.

81
Ressalva-se que a arquitectura tem como propósito a sua fundação e
edificação e não objectivos narrativos, próprios da literatura, como a
potenciação da imaginação narrativa. Esta leitura resulta de uma
aproximação realista ao suporte para mediar a percepção sensorial,
dando voz à noção de que a melhor história é aquela que reside no
real. Ligada à noção da arquitectura fundada e edificada surgem, com
maior importância a partir do Renascimento, os objectos de
intermediação, como os desenhos e os modelos. Neste período, estes
suportes, do ponto de vista sistemático e histórico, são diferentes dos
que conhecemos hoje. A especificidade destes suportes actuais e a
autonomia recolhe menos da temática narrativa e inscreve-se numa
lógica de linha produtiva e de intermediação sem demonstração. Pelo
contrário, nos registos da antiguidade, o paralelo com a palavra e com
os meios produtivos, ou a imitação, era um fenómeno com relevância
para a estética da arquitectura.

A noção expressa acima tem implícita uma meta-ficção própria da


pós-modernidade, patente na autoconsciência do actante. Para esta
figura, a construção explícita e coerente do relato do passado, tal
como foi, ou implícita, incorporando aspectos formais meta-
históricos, centra-se em acontecimentos, personagens e factos que
reconstroem o passado a partir do ponto de vista do presente,
interpretando-o, e com a capacidade para conhecer esse passado a
partir da narratologia.

A meta-ficção sinónimo da pós-modernidade de (Jencks, 1986),


resulta da ‘dupla codificação’ patente na comunicação da arquitectura.
Por um lado, através das técnicas estruturais modernistas e ironias,
comunica com uma minoria composta por arquitectos e

82
conhecedores. Por outro lado, usando as alusões a estilos históricos de
arquitectura, comunica com um público mais amplo que recolhe na
familiaridade imediata da forma, a validação da comunicação.
Compreende-se assim que a narrativa pós-moderna reflete o domínio
ontológico, remetendo-se ao domínio ficcional com dispositivos e
estratégias autónomos, enquanto a modernidade reflete o domínio
epistemológico, ou seja a investigação sobre a temática da percepção e
da cognição, e no limite sobre a experiência subjectiva do espaço e do
tempo. Esta leitura contemporânea assegura que todas as narrativas
produzem múltiplos mundos possíveis, potenciais e realidades
subjectivas expressas através de variações em torno das noções de
espaço e tempo.

Segundo a teoria narrativa, o tempo foi mais importante que o espaço,


devido a dois conjuntos de razões. Por um lado, a caracterização da
narrativa literária como arte ‘temporal’ precede a artes ‘espaciais’ como
a pintura e a arquitectura. Por outro lado, o espaço nas narrativas
(pelo menos até ao séc. XIX), servia apenas de cenário e algo de
adquirido, e por isso menos importante que as directivas temporais, da
teleologia, do enredo que se desenvolvia nesse cenário. Para acentuar
esta desvalorização, é notório que o espaço pode ser minimizado, e
não a sequência temporal, sem perda da qualidade narrativa do texto.
E o oposto, uma história nunca tem demasiado desenvolvimento
temporal, sequência, mas pode ser excessivamente sobrecarregada
com descrições espaciais. Note-se que histórias pequenas,
habitualmente prescindem mesmo das indicações espaciais, definem o
espaço como ‘em algum lugar’, mas mantem a ordem temporal.

83
Embora a evidência anterior pareça confirmar a intuição de que o
espaço é menos importante que o tempo na narrativa, há uma viragem
na teoria narrativa que valoriza o espaço. Muitas estruturas narrativas
empregam imagens de artes espaciais, sobretudo pintura e
arquitectura, referidas como metáforas. Outras estruturas usam
artifícios espaciais para justapor acontecimentos. Na literatura,
(Bakhtin, 1981) apresentou o conceito de ‘chronotope’ ou literalmente,
‘espaçotemporal’, e argumentou que o tempo e o espaço deviam ser
considerados uma unidade inseparável, com parâmetros complexos,
onde o tempo fornece a ‘quarta dimensão do espaço’. Nos anos 50 do
séc. XX, deu-se outro desenvolvimento na filosofia, pela mão de
(Merleau-Ponty M. , The Phenomenology of Perception, 1962) e
(Bachelard, 1994), com o conceito de ‘espaço vivido’. Este conceito
aborda o espaço através da matriz da literatura e da percepção
humana.

Hoje, os críticos e teóricos reconhecem que os aspectos do espaço


narrativo são mais relevantes do que inicialmente se supunha
(Herman, Jahn, & Ryan, Routledge Encyclopedia of Narrative Theory,
2005) p. 551. A demonstrar esta ascensão estão os termos espaciais
patentes nas narrativas – primeiro plano, vazio, isotopia, centro,
liminarmente, margem, migração, transgressão, transição, entre tantas
outras metáforas em textos narrativos, bem como o advento de
géneros narrativos derivados de conceitos espaciais - narrativa gótica,
narrativa de viagem, eco-narrativa, entre outros.

Na esfera da abstração metafórica, as formas da espacialidade na


imaginação narrativa podem ocorrer como visão do mundo ou
concepção teleológica, como em (Cusa, De la Pensée [De Mente],

84
1983). Na metafísica Neoplatónica, que Alberti recebe, a espacialidade
é trazida da criação divina, do alto para a matéria terrena, como mimesis
da perfeição. De igual forma, o espírito deve rever-se no mundo da
criação pela liberdade / humanismo, pela libertação do mundo
material. A oposição dos dois mundos, abordada por (Cusa, De la
Pensée [De Mente], 1983), torna o plano da criação uma restituição do
Divino, do ideal modelado na narrativa imaginada na realidade. O
conteúdo espacial da narrativa, nesta visão do mundo induz, desde
logo, a uma leitura vertical e um caminho horizontal. A leitura vertical
é herdada do Medioevo, o hic et nunc, que se transforma num caminho
horizontal para o infinito, valorizado pela representação da
perspectiva, ou seja, o eixo horizontal que governa o tempo.

O mesmo fenómeno, pode ser percebido na semântica estrutural com


a delimitação espacial imaginada, relacionada com o tempo da
experiência percebido. O infinito medievo/renascentista torna-se
diferente na visão euclidiana do Mundo, estrutural e semanticamente.
O espaço passa a ser dominado pela criatividade enquanto a unidade
do tempo é testada na imaginação narrativa.

No que diz respeito à narrativa literária, e na oralidade, as palavras


potenciam imagens, manifestam-se de forma banal, com verbos
(verbos de acção) que representam o coração da acção e outros
indicadores temporais (como advérbios – então, naquele tempo, um
dia depois...) que criam o ritmo dos acontecimentos e contingências
no mundo ficcional retratado. Os acontecimentos também se
estabelecem com indicadores de equilíbrio (vida agradável e feliz) onde
persiste a repetição e regularidade para atingir os mesmos fins últimos,
uma forma metafísica. Noutras palavras, contar histórias é um

85
processo de ‘modelação, permissão de outros para modelar, uma constelação
emergente de entidades espaciais relacionadas’. Imaginar um acontecimento
num espaço envolverá como (Bruner, 1991) expôs, ‘um conhecimento
proposicional’ que envolve fazer juízos, aplicar regras sobre o espaço
conhecido a partir do texto. Por exemplo, quando comparamos casas,
como fazem parte da mesma categoria de uso e de dimensão, temos
de gerar imagens para distinguir A de B, tal como faz o leitor para
entender a narrativa. Ao contrário casa e cidade não requer a mesma
imagem porque não são categorias equivalentes. Neste caso há duas
lógicas diferentes, a da casa e a da cidade, que estão colocadas numa
relação dialógica. Assim, na analogia que se cria, a lógica de uma
perpassa para a outra passando a fazer parte dela.

Estruturas narrativas
Para (Bakhtin, 1981) e (Keunen, 2011), as imagens narrativas que
constituem as estruturas narrativas são construídas, ‘imaginal constructs’,
e não pertencem ao texto, em si, mas representam formas de
cognição. Isto não significa que as imagens narrativas são irreais.
(Bakhtin, 1981) reforça que são formas da mais ‘imediata realidade’ uma
vez que o tempo e o espaço são fenómenos narratológicos. O tempo é
abordado pelas figuras de analepse, prolepse, duração, frequência,
ordem na história, tempo do discurso enquanto o espaço é
apresentado no texto através de descrições textuais91.

Neste contexto, a realidade imaginária, apresenta situações que


possuem coordenadas temporais e espaciais e, formalmente, oculta-se
na voz do narrador. Por exemplo, coordenadas espaciais que definem

91 A este propósito veja-se (Eriksen, 2001), sobre a construção de poemas similar á


edificação em Shakespeare.

86
como se entra num espaço, coordenadas temporais que definem o
tempo da experiência, bem como outras coordenadas de identidade e
que definem a natureza de quem experimenta e coordenadas históricas
ou transcendentais que definem a temporalidade da experiência.

A percepção destas estruturas narrativas é construída por blocos de


espaço/tempo voltando assim às imagens literárias do percebido.
Neste processo, imagens perceptivas divergem de imagens narrativas,
têm estruturas semelhantes mas são duas formas diferentes de
imagens mentais. Como refere (Keunen, 2011), as ‘estruturas de
experimentação’ podem ser análogas, mas são na essência, duas formas
diferentes de imagens mentais. As imagens perceptivas são condições
a priori do conhecimento (logo transcendentais), têm os sentidos como
mediadores, sobretudo processos proprioceptivos, na leitura de fora
para dentro, no mundo real, enquanto as imagens narrativas
trabalham na condição a posteriori da experiência, são organizações
criativas para ‘dar a ver’ de dentro para fora, onde se organizam o
espaço e o tempo como coisa mental (chrono+topos). Deste modo, a
imaginação narrativa trabalha sobre padrões específicos espacio-
temporais, padrões que tornam a mudança, a transformação
compreensível. Ou seja, tornam o conhecimento do espaço
construído, desconstruído nos elementos que o conformam, que lhe
dão limite e característica, como podemos perceber através da
semântica estrutural (Greimas, 1995).

As imagens narrativas organizam-se segundo leis da imaginação


humana: por um lado na forma como os ‘efeitos’ da experiência são
ordenadas, ou seja, como o ‘chronotope’ se manifesta; por outro lado, no
mapeamento dos efeitos, na forma de uma gramática da imaginação,

87
construída com blocos construtivos da imaginação narrativa. Nesta,
distinguem-se diferentes tipos de imaginação, que contêm
características de espaço e tempo indestrinçáveis. A caracterização do
espaço pode ser mais abstracto ou mais concreto, criando a
diferenciação de qualidade, enquanto a caracterização temporal inclui
o espaço de acção (vida), o espaço de enredo (fundamental), e a
concepção do mundo, ambos característicos do mundo ficcional. Em
cada um dos níveis de caracterizações, o narrador introduz emoção
para obter maior sucesso na comunicação. Da mesma forma, o
narrador, como construtor imaginário, relaciona acontecimentos
críticos no curso da narrativa e liga-os para apelar à imaginação do
ouvinte.

O fenómeno do espaço, da conversão das imagens verbais em


impressões visuais e relações espaciais, requer a passagem para a
representação abstracta do espaço. Esta passagem é baseada no
conhecimento propositivo, esquemático, presente no espaço literário.
A passagem requer um significado simbólico (e um espaço simbólico).
Podemos assim, afirmar que um espaço literário pode provocar outros
sentimentos porque detectamos conotações de outras situações
experimentadas92.

Segundo a tese que (Keunen, 2011) p. 9 defende, a organização


temporal é o aspecto mais importante da imaginação narrativa, ‘uma
vez que os autores criam mundos inteiros, são inevitavelmente forçados
a empregar as categorias de organização dos mundos que eles próprios
habitam’.

92 Como por exemplo, o silêncio em igrejas, o ruído, cheiros, cores em mercados.

88
No tempo de Alberti o interesse nas ficções residia na invenção de
novas histórias contra as histórias tradicionais, opondo assim os
termos fabula, mimesis, mito (muthus (gr) diferente do sentido de mito
hoje), figura (plasma (gr) algo formado ou moldado, imagem), ficção
(figmentun (lat) à verdade histórica dos relatos). Não obstante esta
separação entre a invenção e os factos históricos, na antiguidade
entendia-se que os textos narrativos podiam ser histórias contendo
uma combinação de elementos verdadeiros, demonstráveis o portanto
como um texto científico (com a sequência de observação, analogia e
generalização), e ‘mentiras que parecem verdade’ (Herman, Jahn, & Ryan,
Routledge Encyclopedia of Narrative Theory, 2005). O texto de
Alberti inscreve-se também nesta lógica antiga porque se destinava a
ser ‘consumido’ publicamente como literatura oral, mas vai para além
desse domínio por ter utilidade didáctica como literatura escrita, e
passar a ser lido de forma privada, de que dão conta as edições
subsequentes.

Alberti dirige-se aos ouvintes públicos e aos leitores privados, de igual


forma, com artifícios retóricos, próprios da legado de Quintilliano.
Deste modo, o texto tem características de ‘vividez’ (evidentia (lat), por
narrar de forma viva e gráfica o que dá a ver com o texto, e dessa
forma, torna o receptor numa testemunha dos acontecimentos que o
próprio aprova. O tempo verbal usado é o presente (presente
histórico), introduzindo o conhecimento do tempo passado no
presente para potenciar a percepção mais vívida. A narrativa dirige-se
a todos os ouvintes / leitores, mas afasta-se dessa audiência para se

89
dirigir a um personagem da história, o Príncipe93. Cria vazios, que não
são preenchidos de forma a não ter uma narrativa entediante, como
por exemplo, quando Alberti diz que ‘está tudo dito’.

Estes pontos são deixados para a compreensão, inferência e


elaboração própria do receptor, como numa narrativa aberta, que após
desenvolver essa compreensão igual ao autor se torna sua testemunha.

Diegese
Para distinguir as vozes do discurso o a sua importância, interessa
diferenciar dois conceitos presentes nas narrativas, que apresentam
essas vozes de forma distinta: diegesis e mimesis, para melhor
compreender os discursos de Alberti e de Francisco de Holanda.

Na teoria narrativa contemporânea, o conceito de diegesis tem dois


sentidos diferentes, ambos com origem na Antiguidade Grega: por um
lado refere-se a uma história, como num filme, a um discurso que
conta a história (ficção) e, por outro lado refere-se à forma da
narração. Este último sentido tem origem no terceiro livro da
República, de Platão (429-347AC), onde se faz a distinção entre
mimesis e diegesis como duas formas contrastantes de narrar os
discursos das personagens. Mimesis consiste na dramatização do
discurso imitado, enquanto diegesis consiste na sua apresentação
indirecta, a voz do narrador em discurso directo ou em discurso
indirecto, respectivamente. Nas partes diegéticas, o poeta fala como
ele próprio, enquanto nas partes miméticas fala como se fosse outra

93 Segundo (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 1485), nota 211 pp. 135, conjectura-se que a
obra seria dedicada ao Duque de Urbino (Federico di Montefeltro), mas acabaria
dedicado, após a morte de Alberti, a Lourenço de Medicis.

90
pessoa, ou um dos personagens. Esta distinção é actualmente objecto
de discussão a propósito das narrativas escritas, contudo em (Platão,
1993) pp. 115, a distinção está relacionada com a oralidade,
explicitamente com a voz e o gesto. O discurso do poeta será
mimético quando este assume a voz e o gesto da personagem, quando
representa as palavras do personagem. Pelo contrário, o discurso será
diegético quando o poeta fala com as suas palavras e apresenta as
palavras da personagem, sumariamente.

Para Platão a distinção entre mimesis e diegesis, tem um objectivo prático


e introduz o modo narrativo. A distinção encerra também a crítica
filosófica, já que o mundo construído que nos envolve é, segundo o
humanismo, uma cópia da Forma Ideal, logo a mimesis num texto é
uma cópia de uma cópia, e deve ser por isso removida da realidade
filosófica. Encerra ainda uma crítica moral, já que na literatura a
mimesis se torna um dispositivo perigoso por se formarem inferências
a partir de figuras literárias.

Se a distinção era clara na Antiguidade Grega, com Platão (429-


347AC), com Aristóteles (384-322AC), aluno de Platão, a distinção
neutraliza-se enquanto se valoriza a literatura. Na Poética de
(Aristóteles, Poética, 2011), encontramos a referência à imitação que o
poeta pode fazer pela narração para a qual pode tomar outra forma,
outra pessoa, como faz Homero, ou pela própria voz. Na imitação e
na criação de imagens, o artista cria instintivamente, e as imitações não
são a realidade mas representações da realidade. Neste entendimento,
mimesis e diegessis são duas formas alternativas de ‘imitação’ que contém
simultaneamente a representação do discurso e da acção.

91
Em Platão e em Aristóteles, a distinção entre ‘narrar com a própria voz’ e
‘tornar-se outra pela narrativa’ é usada para distinguir as partes dentro da
narrativa, mas também para definir géneros (a épica combina os dois
géneros, enquanto o drama é sobretudo mimético e os hinos
diegéticos). Na contemporaneidade, a distinção entre mimesis e diegesis
tem sido retomada, com a diferenciação entre mostrar (representação
cénica directa de acontecimentos e discurso - mimesis) e contar
(apresentação indirecta e sumária - diegesis). O primeiro pertence à
matriz da história e pode usar o discurso, enquanto o segundo ao
discurso explícito, o que torna o narrador um construtor que através
de técnicas narrativas apresenta o mundo.

Ora, esta distinção é igualmente útil na separação entre narrador e


autor. É (Aristóteles, Poética, 2011) no capítulo 24, que propõe que os
poetas devem falar o mínimo com a sua voz, para adquirirem o papel
de narrador, do discurso indirecto. É também Aristóteles que propõe
a noção de enredo: poesia mimética que representa o homem, ou
personagem, em acção, no encadeamento de acções. Este
encadeamento é valorizado porque ao contrário dos acontecimentos
da realidade não é definido de forma cronológica ou de forma
aleatória, mas construído como um todo unificado, com princípio,
meio e fim. É este efectivo encadeamento de elementos numa história
que introduz as figuras temporais de antecipação (prolepse) e de
indícios (paralepse).

Para o leitor, as diferentes vozes do discurso conduzem à


reconstrução da narrativa94, integrando o tempo e a imaginação

94 Reader constructs.

92
narrativa95 como uma construção mental que constrói, incorpora,
transforma, e altera a narrativa para uma forma delimitada. Nesta
construção, os blocos imaginativos, construídos, dão sentido e fazem
sentido, são estruturantes. Na perspectiva da filosofia das histórias
(Currie, 2010) importa questionar os conceitos e os fragmentos das
histórias, nomeadamente a relação do tempo com a imaginação
narrativa e a com a performance, ou acção.

No que diz respeito á relação do tempo com a imaginação narrativa,


verificamos que a análise de textos apresenta resultados
paradigmáticos, com um certo formalismo, enquanto na perspectiva
dos estudos a partir de (Bakhtin, 1981), a matéria prima das narrativas
consiste nas imagens mentais que não podem ser mapeadas através de
meios de expressão (texto ou imagem). As imagens literárias são
expressas no texto, enquanto as imagens narrativas têm expressão
mental. De igual forma as imagens arquitectónicas têm expressão
mental, que no entendimento de Alberti se expressa nas razões de
porque é que construímos e em Vitrúvio, como construímos. Na leitura de
Alberti encontramos também as estratégias que, à época, seriam
necessárias para o entendimento da mensagem, ou seja, as estratégias
de escrita com as premissas, os exemplos e as prescrições.

Esta leitura existencial da prática narrativa assume que o leitor


reinterpreta e dá significado aos suportes / textos narrativos. Esta
aproximação aos textos narrativos a partir do leitor valoriza a
atribuição de significado aos mesmos e a atribuição de sentido.
Contudo, como a leitura não tem contornos visíveis, nem é

95 Imaginal constructs.

93
completamente acessível (excepto em aproximações psicológicas à
narrativa), permanecerão sempre leituras diferentes do mesmo texto,
por terem contornos idiossincráticos que não são passíveis de
abstrações teoréticas e generalizações. Ainda assim, o enquadramento
teórico da leitura é feito através de construções teoréticas sobre os
efeitos dos textos, e as respostas do leitor96. Pode, por isso, tratar-se
de uma construção do leitor que se situa num plano ambíguo, entre os
domínios interno e externo do texto. Concomitante com esta
perspectiva, veja-se a distinção de diferentes tipos de conhecimento e
formas de investigação proposta por (Polkinghorne, 1995) e (Webster
& Mertova, 2007).

Na elaboração de Alberti encontramos uma forma de construção


orientada pelo leitor que é a do leitor implícito. Esta figura funciona
como contraponto ao autor implícito situado no texto que não pode
ser identificado como um leitor real. O conceito de leitor implícito é
um sinónimo da intenção autoral, recolhe todo o significado do texto
e dissimula a tentação de elevar a leitura subjectiva a uma única leitura
correcta. É neste sentido que o arqui-leitor , no domínio estilístico, é
concebido como uma súmula de respostas de vários leitores reais a
um fragmento particular de texto. É por isso uma estrutura estilística
no texto, que pode ser descrita objectivamente.

Outros conceitos que podem agrupar os leitores incluem: ‘leitor


informado’ ou ‘leitor competente’, uma forma herdada do conceito

96 Os potenciais efeitos da leitura são muitas vezes inferidos da análise de aspectos textuais,
frequentemente generalizados pela experiência do leitor e projecção de hipóteses do
leitor sobre os outros leitores (Herman, Jahn, & Ryan, Routledge Encyclopedia of
Narrative Theory, 2005).

94
estruturalista de competência (e linguística); ‘leitor análogo’ que se
relaciona com o texto através da transformação inconsciente e
fantasista (forma derivada da via psicanalítica). Para o primeiro,
sustenta-se que o efeito do texto é melhor compreendido e recebido
se o leitor for conhecedor do contexto cultural e linguístico do
mesmo. É com base neste conhecimento que se pode investigar os
resultados da recepção do texto, o que aconteceu na leitura. Para o
segundo, o significado do texto depende principalmente das
condições psicológicas do leitor.

É neste sentido, que podemos recolher os resultados das leituras de


Alberti para verificar a sua sumula e actualização em Francisco de
Holanda e António Rodrigues. É igualmente neste sentido que Alberti
‘informa o leitor’ sem nada ocultar ou acrescentar de forma a
apresentar um discurso claro e inteligível. Alberti assume desta forma
a presença do leitor empírico que reconstrói a história a partir da
evidência escrita.

A reconstrução da história assume-se como a edificação que resulta da


(reconstrução da) história, ou seja, da prática edificatória que se
reconhece como válida, conceptualmente em termos de contexto.
Nessa reconstrução, o espaço de acção torna-se a ferramenta que
permite a construção da imagem unitária do espaço de enredo. Os
ouvintes constroem relações lógicas entre os acontecimentos e o todo,
‘construções imaginárias - imaginal constructs’ , uma cartografia que visualiza
e mapeia a narrativa como um esquema motivacional no qual o tempo
do enredo se funde com a representação espacial e se torna o espaço-
enredo. Para a narratologia, este conceito proposto por (Ryan, 2003)
sintetiza as interacções que ocorrem entre os ouvintes e o espaço,

95
enquanto tentam colocar-se no espaço global como se estivessem a
viver os acontecimentos, em projecto, em experiência sensível97.

Encontramos na leitura de Alberti esta concepção, ou seja, na ligação


do conhecimento necessário para uma vida agradável e feliz, princípio
e fim, resolvidos na mesma frase onde cabe todo o texto. Note-se que
no texto, um acontecimento particular insere-se no todo e no plano de
concepção do corpo completo, o particular modela o mundo criado.

Na obra opera-se a passagem do espaço do enredo para diferentes


visões do mundo. A narrativa encerra uma visão trágica que é
transmitida como visão trágica da vida. Para a narrativa, os conceitos
de delineamento, estrutura abstrata e mundo ficcional são
transmutados na visão do mundo com a explicação de porque é que
fazemos, no mundo concreto de um universo fechado. A reunião dos
dois polos faz-se num espaço-tempo (chronotope), ou seja, as acções que
têm lugar num espaço ficcional (de desenvolvimento do tempo) que
definem a imagem narrativa98.

Como refere (Keunen, 2011) p. 40, ‘quando estamos a ler, a ver, ou a ouvir
uma história, um imenso número de imagens são lançadas contra nós’. Como

97 Este aspecto resulta da concepção de um esquema espacial criado no processo de


recepção. Os ouvintes centram-se na visão global da configuração espacial presente no
mundo textual, mas de uma forma muito esquemática, caracterizada pela natureza
fechada. Esta natureza fechada é determinada pela forma como os textos narrativos
enquadram os acontecimentos, com início e fim.
98 Esta abordagem segue de perto o conceito de chronotope, de (Keunen, 2011). Este autor
aborda o espaço e tempo no âmbito da teoria da literatura. Os conceitos que aborda são
do mundo literário e do cinema, extravazando para o mundo artístico com a figura da
personagem. De uma forma análoga, Alberti também extravaza os conceitos da literatura
para a edificação, como por exemplo, com o ‘corpo animal completo’.

96
resultado não sabemos quais as que são mais relevantes para o
narrador e, para tornar a escolha mais difícil, estas imagens agem de
forma autónoma e assumem a polissemia, as diferentes forças e
valores da narrativa. Esta circunstância significa que a sintaxe da
imaginação narrativa, em cada grupo sintáctico, e no eixo
paradigmático da imaginação narrativa, admite como possíveis muitas
alternativas, dependendo da envolvente cultural dessa narrativa, vários
enredos, acções e mundos que forçam a alteração dos padrões
temporais e do objecto, diferentes equilíbrios e conflitos.

Encontramos em Alberti a fuga a esta possibilidade, no recurso às


letras, para facilitar a compreensão da mensagem. Nesta, a formulação
das imagens a que cada autor / leitor recorre na lógica do mundo
ficcional são o resultado teleológico e dialógico, de duas formas
relacionadas com o conceito de tempo, de duas visões do mundo
diferentes, do autor narrador e do receptor leitor.

Tempo e acção
O conceito mais importante para compreender a narrativa é a
transformação (Everaert-Desmedt, 1984). A noção de transformação
encerra duas formas: uma causa e um efeito. A causa ou hermenêutica,
refere-se às questões não respondidas, enquanto o efeito refere-se à
antecipação do resultado, uma forma interpretativa global para o
significado. O que as duas formas envolvem é a necessidade de
consequência para compreender a narrativa, modelada pela relação
entre as duas que permite criar suspense. Encontramos este processo
dialógico, presente nos textos de Holanda de antecipação do espaço
de acção.

97
Se uma narrativa é sobre um mundo em mudança, consequente, logo
é articulada com imagens caracterizadas pela mudança, tornando o
tempo a peça fulcral na definição narrativa e a base da construção da
imaginação narrativa. O entendimento do tempo, é aqui alargado ao
tempo real efectivo, ao tempo da experiência em percurso, ao tempo
passado, nas referências a autoridades, e ao tempo mítico, nas
recomendações prescritivas.

Alberti e Holanda compõem a narrativa através de episódios


sucessivos, onde, através do tempo, se produzem mudanças. São as
mudanças que permitem ler a história e interpretá-la ou seja: na leitura
do texto, como na experiência do espaço a que esse texto se refere, os
acontecimentos críticos promovem as mudanças com diferentes
movimentos narrativos. As mudanças registam oposições, indícios
para resolver problemas, e resolução, num desenvolvimento linear que
segue as noções gerais propostas por Dollard99. Trata-se de uma

99 Já em 1935 Dollard propunha critérios para julgar a história de vida, que ainda hoje
podem nortear o desenvolvimento da narrativa (Polkinghorne in (Hatch & Wisniewski,
1995) pp. 16), apresentando sete pontos:

[…] 1 - O pesquisador deve incluir a descrição do contexto cultural onde a história ocorre,
protagonistas e herança cultural;

2 - Ao recolher e configurar a informação numa história, o pesquisador também deve


atender à natureza consubstanciada do protagonista (a pessoa está localizada espacial e
temporalmente) física e psicologicamente, do ponto de vista cognitivo/emocional;

3 - Ao desenvolver o cenário, o pesquisador precisa de ter consciência do contexto cultural


mas também de outras influências externas que afectam as acções e objectivos do
protagonista;

4 - Embora o cenário cultural, o corpo, e outras pessoas forneçam o contexto e limites no


qual o protagonista actua, ele faz escolhas pessoais e faz acções independentes… que
tendem para o desenlace…;

98
construç circular, 'de harmonia para harmonia’, uma operação com
imagens que tem no centro desta representação imaginária a mediação
entre as oposições.

Note-se que as imagens perceptivas, que resultam de processos


proprioceptivos, por exemplo na contemplação de S. Marcos por
Ruskin, ou de uma paisagem, ou de um ‘objecto’ ausente (imaginado)
podem existir sem qualquer interferência do tempo. Uma história,
uma narrativa, pelo contrário, começa com um tempo, ‘vamos começar’ –
na arte de constar histórias, merece ser contada (Herman, Narrative
Theory and the Cognitive Sciences, 2003) – segundo o conceito de
‘tellability’), inclui um processo consequente. Neste aspecto difere de
um relato (‘récit’) inconsequente, de uma pequena narrativa e torna-se
relevante para o ouvinte/receptor porque contém uma acção
significativa, mudança e valor, porque contém acontecimentos
críticos. Tal como observam (Ricoeur, Time and Narrative, 1984) pp.
20 e (Keunen, 2011) pp. 12, são estes acontecimentos que estão no
centro da imaginação narrativa, ‘as narrativas ficcionais só se tornam
narrativas quando criam uma ‘mimesis de acção’. Esta ideia segue de perto a
noção aristotélica de que o poeta deve fazer enredos100 e não versos,
porque como poeta imita, e imita acções. (Ricoeur, Time and

5 - Na construção de uma história, o pesquisador precisa considerar a continuidade histórica


das personagens;

6 - A consequência da análise narrativa é a criação de uma história, com limites temporais,


princípio meio e fim no contexto de um enredo;

7 - Finalmente, a última orientação para julgar a adequação de uma análise narrativa é se esta
gera a ocorrência da pesquisa plausível e entendível. Significa se detém uma linha de
pensamento que configura os diferentes elementos numa explicação com significado, das
acções dos protagonistas […]
100 Os enredos são princípios organizadores do pensamento.

99
Narrative, 1984) esclarece ainda, que todas as narrativas envolvem
algum tipo de reflexão, pelo que o conceito de ‘emplotment’ implica a
acção reflexiva na narrativa que introduz subdivisões e aplica
estruturas. Só o tempo é necessário para a definir a identidade
narrativa do homem. Na relação entre o texto e a arquitectura,
(Ricoeur, Architecture et narrativité, 1998) reflete assim na rescrição.
As narrativas são guardadas na memória como imagens espaciais,
lembramo-nos primeiro de um lugar e depois os acontecimentos
(psicológicos), no sentido de ‘visual denotata’. Segundo esta denotação
visual, o espaço arquitectónico é interpretado segundo as
transformações e aspectos temporais. As relações entre o tempo e o
espaço ocorrem nesta complexidade crescente, objecto de valoração
(ou conotação) através de outras operações mentais que ascendem da
proposição.

Como exemplo, quando consumimos uma narrativa, reflectimos sobre


um mundo em mudança e tomamos esse mundo como a totalidade.
Recolhemos os fragmentos como encadeados com início e fim. De
uma forma teleológica, cumpre-se o mundo, na mudança espacial que
é acompanhada pela mudança temporal, pelo processo de uma
situação inicial que se transforma noutra diferente do ponto de
partida, num processo de totalização. A capacidade das narrativas para
dar forma a uma relação entre espaços abstratos e processos que
atribuem valores, são como refere (Psarra, 2008) a propósito da
passagem do mito à compreensão do espaço abstrato imaginado, do
mundo das histórias, uma tentativa para totalização da imagem mental
do espaço narrativo.

100
Já (Herman, Narrative Theory and the Cognitive Sciences, 2003) pp.
16 e (Keunen, 2011) aprofundam a ligação da temporalidade à
espacialidade como ‘um processo de mapeamento cognitivo que atribui
referentes não meramente temporais mas uma posição
espacio/temporal no mundo da história’. Como maior dificuldade
surge, então a abstração que está patente nas dimensões espaciais,
segundo a analogia de forma – registo de forças internas, mimesis,
como abstração – registo de forças operantes, e como metafísica –
visão do mundo101.

Então, as construções da imaginação narrativa derivam da acção


humana, para o homem, na real concepção do humanismo do
Quattrocento. As narrativas obedecem assim a convenções e são
influenciadas pelo entendimento do espaço e tempo, as imagens em
mudança replicam o mundo em movimento. Este paralelismo entre o
mundo e a narrativa encerra o realismo na forma de habitar, com a
reprodução do tempo humano.

Na definição de (Keunen, 2011) p. 13, o tempo é ligado à acção num


cenário, entendendo-se que cada actividade, cada desenvolvimento
temporal, se expressa por mudanças espaciais (à semelhança de
imagens cinemáticas). Esta relação entre o espaço e o tempo, é no
conceito que (Keunen, 2011) trabalha a partir de (Bakhtin, 1981),
‘espaço-tempo’ definido por ser uma entidade, construtor imaginário,

101Encontramos reflexos culturais destas noções em Cusa, Alberti, Holanda com as


referências ao passado, universal e teológico, ou ao passado histórico.

101
que representa um processo temporal que ocorre numa situação
espacial102 .

A partir desta definição compreendemos que os conceitos de tempo


(tempo e imaginação narrativa, tempo e acção) não são suficientes
para compreender a imaginação narrativa sem considerar a ‘fusão’
espacial dos processos temporais103. Assim, de acordo com o esquema
motivacional da narrativa, a imaginação do espaço - acção e do espaço
- enredo interagem, promovendo a unidade do todo como um centro
organizativo da narrativa.

Espaço-acção, espaço-enredo e visão do mundo são assim três formas


de construções imaginárias relacionadas na prática, imagens abstratas
que correspondem no mundo ficcional estruturado à semelhança
daquele em que vivemos, com as mesmas classes, programas e valores.
Logo, a criação de imagens narrativas, é um processo muito sensitivo
e influenciado pelas visões do mundo. Mundo que se torna o espaço
de acção, como lemos por exemplo no humanismo e na concepção do
espaço de (Cusa, De la Pensée [De Mente], 1983).

Os três sectores, espaço-acção, espaço-enredo e visões do mundo são


estruturados de forma diferente. A estrutura do espaço acção radica
na antiguidade, no entendimento mítico, artificial e estático, e na
perspectiva, sem possibilidade de mudança. É neste entendimento que
se justifica a relação propositiva de edifícios para A e edifícios para B,
na especialização que tem algum potencial para abarcar a mudança (no

102 ‘a chronotope is an imaginal constructor entity representing a temporal process that occurs in a spatial
situation’ (Keunen, 2011)
103 (Keunen, 2011) não considera os processos espaciais, aprenas os processos temporais.

102
Renascimento). Trata-se de uma épica potenciada pelas estratégias
imaginárias fora da narrativa, no mundo ficcional onde se estabelecem
relações causais centrais para a narrativa.

Na estrutura do espaço-enredo exclui-se a personagem, o herói e de


acordo com a visão do mundo, de carácter mítico, o espaço recebe a
característica de imanência. A personagem que fica ausente deste
espaço imanente, faz surgir a autobiografia, ou uma forma
escatológica como estrutura dessa visão do mundo.

No texto de Alberti, encontramos referências a estas visões do


mundo, às visões antigas e de igual forma Holanda, se refere aos
Antigos e aos aspectos que nos deixaram e como os interpretamos.
Valorizam assim a memória. A interpretação dessa imaginação
histórica, revela que as concepções antigas, no espaço de acção do
‘chronotope’ que tem origem numa cultura antiga, podem ainda ter um
papel na narrativa, como formas alternativas de conceber o mundo104.
as visões do mundo são, assim, como paradigmas que dão forma ao
mundo, diferentes programas que são ‘lidos’ de forma diferente
porque o mundo construído por cada ouvinte tem diferentes
aspectos105.

O criador vê a realidade com os olhos da visão do mundo, pelo que as


narrativas recorrem a padrões fixos das narrativas individuais e
convencionais, como o Humanismo e Universalismo. Como matrizes
da experiência, estas narrativas constroem o mundo da história a partir

104 Há experiências de investigação em arquitectura, a partir de textos clássicos, com


interesse por partirem de tragédias para despoletar uma resolução.
105 Por exemplo: casa para A, para B, para C têm diferentes tipos de relação e possuem
diferentes fenómenos que se apresentam à experiência empírica.

