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Doutoramento em Arquitectura
Orientador:
Professor Catedrático Jorge Filipe Ganhão da Cruz Pinto
Constituição do Júri:
Presidente e vogal:
Doutora Maria Madalena Aguiar da Cunha Matos, Professora Associada,
Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa.
Vogais:
Doutor Domingos Manuel Campelo Tavares, Professor Catedrático Emérito, Faculdade
de Arquitectura da Universidade do Porto;
Doutor Jorge Filipe Ganhão da Cruz Pinto, Professor Catedrático, Faculdade de
Arquitetura da Universidade de Lisboa;
Doutor João Gabriel Viana de Sousa Morais, Professor Catedrático, Faculdade de
Arquitetura da Universidade de Lisboa;
Doutora Paula Cristina André dos Ramos Pinto, Professora Auxiliar, ISCTE do Instituto
Universitário de Lisboa;
Doutora Maria Soledade Gomez Paiva Sousa, Professora Auxiliar, Faculdade de
Arquitetura da Universidade de Lisboa.
Orientador:
Professor Catedrático Jorge Filipe Ganhão da Cruz Pinto
Constituição do Júri:
Presidente e vogal:
Doutora Maria Madalena Aguiar da Cunha Matos, Professora Associada,
Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa.
Vogais:
Doutor Domingos Manuel Campelo Tavares, Professor Catedrático Emérito, Faculdade
de Arquitectura da Universidade do Porto;
Doutor Jorge Filipe Ganhão da Cruz Pinto, Professor Catedrático, Faculdade de
Arquitetura da Universidade de Lisboa;
Doutor João Gabriel Viana de Sousa Morais, Professor Catedrático, Faculdade de
Arquitetura da Universidade de Lisboa;
Doutora Paula Cristina André dos Ramos Pinto, Professora Auxiliar, ISCTE do Instituto
Universitário de Lisboa;
Doutora Maria Soledade Gomez Paiva Sousa, Professora Auxiliar, Faculdade de
Arquitetura da Universidade de Lisboa.
i
ii
Para a Clara
iii
iv
RESUMO
Doutoramento em Arquitectura
v
narrativa e a arquitectura, imaginação narrativa, estruturas narrativas,
diegese, transformação e, finalmente, as analogias.
vi
ABSTRACT
Doutoramento em Arquitectura
vii
narrative and architecture, narrative imagination, narrative structures,
diegesis, transformation, and finally the analogies.
viii
AGRADECIMENTOS
ix
x
ÍNDICE
Resumo v
Abstract vii
Agradecimentos ix
Índice xi
Imagens xiii
Quadros xvii
Introdução 3
Capítulo 1 7
Caso de estudo 7
Propósito da investigação 11
Problema específico a abordar 13
Estado da arte 34
Teoria 35
Arquitectura 36
Literatura 38
Metodologia 41
Análise de informação 41
Selecção de objectos 43
Selecção de assuntos 44
Estrutura da tese 45
Capítulo 2 49
Quadro conceptual 49
Enquadramento 51
Validação do conhecimento 52
O campo: narrativas na arquitetura 57
Conhecimento expresso em narrativas 59
Reconstituição de narrativas 60
Suportes 62
Pragmática do conhecimento narrativo 64
Legitimação do conhecimento narrativo 68
(Des)legitimação, desempenho 70
Instabilidades 73
Conceitos 74
Imaginação narrativa 75
Estruturas narrativas 86
Diegese 90
Tempo e acção 97
xi
Actante 109
Analogias 110
Capítulo 3 121
Resultados e discussão 121
Descrição dos resultados 121
Estrutura do discurso narrativo 121
Forma do discurso 128
Denotação 133
Similaridades 139
Delineamento e narrar 155
Temas 159
Imagens narrativas 162
Discurso ilustrado 168
Reelaboração de narrativas 171
Edificações 176
Discussão 186
Narrativa anterior à arquitectura 189
Narratividade 194
Pensamento narrativo 199
Desenho narrativo 207
Estruturas de conhecimento 220
Lógica das analogias 228
Conclusão 238
Perspectivas de desenvolvimento 249
Anexos 251
Bibliografia 259
xii
IMAGENS
xiii
Imagem 9 – Palácio Rucellai, Florença. In
http://www.europeana.eu/portal/record/08535/local__def
ault__6108.html?start=1&query=what%3A%22Palazzo+Ru
cellai+in+Florenz%22&startPage=1&qt=false&rows=24,
consultado a 20150901. 178
Imagem 10 – interior da Santissima Anunziata, Florença. In
http://www.firenze-online.com/visitare/informazioni-
firenze.php?id=6#.VhFLZbRUMuI, consultado a 20150901.
179
Imagem 11 – São Sebastião, Mântua. In
http://www.cpp.edu/~aehacker/arc362/Northern%20Italy
%20and%20Palladio/Images/3176.jpg, consultado a
20150901. 179
Imagem 12 – São Sebastião, Mântua. In .
http://www.lombardiabeniculturali.it/architetture/schede/
MN360-01055/, consultado a 20150601 180
Imagem 13 – Templo Malatestiano, Rimini. In
http://www.historiasztuki.com.pl/ilustracje/STYLE-
RENESENS/Tempio-Malatestiano-Alberti.jpg, consultado a
20150901. 180
Imagem 14 – Templo Malatestiano, Rimini. In
http://www.historiasztuki.com.pl/ilustracje/STYLE-
RENESENS/Tempio-Malatestiano-Alberti-plan-3.jpg,
consultado a 20150901. 181
Imagem 15 – Santo André, Mântua. In
https://classconnection.s3.amazonaws.com/101/flashcards/
739101/jpg/s._andrea21326424823092.jpg, consultado a
20150901. 182
Imagem 16 – Santo André, Mântua. In
http://www.historiasztuki.com.pl/ilustracje/STYLE-
RENESENS/Sant'Andrea-Mantua-fasada.jpg, consultado a
20150901. 183
xiv
Imagem 17 – São Sebastião, Mântua. In
http://architetturaquattrocentocinquecento.blogspot.pt/201
2/02/san-sebastiano-mantova-1460.html, consultado a
20150901. 184
Imagem 18 – Santo André, Mântua. In
http://www.historiasztuki.com.pl/ilustracje/STYLE-
RENESENS/SantAndrea-Matua-interior.jpg, consultado a
20150901. 184
Imagem 19 – fotografia de paisagem, desenhos, maqueta. (Manalvo,
Projecto e Narrativa: a investigação sobre a narrativa como
método de pesquisa., 2009) 186
xv
xvi
QUADROS
xvii
xviii
Introdução
3
A investigação ulterior aprofunda os argumentos filosóficos da relação
da narratologia com a arquitectura, tomando a obra escrita de Leon
Battista Alberti (1404-1472), sobretudo De re aedificatoria (1486), como
narrativa anterior à arquitectura a que se refere, e procurando testar a
presença da forma narrativa na concepção de arquitectura em
Francisco de Holanda (1517-1584) e de António Rodrigues (c. 1525-
1590), cem anos depois das formulações de Alberti.
1 Antuérpia (‘Narrative and Analogies in Architecture. The recreation of Alberti's treatise (1486) in
Portuguese Renaissance with Holanda (1517-1584) and Rodrigues (c. 1525-1590)’. 2012. Editada
em Proceedings of the international conference ‘Theory by Design. Architectural
research made explicit in the design teaching studio’. Faculty of Design Sciences. Artesis
University College. Antwerp University Association. Oct 2012. ISBN: 978-94-90705-07-
7;
São Paulo (‘Narrativity and Architecture. The Portuguese Renaissance with Holanda (1517-1584)
and Rodrigues (c. 1525-1590)’. 2012. Editada em Proceeedings of the international
conference ‘Espaços Narrados. A construção dos múltiplos territórios da língua
portuguesa’. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. pp
659-671. Oct 2012. ISBN: 978-85-8089-022-8;
Delft (‘Disegno interno’: rhetoric and narrative into architectural design. Paper presented in the
second International Conference on Architecture and Fiction, ‘Writingplace. Literary
Methods in Architectural Research and design’. Faculty of Architecture, Delft University
of Technology. Nov 2013;
Coimbra (‘Designing by narrative. An inquiry into architecture after ‘De re aedificatoria’’. 2013.
Editado em Proceedings of the international conference Digital Alberti ‘’Tradition and
4
innovation in the theory and practice of architecture’’; Joelho, Coimbra; vol 5; 2014.
ISSN: 1647-2548;
5
6
Capítulo 1
CASO DE ESTUDO
2 Na redação deste documento, por opção do autor, não se seguem as regras do acordo
ortográfico.
7
concepção da arquitectura, porque não atingem o âmago da
concepção, da arte edificatória.
3 Usamos a grafia história para designar as histórias que se contam e não as histórias do
universo da historiografia (stories e não histories).
8
Nesta visão, a arquitectura está centrada na vida e no que esta abarca e
não somente nas relações de forças que lhe definem a forma4. Se
imaginamos uma parede, pensamos no que acontece atrás dela e não
noutras paredes ou artifícios estéticos.
4 Na literatura clássica a vida é abordada de uma forma épica, com relações de casualidade,
interdependências e dimensões humanas, éticas e morais.
5 Por vezes os textos têm um influência fundamental para a arquitectura. A este propósito,
veja-se, por exemplo, a obra e os escritos de Louis Kahn (1901-1974).
9
que têm a particularidade de activarem a imaginação do ouvinte
através de meios literários, por si, através da forma e da lógica e das
figuras de estilo como metáforas6. É através desta figura retórica que
relaciona um objecto com outro, que se leem transferências de
informação analógicas, transpostas de uma coisa para outra, de género
para a espécie, e ao contrário, ficando o primeiro objecto implícito no
segundo.
6 Segundo (Aristóteles, 2011) p. 7, (384 a.C. – 322 a.C.), o uso de metáforas é o maior
talento do homem, aquele que não se pode aprender de outros.
7 A este propósito lembramos a descrição de J. Ruskin (1819-1900) em The Stones of Venice,
da fachada de S. Marcos.
10
Estes desenvolvimentos definem assim o campo do estudo geral,
situado na relação entre as narrativas e a arquitectura, mediado pela
experiência do espaço vivido e a construção mental das imagens
narrativas, do texto e do edificado. Definem também a circunscrição
da investigação, de caráter teorético, à relação entre o texto
instaurador da teoria da arquitectura de Alberti (De re aedificatoria),
escrito no alvor do humanismo, e os textos de Francisco de Holanda e
António Rodrigues no contexto do Renascimento em Portugal, cem
anos depois das formulações de Alberti.
Propósito da investigação
Esta investigação, centrada na teoria e prática do projecto, tem como
objectivo geral traçar a relação entre a narrativa e a arquitectura, no
sentido de deduzir a correspondência entre a narrativa e os resultados
nos objectos de estudo, para compreender as razões que dão sentido a
diferentes interpretações na arquitectura.
11
os ensinamentos de Alberti (1404-1472) na narrativa anterior à
arquitectura, De re aedificatoria, e instauradora da teoria da arquitectura
como antropogenese, com os resultados patentes na arquitectura de
Quatrocentos, para pesquisar os mecanismos que regem o uso da
narrativa no delineamento de um “corpo completo e claramente construído”.
12
apresenta-se diverso, já que a forma e o objectivo divergem com o
aparecimento de meta-narrativas8.
13
realidade, para compreender se o objecto é habitável, o que é, qual o
tema que desenvolve. Outra forma, indirecta, de compreender um
objecto da cultura material é através da leitura de fontes bibliográficas
que investiguem esse objecto ou através do(s) seu(s) autor(es). A
primeira forma procura dar a compreender a realidade através do
ordenamento de acontecimentos relevantes, que constroem uma
narrativa e que dão sentido a uma interpretação enquanto a segunda
forma recebe passivamente esse ordenamento como uma história que
é contada.
14
para a compreensão deste fenómeno assenta na noção, da filosofia das
histórias, de que as histórias representam coisas como se existissem,
ou coisas que existem, e as circunstâncias como acto11.
11 Tal como refere (Currie, 2010), in “Narratives & Narrators. A Philosophy of Stories”.
12 Esta prática reflexiva e comparativa remonta a Vasari (Le Vite …1550) com as
implicações disciplinares do texto que supera o exemplo edificado.
15
não só na arte, mas na cultura e na língua13, criando um legado para a
disciplina na contemporaneidade polarizada entre construção
vitruviana e a coisa mentalmente concebida. Os textos do
humanismos são também importantes para compreender a alteração
do paradigma da concepção, por proporem narrativas didácticas,
esclarecer a vontade de compreender, de criar conhecimento e, por
antecederem a realização das obras14.
13 É neste período, pela mão de Alberti, que a teoria científica da perspectiva é enunciada,
passando da óptica medieval para a perspectiva científica com três tipos de raios numa
pirâmide visual. É igualmente da sua responsabilidade o estabelecimento das regras
gramaticais do volgare florentino que ganha assim o estatuto de língua.
14 Note-se contudo, que na obra De re aedificatoria há algumas referências, embora breves, a
outros trabalhos em que Alberti participou, apenas como exemplos de um processo e
não como resultados de uma prática.
16
absolutamente claro (…) fácil e acessível”15, sem contudo tomar a forma de
um texto científico ou literário. Trata-se de um texto que não explicita
ideias ou as enuncia, como faria um texto científico, nem trabalha um
enredo ou uma exposição narrativa como um texto literário.
17
A narrativa de Alberti aborda a arte edificatória, baseada na análise e
no levantamento histórico referenciado, embora pouco
pormenorizado. Por isso, não é um texto sobre a arquitectura da
Antiguidade, como o de Vitrúvio, mas é um texto para ser lido por
patronos, sobre uma forma de fazer arquitectura recuperando a
memória e ultrapassando a referência. De re aedificatoria analisa os
edifícios antigos numa síntese tripartida17, com equivalência semântica
ao que fez Vitrúvio, sob o ponto de vista da construção (necessitas) -
firmitas, da comodidade (commoditas) – utilitas e da beleza (voluptas) –
venustas, para fundamentar uma prática re-edificatória, renovadora da
arquitectura do passado que se perdia da memória. Os livros I, II e III
abordam a necessitas – teoria geral da construção, uma relação entre a
matéria e a forma da edificação; os livros IV e V abordam a commoditas
onde é desenvolvida a concepção no binómio necessidade / desejo; os
livros VI, VII, VIII e IX abordam a voluptas, o prazer gerado pela
beleza; finalmente, o livro X, já fora do entendimento ternário, aborda
as regras de reparação dos edifícios voltando a referir-se aos três
primeiros livros18.
17 Veja-se (Cassirer, 1983 [1927]) pp. 383 sobre a analogia da trindade dos signos sensíveis
com o divino na aproximação ao saber na filosofia do renascimento, (…) tout ce qui est
achevé et parfait est de toute nécessité triple. Or la Sagesse est parfaite, la trinité est parfaite, donc on
trouve trois Sagesses et trois trinités. (ie - in mundo:Intellectualis / Celestis / Sensibilis).
18 Este é, segundo alguns autores, um livro incompleto (Alberti L. B., Da Arte Edificatória,
1485) pp. 25) mais próximo de uma obra literária e menos tratadista, recapitulando
noções, como uma obra aberta, existencial.
18
seu conjunto, completa e multifacetada19. A estrutura das sequências
está presente nas partes do tratado com linhas de desenvolvimento
que abordam novas perspectivas sobre os conteúdos. Assim, os livros
que compõem o tratado têm uma relativa unidade com o conjunto
dos livros em sequências de conhecimento disciplinar, mas permitem
a leitura separada, sem sequência e sem perda de sentido parcial.
19
Outras distinções dos dois tratados permitem antever o carácter
generativo da narrativa que advém da formulação de Alberti. No
domínio da concepção, enquanto Vitrúvio concebe a prática unida à
reflexão, atribuindo-lhe uma filiação estrutural, Alberti atribui-lhe uma
dimensão mental, na concatenação das partes, precedendo a obra
onde se persegue a beleza e harmonia cultural face à beleza e
harmonia criadas pela natureza. No domínio da teoria e da prática,
Vitrúvio enuncia uma doutrina artística canónica, uma teoria prática,
com projectos pré-determinados a partir da noção de euritmia21,
enquanto Alberti apresenta uma teoria do projecto, não como um
edifício é por si, mas como é para nós, no acto perceptivo22, uma coisa
mental baseada na faculdade de apreciação humana e uma ordenação
disciplinar, uma teoria metafísica e didáctica. Relativamente às relações
proporcionais, Vitrúvio apresenta uma visão dogmática com uma
modulação previamente adoptada e corrigida opticamente, enquanto
Alberti aborda o todo, como uma história bela para o ouvido, aliando
o prazer dos olhos ao prazer dos ouvidos, comparando o trabalho de
um arquitecto ao de um músico por compor a diversas vozes,
estabelecendo relações biunívocas entre o texto (musical) e a
arquitectura23. A analogia das harmonias musicais (Livro IX Cap. 5)
serve para o desenvolvimento de sistemas proporcionais, de carácter
argumentativo já que a partir de duas dimensões se relaciona uma
terceira harmoniosamente. Alberti define este processo de
20
proporcionar um edifício de concinidade24 (conformidade, elegância,
apuro) com a natureza, a harmonia das partes para constituírem a
totalidade, que prevalece sobre uma suposta unidade estilística ao
conjugar em planos distintos estilos diversos (tempos e narrativas).
Finalmente, no domínio dos estilos, Vitrúvio apresenta quatro ordens
ou géneros: dórica, jónica, coríntia, compósita (ou itálica), enquanto
Alberti substitui as ordens pelo conceito de columnatio – partes da
coluna e não as ordens – sistema generativo com sete elementos que
se organizam para reproduzir as ordens nas variações específicas:
pedestal, base, coluna, capitel, arquitrave, cornija (Livro VII, cap. 5)25.
21
os paradigmas que são trabalhados: a região, a área, a
compartimentação, a parede, a cobertura, a abertura (…) para
valorizar a arquitectura como um dos saberes que contribuem para
que a vida seja vivida de uma forma agradável e feliz.
27 Embora alguns autores justifiquem a forma do tratado pelos meios disponíveis na época,
não nos parece, contudo, completamente válida a argumentação relativa à tradição de
edição de folios, baseada na cópia e iluminura, uma vez que já em 1439 Johannes Gutenberg
(c. 1398-1468) tinha melhorado a impressão com tipos móveis e a utilização da gravura era
frequente.
28 Note-se contudo, que alguns autores que se debruçaram sobre o período histórico
anterior reforçaram o valor da representação gráfica como estratégia de memória. Veja-se
(Carruthers, The Craft of Thought. Meditation, Rhetoric, and the Making of Images,
400-1200, 2006), pp. 228-231 sobre o plano de St. Gall.
22
é resolvido a partir do projecto, uma forma de retórica visual ( (Alberti
L. B., Da Arte Edificatória, 2011) pp. 72, na introdução por M.
Kruger), como uma escrita, através da qual o delineamento e a
tradução edificada tentam coincidir.
29 Alberti, Leon Battista, 1404-1472. Ex ludis rerum mathematicarum : manuscript, [14--]. MS Typ
422.2. Houghton Library, Harvard University, Cambridge, Mass.
30 Do De re aedificatoria existe uma referência breve a este conhecimento no livro III cap. 2
in (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 1485) pp. 233 sem contudo referenciar Pitágoras.
23
Imagem 1 – Invenção de Pitágoras,
referida por Vitruvio no Livro IX De
Architectura, “cette invention qui est utile à
beaucoup de choses, mais principalement
pour mesurer, a aussi un grand usage
dans les Edifices pour regler les hauteurs
des degrez des Escaliers (…) como
podemos ler versão de Perrault de
1673:255.
24
Imagem 3 – A sequência de números
inteiros que permite construir em ângulo
recto é sintetizada na representação
gráfica, dando corpo ao Teorema de
Pitágoras. Observamos que os quadrados
que compõem cada lado são iguais e a
soma das partes em ângulo recto é igual
ao conjunto maior de quadrados.
25
cópia e baseia-se na retórica explorado no Quattrocento31 e opera de
quatro maneiras: “por adição, por subtração, por transferência e por
transformação (…) mas não por cópia integral”. Deste modo, a arte
edificatória defendida por Alberti, movendo-se entre a imitação e a
concinidade, manifesta-se ambígua porque transforma o legado da
arquitectura clássica de algo previsível em inexplicável e, por outro
lado, o tratado inverte os termos da teoria, transformando o
inexplicável em algo previsível, como observa M. Kruger ( (Alberti L.
B., Da Arte Edificatória, 2011), p. 120, Introdução). Compreende-se
assim, que as influências das obras de Alberti fazem-se sentir no
desenvolvimento e na sistematização do saber sobre a disciplina, na
prática e na transmissão desse saber32.
31 Veja-se (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 1485) pp. 119, na Introdução por M. Kruger,
a referência ao professor de latim e retórica de Alberti, Gasparino Barzizza (1360-1431)
32 A bibliografia sobre Alberti é vasta atestando o interesse da sua obra que permanece
referencial no nascimento da sistematização sobre a disciplina da arquitectura, e da
inovação projectual, no nascimento de uma arte liberal, coisa mental que necessitava da
teoria didáctica, não só relativa à encomenda mas também à aprendizagem da prática e
separação dos saberes conceptuais dos tradutores.
33 Como referência, o primeiro tratado com imagens impressas foi editado por Serlio (1475-
1553/55) em 1537 e 1540, livros III e IV respectivamente, após a publicação parcial em
1517. Neste tratado, pela primeira vez as ilustrações têm tanta importância como o texto,
no apelo ao sentido da visão, em representações concretas e informativas, recorrendo a
projecções ortogonais e perspectiva na mesma representação
34 Edição de Cosimo Bartoli.
26
compreender) os princípios enunciados por Alberti, passando a fazer
parte da difusão do conjunto de narrativas sobre arquitectura35. Os
conceitos usados por Alberti começam então a ser conhecidos e
entram no léxico comum, como base do Renascimento, no âmbito da
aprendizagem e da recepção da arquitectura. No contexto português o
interesse pelo legado de Alberti centra-se nas viagens de Francisco de
Holanda (1517-1584) e António Rodrigues (c. 1525-1590), no reinado
de D. João III, para Itália. Há, ainda, a convicção de que André de
Resende (1500-1573) trabalhava numa tradução do texto de Alberti
para vernáculo, no reinado de D. João III, pelo que o tratado estaria
acessível para Holanda, Rodrigues, tal como outros ensinamentos de
geometria/desenho e matemática. (Moreira, Um Tratado Português de
Arquitectura do século XVI (1576-1579), 1982) atribui a António
Rodrigues a autoria do primeiro tratado de arquitectura português
composto por duas partes conhecidas: um manual de fortificação de
pendor vitruviano e, outra parte de, preposiçois mathematicas. No entanto,
esta atribuição não tem sido consensual uma vez que as páginas
existentes não se apresentam de forma estruturada e aproximam-se
mais de uma produção escrita, provavelmente enquadrada noutra
27
forma de transmissão dos saberes36, onde a geometria e a construção
andavam a par.
36 Veja-se a referência de (Conceição, 2008) p. 427) “Para além da sua incompletude, essa
palavra — arquitectura — não é sequer escrita, ao mesmo tempo que o vocábulo arquitecto
surge apenas na correcção posterior, a rasurar descuidadamente a palavra fortificador”, para
justificar. Compõe um texto onde são reunidos apontamentos retirados principalmente de
Vitrúvio na edição de Daniel Barbaro, dos dois primeiros livros de Serlio e do tratado de
Pietro Cataneo, num esboço inicial que pode sugerir um desejo tratadístico, mas um
desejo frustado”.
37 Ver (Soromenho, 1991), Manuel Pinto de Vilalobos, da Engenharia Militar à Arquitectura (vol.
1). Dissertação de Mestrado. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa. Ver ainda, (Ferreira,
2009) Luís Serrão Pimentel (1613-1679): Cosmógrafo Mor e Engenheiro Mor de
Portugal. Dissertação de Mestrado em História dos Descobrimentos e da Expansão.
Lisboa: Faculdade de Letras da universidade de Lisboa, Departamento de História, 2009
38 In Sphaera Mundi: A Ciência na Aula da Esfera. Manuscritos científicos do Colégio de
Santo Antão nas colecções da BNP. Lisboa BNP 2008.
39 Não obstante o interesse nacional pelo Humanismo Italiano, o contexto nacional foi
menos entusiasta nas realizações. Veja-se a este propósito as referências ao encontro de
Frei Bartolomeu dos Mártires (1514-1590), (Duarte, 2011), com Daniele Barbaro (c.
1514- 1570).
28
Imagem 4 – De re aedificatoria. Trad.
Giorgio Vasari, 1550.
29
Imagem 6 – Tratado de Arquitectura.
António Rodrigues (?). 1576. BN.
e, em particular:
30
E, no contexto nacional40,
Nesta,
Estabelece-se assim
31
saber específico que Alberti denomina de lineamentis41, por oposição a
construção, reúne o poder generativo para a concepção por se mover
entre necessitas, commoditas e voluptas, e se reportar à imaginação
(narrativa) de quem define e gera a arquitectura. Para Alberti “toda a
função e razão de ser do delineamento resume-se em encontrar um
processo, exacto e perfeito, de ajustar entre si linhas e ângulos, afim de
que, por meio daquelas e destes, se possa delimitar e definir a forma do
edifício”42. Mais do que equivalente às linhas43 que representam os
raios visuais que impõem os limites das formas em Della Pittura44, este
processo de conformação cria simultaneamente o limite e a semântica
das formas. Entende-se, por isso, que
este processo é análogo à criação de uma tecitura, uma narrativa do visível que se
baseia em axiomas e na abstracção que permite manter os conceitos válidos quando
se abandona a hipótese.
41 Lineamentis designa uma linha traçada ou definida, tal como o contorno de uma figura ou
de um perfil. Lineamentum – linea+mentum (ampliação do prefixo). Linea designa uma
linha, simultaneamente um objecto como uma corda usada por carpinteiros ou
construtores para medir um alinhamento, como uma linha traçada numa superfície com
um riscador, ligando dois pontos ou assinalando um alinhamento e ainda, como uma
relação genealógica de ascendência. In Oxford Latin Dicitonary, (AA. VV., 1968). Na
tradução de A. Santo, e revisão de M. Kruger, em Alberti 2011, este conceito é traduzido
por delineamento, recuperando um termo hoje em desuso.
42 In (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 1485) pp. 145, Livro 1, cap. 1.
43 Herança do vitral gótico.
44 Alberti não explica se os três tipos de raios visuais (extrínsecos, medianos e centrais) que
permitem a descrição e a representação da realidade num véu, numa janela, emanam dos
objectos ou do olho de quem vê. Veja-se (Ackerman, 1991) pp. 59-96.
32
desenha uma janela que perspectiva o infinito e o estar em face, uma
impressão num véu, para o arquitecto, uma planta representa o estar
dentro, é uma expressão dos limites.
33
potência e acto na matéria, para criar uma teoria ordenadora de um
edifício que edifica. Esta recuperação de um saber anterior assente na
teoria tem, assim, um valor ético que é diferente de uma arte mecânica
tradutiva / medieval circunscrita às máquinas que permitem colocar
em prática a coisa material.
Estado da arte
Adoptando o sentido de narrativa, a partir da raiz latina47, como
ordenamento de particularidades, verifica-se que narrar radica em
conhecer e não em contar, o que indica que as narrativas ao
estruturam acontecimentos, um enredo num contexto espacio-
temporal, não se limitam à relação de causa-efeito própria de uma
sucessão temporal (de contar) mas ampliam o conhecimento através
das relações entre vários saberes no seio da cultura (de conhecer). É
nesta concepção que se caracterizam as narrativas com um sentido
antropológico ou existencial ou em alternativa um sentido formal,
ligado a esquemas e gramáticas, consoante sejam relevantes para a
compreensão de um fenómeno dando sentido, ou para a compreensão
de uma prática, fazendo sentido. Por isso, enumeram-se outras
narrativas para além das literárias, como as narrativas pictóricas e as
narrativas arquitectónicas, ficções, consoante o objecto e o suporte48.
Esta concepção de narrativas tem inerente uma complexidade e
34
amplitude que revela o alcance da narrativa como ferramenta e como
objecto de estudo pertinente.
Teoria
Nos últimos 20 anos, o desenvolvimento dos limites do conhecimento
incorporou no domínio da ciência uma forma de saber que é
especificamente veiculada em narrativas, abordada por uma
metodologia de investigação, tomando de empréstimo a filosofia das
histórias (Clandinin & Connelly, 2004). Em 1966, (Barthes,
Introduction à l’analyse struturale dês récits, 1966)49, ampliou as
narrativas para além das literárias, para suportar uma variedade de
actividades cognitivas e comunicativas, da fala às artes visuais.
35
literatura educacional e, mais recentemente, como metodologia de
pesquisa autónoma atravessando várias disciplinas (filosofia, educação,
teologia, psicologia, economia, medicina, biologia e ciências do
ambiente, entre outras). Esta forma de investigação sobre a narrativa
está, assim, centrada nas experiências humanas com a preocupação
sobre a construção do significado (Nash, 1990). A investigação sobre
narrativas incidiu assim, inicialmente, sobre a ‘história de vida’, como
registam os ensaios reunidos por (Hatch & Wisniewski, 1995) in Life
History and Narrative. O desenvolvimento do interesse sobre esta
temática atinge a cultura com o interesse pela pesquisa cognitiva e
comportamental (Britton & Pellegrini, 1990)(1987) e pelas histórias
que se contam nas ciências, filosofia e literatura (Nash, 1990).
Arquitectura
Na arquitectura, são escassas as investigações sobre a relação com a
narrativa. Recentemente, (Ricoeur, Architecture et narrativité, 1998)
estabeleceu a relação entre a arquitectura e a narratividade através da
analogia da entre o tempo das narrativas e o espaço da arquitectura,
“pré-figurado, configurado e refigurado”50. (Leyton, 2006) reconhece
na narrativa o instrumento que permite a passagem de conceitos para
50 Ver também (Umbelino, 2011) pp. 141-162, in Revista Filosófica de Coimbra – n.º 39
(2011).
36
a arquitectura, ficando esta com o ‘registo das forças actuantes’. Nesta
perspectiva a narrativa cria gramáticas generativas que dão forma ao
espaço. (Psarra, 2008) desenvolve argumentos mais abrangentes que
incluem a noção que as narrativas permitem passar dos conceitos para
a experiência, traduzir outros saberes, aumentando o significado
cultural da arquitectura. Esta perspectiva no domínio das narrativas,
centra-se por um lado, na tese de que as narrativas acrescentam
significado á arquitectura, a partir de um desenvolvimento de histórias
míticas. E, por outro lado, incide sobre a performance na arquitectura,
para justificar a visão narrativa a partir da forma de habitar. (Coates,
2012), responsável nos anos 80 pela revista NATO (Narrative
Architecture Today), aborda o domínio da expressão com a noção de que
a narrativa pode sobrepor artifícios de outra natureza, à função real e
original do edifício, criando a sensação de estar numa circunstância
híbrida.
37
Literatura
É a partir do cruzamento do campo da teoria da literatura com a
prática da arquitectura, que têm sido feitos desenvolvimentos
exploratórios com interesse para o caso de estudo. Nestes estudos
exploratórios, procura-se através das ferramentas da literatura, registar,
fazer e compreender a arquitectura, muito para além do mero
processo de recepção dessa arquitectura. Por exemplo, numa
investigação recente, (Havik, 2014) apresenta-nos uma distinção entre
as formas de perceber a escrita de arquitectura, separando, por um
lado, os textos relativos à arquitectura que podem ser textos
denotativos, aqueles que são descritivos, prescritivos e que se referem
à estrutura arquitectónica. Em oposição, coloca os textos conotativos,
aqueles que têm carácter transcritivo, e que se referem aos sentidos, ao
olhar, aos sentimentos e sensações. Finalmente, outro grupo de textos
regista a arquitectura como aproximação a um ‘script’, num sentido
cinemático, onde se articulam os sentidos com a arquitectura, onde o
domínio proprioceptivo se activa. É contudo, na aproximação à
perspectiva ‘scriptiva’ que a autora desenvolve três conceitos – a
descrição, a transcrição e a prescrição, de métodos literários como
aproximações conceptuais e pragmáticas à arquitectura. Nestas
aproximações, a escrita e a literatura acompanham assim o processo
de desenho, como ferramentas práticas, instrumentais na pesquisa e na
aprendizagem51. Os métodos literários e o real lidam dessa forma com
o mundo interior, experiencial e emocional no desenho.
38
Na investigação de (Havik, 2014) encontramos um paralelo com a
investigação desenvolvida por (Keunen, 2011). A primeira refere-se à
imaginação literária, enquanto o segundo à imaginação narrativa.
Ambos reforçam a imaginação, funcional e espacial, do criador ao
mesmo tempo que projectam a ‘vida’, imagens da vida em espaços de
ficção. Atribuem à arquitectura a equivalência a uma coreografia
espacial, equivalente à coreografia da vida e das emoções presentes na
literatura (A-B como a-b) análogas, coreografia espacial e a vida, com
regras e lógicas diferentes.
39
Nestes estudos exploratórios, reforça-se que a imagem da coreografia
autoriza a imaginação espacial, sensível e a empatia. Segundo (Havik,
2014) pp. 14, ‘o reino dos sentidos fora da visão pode ser mais eficientemente
apreendido e mediado através da descrição verbal’, particularmente nos
encontros em primeira pessoa (eu e a arquitectura). Escrever evoca
imagens arquitectónicas e expõe como a arquitectura se relaciona e é
parte do mundo mental e emocional. As palavras têm a capacidade
para mediar experiências fora da realidade perceptual comum,
equivalem a uma disciplina desmaterializada (natureza do espaço) que
se relaciona com a experiência sensual do espaço. Esta relação entre o
real (A) e a realidade (B), entre o naturante e a natureza coloca em
questão o discurso, a que Pallasmaa chama de ‘disciplina impura’, e a
fala - um universo de ambiguidades.
Para tentar responder a esta questão, (Havik, 2014) propõe uma leitura
de processos de ambiguidade, processos próprios da literatura,
processos metafóricos e, finalmente, processos analógicos. A
ambiguidade, entropia e ‘impureza’ esclarece-se a partir da literatura e
a partir da criação e do acto de contar histórias. A partir desse meio
estabelecem-se no texto, na comunicação verbal, os processos
metafóricos e finalmente as analogias. Na obra, a experiência mediada,
do ponto de vista do espaço vivido52, coloca-nos face a esta
52 Lefebre (Havik, 2014) pp. 24, propõe que a arquitectura tal como o texto partilham um
código unitário. Este código permite, segundo o autor, ligar a natureza concebida de um
discurso de teor ético sobre o espaço e o espaço ‘vivido’ habitando. Esta ligação em sido
pesquisada como linguagem (com um alfabeto, léxico e gramática) que pode unir
diferentes disciplinas, pelo que a ligação seria uma dialética (e dialógica) de outras
disciplinas. A união de diferentes disciplinas assume-se como uma forma de literacia, ou
seja, fornece capacidades para ler, escrever e compreender a arquitectura (nas escalas da
casa à cidade).
40
ambivalência, subjetividade e diferentes idiossincrasias na ficção
criada. Esta consequência é oposta à objectividade e à realidade que,
por exemplo a tratadística (prescritiva ou generativa) aborda para
diminuir a incerteza, do ponto de vista construtivo e conceptual.
Metodologia
A metodologia da investigação compreende a análise de informação
relevante, recolhida no âmbito da teoria da narrativa, ciências
cognitivas e da filosofia das histórias. A informação é recolhida a
partir dos suportes selecionados, registos do objecto de investigação, e
filtrada para apresentar apenas os assuntos relevantes para a temática e
as questões colocadas no início.
Análise de informação
Para abordar a complexidade do fenómeno, sobre “como conceber a
arquitectura”, a investigação é constituída por duas componentes,
análise comparativa da narrativa e arquitectura e, análise narrativa e
pesquisa narrativa. A primeira é circunscrita à teoria com a
investigação sobre a narrativa anterior à arquitectura, De re aedificatoria,
incidindo no conceito de ‘lineamentis’, e a segunda é relativa à análise
da arquitectura com os instrumentos da pesquisa narrativa, incidindo
41
nos paradigmas e nas analogias que permitem, hipoteticamente, o
registo de saberes diferentes.
42
A metodologia que procura investigar o conhecimento
antropocentrado, pesquisa narrativa, segue a estrutura básica
esquematizada no Quadro 2, (p. 255), na pesquisa de acontecimentos
críticos que dão sentido à arquitectura como registo cultural.
Selecção de objectos
A interrogação sobre o texto instaurador das regras generativas da arte
de construir abarca, ainda, outras obras, já que a caracterização que
Alberti faz da praxis assenta no reconhecimento da necessidade de
outros saberes que integram a arquitectura, com “Della famiglia”
(1432), “Della Pittura” (1435) e a “Grammatichetta Vaticana – Regole
della volgar lingua fiorentina (Regras da língua vulgar de Florença)”
(1437-1441). O corpus de obras, atribuídas a Alberti, onde
procuraremos a verificação da estrutura narrativa é constituído pelos
edifícios53: em Florença, a Loggia (1460) e a Capela Rucellai (1467),
tribuna da Santíssima Annunziata (c. 1470). É ainda constituído pelas
obras atribuídas igualmente a outros autores54: Igreja S. Francisco
(Tempio Malatestiano, 1447-50), Rimini – Matteo de’ Pasti; Fachada
do palácio Rucellai (c. 1445-51) e fachada de Santa Maria Novella
(1456-70), Florença, e provavelmente na Loggia della Benedizione,
Roma – Bernardo Rosselino; Igreja de San Sebastiano (1460-70) e de
Sant’ Andrea (c. 1470), Mântua – Luca Francelli. Finalmente, há ainda
outras obras cuja atribuição a Alberti não tem aceitação consensual:
Villa Medicis de Fiesole; Loggia dei Torricini, balneário no Palácio
Ducal de Urbino; pátio e o vestíbulo do palácio Venezia em Roma.
53 In (Tavares, 2004).
54 In (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 1485) p. 70, na Introdução por M. Kruger.
43
Complementarmente, o objecto de estudo é amplia-se à obra teórica e
arquitectónica de Francisco de Holanda (1517-1584)55 e António
Rodrigues (c. 1525-1590), arquitectos renascentistas em Portugal
(Moreira, A Arquitectura do Renascimento no sul de Portugal. A
encomenda régia entre o Moderno e o Romano, 1991) (Moreira,
Arquitectura: Renascimento e Classicismo, 1995) (Moreira, Um
Tratado Português de Arquitectura do século XVI (1576-1579), 1982),
com o exame do impacto que a narrativa tem na disciplina da prática
da arquitectura e, mais especificamente, como é que a narrativa foi
transmitida e refeita, analisando hipóteses de limitações materiais e
influências culturais. Será dada especial atenção à obra de destes
Arquitectos Reais que receberam os ensinamentos do humanismo
italiano, quase um século depois do enunciado de Alberti, quando em
Portugal André de Resende (c. 1500 – 1573) se ocupava de um livro
de arquitectura, presumivelmente a tradução do texto de Alberti. Os
casos de estudo a abordar incidirão em tipos de edifícios comparáveis
com aqueles do tempo de Alberti, em programas de arquitectura
sagrada e profana.