103
dos padrões da visão do mundo, como vemos nos exemplos de Cusa.
As visões do mundo resultam assim num conceito mimético que
transpõe as características e regras desse mundo para o mundo das
histórias, que a arte liberal transpõe do idealismo para o realismo, com
o poder como Deus, como manifestação imanente.

A compreensão da transformação que se opera nessa realidade, ou do


conceito de tempo-acção permite perceber a relevância das imagens
narrativas e da relação que têm com a arquitectura. São estratégias
cognitivas inseridas na estrutura narrativa.

No espaço de accção repetem-se intenções de equilíbrio e de caos ou


conflito, ou seja de repetição e de diferença que cumprem a
necessidade psicológica inconsciente, pela ordem e regularidade. Este
fenómeno de esquematismo, a repetição de um fenómeno, como
padrão, permite explicar e prever as características de regularidade no
mundo criado tornado-se ‘discursivo’. Pelo contrário quando um
fenómeno se desvia e não permite a identificação de um padrão,
quando é variável, o acontecimento desenrola-se fora do padrão de
espectativa, trazendo a incerteza e as contingências do mundo.

São, contudo, as diferenças que tornam a história interessante, o


imprevisto, os conflitos e a forma como surgem na arquitectura, de
forma extraordinária. A este propósito (Herman, Narrative Theory
and the Cognitive Sciences, 2003) refere que as histórias sem conflitos
não são tão ‘contáveis’, o que transposto para a arquitectura pode
inferir que se não ocorrerem conflitos com os sentidos, variações
sensíveis, os espaços deixam de ser memoráveis.

104
Este ponto de vista é equivalente aos acontecimentos críticos na
acção, inesperados, quando os acontecimentos iludem as espectativas
(determinação) planeadas. Assim, são os aspectos inesperados que
trazem a história à memória106, anomalias, desvios, variações que
apelam mais à imaginação que ao fenómeno. Ao contrário, a
constância das certezas torna os fenómenos iguais e leva à perda da
capacidade de imaginação. É por esta razão que as histórias se devem
tornar veículos de valores para que associemos conceitos com a
história que aprovamos ética e esteticamente. A excepção torna-se o
motivo de interesse e memória e a regularidade a regra. A excepção
consiste na disrupção do estado de equilíbrio inicial, potenciando um
conjunto de cadeia de acontecimentos inesperados (Herman,
Narrative Theory and the Cognitive Sciences, 2003). A regularidade,
torna-se a harmonia, a unidade, uma imagem fim último para a
arquitectura, como por exemplo, no texto de Holanda, ‘o que falta a
Lisboa’, o ‘locus amoenus’, lugar de conforto e segurança que encerra o
processo cíclico, e que encena o fenómeno da regularidade e
repetição.

Estruturalmente, o texto de Alberti oscila entre os dois arquétipos, a


excepção e a repetição, tal como a maioria das histórias, como observa
(Keunen, 2011) p. 43. O espaço do enredo é por isso o espaço de
equilíbrio psicológico e de conflito. Equilíbrio porque é delimitado do
todo e isolado do padrão temporal e de conflito porque permite
movimentos repetíveis. O equilíbrio torna o espaço edílico, a casa no
espaço-tempo edílico, território familiar, com imagens activadas pelo

106 Vejam-se as iluminuras, por exemplo in (Carruthers, The Book of Memory. A Study of
Memory in Medieval Culture, 2005).

105
desejo de hospitalidade, complementadas com o desejo de exclusão de
tudo o que não for hospitaleiro o que for irreconhecível. No
desconhecido não há controlo, aquilo a que Foucault designa de
heterotopia, espaço alternativo, real e reconhecível, com características
de excluídos.

O mesmo fenómeno de exclusão pode ser observado em padrões


temporais. Mudança e desenvolvimento temporal são importantes
para o equilíbrio da imagem narrativa. O espaço acção, contudo,
distingue o tempo do quotidiano porque este não avança de forma
linear, mas retoma-se através da acção, como o movimento aparente
do sol. É neste sentido que a transformação temporal é importante
para manter o equilíbrio idílico num sistema fechado da narrativa. No
texto nada muda, não acontece nada de inesperado, como na
arquitectura, só mudanças regulares que se tornam o objecto da
representação imaginária. As irregularidades ficam fora do
desenvolvimento, já que é pela regularidade que criamos as regras que
associamos à felicidade, a uma vida agradável. Este ‘espaço-tempo’ de
equilíbrio cumpre assim um papel importante na imaginação narrativa.

As metáforas espaciais abstratas (dentro-fora) actuam como esses


princípios de estrutura de equilíbrio (felicidade). A regularidade é por
isso a forma metafísica mais importante porque está relacionada com
a regularidade e a repetição enfatizando a criação do mundo fora do
tempo. Cada novo movimento volta ao princípio (Cusa, De La Docte
Ignorance, 1930), a uma ilusão que não tem a ver com o tempo e que
nega esse tempo, para contemplar o absoluto. O tempo adquire assim
características de regularidade e estabilidade.

106
O equilíbrio abordado antes é um ‘constructor’ de concepção idealista.
Consiste em imagens que são concebidas no pensamento mas que
dificilmente ocorrem no mundo empírico, porque são o resultado da
acentuação da natureza perfeita de processos particulares e situações,
adquirindo por isso uma natureza utópica. A passagem do ideal
imaginário para a matéria, para a arquitectura ocorre por força do
equilíbrio do realismo. Na concepção arquitectónica ‘ideia’ está antes
de ’percepção’, revelando dessa forma um certo idealismo para
plasmar o mundo das formas ou das ideias no mundo real, para
executar de forma poética o mundo do corpo material.

Há contudo outras construções espacio-temporais, de equilíbrio.


Como por exemplo, os equilíbrios ‘realistas’ dos ‘complexos antigos’,
exemplos cuja materialidade consiste no conhecimento sem
experiência, nos efeitos em vez dos estímulos, numa alusão ao mundo
perceptivo.

No renascimento dá-se a reconceptualização dos ‘chronotopes’ de


equilíbrio, criando formas romanceadas e encadeamento de episódios
onde aparecem quadros idílicos. Nestes, o equilíbrio e as formas de
harmonia evocam uma perspectiva psicológica interior e valores como
a perfeição e a verosimilhança. A reconceptualização abarca de novo a
lógica análoga.

Note-se contudo que, em algumas histórias, como mitos, os conflitos


e desequilíbrios são aceites como parte da estrutura do universo, e
assim, da estrutura narrativa análoga. Do ponto de vista filosófico,
reforça-se que as narrativas são sempre plurais e nunca absolutas, são
idealizadas, nelas contrasta a visão do mundo e o realismo dos

107
homens, mitos e a diversidade. Os espaços de conflito são por isso
sempre circunstanciais, já que o autor deve querer a ordem107 . Esta
necessidade explica a enfâse no conhecimento e na evocação histórica,
no reflexo do divino sem necessidade de prova, em Alberti e em
Holanda.

Do ponto de vista historiográfico, história e acontecimentos, as


representações imaginárias que emergem das narrativas lidam com os
conflitos, conflitos de imagens diferentes do ideal, do delineado, do
dibujado, como se de texto poético com palavras se tratasse, com o
mesmo valor. Os conflitos criam a sensação da descoberta, no espaço
aberto onde a acção se pode desenrolar, retomam a qualidade
impressiva de um espaço que não é familiar. Esta noção de ‘encontro
para a descoberta’ é para (Bakhtin, 1981) o fenómeno mais importante da
arte narrativa, e revela uma caracterização arquitectónica: tem o início,
e culminar de um enredo.

Como exemplos de conflitos nas narrativas temos os espaços de


dúvida, de insegurança, espaços onde não existe poder (Markus &
Cameron, 2002), o que ocorre na porta, uma escada, porque são
diferentes dos lugares de encontro, como uma sala. Estas relações
espacio-temporais de conflito variam consoante as visões do mundo.
Resultam por isso da valorização do individualismo a partir do
humanismo.

107 No renascimento, o confronto do indivíduo com a natureza e as paixões que o habitam


tornam a forma de uma viagem pela vida, atraindo uma série de contingências (veja-se
Hypnerotomachia Poliphili, por Francesco Colonna (1499)).

108
Deste modo, o encontro para a descoberta oscila entre o ‘espaço-
tempo’ idealista, do mundo naturante, épico onde os acontecimentos se
desenrolam em qualquer lugar e, o conflito realista no mundo real, o
trágico, onde os acontecimentos adquirem um significado único
permitindo a expressão existencial e histórica de um problema.

Actante
A experiência presente no conceito analisado antes, só se valida com a
forma que o espectador assume, como receptor e também
personagem da ação, ou seja actante (Greimas, 1995). Esta forma
abarca o papel e o modo como o receptor participa na acção, como se
subordina ao enredo, na esfera da acção. Neste sentido, a definição
dos limites, portas e passagens, estão para a arquitectura como a
edição do tempo para o cinema, são fundamentais para a estética da
arquitectura. Estas construções, artifícios materiais, preservam a
delimitação do espaço, o delineamento enquanto a determinação nos
limites maximiza a estrutura do enredo. Na realidade a sucessão das
imagens são encenadas pela imaginação, numa estrutura específica
delineada pelo criador. Aquele que experimenta as imagens, a
sequência espacial, os limites e os acontecimentos em cada espaço é
dessa forma o actante. Os limites do enredo constituem os
paradigmas ou descritores (pavimento, parede, vão) que são ajustados
de forma a permitir a expressão do criador, do belo imanente
platónico, para expressão de uma realidade imaginada específica. Os
habitantes mantêm a amplitude idiossincrática dentro dos limites
delineados para uma vida agradável e feliz, com contornos morais na
proposta de Alberti, numa forma concreta de imaginação possível. É
na descodificação dos habitantes que se recupera o acesso à

109
intencionalidade do criador a à metafísica do belo imanente, à
narrativa primeira.

Analogias
Como vimos antes, todas as realizações temporais pressupõem um
contexto espacial e a recepção espacial, ou uma acção narrativa nesse
espaço, o que implica a interacção com o tempo. Esta forma de
interacção suporta diferentes conteúdos que dão estrutura à expressão
e forma à representação, como analogias. As interacções entre espaço
e tempo ocorrem em três níveis de imaginação: num nível metafórico,
num nível de representação abstrata e num nível de representação
visual. Estes três níveis de abstração induzem o tempo que se
manifesta concretamente, o enredo que é uma construção semântica
do mundo ficcional e uma visão do mundo que é a maior
abstratização de representação do mundo, como padrão. Desta forma
a unidade do tempo no espaço torna-se visível artisticamente
(arquitectonicamente), tal como o espaço rege os movimentos no
tempo, enredo e história.

O movimento no objecto, torna aquele que se movimenta a entidade


fundamental (o actante) na caracterização da informação na imagem
narrativa quadrimensional. Esta noção toma o texto como esquema
(script) ou espaço de acção, conforme os desenvolvimentos de
(Herman, Narrative Theory and the Cognitive Sciences, 2003). Por
exemplo, quando ouvimos a palavra ‘bosque’ instantaneamente
sabemos que a palavra está associada com árvores, caminhos, animais.
O esquema de memória, contém o desenvolvimento da narrativa no
tempo, com uma série de relações espaciais de natureza esquemática.
A similaridade entre estes esquemas de memória e o espaço-acção do

110
chronotope, reside na possibilidade de ligar o espaço-tempo com
conceitos de teoria literária como a intertextualidade, dando valor a
um conhecimento literário anterior. Para que isto aconteça, é
necessário estar presente alguma literacia, algum saber prévio. Em
Alberti, este saber prévio é criado na própria Narrativa, enquanto em
Holanda é referido como resultado das viagens exemplares. Em
qualquer caso, é necessário estar familiarizado com um repertório de
fórmulas imaginadas / imaginárias.

A partir de conceitos da intertextualidade, podemos dizer que as


diferentes acções de desenrolam de acordo com uma motivação, uma
situação (centradas numa acção em particular), com uma razão
teleológica (segundo um modelo, como com Cusa) e uma estrutura
retórica, um estereótipo, onde se aponta para outros exemplos feitos
por outros, mantendo a essência do desenvolvimento narrativo.

Neste desenvolvimento, o conceito de analogia é usado para explicar a


passagem de estruturas de um campo para outro, criando novo
conhecimento, uma ficção possível validada pelos processos
cognitivos empregues. Nestes processos, se as imagens narrativas são
representações mentais ordenadas através do tempo e do espaço,
então regem-se por leis e combinações dessas leis, o que permite
passar do conceito de narrativas para imagens narrativas, porque se
trata de um processo mental. Assim, os blocos narrativos, entidades
imaginárias diferentes de palavras ou frases, presentes na ordem
espacial e temporal são, na leitura de (Bakhtin, 1981) desenvolvida por
(Keunen, 2011) na leitura sobre a cultura narrativa, a própria relação
de espaço-tempo.

111
Neste processo reconstitutivo, importa perceber como se forma o
conteúdo. A forma, como estrutura modelada, definida por uma rede
de interrelações, tem sinónimos noutros termos como composição,
organização, articulação, arquitectónica, construção ou disposição. A
ligar estes termos está a noção de como um todo ordenado, ou seja
unidades narrativas interrelacionadas.

Quando falamos destas formas estruturantes presentes na narrativa,


importa referir que em Alberti, os espaços que intuímos não são
sempre igualmente concretos. Por oposição, a espacialidade de
imagens mentais é abstrata. Perceber uma sala, a percepção desse
espaço, ou uma transformação dessa sala em texto ou em desenho, é
completamente diferente de imaginar a sala. Neste aspecto, os
desenvolvimentos da psicologia cognitiva permitem-nos perceber que
mesmo as representações de objectos empíricos podem ser
imaginadas mentalmente de forma ambígua.

Um objecto imaginado, por um lado, é sempre construído pela


idiossincrasia de quem o imagina e nunca é igual à percepção visual
desse objecto, porque resulta de fenómenos de esquematismo (ritmos,
contrastes, materiais principais) operados pelo espírito (cérebro).
Assim, uma percepção real é diferente de uma denotação visual.
Quando pensamos num objecto, apenas criamos uma forma
esquemática que não é muito exacta. No nosso pensamento, um
rectângulo pode ser associado, representar, uma porta, janela, sala. A
imaginação habitualmente toma a parte pelo todo e dá um salto
significativo de, a partir de poucos segmentos significantes de um
objecto, permitir reconhecer e designar uma imagem. Em Alberti, este
fenómeno ilustrado com a utilização de letras.

112
Por outro lado, como a percepção de objectos é sempre esquemática,
oferece alguma liberdade interpretativa. As imagens mentais têm esta
característica, reduzem o real a uma forma esquemática e vaga,
podendo por isso ser eficazes na invenção ou na imaginação narrativa,
de objectos inexistentes ou impossíveis. As narrativas verbais tendem
a usar esta característica de esquematismo reducionista porque não
têm os meios de verbalização de objectos. Pelo contrário, as narrativas
visuais acrescentam características, adjectivas à narrativa original
(mítica) quando são objecto de leitura / interpretação dos seus meios
de visualização. Uma e outra forma narrativa recorre, por isso, à
sugestão no segundo caso e à analogia no primeiro caso, para gerar
indicadores espaciais que geram imagens espaciais nos leitores. Nestas
indicações incluem-se indicações geográficas, descrição de lugares
onde o enredo tem lugar, descrição extensiva para criar a ilusão de
espacialidade (perspectiva), fusão de objectos para representar uma
acção simultânea e, neste processo, o texto reduz a situação espacial a
uma estrutura.

Na estruturação da narrativa, o uso de figuras retóricas permite tornar


a ambiguidade do saber arquitectónico e de outros saberes úteis e
exteriores à arquitectura, num artifício prático que assegura o
ordenamento de particularidades. No texto de Alberti encontramos o
uso de figuras retóricas e o raciocínio através de analogias. Destas, o
uso de analogias é talvez aquela que é mais profícua quando se refere à
utilização de conhecimento diverso na concepção e realização
objectiva da edificação. A configuração do texto fica a dever às figuras
de retórica a sua forma. Com efeito, a figura retórica da analogia,
presente no texto, recupera a ideia formal da ‘arte de compor poeticamente’,
ideia construtiva de como o enredo deve ser construído e como se

113
introduzem outros elementos, abordado por (Aristóteles, Poética,
2011). Embora o texto não seja meramente formal, desenvolve-se
entre o formalismo das figuras retóricas e a mimesis. Desta forma, o
formalismo puro afasta-se do conteúdo semântico e procura o
domínio abstrato do conhecimento, aspectos e padrões, enquanto a
mimesis recupera os efeitos dos estímulos empíricos.

Esta abstração formal alcança-se, no que diz respeito a alguns padrões


arquitectónicos elementares, como o paralelismo e a gradação que
perdem a carga semântica. De igual forma, esquemas de escrita de
uma typotectura básica, emergem para um nível superior de abstração.
Contudo, alguns elementos formais mantêm a carga semântica
decorrente de um padrão de situação, da simultaneidade
objecto/observador, como por exemplo, equilíbrio, distância, porque
implicam a relação com o observador, com o objecto observado e o
resultado da visualização que envolve a cognição no processamento
de informação, logo ricos em carga semântica. Outro padrão possível
que consiste na sequência, diz respeito às transições e ligações entre
elementos adjacentes ou séries de sequências, especialmente
acontecimentos ou séries de acontecimentos, e está intimamente
relacionado com a ‘motivação’ de onde recolhem a justificação. Os
dois tipos de padrão definem assim uma primeira ordem de relação,
porque envolvem apenas um nível de relação, a primeira sobretudo
espacial enquanto a segunda é temporal.

Contudo, uma segunda ordem de padrões surge quando se


consideram as relações entre a ordem ‘natural’ (lógica, temporal, e
causal) e as ligações com elementos miméticos narrados e a ordem da
sua apresentação textual. Enquanto a primeira ordem, natural,

114
constitui a relação entre dois elementos, a segunda ordem envolve o
domínio discursivo do texto e a ambiguidade decorrente dos
elementos ausentes, e precisa por isso de ser reconstruída a partir da
ordem causal presente no texto. Neste sentido, o paralelismo bem
como a simetria (ou similaridade e contraste que permite a sua
identificação), a homologia de situações e ideias, como padrões de
simultaneidade, são colocados em destaque pelas metáforas,
metonímias e analogias. As metáforas, são baseadas numa analogia
não-literal, entre dois conceitos ou domínios conceptuais distintos.
São para o narrador, uma figura de discurso com um papel retórico
criativo que relaciona o discurso com o quotidiano. Contudo, o uso de
metáforas, tem ainda um papel estrutural relacionado com a
organização.

Assim, a metáfora envolve entender uma coisa em função de outra,


domínios cuja escolha revela a intencionalidade do narrador,
perspectivada para o melhor modo de entendimento. Em Alberti
encontramos este paralelismo em dois níveis: dentro da própria
narrativa, nas relações internas, e nas referências externas a outra
narrativa, de Vitrúvio, expressando uma analogia não literal, mas
similar no objecto, nos conceitos e nos descritores.

A metáfora que permite o entendimento dos diferentes, contrasta com


a metonímia que implica uma ligação figurativa e contígua entre dois
domínios de pensamento que são parte de um domínio conceptual
mais vasto. Neste sentido, a descrição de objectos e lugares
promovem, no domínio pragmático, as inferências por parte do leitor.

115
No último caso, de uma forma abstrata, as analogias são uma simples
correspondência entre as características de A e B, entre regras,
acontecimentos, enredos do grupo A que são equivalentes às regras
do grupo B. Assim as diferentes lógicas de A e B, os diferentes
enredos, desencadeiam uma resposta cognitiva nova, que envolve o
conhecimento prévio de A e a recepção de B, como se tratasse de uma
fórmula geométrica complexa. No texto de Alberti, a presença
recorrente da analogia com o corpo, serve este processo complexo, de
abtratização, para formular no texto a relação da parte com o todo.

Deste modo, as analogias na arquitectura, constituem um dispositivo


‘construtivo’, ao nível das figuras retóricas e da construção do enredo.
Estes dispositivos aplicados em pequenas quantidades assumem a sua
universalidade na distribuição, dando sentido à edificação como um
todo equilibrado.

Embora as três manifestações de homologia de situações e ideias,


sejam diferentes, permitem entender uma coisa a partir de outra, de
uma forma necessariamente pouco equivalente em termos de recepção
universal por parte de cada individuo. Cada um, activa na recepção,
domínios diferentes presentes na expressão da estrutura narrativa108.
Alguns autores, como (Jakobson, 1956), sugeriram que todos os
discursos oscilam entre a expressão com metáforas e metonímias,
originando o debate no seio do estruturalismo109.

108 Existe alguma evidência psicanalítica que sugere que quem interpreta, processa
metáforas linguísticas convencionais desta forma, mas não há evidência do
processamento de metáforas retóricas. Ver (Gibbs, 1994).
109 Para este autor, todas as narrativas se estruturam com base em metonímias.

116
Compreendemos assim que as analogias sejam determinantes na
recepção bem como na representação visual do espaço, porque se
revestem de formas metafóricas de espacialidade. A estrutura fluida
das analogias no texto permite que o autor e o leitor construam
sequências narrativas onde se diluem as fronteiras emissor/receptor.
No domínio análogo da arquitectura a construção destas sequências
narrativas só acontece quando o receptor se torna actante. No caso do
texto, as analogias negligenciam o papel dos sentidos proprioceptivos
e assumem que a estrutura faz sentido (Currie, 2010), dando lugar à
ficção e à criação mental das imagens. Por oposição, na edificação, é
através destes canais proprioceptivos que se constrói realmente, mas
sobretudo interiormente, a sequência narrativa que dá sentido à
construção vivida. É neste sentido que se estrutura a expressão
narrativa, na forma de recepção, ou de construção das acções próprias
da ficção narrativa. A forma de representação assume por isso um
papel determinante, entre a potenciação da criação mental de imagens
por parte dos leitores dotados de alguma legitimidade e de literacia, e a
acção sensível dos actantes.

É Francisco de Holanda quem escreve, ‘fazer com desenhos o que é


feito por palavras’, ou seja, enquadra o domínio mimético na
representação da criação. Nesta representação, procura a
desfamiliarização para, através desse artifício, alertar para a construção
mimética da narrativa artística.

A construção analógica da espacialidade no domínio da oralidade, ou


do texto, e da realidade, oscila entre os espaços-enredo tradicionais
(construídos com relações lineares) e os espaços-enredo modernos
(construídos em redes). Nestas duas formas, as analogias dependem

117
do carácter das relações diferentes. O mesmo é dizer, as narrativas
modernas colocam valor na incompletude, na imperfeição, enquanto
as narrativas tradicionais tendem para a estabilidade e por isso se
situam no polo oposto. Em Alberti encontramos a referência ao
corpo completo, em Holanda o que faz falta para completar a cidade.
Esta procura da completude sugere que a homogeneidade é uma
estratégia ficcional para reduzir a complexidade da realidade ao real
criado. Compreendemos assim, que os espaços do Renascimento
deixam o pendor medieval, hierarquizado, mundo estável, de que fala
(Foucault, L'archéologie du savoir, 1996) pp. 22, entre outros. Na
Renascença, este mundo estável é desconstruído, termina a visão do
mundo, geocêntrica e dá-se lugar ao antropocentrismo110. É esta visão
de ‘ser no mundo’ que dá corpo à narrativa onde se localizam relações
de interacção rizomáticas e se retira o simbolismo sagrado à espacialidade.
No que diz respeito ao tempo, o humanismo organiza as relações de
forma diversa: organiza unidades, momentos que se sucedem e reduz
o tempo a operações euclidianas, geométricas e aritméticas. Por
exemplo, um enredo em Aristóteles desenha uma linha de tempo
onde todos os elementos estão ligados harmoniosamente com o
momento final, de uma forma circular, enquanto, pelo contrário, um
enredo moderno é organizado em torno de momentos de crise,
resultado da modernidade no espaço do enredo, um novo conceito de
tempo, baseado na duração e na experiência temporal da duração
(conceito de tempo subjectivo). Neste, são relacionados múltiplos
momentos e nunca o absoluto, num encadeamento cuja duração

110 As visões do tempo mudam as visões da espacialidade. Por exemplo, o espaço


hierarquizado medieval está relacionado com uma visão do tempo escatológica, no olhar
do pensamento metafísico o tempo é um aspecto imutável da realidade, pode ser medido
e é essencialmente estático. Teve princípio mas não tem desenvolvimento.

118
implica a memória. Assim, a comparação com a experiência anterior, a
experiência analógica, e as impressões que nos deixaram, torna a nossa
memória a base do sentido do tempo – o presente é ‘colorido pelo
passado’.

Nesta visão do humanismo, na espacialidade introduz-se uma nova


visão sobre o lugar, os conflitos, e sobre o papel do homem neles. O
acto criativo liberta-se da relação causal para se propor de forma
intermitente, como várias existências do passado, da história trazida
para a acção na espacialidade criada. Para o criador, trata-se de uma
tradução do belo criado, da espacialidade que se manifesta igual em
Deus.

119
120
Capítulo 3

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Descrição dos resultados


Os resultados que se apresentam decorrem de leituras feitas nas
fontes, a partir do quadro conceptual, com o enquadramento do
conhecimento narrativo e os conceitos presentes nas narrativas, do
texto, às imagens e à arquitectura, de acordo com a ampliação
proposta pela filosofia das histórias. Nestes resultados incluem-se as
referências e anotações à estrutura do discurso narrativo, à forma do
discurso (incluindo uma referência breve da passagem do domínio
trágico ao épico), a denotação, as similaridades presentes nas
analogias, o delineamento, a temática da narrativa, as imagens
narrativas, o discurso ilustrado (com uma referência breve aos deuses
e a Deus), à rescrição da narrativa e, finalmente as edificações.

Estrutura do discurso narrativo


O propósito de Alberti é ‘escrever sobre o delineamento dos edifícios’
(livro I, cap. 1, pp. 145)111 fazendo a compilação e incluindo na obra
‘o que de melhor e mais belo foi escrito pelos maiores especialistas’
que precederam o autor e que deixaram nas obras o registo desses
escritos. Desta forma, a abrir o livro I, Alberti centra a fonte da sua
investigação no belo e útil deixado pelos antigos, mas acrescenta à
compilação narrativa o que descobre com o seu engenho, com a sua
investigação, com igual valor útil. Nesta escrita afirma o ‘desejo de ser

111 Neste capítulo, todas as referências relativas à narrativa de Alberti são extraídas da
tradução de (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 2011), pelo que para simplificação da
apresentção dos resultados, omitimos essa referência no texto.

121
absolutamente claro e na medida do possível, fácil e acessível’
enquanto explica qual a natureza daquilo que trata112.

Desde o início da narrativa se entende que a obra segue um plano, um


ordenamento de matérias que começa nos princípios e terminará no
ponto de partida (como veremos). A estrutura é patente nos indícios
do texto, como por exemplo na expressão no final do cap. 3, do livro
1, pp. 152: ‘sobre esta matéria discorreremos mais em pormenor em
seu lugar’113 .

O discurso de Alberti, entre a oratória majestosa e a poesia aprazível,


assume-se como uma metáfora da forma de construir. É proposto
como um saber que se pode construir. É estruturado a partir do
delineamento ou concepção da arte edificatória, que opera os
materiais reunidos especificamente de acordo com as condições locais
e adequados aos trabalhos que concorrem para a conclusão da obra e
a sua ornamentação (livro II, cap. 13, pp. 226). A abrir o livro III, cap.
1, sobre a construção, Alberti reforça que ‘Todo o saber da
construção de uma obra consiste e resume-se apenas no seguinte:
dispor os materiais ordenadamente e liga-los entre si com perícia (...) e
obter, a partir deles (...) uma estrutura inteira e coesa114. Para que esse

112 Alberti narrador assume o Eu tratadístico para sublinhar a importância da matéria do


delineamento que vai expor. E, enquanto explica e usa uma linguagem evocativa, torna o
discurso compreensível ao contrário do especialista da antiguidade, Vitrúvio, que
considera ininteligível (ver livro VI, cap. 1). Note-se contudo a contradição de Alberti ao
referir no livro 1, cap. 4 que não falará dos ‘fenómenos excepcionais das águas, que com
saber e elegância são coligidos por Vitrúvio, o arquitecto’.
113 Alberti refere-se à abordagem (sobre o sol e os ventos) que surgirá no livro IV, caps. 2 e
8; e ainda no livro V, caps. 14 e 17.
114 Alberti esclarece o conceito de ser inteiro e coeso com a harmonia na extensão das
linhas pp. 231.

122
uso de materiais seja coerente com a forma de execução, no discurso,
são dispostos ‘começando pelos alicerces’115 , seguindo-se
‘naturalmente’ as partes subsequentes116 .

A abordagem que Alberti faz dos assuntos que trata na narrativa,


divide e coloca em contraponto uma categoria com a sua contrária,
para de forma dialógica estabelecer o que é igual nas duas categorias e
o que é específico.

Na abertura da segunda parte da obra, livro VI, cap. 1, faz a sumula


dos assuntos tratados nos livros anteriores117: o ‘delineamento dos
materiais, das obras, da mão-de-obra operária e de tudo aquilo que
nos pareceu pertinente para a construção dos edifícios públicos e
privados, tanto sagrados como profanos, na medida em que fossem
aptos para suportar os maus tratos das intempéries e adequado cada
um deles aos seus usos em função da natureza dos lugares, dos climas,
das pessoas e das circunstâncias’. É assim, que de uma forma sintética
remata os assuntos que intervêm na concepção para a seguir tratar ao
longo de quatro livros, do ornamento118 das edificações, a mais nobre

115 Antes desta referencia, já no livro I, cap. 10, p. 173 Alberti diz: ‘A fim de começarmos,
digamos assim, pelas próprias raízes, coloquemos sob cada coluna os seus alicerces’,
reforçando a analogia com o mundo natural.
116 Este saber pode ser pesquisado, segundo Alberti, pela realidade dos factos, mas também
pode ser demonstrado usando a razão e o raciocínio, pp. 264. Distingue-se por isso de
uma ficção.
117 A primeira referência à estrutura da obra aparece no final de livro III, cap. 16, com a
proposta de tratar ‘das espécies de edifícios e sua variedade, e do que têm de específico; a
seguir, do ornamento dos edifícios; finalmente da correção e reparação dos seus defeitos’
pp. 278.
118 O temo ornamento (ornamentum, lat. Clássico) é polissémico e designa não só o
embelezamento, mas também as máquinas necessárias à edificação e outras questões

123
e necessária parte da narrativa119. Estes quatro livros apoem-se assim
aos quatro anteriores que tratam as temáticas referidas, da construção
em geral, a partir do conceito do delineamento. De notar que o último
livro, sobre o restauro das obras, sai desta sequência de matérias e
remata a obra como livro natural de matérias sujeitas à descoberta de
anomalias, erros e à passagem do tempo120.

Na forma de abordar os assuntos, as ideias organizam-se segundo uma


lógica decorrente de um conceito ou de uma descrição e do seu
contrário. Não raras vezes também se junta o intermédio. A dialogia
parece particularmente relevante para colocar uma característica face à
sua contrária, por vezes segundo uma leitura analógica. Assim, a
referência aos números tem os pares e os ímpares, a referência ao
processo e método para classificar edifícios (livro VI, cap. 4) tem
aquilo que os faz convergir e aquilo que os faz divergir121.

técnicas, bem como os processos para a atribuição de dignidade. Segundo nota do


tradutor pp. 373. Os ornamentos, cuja proposição Alberti desenvolve, abrangem todo o
campo da arte edificatória, desde os descritores ao género de edifícios.
119 A beleza do ornamento à qual se subordinam a matéria e a comodidade é uma
abordagem arquitectónica ao contrário da base arqueológica, dos antigos. Assume-se a
finalidade interventiva e prepositiva. É por esta razão que é dada importância e
equivalência entre ornamento e coluna, no Livro VI, cap. 13. Com efeito, Alberti refere
nesta parte que ‘o principal ornamento consiste sem dúvida nas colunas’ porque ‘mesmo
isoladas não são desagradáveis à vista’ e ‘ proporcionam dignidade’. Portanto, a
ornamentação consiste numa qualidade perscrutada pelos sentidos, a aprovação do que é
agradável, e tem a capacidade, por via dessa aprovação pelos sentidos, de serem
moralmente aceites, pp. 419
120 Há contudo algumas partes onde parece faltar estrutura à narrativa, por exemplo,
quando intercala assuntos não relacionados com o tema do livro, por exemplo no livro
VI ao abordar o ornamento intercala informação sobre mecanismos de elevação.
121 Os edifícios convergem nos descritores: região, área, compartimentação, parede,
cobertura, abertura; e divergem por uns serem sagrados, outros profanos, uns públicos,

124
No livro VI, cap. 4, aborda os aspectos que contribuem para
embelezar a área (planta)122, mas remete para que se consulte o que foi
tratado nos livros I e III. Esta remissão confirma o pensamento
estruturado na narração, pensamento que distribui os assuntos pela
obra e que os trata de forma clara e inteligível, útil, sem nada
acrescentar que possa comprometer a compreensão da narrativa sobre
a arte.

Contudo, logo a seguir, na abertura do cap. 5, retoma a


compartimentação, abordada no livro I, para clarificar a ideia de que o
principal ornamento é a ausência do que não é adequado123. Ou seja, a
compartimentação que siga a analogia do corpo animal, com os
membros articulados, onde as partes se harmonizem entre si.
Tratando-se de uma clarificação, assim registada na abertura do livro,
remete para a prática narrativa, para a memória dos assuntos tratados
com maior desenvolvimento e dá encadeamento ao discurso,
consequência, de forma que cada livro mantém a autonomia na
disciplina.

outros privados, uns destinados pela necessidade e outros pelo prazer. A convergência é
estrutural, ou seja na ossatura, enquanto a divergência reside na ornamentação. O
delineamento reúne as duas polaridades.
122 Como é o caso da delimitação do perímetro, do alteamento, aplanamento, consolidação.
123 Outras características do ornamento são a raridade, a elegância e a admiração que se
vota à edificação, ordenada, com proporções exactas. E, no limite último, tudo o que se
reduz ao número. Esta noção que apresenta características concretas, experimentadas e
um último nível a abstração da razão no número (transposto de qualidade para
denotação prescritiva). O número é assim um termo polissémico, referindo-se quer à
quantidade (aritmética), quer à qualidade (definida em termos filosóficos de Platão a
Pitágoras).

125
Na abertura do livro VII, somos confrontados com a referência à
estrutura do assunto tratado, o Ornamento, com as partes da arte
edificatória: a área (ou planta) e a cobertura, abordadas no livro VI,
que são comuns a todos os edifícios. Esta distinção serve para
introduzir outra parte que distingue os edifícios. É assim, desta forma
dialógica, que Alberti coloca o que é comum124, paradigmático, face ao
específico e para tal, altera o ponto de vista do discurso, ampliando-o
através do reforço da utilidade que terá, mesmo para pintores, para
todos os seguidores das coisas belas. Ao afirmar esta utilidade do
discurso sobre a arquitectura para a pintura, Alberti coloca as duas
artes em relação, não excluído a pintura da formação do arquitecto,
como faz no livro II, cap. 1. Note-se que esta relação entre as artes é
seguida por Holanda, muito antes do enunciado de Vasari.

A estrutura do texto em livros e capítulos permite a leitura


independente, embora a sequência seja mais compreensível. Esta
circunstância deriva das referências introdutórias de cada livro e de
cada capítulo, bem como o fecho de cada parte, como no fim do livro
I, pp. 185, ‘Até aqui tratamos do delineamento dos edifícios, tocámos
ao de leve naqueles aspectos que parecem aplicar-se a toda a obra em
geral, referindo todos os tipo de assuntos que era necessário abordar.
Agora devemos falar da obra e da construção dos edifícios. Mas antes
disso falaremos dos materiais e de tudo aquilo que é necessário ter
pronto para dar início à obra’. Ou, por exemplo, em expressões como
‘Mas volto ao meu propósito’ no livro VII, cap. 2, ou ‘Volto ao
assunto’ a abrir o cap. 4 do livro X. Esta forma é consentânea com

124 Noutras partes da narrativa, como por exemplo no livro V, cap. 2, Alberti estrutura o
pensamento sobre os assuntos falando ‘em primeiro lugar daquilo que lhes é comum e, a
seguir, daquilo que é peculiar a cada um’ pp. 320.