Selecção de assuntos
Em síntese, para realizar a análise comparativa entre a narrativa e a
arquitectura, a partir de Alberti, no sentido de determinar as
dimensões operativas da arquitectura e da prática de projecto,
esquematizar e explicar como o pensamento narrativo dá forma à
44
arquitectura e como a narrativa se torna campo de teste no tempo de
Holanda e Rodrigues, a investigação é decomposta nas seguintes
partes:
Estrutura da tese
A investigação centrada na área disciplinar da teoria e prática do
projecto, tem como pontos de apoio a arquitectura e a arte do
renascimento, registadas pela historiografia; a(s) teoria(s) da narrativa
que define(m) o ponto de vista a partir da contemporaneidade, com
expressão nas ciências cognitivas, na filosofia e na literatura; e a
perspectiva de objectivação na aplicabilidade análoga da narrativa, na
prática contemporânea da investigação e da edificação.
45
divididos em três blocos – teoria, arquitectura e literatura; e
finalmente, a metodologia de investigação.
46
Apresentam-se no final, as perspectivas de desenvolvimento
suscitadas por esta investigação, com interesse para a teoria e prática
do projecto.
47
48
Capítulo 2
QUADRO CONCEPTUAL
49
caminho que abarca o real com potencial, desde a concepção e a
recepção da arquitectura, pensada e experienciada através do uso da
faculdade de criar imagens.
50
servem neste conhecimento para a compreensão do espaço
intermédio entre a literatura e a arquitectura.
Enquadramento
Para fazer o enquadramento do conhecimento narrativo
desenvolvem-se os aspectos considerados relevantes, tendo como a
priori a leitura da narrativa de (Alberti L. B., Da Arte Edificatória,
2011), das narrativas de (Holanda, Da Fábrica que Falece à Cidade de
Lisboa, 1571) (Holanda, Da pintura antiga, 1984) (Holanda, Diálogos
em Roma, 1984) (Holanda, Do tirar polo natural, 1984) (Holanda,
Livro das Idades, 1983) (Holanda, Álbum das Antigualhas, 1989) e,
51
finalmente, do tratado atribuído a (Rodrigues, 1576). É a partir desta
leitura primeira das fontes que se faz o enquadramento conceptual dos
aspectos do conhecimento narrativo, considerados relevantes para a
investigação, nomeadamente: a validação do conhecimento, o campo
da arquitectura, o conhecimento expresso em narrativas, a
reconstituição de narrativas, os suportes, a pragmática, legitimação e
desempenho do conhecimento narrativo e, finalmente, as
instabilidades.
Validação do conhecimento
Qualquer saber envolve um processo de validação que pode ser
complexo, idiossincrático e sempre resultado da envolvente cultural
onde se insere esse saber. A arquitectura não se afasta desta
necessidade. Fazer arquitectura envolve a sua legitimação, métodos e
processos que podem ser investigados como subtemas do processo
mais geral de legitimação de narrativas, da criação de uma ordem de
particularidades. Fazer arquitectura e contar histórias na esfera da
arquitectura, ou reconhecer as possibilidades performativas na
linguagem, são assim dois fenómenos, que embora diferentes, se
esclarecem mutuamente. A problemática da legitimação torna-se
visível como objecto de estudo, na medida em que exige a
compreensão de uma metodologia de investigação ou de produção
que atribui valor.
52
redutor, das histórias para os elementos comuns, um processo
racional que separa o todo. Pelo contrário o estudo sobre a narrativa,
é um processo que reconfigura os acontecimentos, constrói uma
alternativa de história, sintetizando o que se sabia com o que se sabe
agora. É este movimento do que se não sabia para o que se sabe, que
é feito numa experiência analógica que reconfigura ao real da história
que é gerador de novo conhecimento narrativo e imaginativo, que é
relevante para a literatura, como para a arquitectura. A validade e
relevância deste movimento decorre de se tratar de um processo de
síntese, ou seja de um processo que é construtivo e consequente, ao
contrário dos processos que extraem partes perdendo a relação entre
elas.
53
'novas ideias', 'recortadas' no espírito existencial do tempo em que são
formuladas56.
54
oposição de diferentes visões do mundo patentes na diferenciação de
(Lyotard, 1984), entre ‘contar histórias’ e abstração científica, cuja
distinção reside na relação de cada forma de conhecimento com a
temporalidade, e em particular, com a retenção do passado. De uma
forma genérica, as narrativas actuam como uma forma de ultrapassar
o esquecimento, já que são caracterizadas por consumirem o passado,
retendo os estímulos e perdendo a relação com os objectos57. No
esquecimento do tempo passado para criar o futuro que há-de vir,
gera-se uma contradição, com a ideia de narrativa como uma forma
primitiva de guardar informação ou transferência social. Esta
formulação diferencia o consumo do passado numa narrativa e a sua
armazenagem com a recolha e desconstrução no pensamento
científico.
55
narrativa que - como todas as narrativas – deve gerar a ilusão de uma
resolução imaginária de contradições reais’, e abre caminho para a
pesquisa não de consensos, como na ciência anterior, mas para a
‘instabilidade’ pesquisada através de paralogismos. Esta abordagem
das ambiguidades tem a implicação formal da resolução do problema
de como fazer sem narrativa através dos meios narrativos58. A
distinção em relação ao conhecimento científico, abstrato permite
contudo enunciar um tipo de conhecimento com uma perspectiva
teleológica em vez de uma perspectiva de conformidade, própria do
conhecimento científico abstrato.
58 (Lyotard, 1984) afirma que a análise de narrativas se torna impossivel, porque não podem
abarcar o desconhecido.
59 Esta problemática da legitimação é abordada a partir das meta-narrativas.
60 Entendemos que na prática do projecto e da edificação importa fazer a análise formal e
pragmática dos discursos de forma a torna-los operativos e transmissíveis.
56
O campo: narrativas na arquitetura
A hipótese desta investigação é a de que das narrativas se passa à
inscrição na arquitectura de estímulos, registados no texto, sem os
objectos anteriores. O ponto de partida situa-se num discurso, texto,
que de forma imediata define o objecto de estudo – a narrativa De re
aedificatoria, ou Da Arte Edificatória na tradução de (Alberti L. B., Da
Arte Edificatória, 2011) por Santo e Kruger. Através da relação do
texto com a arquitectura, investiga-se o modo como a transição,
transcrição, que se opera da experiência de vida para as narrativas e
das narrativas para a prática pedagógica, ocorre. Esta passagem tem
paralelo no modo como a transcrição tem vindo a ser explorada nas
ciências sociais desde a década de 60, no desenvolvimento da
disciplina ‘pesquisa narrativa’ e no estatuto do conhecimento na (pós)
modernidade.
57
No campo da passagem das histórias para a arquitectura, a noção geral
que preside a estas formas de conhecimento é a de que a natureza do
conhecimento muda de acordo com o contexto e a sua transformação,
dos factos para a reprodução. Segundo (Lyotard, 1984) pp4, se o
corpo de conhecimento não for traduzido em novos canais que o
tornem operativo, será abandonado. E, acrescenta, os ‘produtores’ e
utilizadores de conhecimento devem ter os meios para traduzir em
novas linguagens o que querem inventar ou aprender. Estes criadores
/ ‘conhecedores’, através da exteriorização do conhecimento,
independentemente da posição que ocupam no processo de
conhecimento, criam novos processos de aquisição de conhecimento,
indissociáveis, contudo, da forma de ’consumo’ desse conhecimento61.
O consumo enunciado implica uma troca, pelo que o conhecimento
deixa de ser um fim em si mesmo, perdendo o valor de uso para se
tornar uma forma de produção. Adquire assim o valor de troca, de
informação.
58
a performance. Entre a produção e a distribuição impõe-se revelar a
transparência e descodificar a forma de iterações entre as duas
posições.
59
si’, não representa a totalidade do conhecimento, mas a possibilidade
do conhecimento narrativo instaura-se como alternativa ou modelo de
equilíbrio interno do conhecido, como referem (Hatch & Wisniewski,
1995) a propósito do desenvolvimento e aplicação no estudo e na
aprendizagem.
Reconstituição de narrativas
Para abordar o problema da transferência e da reconstituição do saber,
é colocado enfâse nos aspectos pragmáticos denotativos, bem como
no referente. No que diz respeito aos aspectos denotativos da
narrativa, encontramos o contexto da leitura do texto que coloca o
orador na posição de pedagogo; e encontramos o ouvinte a quem se
dirige o orador, quem recebe a informação. E, no que diz respeito ao
referente consideramos o tema a que se refere o discurso narrativo.
Em síntese, de uma forma específica, a reconstituição ocorre através
dos lugares do discurso que colocam o ‘conhecedor’ e as referências,
face ao receptor que valida o discurso, referente.
60
o destinatário que habita a narrativa, como uma performance64, o
referente coincide com a enunciação, ou seja, o objecto do discurso
não está sujeito à discussão ou validação pelo destinatário que é
colocado imediatamente no contexto.
64 Este conceito aplicado às narrativas foi desenvolvido por (Coates, 2012) e antes disso,
nos anos 80, na revista NATO (Narrative Architecture Today), onde aborda o domínio da
expressão com a noção de que a narrativa pode sobrepor artifícios de outra natureza, à
função real e original do edifício, criando a sensação de estar numa circunstância híbrida.
65 Contudo, estas regras não transportam nelas a sua legitimação. Mas, são objecto
abstracto explícito ou implícito entre as partes intervenientes, e são exteriores aos
intervenientes, aos sentidos.
66 Neste particular interessa recordar que as regras no humanismo não substancialmente
diferentes das regras de hoje, dadas sobretudo as noções de corpo e do acto de criação.
61
forma eficiente, um evento num cenário criado e resultado desse
cenário.
Suportes
O suporte da formulação narrativa tem também um papel
determinante. É através do suporte que a narrativa dá sentido ao que é
transmitido e que faz sentido, com maior acutilância quando se
discursa de arquitectura. A leitura do suporte permite compreender os
limites que estão inscritos na narrativa e, através do apoio do
estruturalismo e da semântica, compreender as relações de
performatividade, ou seja, a relação entre ‘input’ e ‘output’.
62
‘grande narrativa’, tal como fará (Holanda, Livro das Idades, 1983),
muito antes do Romantismo de William Blake.
63
novas ligações e interrompe as anteriores, através da conotação que
cria novas regras. A este propósito vejam-se as experiências de
linguagem poética (Aristóteles, Poética, 2011), onde a criatividade se
assume como o desígnio de ‘deus in terris’ trabalhando com cenários
prospectivos.
64
Daqui resulta que as narrativas estão para os intervenientes como
criadoras de competências novas, enquanto permanecem
consubstanciadas em diferentes formas, em competências diferentes.
Então, o que faz um bom argumento? Uma boa performance
denotativa ou técnica? A resposta é dada pelos operadores, pela
resistência das metáforas no texto - firmitas – necessitas; utilitas –
commoditas; venustas – voluptas, de Vitrúvio a Alberti. É ainda reforçada
pela legitimação divina por (Cusa, De la Pensée [De Mente], 1983)
como ‘deus in terris’, por Holanda, ‘o último dos arquitectores’ capaz de
ilustrar as ‘idades do mundo’.
65
são contadas, definir os critérios de competência e avaliar com base
nesse critério o que é realizado ou pode ser tornado em acto a partir
dele, definem a aplicabilidade. Em segundo lugar, a forma narrativa
admite muitas linguagens, texto, imagem, edificação, ampliadas pela
filosofia das histórias, e assim muitos critérios que se interligam
ordenados pelo ponto de vista sobre esse conhecimento.
Conhecimento, que no humanismo de Alberti é o conhecimento dos
‘antigos’ e que nos relatos de viagem de Holanda são os factos da
experiência vivida até ao diálogo com Miguel Ângelo.
71 Invariavelmente, as histórias têm uma primeira frase: ‘aqui começa a história... como
ouvi...’ e são fechadas com ‘aqui termina a história’, na manifestação textual ou como
vemos em Holanda, com a representação em Imagem 5 – De Aetatibus Mundi Imagines
(1543-1573) . Madrid. pp. 28
66
enunciação, determina o que se organiza no discurso para potenciar a
recepção, para ser o mais claro possível.
67
Legitimação do conhecimento narrativo
A legitimação é no domínio das narrativas um aspecto determinante
para a sua validade. Hoje, já não é um factor de aprovação como foi
no humanismo, uma vez que se reverte a legitimação como força de
pesquisa do conhecimento narrativo, de ‘ser no lugar’. No domínio
narrativo, as histórias contam de forma ‘épica’ o conhecimento que de
facto não tem características de épica. O conhecimento é contado
pelas regras do jogo narrativo, sendo influenciado dessa forma pelos
vários suportes. A credibilidade da história depende desta ‘épica’ na
transmissão usada para obter o melhor resultado perante os ouvintes.
68
Compreende-se desta forma, a partir do tratado de Alberti, que o
conhecimento da arquitectura não pode saber, nem ser conhecido (o
verdadeiro conhecimento), sem recorrer a outro, ao conhecimento
narrativo e à sua estrutura de organização de particularidades
relevantes, que formam o ponto de vista sobre todo o conhecimento.
Sem este recurso, da autoridade da narrativa, a validade fica por testar
por falta da dialética (e da dialógica) que articula a história do
pensamento73.
69
(conhecimento), e outro como prático (praxis). Um e outro caminho
contribuem assim para alterar o significado da legitimação.
(Des)legitimação, desempenho
Do ponto de vista filosófico, a liberdade narrativa humanista encontra
reflexos no idealismo. Contudo o princípio do utilitarismo que preside
à disseminação do conhecimento é contrário à liberdade referida75.
Deste modo, do ponto de vista idealista, o lugar do texto no itinerário
do conhecimento, indirecto e verdadeiro, garante a legitimidade da
narrativa. A validade do conhecimento não está ‘por si’, mas na praxis
ou nos resultados práticos (na prescrição). As declarações denotativas
informam assim aspectos práticos do assunto sobre a realidade e a
execução das leis e normas, inscritas nessa narrativa. O conhecimento
coloca assim as questões de inscrição na sociedade, da finalidade e da
legitimação ‘fundada’ na realidade76. Estas questões reintroduzem a
função crítica do conhecimento (como meta-discurso) que perde a
validade fora da praxis e da cultura.
70
referir que a enumeração faz sentido para o destinatário que assim
confirma a narrativa através do recurso a analogias não provadas, não
demonstradas, mas que questionam um saber anterior para validar o
‘novo’. Desta forma, o sistema de valores do segundo interveniente
passa a pertencer ao primeiro, numa transferência de valores formais
ou de relação de forças formativas, na mesma sintaxe de sistema
formal.
71
A edificação, como produção de prova78, leva-nos noutra direcção. É
o resultado, em parte, de uma forma de um processo de argumentação
desenhado para ser eficaz, aceite, para novas declarações de espaço
(de)limitado de vida, dando testemunho de vida. Mas, esta
argumentação plasmada, apresenta um problema crucial: é
independente da forma discursiva. O referente, ‘realidade’ é outro e a
prova desta realidade precisa de ser ‘provada’ descritivamente,
repetindo o mesmo processo, e precisa de ser observada (não ouvida)
para estar no patamar de prova, para ser perscrutada pelos sentidos
(sentidos enganadores, proprioceptivos). Os sentidos assumem assim
a dualidade de lógicas, entre a narrativa e a edificação, enganam no
processo de estabelecimento de analogias. O mesmo é dizer, a
performance do discurso narrativo é limitada pelos sentidos
(input/output).
72
conhecimento como poder80. As primeiras colocam a questão do
verdadeiro e porquê, enquanto as segundas colocam a questão de
como fazer, a questão da razão eficiente, operacionalizam o que se
conhece.
Instabilidades
Como indicámos antes, a pragmática da transposição de narrativas
depende do desempenho dessas narrativas. Temos, por isso, de
abordar o problema da instabilidade que se desenvolve quando se
processa a transposição. Esta circunstância resulta da
intersubjectividade que é necessário atingir, entre o emissor e o
80 Esta distinção é coerente com o uso de analogias entre o muito grande e o muito
pequeno.
81 A criação de imagens resulta da estimulação e especulação a partir dos estímulos
presentes enquanto se perde o desempenho do objecto e do seu significado anterior.
73
receptor, bem como da necessidade de negociação de procedimentos
para atingir o objectivo. A instabilidade tem, por isso, um papel
decisivo no estado do conhecimento que é determinado pela
performatividade, ou seja definido pelo input / output. A estabilidade
dos sistema depende do controlo de variáveis singulares, baseadas em
relações dialógicas onde as circunstâncias deixam de estar em conflito,
entre o emissor e o receptor. Neste particular, a utilidade do texto
reside no potencial gerador de ideias de poder contar histórias através
dele, sem necessidade de verificação82.
Conceitos
Os conceitos considerados relevantes, para a investigação das fontes
primárias, decorrem do enquadramento anterior e procuram
74
especificar os aspectos singulares da estrutura narrativa e analógica em
estudo. Assim, abordam-se os conceitos da criação de imagens
narrativas, as estruturas narrativas, a diegese, o tempo e a acção, a
figura dos actantes e finalmente, as analogias, tendo em perspectiva a
relação das narrativas com a arquitectura.
Imaginação narrativa
Há dois caminhos que relacionam a arquitectura com a teoria
narrativa: um centra-se na linguagem literária e o outro abre-se à
imaginação narrativa. O primeiro conduz da literatura à arquitectura,
prescreve, descreve, mesmo que de forma poética como faz Ruskin a
propósito de S. Marcos84, enquanto o segundo faz o caminho
contrário, da coisa arquitectónica para as histórias. Neste último, que
para os arquitectos e para os utilizadores parece ser o caminho mais
atractivo, desenvolvem-se múltiplas visões do mundo natural e do
mundo naturante85. De qualquer forma, é um caminho idiossincrático,
por vezes vagos de contornos e evasivos.
84 Ilustrando esta distinção, veja-se a descrição de Ruskin em The Stones of Venice, da fachada
de S. Marcos. Esta descrição mostra como a emoção perante os edifícios pode
transformar a arquitectura em literatura, sem esclarecer em nada o desenho
arquitectónico ou a natureza da obra como arquitectura.
85 A compreensão do mundo, através da percepção estética, coloca-nos em presença de
objectos da cultura material construídos pelo homem. Nestes objectos, de acordo com
(Dufrenne, 1967), é através da interpretação de quem os cria que se expande a natureza
antes de ser investigada pelas ciências e técnicas. Assim, a natureza naturante é aquilo que
é por si e concebido por si, os atributos das substâncias que expressam uma essência, a
criação livre que expande a própria natureza.
75
registo destas representações latentes no âmago das trocas narrativas.
Este caminho é significativamente diferente do primeiro, que no
exemplo de Ruskin, procura explicar e reproduzir as imagens
perceptivas de um objecto. O caminho que se percorre nesta
investigação é o segundo, ou seja, o mais elusivo, mas também o mais
rico para propor uma explicação para o uso da narrativa na
arquitectura, a partir do humanismo do Quattrocento italiano, cuja
construção procura descrever a natureza das imagens narrativas.
76
Como (Bruner, 1991) pp. 4 observa, as duas formas (conhecimento
científico e conhecimento narrativo) são usadas nas tentativas para
entender o mundo. No conhecimento científico, através de relações
lógicas entre unidades epistémicas (derivadas de efeitos causais de
factos a partir dos quais se desenvolvem processos que formulam uma
lei sobre esse fenómeno), enquanto no pensamento narrativo não
existem provas lógicas, mas acções consecutivas de estados e
acontecimentos. Ao pensamento científico, (Bruner, 1991) chamou a
base para o pensamento paradigmático e propôs os paradigmas para
compreender as invariantes. Este pensamento pode ser pesquisado da
forma como apresentámos no Quadro 2, p. 254.
77
As duas formas encerram, por isso, uma diferença no material usado
na aquisição de conhecimento: no primeiro caso, blocos de dados
empíricos que são isolados em laboratório e no segundo caso, na
construção de um mundo ficcional, através de processos mentais
(dinâmicos) que criam imagens. As duas estratégias partilham o
objectivo de tornar a mudança e o desconhecido, compreensível, sem
que se possa considerar o conhecimento abstrato superior ao
conhecimento imaginário, aquele que decorre de imagens mentais.
Segundo alguns autores, (Squire, et al., 2014), nalguns casos, no
âmbito da psicologia da memória, o pensamento por imagens é mais
eficiente que pensamentos lógico-abstratos.
78
arquitectura, manifestam a sua existência e o seu valor conjuntamente
e, por isso, são sujeitos à avaliação que deles fazemos89.
89 Esta abordagem, defendida por (Keunen, 2011), foi desenvolvida a partir de (Bakhtin,
1981), pioneiro na investigação sobre a imaginação narrativa na literatura.
90 Hoje, os textos são lidos como objetos culturais que adquirem significado através de
numerosas operações mentais. Ver Eco, U. 1989, (Herman, Narrative Theory and the
Cognitive Sciences, 2003)
79
acontecimentos representados devem, por isso, ser abordados de
outro ponto de vista, cuja recepção é condicionada, nomeadamente,
pelas estratégias que estimulam a imaginação do leitor. É neste
domínio que as analogias se fundamentam, como formas cognitivas
que potenciam a compreensão do fenómeno, mesmo com estímulos
de outro fenómeno. Para o leitor, o significado da narrativa decorre
dos processos de consciência que não podem simplesmente, ser
deduzidos da própria estrutura literária.
80
Não obstante, no seio da disciplina, não foi proposta nenhuma
definição de suporte e assim a narrativa tem assumido uma definição
de transmídia, demonstrada através da enumeração de categorias que
intuitivamente consideramos suportes. Esta tendência para a
enunciação do suporte dependendo da investigação e do seu
propósito, conduz à contaminação das disciplinas e à perda de
relevância do suporte para a enunciação. A título de exemplo, um
crítico de arte pode listar como suporte da narrativa, a música, a
pintura, a escultura, a literatura, o teatro, a fotografia ou a arquitectura,
enquanto o criador dessas expressões enunciaria como suporte
primeiro, o som, a tinta, o barro, a palavra, a encenação, a luz ou o
espaço habitado. A disparidade das respostas reside na ambiguidade
do conceito de suporte, de mídia, ou seja, do canal de comunicação ou
informação e dos meios materiais ou técnicos usados na expressão
como observam (Herman, Jahn, & Ryan, Routledge Encyclopedia of
Narrative Theory, 2005) p. 288.
81
Ressalva-se que a arquitectura tem como propósito a sua fundação e
edificação e não objectivos narrativos, próprios da literatura, como a
potenciação da imaginação narrativa. Esta leitura resulta de uma
aproximação realista ao suporte para mediar a percepção sensorial,
dando voz à noção de que a melhor história é aquela que reside no
real. Ligada à noção da arquitectura fundada e edificada surgem, com
maior importância a partir do Renascimento, os objectos de
intermediação, como os desenhos e os modelos. Neste período, estes
suportes, do ponto de vista sistemático e histórico, são diferentes dos
que conhecemos hoje. A especificidade destes suportes actuais e a
autonomia recolhe menos da temática narrativa e inscreve-se numa
lógica de linha produtiva e de intermediação sem demonstração. Pelo
contrário, nos registos da antiguidade, o paralelo com a palavra e com
os meios produtivos, ou a imitação, era um fenómeno com relevância
para a estética da arquitectura.
82
conhecedores. Por outro lado, usando as alusões a estilos históricos de
arquitectura, comunica com um público mais amplo que recolhe na
familiaridade imediata da forma, a validação da comunicação.
Compreende-se assim que a narrativa pós-moderna reflete o domínio
ontológico, remetendo-se ao domínio ficcional com dispositivos e
estratégias autónomos, enquanto a modernidade reflete o domínio
epistemológico, ou seja a investigação sobre a temática da percepção e
da cognição, e no limite sobre a experiência subjectiva do espaço e do
tempo. Esta leitura contemporânea assegura que todas as narrativas
produzem múltiplos mundos possíveis, potenciais e realidades
subjectivas expressas através de variações em torno das noções de
espaço e tempo.
83
Embora a evidência anterior pareça confirmar a intuição de que o
espaço é menos importante que o tempo na narrativa, há uma viragem
na teoria narrativa que valoriza o espaço. Muitas estruturas narrativas
empregam imagens de artes espaciais, sobretudo pintura e
arquitectura, referidas como metáforas. Outras estruturas usam
artifícios espaciais para justapor acontecimentos. Na literatura,
(Bakhtin, 1981) apresentou o conceito de ‘chronotope’ ou literalmente,
‘espaçotemporal’, e argumentou que o tempo e o espaço deviam ser
considerados uma unidade inseparável, com parâmetros complexos,
onde o tempo fornece a ‘quarta dimensão do espaço’. Nos anos 50 do
séc. XX, deu-se outro desenvolvimento na filosofia, pela mão de
(Merleau-Ponty M. , The Phenomenology of Perception, 1962) e
(Bachelard, 1994), com o conceito de ‘espaço vivido’. Este conceito
aborda o espaço através da matriz da literatura e da percepção
humana.
84
1983). Na metafísica Neoplatónica, que Alberti recebe, a espacialidade
é trazida da criação divina, do alto para a matéria terrena, como mimesis
da perfeição. De igual forma, o espírito deve rever-se no mundo da
criação pela liberdade / humanismo, pela libertação do mundo
material. A oposição dos dois mundos, abordada por (Cusa, De la
Pensée [De Mente], 1983), torna o plano da criação uma restituição do
Divino, do ideal modelado na narrativa imaginada na realidade. O
conteúdo espacial da narrativa, nesta visão do mundo induz, desde
logo, a uma leitura vertical e um caminho horizontal. A leitura vertical
é herdada do Medioevo, o hic et nunc, que se transforma num caminho
horizontal para o infinito, valorizado pela representação da
perspectiva, ou seja, o eixo horizontal que governa o tempo.
85
processo de ‘modelação, permissão de outros para modelar, uma constelação
emergente de entidades espaciais relacionadas’. Imaginar um acontecimento
num espaço envolverá como (Bruner, 1991) expôs, ‘um conhecimento
proposicional’ que envolve fazer juízos, aplicar regras sobre o espaço
conhecido a partir do texto. Por exemplo, quando comparamos casas,
como fazem parte da mesma categoria de uso e de dimensão, temos
de gerar imagens para distinguir A de B, tal como faz o leitor para
entender a narrativa. Ao contrário casa e cidade não requer a mesma
imagem porque não são categorias equivalentes. Neste caso há duas
lógicas diferentes, a da casa e a da cidade, que estão colocadas numa
relação dialógica. Assim, na analogia que se cria, a lógica de uma
perpassa para a outra passando a fazer parte dela.
Estruturas narrativas
Para (Bakhtin, 1981) e (Keunen, 2011), as imagens narrativas que
constituem as estruturas narrativas são construídas, ‘imaginal constructs’,
e não pertencem ao texto, em si, mas representam formas de
cognição. Isto não significa que as imagens narrativas são irreais.
(Bakhtin, 1981) reforça que são formas da mais ‘imediata realidade’ uma
vez que o tempo e o espaço são fenómenos narratológicos. O tempo é
abordado pelas figuras de analepse, prolepse, duração, frequência,
ordem na história, tempo do discurso enquanto o espaço é
apresentado no texto através de descrições textuais91.
86
como se entra num espaço, coordenadas temporais que definem o
tempo da experiência, bem como outras coordenadas de identidade e
que definem a natureza de quem experimenta e coordenadas históricas
ou transcendentais que definem a temporalidade da experiência.
87
construída com blocos construtivos da imaginação narrativa. Nesta,
distinguem-se diferentes tipos de imaginação, que contêm
características de espaço e tempo indestrinçáveis. A caracterização do
espaço pode ser mais abstracto ou mais concreto, criando a
diferenciação de qualidade, enquanto a caracterização temporal inclui
o espaço de acção (vida), o espaço de enredo (fundamental), e a
concepção do mundo, ambos característicos do mundo ficcional. Em
cada um dos níveis de caracterizações, o narrador introduz emoção
para obter maior sucesso na comunicação. Da mesma forma, o
narrador, como construtor imaginário, relaciona acontecimentos
críticos no curso da narrativa e liga-os para apelar à imaginação do
ouvinte.
88
No tempo de Alberti o interesse nas ficções residia na invenção de
novas histórias contra as histórias tradicionais, opondo assim os
termos fabula, mimesis, mito (muthus (gr) diferente do sentido de mito
hoje), figura (plasma (gr) algo formado ou moldado, imagem), ficção
(figmentun (lat) à verdade histórica dos relatos). Não obstante esta
separação entre a invenção e os factos históricos, na antiguidade
entendia-se que os textos narrativos podiam ser histórias contendo
uma combinação de elementos verdadeiros, demonstráveis o portanto
como um texto científico (com a sequência de observação, analogia e
generalização), e ‘mentiras que parecem verdade’ (Herman, Jahn, & Ryan,
Routledge Encyclopedia of Narrative Theory, 2005). O texto de
Alberti inscreve-se também nesta lógica antiga porque se destinava a
ser ‘consumido’ publicamente como literatura oral, mas vai para além
desse domínio por ter utilidade didáctica como literatura escrita, e
passar a ser lido de forma privada, de que dão conta as edições
subsequentes.
89
dirigir a um personagem da história, o Príncipe93. Cria vazios, que não
são preenchidos de forma a não ter uma narrativa entediante, como
por exemplo, quando Alberti diz que ‘está tudo dito’.
Diegese
Para distinguir as vozes do discurso o a sua importância, interessa
diferenciar dois conceitos presentes nas narrativas, que apresentam
essas vozes de forma distinta: diegesis e mimesis, para melhor
compreender os discursos de Alberti e de Francisco de Holanda.
93 Segundo (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 1485), nota 211 pp. 135, conjectura-se que a
obra seria dedicada ao Duque de Urbino (Federico di Montefeltro), mas acabaria
dedicado, após a morte de Alberti, a Lourenço de Medicis.
90
pessoa, ou um dos personagens. Esta distinção é actualmente objecto
de discussão a propósito das narrativas escritas, contudo em (Platão,
1993) pp. 115, a distinção está relacionada com a oralidade,
explicitamente com a voz e o gesto. O discurso do poeta será
mimético quando este assume a voz e o gesto da personagem, quando
representa as palavras do personagem. Pelo contrário, o discurso será
diegético quando o poeta fala com as suas palavras e apresenta as
palavras da personagem, sumariamente.
91
Em Platão e em Aristóteles, a distinção entre ‘narrar com a própria voz’ e
‘tornar-se outra pela narrativa’ é usada para distinguir as partes dentro da
narrativa, mas também para definir géneros (a épica combina os dois
géneros, enquanto o drama é sobretudo mimético e os hinos
diegéticos). Na contemporaneidade, a distinção entre mimesis e diegesis
tem sido retomada, com a diferenciação entre mostrar (representação
cénica directa de acontecimentos e discurso - mimesis) e contar
(apresentação indirecta e sumária - diegesis). O primeiro pertence à
matriz da história e pode usar o discurso, enquanto o segundo ao
discurso explícito, o que torna o narrador um construtor que através
de técnicas narrativas apresenta o mundo.
94 Reader constructs.
92
narrativa95 como uma construção mental que constrói, incorpora,
transforma, e altera a narrativa para uma forma delimitada. Nesta
construção, os blocos imaginativos, construídos, dão sentido e fazem
sentido, são estruturantes. Na perspectiva da filosofia das histórias
(Currie, 2010) importa questionar os conceitos e os fragmentos das
histórias, nomeadamente a relação do tempo com a imaginação
narrativa e a com a performance, ou acção.
95 Imaginal constructs.
93
completamente acessível (excepto em aproximações psicológicas à
narrativa), permanecerão sempre leituras diferentes do mesmo texto,
por terem contornos idiossincráticos que não são passíveis de
abstrações teoréticas e generalizações. Ainda assim, o enquadramento
teórico da leitura é feito através de construções teoréticas sobre os
efeitos dos textos, e as respostas do leitor96. Pode, por isso, tratar-se
de uma construção do leitor que se situa num plano ambíguo, entre os
domínios interno e externo do texto. Concomitante com esta
perspectiva, veja-se a distinção de diferentes tipos de conhecimento e
formas de investigação proposta por (Polkinghorne, 1995) e (Webster
& Mertova, 2007).
96 Os potenciais efeitos da leitura são muitas vezes inferidos da análise de aspectos textuais,
frequentemente generalizados pela experiência do leitor e projecção de hipóteses do
leitor sobre os outros leitores (Herman, Jahn, & Ryan, Routledge Encyclopedia of
Narrative Theory, 2005).
94
estruturalista de competência (e linguística); ‘leitor análogo’ que se
relaciona com o texto através da transformação inconsciente e
fantasista (forma derivada da via psicanalítica). Para o primeiro,
sustenta-se que o efeito do texto é melhor compreendido e recebido
se o leitor for conhecedor do contexto cultural e linguístico do
mesmo. É com base neste conhecimento que se pode investigar os
resultados da recepção do texto, o que aconteceu na leitura. Para o
segundo, o significado do texto depende principalmente das
condições psicológicas do leitor.
95
enquanto tentam colocar-se no espaço global como se estivessem a
viver os acontecimentos, em projecto, em experiência sensível97.
Como refere (Keunen, 2011) p. 40, ‘quando estamos a ler, a ver, ou a ouvir
uma história, um imenso número de imagens são lançadas contra nós’. Como
96
resultado não sabemos quais as que são mais relevantes para o
narrador e, para tornar a escolha mais difícil, estas imagens agem de
forma autónoma e assumem a polissemia, as diferentes forças e
valores da narrativa. Esta circunstância significa que a sintaxe da
imaginação narrativa, em cada grupo sintáctico, e no eixo
paradigmático da imaginação narrativa, admite como possíveis muitas
alternativas, dependendo da envolvente cultural dessa narrativa, vários
enredos, acções e mundos que forçam a alteração dos padrões
temporais e do objecto, diferentes equilíbrios e conflitos.
Tempo e acção
O conceito mais importante para compreender a narrativa é a
transformação (Everaert-Desmedt, 1984). A noção de transformação
encerra duas formas: uma causa e um efeito. A causa ou hermenêutica,
refere-se às questões não respondidas, enquanto o efeito refere-se à
antecipação do resultado, uma forma interpretativa global para o
significado. O que as duas formas envolvem é a necessidade de
consequência para compreender a narrativa, modelada pela relação
entre as duas que permite criar suspense. Encontramos este processo
dialógico, presente nos textos de Holanda de antecipação do espaço
de acção.
97
Se uma narrativa é sobre um mundo em mudança, consequente, logo
é articulada com imagens caracterizadas pela mudança, tornando o
tempo a peça fulcral na definição narrativa e a base da construção da
imaginação narrativa. O entendimento do tempo, é aqui alargado ao
tempo real efectivo, ao tempo da experiência em percurso, ao tempo
passado, nas referências a autoridades, e ao tempo mítico, nas
recomendações prescritivas.
99 Já em 1935 Dollard propunha critérios para julgar a história de vida, que ainda hoje
podem nortear o desenvolvimento da narrativa (Polkinghorne in (Hatch & Wisniewski,
1995) pp. 16), apresentando sete pontos:
[…] 1 - O pesquisador deve incluir a descrição do contexto cultural onde a história ocorre,
protagonistas e herança cultural;
98
construç circular, 'de harmonia para harmonia’, uma operação com
imagens que tem no centro desta representação imaginária a mediação
entre as oposições.
7 - Finalmente, a última orientação para julgar a adequação de uma análise narrativa é se esta
gera a ocorrência da pesquisa plausível e entendível. Significa se detém uma linha de
pensamento que configura os diferentes elementos numa explicação com significado, das
acções dos protagonistas […]
100 Os enredos são princípios organizadores do pensamento.
99
Narrative, 1984) esclarece ainda, que todas as narrativas envolvem
algum tipo de reflexão, pelo que o conceito de ‘emplotment’ implica a
acção reflexiva na narrativa que introduz subdivisões e aplica
estruturas. Só o tempo é necessário para a definir a identidade
narrativa do homem. Na relação entre o texto e a arquitectura,
(Ricoeur, Architecture et narrativité, 1998) reflete assim na rescrição.
As narrativas são guardadas na memória como imagens espaciais,
lembramo-nos primeiro de um lugar e depois os acontecimentos
(psicológicos), no sentido de ‘visual denotata’. Segundo esta denotação
visual, o espaço arquitectónico é interpretado segundo as
transformações e aspectos temporais. As relações entre o tempo e o
espaço ocorrem nesta complexidade crescente, objecto de valoração
(ou conotação) através de outras operações mentais que ascendem da
proposição.
100
Já (Herman, Narrative Theory and the Cognitive Sciences, 2003) pp.
16 e (Keunen, 2011) aprofundam a ligação da temporalidade à
espacialidade como ‘um processo de mapeamento cognitivo que atribui
referentes não meramente temporais mas uma posição
espacio/temporal no mundo da história’. Como maior dificuldade
surge, então a abstração que está patente nas dimensões espaciais,
segundo a analogia de forma – registo de forças internas, mimesis,
como abstração – registo de forças operantes, e como metafísica –
visão do mundo101.
101
que representa um processo temporal que ocorre numa situação
espacial102 .
102 ‘a chronotope is an imaginal constructor entity representing a temporal process that occurs in a spatial
situation’ (Keunen, 2011)
103 (Keunen, 2011) não considera os processos espaciais, aprenas os processos temporais.
102
Renascimento). Trata-se de uma épica potenciada pelas estratégias
imaginárias fora da narrativa, no mundo ficcional onde se estabelecem
relações causais centrais para a narrativa.
103
dos padrões da visão do mundo, como vemos nos exemplos de Cusa.
As visões do mundo resultam assim num conceito mimético que
transpõe as características e regras desse mundo para o mundo das
histórias, que a arte liberal transpõe do idealismo para o realismo, com
o poder como Deus, como manifestação imanente.