126
uma grande narrativa, ou seja , aquela que trata muitos assuntos
dentro da temática edificatória.

Outros exemplos são ‘mas destes aspectos trataremos em outro lugar’


no livro VII, cap. 3, quando se referia ao livro anterior, livro V, cap. 9.

No livro VII, cap. 7, retoma a temática da coluna abordada no livro


VI, cap. 13, sob outra perspectiva, igualmente útil. Serve desta forma
o intuito de ir clarificando e ligando conhecimentos ao longo da
narrativa, mantendo fios condutores. Dessa forma aceita-se a
inferência dos delineamentos de um âmbito para outro, pp. 454, ao
contrário de se deduzir das leis gerais para o particular. O salto do
conhecimento, dessa forma, ultrapassa a razão lógica assumindo novas
lógicas para um âmbito diferente.

No livro IX, cap. 8, promete fazer um epílogo para a narrativa, o que


sugere que o livro X conhecido não seria o último previsto no plano.

No último livro da narrativa, livro X, Alberti inicia a exposição dos


assuntos com a referência ao princípio das coisas, a água, segundo a
autoridade de Tales de Mileto (c. 624-546 a. C.) e remata o tratado
voltando ao princípio125. No final do cap. 6, resume e conclui o
capítulo com a referência ao que foi aflorado no livro I, cap. 4, pp.
648, reforçando assim a circularidade e a estrutura da narrativa.

Contudo o último parágrafo da narrativa não conclui a história nem


remete para qualquer continuidade, pelo que se supõe que: a obra

125 O desenho em arco está relacionado com a forma narrativa, criando a circularidade dos
conceitos e dos assuntos tratados. De acordo com o tradutor, o elevado número de
lacunas, e a falta de referência, neste livro, sugere que se trata de uma obra incompleta.

127
estaria destinada a ser continuada; ou foi proposta como um conjunto
de livros de leitura independente, já que as referências internas
permitem a apreensão do conjunto.

Forma do discurso
No final do livro II, cap. 1, Alberti dirige-se directamente ao
arquitecto / ouvinte126 , com um pedido: ‘quando o aspecto da obra e
o projecto te agradarem inteiramente, a ti e aos outros peritos, (...)
aconselho-te a que não te apresses , (...) a dar início à obra, (...) mas se
me deres ouvidos, aguardarás algum tempo até que a aprovação
recente do teu engenho arrefeça, (...)’127 . esta passagem identifica que
o destinatário da narrativa é o arquitecto que se movimenta entre a
criatividade da invenção e os argumentos da razão128. Para além da
intervenção deste na edificação, Alberti introduz outro agente. O
tempo, tem também um contributo decisivo, constitui uma dimensão
operativa na medida em que converte a invenção delineada em
materialização para concretizar a obra.

No desenvolvimento da narrativa sobre a arte edificatória, Alberti que


se propõe narrar sem recurso a desenhos, encontra a dificuldade de
não existirem palavras que permitam que o seu discurso seja claro e

126 Ao dirigir-se ao ouvinte, o Eu arquitecto, fala elevando o ouvinte a arquitecto. Esta


noção é perceptível pelo uso de verbos que colocam lado a lado o autor com o ouvinte,
como por exemplo: ‘então usaremos os processos’ (livro X, cap. 11, pp. 670).
127 Pp. 190.
128 Já no final do cap. 2, Alberti conclui com uma nota ética, que o arquitecto deverá ter
presente e o que pretende fazer (edificar), o quê e onde o deve fazer e, talvez mais
importante, quem é o criador que vai empreender esta tarefa de dispor todos os aspectos
segundo a sua importância e utilização, com prudência e sensatez, pp. 194. Este
posicionamento tem como objetivo, que o executante desta arte liberal seja admirado e
imitado (livro II, cap. 3)

128
exacto. Por isso, terá que ‘forjar nomes para ser fácil e mais claro
possível’, livro III, cap. 104, pp. 266. A inteligibilidade do texto
dependerá assim dos termos inventados quando não existam termos
exactos para expressar o pensamento129.

No início da segunda parte da narrativa, no livro VI, coloca o


ouvinte/leitor perante a sua própria dúvida: ‘prosseguir ou antes
interromper?’ os estudos sobre a arte edificatória. E, logo a seguir
valoriza o ‘amor por esta obra e afeição aos estudos’, o engenho e a
diligência que legitimam que prossiga com a narrativa, de forma a
livrar da morte este saber. É desta forma que Alberti recolhe a
simpatia do leitor e a própria valorização do seu trabalho na narrativa,
na investigação das obras antigas. E para a investigação das centelhas
de valor das obras antigas, observa, mede, desenha para compreender
em profundidade. Examina, dispõe os elementos em ordem adequada,
trata-os com linguagem cuidada e expõe os temas segundo um
método certo. É através da escrita fácil e não retórica130 (eloquente),
para ser lido e entendido (em latim), como o próprio afirma, que se
expressa a sua investigação sobre a arquitectura. E, como podemos ler
no inicio do livro V, cap. 1, ao abordar um assunto ‘tão multifacetado,
vasto e difícil de expor, envidaremos todos os esforços, quanto o
permitir o nosso engenho e arte, para que entendas que eu pretendi
nada omitir do que alguém possa desejar como adequado ao assunto e

129 Esta proposta afasta-se criticamente do texto de Vitrúvio quer era considerado pouco
claro.
130 Contudo, veja-se que o discurso, originário de uma forma de oralidade, mantém figuras
de estilo que combinadas apresentam um resultado retórico, por exemplo a metáfora e
metonímia que rematam o parágrafo ‘A Germânia brilha com as suas telhas vidradas’ no
livro VI, cap. 11, pp. 413

129
nada acrescentar que contribua mais para enfeitar o discurso, do que
para levar a cabo o nosso propósito’, reflectindo assim o propósito de
ser claro e económico, segundo uma forma retórica131, onde é
‘suficiente o que foi dito’132 .

Ao longo da obra, Alberti faz referência aos textos de outras


autoridades do campo da filosofia, como Platão e Aristóteles, e narra
episódios da antiguidade, alguns fundados na realidade histórica e
outros de carácter mítico, trazendo os deuses dos Antigos para o
presente. Mas assume, no livro VI, cap. 4, que as narrativas históricas
e míticas são para ‘divertir o leitor’.

No início do livro VII, cap. 1, Alberti dialoga com o leitor, pedindo-


lhe a aprovação para que ao discorrer sobre novos princípios que
distinguem os edifícios, lhe seja permitida a mudança de critérios, já
que é necessária a descrição, para atingir a denotação, ou seja uma
ordem adequada e explícita. Com este pedido formulado à semelhança
de um diálogo platónico, o leitor torna-se cúmplice da mudança de
critérios porque implicitamente, aprova o pedido e legitima a mudança
de critérios.

Nalguns temas deixa mesmo a narrativa em aberto referindo que deixa


a questão ‘ao juízo de outros’ livro VII, cap. 13 pp. 485.

No geral, o discurso tem episódios destinados a recrear o espírito e a


intercalar a denotação de noções e regras. Nessa situação cumprem a
função de artifícios que sustentam a memória da narrativa, são

131 Alberti assume a assertividade do discurso com expressões a fechar os capítulos, como
por exemplo ‘E sobre isto é quanto basta’, no livro III, cap. 5.
132 Pp. 660.

130
construtores de memória e são eles próprios memoráveis. No livro
IX, cap. 1, Alberti apresenta várias referências a casas sumptuosas e
outras que fogem desse fausto. E, para mudar o discurso, pergunta ao
ouvinte ‘A que propósito vem tudo isto?’ a seguir dá a resposta ‘ A
fim de que, com o exemplo deles eu fundamente aquilo mesmo que
em outro lugar dissemos: que agrade aquilo que é à medida da
dignidade de cada um’. Alberti retoma assim o sentido da
conveniência e proporcionalidade133 que fundamentam a arte
edificatória, narrada e validada pelo exemplo credível e suficiente.

Mas, nem todas as referências são dignas de aprovação, por isso


Alberti pede que lhe seja permitido não acreditar em tudo o que dizem
os historiadores gregos, dos episódios que descrevia antes no livro
VIII, cap. 6.

Alberti faz a sumula do cap. 9 do livro VIII, p. 567, recordando os


assuntos abordados para que nada fique esquecido. Embora a sumula
não tenha carácter arquitectónico, é útil para a forma narrativa do
discurso e dirige-se assim directamente aos leitores e aos ouvintes, à
semelhança de um diálogo platónico.

De igual modo, no livro IX, cap. 11 reserva o último parágrafo para a


sumula e para a interjeição ao leitor (já educado) para que favoreça os
estudos que se seguem sobre o restauro das obras.

Ao rematar o tratado no livro X, Alberti intensifica a utilização de


metáforas literárias para tornar o texto sobre o restauro das obras,
sobretudo centrado nos problemas de hidráulica, mais persuasivo e

133 Como no livro V, cap. 14

131
apelativo. É também ao longo deste livro que Alberti refere algumas
vezes que tratará de alguns assuntos noutro lugar, remetendo assim
para outras obras, assuntos fora da narrativa generativa da arte
edificatória.

Alberti personifica a arte edificatória, no livro VI, cap. 3, como um


organismo vivo percebido nos edifícios da Antiguidade, que ‘difundiu’
a sua ‘juventude’ na Ásia, ‘floresceu’ na Grécia e atingiu a ‘maturidade’
em Itália. É este crescimento para a maioridade que torna a teoria dos
antigos modelar, recebe reconhecimento e admiração, porque se
constata uma arte digna de louvor, com edifícios úteis (uns) que
merecem aprovação quando as partes se conjugam segundo a
semelhança ou segundo a dissemelhança134 . A analogia que se
estabelece com um ser vivo percorre a narrativa, a arquitectura tenta
ser conforme um ser vivo, aprovando-se a conformidade dos seus
membros, segundo princípios de sobriedade e segundo a beleza135 em
que nenhuma parte poderia ser excluída.

Alberti desenvolve no livro VII, cap. I, a metáfora da cidade


equivalente a um navio em mar alto136. Esta equivalência serve para
prevenir que a cidade, está sujeita aos infortúnios e exposta aos
perigos. Estes perigos resultam da vida humana trágica, de conflitos e
interesses individuais. Por isso, à semelhança dos Antigos, para
atender às coisas dos homens, Alberti dá o salto interpretativo

134 Esta leitura dialógica coloca o que é aprovável em contraponto ao que não é, porque
não respeita os mesmos preceitos.
135 Decorrente de proporções musicais e matemáticas fixas (livro IX, cap. 6).
136 Antes desta referência, encontramos no livro IV, cap. 3, a analogia da cidade com um
navio: ‘dizem os Antigos que a cidade, tal como o navio, não deve ser tão grande que
baloice quando vazia, ou não tenha espaço suficiente quando cheia’ pp. 293.

132
referindo que é necessário colocar heróis, sábios, protectores,
personificados em muralhas. Esta passagem do trágico ao épico é
coerente com a passagem narrativa do conhecimento idiossincrático,
do plural, ao conhecimento para-científico, ao singular, que assume a
certeza e a segurança do argumento sobre a protecção das cidades
com muralhas.

Denotação
O discurso de Alberti dirige-se à totalidade do assunto137. Toma a arte
edificatória no seu todo e define-a composta de delineamento e
construção (livro I, cap. 1, pp. 145). Especifica que a função e razão
de ser do delineamento se resume ‘em encontrar um processo, exacto
e perfeito138, de ajustar e unir entre si linhas e ângulos139, afim de que,
por meio daquelas e destes, se possa delimitar e definir a forma do
edifício’ (livro I, cap. 1, pp. 145). Deste modo para cumprir essa
função e objectivo (do processo), o delineamento prescreve aos
edifícios e às suas partes140 a localização, proporção, escala e
distribuição141 de tal modo que a atribuição de forma do edifício
decorra do próprio delineamento. Como Alberti refere, o
delineamento não depende da matéria, já que verificamos em vários

137 Desde o início, o discurso engloba todo o saber projectivo necessário à arte edificatória.
138 Com qualidades de clareza e ao qual nada mais se possa acrescentar.
139 Redução geométrica da realidade construída. Tudo pode ser descrito, no domínio da
materialização, com recurso a linhas (rectas, segmentos, curvas e composições) e ângulos
entre as linhas: ‘Todo o traçado consta de linhas e ângulos’, livro I, cap. 7, pp. 164.
140 Assume desde o início que nada fica de fora da prescrição, e que a parte o todo fazem
parte do mesmo corpo, de forma indissociável.
141 Corresponde aos conceitos de ‘collocatio’, de ‘numerus’ e de ‘finitio’, que contribuem
para a ‘concinnitas’ do todo, de acordo com a nota do tradutor, ver livro XI, caps. 5 e 6.

133
edifícios a existência das mesmas linhas e ângulos. É portanto uma
concepção imaterial, mental, já que projectamos ‘mentalmente todas
as formas, independentemente de qualquer matéria’142, através da
imaginação e intelecto cultivado (livro I, cap. 1, pp. 146).

O acto da imaginação não se afasta, contudo da uma noção mítica e


utilitária da edificação, conforme lemos no início do cap. 2 do livro 1,
pp. 146. É esta noção que gera o paradigma da edificação com
cobertura que protege do sol e da chuva143, com paredes laterais onde
assentam as coberturas, e com passagens abertas nas paredes para
procurar a luz e ar que a cobertura protege144 . Desta origem deduz
que a edificação é composta por seis partes: ‘a região, a área, a
compartimentação, a parede, a cobertura, a abertura’, livro I, cap. 2,
pp. 147, que define como princípios que devem ser reconhecidos
desde o início da narrativa.

No livro II, cap. 1, ao abordar a materialização das edificações, Alberti


recorre a uma interpretação da razão da construção de acordo com o
seu uso. Assim, volta ao paradigma da cobertura como o primeiro
elemento que se relaciona com o uso com o repouso e, a partir desse

142 Esta projecção mental é registada em desenhos que pre-definem ângulos e linhas com
orientação e conexões exactas. ou seja, os desenhos dão a compreender o acto
imaginativo da concepção.
143 ‘A utilidade da cobertura é a primeira e a maior de todas as vantagens’, livro I, cap. 11,
pp. 176.
144 Como Alberti refere, ‘na minha opinião foram estes os inícios da construção dos
primeiros edifícios e os seus primeiros ordenamentos’. Livro I, cap. 2, pp. 147, ou seja,
edifícios que buscavam o cumprimento das necessidades e visavam a utilidade.

134
se constrói o paradigma da parede, com todos os elementos, bem
como do pavimento, se relacionam com a cobertura145.

Ao abordar a construção no livro III, cap. 4, como no cap. 15,


introduz o conhecimento parcelar, prévio, escreve como se nada
soubesse e procura exemplos cuidados (em Plínio, Vitrúvio),
conselhos dos antigos, para expressar como foi feito e concluir como
se fará146 .

A expressão prescritiva é proposta a partir de conhecimento antigo


não demonstrado. No livro III, cap. 11, pp. 257, embora a narrativa
não esteja na conclusão, refere ‘à maneira de epílogo’ uma lei147 que
deve ser respeitada como um oráculo, e que deve ser aceite como um
dogma. Esta lei apresenta a totalidade das prescrições sobre a
construção de paramentos, ao longo de um período apenas.

145 ‘Na verdade, se interpreto bem, a cobertura foi para os seres humanos o primeiro de
todos os elementos do edifício que tinha a ver com a sua utilização, ou seja, o repouso;
de tal maneira que não há quem negue que tanto a parede e tudo o que se relaciona com
ela, como ainda tudo o que está construído sob o solo, foram inventados em função das
coberturas’ pp. 190.
146 Neste desenvolvimento surgem intercalados episódios e ‘anedotas’ destinados a manter
o interesse do leitor e a recolher a validação do saber apresentado, que advoga melhores
métodos.
147 ‘assenta o muro numa base solidíssima; coloca as partes de cima de modo a
corresponderem perpendicularmente ao meio das partes de baixo; reforça os cunhais e a
ossatura dos muros, desde o chão até acima, com pedra mais resistente; amolece bem a
cal; não coloques pedra na obra que não seja húmida, às agressões mais nocivas
contrapõe pedra mais rija; constrói a alvenaria com régua, nível e prumo; faz com que o
meio das pedras colocadas a seguir assente nas juntas das precedentes; expõe as pedras
inteiras nos paramentos, com as partidas enche o interior do muro, une as fiadas de cada
paramento, fazendo passar pelo meio do muro frequentes ligamentos de pedra’.

135
Para que a edificação seja aprovada, deverá ser bela, ou seja, concebida
e edificada em concinidade, como se refere no livro VI, cap. 2,
segundo critérios racionais, que procuram aquela qualidade de beleza
ou ornamento construído que se procura equiparar à beleza inata que
persegue148. Alberti contraria aqui a variação e mudança de qualquer
edificação sem estar vinculada a preceitos das artes. Alberti tenta
eliminar a falta de preceitos (e pré-conceitos) para a obtenção da tão
procurada beleza nas artes, seguindo a analogia com o mundo natural
(os princípios a partir dos quais evoluíram as artes, e com que
alimentos cresceram)149.

As referências aos antigos e a episódios (como as edificações em


expedições, livro VII, cap. 16 pp. 500, ou a referência a Plutarco, livro
X, cap. 3, pp. 634), que para Alberti merecem a maior memória150,
constroem o discurso de forma apelativa e cativante. Estas pequenas
narrativas151, intercalam as denotações, descrições de desenhos que
são contados152. A justificação surge no livro III, cap. 2, ‘Não seria

148 Note-se que para além do ornamento que persegue o belo absoluto, há uma categoria
operativa que é contrária ao absoluto, a variedade referida no livro I, cap. 8, p. 265.
149 Tendo por mãe de todas as artes o acaso e a observação, e como discípulos a prática e a
experiência, que cresceram com o conhecimento e o raciocínio. Esta perspectiva valoriza
a ciência na passagem do empirismo à razão dedutiva.
150 Pelos aspectos virtuosos pp. 501 que asseguram a memória heróica e porque como
Alberti refere, livro VI, cap. 12, ‘Aprendi nas obras dos Antigos’ pp. 416.
151 Contadas em primeira pessoa, com expressões como ‘Dei-me conta de que...’ Livro X,
cap. 4, logo seguida de ‘E descobrirás’, por exemplo, são validadas pela autoridade de
autores antigos, com a expressão ‘Plínio refere...’ que apoiam assim a experiência
empírica do ‘Eu’ que narra e noutras partes, justifica o mito presente na história.
152 Alberti justifica-se no livro VI, cap. 7, como mensageiro que trás novidades, que à
semelhança de Mercúrio tido por divino porque sem qualquer gesto com a mão (sem
desenho), mas apenas por palavras exprimia e era compreendido, usa a palavra apenas

136
fácil explicar exactamente, só por palavras, de que modo se devem
traçar os ângulos, porque o método de os determinar, deduzido da
matemática, necessita ser exemplificado com desenhos; tema este
alheio ao nosso propósito’. Assim, Alberti desenha por palavras, de
forma clara e concisa, de forma que o leitor ‘visualiza’ o que é descrito
e imagina a narrativa que se desenvolve nessa descrição, no cenário
criado, através do ‘input’ das pequenas narrativas sobre essas
denotações. Por exemplo, no livro VII, cap. 4, sobre a forma dos
templos e as formas da natureza, com as quais se estabelecem relações
analógicas.

Por outro lado, descreve a geometria com acuidade, de forma a não


deixar dúvidas sobre o ‘desenho’, como lemos no livro VI, cap. 13, na
descrição de uma coluna com características análogas a uma parte do
corpo153, ‘O eixo é uma linha recta que passa pela medula da coluna e
vai desde o centro do círculo superior até ao centro do círculo
inferior: esta mesma linha chama-se mediatriz da coluna’. Ou como
lemos no livro VII, cap. 4, a propósito dos ângulos e da inscrição no
círculo154. As expressões ‘é óbvio de que modo podes construir um

para se exprimir pp. 396-397. Na passagem onde se justifica, apela ao leitor, alterando
para isso a forma do discurso do ‘eu’ tratadístico, singular, para o plural, sugerindo uma
perda de importância do autor face aos exemplos que refere. Este ponto de vista é
reforçado pela escolha do posicionamento, concreto em vez de abstrato, ‘por falar (...)
não como matemático mas como operário e não mais do que o estritamente necessário’
pp. 397.
153 Com medula, barriga pp. 420-421.
154 Há contudo pouco casos onde a descrição é uma simplificação que se reporta a uma
forma de desenhar e não à realidade. Por exemplo no livro VI, cap. 7, refere que ‘As
rodas são, em muitos aspectos semelhantes aos rolos; pois exercem pressão na
perpendicular sobre um único ponto’ pp. 396. Esta descrição remete para um desenho

137
quadrângulo(...)’ reforçam a pragmática dessa descrição e a sua
aplicabilidade. Em todos os casos as descrições como uma gramática
da forma, evoluem do geral para o particular de forma a tornar-se
generativas do global.

Para igual clareza invoca os símbolos abstratos, as letras, para


descrições claras e precisas, Π (pi grego) (livro III, cap. 13), O e C
(livro V, cap. 1), Δ (delta grego), X (livro VI, cap. 8), esta última
análoga à ‘tenaz’ de um caranguejo, S.

No livro VII, cap. 7, retoma as letras para de forma clara definir a


forma das molduras. Cada moldura imita uma letra (L, C e S) e
ligando as letras obtém-se o perfil, por exemplo da rudentura, tal
como o gaveto que liga as mesmas letras de forma invertida, ou a
onda (designação análoga ao desenho obtido).

Esta aproximação ao desenho assume a economia dos meios para


chegar ao processo de comunicação mais claro, breve e conciso
possível. Para da escrita esquemática à pictografia que assegura que
nesses pormenores ‘ínfimos’ não existe perda de informação na
narrativa como aconteceria num desenho.

Ao longo do texto Alberti dá indicações sobre como se aplicam as leis.


E faz essa indicação com verbos de acção que asseguram a
performatividade desse conhecimento. Por exemplo p. 454 a
propósito da forma de construção de um capitel jónico (faremos,
divide darás, deixa-os, traça...), ou no livro X, cap. 3, pp. 635

plano adequado à descrição matemática daquilo que constitui a característica básica da


forma, mas não reflete plenamente a realidade da semelhança a um cilindro.

138
(afirmam, dizem, descreve); cap. 11, pp. 669-670, (faz, ensambla e
prende, coloca, espeta, aglutina-as, liga-as).

Num plano mais abstracto, o número, pela forma como é expresso,


representa uma qualidade, Alberti refere-se aos números das medidas,
às proporções e não às medidas concretas.

Similaridades
Na narrativa ocorrem transferências de características de uma
concepção para outra. O conhecimento prévio do primeiro termo,
determinado, e aprovado transita assim para o segundo termo, mesmo
que a relação não tenha semelhança e não seja lógica. Esta
transferência assume a forma de uma metodologia155 como Alberti
esclarece: ‘’Em suma, todos os fenómenos (...) devem ser submetidos
a uma observação prolongada e confrontados com casos análogos de
outros lugares, com o objectivo de se poder dispor de uma
informação completa’, livro 1, cap. 5, pp. 160.

Há uma analogia que preside a todas as que se seguem – a natureza156.


Alberti adverte que não se deve empreender nenhuma tarefa superior
às forças, nem em desacordo com a natureza, livro II, cap. 2. Desta
forma, toda a invenção157 e razão naturante devem andar em

155 Repetidamente, deve-se investigar, estudar, medir e comparar, tirar de um para o outro,
perscrutar os indícios da natureza para que se retire tudo o que possa ser útil, pp. 160-
161, já que é obrigação ética ‘de um homem sábio e reflectido nada omitir’, pp. 162.
156 Na expressão de maravilha que Alberti expressa no livro V, cap. 17, pp. 368, ‘São
extraordinários os ensinamentos da natureza (...) Penso que devemos obedecer aos bons
ensinamentos da natureza’.
157 Até ao final da narrativa, define o papel do arquitecto como estudioso, atento à natureza,
para cumprir a função de inventor, de uma invenção que cria beleza. Veja-se livro X, cap
8, pp. 658.

139
consonância com a natureza natural e, ser-lhe análoga, na
compreensão dos princípios e regras e estar em ‘perfeita harmonia
com a natureza’ pp. 191.158

Na relação com a natureza natural, Alberti propõe a analogia da


edificação com o corpo, e o corpo-completo, ou seja análogo ao
corpo animal estruturado desde os membros ou ossatura, ligamentos e
preenchimentos, à pele. Esta analogia percorre a narrativa para ligar
categorias disciplinares diferentes. Reflete-se assim a concepção
estrutural da arte edificatória, legível na adopção de categorias
idênticas para diferentes sistemas e elementos construtivos159. Da
mesma forma, aproxima o corpo animal e o corpo humano, dos quais
se fazem inferências para as obras. Alberti esclarece, ‘É também de
toda a conveniência conjecturar qual será a compleição dos seres
humanos a partir do aspecto e aparência dos outros animais. Pois se
virem que aí os animais são robustos, e os seus membros de grande
tamanho e bem desenvolvidos, poderão justamente esperar vir a ter
filhos igualmente bem constituídos’, livro I, cap. 5, pp. 158.

É no âmbito desta analogia que surge também pela primeira vez, uma
analogia interna de relação entre o todo e as partes, ‘Daí segue-se que
o corpo do edifício, no seu conjunto, seja composto por edifícios
menores, que são como que os seus membros, unidos e articulados

158 Note-se que esta equivalência entre a criação e o criado assume-se também na inversão
que se observa na personificação que, por exemplo, os materiais revelam. A pedra, por
exemplo, deve ser extraída de forma a habituar-se, pouco a pouco, ao vento, à geada, à
chuva, e a outros ataques da intempérie, a que não está habituada. pp. 210. Veja-se
também a referência à compactação dos pavimentos como acontece no solo natural, pp.
276.
159 Livro I, cap. 2, cap. 9, Livro III, cap.12, pp. 258, Livro VII, cap. 5.

140
entre si’, livro I, cap. 2, pp. 147. São estas partes que se relacionam
pelo delineamento para que cada partes seja adequada ao uso, sólida,
firme e durável para além de bela, elegante e harmoniosa160 . E, no cap.
7, de novo, retoma-se a analogia interna da área pela região, atribuindo
ao descritor menor a regras do maior, como se fossem da mesma
família conceptual, e no cap. 12 refere que ‘As portas devem imitar as
janelas’; no cap. 12, pp. 182 ‘a abertura de nichos (...) imitando as
janelas da sua ordem’, tornando as formas antecedentes e as
subsequentes relacionadas pela mesma lógica. Mas, também no
traçado das linhas ‘a linha curva, que dissemos ser parte da
circunferência, aqui entre nós, os arquitectos, se chama arco, por
analogia. E, também por analogia, a linha recta que une dois pontos
extremos será chamada corda. E a linha que, com ângulos iguais de
ambos os lados, vai do meio da corda até ao arco chamar-se-á flecha
(...)’, livro I, cap. 7, pp. 164.

A analogia com o corpo esclarece-se na expressão: ‘assim como


convém que , num ser vivo, haja proporção entre os seus membros,
assim também, num edifício, deve suceder o mesmo entre as várias
partes’, livro I, cap. 9, pp. 170, segundo princípios de similitude entre
as partes e o todo, seguindo a moderação da natureza. É também
nesta analogia do corpo-completo que se inscrevem as recomendações
patentes no livro III, cap. 10, pp. 255, sobre a construção de muros:
‘A estas recomendações acrescenta que, durante a construção, em
cada sítio onde alguém possa desejar novas aberturas no edifício para
usos e prazeres diversos, se deve inserir no corpo do muro um arco,

160 Esta nota que aparece no final do cap. 2, reporta-se à tríade vitruviana de ‘firmitas,
utilitas et venustas’, Vitruvio (I, 3, 2).

141
para que depois, sendo ele aí rasgado, possa ter o arco como base de
sustentação segura e com ele nascida. (...) Em verdade nunca
conseguiremos fazer acrescentos às construções antigas, sem que
tendam a separar-se mutuamente; e escusado será dizer que o muro,
debilitado por essa cicatriz, fica em vias de ruir’. E já no final do
capítulo, pp. 262, adverte que as ligações entre os ossos devem ser
consolidadas com nervos e ligamentos, de modo a haver uma
sequência, para que mesmo que a obra esteja incompleta, a obra se
mantenha de pé, com os seus pontos de apoio.

No livro III, cap. 12, pp. 261, a adopção de categorias idênticas em


elementos construtivos diferentes, reflete-se também na analogia
interna entre as madeira e a pedra, no que diz respeito à selecção e
utilização de materiais161. Reflete-se ainda que na construção com
arcos os lados devem ser análogos, ou seja a analogia interna
especifica-se no sentido da simetria162 , pp. 265, ou ligação simétrica
cujas conexões de juntas se orientam para o centro163 .

A analogia com o corpo completo especifica-se com o corpo animal


completo. Na descrição da construção de espaços abobadados ou
naves, Alberti elabora a descrição do espaço à semelhança de um
corpo com aduelas / costelas, com pés em número par, com dorso /
espinha dorsal da simetria (livro III, cap. 13, pp. 264).

161 Esta analogia não permite identificar a especificidade de cada material, pelo que se revela
uma proposta sincrética.
162 ‘Devem ainda ser iguais entre si, de tal modo que, como na balança, as partes da direita
correspondam às da esquerda, na forma, tamanho, peso e outros aspectos idênticos’, pp.
265.
163 Como por exemplo na chave dos arcos, como empregaram ‘os bons arquitectos’, pp.
266-267.

142
De igual forma, estabelece no livro III, cap. 14, pp. 268, a analogia do
corpo completo entre a construção de abóbadas e os muros: ‘Dos
ossos dos muros, elevar-se-ão ossos inteiros até ao fecho da abóbada’.
Assume contudo as diferenças na repetição: ‘Estender-se-ão, todavia,
ligamentos entre os ossos, e os complementos intermédios serão
preenchidos com enchimento’ e, na construção, ao contrário da
composição com linhas direitas no muro, na abóbada as juntas das
pedras serão dirigidas para o centro do arco164.

No livro V, cap. 2, é retomada a analogia entre a casa e a cidade, já


abordada no livro I, cap. 9165 e repetida no livro V, cap. 5 e 14. Para a
compreensão da casa e da cidade, Alberti faz equivaler ao fórum e
praças da cidade, o átrio, salão e outras divisões similares na casa,
onde se reflita a concinidade do delineamento, de forma a cumprir a
dignidade, bem estar e prazer dos habitantes166. No início do cap. 10, a
analogia muda de escala e género, os acampamentos que são como
cidades167 , são comparados, são análogos aos alfobres semeados no
mundo natural. São por isso geradores de cidade que segundo os
exemplos apresentados, regista que há cidades instaladas sobre

164 ‘por toda a abóbada, seja de que tipo for, imitaremos a natureza, que não só juntou os
ossos uns aos outros, como também entreteceu as próprias carnes com os nervos,
intercalados em ligação por todas as direções, ao comprido, ao largo, ao alto e em
oblíquo’ pp. 270.
165 ‘Ora se a cidade é, na opinião dos filósofos, uma casa em ponto grande e, inversamente,
a casa é uma cidade em ponto pequeno, porque não se há-de dizer que as partes mais
pequenas das casas são habitações em ponto pequeno?’ pp. 170.
166 São frequentes as analogias entre o muito grande e muito pequeno, como
cidade/cidadela e navios, ou templos e capelas, como por exemplo no livro V, cap. 6;
conventos e mosteiros semelhantes na organização a residências particulares (cap. 7),
167 ‘o acampamento é, para toda a região subjacente e dele dependente, algo semelhante ao
que é a cidadela para a cidade, a qual deve ter um acesso próximo’ pp. 340.

143
acampamentos militares, com ruas e alinhamentos que derivam dessa
organização. O temporário torna-se gerador da perenidade da cidade,
porque embora servindo objectivos diferentes, é constituído com
regras análogas. E, no que diz respeito à construção é necessário ‘ter
em conta quase tudo aquilo que se aplica à construção da cidade: ser
muito salubre, possuir as oportunidades, oferecer as comodidades que
contribuam para se viver em paz, tranquilidade e fausto’.

No livro V, cap. 12, a analogia com a natureza é ampliada a outros


saberes. Neste capitulo Alberti refere que a arte edificatória, no âmbito
do conhecimento teórico, pode ajudar na construção de barcos e
portos (pp. 346). E, logo a seguir, refere ‘Para construir navios, os
antigos arquitectos forma buscar aos peixes os delineamentos, de tal
forma que aquilo que no peixe é o dorso, no navio é a carena, o que
para aquele é a cabeça, para este é a proa; e em lugar da cauda, o leme,
e em vez dos remos as barbatanas e as alículas168.

Inscrevem-se nesta prática de transferência de conhecimento, por


exemplo a passagem das características do descritor região para a área
(livro VI, cap. 4): ‘tudo aquilo que contribui para o ornamento da
região embelezará também a área, uma vez que esta é uma quota-parte
da região’. A passagem contrária não ocorre na narrativa, o que
reforça a arte concebida, delineada como um todo completo, do geral
para o particular, como ordenamento de particularidades e não a soma
de partes.

168 Esta analogia é equivalente à do edifício-corpo, mas o que nesta é estrutural, na relação
peixe-navio é formal.

144
No início do cap. 5 regista a analogia do corpo, reflectindo sobre a
parte e o todo169. Com efeito, define a ornamentação pela negativa,
como a ausência de tudo o que não é adequado, à semelhança de um
corpo que é articulado, proporcionado, com partes concordantes,
todas delimitadas segundo a sua natureza e a utilidade, distribuídas
com ordem, número170, tamanho e posição. Para que a
compartimentação da obra seja adequada será pois necessário que
todas as partes do conjunto da obra tenham sido realizadas segundo a
necessidade, com comodidade, com concinidade171. A analogia com o
corpo engloba o todo, como estrutura completa, bem como as partes
e, para introduzir compreensão na percepção desse todo, envolve este
entendimento com outras vestes que harmonizam o todo. Um
exemplo desta forma de englobar características pode ser visto no
Livro VI, cap. 12, na expressão de adossar ‘uma parede a outra parede
como se juntasse uma pele a uma veste e simula-se uma espécie de
abertura não para dar passagem mas obstruída pela parede oposta (...),
‘’abertura falsa’’’, segundo o princípio construtivo inventado por
carpinteiros para construir com solidez e economia, solução que
confere ‘aos edifícios uma beleza notável’.

Nos processos que contribuem para a ornamentação, no livro VI, cap.


5, encontramos uma analogia interna do pensamento, na definição da

169 A analogia do corpo-completo, ordenação total das partes com o todo, tem o objectivo
de permitir a comparação proporcional para garantir a comensuralidade.

170 No renascimento, o número, na acepção neopitagórica, possui qualidades da


organização do mundo e do saber.
171 O crescimento da necessidade, comodidade à concinidade gera um valor crescente a
caminho da dignidade. Desta forma ‘brilhará a graça e o esplendor dos ornamentos’ pp.
389.

145
redução ao número, considerado termo polissémico, que tanto define
ângulos precisos e linhas iguais quanto correspondências simétricas.
Com efeito Alberti advoga as correspondências de coisas ‘iguais às
iguais, as da direita às da esquerda, as de cima às de baixo’ sem
contudo misturar o que deve ser igualado172.

No final do Livro VI, cap. 8, transporta as características de um ser


vivo para uma máquina, de admirável beleza, para dar a entender (na
narrativa diríamos dar a ver) ‘que as máquinas são como seres vivos
com mãos poderosíssimas e que deslocam um peso quase do mesmo
modo que nós próprios o deslocamos. Por esse motivo, é necessário
imitar com as máquinas as mesmas tensões dos membros e dos
músculos que fazemos apoiando-nos, empurrando, puxando,
transportando’173.

Personificando a invenção da natureza, surge a analogia entre a forma


dos templos delineados e as formas do mundo natural delineadas pela
natureza, livro VII cap. 4, em formas circulares e hexagonais. O a
parte sólida dos muros, isto é, a ossatura pp. 441 como por exemplo a

172 Noutras partes da narrativa, para esclarecer e dar e compreender aquilo de que se fala,
Alberti desenvolve outras analogias internas, como por exemplo no livro III, cap. 5, onde
propõe que sob as colunas se construam arcos simétricos dos superiores: ‘arcos com o
dorso voltado para baixo, de modo a que a superfície ao nível da área lhe sirva de corda’;
no cap. 12 ‘as traves são colunas postas transversalmente. Portanto a trave desempenha a
função de um osso’; e no livro IV, cap. 7 onde pergunta: ‘Na verdade, pergunto eu, o que
é um esgoto senão uma ponte, ou melhor uma espécie de arco de largura excepcional?’
pp. 312. Conclui-se assim ,que na construção do esgoto deve ser observado tudo o que
se disse a propósito da construção de pontes, assumindo assim a narrativa a vertente
didáctica de princípios e regras generativas.
173 Nesta posição, Alberti assume que a natureza se repete em toas as coisas, segundo a
lógica pitagórica. Assim o raciocínio sobre a máquina viva repete o edifício-corpo. Nota
do tradutor pp. 406.

146
parede do panteão pp. 742 onde se resolvem simultaneamente as
dimensões pela necessidade de pouco peso e a comodidade de nichos
e aberturas, bem como a beleza.

A analogia edifício-corpo atravessa toda a obra174 e é proposta de


forma composta, como exemplos experimentados. No livro V, cap.
17, pp. 361, Alberti assume a relação entre o corpo (humano)175 e o
edifício, ao introduzir para a parte mais importante da casa, o pátio ou
átrio, a designação de [‘o seio da casa’] ‘para a qual convergem, como
se fosse a praça pública do edifício, todos os membros menores’176.
Na continuação da narrativa, ao descrever a lareira, para além dos
aspectos de carácter prescritivo para que a lareira seja útil, acrescenta
outra analogia relativamente ao cume da chaminé: ‘será coberto, por
causa da chuva; terá narinas largas a toda a volta, mas cercadas por um
resguardo para se evitar a impertinência do vento’ pp. 364.

No livro VII, cap. 5, pp. 444 compara-se a parte com o todo num ser
vivo e faz-se equivaler essa relação num edifício, com todas as partes
conformadas entre si, correspondentes e dimensionadas com as
restantes partes. Alberti generaliza a relação edifício-corpo a todos os
seres vivos, em oposição à proposta da Antiguidade e dos tratadistas

174 A analogia surge em expressões como ‘lábios das aberturas’ e ‘camadas de pele’ no livro
III, cap. 1, pp. 231. A edificação é como um organismo vivo, com ossos / ossatura,
nervos, ligamentos, pele / casca, lábios.
175 No livro X, cap. 12, pp. 679, refere que se deve imitar a natureza e volta à analogia com
o corpo humano de forma explícita, quando se refere às brisas.
176 Nesta expressão compõem-se duas analogias, o edifício corpo e a casa como a cidade,
que na continuação da descrição apela aos sentidos para perceber a construção com um
número diferente e com delimitações diferentes, remetendo essa problemática para o
domínio sensível e qualitativo.

147
do renascimento, que estabelecem essa analogia apenas com o corpo
humano.

No livro X, cap. 16, pp. 686, retoma a analogia referindo que os


muros deverão ser feitos com cautela para não serem debilitados por
ferimentos nos ossos.

Registam-se outras analogia das formas com animais, por exemplo a


voluta do capitel jónico com um caracol (pp. 455), toma assim o
caracol pela forma do desenho da concha (metonímia). Outras
analogias com os ornamentos das abóbadas esféricas e as taças de
sacrifícios, as abobadas de berço e de ângulo e as mantas dos leitos.
Razão pela qual se veem motivos quadrangulares e octogonais de
forma que nada pode ser acrescentado à sua beleza pp. 477. A
analogia dos limites de ombreiras de janelas dos jónios com orelhas
pendentes, à semelhança de cães de caça bem providos de orelhas, na
forma de um S que enrola as extremidades em volutas, pp. 482.

Na forma de edificar, regista-se a analogia formal do arco com a


arquitrave177 – um arco é uma arquitrave encurvada, livro III, cap. 6 e
referência adicional pp. 496, justificando para os arcos a analogia
funcional e os mesmos ornamentos das arquitraves, numa lógica
combinatória. No livro VI, cap. 10 surge outra analogia formal, para
clarear o discurso, com a expressão ‘nos mosaicos inserem-se
pequenos rectângulos não maiores do que favas, pp. 412.

No livro VIII, cap. 2, Alberti apresenta-nos um relato de outra cultura


onde estabelece um principio analógico para justificar a forma de

177 ‘na verdade, direi que o arco não é senão um lintel de forma curva; e que outra coisa
direi de um lintel senão que é uma coluna em posição horizontal?’ pp. 244.

148
edificar túmulos: refere que ‘foram os egípcios que, acima de todos,
construíram os túmulos com mais requinte. (...) proclamavam que
erravam os homens que edificavam casas luxuosíssimas, (...) de um
brevíssimo tempo, (...) em comparação(...) com os túmulos onde
haviam de repousar durante muitíssimo tempo.’ Neste discurso
superlativo dá conta do oposto do que acabava de enunciar com
referências em Platão, pondo em destaque a analogia do tempo de
vida com a eternidade. Embora não seja explícito, o episódio permite
supor que Alberti aceita e propõe a analogia, porque fará mais sentido
generativo, no delineamento, que as leis da cidade que expunha antes.
Só no cap. 3 reprovará o método egípcio, com o argumento que nem
os deuses tiveram túmulos tão faustosos. De qualquer forma, reflete
pp. 517 que as diferenças no delineamento não se devem à
desaprovação das obras dos outros, mas para que a inventividade
demonstrada na sua obra a tornasse única, útil e objecto de admiração,
merecendo esta posição a maior aprovação.

No livro VIII cap. 5, apresenta a analogia biológica da torre com as


canas, em andares sucessivos separados por nós, replicando o
crescimento orgânico.

Apresenta ainda outras analogias, como analogias de forma dentro da


narrativa: ‘o fórum é uma praça mais ampla; e o anfiteatro não é mais
que um fórum rodeado de degraus’178 patente no livro VIII, cap. 6
(então um anfiteatro é uma praça ampla rodeada de degraus?). A

178 Mais à frente esclarece que a praças e o fórum diferem apenas na dimensão., repetindo,
as praças são um fórum pequeno. Alberti torna patente assim a dialógica entre as
dimensões local e global, entre a arquitectura e a urbanística, para sublinhar a relação de
contiguidade entre as regras aplicáveis simultaneamente aos dois domínios.

149
analogia da ponte com um esqueleto, livro VIII, cap. 6; a
correspondência entre a área do fórum e o pórtico livro VIII, cap. 6.

No livro VIII, cap. 7, aborda a relação entre os edifícios e o uso


dizendo, que os edifícios de espectáculos imitam um exército com as
suas alas dispostas em ordem de combate. Os que são semelhantes à
lua em quarto minguante chamam-se teatros, circo se prolongar os
lados, se unirmos dois teatros obtemos o anfiteatro179 . Lugares
sonoros e não corpos surdos. No particular do teatro, reforça a
analogia com o corpo animal, dizendo que a área imita o vestígio
deixado pela pata de um cavalo180 .

Relativamente ao circo e anfiteatros, todos os aspectos derivam do


teatro. O circo prolonga os flancos do teatro por linhas paralelas, e o
anfiteatro consta de dois teatro unidos pelos flancos. Nos dois casos
as semelhanças acentuam-se por serem providos de degraus, embora o
interior do palco seja especifico e diferente181.

No caso especifico do circo o delineamento é análogo à imagem do


céu, com doze portas (equivalente a doze planetas?) e no interior a
circulação dos corredores faz-se como o sol e a lua.

No livro VIII, cap. 7, pp. 551, apresenta uma analogia para-científica:


o ar percutido pela voz move-se em ondas sucessivas tal como a água
se move em círculos quanto alguma coisa emerge repentinamente.
Entendimento analógico da sobreposição das ondas sonoras, que

179 No decorrer da descrição sobre a forma de desenhar a área, Alberti coloca os três
edifícios em sequência, dependendo da forma de delinear linhas rectas ou curvas, pp. 547
180 Pp. 552.
181 Pp. 556.

150
permite propor o reforço acústico com a sobreposição dos círculos
para que a voz não se disperse e seja devolvida com maior plenitude.
(justificação do pórtico do teatro, fechado no intercolúnio, inventado
para amplificar o som)

No discurso sobre o ornamento de edifícios privados, livro IX, cap. 3,


Alberti desenvolve uma analogia interna da obra. Na falta de
especificidades dos edifícios privados, propõe para as plantas
redondas se usem os delineamentos dos templos (casa templo) com os
muros mais elevados. As plantas rectangulares terão algo em comum
com os edifícios sagrados e profanos, com o senado e a cúria, pp. 583

No livro IX, cap. 5, apresenta uma aplicação da analogia animal com


as noções de concinidade, beleza182, segundo a trindade número
(partes), delimitação (grandeza) e disposição (partes ordenadas). A
primeira, em relação ao número, apresenta uma equivalência entre os
ossos e as colunas dispostas sempre em número par, como no reino
animal, reflectindo a simetria. São estes ossos que sustentam e fazem
mover o edifício. Pelo contrário, as aberturas nunca são em número
par183. Embora os animais tenham sentidos (olhos, ouvidos) em

182 Alberti define no livro VI, cap. 2 que ‘a beleza é a concinidade, em proporção exacta, de
todas as partes no conjunto a que pertencem, de tal modo que nada possa ser adicionado
ou subtraído, ou transformado sem que mereça reprovação.’ E remata, ‘Magnífico e
divino é isto em cujas execução se consomem os recursos das artes e do engenho’. O
ornamento é por isso uma ‘espécie de luz subsidiária da beleza e como que o seu
complemento’. Esta expressão deriva e complementa a sua origem, na circularidade do
conceito de belo como de algo inato que existe em todos os corpos enquanto ornamento
é de natureza artificial e acrescentado mais do que inato. Logo o ornamento é
concebido, segundo critérios racionais aprovados na arte, enquanto o belo é
simplesmente.
183 No decorrer do texto apresenta uma contradição, pp. 597, dizendo ‘em relação aos
números pares que destinavam a uma abertura, não foram além do número dez’.

151
número par, é a boca ampla que determina o número das aberturas.
Mas de todos, os números mais usados são aqueles que refletem a
natureza ternária, quinária como as mãos, e septenária como Deus e a
sua obra184. Nos números pares é celebrado o número quaternário,
dedicado à divindade. Nesta analogia é feita a relação da criação do
arquitecto, na procura da beleza, com a criação da natureza,
reflectindo os números dos tempos do ciclo de vida, de gestação.

No livro IX, cap. 5, expõe os princípio de harmonias musicais,


resultado dos sons e do tamanho das cordas, transforma esses sons
assim obtidos em números (considerados na sua complexidade e não
no valor absoluto) e reflete que os ‘arquitectos usam todos estes
números de forma extremamente adequada’ para criar a delimitação
harmoniosa da concinidade. A concepção é assim descrita de uma
forma musical, compõe-se e soa musical185. Os arquitectos usam os
números186 ‘em correspondência recíproca com a harmonia musical’
pp. 603. Contudo, na definição das medidas há proporções inatas que
como Alberti afirma, não se podem determinar pela analogia musical,

184 O número nove também é celebrado replicando as ‘esferas que a engenhosa natureza
implantou no firmamento’ pp. 596.
185 No decorrer do livro IX, cap. 6, Alberti define outras delimitações que não são inatas,
não decorrem da música. Define as três mediedades que que os filósofos aprovam – num
padrão crescente de complexidade, a aritmética (soma), a geométrica (multiplicação), e a
musical (ou divisão harmónica). Veja-se também a referência no livro 1, cap. 9, pp. 172:
‘Efectivamente, como na lira, quando os sons graves correspondem aos agudos e entre
aqueles e estes ressoam os médios contribuindo para a harmonia, da variedade dos sons
resulta uma proporcionalidade sonora admirável que, de forma superior, deleita e prende
a alma’.
186 O fim último da criação é para os arquitectos a concinidade.

152
mas se representam com raízes e potências187. Na aplicação desta
forma para procurar a concinidade, procurava-se a harmonia
universal, e nessa harmonia, a música era vista como um símbolo
audível da ordem cosmológica, a manifestação palpável da ordem
matemática do universo (nota do tradutor pp. 603). A complexidade
com que Alberti define os critérios da delimitação harmoniosa quando
aborda os edifícios privados é reveladora de alguma variabilidade na
aplicação das múltiplas regras que se traduziriam por um lado numa
maior dificuldade de legitimação e por outro numa variabilidade muito
maior que no edifício sagrados, por exemplo. Admitimos que esses
em menor número resultariam da aplicação de cânones e admitiriam
menor liberdade, já que sendo lugares de hierofania não necessitariam
da manifestação da ordem que é procurada nestes princípios de
concinidade, mas seriam muito mais próximos dessa ordem, canónica.
Por outro lado, a introdução das regras das medievidades sobre o
edifício como um todo e sobre as partes (episódios na narrativa geral)
e sobre o todo, é potenciadora de uma gramática generativa das
edificações belas.

No livro IX, cap. 7, apresenta os três géneros das colunas (dimensões)


à semelhança do homem188 , contudo com a noção exacta do sentido
da natureza, inato ao espírito (referência oculta a Nicolau de Cusa?)
com o qual se sentem as concinidades, adverte que tal analogia ‘não

187 Esta forma de descrever a concepção arquitectónica afasta-se da representação em


desenho, estabelecendo princípios matemáticos, e harmonias musicais para determinar a
forma. O desenho de linhas e ângulos submete-se a essa regra e não é um fim em si.
188 Altura, largura, espessura.

153
ficava bem’, pelo que foi preterida pelas medidas intermedias dessas,
segundo a lógica matemática189.

Quase a terminar o livro IX, cap. 8, refere que tudo o que na natureza
for defeito, também será na obra, se for reprovável na natureza
também será na obra. Reforça assim que deverá existir um plano
previamente pensado e apurado, pp. 611, para que não ocorram erros
e defeitos de concepção. Alberti não elabora sobre o plano da
natureza que se ‘imita’ mas podemos pensar que o plano de criação de
Cusa é aceitável para a compreensão do espaço arquitectónico criado
pelo humanismo. Contudo, já no final do capítulo fará referência à
necessidade de fazer modelos à escala para evitar defeitos, antes de
iniciar a obra, para que se possam consultar peritos (retomando assim
o livro II, cap. 1-3), em processo de reflexão, do uso pleno da razão
modelada pelo plano de criação e pelo que os Antigos ensinam. Essa
preparação deve ocorrer antes da obra. E depois de forma prudente
definirá tudo, prescrevendo com a sua lei e a sua medida.

Na conclusão da narrativa, ao abordar o restauro dos defeitos ‘que


não se podem prever’, pp. 687, no livro X, retoma a analogia das
obras com o mundo natural190, ‘em grande parte podemos imitar a
natureza’ como fizeram os antigos191 pp. 626, e com práticas fora da

189 Desta escolha resultaram as colunas jónicas, as dóricas para os edifícios mais volumosos,
e as colunas mais delgadas designadas de coríntias- estas colunas são geradas pela
medievidade aritmética.
190 Alberti introduz máximas e ditados da cultura da época, ‘’tudo é vencido pelo tempo’’,
‘’insidiosos e extremamente poderosos são os tormentos da idade’’; e ‘’os corpos não
podem opor-se às leis da natureza, sem suportarem a velhice’’, para reforçar a ligação da
natureza naturante (artificial) imposta nas obras com a natureza natural, à qual é análoga.
191 ‘a natureza ensina-nos o que devemos fazer.’ Pp. 629

154
arquitectura, referindo que o arquitecto deve agir como os ‘médicos
[que] consideram que a maior parte do remédio depende do
conhecimento da doença’ pp. 623. Contudo, mais à frente, no final do
cap. 3, Alberti assume que ‘não é fácil nem muito claro o
conhecimento da natureza’.

O conhecimento da natureza obtém-se primeiramente com a


observação e estabelece-se de forma analógica, para melhor
compreensão, com outros objectos de observação, como por
exemplo, a analogia das camadas estratificadas com páginas de um
livro, presente no livro X, cap. 4, pp. 637, a partir da qual se
estabelecem argumentos.

Delineamento e narrar
Alberti escreve como autor e de autores ou autoridades, mas não de
executantes, distingue-se por isso a obra sobre a concepção de outras
ou da perícia prática dos executores (Livro II, cap. 1) pp. 187

A exposição que Alberti faz, relativamente aos assuntos que trata na


construção das edificações, nomeadamente os complementos ou
preenchimento da ossatura (livro III, cap. 8, pp. 249, pp. 253), é
estruturada em quatro tempos. Primeiro insta o leitor a investigar e
examinar a questão e estabelece a noção do assunto que aborda sobre
como construir sem que existam danos192 . A seguir dá o exemplo e
autoridade do que advertiram os antigos193 . Elabora com base na

192 ‘os bons arquitectos, para obviarem a este dano, tenham por hábito desviar e escoar a
água da chuva apanhada dos telhados, metendo-a em condutas fechadas’, Pp. 249.
193 ‘Acaso não advertiram os antigos que as folhas, no Outono de cada ano, caem
habitualmente primeiro do lado das árvores que está voltado a sudeste?’, pp. 249.

155
noção e no exemplo anteriores a discussão, e a analogia com a
experiência própria194 e finalmente, apresenta a norma que propõe
para essa parte ou assunto da arte edificatória195. Note-se que esta
forma de abordagem é retomada no livro X, cap. 11, pp. 667-668,
reforçando a narrativa em diálogo.

É no inicio do livro VI que Alberti adverte que os assuntos anteriores


foram difíceis de expor e de clarificar, pelo que recorreu à invenção de
palavras, não em vulgar, mas em latim196. De notar também que neste
reinício da obra refere fontes que são ‘monumentos literários’ como o
tratado de Vitrúvio que refere ser ‘competentíssimo, mas de tal forma
danificado e mutilado pelo tempo, que em muitos passos são muitas
as lacunas e em muitos outros são muitíssimos os aspectos que
deixam a desejar’. Desta forma, valoriza o trabalho insigne de Vitrúvio
mas retira-lhe a utilidade, porque o que deixou não é, segundo Alberti,
inteligível, ‘a expressão não é cuidada’197 . Desta forma a narração que
Alberti faz, com a saber das artes e da teoria, torna-se necessária para

194 ‘Nós observamos que todos os edifícios que caíram de velhos começam a desabar pelo
lado sul. E a causa de tal acontecer talvez esteja no facto de que o ardor e a violência do
sol absorveram (...) a seiva da cal. Acrescente-se a isso que o muro (...) enfraquece e
deteriora-se’. Pp.249. Notamos que por vezes a experiência real é complementada com
um exemplo mítico, criando-se assim um processo de validação interdependente, como
por exemplo, pp. 653, sobre a construção de aquedutos.
195 ‘Na minha opinião (...) deve observar-se o seguinte princípio (...)’ que expõe a seguir
com exatidão pp. 249, repetindo amiúde a noção para reforço.
196 Como refere no livro VI, cap. 13, expressa-se em latim e recorre à invenção de palavras
quando necessário, como por exemplo nastro por filete, ‘Prometi que queria, quanto de
mim depende, expressar-me em latim e de maneira tal que fosse entendido. Por isso,
torna-se necessário forjar palavras quando as de uso comum não são suficientes; convém
tomar as semelhanças dos vocábulos de coisas não dissemelhantes’ pp. 422.
197 Neste ponto parece paradoxal a contradição com o Prólogo onde Alberti fala das
qualidades e do estudo apaixonado das fontes dos Antigos.

156
a clareza e inteligibilidade do discurso sobre arquitectura. Para a
narrativa de Alberti restam assim os ‘exemplos antigos concretizados
nos templos e nos teatros, com os quais havia muito a aprender como
se fossem os mais excelentes professores’. Esta aprendizagem a partir
das obras personificadas e aprovadas insere-as no discurso narrativo,
muito mais do que como princípios provados de vida e conhecimento,
mas como personagens que interagem com o leitor /ouvinte, para
além da relação experimentada primeiro por Alberti. É devido a este
enquadramento que Alberti se legitima para ‘pensar muitas vezes e
prolongadamente em comentar estas questões’ da arte edificatória.
Questões úteis, nobres, necessárias à vida da humanidade que deixaria
por escrito198, livrando da morte esse saber, a mesma morte que
atingira a obra de Vitrúvio e a delapidação dos monumentos dos
antigos, da Roma Imperial.

Ao longo da narrativa, Alberti apresenta argumentos e princípios que


esclarecem os descritores da arte edificatória, a maneira de conceber e
executar. Daqueles que merecem aprovação pela autoridade que os
envolve, as provas, ou que são criados por Alberti como
conhecimento novo, importa perceber como se usam, como se
tornam úteis na sequência da narrativa, como na arte edificatória.
Sobre este assunto Alberti, a propósito do movimento diz com
clareza, por exemplo, no livro V, cap. 11, ‘Será assim que nós
seguiremos os usos dos Romanos’, no livro VI, cap. 6, ‘Será
importante ter em conta estes princípios e imitá-los’ pp. 394, ou seja
repeti-los e retomar a sua eficácia. Esta noção de imitação refere-se

198 Alberti assume a obra como documento escrito e sem desenhos, no livro V, cap. 12, por
exemplo, refere: ‘Nestes dias, enquanto redigia aquilo que deixei escrito’. Pp. 347

157
sobretudo a processos técnicos e práticos, no restante saber referido
por Alberti, trata-se da rescrição narrativa desse saber, de diegesis e
não mimesis199 .

No livro VII, cap. 4, faz-se equivaler o delineamento natural, ou ao


delineamento que a natureza desenvolve200, ao delineamento que é o
conceito fulcral da arte edificatória.

No livro VII, cap. 6, estabelece a relação entre a teoria das colunas,


dos antigos, abordada no livro VI, cap. 13, o delineamento e a
imitação da natureza201 . Com efeito a mesma explicação contém a
repetição mimética da forma natural e a reconfiguração através da
forma como se coloca na matéria, de acordo com o conselho dos
Antigos. Dessa forma, e adoptando o mesmo sistema de proporções,
‘todas as colunas são coincidentes’, embora, como Alberti observa, a
teoria não tenha sido sempre respeitada. A teoria não prescreve a
única forma de executar.

199 É neste contexto do discurso que alguns conceitos são personificados, por exemplo, ‘o
tempo ensinou’, pp. 407, e que a propósito do uso de materiais, como a cal e
revestimentos, são fornecidos os critérios de aprovação, lidos em Vitrúvio e que são
reforçados por ‘Nos sabemos por experiência’ pp. 409 e por aquilo que foi visto, pp. 410,
ditado pela experiência, pp. 237.
200 Alberti reflete que a natureza nos ensinou, veja-se o Livro II, cap. 1, ‘é admirável como
existe um motivo pelo qual a natureza nos ensinou a todos (...) a sentir de imediato o que
há de certo ou de errado’, veja-se também o Prólogo e o Livro VI, cap. 2, 5 e 6.
201 A descrição é particularmente longa, em resultado de não ser desenhada, mas justificada
por Alberti porque ‘Não encontramos estas coisas nos escritos dos Antigos, mas com
diligência e estudo tomamos nota delas a partir das construções e dos melhores
arquitectos’. E é de tal forma útil, como o próprio afirma que até será do agrado dos
pintores, pp. 425. Esta posição em relação aos arquitectos antigos está em desacordo
com a posição relativa aos seus contemporâneos, que ‘não louvo’ como afirma, pp. 259.

158
O delineamento não é uma especificidade do tempo de Alberti. Como
o próprio refere a propósito dos mausoléus, livro VIII, cap. 3, ‘os
Antigos costumavam traçar (...) delineamentos’ que Alberti desenvolve
com notações numéricas arcaicas destinadas a operacionalizar a forma
de transposição pelo compaço, sem cálculos complexos.

Estabelece leis, limites para a interpretação das conotações de forma


que, em todo o texto, perpassa uma forma de norma generativa que
prescreve a partir do todo, sem determinar a dimensão de partida
desse todo. Note-se que é a partir do número das partes que se obtém
um conhecimento sólido no conjunto.

Os delineamentos, como refere no livro IX, cap. 9, não podem ser


destruídos como por exemplo com a mistura de ornamentos dóricos
aos coríntios ou jónicos aos dóricos. Repete o livro VII, cap. 9, com a
prescrição delineada / narrada.

As descrições assumem que se dirigem por vezes a artífices e outras a


geómetras. Ao descrever um desenho Alberti torna o desenho lido, e
reconstruímos mentalmente a imagem narrativa. Veja-se por exemplo
no livro X, cap. 7, pp. 657, a descrição da forma de construir uma
conduta, incluindo a utilização de materiais e o próprio desenho.

Temas
Perpassa na obra a ideia geral da abundância e da adequação da
edificação, como do conjunto das edificações, para contribuir para a
beleza do território e da cidade (livro II, cap. I), reforçada pela

159
autoridade do exemplo de Platão202. Para além do filósofo e do seu
aluno Aristóteles, Homero, Apiano, Diodoro, Plutarco, Cícero, Plínio,
Ovídio, Varrão, Heródoto, Teofrasto, Hipócrates, Vitrúvio, Catão,
Dinócrates203, entre outros, também são referidos amiúde como
autoridades que consignaram os conhecimentos por escrito (Plínio-o-
Antigo)204.

Esclarecem-se no livro VII, cap. 3, as formas dos templos deixados


pelos antigos, ‘templo redondo do sol’, templo de Júpiter, sem tecto,
templo da Terra de forma redonda, acima do solo para os deuses
celestes, e abaixo da terra para os deuses infernais, segundo a
especificidade e analogia de desempenho de cada um.

202 A autoridade de Platão é reforçada pelo argumento, livro VI, cap. 4, de que a dignidade
do lugar se torna mais imponente com a aposição de um nome célebre. Alberti reforça
que este argumento foi do agrado do imperador Adriano, provando com o nome das
villas que edificou.
203 Arquitecto de Alexandre Magno referido por Vitrúvio, II, 1, 1 e também por Francisco
de Holanda. Esta referência de Francisco de Holanda, pode significar que o tratado de
Vitrúvio ou o de Alberti eram conhecidos.
204 Embora as referências pareçam credíveis e legítimas no âmbito da narrativa, ocorrem
alguns erros de fontes dos episódios ou dos factos, demonstrados pela historiografia. A
obra de Alberti, face às incertezas relativamente às referências, oscila assim entre a
certeza e o acaso dos resultados expressos (fatum e fortuna) pp. 227, já que ‘daí não
resultará mal nenhum’. Mas, em sua defesa, Alberti propõe de forma didáctica, que os
exemplos que reúne de forma muito resumida sejam estudados mais profundamente,
lendo os próprios autores, pp. 393. É por isso aceitável que simplifique a exposição de
princípio para atingir o objetivo didáctico, como faz a propósito da elevação de cargas
com roldanas, no livro VI, cap. 7, pp. 400, dirigindo-se ao leitor com perguntas,
respondendo e demonstrando como num diálogo de Platão, uma característica maiêutica
que faz nascer a arte edificatória. Alberti não refere como exemplos de autoridades,
autores que tenham executado esboços ou maquetas. Apenas se refere às edificações
existentes e ruínas, e aos escritos antigos, pp. 197.

160
Para as colunas, a autoridade de medidas é reportada aos Dórios (livro
VII, cap. 7), que no princípio as instituíram. E reforçada pela
continuidade dos Jónios que aceitaram as medidas e as duplicaram,
pp. 451. Pelo seu lado, os Coríntios aprovaram a base jónica e a dórica
e acrescentaram apenas o capitel. Esta autoridade perpassa a narrativa,
como autores das soluções descritas, para além das leituras feitas em
historiadores e poetas.

De igual forma, como lemos no inicio do livro VIII, cap. 1, cada


edifício terá a sua especificidade programática e assim a sua
ornamentação, própria, distinta dos demais. Nesta distinção útil, parte
da descrição do geral, do enquadramento das vias para as
particularidades,

Para esclarecer esta especificidade, ilustra que o fórum será específico


de uma profissão (cambistas, hortaliça, gado, madeira e outros) livro
VIII, cap. 6. De igual forma refere que par aos espectáculos, se
requerem edifícios diferentes par aos poetas – teatros, para os jogos –
circo e para as caçadas – anfiteatro (livro VIII, cap. 7).

Noutra parte, livro VIII, cap. 9, enumera vários edifícios de uso


público, edificados por necessidade e por prazer, sem que possa
referir a sua ornamentação. Por isso, propõe que se tome as noções de
utilidade dos edifícios privados, enquanto, tudo o que tiver em mira a
solenidade e os ornamentos se tome das normas dos edifícios
públicos. Esta forma de tomar o conhecimento análogo renova o
potencial generativo do discurso para a criação de conhecimento
sobre o desconhecido, autorizado pela solenidade com que Alberti
enumera muitos e diferentes edifícios com qualidades memoráveis.

161
Imagens narrativas
A experiência dita as regras. Os exemplos dos Antigos, as advertências
dos especialistas determinam que a acção da prática da arquitectura
siga essa normativa que decorre desse saber acumulado de uma arte
que foi jovem e agora atingiu a maturidade (livro VI, cap. 3),
nomeadamente no que diz respeito à beleza e aos ornamentos de todo
o edifício, e às partes, ou aos descritores (região, área,
compartimentação, parede, cobertura, abertura). As regras aplicadas
ao todo decorrem da filosofia e são utilizadas para orientar e
configurar os processos e métodos da arte, enquanto as segundas
derivadas desse saber, produzem o encadeamento da arte.

Ao abordar o ornamento de uma cidade, Alberti, Livro VII, cap. 1,


refere que o ornamento de uma cidade se evidencia de forma
relevante quando nessa cidade existe uma grande número de cidadãos.
Esta referência que Alberti não quer omitir, implica a concepção do
lugar de vida, como do cenário dessa vida205 com todas as
formulações e riquezas. Dessa forma esse espaço é confirmado como
espaço de vida saudável e faustoso, para cidadãos ‘honestos e de bons
costumes’. Deste modo, a interpretação das manifestações materiais
na cidade alteram a percepção da cidade e a experiência do espaço de
vida206. Este não é contudo o principal ornamento da cidade, o

205 De forma análoga, a referência ao teatro (de vida) surge no livro VII, cap. 4, a propósito
da analogia das formas da natureza com as formas edificadas. Transfere-se esse teatro e
as celas a que se refere Alberti, para a concepção da experiência do espaço
arquitectónico, teatro da vida.
206 Contribuem para esta interpretação a atribuição de características humanas / da natureza
biológica, a elementos da construção e da caracterização dos espaços, como por
exemplo, no cuidado que deve haver em relação à água como lemos no livro V, cap. 16,
‘Deve-se cuidar do seguinte: que, sem cessar, a água respire e inspire de fonte, rio, lago

162
ornamento é definido pelo delineamento da cidade (a situação, o
traçado, a configuração, as vias o fórum e os edifícios personificados
na distribuição em função do uso, dignidade, comodidade).

Toda a edificação deve cumprir com os princípios para os quais é


realizada, como por exemplo, o templo, para o qual é necessário maior
engenho e empenho na construção e ornamentação, livro VII, cap3,
mas o objectivo último do culto divino nesse templo é que ‘enlevem o
espírito207 e o detenham com a beleza e a admiração que provocam’,
sem contudo afastar o espírito da meditação da religião para as
seduções e amenidades dos sentidos208. Ou seja, o apelo aos sentidos
exteroceptivos que permite, de acordo com os Antigos, cultivar
qualidades morais, como a piedade. Alberti apela assim à criação que
não permita, que não deixe espaço, para a criação de mais imagens
(narrativas) do que aquelas que preenchem o templo até ao mais
ínfimo pormenor, para que ‘quem entra estremeça estupefacto de
admiração pela sua imponência’. Valoriza assim o prazer do espírito
com que comtempla uma pintura, pp. 474, ‘do que lerei uma boa
história’, criando imagens narrativas. É dessa forma que enquadra a
procura do ambiente para a devoção através da ausência de distrações
das mentes nos templos, com a criação da penumbra austera e
majestosa, pp. 479.

ou mar’. Ao mesmo tempo que personifica a água, acrescenta a interpretação que da


fonte ao mar se justifica a mesma leitura, ou seja, estabelecem-se análogos, estrutura-se a
analogia e a simetria entre o muito grande e o muito pequeno.
207 Alberti propõe que a elevação do espirito ocorra pela mão da música e da geometria pp.
475
208 Máxima de Alberti, pp. 473, para justificar a moderação no ornamento como na vida.

163
No livro VII, cap. 9, refere-se ao aspecto das colunas. Ao ar livre
parecem mais delgadas que aquelas que estão em recinto fechado e
aquelas que têm mais estrias, parecem mais grossas. Esta constatação
de alteração de percepção é apresentada como uma descoberta que
requer a compensação óptica (na leitura de Vitrúvio (III, 3, 11), o que
falta aos olhos, na percepção é preenchido pelo raciocínio...).

Na descrição das termas, livro VIII, cap. 10, Alberti enfrenta o


problema da complexidade e da dimensão209. Por isso apresenta-nos
os espaços, salas e dependências, ora em percurso ora em vista
superior organizada segundo os pontos cardeais. Mas é em percurso
que interessa compreender o edifício, como com a expressão ‘De
novo saio para o vestíbulo principal de todo o edifício, que dissemos
que está voltado a sul’. Outras expressões relativas ao uso, definem os
espaços como ‘Nestas salas os cidadãos apanhavam a seu bel-prazer
sol e sombra, de um lado de manhã, de outro de tarde, conforme as
vicissitudes das suas horas (...)’.

No livro IX, cap. 10, estabelece a formação e as preocupações que o


arquitecto deve ter na sua função de planeador210 , preparador e

209 Como o próprio refere á área da totalidade da obra tinha em quase todas mais de cem
mil pés quadrados’ pp. 571, correspondente a mais de 8761,6m2, segundo nota do
tradutor.
210 É seu dever como ‘especialista conceber e definir previamente todos os pormenores’
como lemos no livro II, cap. 1, pp. 188. Esta concepção inaugura a prefiguração da obra
de arquitectura servindo-se ‘não só de um desenho e de um esboço, mas também de
módulos e de modelos’ (livro II, cap. 1, pp. 188), ao contrário da arte medieval de
resolução e determinação da concepção em obra. Neste particular notamos que a
referência aos Antigos tem por objetivo preencher a lacuna de conhecimento. Como
Alberti desenvolve, já os antigos planeavam, mas perdemos os escritos relativos a esse
saber.

164
executante, já que ‘A arquitectura é uma coisa grandiosa e não está ao
alcance de todos acercarem-se de uma coisa tão grande’. Para o
desempenho do arquitecto é necessário engenho, estudo, saber,
experiência prática , acima de tudo , ‘uma capacidade de ajuizar e de
planear, séria e autêntica’. Esta disposição do executante da arte liberal
cumpre assim com a conveniência de edificar o que é necessário, para
haver comodidade211

No livro IX, cap. 1, refere que o autor do projecto (ou artífice), com
os processos de ornamento212 em edifícios privados, usados com
moderação, ‘manterá, na medida do possível, as formas mais
adequadas a cada uma das partes, (...) de maneira que não pareça que
pretendeu defraudar a obra da adequada concinidade dos seus
membros, mas antes brincar com os visitantes num divertimento de
beleza ou, melhor, diverti-lo com a graça do invento’. Nesta expressão
retoma a analogia do corpo animal completo e introduz a personagem
no cenário criado. Note-se que esta liberdade pós-renascentista estará
presente em Francisco de Holanda com as criações para deleite (veja-
se a expressão dos Diálogos de Roma, 1955, pp. 69-71). (Pp. 578).

Ao investigar a noção de beleza, livro IX, cap. 5, reflete uma


fenomenologia embrionária, uma forma de percepção na expressão:
‘quando pela vista, pelo ouvido ou por qualquer outro modo nos
chegam ao espírito coisas bem proporcionadas, imediatamente as
sentimos’ como belas, já que o espírito (a razão) sabe de forma inata

211 As construções devem ser cómodas e cumprir um projecto e um orçamento, um


projecto concebido previamente, estabelecido na mente com a faculdade de ajuizar.
212 No livro IX cap. 8, Alberti refere que se deve acabar a obra antes de a vestir. Assim o
ornamento é análogo ao vestir de um corpo, ou vestir os ossos, pp. 612.

165
reconhecer o belo213. Desejamos o que é bom por natureza e aderimos
com vontade àquilo que é óptimo214. Esta noção quase teológica,
reflecte a ideia de que a alma humana deve ser perfeita para ser levada
à contemplação do belo, à finalidade última. Neste sentido, prescreve
que tudo à nossa volta é governado pela lei da concinidade (número,
delimitação e disposição), princípio absoluto e primeiro na natureza,
através da qual tudo é feito para atingir a perfeição, a concórdia entre
as partes, a harmonia das circunstâncias, que tanto se deseja215.