104
Este ponto de vista é equivalente aos acontecimentos críticos na
acção, inesperados, quando os acontecimentos iludem as espectativas
(determinação) planeadas. Assim, são os aspectos inesperados que
trazem a história à memória106, anomalias, desvios, variações que
apelam mais à imaginação que ao fenómeno. Ao contrário, a
constância das certezas torna os fenómenos iguais e leva à perda da
capacidade de imaginação. É por esta razão que as histórias se devem
tornar veículos de valores para que associemos conceitos com a
história que aprovamos ética e esteticamente. A excepção torna-se o
motivo de interesse e memória e a regularidade a regra. A excepção
consiste na disrupção do estado de equilíbrio inicial, potenciando um
conjunto de cadeia de acontecimentos inesperados (Herman,
Narrative Theory and the Cognitive Sciences, 2003). A regularidade,
torna-se a harmonia, a unidade, uma imagem fim último para a
arquitectura, como por exemplo, no texto de Holanda, ‘o que falta a
Lisboa’, o ‘locus amoenus’, lugar de conforto e segurança que encerra o
processo cíclico, e que encena o fenómeno da regularidade e
repetição.
106 Vejam-se as iluminuras, por exemplo in (Carruthers, The Book of Memory. A Study of
Memory in Medieval Culture, 2005).
105
desejo de hospitalidade, complementadas com o desejo de exclusão de
tudo o que não for hospitaleiro o que for irreconhecível. No
desconhecido não há controlo, aquilo a que Foucault designa de
heterotopia, espaço alternativo, real e reconhecível, com características
de excluídos.
106
O equilíbrio abordado antes é um ‘constructor’ de concepção idealista.
Consiste em imagens que são concebidas no pensamento mas que
dificilmente ocorrem no mundo empírico, porque são o resultado da
acentuação da natureza perfeita de processos particulares e situações,
adquirindo por isso uma natureza utópica. A passagem do ideal
imaginário para a matéria, para a arquitectura ocorre por força do
equilíbrio do realismo. Na concepção arquitectónica ‘ideia’ está antes
de ’percepção’, revelando dessa forma um certo idealismo para
plasmar o mundo das formas ou das ideias no mundo real, para
executar de forma poética o mundo do corpo material.
107
homens, mitos e a diversidade. Os espaços de conflito são por isso
sempre circunstanciais, já que o autor deve querer a ordem107 . Esta
necessidade explica a enfâse no conhecimento e na evocação histórica,
no reflexo do divino sem necessidade de prova, em Alberti e em
Holanda.
108
Deste modo, o encontro para a descoberta oscila entre o ‘espaço-
tempo’ idealista, do mundo naturante, épico onde os acontecimentos se
desenrolam em qualquer lugar e, o conflito realista no mundo real, o
trágico, onde os acontecimentos adquirem um significado único
permitindo a expressão existencial e histórica de um problema.
Actante
A experiência presente no conceito analisado antes, só se valida com a
forma que o espectador assume, como receptor e também
personagem da ação, ou seja actante (Greimas, 1995). Esta forma
abarca o papel e o modo como o receptor participa na acção, como se
subordina ao enredo, na esfera da acção. Neste sentido, a definição
dos limites, portas e passagens, estão para a arquitectura como a
edição do tempo para o cinema, são fundamentais para a estética da
arquitectura. Estas construções, artifícios materiais, preservam a
delimitação do espaço, o delineamento enquanto a determinação nos
limites maximiza a estrutura do enredo. Na realidade a sucessão das
imagens são encenadas pela imaginação, numa estrutura específica
delineada pelo criador. Aquele que experimenta as imagens, a
sequência espacial, os limites e os acontecimentos em cada espaço é
dessa forma o actante. Os limites do enredo constituem os
paradigmas ou descritores (pavimento, parede, vão) que são ajustados
de forma a permitir a expressão do criador, do belo imanente
platónico, para expressão de uma realidade imaginada específica. Os
habitantes mantêm a amplitude idiossincrática dentro dos limites
delineados para uma vida agradável e feliz, com contornos morais na
proposta de Alberti, numa forma concreta de imaginação possível. É
na descodificação dos habitantes que se recupera o acesso à
109
intencionalidade do criador a à metafísica do belo imanente, à
narrativa primeira.
Analogias
Como vimos antes, todas as realizações temporais pressupõem um
contexto espacial e a recepção espacial, ou uma acção narrativa nesse
espaço, o que implica a interacção com o tempo. Esta forma de
interacção suporta diferentes conteúdos que dão estrutura à expressão
e forma à representação, como analogias. As interacções entre espaço
e tempo ocorrem em três níveis de imaginação: num nível metafórico,
num nível de representação abstrata e num nível de representação
visual. Estes três níveis de abstração induzem o tempo que se
manifesta concretamente, o enredo que é uma construção semântica
do mundo ficcional e uma visão do mundo que é a maior
abstratização de representação do mundo, como padrão. Desta forma
a unidade do tempo no espaço torna-se visível artisticamente
(arquitectonicamente), tal como o espaço rege os movimentos no
tempo, enredo e história.
110
chronotope, reside na possibilidade de ligar o espaço-tempo com
conceitos de teoria literária como a intertextualidade, dando valor a
um conhecimento literário anterior. Para que isto aconteça, é
necessário estar presente alguma literacia, algum saber prévio. Em
Alberti, este saber prévio é criado na própria Narrativa, enquanto em
Holanda é referido como resultado das viagens exemplares. Em
qualquer caso, é necessário estar familiarizado com um repertório de
fórmulas imaginadas / imaginárias.
111
Neste processo reconstitutivo, importa perceber como se forma o
conteúdo. A forma, como estrutura modelada, definida por uma rede
de interrelações, tem sinónimos noutros termos como composição,
organização, articulação, arquitectónica, construção ou disposição. A
ligar estes termos está a noção de como um todo ordenado, ou seja
unidades narrativas interrelacionadas.
112
Por outro lado, como a percepção de objectos é sempre esquemática,
oferece alguma liberdade interpretativa. As imagens mentais têm esta
característica, reduzem o real a uma forma esquemática e vaga,
podendo por isso ser eficazes na invenção ou na imaginação narrativa,
de objectos inexistentes ou impossíveis. As narrativas verbais tendem
a usar esta característica de esquematismo reducionista porque não
têm os meios de verbalização de objectos. Pelo contrário, as narrativas
visuais acrescentam características, adjectivas à narrativa original
(mítica) quando são objecto de leitura / interpretação dos seus meios
de visualização. Uma e outra forma narrativa recorre, por isso, à
sugestão no segundo caso e à analogia no primeiro caso, para gerar
indicadores espaciais que geram imagens espaciais nos leitores. Nestas
indicações incluem-se indicações geográficas, descrição de lugares
onde o enredo tem lugar, descrição extensiva para criar a ilusão de
espacialidade (perspectiva), fusão de objectos para representar uma
acção simultânea e, neste processo, o texto reduz a situação espacial a
uma estrutura.
113
introduzem outros elementos, abordado por (Aristóteles, Poética,
2011). Embora o texto não seja meramente formal, desenvolve-se
entre o formalismo das figuras retóricas e a mimesis. Desta forma, o
formalismo puro afasta-se do conteúdo semântico e procura o
domínio abstrato do conhecimento, aspectos e padrões, enquanto a
mimesis recupera os efeitos dos estímulos empíricos.
114
constitui a relação entre dois elementos, a segunda ordem envolve o
domínio discursivo do texto e a ambiguidade decorrente dos
elementos ausentes, e precisa por isso de ser reconstruída a partir da
ordem causal presente no texto. Neste sentido, o paralelismo bem
como a simetria (ou similaridade e contraste que permite a sua
identificação), a homologia de situações e ideias, como padrões de
simultaneidade, são colocados em destaque pelas metáforas,
metonímias e analogias. As metáforas, são baseadas numa analogia
não-literal, entre dois conceitos ou domínios conceptuais distintos.
São para o narrador, uma figura de discurso com um papel retórico
criativo que relaciona o discurso com o quotidiano. Contudo, o uso de
metáforas, tem ainda um papel estrutural relacionado com a
organização.
115
No último caso, de uma forma abstrata, as analogias são uma simples
correspondência entre as características de A e B, entre regras,
acontecimentos, enredos do grupo A que são equivalentes às regras
do grupo B. Assim as diferentes lógicas de A e B, os diferentes
enredos, desencadeiam uma resposta cognitiva nova, que envolve o
conhecimento prévio de A e a recepção de B, como se tratasse de uma
fórmula geométrica complexa. No texto de Alberti, a presença
recorrente da analogia com o corpo, serve este processo complexo, de
abtratização, para formular no texto a relação da parte com o todo.
108 Existe alguma evidência psicanalítica que sugere que quem interpreta, processa
metáforas linguísticas convencionais desta forma, mas não há evidência do
processamento de metáforas retóricas. Ver (Gibbs, 1994).
109 Para este autor, todas as narrativas se estruturam com base em metonímias.
116
Compreendemos assim que as analogias sejam determinantes na
recepção bem como na representação visual do espaço, porque se
revestem de formas metafóricas de espacialidade. A estrutura fluida
das analogias no texto permite que o autor e o leitor construam
sequências narrativas onde se diluem as fronteiras emissor/receptor.
No domínio análogo da arquitectura a construção destas sequências
narrativas só acontece quando o receptor se torna actante. No caso do
texto, as analogias negligenciam o papel dos sentidos proprioceptivos
e assumem que a estrutura faz sentido (Currie, 2010), dando lugar à
ficção e à criação mental das imagens. Por oposição, na edificação, é
através destes canais proprioceptivos que se constrói realmente, mas
sobretudo interiormente, a sequência narrativa que dá sentido à
construção vivida. É neste sentido que se estrutura a expressão
narrativa, na forma de recepção, ou de construção das acções próprias
da ficção narrativa. A forma de representação assume por isso um
papel determinante, entre a potenciação da criação mental de imagens
por parte dos leitores dotados de alguma legitimidade e de literacia, e a
acção sensível dos actantes.
117
do carácter das relações diferentes. O mesmo é dizer, as narrativas
modernas colocam valor na incompletude, na imperfeição, enquanto
as narrativas tradicionais tendem para a estabilidade e por isso se
situam no polo oposto. Em Alberti encontramos a referência ao
corpo completo, em Holanda o que faz falta para completar a cidade.
Esta procura da completude sugere que a homogeneidade é uma
estratégia ficcional para reduzir a complexidade da realidade ao real
criado. Compreendemos assim, que os espaços do Renascimento
deixam o pendor medieval, hierarquizado, mundo estável, de que fala
(Foucault, L'archéologie du savoir, 1996) pp. 22, entre outros. Na
Renascença, este mundo estável é desconstruído, termina a visão do
mundo, geocêntrica e dá-se lugar ao antropocentrismo110. É esta visão
de ‘ser no mundo’ que dá corpo à narrativa onde se localizam relações
de interacção rizomáticas e se retira o simbolismo sagrado à espacialidade.
No que diz respeito ao tempo, o humanismo organiza as relações de
forma diversa: organiza unidades, momentos que se sucedem e reduz
o tempo a operações euclidianas, geométricas e aritméticas. Por
exemplo, um enredo em Aristóteles desenha uma linha de tempo
onde todos os elementos estão ligados harmoniosamente com o
momento final, de uma forma circular, enquanto, pelo contrário, um
enredo moderno é organizado em torno de momentos de crise,
resultado da modernidade no espaço do enredo, um novo conceito de
tempo, baseado na duração e na experiência temporal da duração
(conceito de tempo subjectivo). Neste, são relacionados múltiplos
momentos e nunca o absoluto, num encadeamento cuja duração
118
implica a memória. Assim, a comparação com a experiência anterior, a
experiência analógica, e as impressões que nos deixaram, torna a nossa
memória a base do sentido do tempo – o presente é ‘colorido pelo
passado’.
119
120
Capítulo 3
RESULTADOS E DISCUSSÃO
111 Neste capítulo, todas as referências relativas à narrativa de Alberti são extraídas da
tradução de (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 2011), pelo que para simplificação da
apresentção dos resultados, omitimos essa referência no texto.
121
absolutamente claro e na medida do possível, fácil e acessível’
enquanto explica qual a natureza daquilo que trata112.
122
uso de materiais seja coerente com a forma de execução, no discurso,
são dispostos ‘começando pelos alicerces’115 , seguindo-se
‘naturalmente’ as partes subsequentes116 .
115 Antes desta referencia, já no livro I, cap. 10, p. 173 Alberti diz: ‘A fim de começarmos,
digamos assim, pelas próprias raízes, coloquemos sob cada coluna os seus alicerces’,
reforçando a analogia com o mundo natural.
116 Este saber pode ser pesquisado, segundo Alberti, pela realidade dos factos, mas também
pode ser demonstrado usando a razão e o raciocínio, pp. 264. Distingue-se por isso de
uma ficção.
117 A primeira referência à estrutura da obra aparece no final de livro III, cap. 16, com a
proposta de tratar ‘das espécies de edifícios e sua variedade, e do que têm de específico; a
seguir, do ornamento dos edifícios; finalmente da correção e reparação dos seus defeitos’
pp. 278.
118 O temo ornamento (ornamentum, lat. Clássico) é polissémico e designa não só o
embelezamento, mas também as máquinas necessárias à edificação e outras questões
123
e necessária parte da narrativa119. Estes quatro livros apoem-se assim
aos quatro anteriores que tratam as temáticas referidas, da construção
em geral, a partir do conceito do delineamento. De notar que o último
livro, sobre o restauro das obras, sai desta sequência de matérias e
remata a obra como livro natural de matérias sujeitas à descoberta de
anomalias, erros e à passagem do tempo120.
124
No livro VI, cap. 4, aborda os aspectos que contribuem para
embelezar a área (planta)122, mas remete para que se consulte o que foi
tratado nos livros I e III. Esta remissão confirma o pensamento
estruturado na narração, pensamento que distribui os assuntos pela
obra e que os trata de forma clara e inteligível, útil, sem nada
acrescentar que possa comprometer a compreensão da narrativa sobre
a arte.
outros privados, uns destinados pela necessidade e outros pelo prazer. A convergência é
estrutural, ou seja na ossatura, enquanto a divergência reside na ornamentação. O
delineamento reúne as duas polaridades.
122 Como é o caso da delimitação do perímetro, do alteamento, aplanamento, consolidação.
123 Outras características do ornamento são a raridade, a elegância e a admiração que se
vota à edificação, ordenada, com proporções exactas. E, no limite último, tudo o que se
reduz ao número. Esta noção que apresenta características concretas, experimentadas e
um último nível a abstração da razão no número (transposto de qualidade para
denotação prescritiva). O número é assim um termo polissémico, referindo-se quer à
quantidade (aritmética), quer à qualidade (definida em termos filosóficos de Platão a
Pitágoras).
125
Na abertura do livro VII, somos confrontados com a referência à
estrutura do assunto tratado, o Ornamento, com as partes da arte
edificatória: a área (ou planta) e a cobertura, abordadas no livro VI,
que são comuns a todos os edifícios. Esta distinção serve para
introduzir outra parte que distingue os edifícios. É assim, desta forma
dialógica, que Alberti coloca o que é comum124, paradigmático, face ao
específico e para tal, altera o ponto de vista do discurso, ampliando-o
através do reforço da utilidade que terá, mesmo para pintores, para
todos os seguidores das coisas belas. Ao afirmar esta utilidade do
discurso sobre a arquitectura para a pintura, Alberti coloca as duas
artes em relação, não excluído a pintura da formação do arquitecto,
como faz no livro II, cap. 1. Note-se que esta relação entre as artes é
seguida por Holanda, muito antes do enunciado de Vasari.
124 Noutras partes da narrativa, como por exemplo no livro V, cap. 2, Alberti estrutura o
pensamento sobre os assuntos falando ‘em primeiro lugar daquilo que lhes é comum e, a
seguir, daquilo que é peculiar a cada um’ pp. 320.
126
uma grande narrativa, ou seja , aquela que trata muitos assuntos
dentro da temática edificatória.
125 O desenho em arco está relacionado com a forma narrativa, criando a circularidade dos
conceitos e dos assuntos tratados. De acordo com o tradutor, o elevado número de
lacunas, e a falta de referência, neste livro, sugere que se trata de uma obra incompleta.
127
estaria destinada a ser continuada; ou foi proposta como um conjunto
de livros de leitura independente, já que as referências internas
permitem a apreensão do conjunto.
Forma do discurso
No final do livro II, cap. 1, Alberti dirige-se directamente ao
arquitecto / ouvinte126 , com um pedido: ‘quando o aspecto da obra e
o projecto te agradarem inteiramente, a ti e aos outros peritos, (...)
aconselho-te a que não te apresses , (...) a dar início à obra, (...) mas se
me deres ouvidos, aguardarás algum tempo até que a aprovação
recente do teu engenho arrefeça, (...)’127 . esta passagem identifica que
o destinatário da narrativa é o arquitecto que se movimenta entre a
criatividade da invenção e os argumentos da razão128. Para além da
intervenção deste na edificação, Alberti introduz outro agente. O
tempo, tem também um contributo decisivo, constitui uma dimensão
operativa na medida em que converte a invenção delineada em
materialização para concretizar a obra.
128
exacto. Por isso, terá que ‘forjar nomes para ser fácil e mais claro
possível’, livro III, cap. 104, pp. 266. A inteligibilidade do texto
dependerá assim dos termos inventados quando não existam termos
exactos para expressar o pensamento129.
129 Esta proposta afasta-se criticamente do texto de Vitrúvio quer era considerado pouco
claro.
130 Contudo, veja-se que o discurso, originário de uma forma de oralidade, mantém figuras
de estilo que combinadas apresentam um resultado retórico, por exemplo a metáfora e
metonímia que rematam o parágrafo ‘A Germânia brilha com as suas telhas vidradas’ no
livro VI, cap. 11, pp. 413
129
nada acrescentar que contribua mais para enfeitar o discurso, do que
para levar a cabo o nosso propósito’, reflectindo assim o propósito de
ser claro e económico, segundo uma forma retórica131, onde é
‘suficiente o que foi dito’132 .
131 Alberti assume a assertividade do discurso com expressões a fechar os capítulos, como
por exemplo ‘E sobre isto é quanto basta’, no livro III, cap. 5.
132 Pp. 660.
130
construtores de memória e são eles próprios memoráveis. No livro
IX, cap. 1, Alberti apresenta várias referências a casas sumptuosas e
outras que fogem desse fausto. E, para mudar o discurso, pergunta ao
ouvinte ‘A que propósito vem tudo isto?’ a seguir dá a resposta ‘ A
fim de que, com o exemplo deles eu fundamente aquilo mesmo que
em outro lugar dissemos: que agrade aquilo que é à medida da
dignidade de cada um’. Alberti retoma assim o sentido da
conveniência e proporcionalidade133 que fundamentam a arte
edificatória, narrada e validada pelo exemplo credível e suficiente.
131
apelativo. É também ao longo deste livro que Alberti refere algumas
vezes que tratará de alguns assuntos noutro lugar, remetendo assim
para outras obras, assuntos fora da narrativa generativa da arte
edificatória.
134 Esta leitura dialógica coloca o que é aprovável em contraponto ao que não é, porque
não respeita os mesmos preceitos.
135 Decorrente de proporções musicais e matemáticas fixas (livro IX, cap. 6).
136 Antes desta referência, encontramos no livro IV, cap. 3, a analogia da cidade com um
navio: ‘dizem os Antigos que a cidade, tal como o navio, não deve ser tão grande que
baloice quando vazia, ou não tenha espaço suficiente quando cheia’ pp. 293.
132
referindo que é necessário colocar heróis, sábios, protectores,
personificados em muralhas. Esta passagem do trágico ao épico é
coerente com a passagem narrativa do conhecimento idiossincrático,
do plural, ao conhecimento para-científico, ao singular, que assume a
certeza e a segurança do argumento sobre a protecção das cidades
com muralhas.