No livro IX, cap. 5, pp. 597, Alberti aborda a relação dos números
com a música através da expressão: ‘Os números, pelos quais se faz
com que a concinidade das vozes se torne agradabilíssima aos
ouvidos, são os mesmos que fazem com que os olhos e o espírito se
encham de prazer maravilhoso’. Nesta expressão ficam assim
relacionados os sentidos exteroceptivos ligando duas áreas diferentes,

213 Como Alberti refere no Prólogo, a procura e apreciação da beleza é uma capacidade
inerente ao homem, ao humanista. É uma capacidade que convive com valores de
natureza filosófica, moral, social e política que têm por finalidade fazer face às
adversidades da ‘fortuna’. (nota do tradutor, pp. 376). Por isso o belo é mais importante
que útil, e segue a analogia com a natureza, luxuriante na volúpia da beleza e no colorido
das flores. Na leitura da teoria da narrativa, faz face ao esquecimento, torna-se objecto de
memória porque reúne no mesmo suporte a matéria e a seus estímulos.
214 A criação na arquitectura organiza-se segundo a relação entre a fenomenologia do desejo
com a ontologia do tempo, o desejo pelo belo sensível do ser que está na relação directa
daquilo que é óptimo.
215 No livro VI, cap. 2, ao introduzir a beleza, refere que esta presta grande contributo para
a comodidade e para a perenidade da obra. A comodidade de quem experimenta o
espaço é, segundo Alberti, maior se as paredes estão ornamentadas, tal como hoje. E a
perenidade assegura-se pela virtude da obra ornamentada, vencendo dessa forma o
destino.

166
a música e a arquitectura216 . Esta relação estabelece que o princípio da
delimitação é retirado da música, onde se estabelecem os limites,
inferior e superior de uma nota. Desta leitura, resulta que a harmonia
é uma consonância agradável aos ouvidos e, são estas harmonias ou
consonâncias musicais que os arquitectos usam.

Finalmente, no livro IX, cap. 7, aborda a disposição (lugar e posição


das colunas) dizendo ‘E sente-se onde foi mal feita, mais do que se
compreende, de imediato, como deve ser executada
convenientemente’. Alberti faz assim a referência, de novo aos
sentidos exteroceptivos para que a disposição dependa da faculdade
de apreciar que está implantada no espírito do homem, em
consonância com os princípios de delimitação. E mesmo as mais
pequenas coisas que se espalham pela obra ‘oferecem beleza ao olhar’,
à semelhança da natureza e de acordo com a analogia animal da
disposição das partes, pp. 608, de tal forma que pareçam inatas nas
posições mais adequadas, como gémeas217

Para rematar a noção da percepção da beleza inata no espírito, Alberti


refere no livro IX, cap. 8, ‘Não há duvida de que é nas formas e nas
configurações dos edifícios que reside algo de excelente e perfeito por
natureza, que desperta o espírito e de imediato é sentido se esta
presente’, mas, se está ausente, grandemente se sente a sua falta’
(retoma o livro II, cap. 1 e 3). Esta expressão ‘trágica’ reflete que ‘os

216 Esta afirmação é segundo nota do tradutor, pp. 597, reveladora que as relações
proporcionais entre intervalos musicais não se apoiam unicamente nos Antigos, mas
também na tradição da Idade Média, em continuidade com o tempo da narração.
217 Alberti assume desta forma o ideal clássico de correspondências reciprocas,
prescrevendo essa opção e não a raridade das coisas, que Santo Agostinho advogava
admiráveis, por isso. Nota tradutor pp. 608

167
olhos são por natureza avidíssimos de beleza e concinidade’, no que se
mostram muito exigentes em brilho e esplendor e difíceis de saciar.

No remate da obra, no livro X, cap. 3, reforça a utilidade dos sentidos,


particularmente os olhos, pela evidência que se manifesta na
experiência empírica das edificações.

Quase a terminar a narrativa, no penúltimo parágrafo, Alberti retoma


a noção de concinidade apreendida pelo olhar: ‘O olhar deter-se-á e
demorará nos lugares de repouso que se lhe oferecem, onde pode
fixar-se e ofender-se menos com a vastidão’, pp. 691. Esta noção
estabelece uma correspondência entre o desejo da percepção
fenoménica e o ser no lugar.

Discurso ilustrado
No discurso de Alberti segue-se uma intenção de evocar o
conhecimento dos antigos ao mesmo tempo que se recria o discurso
com a introdução de outros aspectos conexos da narrativa. Estes
relatos ilustrativos servem por isso para fundamentar o discurso
disciplinar da arte edificatória (livro II, cap. 11).

O discurso tem, por isso, advertências para que não se cometam erros
no delineamento das cidades, em relação à utilidade e dignidade,
verificados na história e nalgumas ficções de Alberti.

O discurso que ora aprova, ora adverte, aconselha, para a decisão


prudente. O leitor, perante os exemplos e argumentos é conduzido
pela forma do discurso à confirmação e legitimação do discurso. No
texto de Alberti, dada a importância da antiguidade em modo
equivalente ao ornamento, Livro VII, Cap. 3, transferem-se as

168
características desse passado para o ornamento, por vezes de forma
contraditória. O ornamento assume assim valores universais, deve ser
protegido e preservado.

Discurso com exemplos dos Antigos218, ‘peritos’, com fontes


diversas219, o que outros afirmam, o que contam, referidos a lugares
míticos e lugares actuais. Lugares e espaços experimentados pelos
sentidos e outros imaginados pelas fontes da época.

E o preenchimento do desconhecido, o que não se sabe ao certo, pelo


aceitação e convencimento resultante da assertividade do discurso e de
louvar as referências do passado. Por exemplo com a expressão, ‘Em
Teofrasto, o sofista, leio (...)’ livro VII, cap. 3.

A admiração ou a reprovação das obras a que Alberti se refere ao


longo do texto, resulta da oposição entre o poder do desejo e o acaso
da matéria.

E, no fecho de capítulo remata, muitas vezes com ‘mas sobre isto,


basta o que se disse até aqui’, refletindo a oralidade220 do discurso
narrativo221.

218 Que ‘foram unânimes em concordar’ como expressa Alberti, por exemplo no livro X,
cap. 6, pp. 646, a propósito da água que fecha a circularidade da obra, fonte ou princípio
e causa de defeitos nas obras.
219 Por exemplo escritores onde encontra matéria que expõe e que ‘aprova plenamente’.
220 A nota do discurso oral surge pela primeira vez no final do cap. 2, do livro I, pp. 148,
com a expressão ‘Devemos, pois, falar destes tópicos e das partes de cada um deles’.
Outro registo, por exemplo, na abertura do Livro VI, cap. 6, reflecte a oralidade na
escrita: ‘Devíamos falar aqui dos revestimentos (...) no final faremos uma exposição
sumária que permita às mentes doutas e perspicazes aperceberem-se claramente desta
matéria’ pp. 392. ‘Nem repito que há vários tipos de movimento’ e enumera-os a seguir,

169
No livro VII, cap. 10, pp. 474, Alberti refere-se à pintura222, outra das
artes necessária ao arquitecto e acrescenta: ‘na verdade, pintar mal não
é pintar, mas sujar o muro (...) Ambos são pintores: aquele que pinta
com palavras, e aquele que ensina uma coisa com o pincel; o resto é
idêntico e comum a ambos.’ Esta noção de Horácio ‘ut pictura
poiesis’ é transposto por Alberti para ‘como na poesia assim na
pintura’223. Holanda fará a mesma leitura.

No livro IX, cap. 4, a propósito do ornamento de edifícios privados,


retoma o tema da pintura e da poética, aproximando-os e separando
as funções de cada manifestação, cada género numa tentativa de
agrupamento tipológico, dizendo: ‘E como a pintura é variada como a

não diz, mas diz, pp. 393. E tratará desses assuntos noutro lugar. Na abertura do cap. 8,
‘Falámos da roda e da roldana e da alavanca’, pp. 401. Outro exemplo, no livro VI, cap.
10, ‘Quase tudo o que acabamos de dizer a respeito dos revestimentos se aplica à
construção dos pavimentos de que prometemos falar’, pp. 412
221 Como por exemplo, pp. 545
222 No livro X, cap. 7, pp. 651, ao abordar a construção dos emissários de água,
encontramos uma matéria que também está presente no tratado Da Pittura: ‘uma das
suas linhas é o raio produzido pela vista de quem olha para uma altura igual à da vista’.
Esta matéria é a seguir conjugada com outra de geometria, presente na obra ‘Ex ludis
rerum mathematicarum’. Ao longo deste capítulo refere-se por vezes à abordagem destas
matérias noutro lugar, pp. 652. Como este é o livro terminal, admitimos que se referia
efetivamente a outras obras de conhecimento complementar à narrativa que trata da arte
edificatória.
223 No livro IX, cap. 10, a propósito da formação que o arquitecto deve ter para a melhor
performance, Alberti faz a analogia com o estudo das letras, dizendo que tal como nas
letras se devem estudar todos os autores, todas as obras de arquitectura, boas e más, o
arquitecto desenhará, anotará proporções, reduzi-las-á a maquetas à escala, examinará as
ordens, lugares, géneros e proporções de cada uma das coisas.. o arquitecto examinará
aquilo que for artificioso, bem pensado e inventado e digno de admiração. Imitará aquilo
que merecer aprovação, contará as mesmas histórias, reescrirá as histórias que possam
ser melhor contadas, com arte e reflexão. – épica da criação, procurará a virtude e
aprofundará a cultura material do seu tempo, fazendo tudo em função do ornamento.

170
poética – uma relata a gesta memorável dos grandes príncipes, outra
os costumes dos cidadãos privados, outra a vida agrícola – a primeira
que possui majestade, emprega-se nas obras públicas e nas das pessoas
muito importantes; a segunda aplicar-se-á nos muros dos cidadãos
privados para servir de ornamento; a última convirá sobretudo às
quintas, porque de todas é a mais aprazível’. E a seguir conclui com a
finalidade dessa ornamentação, ‘Recreamos o espírito grandemente
quando vemos a amenidade dos lugares, os portos, as pescarias, as
caçadas, as piscinas, os jogos campestres, a paisagem florida e
frondosa’.

São muitas as referências no texto aos antigos e aos deuses dos


Antigos, aos sacrifícios dos Antigos e aos benefícios das hierofanias
que se edificam. Raras vezes aparece a referência ao Deus Único,
como no Livro VII, cap. 3, a propósito da estupefacção perante a
imponência de um templo que o leitor (hoje) contempla e a propósito
do qual exclama em voz alta que aquele lugar ‘é digno de Deus’.

O humanismo do renascimento tanto evoca os deuses e deusas da


Antiguidade pagã, como o humanismo do cristianismo primitivo. Os
dogmas de base do cristianismo são por isso respeitados, de forma
análoga aos da antiguidade224.

Reelaboração de narrativas
Ao longo da narrativa, Alberti insere informações de memória, como
por exemplo no livro V, cap. 11, ‘Vem a propósito referir aqui um
caso digno de memória narrado pelo historiador Apiano’, pp. 346,

224 Note-se a referência ao ‘sacrifício’ da missa no livro II, cap. 13, quando se propõe por de
lado superstições e opiniões sem fundamento para dar inicio à obra.

171
para dessa forma ilustrar os princípios e validar a narrativa anterior. A
narrativa é então transmutada pela sua voz, actualizada, e regista assim
erros de transposição225, para servir o objectivo da arte edificatória.

São múltiplas as referências a outras histórias que Alberti narra226,


referindo-se algumas vezes à proposição ‘se é certa a minha
interpretação’ (como por exemplo no livro III, cap. 15, pp. 271; no
livro VII, cap. 9, pp. 467), ou na pequena frase ‘Uma história da
Grécia’ livro VI, cap. 13, pp419227.

A maior narrativa a que Alberti se refere é ‘De architectura libri


decem’ de Vitruvio. No livro III, cap 15, pp. 272 cita o saber de
Vitrúvio e logo a seguir Plínio, sobre coberturas; no livro IV, cap. 4
cita Vitrúvio, com o saber relativo à construção dos muros da cidade:
‘Sou de opinião que a construção do muro deve ser feita de tal
maneira que na sua espessura sejam introduzidas, o mais cerradamente
possível, pranchas de oliveira endurecidas ao lume, a fim de que
ambas as faces do muro, ligadas entre si como que por grampos de
madeira, tenham uma firmeza eterna’ (pranchas ou traves)228 . No livro

225 Alberti refere nesta história a edificação de um muro alto com mil e setenta torres de
madeira, enquanto Apiano se refere a 1500 torres, segundo nota do tradutor.
226 Algumas histórias narradas assumem o carácter fantástico, não demonstrado e não
registado. Veja-se no livro III, cap. 13, pp. 262 a origem da construção do arco e da
abóbada.
227 Esta perspectiva assume que o passado histórico tem valor implícito, e é por isso
‘vergonhoso não poupar as obras dos antigos’, livro III, cap. 1, pp. 233.
228 Referência a Vitrúvio (I, 5, 3).

172
V, cap. 17, coloca na sua voz as palavras de Vitrúvio a propósito das
salas de jantar de Inverno em edifícios particulares229

Contudo, Alberti não se contenta em colocar pela sua voz os


operadores de Vitrúvio, com a respectiva actualização humanista, cria
uma história que segue aquela, mas com descritores diferentes.

Como exemplos temos: no livro VII, cap. 5, refere-se aos


intercolúnios com designações diferentes, com termos da oralidade
pp. 445; ainda no cap. 6, refere-se à origem dos capitéis de forma
diversa de Vitrúvio, e interpela o leitor ou ouvinte sobre a causa das
diferenças entre capitéis, dando espaço à criação de uma nova ficção
ou à introdução de outro conhecimento; no livro VII, cap. 7, refere-se
às molduras equivalentes às designações de Vitrúvio, embora com
termos criados (o degrau, o equino, o canalículo, a gola reversa, a gola
direita de Vitrúvio, são para Alberti o ressalto, a rudentura, o caveto, a
gola e a onda.

Alberti também adverte para aqueles que copiem a sua obra, ‘que
refiram os números que serão mencionados, não com símbolos, mas
com os nomes latinos com todas as letras’. De novo, no livro VII,
cap. 9, reforça a advertência para ao copiar o texto se reportarem os
números pela grafia completa e não pelo símbolo. Estas advertências
sobre o referente, para que não ocorram deturpações, separam o
esquema do significado, remetendo esse ‘desenho’ para a
representação ou denotação patenteada noutras partes plenas de

229 ‘dizia Vitrúvio que não vale a pena usar decoração fina nas cornijas das abóbadas,
porque se deterioram com o fumo da lareira e com a fuligem acumulada’ Vitrúvio, VII, 4,
4.

173
detalhes. Esta preocupação com a fidelidade das cópias não obteve
frutos, como observa o tradutor (nota pp. 446).

Não obstante as muitas referências a Vitrúvio230 , nalgumas partes


refere explicitamente que não segue a teoria de Vitrúvio, pp. 554, dada
a dificuldade de por em prática aqueles ensinamentos, dito por
experiência que não são fidedignos, tratando-se assim de
conhecimento pouco operativo, voltando por isso aos ensinamentos e
autoridade de Aristóteles. Noutras partes reúne o conhecimento de
autoridades, diferentes pontos de vista, mas como não confia nessa
apresentação, retoma a experiência própria para repor o saber dizendo
‘Nós, todavia, vemos que’ (livro X, cap. 12, pp. 672)

Contrariando o que expôs no Prólogo, sobre muitos e variados


saberes necessários a uma vida agradável e feliz231, de que a
arquitectura faz parte, expressa no livro IX, cap. 5, uma investigação
sobre a beleza, intrínseca ao objecto arquitectónico, que indicia a
autonomia da arquitectura que não se subordina a outro saber, pp. 591

230 Por exemplo, no Livro VI, cap. 6, ‘Lê-se em Vitrúvio’, pp392-393.


231 No livro IX, cap. 10, recomenda que o arquitecto, na procura ultima da beleza, se
apetreche do conhecimento e do cultivo de todas as artes liberais, preparando-se com
tudo de modo a não necessitar de mais ajudas neste âmbito, nunca cessando de estudar
até ser igual àqueles que louva nada mais poder acrescentar. De entre as artes liberais,
refere que as mais úteis são: a pintura (como a escrita, palavras e sílabas) e a matemática.
Exclui a retórica das mais importantes... pp. 619 porque só serviria para explicar ao
executante como se há-de fazer. Terá os sentidos exteroceptivos educados para a
harmonia. Note-se que o saber enciclopédico de Vitrúvio é substituído por um saber
mais operativo, baseado na pintura e na matemática, considerando por isso o desenho e
os sistemas proporcionais instrumentais e criativos para a arte de edificar. O alcance
deste saber é útil também para outras áreas, como refere Alberti no livro X, cap. 9, pp.
660.

174
Define e identifica essa beleza como ‘comum a cada uma das partes,
de forma exacta e idêntica’, ou, por oposição, ‘reúna várias coisas num
só conjunto e num só corpo e as mantenha em coesão firme e estável
e em harmonia’. A beleza, é assim para Alberti um princípio de
harmonia, impresso e infuso nos objectos, como na natureza, a
essência que é inerente a todas as coisas ou com as quais se mistura232.

Nessa procura da beleza que desperta o espírito e no mesmo instante


é sentida233, Alberti retoma o que expos nos livros I, cap. 9, livro IV,
cap. 3, livro VII, cap. 5 e agora no livro IX, cap. 5, que para os
Antigos (imbuídos de autoridade e virtudes), ‘o edifício é como um
animal e que para definir os seus limites é necessário imitar a
natureza’. A noção de imitação que aqui se refere não é a passagem
literal da imagem de um para outro domínio, mas a passagem da
lógica que Alberti reelabora como narrador, pondo em causa os
conceitos de mimesis e de diegesis.

Alberti reforça que nesta investigação sobre a beleza, não se trata da


sua opinião, ‘mas sim de um princípio inato no espírito’ que ajuizará
acerca da beleza, natural ou edificada. Esta perspectiva segue os
escritos de Cusa, sobre o belo e a participação do divino. Surge assim
o paradoxo da criação na arquitectura a partir dos antigos e o belo
universal, que se confronta com a noção inata do belo.

Alberti conclui a investigação com as três noções nas quais se


condensa a totalidade da beleza: ‘número, aquilo a que chamamos

232 O contrário desta exposição, a discórdia e desunião, dissiparia essa tão procurada beleza.
233 Se algo for mudado nessa ordem do sentir, deteriora-se o que despertou o espírito
instantaneamente.

175
delimitação, e disposição’ – noções que ligadas se condensam na
noção de ‘concinidade’ (graça e decoro na ordenação das partes
distintas entre si, mas seguindo leis em que umas ornamentam as
outras). Em conclusão Alberti reflete que a arte edificatória que
recolhe da concinidade (lei primeira da organização natural) a graça,
prestígio, decoro, é respeitada. Assim, em conclusão, coloca a
concinidade fora da arte edificatória, como princípio universal que a
ornamentação de edifícios procura atingir, para justificar a sua
valoração234.

Edificações
Notamos que existem poucas referências às obras de Alberti na
narrativa em análise, contudo podemos ler no livro I, cap. 12, pp. 181,
uma passagem breve que pode estar relacionada com a sua prática:
‘No que diz respeito às aberturas, uns usaram um delineamento,
outros outro. Mas os mais considerados, sempre que possível, não
usaram senão aberturas rectangulares ou rectilíneas’.

Quase no fecho da narrativa, no livro IX, cap. 10, Alberti refere que
lhe ocorrem muitas ideias de obras, momentaneamente aprovadas,
mas que ao analisar pela razão as suas linhas se dá conta de erros nas
que mais lhe agradavam, reflete assim criticamente que a apreciação
dos sentidos é enganadora e que só a razão poderá corrigir o
delineamento das linhas ângulos (forma) e números com maior

234 A concinidade está para o mundo natural como a arte edificatória está para o mundo
naturante. Deste modo transpôem-se as regras do mundo natural para os princípios
edificatórios, observando o que a natureza faz em relação ao corpo, às partes e ao todo.
Os modos dórico, compacto e durável; coríntio, fino e elegante; e o jónico, intermédio
entre os dois, constituem três nomeações que reúnem os princípios.

176
discernimento, neste papel de mediador entre o mecenas e o
executante.

As referências a seguir são aquelas que se encontram com alguma


certeza validadas pela historiografia, e que merecem aqui registo por
permitirem a leitura da narrativa do Quatrocentto.

Imagem 7 – Santa Maria Novella. In


http://www.museumsinflorence.com/m
usei/santa_maria_novella-cloist.html,
consultado a 20150901.

Imagem 8 – Santo Sepulcro da Capela


Rucellai, Florença. In

177
http://www.museomarinomarini.it/secti
on.php?page=rucellai, consultado a
20150901.

Santa Maria Novella e o Santo Sepulcro da Capela Rucellai, em


Florença, têm revestimentos em mármore, ensambladuras que
contribuem para o sentido do prazer resultada da alternância entre
semelhantes e dissemelhantes (livro Vi, cap. 10 e Livro IX, cap. 9), pp.
411, de forma que o ornamento é construído para o sentido do olhar.

Imagem 9 – Palácio Rucellai, Florença. In


http://www.europeana.eu/portal/record
/08535/local__default__6108.html?start
=1&query=what%3A%22Palazzo+Rucel
lai+in+Florenz%22&startPage=1&qt=fal
se&rows=24, consultado a 20150901.

Palácio Rucellai, em Florença, executado com aparelho reticulado com


desenho de juntas a 45º com a horizontal, cumprindo uma de três
hipóteses construtivas propostas por Alberti. As outras formas são o
aparelho ordinário e o aparelho irregular, pp. 245.

178
Imagem 10 – interior da Santissima
Anunziata, Florença. In
http://www.firenze-
online.com/visitare/informazioni-
firenze.php?id=6#.VhFLZbRUMuI,
consultado a 20150901.

Conjectura-se que o coro da Santíssima Anunziata, em Florença teria


prevista uma abóbada esférica (‘abóbada semelhante ao céu’ pp. 267).

Imagem 11 – São Sebastião, Mântua. In


http://www.cpp.edu/~aehacker/arc362/
Northern%20Italy%20and%20Palladio/I
mages/3176.jpg, consultado a 20150901.

179
Imagem 12 – São Sebastião, Mântua. In .
http://www.lombardiabeniculturali.it/arc
hitetture/schede/MN360-01055/,
consultado a 20150601

Em São Sebastião em Mântua, encontramos uma inovação de Alberti,


com planta centralizada, que embora tenha referências no Panteão, é
proposto com o programa de planta centralizada, com poucas
referências no humanismo, nos antigos. Provavelmente estaria
prevista uma abóbada esférica no primeiro projecto.

Imagem 13 – Templo Malatestiano,


Rimini. In
http://www.historiasztuki.com.pl/ilustra
cje/STYLE-RENESENS/Tempio-
Malatestiano-Alberti.jpg, consultado a
20150901.

180
Imagem 14 – Templo Malatestiano,
Rimini. In
http://www.historiasztuki.com.pl/ilustra
cje/STYLE-RENESENS/Tempio-
Malatestiano-Alberti-plan-3.jpg,
consultado a 20150901.

No templo Malatestiano em Rimini é usado o capitel itálico


(designação que Alberti atribui ao capitel compósito (nota do tradutor
pp. 459)), que exemplarmente se propõem como uma nova forma de
capitel e não como legado descrito pelos Antigos, mas como objecto
arqueológico235 estudado por Alberti (livro VI, cap. 13). É nesta obra
que encontramos o rigor de execução ou de transposição do tratado,
por exemplo nas colunas redondas que, segundo prescrição de Alberti,

235 Alberti revela um conhecimento arqueológico da arquitectura e da construção do


passado, no livro III, cap. 10, por exemplo, refere que ‘Ao verem nos edifícios da
antiguidade pedras muito grandes barradas com vermelhão entre as juntas, concluem que
ele era usado em vez de cal. Isso não me parece verosímil, principalmente porque
verifico que apenas uma superfície da junta está barrada e não as duas’., pp. 254. No cap.
16 refere também que apresenta o que recolheu ‘com muito empenho e diligência, da
observação dos edifícios da antiguidade’, com os quais aprendeu ‘muito mais (...) do que
com os escritores’, pp. 275.

181
‘As colunas devem ser salientes não mais nem menos do que metade
do seu diâmetro’ livro VI, cap. 12, pp. 417236.

As obras referidas não têm correspondência exacta nos legados dos


Antigos. São criações com esse ponto de partida, criações que o
interpretam, para propor conhecimento novo, digno de aprovação.
Contudo, Alberti deixa uma autocrítica, referindo-se a outros capiteis,
além dos descritos, que os entendidos não aprovam (livro VII, cap. 8)
neste incluem-se experiências do templo Malatestiano em Rimini. É
através das obras como de referências no texto, que Alberti dá conta
da mestria em unificar teoria e prática, teoria de delineamento e
prática sensível, experimentada, como lemos na personificação
atribuída à construção entre o capitel e a arquitrave, pp. 460.

Imagem 15 – Santo André, Mântua. In


https://classconnection.s3.amazonaws.co
m/101/flashcards/739101/jpg/s._andrea
21326424823092.jpg, consultado a
20150901.

236 Segundo a nota do tradutor in (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 2011), Neste templo
encontramos a abóbada de berço na nave central. A abóbada esférica estaria
conjecturalmente prevista para a cabeceira inacabada. Contudo, actualmente não existe
abóbada de berço na nave.

182
Imagem 16 – Santo André, Mântua. In
http://www.historiasztuki.com.pl/ilustra
cje/STYLE-RENESENS/Sant'Andrea-
Mantua-fasada.jpg, consultado a
20150901.

Santo André em Mântua apresenta, nas abóbadas de berço na nave,


nos braços e nos altares laterais, caixotões à semelhança do panteão de
Roma (abóbada esférica). Tem aberturas nas paredes exteriores,
nichos escavados para se colocarem estátuas e quadros, pp. 181.

183
Imagem 17 – São Sebastião, Mântua. In
http://architetturaquattrocentocinquecen
to.blogspot.pt/2012/02/san-sebastiano-
mantova-1460.html, consultado a
20150901.

Imagem 18 – Santo André, Mântua. In


http://www.historiasztuki.com.pl/ilustra
cje/STYLE-RENESENS/SantAndrea-
Matua-interior.jpg, consultado a
20150901.

184
Em São Sebastião e Santo André em Mântua, a luz interior segue a
noção exposta no livro VII, cap. 12, é filtrada para conseguir o espaço
pleno de devoção, conseguida pela redução da luz à penumbra237.

São atribuídas outras obras a Alberti, nomeadamente a Villa Medicis


em Fiesole, casa de campo que Mazzini-Martino (2004) argumentam
ser da autoria de Alberti e não de Michelozzo. Segundo o tradutor da
narrativa, esta casa é o primeiro exemplo de uma ‘villa’ que, a partir do
séc. XV se tornou referência para Florença e para a península Itálica,
pp. 354; e a Igreja de São Lourenço, em Mântua, construída no séc.
XII (segundo semelhança com a igreja do Santo Sepulcro em
Jerusalém), terá sido provavelmente restaurada por Alberti em 1460
(apresentava uma superfície parietal circular intercalada com colunas
adossadas) nota do tradutor, pp. 165.

237 Nestas igrejas foi utilizada alvenaria de tijolo nos paramentos e cascalho de pedra solta
no enchimento, de acordo com a nota do tradutor, pp. 250.

185
Imagem 19 – fotografia de paisagem,
desenhos, maqueta. (Manalvo, Projecto e
Narrativa: a investigação sobre a narrativa
como método de pesquisa., 2009)

Discussão
Existem inúmeras formas de narrativas no mundo, como (Barthes,
Introduction to the Structuralist Analysis of Narratives, 1977 [1966])
expôs, com diferentes suportes, substância, veículos e formas,
reforçando as características antropológicas e existenciais das histórias
e do acto de contar histórias. Em certo sentido, como vimos com
(Sartre, 1964) em ‘Les Mots’, ‘as pessoas estão sempre a contar
histórias, vivem cercadas pelas suas histórias e pelas histórias dos
outros; veem tudo o que lhes acontece através dessas histórias e

186
tentam viver as suas vidas como se as estivessem a recontar’238 . Mas,
nem sempre usamos o conhecimento expresso em narrativas de forma
consciente, negligenciamos a estrutura das formas narrativas de
conhecer, para perceber, entender e operar no mundo material onde
nos inserimos.

Para fazer sentido e dar significado à cultura material que


experimentamos, a nossa hipótese é que as narrativas permitem
pesquisar transformações operadas pela mudança e tradução de
experiências anteriores nos limites da configuração espacial, que são
transpostas analogicamente para a experiência corrente. Através deste
meio, inventamos o mundo, uma ficção e uma cópia suportada num
dispositivo, na narrativa como um conceito técnico retórico que exibe
o poder de dar sentido às experiências inteoceptivas, proprioceprtivas
e exteroceptivas.

Para além da historiografia que opera narrativas, as ciências sociais


revelaram nas últimas décadas (Clandinin & Connelly, 2004), um
interesse acrescido na pesquisa qualitativa, na aproximação à pesquisa
narrativa. Estas aproximações focam-se sobretudo na experiência de
vida com uma metodologia para pesquisar histórias e contar histórias
(Webster & Mertova, 2007), aplicadas sobretudo em domínios de
ensino e aprendizagem. De acordo com (Clandinin & Connelly, 2004),
a compreensão da experiência que vivemos e das histórias que
contamos, que podem ser pesquisadas através de pesquisa qualitativa,
obteve resultados através dessa forma de pesquisa porque captura as

238 Ouvimos e contamos histórias porque precisamos de prevenir as situações que são
narradas nas histórias. Trata-se de um processo cognitivo, resultado do mundo
antropocentrado.

187
dimensões humana e pessoal, simultaneamente pessoal e colectiva. Da
mesma forma, na nossa pesquisa do meio construído, e arquitectura,
por vezes dirigimo-nos à realidade focando os acontecimentos críticos
para construir histórias que dão sentido aos factos (Clandinin &
Connelly, 2004). Quando fazemos isto, preenchemos a lacuna entre o
conhecimento prévio experimentado, factos e ficções idiossincráticas.
Este processo, permite-nos criar uma ‘narrativa do conhecimento’,
para entrar no desconhecido e criar artefactos culturais239 . Isto
significa que as narrativas são o suporte da experiência humana,
adequadas para circunscrever o sentido e o significado da experiência
humana, na aprendizagem, no ensino e na pesquisa de artefactos
culturais.

Não obstante, o termo narrativa, do latim ‘narratio’ não está


relacionado com contar histórias, ou com invenções, tal como
entendemos estes campos hoje, mas foi em primeiro lugar um termo
que define uma técnica retórica que designava a parte de uma oração
que seguia o argumento. Só depois de Cícero, o termo foi ampliado
para incluir a inventividade através da criação de sequências de
acontecimentos ou ideias. Até Cícero, a narrativa não agrupava vários
tipos de histórias e o acto de contar histórias como hoje. De facto,
actualmente a filosofia das histórias (Currie, 2010), ampliou as
histórias com novos suportes de desenhos aos edifícios.

239 A necessidade de entender os espaços habitados, como actantes, arquitectos e


utilizadores de um corpo, enredo bem construído, desenrola a necessidade dramática
para alcançar o espaço e o tempo através de meios narrativos (Herman, Narrative Theory
and the Cognitive Sciences, 2003), trazidos do domínio da literatura e das ciências
sociais. Esta necessidade desenvolve-se num enredo que introduz ‘uma forma de
conhecimento narrativo’ (Currie, 2010), próximo de ‘ver através da leitura’ e
‘compreender pela visão’.

188
Recentemente, a narrativa foi valorizada no âmbito da arquitectura,
como um meio de tradução dos conceitos para a experiência, do
abstrato para o concreto dos nossos espaços de vida (Psarra, 2008) e,
como um meio para o ‘desempenho’ na relação com o espaço
construído (Coates, 2012). Para estas aproximações, como na
mudança narrativa no renascimento, o conhecimento estruturado num
enredo bem composto, emerge para o campo da pesquisa sobre
arquitectura, e mais relevante, para o projecto de arquitectura devido
ao suporte narrativo, generativo, que permite fazer o percurso dos
factos para as ficções e a integração do que não estava relacionado na
criação.

Narrativa anterior à arquitectura


[…] Com não menos prazer de espírito contemplarei uma boa pintura – na
verdade, pintar mal não é pintar, mas sujar o muro – do que lerei uma boa
história. Ambos são pintores: aquele que pinta com palavras, e aquele que ensina
uma coisa com o pincel; o resto é idêntico e comum a ambos. […]240

No livro sétimo do tratado De Re aedificatoria, Alberti (1404-1472)


transpõe o tema da antiguidade Ut pictura poesis (como na pintura,
assim na poesia) de Horácio (c. 20 a.C.) para “como na poesia, assim
na pintura”241 com o intuito de valorizar os ensinamentos lidos nos
registos visuais, relacionando-os com saberes diferentes. O aforismo
de Horácio referia-se à poesia, ou “textos imaginativos”, que
mereciam a mesma interpretação cuidada que na época estava
reservada para a pintura, tornando as artes gémeas. Este paralelo foi

240 In (Alberti, Da Arte Edificatória, 2011). Livro Sétimo – O Ornamento de Edifícios


Sagrados, pp. 474.
241 (Alberti, L' art D' edifier, 2004), pp. 350, n. 110

189
interpretado como princípio de similaridade e desenvolvido ao longo
da Idade Média até ao Iluminismo, servindo de campo de teste para as
teorias de imitação na génese da estética, já que as comparações da
poesia com a pintura tendem a valorizar as metáforas, a poesia -
pintura falante arbitrária, enquanto para diferenciar a poesia da pintura
há uma tendência para afirmar uma verdade literal, a pintura - uma
poesia muda natural..

A leitura da pintura e da arquitectura, como uma história, ampliou o


espaço das narrativas além da historiografia, do texto para as
realizações da cultura material, recuperando assim o carácter
antropológico e existencial de contar histórias para o espaço da
linguagem arquitectónica com a investigação do conteúdo narrativo
das histórias. A compreensão deste fenómeno assenta na noção, da
filosofia das histórias, de que as histórias representam coisas como se
existissem, ou coisas que existem, e as circunstâncias como acto,
como refere (Currie, 2010). A transposição feita por Alberti,
transmutando a pintura em poesia encerra contudo o perigo da leitura
se poder basear em elementos anedóticos de uma obra em prejuízo
das suas qualidades formais, como assinala (Collins, 1998), pp. 263,
iludindo-se assim as subtilezas da composição, da proporção e dos
valores.

A partir da filosofia das histórias, torna-se possível abordar a narrativa


arquitectónica como uma pré-existência em potência, modelada pelas
experiências anteriores. Tudo o que foi experimentado está no
ordenamento de particularidades que faz a nova história, de uma
forma virtual, actualizável pela nova experiência. Deste modo, pela
narrativa, o criador não resume toda a experiência, mas elege uma

190
parte significante, crítica, para a partir daí reproduzir uma ordem que
faça sentido e que dê sentido às relações que são estruturadas,
simultaneamente uma cópia recontada e uma nova história. Os dados
que pré-existem à experiência da nova história são os acontecimentos
críticos da experiência anterior. São estes acontecimentos que
promoveram a mudança e a alteração da percepção, reintegrados na
nova história com a mesma intenção crítica, por terem um papel
auxiliar e preparatório na definição do encadeamento e enredo da
história para o desenlace espacial. A narrativa da arquitectura elege
parte dessa experiência, reintegra-a e refaz o entendimento dos
acontecimentos críticos. A construção narrativa mais do que juntar
acontecimentos das experiências prévias, remove parte do total que
elege, e recontextualiza-os para o objectivo da transferência do saber
de fora da arquitectura para a representação, para voltar a apresentar a
experiência arquitectónica. Neste sentido trata-se de uma ficção só
interpretável pela experiência e tornada assim uma representação fiel
da arquitectura. Esta representação, mais do que ilustrativa é narrativa
porque as representações operam por evocação, por similitude por
parecença, analogia, ao contrário da representação convencional,
código, da linguagem construtiva e da perspectiva, por exemplo.
Distingue-se deste modo, a formulação das narrativas anteriores à
recepção da arquitectura, as narrativas da concepção242 e do registo
primeiro. Este registo faz o acontecimento arquitectura no sentido em

242 Tendo presente a ambiguidade formal da narrativa de Alberti, plena de referências da


tradição retórica num texto que não explicita ideias ou as enuncia, como faria um texto
científico, nem trabalha um enredo ou uma exposição narrativa como um texto literário.
In (Alberti, Da Arte Edificatória, 2011)- Introdução à tradução de Santo-Kruger.

191
que não se limita a narrá-lo, o que vemos, mas lemos a narrativa da
arquitectura que se impõe243 .

A arquitectura como arte do enredo, com poder cognitivo, onde a


narrativa dá sentido e faz sentido inverte o sentido das formas
grafadas onde o texto dá a ver, enquanto a imagem dá a compreender.
Nesta hipótese, delinear a arquitectura é equivalente a narrar a forma
mental imaginada, narrativa que a matéria persegue. Este processo de
saber específico que Alberti denomina de lineamentis, por oposição a
construção, reúne o poder generativo da concepção por se mover
entre necessitas, commoditas e voluptas, e se reportar à imaginação de quem
define e gera a arquitectura dando sentido à experiência. O processo
de conformação ultrapassa o vazio entre factos e ficção, para através
da narratividade e da integração de saberes de disciplinas fora da
arquitectura, criar simultaneamente o limite e a semântica das formas.
Entende-se, por isso, que este processo é análogo à criação de uma
tecitura, uma narrativa do visível que se baseia em axiomas e na
abstracção que permite manter os conceitos válidos quando se
abandona a hipótese.

Neste ponto de vista, separamos a prática da arte edificatória entre


aquela que é orientada por narrativas, ou com aspectos narrativos que
recolhem conhecimentos anteriores e, por outro lado, aspectos não
narrativos, ambas possíveis no projecto de arquitectura. Para além de
diferentes classes e grupos de narrativas construídas, listadas em
manifestações exteriores na cultura material, interessa-nos o modo
como a narrativa da concepção chega ao centro do projecto de

243 Lembrando a qualidade impressiva que (Benjamin, 1992) atribui à arquitectura.

192
arquitectura, como se funda, a partir da mudança promovida pelo
tratado de Alberti. Em particular, como a relação implícita e a
transformação pelo movimento dos corpos foi transportada pelo
movimento dos espíritos, de ‘agora eu vejo’ para ‘agora eu
compreendo’. A introdução do meio narrativo no projecto de
arquitectura traz um padrão mais amplo para fazer sentido e dar
significado, para criar uma paisagem para acção e uma paisagem para a
consciência em cada narrativa transcrita e reescrita. Nesta concepção,
o espaço construído contém qualidades narrativas, e os conceitos
anteriores seguem as mesmas qualidades narrativas.

Tomando como referência as obras de Alberti (1404-1472) em vários


domínios, e especificamente o tratado (editado em 1485), com
extensas referências a conhecimento anterior, na voz dos antigos, o
conceito de ‘lineamenta’; e a reescrita da noção de ‘ideia’ proposta por
Holanda (1517-1584)244 um século mais tarde, podemos pesquisar a
forma como a história é recontada, no suporte para fazer sentido para
a criação e dar significado ao que no início da renascença, mas
também hoje, consideramos uma estrutura interna, uma forma
narrativa de desenho de arquitectura.

Na nossa prática, da arte edificatória e no domínio da teoria da


arquitectura, preenchemos o espaço entre o conhecido e o
desconhecido, à semelhança do que (Alberti L. B., Da Arte
Edificatória, 2011) escreveu no Prólogo, à cerca de muitos e variados
saberes que nos ajudam a construir espaços para que a vida seja

244 (Holanda, Da pintura antiga, 1984); (Holanda, Livro das Idades, 1983); (Holanda,
Diálogos em Roma, 1984); (Holanda, Do tirar polo natural, 1984); (Holanda, Da Fábrica
que Falece à Cidade de Lisboa, 1571).

193
vivida de uma forma mais agradável e alegre, através da introdução de
diferentes conhecimentos. É esta introdução de conhecimentos que
torna a disciplina ‘impura’, mas que permite recontar experiências
prévias que são trazidas para a resolução do conhecimento ficcionado.
Neste sentido operamos uma transformação narrativa com a criação
de uma paisagem para acção e uma paisagem para a consciência,
através dos acontecimentos dispostos no tempo da experiência.
Significa que os aspectos idiossincráticos ficam assim presentes no
suporte, realizado pela prescrição prévia e as condições da sua
execução. Esta circunstância cria o ponto de partida para separar o
conhecimento da criação, baseado sobretudo em estratégias retóricas e
literárias valorizadas por (Vasari, 1550), e o conhecimento de um
artesão.

A explicação desta concepção de narrativa, no início do renascimento


e de forma análoga hoje, está no seio da concepção da arquitectura.
Registamos, por isso a presença do ‘disegno interno’ no conceito
seminal de ‘lineamenta’ proposto por (Alberti L. B., Da Arte
Edificatória, 2011) e no conceito de ‘idea’ do renascimento em
Portugal, proposto por (Holanda, Da pintura antiga, 1984), (Holanda,
Do tirar polo natural, 1984), que imbuído do humanismo e do
naturalismo renascentistas reconta o mesmo conhecimento um século
mais tarde, fundado na figura de (Cusa, De la Pensée [De Mente],
1983) de ‘deus in terris’.

Narratividade
Os estudos actuais sobre a narrativa exploram as mesmas questões
que na antiguidade, revelando a importância da narrativa como uma
forma e um paradigma de pensamento e linguagem, marcante,

194
pesquisado com diferentes formas dirigidas ao fenómeno e à descrição
da narrativa. As analises de histórias tomam dois caminhos, análise de
narrativas, um nível paradigmático, e analise narrativa para reconstruir
o conhecimento. O nível paradigmático, como (Polkinghorne, 1995)
explicou, procede dos conceitos e analisa as narrativas para extrair
informação, das histórias para os aspectos comuns, separando o todo.
Assim, o pensamento paradigmático, como (Feldman, Bruner,
Renderer, & Spitzer, 1990) escreveram, implica um processo cognitivo
de interpretação e entendimento de histórias, separando o todo. Por
outro lado, o caminho da análise narrativa como é uma experiência
analógica, dos acontecimentos para as histórias, religa os
acontecimentos para transmitir a história idiossincrática tornada
possível pelas experiencias anteriores. O entendimento necessário para
agir, presente na análise paradigmática, é por isso diferente da
interpretação para a consciência, para o mundo psicológico, na análise
narrativa. O primeiro está para as acções e para a eficiência como o
segundo está para a aprovação e para a atribuição de valor. Mas,
ambos devolvem um suporte completo, composto com a equivalência
de figuras de estilo e desenhos, para compreender como a história se
desenrola perante nós, actantes, arquitectos e utilizadores. É nesse
sentido que (Herman, Narrative Theory and the Cognitive Sciences,
2003) fala sobre a narrativa para apreender o mundo.

A ligação entre diferentes aproximações à pesquisa sobre as narrativas,


e pesquisa narrativa, funda-se na semântica estrutural (Greimas, 1995),
significando que nós como actantes entendemos as transformações,
centrados no objecto da experiência, percebemos unidades espaciais,
relações temporais e os limites para dar sentido à experiência,
‘construindo’ assim um enredo ou plano que dá significado ao espaço

195
vivido. Esta circunstância lembra-nos a fenomenologia, uma
experiência de um corpo vivo, em movimento. Também nos recorda
da noção de intertextualidade e metáfora de Derrida, bem como das
representações de formações discursivas em (Foucault, As Palavras e
as Coisas. Uma arqueologia das ciências humanas, 1991), enquanto
trabalhamos com artefactos da memória.

Noutro nível, a relação da narratividade com a arquitectura foi


enunciada por (Ricoeur, Architecture et narrativité, 1998)245 , que
comparou a lógica temporal das projeções narrativas com a nossa
experiência temporal, do espaço, com a nossa experiência
fenomenológica. Neste enquadramento, através das nossas acções no
espaço, relacionamo-nos com a arquitectura como actantes,
significando que habitamos um enredo existencial, de acordo com as
nossas experiências anteriores, os nossos sentidos e as nossas
expectativas. Desta forma damos sentido às nossas acções como uma
história enquanto experimentamos os limites da configuração do
espaço. A tese de (Ricoeur, Architecture et narrativité, 1998), a partir
das definições de Aristóteles e Heidegger, explora a analogia entre pré-
figuração, configuração, refiguração do tempo numa narrativa e a
criação de espaço construído na arquitectura, a partir do ponto de
vista da memória, ‘daquilo que não é, mas foi’. Neste sentido, o tempo
da experiência é integrado na arquitectura, traduzindo na linguagem
construída a universalidade da temporalidade humana. A narrativa
constrói desta forma a ilusão ‘daquilo que realmente aconteceu’, uma

245 A referência a este cruzamento de disciplinas lembra-nos do conhecimento ‘impuro’ que


constrói a arquitectura e, noutro plano, do texto de Alberti quando se refere a muitos
saberes úteis que nos forma deixados para construirmos a arquitectura, lugar de uma vida
agradável e feliz.

196
ilusão epistemológica, como uma ficção ou um projecto. A narrativa
actua como construtora de ordem, ordenando o que não está
relacionado e o heterogéneo, enquanto oferece uma possibilidade de
configuração e reconfiguração criativa de acontecimentos dispersos,
numa história coerente, percebida no tempo humano, como assinala
(Umbelino, 2011).

Habitamos o tempo de uma forma narrativa, uma ‘cronotopia’, e


construímos os espaço com uma ordem arquitectónica. A arquitectura
retém as diferentes concepções e transformações do espaço
geométrico, espaço vivido, e finalmente, do espaço narrado, o que
clarifica o projecto com as diferentes aproximações para criar e
perceber o espaço arquitectónico como uma criação ficcional.
Contudo, a diferença entre a narrativa literária ficcional e o projecto
reside na falta de estatuto crítico da primeira e a ausência de
necessidade de justificar o enredo do segundo. O projecto, como
‘poiesis’, cria uma versão plausível de um mundo possível, ou um
fragmento dessa natureza que constrói a ‘natura naturans’ com
acontecimentos críticos, que podem ser verificados através da aferição
no lugar numa experiência fenomenológica.

As narrativas são, para a cultura material, interpretações pessoais de


experiências, que podem ser estruturadas numa lógica complexa. Ou
percebemos o significado narrativo das experiências (Carr, 1986),
quando percebemos as acções e os acontecimentos estruturados
narrativamente e a nossa experiência como uma parte dessas
narrativas pré-concebidas – ‘realismo narrativo’; ou as experiências
têm apenas o significado narrativo imposto pelas nossas
interpretações (White, 1981) com a imposição da nossa idiossincrasia

197
e significado narrativo na experiência – ‘construtivismo narrativo’.
Esta última possibilidade não tem significado narrativo na sua
essência.

Quando consideramos Alberti, um orador ou um arquitecto com


palavras, como propôs (Eriksen, 2001)246 na sequência do propósito
da redacção do texto em latim para ser lido aos patronos, e tentamos
pesquisar as narrativas subjacentes ao tratado, a ‘imitatio’ e a
superação de ordens da cultura escolástica anterior, emerge uma
metafísica platónica da concepção da criação. Esta materializa-se na
forma de referências a autores antigos e no uso da forma narrativa
para potenciar a comunicação, para cativar e para educar pelo
discurso. Nesta transformação narrativa, se considerarmos a resposta
emocional à beleza, temos de aceitar a ligação entre o efeito
persuasivo da oratória e a arquitectura, fazendo o caminho do
conhecimento do ‘realismo narrativo’, corporizado na experiência
anterior, para o ‘construtivismo narrativo’, com a imposição da nossa
idiossincrasia. A nossa pesquisa sobre os escritos valoriza o leitor
implícito, de forma a assegurar o impacto na audiência, cativada pela
escrita visual que permite ver como o desenho permitiria a
compreensão, canalizando a atenção do leitor para o ‘enredo’ ou
enquadramento nos limites da literatura e das artes visuais247. A
imaginação do leitor é desta forma conduzida no acto da leitura e na
experiência do todo delimitado por fronteiras bem determinadas. O
conceito de escrita dominantemente espacial de Alberti, mais do que

246 A expressão do autor é ‘designer with words’, contudo como a tradução mais próxima
do sentido da arte edificatória é arquitecto, optámos por essa grafia.
247 Imerso na pesquisa narrativa (Clandinin & Connelly, 2004).

198
um enredo literário linear, aproxima o conhecimento anterior,
acessível no espírito (pela razão), pré-concebido tal como (Cusa, De
La Docte Ignorance, 1930) defendeu; com disciplinas (Eriksen, 2001),
desenho, matemática, música, como se a forma narrativa retórica
usada pelo autor implícito, na criação de uma ficção que ordena
particularidades, pudesse unificar o pensamento teorético e uma
prática metodológica, escondida como estrutura para dar sentido à
teoria da ‘mente divina’.

Paralelamente, reflectimos sobre a importância da narrativa para a


concepção da arquitectura, recuando à transição do discurso oral e
escrito para o discurso desenhado, na emergência da arte liberal (da
arquitectura) no renascimento. Desta forma, seguimos numa pesquisa
mais vasta, a ligação das narrativas iniciais (fundadoras da teoria da
arquitectura) de Alberti e a forma como foram recontadas 100 anos
depois no renascimento em Portugal, por Holanda e Rodrigues. Neste
vasto campo de pesquisa, histórias que exteriormente são diferentes
têm fontes internas similares, inscritas no plano de criação de Nicolau
de Cusa, o que nos lembra, de um ponto de vista pós-clássico, da
importância da linguagem para a criação. A comparação entre os dois
tempos, permite-nos distinguir duas formas diferentes de desenho
através das narrativas, continuadas a partir deste enquadramento
teorético.

Pensamento narrativo
A lógica das narrativas pode ser complexa. Como vimos, as narrativas
são interpretações pessoais de experiências, através das quais ou
percebemos o significado narrativo (Carr, 1986), ou impomos o
significado narrativo (White, 1981). Esta distinção permite separar o

199
‘realismo narrativo’ da primeira opção do ‘construtivismo narrativo’ da
segunda. No caso vertente da arquitectura escrita e construída,
estamos perante ‘realismo narrativo’ já que o significado narrativo não
é prescrito ou denotado noutro registo narrativo.

Quando analisamos a arquitectura portuguesa do séc. XVI, escrita e


construída, para a entender como o renascimento perscrutou o
passado greco-romano, somo conduzidos para a pesquisa das
narrativas subjacentes, para a pedagogia, ‘imitatio’ e a superação de
ordens prévias estruturadas como narrativas. Estas narrativas
anteriores, anteriores à arquitectura e à pintura a que se referem, como
o trabalho de (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 2011)248 de 1486 e
‘Della Pictura’249 de 1435 (Alberti L. , 1980), permitiram a transição de
uma forma mecânica de executar suportada na cultura escolástica, para
a concepção da criação suportada na noção liberal, metafísica e
neoplatónica, o humanismo. No sentido moderno, os tratados iniciais
e a tradução para latim a partir dos textos gregos antigos250,
permitiram lentamente a transição do conhecimento do ‘realismo
narrativo’ para o ‘construtivismo narrativo’ que organiza outros
conhecimentos impostos na arquitectura e na criação artística para dar

248 Obra que estabelece as fundações para o conhecimento da edificação antropocentrada,


segundo Choay, in (Alberti L. B., L' art D' edifier, 2004), com afinidades conceptuais
com Cusa e Ficcino. Nesta obra não se registam desenhos na primeira edição, o autor
reforça na narrativa o poder do texto e dos esquemas em letras. Só conhecmeos um
desenho esquemático inequivocamente de Alberti, numa carta e esse desenho pode
igualmente ser confundido com a letra S. É plausível que algumas obras arquitectónicas
que lhe são atribuidas tenham sido apenas ‘desenhadas’ pela narrativa.
249 Obra sobre a perspectiva, as suas regras, os três tipos de raios visuais, avança sobre o
conhecimento medieval para a óptica moderna, mas mantém a linha medieval, como
concepção dos limites de cores em vitrais.
250 Ver Marsilio Ficino e Nicolau de Cusa.

200
forma à visão do mundo humanista. Esta nova forma a pesquisa
narrativa tomou forma suportada nas virtudes da retórica de Cícero,
do orador centrado nas particularidades, nas coisas e na sua apreensão
pelos sentidos, que se transforma para dar lugar a novas teorias
organizadas no conceito de ‘rinascita’ (Kristeller, 1988).

Compreende-se assim que o pensamento narrativo forneceu os meios


para a autonomia da criação no renascimento, para a criação do valor
de memória251, permitindo o ordenamento de particularidades e a
mudança de ‘natura naturata’ para ‘natura naturans’. Desta forma
criou os meios para o nascimento da concepção e do desenho como
uma ficção.

Para dar sentido, como (Barthes, Introduction to the Structuralist


Analysis of Narratives, 1977 [1966]) enunciou, as narrativas de
diversos meios, mas análogas à vida, transcendem a substância,
suporte e a forma, referindo-se a histórias internas. Embora alguns
autores sejam cépticos em relação ao estudo de narrativas para
compreender o pensamento no campo de pesquisa psicológico e
cognitivo, a distinção entre histórias internas e externas como
distinção primária é aceite. No nosso ponto de vista, afirmamos que
trabalhamos com histórias internas, manifestando-as imediatamente e
ao mesmo tempo determinando-as, delimitando-as. Seguindo os
exemplos de (Jahn, 2003), pp. 199, a oposição entre as histórias na

251 Este raciocínio pode ser ilustrado pelo uso de histórias paralelas desenhadas num livro
de leis canónicas ‘The Smithfield Decretals’ do séc. XIV que (Carruthers, The Book of
Memory. A Study of Memory in Medieval Culture, 2005), identifica como um artefacto
de memória, menos importante que a história primária.

201
nossa prática pode ser experimentada como os artefactos físicos
(edifícios, desenhos, modelos), reproduzíveis, acessíveis ao público,
existem como histórias externas, opostas a histórias internas que são
virtuais, recontáveis, privadas e não relacionadas com o tempo,
fugazes. Histórias internas e externas seguem assim o caminho cíclico,
da interiorização de histórias externas, significando que são
compreendidas, circunscritas, ligadas, para a exteriorização de histórias
internas, quando são adaptadas, orientadas, executadas, como (Jahn,
2003) refere, a partir da lógica de uma experiência estruturada como
actante.

Como as estratégias de memória são inerentes à comunicação e à


concepção da arquitectura, já que armazenam e reclamam uma
sequência de acontecimentos críticos retendo a conectividade dos
estímulos, aspectos da linguagem, os suportes para manifestação
devem ser considerados. De facto, as metáforas e as analogias estão
no seio dos dialectos de criação, criação de enredos por vezes numa
lógica temporal diferente, baseadas em aspectos retóricos. Estes
aspectos criam a estrutura para construir histórias de conhecimento, já
que frequentemente as histórias são memorizadas (interiorizadas) para
maximizar a recontagem futura, mesmo adaptando a história para os
requisitos pragmáticos de uma narrativa ou exteriorização.

Para conseguir esta recontagem da história, são usadas diferentes


narrativas para apresentar histórias de construir, habitar, pensar
suportadas em diferentes campos teoréticos e práticos construídos
com o ordenamento de acontecimentos críticos que integram
diferentes modos de falar sobre pensar, construir e habitar. Neste
processo transformamos o que é percebido com o nossa experiência

202
anterior, para dar sentido, interpretar o que na realidade não sabemos.
E como actantes, transmitimos essa experiência de forma a ultrapassar
a perda de memória quando tentamos dar significado ao que
transmitimos no suporte que criamos. Note-se que para compreender
este campo dialógico, com aspectos em pólos opostos, é necessário
compreender a narratividade e as diferentes formas de suportar
narrativas, que geram elas próprias uma origem para o desenho e são
concepções narrativas. Neste campo, (Ricoeur, Architecture et
narrativité, 1998) liga a narratividade e a arquitectura com a tese
ambivalente de uma analogia entre o tempo da história e o espaço
construído252, tornando a edificação e a história fundadas no mesmo
campo de experiência antropológico e fenomenológico. Neste sentido,
desenhar através de narrativas e formas narrativas de desenhar podem
ser complementares253. A nossa reconstrução confronta o
conhecimento anterior, colocando em diálogo as diferenças para
construir uma nova ordem numa nova estrutura que será o cenário do
mundo habitado. A pesquisa pelo desenho narrativo é por isso
importante para revelar novas ligações de um conhecimento
esquecido, para criar um novo suporte para o novo conhecimento que
emerge de novos métodos254, e que liga métodos particulares de cada
disciplina. É por esta razão que olhamos para o renascimento como o

252 Como vimos, prefiguração, configuração e refiguração do espaço e do tempo.


253 Todos falamos a linguagem do desenho, com a colaboração de diferentes disciplinas. A
nossa linguagem comum, como Vitrúvio e mais tarde Alberti escreveram, tem como
objetivo reconstruir as ligações entre diferentes dialectos de desenho, diferentes
conhecimentos, para produzir um objetivo comum melhor, como Alberti regista, para
uma vida melhor.
254 Incidindo nas diferenças mas também nas similaridades (conforme o discurso de
Alberti).

203
renascimento olhava para a antiguidade, para revelar as ligações
anteriores entre as narrativas e a arquitectura, revelando a transição do
conhecimento escolástico para o humanismo, com a manutenção da
memória através dos méritos da linguagem retórica como sustenta
(Carruthers, The Craft of Thought. Meditation, Rhetoric, and the
Making of Images, 400-1200, 2006).

Para dar significado às edificações, importa distingui-las das narrativas.


Com efeito as edificações, conforme observam (Markus & Cameron,
2002), pp. 15, não são representações; e as narrativas como são
estruturadas com acontecimentos críticos num enredo, são por isso
diferentes de representações. É por isso que do ponto de vista da
arquitectura, as narrativas se situam no domínio dos textos teóricos
escritos, e textos prescritivos, e nas condições da sua execução nos
artefactos materiais.

Nestes artefactos, a ligação entre diferentes experiências, mantendo os


efeitos menos complexos que as fontes, introduz uma forma ‘narrativa
de conhecimento’ de acordo com (Currie, 2010), próxima de ver pela
leitura e compreender pela visão. Para esta aproximação, para
investigar a experiência humana, a metodologia para procurar o
conhecimento oculto, como referem (Webster & Mertova, 2007),
implica o uso de processos com ferramentas como observação e
documentação, critérios como acesso e transferência, e um suporte
com riscos que implicam a negociação. A metodologia requer assim a
compreensão do ponto de vista idiossincrático que procura identificar
acontecimentos críticos como resultados. A ligação entre os

204
acontecimentos críticos, a sequência, cenário e significado na
experiência, são assim a base da criação255.

Mas, como a narrativa de Alberti não é como uma narrativa


tradicional com enredo, podem ser omitidas várias partes para
conseguir reunir as condições da produção da narrativa. Cada parte
omitida é preenchida pela interpretação do leitor baseada em analogias
e no conhecimento anterior. Desta forma a história pode ser
recontada, através do conhecimento anterior, despoletando novas
interpretações nos limites da manipulação narrativa. Não obstante,
devemos ter em conta que, na teoria da concepção no renascimento,
as criações são representações de um modelo anterior, de Deus.
Assim todas as criações derivam da primeira256, orientando-se pela
teoria da criação na forma de novas representações (Cusa, De la
Pensée [De Mente], 1983). Na narrativa (Alberti L. B., Da Arte
Edificatória, 2011), teoriza sobre a razão da edificação na renascença,
com o conceito de ‘lineamentis’, desenvolvido pela linguagem escrita,
que mais tarde (Vasari, 1550) valorizará. Este conceito sintetiza a
noção de desenho acessível no espírito, pela acção da razão,
concepção e edificação simultaneamente, é um conceito que engloba
toda a razão da arte. E, como se compreende, está fundado em
conhecimento prévio acessível no espírito, pré-concebido, o ‘desenho
interno’ que se persegue, como (Cusa, De la Pensée [De Mente], 1983)

255 Quando criamos os limites de um sentido, ou concebemos as acções e acontecimentos


estruturados narrativamente, baseados na nossa experiência anterior e narrativas pre-
concebidas, como parte de um mundo como ‘realismo narrativo’; ou impomos o
significado narrativo através da interpretação com a imposição do ‘construtivismo
narrativo’.
256 Do incriado.

205
defendeu; e na nossa leitura, equivale a ‘narrar’ pela forma como
organiza particularidades prévias, para um desenlace257.

Regra geral, Alberti não descreve ou refere obras de arquitectura suas


contemporâneas, como exemplos, mas refere-se a autores antigos,
como mencionados por Vitrúvio. Desta forma a leitura e interpretação
das autoridades no texto permite ‘ver’ e previne o leitor de usar
influências externas anteriores, que poderiam comprometer a
compreensão. No pensamento do autor estava apenas a implicação
formal do discurso, bem composto e ordenado de acordo com a
retórica para seduzir os sentidos e o espírito enquanto tentava
construir numa base ética, um antropomorfismo arquitectónico258,
para introduzir o homem como razão e medida da criação artística,
émulo de Deus ‘in Terris’259.

A aparente contradição entre beleza visual inteligível e sensível, são


dois aspectos complementares da ‘ars divina’, trabalhada no
humanismo do renascimento através da recuperação de implicações
formais dos escritos e do edificado, provenientes dos artefactos de
memória medievais. Para esta ‘ars divina’, o criador como Deus ‘in
Terris’ imita Deus260, com a similaridade entre a forma de todas as
coisas como são no mundo real e como são no pensamento,
apreendidas pelo poder da razão, da imaginação e dos sentidos.
Podemos ler esta abordagem em (Cusa, De la Pensée [De Mente],

257 Segundo a noção de que a estrutura prevalece de forma a organizar o heterogêneo num
corpo bem composto.
258 Formulado no Homem de Vitrúvio.
259 Através da ideia concebida no espírito, pela razão, do arquitecto divino.
260 Concebido como uma arte arquitectónica, (Cusa, De la Pensée [De Mente], 1983), XIII.

206
1983) VIII, próxima do modelo de arte infinita, princípio e fim,
medida, verdade, perfeição, de acordo com o paradigma da beleza
divina, o que não existe, mas existiu. Neste sentido, a linguagem
narrativa não autoriza apenas um novo mundo, mas transporta
consigo um novo mundo, na sua forma e na estrutura, como
conhecimento e ‘ars’.

A recuperação do pensamento metafórico por Alberti, foi mais do que


um mero artifício estético decorativo ou agradável. A relação entre as
metáfora se os princípios de composição no renascimento incidiram
no domínio textual e arquitectural do enredo, impondo a estrutura
literária à arquitectura, um sentido literário análogo e uma série de
acontecimentos que consistem numa sequência entre os limites do
espaço construído para criar o drama narrativo. O uso que Alberti faz
das metáforas, como o corpo-completo, para atingir o objectivo da
relação entre as partes e o todo, pode ser experimentado através dos
sentidos, no lugar, onde na condição de actante, são construídos
vários sentidos heterogéneos, e lógicas, dando sentido ao que é
experimentado na ‘dispositio’ e nos ornamentos retóricos.

Desenho narrativo
O texto foi usado para prescrever o que se deve construir e como se
deve construir. De acordo uma leitura possível de Vitrúvio, o texto
pode ser entendido como orientação para desenhar um edifício de
acordo com o modelo, com regras formativas e juízos, como refere
(Markus & Cameron, 2002). O texto de Alberti ‘De re aedificatoria’,
contudo, é uma narrativa daquilo que ainda não existe construído, mas
que tem uma estrutura interna de uma história como uma prática

207
criativa. Assim, o texto muda o uso da forma prescritiva de ‘como
construir’ para uma explicação estruturada de ‘porque construímos’.

A ligação entre linguagens, aspectos discursivos e não discursivos no


texto de Alberti, encontra-se no uso de analogias261. O discurso como
acto social e de interação no real é diferente da noção pós-
estruturalista da teoria social262 do discurso como forma de
conhecimento, uma construção cultural da realidade. Mas, quando nos
dirigimos aos aspectos discursivos de Alberti na narrativa da Arte
Edificatória, ligamos dois pontos distantes, uma dimensão local e uma
dimensão global, antropológica. Estes dois pontos distinguem-se por
estarem baseados no objectivo de Alberti, de escrever um livro para
ser lido por patronos e também por arquitectos, um teatro de leitura
fundado na retórica e ao mesmo tempo o pedido de uma
reinterpretação de conhecimento antigo com muitas referências em
Vitrúvio.

A escrita de Alberti segue, assim, o modelo Ciceroniano, que advoga


no livro I ‘de Oratore’, a memorização da história e das leis do
passado como um repositório de precedentes. Neste sentido, Alberti
apresenta um sistema de aspectos discursivos, unidades linguísticas
acima da manifestação, generativas da concepção, da organização de
um lugar de vida alegre e feliz. Isto serve ao mesmo tempo, a estrutura
e a linguagem usada, uma linguagem arquitectónica específica para
criar uma ficção no espírito e uma manifestação na matéria. Mas a
narrativa, para além dos aspectos retóricos, em Alberti, o texto e as

261 A analogia entre a edificação e o discurso é baseada nos ensinamentos de Cícero, e no


conhecimento ‘científico’ antigo.
262 Como o trabalho de Foucault mostrou.

208
condições da sua execução, dirigem-se ao fenómeno da edificação, de
forma que para compreender o desenho através da narrativa, é
necessário preencher o espaço vazio entre a história e a edificação.
Este preenchimento obtém-se pelo ordenamento da transição da
história para a lógica, do concreto para um abstrato, das narrativas das
culturas literárias263.

A compreensão da complexidade das narrativas, perscrutada através


da dialogia, traduz-se na dupla paisagem narrativa, paisagem para
acção e paisagem para a consciência. Para a primeira, nas últimas
décadas, foram estudados os processos cognitivos de entendimento
do mundo físico, e agora sabemos como a experiência do mundo é
organizada, com classes, relações, proposições e que operações são
empregues como podemos ler em (Feldman, Bruner, Renderer, &
Spitzer, 1990). Mas os produtos culturais, como desenhos, textos,
histórias orais que contamos, também são aspectos importantes do
nosso mundo. E são estes últimos que por serem objectos simbólicos,
procuramos entender, não como o mundo físico mas investigando a
narrativa no suporte, a matriz do conhecimento, única para o domínio
da história. Refira-se, contudo, que há alguns processos partilhados,
(Feldman, Bruner, Renderer, & Spitzer, 1990), analisáveis como
padrões e esquemas. Embora numa perspectiva psicológica, a
narrativa possa ser mais rica que esquemas, quando lemos numa
história literária que transporta conhecimento e a transformação para
acções, para actantes, os desenhos arquitectónicos entre os esquemas
e as instruções transportam o mesmo enredo como um todo com

263 Bem como dos modos de interpretação textual de narrativas e da organização do


conhecimento, como por exemplo o sistema da coluna sintetiza a estratégia do edifício.

209
qualidades narrativas. Assim, as narrativas nos desenhos transportam
duas paisagens diferentes. Estados psicológicos dos protagonistas,
como um observador omnisciente da paisagem, despreocupado com a
forma como as coisas são percebidas mas com a acção e, por outro
lado, um observador preocupado e valorizando o ‘Eu’ numa paisagem
para a consciência.

As duas paisagens, paisagem para a consciência e paisagem para a


acção, estão presentes mesmo nos escritos teoréticos de Alberti. A
primeira está presente na máxima, no valor da arquitectura para ‘uma
vida mais agradável e feliz’ que vai além de processos conhecidos para
entender o mundo, enquanto a segunda está nos verbos de acção que
requerem um processo cognitivo básico para explicar o mundo físico.
Este é um exemplo da diferença entre explicação de uma narrativa
casual, e interpretação de acontecimentos na mente, intencionalidade e
flutuações, assegurando que o significado no texto é diferente do
significado na vida264. Os textos de Alberti, e os artefactos materiais,
são a combinação das duas paisagens, transportam a lógica dual na
narrativa e na condições de execução, acções e consciência, na
recriação da mesma história.

Verificamos que (Vasari, 1550), na obra sobre a vida dos ‘melhores


arquitectos e artistas’, valoriza os escritos de artesãos conhecedores
sobre aqueles que conhecem apenas a prática, e louva a aprendizagem
que abre portas à invenção, ligando teoria e prática, para o desígnio de

264 E de acordo com (Feldman, Bruner, Renderer, & Spitzer, 1990), pode ser um fenómeno
estritamente linguístico, devido ao uso de dispositivos linguisticos como a metáfora,
metonímia, sinedoque e ironia, que transportam um ponto de vista pesosal sobre um
acontecimento, e atribuem intencionalidade com o mecanismo da analogia de indícios.

210
uma arte perfeita com a ajuda da ciência. É neste sentido que Vasari
valoriza o trabalho de Alberti, com resultados na arquitectura,
perspectiva e na pintura durante o tempo de vida do autor, denotando
as influências dos escritos265. Destes escritos, faz parte a narrativa ‘De
re aedificatoria’, que reúne, argumenta e propõe um novo
conhecimento de porque é que edificamos, recorrendo à invenção de
meios narrativos, por exemplo na forma de uma tipotectura com o
uso de letras e símbolos aplicados à arquitectura. É esta invenção que
é integrada na expressão gráfica da arquitectura. Nesta narrativa, o
conceito de ‘lineamentis’266 prescreve a Arte Edificatória, é análogo a
‘narrar’, o processo de ordenar particularidades no ‘edifício mental’, tal
como existe na mente e incluindo outro conhecimento para uma vida
agradável e feliz, sem negar o ordenamento de linhas e ângulos,
‘lineamenta’

No início do séc. XVI o paradigma da prática edificatória em Portugal


começava a alterar-se. Nesta altura a reflexão teórica dava frutos com
a saída das traduções dos primeiros livros de arquitectura. Inicialmente
a edição de Vitrúvio traduzido pelo Cosmógrafo Real Pedro Nunes em
1541, Alberti presumivelmente traduzido por André de Resende, em
1550-51, e a edição de Diego de Sagredo em 1526, com pelo menos
três tiragens sucessivas, incorporando o texto espanhol e as gravuras

265 Melhor conhecidos do que o restante trabalho: ‘E vedesi per il vero quanto a lo
accrescere la fama et il nome, che fra tutte le cose gli sctenho de ritti sono e di maggior
forza e di maggior vita; atteso che i libri agevolmente vanno per tutto, e per tutto si
acquistan fede; purché e' siano veritieri e senza menzogne’. (Vasari, 1550).
266 Traduzido para um termo em desuso in (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 2011),
como delineamento, mas preciso e próximo do pensamento de Alberti, na acepção do
tradutor.

211
das versões francesas267. Neste contexto, a construção passará a
depender de dois factores, dois tipos de conhecimento autónomos e
independentes. Por um lado, o conhecimento e a experiência, como
denota a referência a mestres de obras, e por outro os tratados teóricos,
diversos manuais práticos sobretudo italianos que começaram a ser
traduzidos em português, permeando a circulação de outros,
revelando o humanismo que gradualmente faz emergir a figura de
Arquitecto Real268. Neste contexto de interesse pela cultura
arquitectónica teórica italiana têm particular importância as obras
teóricas, a prosa narrativa e os debuxos, dos primeiros arquitectos que se
destacaram dos mestres de obras, Francisco de Holanda (1517-1584) e
António Rodrigues (c. 1525-1590), no reinado de D. João III (n. 1502,
r. 1521-1557).

O conhecimento que temos do pensamento de Holanda269 deve-se em


grande medida às fontes escritas e desenhadas com autoria expressa,
mais do que a arquitectura que lhe é atribuída, salvo raras excepções
atribuída igualmente a outros arquitectos / mestres de obras seus

267 Este último, manual das medidas do romano redigido como um diálogo clássico será
segundo (Ruão, 2006), o intermediário da revolução serliana.
268 Os dois tratados, de Vitrúvio e de Alberti, têm recepção contemporânea na cultura do
Quattrocento, apesar de 15 séculos de distância. Note-se que o humanismo recuperou os
modelos literários da antiguidade greco-romana, com o objectivo de restaurar o latim
clássico. Na recuperação destes modelos encontramos a tradição ciceroniana segundo a
qual se recuperava o conhecimento que afecta a condição humana e promove o
aperfeiçoamento espiritual do homem, o conhecimento humanista. Neste sentido os dois
tratados são contemporâneos, apesar do hiato temporal (Payne, 1999). Não obstante a
recuperação do latim, Alberti proporá em 1437-1441 as Regole della volgar lingua fiorentina
(Regras da língua vulgar de Florença), também designada Grammatichetta Vaticana. No
contexto nacional a recepção e divulgação dos dois tratados ocorre quase um século
depois.
269 Nomeado por André de Resende como o Apelles Lusitano.