Denotação
O discurso de Alberti dirige-se à totalidade do assunto137. Toma a arte
edificatória no seu todo e define-a composta de delineamento e
construção (livro I, cap. 1, pp. 145). Especifica que a função e razão
de ser do delineamento se resume ‘em encontrar um processo, exacto
e perfeito138, de ajustar e unir entre si linhas e ângulos139, afim de que,
por meio daquelas e destes, se possa delimitar e definir a forma do
edifício’ (livro I, cap. 1, pp. 145). Deste modo para cumprir essa
função e objectivo (do processo), o delineamento prescreve aos
edifícios e às suas partes140 a localização, proporção, escala e
distribuição141 de tal modo que a atribuição de forma do edifício
decorra do próprio delineamento. Como Alberti refere, o
delineamento não depende da matéria, já que verificamos em vários
137 Desde o início, o discurso engloba todo o saber projectivo necessário à arte edificatória.
138 Com qualidades de clareza e ao qual nada mais se possa acrescentar.
139 Redução geométrica da realidade construída. Tudo pode ser descrito, no domínio da
materialização, com recurso a linhas (rectas, segmentos, curvas e composições) e ângulos
entre as linhas: ‘Todo o traçado consta de linhas e ângulos’, livro I, cap. 7, pp. 164.
140 Assume desde o início que nada fica de fora da prescrição, e que a parte o todo fazem
parte do mesmo corpo, de forma indissociável.
141 Corresponde aos conceitos de ‘collocatio’, de ‘numerus’ e de ‘finitio’, que contribuem
para a ‘concinnitas’ do todo, de acordo com a nota do tradutor, ver livro XI, caps. 5 e 6.
133
edifícios a existência das mesmas linhas e ângulos. É portanto uma
concepção imaterial, mental, já que projectamos ‘mentalmente todas
as formas, independentemente de qualquer matéria’142, através da
imaginação e intelecto cultivado (livro I, cap. 1, pp. 146).
142 Esta projecção mental é registada em desenhos que pre-definem ângulos e linhas com
orientação e conexões exactas. ou seja, os desenhos dão a compreender o acto
imaginativo da concepção.
143 ‘A utilidade da cobertura é a primeira e a maior de todas as vantagens’, livro I, cap. 11,
pp. 176.
144 Como Alberti refere, ‘na minha opinião foram estes os inícios da construção dos
primeiros edifícios e os seus primeiros ordenamentos’. Livro I, cap. 2, pp. 147, ou seja,
edifícios que buscavam o cumprimento das necessidades e visavam a utilidade.
134
se constrói o paradigma da parede, com todos os elementos, bem
como do pavimento, se relacionam com a cobertura145.
145 ‘Na verdade, se interpreto bem, a cobertura foi para os seres humanos o primeiro de
todos os elementos do edifício que tinha a ver com a sua utilização, ou seja, o repouso;
de tal maneira que não há quem negue que tanto a parede e tudo o que se relaciona com
ela, como ainda tudo o que está construído sob o solo, foram inventados em função das
coberturas’ pp. 190.
146 Neste desenvolvimento surgem intercalados episódios e ‘anedotas’ destinados a manter
o interesse do leitor e a recolher a validação do saber apresentado, que advoga melhores
métodos.
147 ‘assenta o muro numa base solidíssima; coloca as partes de cima de modo a
corresponderem perpendicularmente ao meio das partes de baixo; reforça os cunhais e a
ossatura dos muros, desde o chão até acima, com pedra mais resistente; amolece bem a
cal; não coloques pedra na obra que não seja húmida, às agressões mais nocivas
contrapõe pedra mais rija; constrói a alvenaria com régua, nível e prumo; faz com que o
meio das pedras colocadas a seguir assente nas juntas das precedentes; expõe as pedras
inteiras nos paramentos, com as partidas enche o interior do muro, une as fiadas de cada
paramento, fazendo passar pelo meio do muro frequentes ligamentos de pedra’.
135
Para que a edificação seja aprovada, deverá ser bela, ou seja, concebida
e edificada em concinidade, como se refere no livro VI, cap. 2,
segundo critérios racionais, que procuram aquela qualidade de beleza
ou ornamento construído que se procura equiparar à beleza inata que
persegue148. Alberti contraria aqui a variação e mudança de qualquer
edificação sem estar vinculada a preceitos das artes. Alberti tenta
eliminar a falta de preceitos (e pré-conceitos) para a obtenção da tão
procurada beleza nas artes, seguindo a analogia com o mundo natural
(os princípios a partir dos quais evoluíram as artes, e com que
alimentos cresceram)149.
148 Note-se que para além do ornamento que persegue o belo absoluto, há uma categoria
operativa que é contrária ao absoluto, a variedade referida no livro I, cap. 8, p. 265.
149 Tendo por mãe de todas as artes o acaso e a observação, e como discípulos a prática e a
experiência, que cresceram com o conhecimento e o raciocínio. Esta perspectiva valoriza
a ciência na passagem do empirismo à razão dedutiva.
150 Pelos aspectos virtuosos pp. 501 que asseguram a memória heróica e porque como
Alberti refere, livro VI, cap. 12, ‘Aprendi nas obras dos Antigos’ pp. 416.
151 Contadas em primeira pessoa, com expressões como ‘Dei-me conta de que...’ Livro X,
cap. 4, logo seguida de ‘E descobrirás’, por exemplo, são validadas pela autoridade de
autores antigos, com a expressão ‘Plínio refere...’ que apoiam assim a experiência
empírica do ‘Eu’ que narra e noutras partes, justifica o mito presente na história.
152 Alberti justifica-se no livro VI, cap. 7, como mensageiro que trás novidades, que à
semelhança de Mercúrio tido por divino porque sem qualquer gesto com a mão (sem
desenho), mas apenas por palavras exprimia e era compreendido, usa a palavra apenas
136
fácil explicar exactamente, só por palavras, de que modo se devem
traçar os ângulos, porque o método de os determinar, deduzido da
matemática, necessita ser exemplificado com desenhos; tema este
alheio ao nosso propósito’. Assim, Alberti desenha por palavras, de
forma clara e concisa, de forma que o leitor ‘visualiza’ o que é descrito
e imagina a narrativa que se desenvolve nessa descrição, no cenário
criado, através do ‘input’ das pequenas narrativas sobre essas
denotações. Por exemplo, no livro VII, cap. 4, sobre a forma dos
templos e as formas da natureza, com as quais se estabelecem relações
analógicas.
para se exprimir pp. 396-397. Na passagem onde se justifica, apela ao leitor, alterando
para isso a forma do discurso do ‘eu’ tratadístico, singular, para o plural, sugerindo uma
perda de importância do autor face aos exemplos que refere. Este ponto de vista é
reforçado pela escolha do posicionamento, concreto em vez de abstrato, ‘por falar (...)
não como matemático mas como operário e não mais do que o estritamente necessário’
pp. 397.
153 Com medula, barriga pp. 420-421.
154 Há contudo pouco casos onde a descrição é uma simplificação que se reporta a uma
forma de desenhar e não à realidade. Por exemplo no livro VI, cap. 7, refere que ‘As
rodas são, em muitos aspectos semelhantes aos rolos; pois exercem pressão na
perpendicular sobre um único ponto’ pp. 396. Esta descrição remete para um desenho
137
quadrângulo(...)’ reforçam a pragmática dessa descrição e a sua
aplicabilidade. Em todos os casos as descrições como uma gramática
da forma, evoluem do geral para o particular de forma a tornar-se
generativas do global.
138
(afirmam, dizem, descreve); cap. 11, pp. 669-670, (faz, ensambla e
prende, coloca, espeta, aglutina-as, liga-as).
Similaridades
Na narrativa ocorrem transferências de características de uma
concepção para outra. O conhecimento prévio do primeiro termo,
determinado, e aprovado transita assim para o segundo termo, mesmo
que a relação não tenha semelhança e não seja lógica. Esta
transferência assume a forma de uma metodologia155 como Alberti
esclarece: ‘’Em suma, todos os fenómenos (...) devem ser submetidos
a uma observação prolongada e confrontados com casos análogos de
outros lugares, com o objectivo de se poder dispor de uma
informação completa’, livro 1, cap. 5, pp. 160.
155 Repetidamente, deve-se investigar, estudar, medir e comparar, tirar de um para o outro,
perscrutar os indícios da natureza para que se retire tudo o que possa ser útil, pp. 160-
161, já que é obrigação ética ‘de um homem sábio e reflectido nada omitir’, pp. 162.
156 Na expressão de maravilha que Alberti expressa no livro V, cap. 17, pp. 368, ‘São
extraordinários os ensinamentos da natureza (...) Penso que devemos obedecer aos bons
ensinamentos da natureza’.
157 Até ao final da narrativa, define o papel do arquitecto como estudioso, atento à natureza,
para cumprir a função de inventor, de uma invenção que cria beleza. Veja-se livro X, cap
8, pp. 658.
139
consonância com a natureza natural e, ser-lhe análoga, na
compreensão dos princípios e regras e estar em ‘perfeita harmonia
com a natureza’ pp. 191.158
É no âmbito desta analogia que surge também pela primeira vez, uma
analogia interna de relação entre o todo e as partes, ‘Daí segue-se que
o corpo do edifício, no seu conjunto, seja composto por edifícios
menores, que são como que os seus membros, unidos e articulados
158 Note-se que esta equivalência entre a criação e o criado assume-se também na inversão
que se observa na personificação que, por exemplo, os materiais revelam. A pedra, por
exemplo, deve ser extraída de forma a habituar-se, pouco a pouco, ao vento, à geada, à
chuva, e a outros ataques da intempérie, a que não está habituada. pp. 210. Veja-se
também a referência à compactação dos pavimentos como acontece no solo natural, pp.
276.
159 Livro I, cap. 2, cap. 9, Livro III, cap.12, pp. 258, Livro VII, cap. 5.
140
entre si’, livro I, cap. 2, pp. 147. São estas partes que se relacionam
pelo delineamento para que cada partes seja adequada ao uso, sólida,
firme e durável para além de bela, elegante e harmoniosa160 . E, no cap.
7, de novo, retoma-se a analogia interna da área pela região, atribuindo
ao descritor menor a regras do maior, como se fossem da mesma
família conceptual, e no cap. 12 refere que ‘As portas devem imitar as
janelas’; no cap. 12, pp. 182 ‘a abertura de nichos (...) imitando as
janelas da sua ordem’, tornando as formas antecedentes e as
subsequentes relacionadas pela mesma lógica. Mas, também no
traçado das linhas ‘a linha curva, que dissemos ser parte da
circunferência, aqui entre nós, os arquitectos, se chama arco, por
analogia. E, também por analogia, a linha recta que une dois pontos
extremos será chamada corda. E a linha que, com ângulos iguais de
ambos os lados, vai do meio da corda até ao arco chamar-se-á flecha
(...)’, livro I, cap. 7, pp. 164.
160 Esta nota que aparece no final do cap. 2, reporta-se à tríade vitruviana de ‘firmitas,
utilitas et venustas’, Vitruvio (I, 3, 2).
141
para que depois, sendo ele aí rasgado, possa ter o arco como base de
sustentação segura e com ele nascida. (...) Em verdade nunca
conseguiremos fazer acrescentos às construções antigas, sem que
tendam a separar-se mutuamente; e escusado será dizer que o muro,
debilitado por essa cicatriz, fica em vias de ruir’. E já no final do
capítulo, pp. 262, adverte que as ligações entre os ossos devem ser
consolidadas com nervos e ligamentos, de modo a haver uma
sequência, para que mesmo que a obra esteja incompleta, a obra se
mantenha de pé, com os seus pontos de apoio.
161 Esta analogia não permite identificar a especificidade de cada material, pelo que se revela
uma proposta sincrética.
162 ‘Devem ainda ser iguais entre si, de tal modo que, como na balança, as partes da direita
correspondam às da esquerda, na forma, tamanho, peso e outros aspectos idênticos’, pp.
265.
163 Como por exemplo na chave dos arcos, como empregaram ‘os bons arquitectos’, pp.
266-267.
142
De igual forma, estabelece no livro III, cap. 14, pp. 268, a analogia do
corpo completo entre a construção de abóbadas e os muros: ‘Dos
ossos dos muros, elevar-se-ão ossos inteiros até ao fecho da abóbada’.
Assume contudo as diferenças na repetição: ‘Estender-se-ão, todavia,
ligamentos entre os ossos, e os complementos intermédios serão
preenchidos com enchimento’ e, na construção, ao contrário da
composição com linhas direitas no muro, na abóbada as juntas das
pedras serão dirigidas para o centro do arco164.
164 ‘por toda a abóbada, seja de que tipo for, imitaremos a natureza, que não só juntou os
ossos uns aos outros, como também entreteceu as próprias carnes com os nervos,
intercalados em ligação por todas as direções, ao comprido, ao largo, ao alto e em
oblíquo’ pp. 270.
165 ‘Ora se a cidade é, na opinião dos filósofos, uma casa em ponto grande e, inversamente,
a casa é uma cidade em ponto pequeno, porque não se há-de dizer que as partes mais
pequenas das casas são habitações em ponto pequeno?’ pp. 170.
166 São frequentes as analogias entre o muito grande e muito pequeno, como
cidade/cidadela e navios, ou templos e capelas, como por exemplo no livro V, cap. 6;
conventos e mosteiros semelhantes na organização a residências particulares (cap. 7),
167 ‘o acampamento é, para toda a região subjacente e dele dependente, algo semelhante ao
que é a cidadela para a cidade, a qual deve ter um acesso próximo’ pp. 340.
143
acampamentos militares, com ruas e alinhamentos que derivam dessa
organização. O temporário torna-se gerador da perenidade da cidade,
porque embora servindo objectivos diferentes, é constituído com
regras análogas. E, no que diz respeito à construção é necessário ‘ter
em conta quase tudo aquilo que se aplica à construção da cidade: ser
muito salubre, possuir as oportunidades, oferecer as comodidades que
contribuam para se viver em paz, tranquilidade e fausto’.
168 Esta analogia é equivalente à do edifício-corpo, mas o que nesta é estrutural, na relação
peixe-navio é formal.
144
No início do cap. 5 regista a analogia do corpo, reflectindo sobre a
parte e o todo169. Com efeito, define a ornamentação pela negativa,
como a ausência de tudo o que não é adequado, à semelhança de um
corpo que é articulado, proporcionado, com partes concordantes,
todas delimitadas segundo a sua natureza e a utilidade, distribuídas
com ordem, número170, tamanho e posição. Para que a
compartimentação da obra seja adequada será pois necessário que
todas as partes do conjunto da obra tenham sido realizadas segundo a
necessidade, com comodidade, com concinidade171. A analogia com o
corpo engloba o todo, como estrutura completa, bem como as partes
e, para introduzir compreensão na percepção desse todo, envolve este
entendimento com outras vestes que harmonizam o todo. Um
exemplo desta forma de englobar características pode ser visto no
Livro VI, cap. 12, na expressão de adossar ‘uma parede a outra parede
como se juntasse uma pele a uma veste e simula-se uma espécie de
abertura não para dar passagem mas obstruída pela parede oposta (...),
‘’abertura falsa’’’, segundo o princípio construtivo inventado por
carpinteiros para construir com solidez e economia, solução que
confere ‘aos edifícios uma beleza notável’.
169 A analogia do corpo-completo, ordenação total das partes com o todo, tem o objectivo
de permitir a comparação proporcional para garantir a comensuralidade.
145
redução ao número, considerado termo polissémico, que tanto define
ângulos precisos e linhas iguais quanto correspondências simétricas.
Com efeito Alberti advoga as correspondências de coisas ‘iguais às
iguais, as da direita às da esquerda, as de cima às de baixo’ sem
contudo misturar o que deve ser igualado172.
172 Noutras partes da narrativa, para esclarecer e dar e compreender aquilo de que se fala,
Alberti desenvolve outras analogias internas, como por exemplo no livro III, cap. 5, onde
propõe que sob as colunas se construam arcos simétricos dos superiores: ‘arcos com o
dorso voltado para baixo, de modo a que a superfície ao nível da área lhe sirva de corda’;
no cap. 12 ‘as traves são colunas postas transversalmente. Portanto a trave desempenha a
função de um osso’; e no livro IV, cap. 7 onde pergunta: ‘Na verdade, pergunto eu, o que
é um esgoto senão uma ponte, ou melhor uma espécie de arco de largura excepcional?’
pp. 312. Conclui-se assim ,que na construção do esgoto deve ser observado tudo o que
se disse a propósito da construção de pontes, assumindo assim a narrativa a vertente
didáctica de princípios e regras generativas.
173 Nesta posição, Alberti assume que a natureza se repete em toas as coisas, segundo a
lógica pitagórica. Assim o raciocínio sobre a máquina viva repete o edifício-corpo. Nota
do tradutor pp. 406.
146
parede do panteão pp. 742 onde se resolvem simultaneamente as
dimensões pela necessidade de pouco peso e a comodidade de nichos
e aberturas, bem como a beleza.
No livro VII, cap. 5, pp. 444 compara-se a parte com o todo num ser
vivo e faz-se equivaler essa relação num edifício, com todas as partes
conformadas entre si, correspondentes e dimensionadas com as
restantes partes. Alberti generaliza a relação edifício-corpo a todos os
seres vivos, em oposição à proposta da Antiguidade e dos tratadistas
174 A analogia surge em expressões como ‘lábios das aberturas’ e ‘camadas de pele’ no livro
III, cap. 1, pp. 231. A edificação é como um organismo vivo, com ossos / ossatura,
nervos, ligamentos, pele / casca, lábios.
175 No livro X, cap. 12, pp. 679, refere que se deve imitar a natureza e volta à analogia com
o corpo humano de forma explícita, quando se refere às brisas.
176 Nesta expressão compõem-se duas analogias, o edifício corpo e a casa como a cidade,
que na continuação da descrição apela aos sentidos para perceber a construção com um
número diferente e com delimitações diferentes, remetendo essa problemática para o
domínio sensível e qualitativo.
147
do renascimento, que estabelecem essa analogia apenas com o corpo
humano.
177 ‘na verdade, direi que o arco não é senão um lintel de forma curva; e que outra coisa
direi de um lintel senão que é uma coluna em posição horizontal?’ pp. 244.
148
edificar túmulos: refere que ‘foram os egípcios que, acima de todos,
construíram os túmulos com mais requinte. (...) proclamavam que
erravam os homens que edificavam casas luxuosíssimas, (...) de um
brevíssimo tempo, (...) em comparação(...) com os túmulos onde
haviam de repousar durante muitíssimo tempo.’ Neste discurso
superlativo dá conta do oposto do que acabava de enunciar com
referências em Platão, pondo em destaque a analogia do tempo de
vida com a eternidade. Embora não seja explícito, o episódio permite
supor que Alberti aceita e propõe a analogia, porque fará mais sentido
generativo, no delineamento, que as leis da cidade que expunha antes.
Só no cap. 3 reprovará o método egípcio, com o argumento que nem
os deuses tiveram túmulos tão faustosos. De qualquer forma, reflete
pp. 517 que as diferenças no delineamento não se devem à
desaprovação das obras dos outros, mas para que a inventividade
demonstrada na sua obra a tornasse única, útil e objecto de admiração,
merecendo esta posição a maior aprovação.
178 Mais à frente esclarece que a praças e o fórum diferem apenas na dimensão., repetindo,
as praças são um fórum pequeno. Alberti torna patente assim a dialógica entre as
dimensões local e global, entre a arquitectura e a urbanística, para sublinhar a relação de
contiguidade entre as regras aplicáveis simultaneamente aos dois domínios.