212
contemporâneos270. Foi um artista de corte, enviado a Itália271, com o
enquadramento mítico da bolsa régia, para conhecer as novas
fortificações militares. Ao voltar, trouxe desenhos, apontamentos e
ensinamentos do renascimento italiano, dando nota da riqueza cultural
que vivenciou através do tratado Da pintura antiga (1548)272 , contendo
na segunda parte os celebres Diálogos de Roma. Escreveu ainda outras
obras como Da fabrica que falece ha cidade de Lisboa e Da Sciencia do desegno
(1571). Reuniu os desenhos da viagem no Álbum das antigualhas e
realizou outro volume com desenhos posteriores, que toma as
histórias bíblicas como referentes estéticos, desenhando os episódios
em cenários arquitectónicos, na obra De aetatibus Mundi imagines273.
Nestas obras segue o espírito do tempo e os ensinamentos italianos,
escrevendo de forma retórica, com referências a autores antigos como

270 Holanda recém voltado de Itália, refere que a Fortaleza de Mazagão é de sua autoria.
Contudo, o projecto de Holanda era, segundo (Moreira, A Arquitectura do
Renascimento no sul de Portugal. A encomenda régia entre o Moderno e o Romano,
1991), inexequível. Os desenhos que serviram para a construção devem-se ao engenheiro
italiano de tradição albertiana, Benedetto da Ravena (act. 1510-55), em 1541, por não
existir ninguém qualificado em Portugal.
271 Enviado a Itália de 1537-38 a 1540, para contactar com a antiga ‘sapientia’ do ‘studia
humanitas’, onde aprendeu a estética naturalista e privou com grandes artistas como
Michelangelo Buonarroti.
272 Presumivelmente, o mais antigo escrito sobre arte, anterior a Vasari que no entanto cita
com o valor explicativo.
273 Nesta obra, Holanda procurará intelectualizar a geometria, tornando-a arquitectura,
procurando exprimir leis gerais do universo, com um princípio analógico de
transferência. A leitura feita é semelhante à que William Blake (1757-1827) fará como
observa (Deswarte, Deux artistes mystiques du XVI siècle; Francisco de Holanda et Jean
Duvet, 1983), onde as formas do neo-platonismo são contrárias a explicações ou
configurações figuradas próprias das metáforas analógicas.

213
Quintiliano e Demóstenes274, entre outros, para reforçar o ponto de
vista perante os interlocutores. Esta forma de expor conceitos, inclui o
uso de analogias entre as artes, como a analogia no segundo diálogo,
entre a poesia e a pintura275 , dizendo que os poetas fazem com
palavras o que os pintores (e arquitectos) fazem com a matéria. Os
poetas contam e os pintores expressam e declaram, os primeiros para
satisfazer a audição e os últimos a visão276. A presença de elementos
retóricos na pintura relaciona-se com a poesia, fazendo a analogia com
as artes e criando a analogia entre o desenho (ou pintura) e o discurso,
rivalizando uma com a outra arte. Isto traduz para o desenho a
responsabilidade para ser histórico, para ilustrar, ou mostrar, tornando
clara a narrativa subjacente de uma forma didáctica dando a
compreender, como podemos ver em (Holanda, Livro das Idades,
1983)277 . Note-se a oposição entre ´disegno interno’ de Alberti ou a
‘Idea’ de Holanda, em relação ao ‘disegno esterno’, a manifestação
gráfica e a coisa real construída.

Contudo, como apontam os críticos, o contributo das viagens foi


diminuto para a viragem estilística em Portugal, sendo suplantado pela
vinda de artistas italianos ao serviço do rei (Ruão, 2006). Na obra Da
fabrica que falece à cidade de Lisboa, datada de 1571 e suportada em

274 Estas são também referências de Alberti, o que denota a riqueza da fonte do humanismo
Italiano.
275 Seguindo a expressão de Horácio ‘ut pictura poiesis’.
276 Esta analogia entre as artes transfere saber entre as duas manifestações e coloca-as numa
posição dialógica.
277 Com estes desenhos, Holanda é considerado o primeiro teórico moderno a apresentar a
Idea neoplatónica na teoria da arte, como sustenta (Di Stefano, 2004), desenhando sob a
chave hermeneutica do Timeu de Platão, uma interpretação estética da Grande Narrativa,
esquecida até às imagens de W. Blake no séc. XIX.

214
desenhos e numa memória descritiva, Holanda motivado por um ideal
utópico e trágico, na qualidade de auto-intitulado o último dos arquitectos,
propõe ao rei D. Sebastião (n. 1554, r. 1557-1578), um conjunto de
edificações com vista à criação de uma capital monumental, imaginada
à semelhança da mítica Jerusalém e patente na imagética vitruviana da
personificação alegórica de Lisboa. As edificações propostas incluem
as edificações notáveis, religiosas e civis, mas sobretudo as militares,
recordando a viagem para Itália onde tomou contacto com várias
fortificações ditas modernas278. Nos desenhos de arquitectura e nos
textos está patente a importância dada ao espaço público e à simbólica
da cidade, simultaneamente construção física e relação cívica, onde a
afirmação do poder real é tida como uma necessidade de imagem e de
valorização das artes equiparando Portugal às restantes nações
europeias, sobretudo Itália. De igual modo são valorizadas as
características utilitárias e pragmáticas desta arquitectura, seguindo
indicações normativas.

Nesta narrativa, usa a ciência do desenho e da pintura para valorizar


ideais nobres e sugerir arquitecturas que faltam à cidade de Lisboa279.
Neste texto sobre arquitectura e cidade, é um exemplo de uma
estrutura próxima de um registo retórico e dialógico. O tema
apresenta o confronto e uma inversão em termos religiosos, entre o
que ‘falece’280 e a cidade de Lisboa, como algo bom e completo281.

278 Note-se que estas fortificações modernas estão igualmente patentes no livro IV do
tratado de Serlio, publicado em 1537.
279 Esta obra apresenta o contraste entre a experiência da cultura humanista e a arte
Portuguesa no séc. XVI, onde faltavam edifícios funcionais, higiénicos e representativos.
280 O que faz falta, como algo negativo.

215
Pese embora a proximidade de Alberti, é a influência de Vitrúvio que
se observa em Da pintura antiga, onde Holanda indica as disciplinas que
o pintor deve conhecer, reportando-se ao paradigma vitruviano282.
Merece especial referência o facto de Holanda se ter considerado
entre os arquitectos e não os pintores, dando conta da pintura
arquitecta, e neste texto ter feito o elogio à poesia dizendo que o pintor
saberá assim todas as fabulas da poesia, porque debaixo da sua discreta ficção esta
escondida muita razão e verdade, na tradição de Horácio que permeava a
cultura do humanismo. É assim que se opõe o artista arquitecto ao
arquitector, mestre responsável pela construção da edificação e
especialista em matérias construtivas, mas desconhecedor da essência
do desenho.

Relativamente à obra de Rodrigues283, a atribuição recente não é


consensual. A obra teórica datada de 1576-1579 atribuída ao mestre de
obras real António Rodrigues, é considerado o primeiro tratado de
arquitectura português (Moreira, 1982), mas é visto criticamente como
uma montagem de alguns tratados italianos, de onde transcreve
parágrafos inteiros (Finizio, 2006). O texto é constituído por dois
manuscritos (anónimos), sendo o primeiro, segundo Moreira, um

281 Este confronto centra-se na transição entre o antigo e o novo mundo, visto através do
conhecimento ordenado narrativamente, através da capacidade para contar histórias,
interpretar ou reproduzir, que Holanda valorizava, para revelar o enredo que ultrapassa o
tempo como uma história ancestral contada para educar e deleite.
282 As referências a Vitrúvio são constantes na sua obra como observa Deswarte revelando
o seu conhecimento prévio, embora desconhecendo as obras de Alberti, nomeadamente
Da pittura a que faz referência breve.
283 António Rodrigues foi moço de estribeira enviado em 1547 à obra de Tomar como
mensageiro especializado, denotando o crescente interesse do rei nessa obra. Em 1564,
como refere Moreira (1991), tornou-se mestre de obras reais.

216
manual de fortificação e a segunda versão já destinado a publicação e com
prólogo, preposiçois mathematicas. Este documento manuscrito onde se
intercalam texto com quatro mãos diferentes, e desenhos, apresenta-se
incompleto, e com correcções que indiciam a sua divulgação e o seu
carácter didáctico284 . É redigido à semelhança de outros tratados
italianos, na forma clássica de narrativa com referências a Vetrúvyo,
Arquymedes, e Pytagoras, e Dedalo, sem se afastar da temática expressa na
tratadística anterior de pendor militar, como a problemática da
edificação e do seu local e a sua materialidade, a profissão de
arquitecto e a sua formação, pese embora a substituição da grafia de
arquitecto por fortificador. No final, apresentam-se de uma forma mais
completa, os capítulos referentes à geometria euclidiana e à
perspectiva, tal como enunciados por Serlio, reiterando a semelhança a
um manual didáctico que aborda as matérias e problemas mais difíceis,
incluindo a exemplificação com a utilização de desenhos de baluartes à
italiana. O texto alude ao paradigma vitruviano do arquitecto e à
importância da arquitectura na fortificação do mundo, tal como
fizeram os romanos, senhores do mundo. O elogio ao arquitecto reflecte
o enunciado vitruviano, pela exigência de um saber teórico prático
pondo em obra o discurso que entende a materialidade necessária, sendo tal
discurso resultado do tempo e da propriedade das coisas necessárias à
construção, incluindo a necessidade de dominar a língua latina,
matemática e aritmética, geometria, para que consiga prever o edifício
antes de o realizar materialmente, com controlo de custo285 . Tal como

284 É plausível que este tratado fosse usado no ensino de matemática e arquitectura na
‘Escola de moços fidalgos do Paço da Ribeira’, no tempo de D. Sebastião.
285 Em seguida, avançam-se os conhecimentos necessários, a eleição do sítio, coisas que o
regem e o que tem de bom, o ar e a sua propriedade, a água e a sua propriedade, o que
tem de ter o arquitecto, (fortificar com terra, propriedades da cal), propriedades do barro

217
(Moreira, A Arquitectura do Renascimento no sul de Portugal. A
encomenda régia entre o Moderno e o Romano, 1991) (Moreira, Um
Tratado Português de Arquitectura do século XVI (1576-1579), 1982)
refere, este tratado assume assim um cariz didáctico, insensível a
considerações de outra ordem que não a pura utilidade e a economia,
na forma de um manual sistematizador de construção barata. Também
na perspectiva de (Ruão, 2006), trata-se por isso de um manual de
construção que não usa os conhecimentos mais recentes relativos as
fortificações, podendo ser visto como uma versão de tratados diversos
de Cataneo e Serlio286 com fragmentos vertidos para português.

A atribuição da autoria da obra não é consensual287 em virtude de não


haver documentação que sustente a atribuição e, ser contraditória a
base teórica e prática de arquitecto patente no tratado, com a não
participação nas obras régias mais importantes da segunda metade do
séc. XVI, embora fosse nomeado mestre de todas as obras regias. Acresce
a este facto não estar referenciado em nenhuma obra dependente da
Corte, e de restringir geograficamente a sua actividade ao Sul, como se
tratasse de um mestre de obras de âmbito regional. Por outro lado, o
texto de pendor vitruviano, sem a compreensão da teoria
arquitectónica moderna (albertiana) segue outras fontes amplamente
divulgadas em Portugal, como Serlio e Cataneo, pecando por
ineficácia no que diz respeito à arquitectura militar moderna, como

para tijolo, o tempo e a feitura do edifício, o tempo conveniente para se poder edificar
(as propriedades da Madeira).
286 Lembramos que Serlio citou Alberti, e por essa via António Rodrigues poderá ter
conhecido o tratado de Alberti.
287 Veja-se a argumentação de (Ruão, 2006).

218
seria de esperar de alguém formado em Itália, com os maiores avanços
na arte de fortificação.

Nestes textos e desenhos de arquitectura e de geometria encontramos


os dois saberes reunidos, ao mesmo tempo que se assiste à ascensão
do desenho a partir da narrativa. Encontramos este exemplo em
contratos de execução detalhados, textos descrevendo a forma e o
modo genérico de execução, como podemos ver no contrato do
mestre de obras de João de Castilho sobre o convento de Cristo em
Tomar datado de 30 de Junho de 1533288 , complementado com
debuxos. Esta é ainda uma narrativa/contrato que prescreve e limita
de uma forma precisa, a definição espacial e construtiva com
referência ao modo romano289, com indicações de ordenamento geral e
de contexto com as pré-existências, materiais e custos.

O ‘Tratado de Arquitectura’ atribuído a (Rodrigues, 1576), não tem


paralelo nem relação evidente com a obra de Alberti sobre a Arte
Edificatória, mas aproxima-se do tema de (Alberti L. B., Ex ludis
rerum mathematicarum), datado de 1450. É um objecto didáctico que
segue as noções de utilitarismo e economia de tratados conhecidos,
estabelecendo as regras para a construção económica (Moreira, Um

288 In (Moreira, A Arquitectura do Renascimento no sul de Portugal. A encomenda régia


entre o Moderno e o Romano, 1991), apêndice - documento 12 p. 62 -69 original
depositado in A.N.T.T. Convento de Tomar, pastas 70 a 75.
289 Fazendo eco à tradução de Vitrúvio por Pedro Nunes.

219
Tratado Português de Arquitectura do século XVI (1576-1579), 1982),
sem os avanços recentes em fortificações290 .

Estruturas de conhecimento
O panorama de interesse pela cultura teórica e pelo ensino da ciência,
do humanismo, introduz a ideia da concepção arquitectónica como
blocos de relações, de afectos e perceptos na linguagem de Alberti,
como forma de auto-sustentação onde se misturam a linguagem
discursiva e não discursiva, o ilustrativo e o narrativo. Assim,
questiona-se a prevalência da narrativa no texto, a narrativa na imagem
e a narrativa na arquitectura. O que podemos ler nos tratados são
narrativas estruturais, entre escrita com referências a outros autores e
mitos e, a presunção de diálogo simulando a relação com os sentidos,
na experiência concreta. Ao mesmo tempo surgem conceitos como o
limite, a arquitectura do espaço, a comunidade, denotando o forte
poder existencialista das narrativas que prevalecem mesmo quando
não são experienciadas e interpretadas. Ainda que sejam narrativas
indocumentadas, a arquitectura apresenta-se ‘utilíssima e
extremamente agradável ao género humano’ (Alberti L. B., Da Arte
Edificatória, 2011), pp. 137, preserva a narrativa da arte edificatória de
um lugar, tecendo o suporte para que a vida seja vivida de uma forma
agradável e feliz como nos diz Alberti.

Para além de Alberti na arquitectura, a cultura do renascimento deve a


Nicolau de Cusa (1401-1464) na filosofia e na teologia, a síntese do
plano de criação. Alberti personifica a vida intelectual, o humanismo,

290 Note-se que para além dos desenhos de Holanda e as páginas atribuídas a Rodrigues,
não existem desenhos conhecidos, ou planos, neste período do inicio do Renascimento
em Portugal, no reinado de D. João III.

220
partilhando com Nicolau de Cusa as principais especulações
matemático-filosóficas presentes nos seus tratados teóricos. Deve-se a
Nicolau de Cusa, na sua universalidade, no pensamento teológico e
filosófico, a formulação em termos filosóficos do conceito de espaço
como quantidade contínua291. Este conceito será, como refere (Panofsky,
1969), necessário ao aparecimento da teoria renascentista de espaço
(arquitectónico), da arte mais socialmente enraizada.

Na nova visão do mundo, onde Deus é concebido como uma espécie


de arte arquitectónica, existe uma similitude expressa entre a forma de
todas as coisas, como são e como são no pensamento, apreensíveis
pelo poder da compreensão, da razão, de imaginar e sentir292 , como
podemos ler no diálogo escrito por Nicolau de Cusa, De mente, do
pensamento293. Esta concepção da arte e do criador absoluto
aproxima o artista e do Pai Eterno, já que todas as artes humanas são
imagens da arte infinita que lhe serve de modelo, princípio, meio e
fim, dimensão e medida, verdade, precisão e perfeição, segundo o
paradigma do belo divino. Deste modo, a linguagem (e a narrativa)
não serve simplesmente de veículo da nova visão do mundo, ela
transporta-a ao mesmo tempo que ao novo mundo, na sua forma e na
sua estrutura, como saber fazer e criação técnica. Segundo Nicolau de
Cusa, o inventor adquire uma nova posição na criação da forma finita
singular e contínua do corpo, que não pode ser recebida senão como
Forma Infinita, já que todas as criaturas são finitas no Infinito da
criação divina, atendendo assim a uma perfeição maior que a sua à

291 In (Cassirer, 1983 [1927]).


292 Evocando uma fenomenologia embrionária.
293 In (Cassirer, 1983 [1927]), pp. 244-299.

221
autonomia da eternidade do espírito. Considerando, assim, a teoria do
conhecimento em Nicolau de Cusa, mens e mesura (pensamento e
medir) são termos da mesma família de onde resulta a concepção
fundamental e universal do medir como acto racional de um espírito que
mede. Esta perspectiva ontológica e a interdependência dos termos faz
relacionar também a cosmologia e cosmografia matemáticas como
teorias do mundo natural e envolvente, que envolve para unificar294 e,
que suscitam a separação do sujeito e objecto295. É pelo entendimento
metafísico desta natureza naturante que se percebe pelos sentidos,
objectivando o ordenamento e as forças, do mundo sensível, para o
elevar pela acção do pensamento, para representar a perfeição do
absoluto, parte do todo, que surge o conceito cosmológico de
uniformidade296.

Assim, a nova concepção e criação, claramente delineada e articulada e


não confusa, assume a necessidade de ordem com o recurso a
analogias, a cidade como casa, à definição de limites com a linha de

294 In (Cassirer, 1983 [1927]).


295 Esta perspectiva destrói a imagem fixa do mundo aristotélica, reúne a filosofia e a
matemática da renascença para criar a base filosófica do conceito de espaço como
quantidade contínua. Não se trata de um novo conceito de espaço, ou de substituir o
espaço-agregado pelo espaço-sistema, ou o espaço-substrato pelo espaço-função. Trata-
se de uma nova substância, a sua natureza de coisa homogénea, para se revelar como o
resultado de uma arte livre, liberal, o corpo de uma arquitectura linear, (analógica) ideal.
296 A criação a partir de diferentes narrativas lembra, tal como refere Gombrich in The
Story of Art, a propósito de Galatea (1512-14) de Rafaello Sanzio (1483-1520) , a criação
a partir de uma ideia mental e não a reprodução de um modelo. Antes seguir uma certa
ideia mental, pensada, abandonando o retrato fiel que fora a ambição dos artistas do
Quattrocento, invertendo o processo do tempo de Praxiteles, o belo 'ideal' a partir da
aproximação de formas esquemáticas à natureza. Agora a natureza é idealizada,
transformada pelos artistas, de acordo com o ideal de beleza formado a partir da
arqueologia do passado, melhorando a natureza. É esta a coisa mental.

222
contorno, e à fundação da obra na materialidade fruto da experiência.
Permanecendo o todo operatório e controlado através do diagrama,
debuxo297, delineado quando desaparecem os dados figurativos do
lineamentis albertiano. Este conceito é crucial no início do renascimento
já que, como Vasari explicou, valoriza o ‘disegno interno’ e ‘idea’
como ‘natura naturans’. O conceito é assim comparável com a
corporalidade da criação natural, com ossos e painéis. Opõe-se ao
modelo, domínio abstrato, porque é simultaneamente a figura e a
simetria mental fundada na imaterialidade da arquitectura perfeita. Ou
seja, segue o plano de criação de Cusa, de Deus ‘in Terris’ , imitando e
ultrapassando a ideia estética metafisica, enquanto reúne ‘lineamenta’ e
matéria, uma ficção do que parece existir mas não tem lugar. A ideia
da analogia entre as artes e a arquitectura como uma criação artificial,
que rivaliza com a criação divina através das proporções (analogias)
musicais298 está, por isso, fundada na reflexão da harmonia que o
criador trabalha a partir do modelo. Neste plano de criação humanista,
quando são feitos julgamentos sobre a beleza, a razão segue a
faculdade ‘inscrita no espírito’ e a beleza é o resultado da consonância
das partes ditada pela ‘concinnitas’, a regra absoluta e fundamental na
‘natureza’299 . Assim a criação liga ‘ratio’ e ‘oratio’300, raciocínio e

297 Conceito de (Holanda, Da pintura antiga, 1984).


298 Como (Wittkower, 1949) demonstrou, o uso do ritmo e das modulações musicais,
resultam da disciplina retórica que ao informar várias artes no início do renascimento,
reinventa o mérito da escolástica medieval, de um atefacto formal para preservar a
memória. É este artefacto que será desenvolvido conjuntamente com a arquitectura
humanista para lhe atribuir estrutura.
299 Veja-se (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 2011), livro IX.
300 Como refere (Eriksen, 2001).

223
discurso, ‘lineamentis’ concebido no espírito, o desenho interno numa
certa ordem e a expressão sem o recurso ao material.

Deste modo, as representações (desenhos, textos, modelos) de


arquitectura ultrapassam a figuração, são ao mesmo tempo ilustrativas
e narrativas, e operam de duas formas: através do apelo à experiência
espontânea dos sentidos, ao plano concreto, e através da interposição
de um saber fora da arquitectura, ao plano abstracto. As duas formas
são indissociáveis, correspondem a estar no mundo e às experiências,
introceptivas, extroceptivas e proprioceptivas no sentido
fenomenológico do devir e do actante, espectador e actor para o qual
o mundo é apreendido pelos sentidos, por intermédio da
materialidade dos limites de uma coisa outra. A arquitectura vem
representar, desta forma, o lugar do habitar, o lugar do acontecimento,
a condensação do saber na narratividade da arquitectura, num limite
físico onde é e a partir do qual deixa de ser. Representa a síntese dos
limites e da fronteira que contém o vazio.

A narrativa de Alberti pode ser considerada ‘arquitectura literária’, um


texto bem fundado em aspectos retóricos da antiguidade e
estabelecendo a relação entre a disciplina retórica e a arte através da
imitação. É através deste processo, como refere (Herman, Narrative
Theory and the Cognitive Sciences, 2003), que se introduzem
conhecimentos de outras disciplinas na arquitectura e, ao mesmo
tempo, se valoriza a arquitectura do texto com a reinvenção de ideais
compositivos com propriedades formais de figuras de repetição como
antítese, paralelismo, epanalepse, epanados e antimetabole (Eriksen,
2001). A repetição torna-se a estrutura do todo bem concebido, bem
composto, numa ordem que se assemelha à descrição textual para

224
perseguir a harmonia e a elocução de um discurso Ciceroniano301. A
estranheza desta semelhança pode ser lida no texto de Alberti, tal
como escreveu na abertura, no Prólogo, ‘muitos e variadas artes, que
ajudam a fazer (...) a vida mais agradável e alegre’302, enquanto segue
os conselhos de Aristóteles e de outras autoridades para compreender
a concepção da arquitectura e desenvolver o ornamento retórico na
composição303. Para além das características narrativas do tratado,
trata-se de um texto proto-científico, como refere (Eriksen, 2001), e
uma abstração conceptual, como refere (Kruft, 1994), que favorece o
entendimento através da investigação e experimentação enquanto cita
autores antigos e evoca o que era conhecido, como ‘realismo
narrativo’304.

A narratividade expressa-se na interpretação formativa, actuando ao


introduzir o sujeito no objecto, ao congregar o ordenamento de
particularidades numa estrutura de ordem consequente que introduz
saber e estímulos menos complexos do que os objectos que refere,
interpretando o vazio e os limites que a contêm. A hipótese da
ambivalência entre arquitectura e narrativa patente na teoria e na obra,
centra nas sensações do habitante/visitante que experimenta os limites
das formas espaciais, em relação ao representado, a história narrada,
actualizada e vivenciada. De um outro ponto de vista, a separação
entre as disciplinas, arquitectura e narrativa, e a sua autonomia ganha
importância com a identificação do objecto de cada uma e do meio

301 a linguagem torna-se uma forma de arquitectura.


302 (Alberti L. B., On the Art of Bulding in Ten Books, 1988).
303 Auxiliar e complementar à estrutura interna.
304 Vitrúvio in ‘De Architectura libri decem’ segue uma estratégia análoga.

225
próprio de expressão. Mas, porque existem relações dialógicas que dão
forma ao espaço construído, a arquitectura narrativa, por oposição à
que é desprovida de artifícios narrativos, como hipótese, estrutura
forças mais do que captar formas, razão pela qual não é figurativa,
mas formativa de um conteúdo expresso, muitas vezes de outras
disciplinas, abordado de uma forma análoga. A tarefa da arquitectura é
decompor e recompor305 o que se sabe para tornar expresso esse
conteúdo306 , de tornar visível o que não é, na relação próxima com as
sensações e com o tempo entendido como duração e movimento307.

O advento destes textos teóricos / normativos permite questionar o


que precede a concepção e em que consiste o acto de conceber.
Alberti responde a esta inquietação com o Delineamento, próximo de
elaborar uma narrativa, mais do que traçar linhas e formas, como
fazem os tratados que abordam a linguagem da geometria. As marcas
claramente figurativas delineadas, na tradição de Alberti, estão como
ficções no espaço de mediação do projecto. Inscrevem-se na lógica da
narrativa como um diagrama308, ou seja, como se inscrevessem

305 Como na reflexão de (Ricoeur, Architecture et narrativité, 1998). Ver também


(Umbelino, 2011) pp. 141-162, in Revista Filosófica de Coimbra – n.º 39 (2011).
306 Situação análoga à decomposição e recomposição da profundidade da pintura
renascentista.
307 Esta forma de entender a arquitectura como narrativa, na transposição de outras
narrativas, dá sentido ao tempo da experiência num devir que faz sentido e que
estabelece categorias em diferentes tecituras de arquitectura análoga. No limite, encontra-
se o estereótipo da utilização do desenho / modelo estilístico e tipológico.
308 O diagrama é um conjunto de linhas tidas por operatórias de significados
representativos definindo claramente os acontecimentos críticos materializáveis,
possibilidades limite que traçam possibilidades, simultaneamente factos e lugares do
acontecimento e ficções espaciais, não constituem ainda um facto per se, mas permitem
ultrapassar o figurativo. O diagrama articula-se com o ideograma, o alfabeto que sintetiza

226
acontecimentos críticos e outros, na lógica do discurso, na unidade
figurativa tornada espaço probabilístico e de experiência, na imanência
de outro mundo. Os traços, porque são intencionais, são
representativos e assim ilustrativos e narrativos. São significantes,
estímulos de sensações, como será a obra, simulações que
transportamos, da leitura dos paradigmas limite, porta, vazio,
orientando a vontade do quadro ao olhar, da óptica à perspectiva, a
conquista intelectual do renascimento. O diagrama temporal, com
vários momentos, reúne a geometria ou ossatura e os estímulos ou
sensações espaciais. O diagrama constrói a tecitura, é o
entrelaçamento entre o perene da geometria e o efémero
fenomenológico, entre o abstracto suficiente e o concreto insuficiente
de onde emerge a interpretação. A operação que relaciona a geometria
com o sensível traduz a figura do actante, simultaneamente receptor
de estímulos e transformador do cenário que habita, reúne sensações e
duração no facto vivenciável. A primeira, a geometria interioriza o
movimento e o olhar que a produz num pequeno número de linhas,
formas e volumes, ângulos e posições, enquanto a segunda, as
sensações, retomam a analogia com o corpo, em movimentos
expressivos e paralinguísticos.

A similaridade com um enredo de um texto literário e com o


ornamento retórico, harmonia verbal, de Aristóteles reflecte-se na
forma como se distribuem lugares e temas na narrativa. Esta forma,
designada por (Eriksen, 2001) como topomorfologia309, emerge a

o som numa forma visual abstracta, numa experiência pictural. Ao realizar o diagrama
com a constituição da forma facto, produz-se o conjunto visual.
309 Toma forma em termos de simetria, ‘sequentia’, enquadramento, enredo e figuras
discursivas, para além das metáforas arquitectónicas.

227
partir do interior das relações espaciais para dar forma à experiência
como interpretação do texto que articula o princípio com o fim, a
parte com a fórmula Aristotélica do todo, e que dá sentido à
experiência com a ‘compreensão’ como o texto permite ‘ver’310. A
simetria e a repetição (dentro dos diferentes processos de
compreensão e de visão), cria um padrão que reforça a unidade do
todo, como uma composição com leis e sistemas de significação para
comunicar a ideia do criador. Esta prática introduz novo
conhecimento na arquitectura, um ‘construtivismo narrativo’ do
enredo para o espaço, o que torna necessário identificar a arquitectura
do texto como ponto de partida para impor ordem na composição,
para tornar o discordante concordante. Também compara a lógica
temporal das projecções narrativas, no texto, com a nossa experiência
temporal do espaço, a nossa experiência fenomenológica, numa
tentativa para ligar o espaço onde nos movemos e o tempo desse
movimento.

Lógica das analogias


De acordo com o Quadro 4, pp. 256, verificamos que são usadas
analogias ao longo de toda a narrativa, mas sobretudo a analogia com
o mundo natural exterior e próximo ao narrador e ao leitor / ouvinte,
que engloba o edifício-corpo, o corpo-animal e o corpo-completo.
Noutro nível ocorrem outras analogias, geradas no interior da
narrativa, da natureza naturante, que englobam a relação da parte com
o todo, especificada na analogia casa-cidade, por exemplo. Para além
destas, as restantes analogias identificadas, ilustrativas, ocorrem em

310 Por exemplo, como Alberti refere no Livro I, ‘a cidade é como uma grande casa, e a casa
é como uma pequena cidade’.

228
menor número de vezes, dada a especificidade com que são usadas. O
uso de analogias tem maior incidência nos livros I – O Delineamento,
no livro III – A Construção e no livro V – Edifícios para fins
particulares.

O uso que Alberti faz das analogias afasta-se das teorias medievais
sobre o uso de analogias. Com efeito, no que diz respeito ao discurso
lógico, o uso de palavras por Alberti assume mais do que um
significado, assumem a polissemia e quando não existe palavra
adequada para a narrativa, é criada uma nova. No que diz respeito à
teologia, veja-se a ambiguidade com que Alberti fala dos antigos e dos
deuses e ao mesmo tempo admite formas construídas de templos
pagãos e uma forma de cristianismo primitivo, respeitando os diversos
dogmas. E, finalmente, no que diz respeito à metafísica, observamos
que Alberti ultrapassa o problema da interdependência entre as partes
discursivas com a criação da analogia do todo com as partes, do muito
pequeno com o muito grande, de uma forma de simetria, para de uma
forma circular abarcar toda a criação. Esta circularidade inscreve-se na
noção da criação a partir da ‘imitação’ do divino, ou seja da
semelhança entre o criador e a obra criada.

O termo latino ‘analogia’ tinha no início do renascimento vários


sentidos, recebidos dos ensinamentos da idade média311. De acordo
com S. Tomás de Aquino, na exegese das escrituras, era usado como
método para mostrar que os livros não estavam em desacordo; na
retórica e na gramática, era um método para resolver a dúvida sobre

311 Ver (Ashworth, Medieval Theories of Analogy, 2013) e (Ashworth, Signification and
Modes of Signifying in Thirteenth-Century Logic: A Preface to Aquinas on Analogy,
1991).

229
um termo pelo apelo a uma similaridade com outro termo; noutros
casos o termo tem uma conotação teológica, de participação com a
perfeição divina, relacionando seres inferiores e superiores; o termo
grego para analogia foi algumas vezes traduzido para latim como
‘proportio’ ou ‘proportionalitas’, referindo-se à comparação entre duas
proporções312; o termo ‘analogia’ cedo aparece relacionado, em latim,
com a palavra ‘ambíguo’, e daí equivoco (intencional)313.

O conceito de ‘analogia’, no sentido grego, desenvolve-se com a


ambiguidade do termo ‘principium’, principio e origem, que embora
várias fontes possam ter princípio, com propriedades iguais, não são
da mesma natureza, como por exemplo, ponto para a linha e nascente
para o rio, já que são objectos de naturezas diferentes, de categorias
diferentes, matematicamente de quantidades diferentes e, no limite,
substâncias diferentes314. É neste equivoco de que falamos de
analogias usadas no discurso de Alberti, em grande medida através de
metáforas, e de forma menos abrangente, no discurso de Holanda.

O uso de analogias no discurso de Alberti não é uma inovação. Com


efeito, encontramos em Vitrúvio o registo da analogia da arquitectura
com o corpo, em particular do ordenamento com o corpo humano,
livro III, cap. 1, pp. 53-54315. Podemos também verificar o interesse
das analogias na época medieval, através do desenvolvimento de

312 Virá também a relacionar-se com um discurso antecedente e outro consequente.


313 A este propósito veja-se a tradução de (Vitruve, 1995), Livro III, cap. 1, pp. 53-54.
314 O que permite que estes objectos sejam agrupados é a similaridade de relações:
argumenta-se que o ponto esta para a recta como a nascente para o rio. Ou na leitura de
Alberti, um membro (ossatura) está para um animal como uma coluna está para a
arquitectura.
315 In (Vitruve, 1995).

230
teorias que procuravam responder aos problemas, da linguagem, em
três áreas: lógica, teologia, e metafísica. No que diz respeito à lógica, a
preocupação centrava-se na utilização de palavras com mais de um
sentido, quer relacionados quer completamente diferentes. Para a
teologia, a preocupação centrava-se na utilização de palavras
referentes ao transcendente, a Deus, pondo em oposição o espiritual e
o mundo dos sentidos. Finalmente, para a metafísica, a preocupação
centrava-se no discurso sobre a realidade, nomeadamente no discurso
substancial e o discurso acidental, o criador e o criado, quando são
interdependentes.

Assim, em reacção a estes problemas, desenvolveu-se uma teoria que


dividia as palavras, independentemente do contexto, em três tipos:
palavras unívocas (denotativas, usadas sempre no mesmo sentido),
equivocas (conotativas, palavras ambíguas usadas com sentidos
diferentes, polissémicas como um termo e a imagem desse termo), e
palavras analógicas (usadas com sentidos relacionados, similares). São
estas últimas que se revelaram particularmente úteis para o discurso
teológico e metafísico, e foram discutidas repetidamente na lógica de
Aristóteles, sobretudo com a analogia metafísica do ser316. É esta
analogia semântica que será desenvolvida a partir do séc. XIV por
doutrinas sobre a natureza dos conceitos humanos.

De acordo com a analogia metafísica, desenvolveram-se três tipos


principais de analogia semântica: comparação de duas proporções ou

316 Segundo a doutrina, a realidade tem uma leitura horizontal, substanciada e acidental, e
vertical com o criador, Deus, e os seres criados, e estes dois eixos estão relacionados
analogicamente.

231
relações317, chamada analogia de proporcionalidade; relação entre uma
coisa primária e uma secundária318, chamada analogia de atribuição; e
o terceiro tipo de analogia, usada sobretudo por teólogos, apelava para
a relação entre o criador e as criaturas criadas319, chamada analogia de
imitação e participação. Dos três tipos é a analogia de atribuição, que
tem maior discussão no período medieval.

A partir do séc. XIV, as discussões sobre as analogias focam-se nos


conceitos que correspondem às palavras usadas e não tanto no uso
linguístico. Questiona-se se há apenas um conceito que corresponde a
um termo analógico, ou uma sequência de conceitos. E neste caso,
como são relacionados os conceitos (actos da razão, do pensamento) e
os objectos desses conceitos320.

Compreendemos que Alberti segue os ensinamentos do seu tempo,


relativamente à filosofia e à retórica, registados na forma da narrativa e
na arquitectura, na enunciação das analogias. Na narrativa de Alberti
encontramos, sobretudo, o uso dos dois primeiros tipos de analogia,

317 No sentido original, do grego. Por exemplo, principio relacionado com um ponto ou
nascente, porque um ponto relaciona-se com uma linha como uma nascente com um rio.
318As qualidades atribuídas a um objecto, como por exemplo ‘saudável’, são atribuídas a
tudo o que contribui para a saúde e àqueles que pela contribuição desses objectos,
emanam saúde. Notamos nesta atribuição que as qualidades designadas do primeiro não
são iguais às qualidades designadas do segundo, só o criador é igual a si próprio. Em
rigor, devemos assim comparar a relação entre o primeiro termo e as suas propriedades
e a relação do segundo termo e as suas propriedades, segundo a noção causal da
similitude (passiva ou activa, de carácter ontológico, unívoco ou não unívoco, segundo S.
Tomás de Aquino), tal como Deus é uma causa analógica que subjaz a toda a linguagem
analógica.
319 As criaturas têm as qualidades do criador, por que imitam ou refletem o criador.
320 Esta discussão continua até ao tempo de Descartes.

232
analogia de proporcionalidade e analogia de atribuição. Com efeito, as
analogias com a natureza natural, edifício-corpo, corpo-animal, corpo-
completo, enquadram-se nas analogias de atribuição, já que se atribui
através dos conceitos apresentados na narrativa, as características da
natureza primeira, nas formas vivas reconhecíveis, à arquitectura
secundária construída. Esta é uma analogia complexa, já que para lá da
imediatez visual com que se apresenta, implica reconhecer no objecto
primário, as características que estarão no objecto secundário, de uma
forma visual comparável ou de uma forma conceptual.

Já as analogias identificadas com a natureza naturante, analogias


internas na narrativa, que assumem uma enorme diversidade,
enquadram-se nas analogias de proporcionalidade. Ou seja, replicam
as características de um termo no outro, igual, diferente, grande,
pequeno. Em particular, a analogia da criação de harmonia com a
música, introduz um termo intermédio, o número, que regista a
passagem das características do instrumentos musical que produz o
som, para o número matemático que produzirá a mesma harmonia na
arquitectura.

As últimas analogias identificadas como ilustrações, tomam o


enunciador como criador que atribui as características de um objecto
criado a outro. Trata-se de uma elaboração que segue de perto a noção
teológica da criação, embora se reporte a objectos e não conceitos
abstratos.

As analogias com a natureza natural têm como agente causal a noção


de muitos resultados relacionados com o primeiro termo, muitos-
para-um, enquanto as analogias com a natureza naturante reduzem a

233
referência da capacidade generativa do primeiro termo e embora se
multipliquem exemplos, reduz a aplicabilidade, já que apresentam
como agente causal um-para-o-outro. Finalmente, no último caso,
com as ilustrações, voltamos a muitos resultados para um saber,
portanto à capacidade generativa das proposições.

No estabelecimento dos argumentos estamos em presença de um


raciocínio analógico, um tipo de pensamento que depende da analogia,
já que se colocam em destaque a comparação entre dois objectos, ou
sistemas de objectos, evidenciando os aspectos em que se julgam
similares. Foi Aristóteles que melhor definiu321 e criou as fundações
para este tipo de raciocínio, na antiguidade. Aristóteles não se refere a
raciocínio analógico mas a predicação analógica, nunca fala de
argumentos analógicos ‘per se’. Identifica contudo os argumentos
paradigmáticos, argumentos de exemplos e os argumentos de
semelhança, homotéticos. São estes argumentos que reconhecemos
hoje como analógicos.

Um argumento analógico, é assim uma representação explícita de um


pensamento analógico que aceita similaridades entre dois sistemas
para suportar a conclusão de que a similaridade existe322 . É por isso

321 Note-se que estes desenvolvimentos não estão na origem relacionados com a edificação,
mas com o poder e o exercício do poder através da linguagem e como suporte para a
tomada de decisão.
322 Regra geral, estes argumentos pertencem à categoria de raciocínio indutivo, já que as
suas conclusões não podem ser deduzidas com certeza, mas apenas se suportam num
grau aproximado, possível, de certeza. São inferências que expandem o conhecimento
face à incerteza, como refere (Holland, Holyoak, Nisbett, & Thagard, 1986) e que, no
limite, podem ser demonstradas com plausibilidade. Por vezes esta é a única forma de
justificar uma hipótese, já que o método analógico centrado no ‘Eu’ permite a
interpretação e daí a interpretação. Por exemplo: rectângulos e caixas – se estabelecermos

234
que este tipo de raciocínio é usado para persuadir os ouvintes /
leitores. Note-se que este tipo de raciocínio é tão importante para o
homem quanto misterioso quando usado em contextos de resolução
de problemas. Pode-se argumentar que sem este tipo de raciocínio,
alguns ‘saltos’ criativos não seriam possíveis323, já que de forma
dedutiva não se atingiria a mesma resolução324, não se criaria
conhecimento novo através da experiência que o raciocínio analógico
permite antever. Esta forma de raciocínio presente na obra de Alberti
e que atravessa o renascimento325, regista enunciados como uma
imposição, convenção, de linguagem secundária que opera conceitos
naturais e universais, com a mesma recepção por todas as pessoas,
sem envolver processo de decisão. Nestes, a noção de ‘significatio’ lat.
(significação) era mais importante que significar326. Para S. Tomás de
Aquino, o significado era um termo de concepção do intelecto de uma
coisa significada, enquanto a coisa significada era a natureza material
do objecto, referente que contém as características. Veja-se o exemplo
que caracteriza o raciocínio: 1) A (edificação) é similar a alguns

que de todos os rectângulos com um perímetro fixo, o quadrado é o que tem maior área,
então por analogia, conjecturamos que de todas as caixas com a mesma área de
superfície, o cubo será o sólido com maior volume, ver (Bartha, 2013).
323 Daí a presença na heurística como ajuda para a descoberta que na contemporaneidade é
usada nas pesquisas de Inteligência Artificial; o uso em processos justificativos e em
processos programáticos (por exemplo em ambientes pedagógicos), como podemos ler
em (Hofstadter, Epilogue: Analogy as the Core of Cognition, 2001) e (Hofstadter, Fluid
Concepts and Creative Analogies, 1995).
324 Note-se que este raciocínio é usado desde a antiguidade no meio filosófico e científico.
325 No séc. XIV a importância da linguagem mental sobrepõe-se à linguagem falada e os
conceitos como parte desta linguagem mental (da razão) era vistos como portadores de
significado.
326 Um termo significa quando funciona como um signo, representando ou dar a conhecer
algo para além dele próprio.

235
aspectos conhecidos de B (corpo-completo); 2) A (edificação) tem
outras características adicionais C (matéria, suportes); 3) então, D
(templo) tens algumas características de C (ossatura) ou outros
similares a C’ (pele)327. Este é o tipo de raciocínio um-para-um, mas as
relações podem ser mais complexas, como verificamos no Quadro 5 –
Raciocínio analógico., pp. 257.

A plausibilidade da inferência que se estabelece é no caso da narrativa


de Alberti, aceite pela autoridade dos antigos e pela experiência
arquitectónica (projecto), mais do que pela experiência arqueológica.
Com efeito, a plausibilidade esta relacionada com o desempenho, tem
uma conotação pragmática que permite que investiguemos através do
acto de habitar. É neste sentido que os argumentos de Alberti, mas
também Holanda sobre a cidade de Lisboa, podem ser entendidos,
como formas prováveis para atingir o desempenho anunciado.

Constatamos que o uso de analogias foi essencial para o nascimento


da teoria da edificação antropocentrada, já que simultaneamente se
dirigem ao objecto físico da prática edificatória, usando fenómenos de
esquematismo, e ao acto mental da edificação, da concepção e da
criação como Deus ‘in terris’. Contudo, registamos que as regras para
a inferências que são feitas não têm apenas uma possibilidade, são de
carácter idiossincrático, dependem dos intervenientes, autor / ouvinte,
e das culturas328.

327 1 e 2 constituem premissas explícitas e 3 é a conclusão do argumento obtido de forma


indutiva, garantindo que segue as premissas.
328 Investigações recentes, no domínio da filosofia e da matemática orientaram-se para a
elucidação de critérios gerais e procedimentos, mais do que definir regras, para o
raciocínio analógico. Afastam-se assim da procura de uma ‘lógica’ universal da analogia.

236
Os critérios que guiam estas investigações podem, assim, ajudar a compreender o uso de
processos analógicos no passado, como por exemplo: 1) quanto mais similaridades entre
dois domínios, mais forte será a analogia; 2) o contrário também é verdadeiro, quando
mais diferenças, mais fraca será a analogia; 3) quanto menos soubermos sobre os
domínios, mais fraca será a analogia; 4) quanto mais fraca for a conclusão, mais plausível
será a analogia; 5) as analogias que envolvem relações causais são mais plausíveis que as
que não envolvem; 6) analogias estruturais são mais fortes que aquelas que se baseiam
em similaridades superficiais; 7) deve ser considerada a relevância das diferenças e
similaridades para as conclusões (para a analogia hipotética); 8) analogias múltiplas
suportando a mesma conclusão fazem o argumento mais forte. Para um maior
desenvolvimento desta temática, no presente, ver Mill 1843/1930; Keynes 1921;
Robinson 1930; Stebbing 1933; Copi and Cohen 2005; Moore and Parker 1998; Woods,
Irvine, and Walton 2004.

237
Conclusão
A lógica das narrativas pode ser complexa, devido a interpretações
idiossincráticas e ao movimento entre o significado intrínseco das
narrativas e o significado imposto. As narrativas criam a ilusão do
conhecimento, reúnem tempo e experiência, uma ‘cronotopia’ na
forma de uma ficção. A lógica cognitiva das narrativas, procedente de
narrativas exteriores tangíveis e presentes em vários suportes, como
textos, desenhos e edifícios, é um campo de investigação que floresce
na procura do conhecimento paradigmático. O conhecimento
narrativo, por outro lado, dirige-se às histórias interiores presentes
naqueles suportes, na forma de estímulos que iludem a perda de
memória. Estas histórias são guardadas na memória e na imaginação,
recordações e sonhos, e são traduzidas na nossa prática, como no
renascimento, através de metáforas e analogias, num ciclo
existencialista de nomeação e domínio sobre o desconhecido através
da criação face à natureza, histórias internas face a histórias externas.

As formas narrativas de desenho são um resultado de aspectos


retóricos inerentes à cultura material, humana. Quando olhamos para
um desenho começamos a compreender o tema e, quando lemos um
texto, muitas vezes, vemos o assunto tratado. Esta inversão do
entendimento e da visão tem uma relação próxima do movimento dos
artefactos e os acontecimentos para interpretação e transformação,
considerando os primeiros como metalinguagem criada sob a lógica
das metáforas experimentadas por actantes. A lógica do desenho de
argumentos pode levar à transformação das histórias internas em
histórias manifestadas, tal como os narradores constroem histórias e
habitam um mundo ficcional enquanto perseguem o entendimento
das práticas de concepção, da organização do espaço e do tempo.

238
A concepção arquitectónica depende das narrativas e a recepção da
arquitectura análoga às narrativas resultantes da construção de
imagens mentais. A arquitectura subdivide o mundo das histórias em
dois componentes básicos: o espaço de acção que representa o lugar
‘interior’, representa o paradigma de espaço encerrado, limitado,
imóvel, casa e, por outro lado, o espaços de acção que encena o
‘exterior’ e representa a abertura, a mobilidade e o encontro. Nestes
espaços, os equilíbrios harmoniosos não fazem parte da sua
caracterização, apenas existem na imaginação, falta-lhes o espaço
empírico, são utopias construídas pelo espírito, como paisagem para a
consciência. Estes espaços análogos são também espaços de variação,
com imagens discordantes que permanecem em harmonia ainda que
implicitamente estejam em conflito. Por isso, esta forma não pode ser
objecto de hermenêutica. Em vez disso, o poder desta forma de
pesquisa, habilita-nos a fazer juízos sobre a cultura narrativa, já que
permite retomar formas externas e psicológicas de conflito e
equilíbrio. Esta forma de relação, esquematizada com fenómenos
como ritmo, regularidade, métrica e padrões, demonstra a pertinência
das visões do mundo nos acontecimentos críticos, concretos, da
narrativa.

Questiona-se, por isso, na concepção da arte edificatória, como seguir


o fio orientador, na multitude de acontecimentos, como regular os
acontecimentos que apresentam diferentes movimentos na narrativa,
diferentes tempos que podem ser analisados, comparados a
modulações análogas em obras musicais (allegro, andante, allegretto,
tempos de concerto) que representam padrões psicológicos. Este
aspecto formal introduz a noção trágica na composição e transfere-se,
como tautologia para a estrutura do objecto. De qualquer forma, a

239
prova do final, e da finalidade, da narrativa é o momento, a força que
se encontra no sucesso de um fim agradável e feliz. O nosso agrado
por estes desenvolvimentos reside na atribuição de valores ao
mundo329 da história, de características do mundo exterior. Ou seja,
pela construção do mundo como um todo completo, o leitor religa os
acontecimentos mentalmente para construir a totalidade no enredo
linear, onde os acontecimentos são conformados pela necessidade de
bom desenlace. Já (Aristóteles, Poética, 2011) pp. 63, fala da
importância da estrutura para atingir o belo e a ordem.

O modo ficcional da narrativa nasce da (re)presentação de uma ou


mais personagens, ou do centro de acção que não existe ainda. É a
este centro de acção que o leitor quer dar voz, tornando o mundo da
história visual através do mapa cognitivo. É este mapa cognitivo
concebido em termos de pensamento e acção e de acção entre as
partes, ou parte sem diálogo, que coloca frente a frente as realizações
espacio-temporais realistas com as idealistas. A relação de tensão que
se estabelece entre as duas acções, requer que o leitor ou ouvinte,
desenvolva uma imagem dialógica do espaço do enredo, do real e
como deve ser feito, ou como está a ser feito, que inevitavelmente
deixará marcas memoráveis para o leitor. Podemos também fazer uma
distinção tipológica ente as narrativas modernas e as narrativas
tradicionais. Na primeira, os espaços enredo são dialógicos, enquanto
nas segundas são teleológicas. Contudo, é mais prudente, como afirma
(Keunen, 2011), pp. 70, falar de duas interpretações ou de dois
métodos para entender a imaginação narrativa, no sentido de:

329 O que implica também a aceitação de outros programas, como aqueles que limitam a
liberdade, ou a modelam.

240
escolhendo uma ou outra, introduz-se a opção por uma visão do
mundo (moderno ou tradicional).

As conotações filosóficas dos espaços de enredo teleológicos e


dialógicos podem distinguir-se formalmente como um arco para a
primeira e rede para a segunda. Ou seja, da narrativa orientada para o
enredo, versus a narrativa orientada para a acção. Esta distinção
introduz a ambiguidade de fins (conclusões) alternativos. No texto
orientado para o enredo (narrativa tradicional) todos os elementos
colaboram para atingir esse objectivo, o que se resume na imagem de
um arco. Os padrões teleológicos, ou em arco com formas idealistas
de equilíbrio, desequilíbrio e novamente reequilíbrio, são por isso o
que tem o princípio e o fim da arte narrativa. Neste movimento
fechado onde somos orientados num esquema formalista, os blocos
construtivos da acção são orientados para o objectivo pré-
determinado, sem que o tempo possa ser diferente do delineado.

A dimensão temporal da narrativa como ‘constructo imaginal’


(construção imaginária) traduz-se numa forma de enredo, ou lugar de
relações causais entre os acontecimentos, onde o encadeamento deixa
de ser fundamental para resolver relações causais. Com efeito, redes
também resolvem relações causais, com maior complexidade e
ambiguidade. Desta forma, considerando as redes, o espaço de enredo
é constituído por um conjunto de ‘mundos possíveis’, ligados com
operações cognitivas das personagens. Estas relações prototípicas, de
tensão entre os intervenientes, são legíveis na pedagogia em Holanda
ao escrever sobre a arte e os artistas antes de Vasari e na narrativa
bíblica, ‘De aetibus mundi imagines’, em imagens antes de Bacon. É

241
na visão do mundo renascentista que se inaugura a visão moderna do
mundo em redes.

O conceito de ‘lineamentis’ de Alberti expressa a visão do mundo


humanista nas artes, o novo poder criativo do razão que toma
exemplos da cultura romana e latina para ir mais além. Não descreve
nem prescreve a edificação mas contém um processo mental de
concepção e planeamento, suportado em analogias. Esta concepção é
expressa como repetição, interpretação de uma concepção prévia,
tonando assim a arquitectura resultado do pensamento, já que se
opera na mente o conhecimento como era prática do humanismo de
acordo com as teorias de ensino e educação. O conceito que Alberti
expõe, instaura o pensamento narrativo, ordenando particularidades
que mantêm os efeitos das fontes do conhecimento prévio, mas têm
uma forma menos complexa sem a fonte. A transmissão e
transposição deste conhecimento pode também estar fundado numa
forma de pesquisa narrativa, relevante para a compreensão do nosso
tempo, como no tempo de Alberti, para dar sentido ao que se
conhecia e fazer sentido com a criatividade de uma nova teoria. O
pensamento narrativo engloba exemplos da importância da concepção
e a transmissão para persuadir o público, expande a linguagem da
criação de ‘congettare’ como ‘arquitectura literária’.

A capacidade para conceber ideias, como Deus ‘in terris’ e o plano de


criação, do espaço contínuo, de Nicolau de Cusa, precede a
representação arquitectónica, deslocou a ontologia da arquitectura e
deu lugar à arte liberal que persegue o infinito pela voz do arquitecto
ciceroniano que corporiza as virtudes do perfeito orador, e que
persegue a verdade com a síntese do conhecimento e eloquência. Os

242
textos para serem lidos, diálogos com referências em autores antigos
redescobertos, tornam-se o suporte da forma retórica que permite ver
através do texto, ampliando a imaginação. A retórica tornou-se uma
característica da dimensão narrativa da arquitectura, interessada em
palavras, na tipotectura, usando um método ficcional para ordenar
particularidades do mundo das essências para o mundo da expressão.
Esta condição, embora menos relevante que o conhecimento, tornou-
se determinante para a linguagem arquitectónica, tornando a retórica
um discurso possível, longe de ideal, mediando entre múltiplos
conhecimentos referenciados.

Nas narrativas de Alberti, Holanda e Rodrigues, há um vazio entre


dois tipos de arquitectos. O trabalhador ‘manual’ medieval, e o novo
arquitecto, intelectual e liberal. Para o primeiro, desenho e construir é
o suporte da narrativa, enquanto para o segundo, o pensamento
narrativo introduz novo conhecimento na arquitectura, para tecer o
suporte para a metáfora de uma vida agradável e feliz. Os textos de
Holanda, contudo, saíram do âmbito pedagógico de Alberti, para
louvar publicamente os segredos do poder criativo, antecipando o
conceito de ‘desegno’, eleito como tema para a narrativa histórica na
história de arte de Vasari, para explicar o que é a arte, como julgar e
entender os paradoxos. O uso retórica nos textos de Holanda
acompanha a expressão ‘ut pictura poiesis’ de Horácio, para
estabelecer a relação entre a disciplina retórica e a arte através da
emulação. Pela primeira vez, Holanda argumentou que a superação
dos antigos é o resultado da experiência, e não apenas imitação como
Alberti refere. O avanço da história de Holanda como invenção
pictórica é, desta forma, prescrita como imitação e superação, num
sentido moderno. Holanda reúne dois opostos, a narrativa de Alberti

243
(conhecida através de Serlio) e a de Vitrúvio, focando-se na razão de
construir e valorizando a arquitectura como meio performativo. O
tratado atribuído a Rodrigues tem um carácter prático, segue a ideia de
‘De Architectura’ suportada em desenhos narrativos e reflectindo o
paradigma Vitruviano de como construir, traduzido em forças que dão
forma à arquitectura, enquanto a matemática reflete a geometria
Euclidiana exposta por Serlio.

A partir destes textos teóricos, a arte edificatória dependerá de uma


construção lógica e do pensamento analógico, discursivo, sintetizando
racionalidade e arte, na formação da ideia construída e da sua relação
com a forma. Neste sentido, o espaço narrativo análogo de Holanda e
de Rodrigues insere-se na lógica do devir segundo metáforas com
mundos diversos de saberes autónomos, replicando os mesmos
estímulos de forma análoga. Ou seja, com uma estrutura similar a
narrativa dá uma mensagem com uma relação isomorfa com um corpus de
referência. Logo, a analogia estética baseia-se nas formas de similitude
ao invés da complexidade da interposição de um código330. Assiste-se
assim ao surgir da narrativa pela analogia, como com Alberti, com o
resquício das referências retóricas que permitem grafar resultados
possíveis e ultrapassar a perda de memória331, ao registo diagramático
e à criação de um código intrinsecamente arquitectónico. Código

330 A analogia entre A e B é uma estrutura que preserva a função de correlação entre os
elementos de A com os elementos análogos de B. Entre os dois estabelece-se uma
inferência analógica reveladora de isomorfismos ou analogias perfeitas por oposição aos
homomorfismos, ou isomorfismos parciais. Estabelece-se assim uma certa evidência que
se impõe imediatamente sem necessidade de longa aprendizagem, recorrendo aos
sentidos e à experiência anterior para relações directas entre as coisas.
331 Veja-se Carruthers (2005, 2006), sobre a arte da memória, na transição da idade medieval
para a idade moderna.

244
paradigmático e paradoxal que não se opõe à analogia mas que a toma
como objecto, expressando o análogo como objecto, resultando numa
forma polissémica332 .

Noutra perspectiva, o ordenamento de particularidades insere-se no


plano da imanência, da narrativa e no plano da composição da arte. O
primeiro é virtual, o segundo é o plano do possível, o primeiro é o
plano do acontecimento puro, do potencial abordado nos tratados e o
segundo da sensação plasmada no material. No plano da composição
distingue-se o plano técnico construtivo que é material, do plano
estético que é o trabalho da sensação, sendo o último o plano da
criação, porque a obra não se sustenta apenas pela matéria. Esta
perspectiva não desvaloriza a experiência estética do material, uma vez
que a matéria intervém no plano da composição, ao lado da sensação.
Mas, na composição criam-se novas sensações, novos afectos e
repetições que permitem que fique em aberto para a interpretação o
plano paradigmático da narrativa, o plano simbólico do percurso e da
perspectiva e, o plano da transcendência da matéria com espessura
própria no domínio das sensações.

A valorização das narrativas, por via do registo escrito de forma


ideográfica, racional e idealizada, ultrapassa a noção anterior de
geometria como saber, com um carácter místico e apenas transmissível na
cadeia de aprendizagem de mestres pedreiros, envolvidos no estatuto
social do regimento. Este saber do final da Idade Média é actualizado
com um novo mundo criado pelo renascimento da antiguidade aculturada

332 Note-se que no tratado que serve de referência à nova teoria da concepção, De Re
aedificatoria, Alberti se refere a analogias desde o corpo completo (animal) à música e à
escrita.

245
pelo Cristianismo (Ruão, 2006). É neste contexto que a autoridade de
Vitrúvio é recuperada, após a sua re-descoberta, recuperando o
estatuto social do arquitecto moderno, personagem da arte liberal que
edifica o espaço social, verdadeiro criador da ordem e de uma ideia
mentale albertiana, plasmada pela prática do debuxo. As questões
teóricas tornam-se assim o objecto da produção literária e do ensino
da arquitectura, superando Vitrúvio, embora não totalmente como
demonstra o mote da encomenda feita a Alberti para anotar o tratado
anterior. Enquanto se considera Vitrúvio como o tratado que aborda
como fazer a edificação, o novo tratado, tomando Alberti como
percursor da teoria da arquitectura333 aborda porquê fazer, excluindo a
dimensão prática do corpo do texto, mas abordando-o noutras obras,
como por exemplo em Ex ludis rerum mathematicarum334, o primeiro
destinado a ser lido e transmitido a quem encomenda, e por quem
concebe, o segundo com regras precisas úteis para a prática do
desenho.

A arte e a arquitectura como narrativa e com narrativa são dois


aspectos da mesma matéria. O pensamento narrativo aparece
codificado no ‘linamentis’ de Alberti e no significado metafísico do
‘debuxo’ de Holanda, eloquentemente proporcionados e limitados
com harmonia e luz, operando a conversão do não verbal para o
verbal, enquanto nós, como actantes descrevemos o que é visto. Com
este enredo, a imitação literal de um modelo é ultrapassada pela ideia e

333 Da teoria da arquitectura como antropogénese, segundo Choay (2004).


334 Manuscrito “Matemática Lúdica” que apesar do título em latim foi escrito em vulgar, c.
1450) onde Alberti aborda a possibilidade de medir grandezas inapreensíveis sem o uso
de instrumentos, máquinas, tendo apenas como auxilio a matemática, dando voz à
ciência na tentativa de ampliar o domínio do homem sobre a natureza natural.

246
a emergência dos méritos retóricos. Desenho e ideia são assim
tomados como base comum para a arte e as ciências não pictóricas,
uma projecção universal de uma segunda natureza, ‘natura naturans’.

247
248
PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO

No desenvolvimento da investigação confirmámos a presença de


‘artifícios narrativos’ na arquitectura do renascimento, presentes desde
o conhecimento teorético ao plano de criação. A narrativa tornou-se o
veículo de outros conhecimentos e permitiu conceber como narrativa.

O método usado pela narrativa para se dirigir à arquitectura remonta à


retórica e às figuras de estilo, nomeadamente através de processos
lógicos de inferência com analogias. Destas analogias há um conjunto
que está centrado no humanismo - as analogias com a natureza e o
corpo; e outras com o conhecimento desenvolvido na narrativa –
analogias internas. Neste grupo, em particular há uma analogia que
pela complexidade que apresenta e falta de demonstração na narrativa
tem, em nosso entender interesse para posteriores desenvolvimentos
de investigação, refazendo o enquadramento, os conceitos e
ampliando os objectos do renascimento à contemporaneidade – a
analogia da harmonia na arquitectura com a música (construção de
instrumentos musicais) intermediada pelos números.

Finalmente, continuando a leitura de Alberti, uma característica terá a


sua contrária em equilíbrio, pelo que se creem serem úteis
desenvolvimentos de investigações sobre arquitectura ‘sem artifícios
narrativos’.

249
250
ANEXOS

Quadro 1 – Diagrama temporal 252


Quadro 2 – Tipos de conhecimento e procedimentos empregues na
pesquisa de narrativas, segundo Polkinghorne, in Hatch e
Wisniewski, ed. (1995). 254
Quadro 3 - Estrutura básica para a metodologia de pesquisa sobre a
análise narrativa. (Webster e Mertova 2007:105). 255
Quadro 4 – Analogias na De re aedificatoria. 256
Quadro 5 – Raciocínio analógico. 257

251
Modernidade)(28)
maio)1453)

1400 1410 1420 1430 1440 1450 1460 1470 1480 1490 1500

Ciclo-Manuelino-(1490F1530)-in-Pereira-1992

Alberti)(1404:1472)

De-re-aedificatoria--libri-decem)(1442:
1452);)ed.)(1486),)em)latim

Della%famiglia%
Sta.-Maria-Novella-(1456F70),-Florença
(1432)

Capela-Rucellai- SS.-Annunziata-
Della%Pittura%(1435) Palazzo-Rucellai-(c.-1445F51),-Florença
(1467)-,-Florença (c.1470),-Florença

De%Statua%(1438)

Grammatichetta%Vaticana%–%Regole%della% Igreja-de-San-Andrea-
André)de)Resende)(1500:1573))
volgar%lingua%fiorentina-(1437F1441). (c.-1470),-Mantua

Tempio-Malatestiano-(1447F50),-Rimini San-Sebastiano-(1460F70),-Mantua

Antonio)Averlino)(Filarete),)(c.)1400:c.)1465)

Codex%
Magliabechianus%II,%
I,%140-(1461F1464),-
em-lingua-volgare

Cesare)Cesariano)(1476/78:1453)

Sebastiano)Serlio)(1475:1553/55)-F-as-ilustrações-tomam-tanta-importância-como-o-texto,-no-apelo-ao-sentido-da-vista-(represe
ortogonais-e-perspectiva-na-mesma-representação)

Iacomo)Barozzi)da)Vignola)(1507:1573))F-250-edições-do-conjun
da-arquitectura-antiga,-mas-a-sua-interpretação.-Canone-com-a-
modo-de-calculo,-do-geral-para-o-particular.-Abordagem-pragmá

Nicolau)de)Cusa)(1401:1464)

Quadro 1 – Diagrama temporal


252
Alto%Renascimento%
Barroco
Romano

1510 1520 1530 1540 1550 1560 1570 1580 1590 1600 1610
Renascimento'/'Maneirismo'(1520P1600)
Ciclo'Manuelino'(1490P1530)'in'Pereira'1992 Estilo'Chão'(1580P1680)
lição#dos#moços#fidalgos aula#da#esfera

Primeira'edição'
Segunda'edição'de'
traduzida'em'língua'
Cosimo'Bartoli,'em'
florentina,'de'
italiano,'com'
Giorgio'Vasari,'
ilustrações'(1565)
Florença'1550

Francisco%de%Holanda%(151771584)

Da#Fábrica#que#
Falece#à#Cidade#de#
Lisboa,'1571'
(tratado,'concepção'
militar,'em'linha'
com'Vitrúvio)

António%Rodrigues%(c.%152571590)

Tratado'de'
Arquitectura'(1576)

André%de%Resende%(150071573)%

1º'tradução'
impressa'de'Vitruvio'
para'italiano'(1521),'
depois'de'Fra'
Giocondo'(1433P
1515)
rações'tomam'tanta'importância'como'o'texto,'no'apelo'ao'sentido'da'vista'(representações'concretas'e'informativas,'recorrendo'a'projecções'
entação)
Tutte#l'opere#
publicação'parcial' livro'III,'publicação' livro'IV,'publicação' publicação'parcial'
d'architettura#et#
(1517) parcial'(1537) parcial'(1540) (1575)
prospettiva#(1619),'
Iacomo%Barozzi%da%Vignola%(150771573)%P'250'edições'do'conjunto'de'directivas'para'uma'construção'correcta,'em'imagens.'As'regras'compiladas'já'não'aborda'o'estudo'
da'arquitectura'antiga,'mas'a'sua'interpretação.'Canone'com'a'teoria'das'proporções'visando'a'aplicabilidade'prática'(préPbarroco).'Aplicação'do'cálculo,'invertendo'o'
modo'de'calculo,'do'geral'para'o'particular.'Abordagem'pragmática'que'introduz'o'módulo'como'medida'absoluta

Regola#delli#cinqui#
ordini#d'architettura#
(1562),'Roma

Daniele%Barbaro%(1513?%151471570)'P'nobre'intelectual,'escreveu'um'tratado'de'perspectiva'e'foi'um'mecenas'de'Palladio'(villa'Barbaro'em'Maser'(c.'
1560P70),'experiencias'na'câmara'escura),'Paolo'Veronese'(serliana…)
tradução'impressa'
de'Vitruvio'para'
encontro'com'
italiano'(1556),'
Bartolomeu'dos'
Veneza.'Com'
Mártires
desenhos'de'
Palladio
Andrea%Palladio%(150871580)'P'ilustrações'rigorosas,'planta,'corte'e'alçado.'Projecções'ortogonais.'Ilustra'o'tratado'com'projectos'pessoais.'O'valor'do'exemplo,'funda'as'
normas'válidas'para'tratados'posteriores
I#quattro#libri#
dell'architettura#
(1570),'Veneza
Vincenzo%Scamozzi%(154871616)%P'projecto,'instancia'mediadora,'ideia'conceito'mental.'Noção'do'cosmos'criado'por'Deus'e'ordenado''segundo'leis'matemáticas'e'
geométricas

L'idea#della#
architettura#
universale#(1615),'
Veneza

253
Tipos de Conhecimento
Conhecimento paradigmático Conhecimento narrativo
Conceitos Enredo das histórias
Quantificável Evocativo de emoções várias
Racional Experiência analógica
Diferentes tipos de narrativa
Análise de narrativas Análise narrativa
Recolha de histórias Descrição de acontecimentos
Reconfiguração de eventos pelo enredo;
Extracção de temas; taxonomia;
história (s) (ex: histórica, caso de estudo,
personagens; cenários
biográfica, …)
Movimento das histórias para os elementos
Movimento dos elementos para as histórias
comuns
Procedimentos empregues nos dois tipos de pesquisa narrativa
Usa histórias Usa o enredo narrativo
O resultado da análise é uma história (ex:
Usa análise paradigmática da informação
relato histórico, uma história de um
(sincrónica – sem a dimensão histórica, ou
episódio de vida). O objectivo do
diacrónica – contendo informação da
pesquisador é configurar os elementos
sequência – principio, meio e fim –
numa história e dar sentido aos contributos.
resultados, sendo diferente da mera
Implica descobrir o enredo (razão) que liga
sequência de acontecimentos, crónica ou
as partes num desenvolvimento temporal…
relato)
culminante…
É suportada em vários registos. A informação não está geralmente na forma
Documentos escritos, autobiografias, na de uma história, a informação vem de várias
oralidade, que recapitula e reconstitui a fontes (entrevistas, documentos e
experiência na forma de uma história observação)
Pode ensinar como se conta uma história –
O objectivo é produzir as histórias que
em parte, repertório cognitivo,
transparecem da pesquisa
comunicando, fazendo sentido
Processo etnográfico de recolha de Os elementos necessários são descrições
informação, O processo é empregue não diacrónicas de acontecimentos. A
apenas para descobrir e descrever as informação que é recolhida depende do
categorias que identificam ocorrências foco da pesquisa que deve ser sempre
particulares na informação, mas também balizada no tempo,… revelando a
para dar conta de relações entre categorias. idiossincrasia e a complexidade particular
Constrói uma matriz de análise Constrói uma história
É um processo de síntese do todo,
É um processo separativo do todo
retrospectivo

Quadro 2 – Tipos de conhecimento e


procedimentos empregues na pesquisa de
narrativas, segundo Polkinghorne, in
Hatch e Wisniewski, ed. (1995).

254
Quadro 3 - Estrutura básica para a
metodologia de pesquisa sobre a análise
narrativa. (Webster e Mertova 2007:105).

255
O ornamento de edifícios públicos profanos
O ornamento de edifícios sagrados

O ornamento de edifícios privados


Edifícios para fins particulares
Edifícios para fins universais

O restauro de obras
O delineamento

Do ornamento
A construção
Os materiais

REF.
VIII
VII

IX
VI
IV
III

X
V
II
I

Natureza natural Cap. 5 Cap. 2 Cap. 17 Cap. 10 Cap. 4 Cap. 5 Cap. 8 Cap. 3 8
Cap. 2;
Edifício-corpo Cap. 12 Cap. 17 Cap. 5 Cap. 6 Cap. 7 7
Cap. 9
Corpo-animal Cap. 5 Cap. 13 Cap. 5 3
Cap. 1;
Corpo-completo Cap. 10; Cap. 12 4
Cap. 14
Natureza naturante
Cap. 5;
Todo-partes Cap. 2 Cap. 5 Cap. 16 5
Cap. 12
Área-região Cap. 7 Cap. 4 2
Linha-arco; recta-corda; flecha Cap. 7 1
Cap. 2;
Casa-cidade Cap. 9 Cap. 5; 4
Cap. 14
Cap. 6;
Edifícios pequenos- edifícios grandes 2
Cap. 7
Portas-janelas Cap. 12 1
Arco - arco Cap. 5 Cap. 7 2
Cap. 6;
Arco-arquitrave 2
Cap. 12
Madeira-pedra Cap. 12 1
Cidade-plantação (temporário-
Cap. 10 1
permanente)
A=B (pensamento sobre igualdades) Cap. 5 1
Analogia cultural Cap. 2 1
Fórum-anfiteatro Cap. 6 1
Analogia para-científica Cap. 7 1
Casa-templo Cap. 3 1
Harmonia-música Cap. 5 1
Ilustrações
Peixe-barco Cap. 12 1
Ser vivo-máquina Cap. 8 1
Edifício-uso Cap. 7 1
Conhecimento-livro Cap. 4 1

REF. 9 1 9 1 9 6 3 6 5 4

Quadro 4 – Analogias na De re
aedificatoria.

256
A
B
Edificação (dos
Palácio (actual)
Antigos)

Similaridades conhecidas

Construção onde nada


Corpo-completo se pode acrescentar
nem retirar
relações no domínio

Tem cobertura e
<vertical>

Protege dos elementos


paredes
<horizontal>
Tem ossatura similaridades e diferenças Tem colunas
entre domínios diferentes

Tem pele e aberturas Tem paredes ornadas

Está executada com


Está sujeita ao ‘decoro’
concinidade
Inferência da
Suporta uma vida Pode suportar uma
similaridade
agradável e feliz vida agradável e feliz
=>

Quadro 5 – Raciocínio analógico.

257
258
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