149
analogia da ponte com um esqueleto, livro VIII, cap. 6; a
correspondência entre a área do fórum e o pórtico livro VIII, cap. 6.
179 No decorrer da descrição sobre a forma de desenhar a área, Alberti coloca os três
edifícios em sequência, dependendo da forma de delinear linhas rectas ou curvas, pp. 547
180 Pp. 552.
181 Pp. 556.
150
permite propor o reforço acústico com a sobreposição dos círculos
para que a voz não se disperse e seja devolvida com maior plenitude.
(justificação do pórtico do teatro, fechado no intercolúnio, inventado
para amplificar o som)
182 Alberti define no livro VI, cap. 2 que ‘a beleza é a concinidade, em proporção exacta, de
todas as partes no conjunto a que pertencem, de tal modo que nada possa ser adicionado
ou subtraído, ou transformado sem que mereça reprovação.’ E remata, ‘Magnífico e
divino é isto em cujas execução se consomem os recursos das artes e do engenho’. O
ornamento é por isso uma ‘espécie de luz subsidiária da beleza e como que o seu
complemento’. Esta expressão deriva e complementa a sua origem, na circularidade do
conceito de belo como de algo inato que existe em todos os corpos enquanto ornamento
é de natureza artificial e acrescentado mais do que inato. Logo o ornamento é
concebido, segundo critérios racionais aprovados na arte, enquanto o belo é
simplesmente.
183 No decorrer do texto apresenta uma contradição, pp. 597, dizendo ‘em relação aos
números pares que destinavam a uma abertura, não foram além do número dez’.
151
número par, é a boca ampla que determina o número das aberturas.
Mas de todos, os números mais usados são aqueles que refletem a
natureza ternária, quinária como as mãos, e septenária como Deus e a
sua obra184. Nos números pares é celebrado o número quaternário,
dedicado à divindade. Nesta analogia é feita a relação da criação do
arquitecto, na procura da beleza, com a criação da natureza,
reflectindo os números dos tempos do ciclo de vida, de gestação.
184 O número nove também é celebrado replicando as ‘esferas que a engenhosa natureza
implantou no firmamento’ pp. 596.
185 No decorrer do livro IX, cap. 6, Alberti define outras delimitações que não são inatas,
não decorrem da música. Define as três mediedades que que os filósofos aprovam – num
padrão crescente de complexidade, a aritmética (soma), a geométrica (multiplicação), e a
musical (ou divisão harmónica). Veja-se também a referência no livro 1, cap. 9, pp. 172:
‘Efectivamente, como na lira, quando os sons graves correspondem aos agudos e entre
aqueles e estes ressoam os médios contribuindo para a harmonia, da variedade dos sons
resulta uma proporcionalidade sonora admirável que, de forma superior, deleita e prende
a alma’.
186 O fim último da criação é para os arquitectos a concinidade.
152
mas se representam com raízes e potências187. Na aplicação desta
forma para procurar a concinidade, procurava-se a harmonia
universal, e nessa harmonia, a música era vista como um símbolo
audível da ordem cosmológica, a manifestação palpável da ordem
matemática do universo (nota do tradutor pp. 603). A complexidade
com que Alberti define os critérios da delimitação harmoniosa quando
aborda os edifícios privados é reveladora de alguma variabilidade na
aplicação das múltiplas regras que se traduziriam por um lado numa
maior dificuldade de legitimação e por outro numa variabilidade muito
maior que no edifício sagrados, por exemplo. Admitimos que esses
em menor número resultariam da aplicação de cânones e admitiriam
menor liberdade, já que sendo lugares de hierofania não necessitariam
da manifestação da ordem que é procurada nestes princípios de
concinidade, mas seriam muito mais próximos dessa ordem, canónica.
Por outro lado, a introdução das regras das medievidades sobre o
edifício como um todo e sobre as partes (episódios na narrativa geral)
e sobre o todo, é potenciadora de uma gramática generativa das
edificações belas.
153
ficava bem’, pelo que foi preterida pelas medidas intermedias dessas,
segundo a lógica matemática189.
Quase a terminar o livro IX, cap. 8, refere que tudo o que na natureza
for defeito, também será na obra, se for reprovável na natureza
também será na obra. Reforça assim que deverá existir um plano
previamente pensado e apurado, pp. 611, para que não ocorram erros
e defeitos de concepção. Alberti não elabora sobre o plano da
natureza que se ‘imita’ mas podemos pensar que o plano de criação de
Cusa é aceitável para a compreensão do espaço arquitectónico criado
pelo humanismo. Contudo, já no final do capítulo fará referência à
necessidade de fazer modelos à escala para evitar defeitos, antes de
iniciar a obra, para que se possam consultar peritos (retomando assim
o livro II, cap. 1-3), em processo de reflexão, do uso pleno da razão
modelada pelo plano de criação e pelo que os Antigos ensinam. Essa
preparação deve ocorrer antes da obra. E depois de forma prudente
definirá tudo, prescrevendo com a sua lei e a sua medida.
189 Desta escolha resultaram as colunas jónicas, as dóricas para os edifícios mais volumosos,
e as colunas mais delgadas designadas de coríntias- estas colunas são geradas pela
medievidade aritmética.
190 Alberti introduz máximas e ditados da cultura da época, ‘’tudo é vencido pelo tempo’’,
‘’insidiosos e extremamente poderosos são os tormentos da idade’’; e ‘’os corpos não
podem opor-se às leis da natureza, sem suportarem a velhice’’, para reforçar a ligação da
natureza naturante (artificial) imposta nas obras com a natureza natural, à qual é análoga.
191 ‘a natureza ensina-nos o que devemos fazer.’ Pp. 629
154
arquitectura, referindo que o arquitecto deve agir como os ‘médicos
[que] consideram que a maior parte do remédio depende do
conhecimento da doença’ pp. 623. Contudo, mais à frente, no final do
cap. 3, Alberti assume que ‘não é fácil nem muito claro o
conhecimento da natureza’.
Delineamento e narrar
Alberti escreve como autor e de autores ou autoridades, mas não de
executantes, distingue-se por isso a obra sobre a concepção de outras
ou da perícia prática dos executores (Livro II, cap. 1) pp. 187
192 ‘os bons arquitectos, para obviarem a este dano, tenham por hábito desviar e escoar a
água da chuva apanhada dos telhados, metendo-a em condutas fechadas’, Pp. 249.
193 ‘Acaso não advertiram os antigos que as folhas, no Outono de cada ano, caem
habitualmente primeiro do lado das árvores que está voltado a sudeste?’, pp. 249.
155
noção e no exemplo anteriores a discussão, e a analogia com a
experiência própria194 e finalmente, apresenta a norma que propõe
para essa parte ou assunto da arte edificatória195. Note-se que esta
forma de abordagem é retomada no livro X, cap. 11, pp. 667-668,
reforçando a narrativa em diálogo.
194 ‘Nós observamos que todos os edifícios que caíram de velhos começam a desabar pelo
lado sul. E a causa de tal acontecer talvez esteja no facto de que o ardor e a violência do
sol absorveram (...) a seiva da cal. Acrescente-se a isso que o muro (...) enfraquece e
deteriora-se’. Pp.249. Notamos que por vezes a experiência real é complementada com
um exemplo mítico, criando-se assim um processo de validação interdependente, como
por exemplo, pp. 653, sobre a construção de aquedutos.
195 ‘Na minha opinião (...) deve observar-se o seguinte princípio (...)’ que expõe a seguir
com exatidão pp. 249, repetindo amiúde a noção para reforço.
196 Como refere no livro VI, cap. 13, expressa-se em latim e recorre à invenção de palavras
quando necessário, como por exemplo nastro por filete, ‘Prometi que queria, quanto de
mim depende, expressar-me em latim e de maneira tal que fosse entendido. Por isso,
torna-se necessário forjar palavras quando as de uso comum não são suficientes; convém
tomar as semelhanças dos vocábulos de coisas não dissemelhantes’ pp. 422.
197 Neste ponto parece paradoxal a contradição com o Prólogo onde Alberti fala das
qualidades e do estudo apaixonado das fontes dos Antigos.
156
a clareza e inteligibilidade do discurso sobre arquitectura. Para a
narrativa de Alberti restam assim os ‘exemplos antigos concretizados
nos templos e nos teatros, com os quais havia muito a aprender como
se fossem os mais excelentes professores’. Esta aprendizagem a partir
das obras personificadas e aprovadas insere-as no discurso narrativo,
muito mais do que como princípios provados de vida e conhecimento,
mas como personagens que interagem com o leitor /ouvinte, para
além da relação experimentada primeiro por Alberti. É devido a este
enquadramento que Alberti se legitima para ‘pensar muitas vezes e
prolongadamente em comentar estas questões’ da arte edificatória.
Questões úteis, nobres, necessárias à vida da humanidade que deixaria
por escrito198, livrando da morte esse saber, a mesma morte que
atingira a obra de Vitrúvio e a delapidação dos monumentos dos
antigos, da Roma Imperial.
198 Alberti assume a obra como documento escrito e sem desenhos, no livro V, cap. 12, por
exemplo, refere: ‘Nestes dias, enquanto redigia aquilo que deixei escrito’. Pp. 347
157
sobretudo a processos técnicos e práticos, no restante saber referido
por Alberti, trata-se da rescrição narrativa desse saber, de diegesis e
não mimesis199 .
199 É neste contexto do discurso que alguns conceitos são personificados, por exemplo, ‘o
tempo ensinou’, pp. 407, e que a propósito do uso de materiais, como a cal e
revestimentos, são fornecidos os critérios de aprovação, lidos em Vitrúvio e que são
reforçados por ‘Nos sabemos por experiência’ pp. 409 e por aquilo que foi visto, pp. 410,
ditado pela experiência, pp. 237.
200 Alberti reflete que a natureza nos ensinou, veja-se o Livro II, cap. 1, ‘é admirável como
existe um motivo pelo qual a natureza nos ensinou a todos (...) a sentir de imediato o que
há de certo ou de errado’, veja-se também o Prólogo e o Livro VI, cap. 2, 5 e 6.
201 A descrição é particularmente longa, em resultado de não ser desenhada, mas justificada
por Alberti porque ‘Não encontramos estas coisas nos escritos dos Antigos, mas com
diligência e estudo tomamos nota delas a partir das construções e dos melhores
arquitectos’. E é de tal forma útil, como o próprio afirma que até será do agrado dos
pintores, pp. 425. Esta posição em relação aos arquitectos antigos está em desacordo
com a posição relativa aos seus contemporâneos, que ‘não louvo’ como afirma, pp. 259.
158
O delineamento não é uma especificidade do tempo de Alberti. Como
o próprio refere a propósito dos mausoléus, livro VIII, cap. 3, ‘os
Antigos costumavam traçar (...) delineamentos’ que Alberti desenvolve
com notações numéricas arcaicas destinadas a operacionalizar a forma
de transposição pelo compaço, sem cálculos complexos.
Temas
Perpassa na obra a ideia geral da abundância e da adequação da
edificação, como do conjunto das edificações, para contribuir para a
beleza do território e da cidade (livro II, cap. I), reforçada pela
159
autoridade do exemplo de Platão202. Para além do filósofo e do seu
aluno Aristóteles, Homero, Apiano, Diodoro, Plutarco, Cícero, Plínio,
Ovídio, Varrão, Heródoto, Teofrasto, Hipócrates, Vitrúvio, Catão,
Dinócrates203, entre outros, também são referidos amiúde como
autoridades que consignaram os conhecimentos por escrito (Plínio-o-
Antigo)204.
202 A autoridade de Platão é reforçada pelo argumento, livro VI, cap. 4, de que a dignidade
do lugar se torna mais imponente com a aposição de um nome célebre. Alberti reforça
que este argumento foi do agrado do imperador Adriano, provando com o nome das
villas que edificou.
203 Arquitecto de Alexandre Magno referido por Vitrúvio, II, 1, 1 e também por Francisco
de Holanda. Esta referência de Francisco de Holanda, pode significar que o tratado de
Vitrúvio ou o de Alberti eram conhecidos.
204 Embora as referências pareçam credíveis e legítimas no âmbito da narrativa, ocorrem
alguns erros de fontes dos episódios ou dos factos, demonstrados pela historiografia. A
obra de Alberti, face às incertezas relativamente às referências, oscila assim entre a
certeza e o acaso dos resultados expressos (fatum e fortuna) pp. 227, já que ‘daí não
resultará mal nenhum’. Mas, em sua defesa, Alberti propõe de forma didáctica, que os
exemplos que reúne de forma muito resumida sejam estudados mais profundamente,
lendo os próprios autores, pp. 393. É por isso aceitável que simplifique a exposição de
princípio para atingir o objetivo didáctico, como faz a propósito da elevação de cargas
com roldanas, no livro VI, cap. 7, pp. 400, dirigindo-se ao leitor com perguntas,
respondendo e demonstrando como num diálogo de Platão, uma característica maiêutica
que faz nascer a arte edificatória. Alberti não refere como exemplos de autoridades,
autores que tenham executado esboços ou maquetas. Apenas se refere às edificações
existentes e ruínas, e aos escritos antigos, pp. 197.
160
Para as colunas, a autoridade de medidas é reportada aos Dórios (livro
VII, cap. 7), que no princípio as instituíram. E reforçada pela
continuidade dos Jónios que aceitaram as medidas e as duplicaram,
pp. 451. Pelo seu lado, os Coríntios aprovaram a base jónica e a dórica
e acrescentaram apenas o capitel. Esta autoridade perpassa a narrativa,
como autores das soluções descritas, para além das leituras feitas em
historiadores e poetas.
161
Imagens narrativas
A experiência dita as regras. Os exemplos dos Antigos, as advertências
dos especialistas determinam que a acção da prática da arquitectura
siga essa normativa que decorre desse saber acumulado de uma arte
que foi jovem e agora atingiu a maturidade (livro VI, cap. 3),
nomeadamente no que diz respeito à beleza e aos ornamentos de todo
o edifício, e às partes, ou aos descritores (região, área,
compartimentação, parede, cobertura, abertura). As regras aplicadas
ao todo decorrem da filosofia e são utilizadas para orientar e
configurar os processos e métodos da arte, enquanto as segundas
derivadas desse saber, produzem o encadeamento da arte.
205 De forma análoga, a referência ao teatro (de vida) surge no livro VII, cap. 4, a propósito
da analogia das formas da natureza com as formas edificadas. Transfere-se esse teatro e
as celas a que se refere Alberti, para a concepção da experiência do espaço
arquitectónico, teatro da vida.
206 Contribuem para esta interpretação a atribuição de características humanas / da natureza
biológica, a elementos da construção e da caracterização dos espaços, como por
exemplo, no cuidado que deve haver em relação à água como lemos no livro V, cap. 16,
‘Deve-se cuidar do seguinte: que, sem cessar, a água respire e inspire de fonte, rio, lago
162
ornamento é definido pelo delineamento da cidade (a situação, o
traçado, a configuração, as vias o fórum e os edifícios personificados
na distribuição em função do uso, dignidade, comodidade).
163
No livro VII, cap. 9, refere-se ao aspecto das colunas. Ao ar livre
parecem mais delgadas que aquelas que estão em recinto fechado e
aquelas que têm mais estrias, parecem mais grossas. Esta constatação
de alteração de percepção é apresentada como uma descoberta que
requer a compensação óptica (na leitura de Vitrúvio (III, 3, 11), o que
falta aos olhos, na percepção é preenchido pelo raciocínio...).
209 Como o próprio refere á área da totalidade da obra tinha em quase todas mais de cem
mil pés quadrados’ pp. 571, correspondente a mais de 8761,6m2, segundo nota do
tradutor.
210 É seu dever como ‘especialista conceber e definir previamente todos os pormenores’
como lemos no livro II, cap. 1, pp. 188. Esta concepção inaugura a prefiguração da obra
de arquitectura servindo-se ‘não só de um desenho e de um esboço, mas também de
módulos e de modelos’ (livro II, cap. 1, pp. 188), ao contrário da arte medieval de
resolução e determinação da concepção em obra. Neste particular notamos que a
referência aos Antigos tem por objetivo preencher a lacuna de conhecimento. Como
Alberti desenvolve, já os antigos planeavam, mas perdemos os escritos relativos a esse
saber.
164
executante, já que ‘A arquitectura é uma coisa grandiosa e não está ao
alcance de todos acercarem-se de uma coisa tão grande’. Para o
desempenho do arquitecto é necessário engenho, estudo, saber,
experiência prática , acima de tudo , ‘uma capacidade de ajuizar e de
planear, séria e autêntica’. Esta disposição do executante da arte liberal
cumpre assim com a conveniência de edificar o que é necessário, para
haver comodidade211
No livro IX, cap. 1, refere que o autor do projecto (ou artífice), com
os processos de ornamento212 em edifícios privados, usados com
moderação, ‘manterá, na medida do possível, as formas mais
adequadas a cada uma das partes, (...) de maneira que não pareça que
pretendeu defraudar a obra da adequada concinidade dos seus
membros, mas antes brincar com os visitantes num divertimento de
beleza ou, melhor, diverti-lo com a graça do invento’. Nesta expressão
retoma a analogia do corpo animal completo e introduz a personagem
no cenário criado. Note-se que esta liberdade pós-renascentista estará
presente em Francisco de Holanda com as criações para deleite (veja-
se a expressão dos Diálogos de Roma, 1955, pp. 69-71). (Pp. 578).
165
reconhecer o belo213. Desejamos o que é bom por natureza e aderimos
com vontade àquilo que é óptimo214. Esta noção quase teológica,
reflecte a ideia de que a alma humana deve ser perfeita para ser levada
à contemplação do belo, à finalidade última. Neste sentido, prescreve
que tudo à nossa volta é governado pela lei da concinidade (número,
delimitação e disposição), princípio absoluto e primeiro na natureza,
através da qual tudo é feito para atingir a perfeição, a concórdia entre
as partes, a harmonia das circunstâncias, que tanto se deseja215.
No livro IX, cap. 5, pp. 597, Alberti aborda a relação dos números
com a música através da expressão: ‘Os números, pelos quais se faz
com que a concinidade das vozes se torne agradabilíssima aos
ouvidos, são os mesmos que fazem com que os olhos e o espírito se
encham de prazer maravilhoso’. Nesta expressão ficam assim
relacionados os sentidos exteroceptivos ligando duas áreas diferentes,
213 Como Alberti refere no Prólogo, a procura e apreciação da beleza é uma capacidade
inerente ao homem, ao humanista. É uma capacidade que convive com valores de
natureza filosófica, moral, social e política que têm por finalidade fazer face às
adversidades da ‘fortuna’. (nota do tradutor, pp. 376). Por isso o belo é mais importante
que útil, e segue a analogia com a natureza, luxuriante na volúpia da beleza e no colorido
das flores. Na leitura da teoria da narrativa, faz face ao esquecimento, torna-se objecto de
memória porque reúne no mesmo suporte a matéria e a seus estímulos.
214 A criação na arquitectura organiza-se segundo a relação entre a fenomenologia do desejo
com a ontologia do tempo, o desejo pelo belo sensível do ser que está na relação directa
daquilo que é óptimo.
215 No livro VI, cap. 2, ao introduzir a beleza, refere que esta presta grande contributo para
a comodidade e para a perenidade da obra. A comodidade de quem experimenta o
espaço é, segundo Alberti, maior se as paredes estão ornamentadas, tal como hoje. E a
perenidade assegura-se pela virtude da obra ornamentada, vencendo dessa forma o
destino.
166
a música e a arquitectura216 . Esta relação estabelece que o princípio da
delimitação é retirado da música, onde se estabelecem os limites,
inferior e superior de uma nota. Desta leitura, resulta que a harmonia
é uma consonância agradável aos ouvidos e, são estas harmonias ou
consonâncias musicais que os arquitectos usam.
216 Esta afirmação é segundo nota do tradutor, pp. 597, reveladora que as relações
proporcionais entre intervalos musicais não se apoiam unicamente nos Antigos, mas
também na tradição da Idade Média, em continuidade com o tempo da narração.
217 Alberti assume desta forma o ideal clássico de correspondências reciprocas,
prescrevendo essa opção e não a raridade das coisas, que Santo Agostinho advogava
admiráveis, por isso. Nota tradutor pp. 608
167
olhos são por natureza avidíssimos de beleza e concinidade’, no que se
mostram muito exigentes em brilho e esplendor e difíceis de saciar.
Discurso ilustrado
No discurso de Alberti segue-se uma intenção de evocar o
conhecimento dos antigos ao mesmo tempo que se recria o discurso
com a introdução de outros aspectos conexos da narrativa. Estes
relatos ilustrativos servem por isso para fundamentar o discurso
disciplinar da arte edificatória (livro II, cap. 11).
O discurso tem, por isso, advertências para que não se cometam erros
no delineamento das cidades, em relação à utilidade e dignidade,
verificados na história e nalgumas ficções de Alberti.
168
características desse passado para o ornamento, por vezes de forma
contraditória. O ornamento assume assim valores universais, deve ser
protegido e preservado.
218 Que ‘foram unânimes em concordar’ como expressa Alberti, por exemplo no livro X,
cap. 6, pp. 646, a propósito da água que fecha a circularidade da obra, fonte ou princípio
e causa de defeitos nas obras.
219 Por exemplo escritores onde encontra matéria que expõe e que ‘aprova plenamente’.
220 A nota do discurso oral surge pela primeira vez no final do cap. 2, do livro I, pp. 148,
com a expressão ‘Devemos, pois, falar destes tópicos e das partes de cada um deles’.
Outro registo, por exemplo, na abertura do Livro VI, cap. 6, reflecte a oralidade na
escrita: ‘Devíamos falar aqui dos revestimentos (...) no final faremos uma exposição
sumária que permita às mentes doutas e perspicazes aperceberem-se claramente desta
matéria’ pp. 392. ‘Nem repito que há vários tipos de movimento’ e enumera-os a seguir,
169
No livro VII, cap. 10, pp. 474, Alberti refere-se à pintura222, outra das
artes necessária ao arquitecto e acrescenta: ‘na verdade, pintar mal não
é pintar, mas sujar o muro (...) Ambos são pintores: aquele que pinta
com palavras, e aquele que ensina uma coisa com o pincel; o resto é
idêntico e comum a ambos.’ Esta noção de Horácio ‘ut pictura
poiesis’ é transposto por Alberti para ‘como na poesia assim na
pintura’223. Holanda fará a mesma leitura.
não diz, mas diz, pp. 393. E tratará desses assuntos noutro lugar. Na abertura do cap. 8,
‘Falámos da roda e da roldana e da alavanca’, pp. 401. Outro exemplo, no livro VI, cap.
10, ‘Quase tudo o que acabamos de dizer a respeito dos revestimentos se aplica à
construção dos pavimentos de que prometemos falar’, pp. 412
221 Como por exemplo, pp. 545
222 No livro X, cap. 7, pp. 651, ao abordar a construção dos emissários de água,
encontramos uma matéria que também está presente no tratado Da Pittura: ‘uma das
suas linhas é o raio produzido pela vista de quem olha para uma altura igual à da vista’.
Esta matéria é a seguir conjugada com outra de geometria, presente na obra ‘Ex ludis
rerum mathematicarum’. Ao longo deste capítulo refere-se por vezes à abordagem destas
matérias noutro lugar, pp. 652. Como este é o livro terminal, admitimos que se referia
efetivamente a outras obras de conhecimento complementar à narrativa que trata da arte
edificatória.
223 No livro IX, cap. 10, a propósito da formação que o arquitecto deve ter para a melhor
performance, Alberti faz a analogia com o estudo das letras, dizendo que tal como nas
letras se devem estudar todos os autores, todas as obras de arquitectura, boas e más, o
arquitecto desenhará, anotará proporções, reduzi-las-á a maquetas à escala, examinará as
ordens, lugares, géneros e proporções de cada uma das coisas.. o arquitecto examinará
aquilo que for artificioso, bem pensado e inventado e digno de admiração. Imitará aquilo
que merecer aprovação, contará as mesmas histórias, reescrirá as histórias que possam
ser melhor contadas, com arte e reflexão. – épica da criação, procurará a virtude e
aprofundará a cultura material do seu tempo, fazendo tudo em função do ornamento.
170
poética – uma relata a gesta memorável dos grandes príncipes, outra
os costumes dos cidadãos privados, outra a vida agrícola – a primeira
que possui majestade, emprega-se nas obras públicas e nas das pessoas
muito importantes; a segunda aplicar-se-á nos muros dos cidadãos
privados para servir de ornamento; a última convirá sobretudo às
quintas, porque de todas é a mais aprazível’. E a seguir conclui com a
finalidade dessa ornamentação, ‘Recreamos o espírito grandemente
quando vemos a amenidade dos lugares, os portos, as pescarias, as
caçadas, as piscinas, os jogos campestres, a paisagem florida e
frondosa’.
Reelaboração de narrativas
Ao longo da narrativa, Alberti insere informações de memória, como
por exemplo no livro V, cap. 11, ‘Vem a propósito referir aqui um
caso digno de memória narrado pelo historiador Apiano’, pp. 346,
224 Note-se a referência ao ‘sacrifício’ da missa no livro II, cap. 13, quando se propõe por de
lado superstições e opiniões sem fundamento para dar inicio à obra.
171
para dessa forma ilustrar os princípios e validar a narrativa anterior. A
narrativa é então transmutada pela sua voz, actualizada, e regista assim
erros de transposição225, para servir o objectivo da arte edificatória.
225 Alberti refere nesta história a edificação de um muro alto com mil e setenta torres de
madeira, enquanto Apiano se refere a 1500 torres, segundo nota do tradutor.
226 Algumas histórias narradas assumem o carácter fantástico, não demonstrado e não
registado. Veja-se no livro III, cap. 13, pp. 262 a origem da construção do arco e da
abóbada.
227 Esta perspectiva assume que o passado histórico tem valor implícito, e é por isso
‘vergonhoso não poupar as obras dos antigos’, livro III, cap. 1, pp. 233.
228 Referência a Vitrúvio (I, 5, 3).
172
V, cap. 17, coloca na sua voz as palavras de Vitrúvio a propósito das
salas de jantar de Inverno em edifícios particulares229
Alberti também adverte para aqueles que copiem a sua obra, ‘que
refiram os números que serão mencionados, não com símbolos, mas
com os nomes latinos com todas as letras’. De novo, no livro VII,
cap. 9, reforça a advertência para ao copiar o texto se reportarem os
números pela grafia completa e não pelo símbolo. Estas advertências
sobre o referente, para que não ocorram deturpações, separam o
esquema do significado, remetendo esse ‘desenho’ para a
representação ou denotação patenteada noutras partes plenas de
229 ‘dizia Vitrúvio que não vale a pena usar decoração fina nas cornijas das abóbadas,
porque se deterioram com o fumo da lareira e com a fuligem acumulada’ Vitrúvio, VII, 4,
4.
173
detalhes. Esta preocupação com a fidelidade das cópias não obteve
frutos, como observa o tradutor (nota pp. 446).
174
Define e identifica essa beleza como ‘comum a cada uma das partes,
de forma exacta e idêntica’, ou, por oposição, ‘reúna várias coisas num
só conjunto e num só corpo e as mantenha em coesão firme e estável
e em harmonia’. A beleza, é assim para Alberti um princípio de
harmonia, impresso e infuso nos objectos, como na natureza, a
essência que é inerente a todas as coisas ou com as quais se mistura232.
232 O contrário desta exposição, a discórdia e desunião, dissiparia essa tão procurada beleza.
233 Se algo for mudado nessa ordem do sentir, deteriora-se o que despertou o espírito
instantaneamente.
175
delimitação, e disposição’ – noções que ligadas se condensam na
noção de ‘concinidade’ (graça e decoro na ordenação das partes
distintas entre si, mas seguindo leis em que umas ornamentam as
outras). Em conclusão Alberti reflete que a arte edificatória que
recolhe da concinidade (lei primeira da organização natural) a graça,
prestígio, decoro, é respeitada. Assim, em conclusão, coloca a
concinidade fora da arte edificatória, como princípio universal que a
ornamentação de edifícios procura atingir, para justificar a sua
valoração234.
Edificações
Notamos que existem poucas referências às obras de Alberti na
narrativa em análise, contudo podemos ler no livro I, cap. 12, pp. 181,
uma passagem breve que pode estar relacionada com a sua prática:
‘No que diz respeito às aberturas, uns usaram um delineamento,
outros outro. Mas os mais considerados, sempre que possível, não
usaram senão aberturas rectangulares ou rectilíneas’.
Quase no fecho da narrativa, no livro IX, cap. 10, Alberti refere que
lhe ocorrem muitas ideias de obras, momentaneamente aprovadas,
mas que ao analisar pela razão as suas linhas se dá conta de erros nas
que mais lhe agradavam, reflete assim criticamente que a apreciação
dos sentidos é enganadora e que só a razão poderá corrigir o
delineamento das linhas ângulos (forma) e números com maior
234 A concinidade está para o mundo natural como a arte edificatória está para o mundo
naturante. Deste modo transpôem-se as regras do mundo natural para os princípios
edificatórios, observando o que a natureza faz em relação ao corpo, às partes e ao todo.
Os modos dórico, compacto e durável; coríntio, fino e elegante; e o jónico, intermédio
entre os dois, constituem três nomeações que reúnem os princípios.
176
discernimento, neste papel de mediador entre o mecenas e o
executante.
177
http://www.museomarinomarini.it/secti
on.php?page=rucellai, consultado a
20150901.
178
Imagem 10 – interior da Santissima
Anunziata, Florença. In
http://www.firenze-
online.com/visitare/informazioni-
firenze.php?id=6#.VhFLZbRUMuI,
consultado a 20150901.
179
Imagem 12 – São Sebastião, Mântua. In .
http://www.lombardiabeniculturali.it/arc
hitetture/schede/MN360-01055/,
consultado a 20150601
180
Imagem 14 – Templo Malatestiano,
Rimini. In
http://www.historiasztuki.com.pl/ilustra
cje/STYLE-RENESENS/Tempio-
Malatestiano-Alberti-plan-3.jpg,
consultado a 20150901.
181
‘As colunas devem ser salientes não mais nem menos do que metade
do seu diâmetro’ livro VI, cap. 12, pp. 417236.
236 Segundo a nota do tradutor in (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 2011), Neste templo
encontramos a abóbada de berço na nave central. A abóbada esférica estaria
conjecturalmente prevista para a cabeceira inacabada. Contudo, actualmente não existe
abóbada de berço na nave.
182
Imagem 16 – Santo André, Mântua. In
http://www.historiasztuki.com.pl/ilustra
cje/STYLE-RENESENS/Sant'Andrea-
Mantua-fasada.jpg, consultado a
20150901.
183
Imagem 17 – São Sebastião, Mântua. In
http://architetturaquattrocentocinquecen
to.blogspot.pt/2012/02/san-sebastiano-
mantova-1460.html, consultado a
20150901.
184
Em São Sebastião e Santo André em Mântua, a luz interior segue a
noção exposta no livro VII, cap. 12, é filtrada para conseguir o espaço
pleno de devoção, conseguida pela redução da luz à penumbra237.
237 Nestas igrejas foi utilizada alvenaria de tijolo nos paramentos e cascalho de pedra solta
no enchimento, de acordo com a nota do tradutor, pp. 250.
185
Imagem 19 – fotografia de paisagem,
desenhos, maqueta. (Manalvo, Projecto e
Narrativa: a investigação sobre a narrativa
como método de pesquisa., 2009)
Discussão
Existem inúmeras formas de narrativas no mundo, como (Barthes,
Introduction to the Structuralist Analysis of Narratives, 1977 [1966])
expôs, com diferentes suportes, substância, veículos e formas,
reforçando as características antropológicas e existenciais das histórias
e do acto de contar histórias. Em certo sentido, como vimos com
(Sartre, 1964) em ‘Les Mots’, ‘as pessoas estão sempre a contar
histórias, vivem cercadas pelas suas histórias e pelas histórias dos
outros; veem tudo o que lhes acontece através dessas histórias e
186
tentam viver as suas vidas como se as estivessem a recontar’238 . Mas,
nem sempre usamos o conhecimento expresso em narrativas de forma
consciente, negligenciamos a estrutura das formas narrativas de
conhecer, para perceber, entender e operar no mundo material onde
nos inserimos.
238 Ouvimos e contamos histórias porque precisamos de prevenir as situações que são
narradas nas histórias. Trata-se de um processo cognitivo, resultado do mundo
antropocentrado.
187
dimensões humana e pessoal, simultaneamente pessoal e colectiva. Da
mesma forma, na nossa pesquisa do meio construído, e arquitectura,
por vezes dirigimo-nos à realidade focando os acontecimentos críticos
para construir histórias que dão sentido aos factos (Clandinin &
Connelly, 2004). Quando fazemos isto, preenchemos a lacuna entre o
conhecimento prévio experimentado, factos e ficções idiossincráticas.
Este processo, permite-nos criar uma ‘narrativa do conhecimento’,
para entrar no desconhecido e criar artefactos culturais239 . Isto
significa que as narrativas são o suporte da experiência humana,
adequadas para circunscrever o sentido e o significado da experiência
humana, na aprendizagem, no ensino e na pesquisa de artefactos
culturais.
188
Recentemente, a narrativa foi valorizada no âmbito da arquitectura,
como um meio de tradução dos conceitos para a experiência, do
abstrato para o concreto dos nossos espaços de vida (Psarra, 2008) e,
como um meio para o ‘desempenho’ na relação com o espaço
construído (Coates, 2012). Para estas aproximações, como na
mudança narrativa no renascimento, o conhecimento estruturado num
enredo bem composto, emerge para o campo da pesquisa sobre
arquitectura, e mais relevante, para o projecto de arquitectura devido
ao suporte narrativo, generativo, que permite fazer o percurso dos
factos para as ficções e a integração do que não estava relacionado na
criação.
189
interpretado como princípio de similaridade e desenvolvido ao longo
da Idade Média até ao Iluminismo, servindo de campo de teste para as
teorias de imitação na génese da estética, já que as comparações da
poesia com a pintura tendem a valorizar as metáforas, a poesia -
pintura falante arbitrária, enquanto para diferenciar a poesia da pintura
há uma tendência para afirmar uma verdade literal, a pintura - uma
poesia muda natural..
190
parte significante, crítica, para a partir daí reproduzir uma ordem que
faça sentido e que dê sentido às relações que são estruturadas,
simultaneamente uma cópia recontada e uma nova história. Os dados
que pré-existem à experiência da nova história são os acontecimentos
críticos da experiência anterior. São estes acontecimentos que
promoveram a mudança e a alteração da percepção, reintegrados na
nova história com a mesma intenção crítica, por terem um papel
auxiliar e preparatório na definição do encadeamento e enredo da
história para o desenlace espacial. A narrativa da arquitectura elege
parte dessa experiência, reintegra-a e refaz o entendimento dos
acontecimentos críticos. A construção narrativa mais do que juntar
acontecimentos das experiências prévias, remove parte do total que
elege, e recontextualiza-os para o objectivo da transferência do saber
de fora da arquitectura para a representação, para voltar a apresentar a
experiência arquitectónica. Neste sentido trata-se de uma ficção só
interpretável pela experiência e tornada assim uma representação fiel
da arquitectura. Esta representação, mais do que ilustrativa é narrativa
porque as representações operam por evocação, por similitude por
parecença, analogia, ao contrário da representação convencional,
código, da linguagem construtiva e da perspectiva, por exemplo.
Distingue-se deste modo, a formulação das narrativas anteriores à
recepção da arquitectura, as narrativas da concepção242 e do registo
primeiro. Este registo faz o acontecimento arquitectura no sentido em
191
que não se limita a narrá-lo, o que vemos, mas lemos a narrativa da
arquitectura que se impõe243 .
192
arquitectura, como se funda, a partir da mudança promovida pelo
tratado de Alberti. Em particular, como a relação implícita e a
transformação pelo movimento dos corpos foi transportada pelo
movimento dos espíritos, de ‘agora eu vejo’ para ‘agora eu
compreendo’. A introdução do meio narrativo no projecto de
arquitectura traz um padrão mais amplo para fazer sentido e dar
significado, para criar uma paisagem para acção e uma paisagem para a
consciência em cada narrativa transcrita e reescrita. Nesta concepção,
o espaço construído contém qualidades narrativas, e os conceitos
anteriores seguem as mesmas qualidades narrativas.
244 (Holanda, Da pintura antiga, 1984); (Holanda, Livro das Idades, 1983); (Holanda,
Diálogos em Roma, 1984); (Holanda, Do tirar polo natural, 1984); (Holanda, Da Fábrica
que Falece à Cidade de Lisboa, 1571).
193
vivida de uma forma mais agradável e alegre, através da introdução de
diferentes conhecimentos. É esta introdução de conhecimentos que
torna a disciplina ‘impura’, mas que permite recontar experiências
prévias que são trazidas para a resolução do conhecimento ficcionado.
Neste sentido operamos uma transformação narrativa com a criação
de uma paisagem para acção e uma paisagem para a consciência,
através dos acontecimentos dispostos no tempo da experiência.
Significa que os aspectos idiossincráticos ficam assim presentes no
suporte, realizado pela prescrição prévia e as condições da sua
execução. Esta circunstância cria o ponto de partida para separar o
conhecimento da criação, baseado sobretudo em estratégias retóricas e
literárias valorizadas por (Vasari, 1550), e o conhecimento de um
artesão.
Narratividade
Os estudos actuais sobre a narrativa exploram as mesmas questões
que na antiguidade, revelando a importância da narrativa como uma
forma e um paradigma de pensamento e linguagem, marcante,
194
pesquisado com diferentes formas dirigidas ao fenómeno e à descrição
da narrativa. As analises de histórias tomam dois caminhos, análise de
narrativas, um nível paradigmático, e analise narrativa para reconstruir
o conhecimento. O nível paradigmático, como (Polkinghorne, 1995)
explicou, procede dos conceitos e analisa as narrativas para extrair
informação, das histórias para os aspectos comuns, separando o todo.
Assim, o pensamento paradigmático, como (Feldman, Bruner,
Renderer, & Spitzer, 1990) escreveram, implica um processo cognitivo
de interpretação e entendimento de histórias, separando o todo. Por
outro lado, o caminho da análise narrativa como é uma experiência
analógica, dos acontecimentos para as histórias, religa os
acontecimentos para transmitir a história idiossincrática tornada
possível pelas experiencias anteriores. O entendimento necessário para
agir, presente na análise paradigmática, é por isso diferente da
interpretação para a consciência, para o mundo psicológico, na análise
narrativa. O primeiro está para as acções e para a eficiência como o
segundo está para a aprovação e para a atribuição de valor. Mas,
ambos devolvem um suporte completo, composto com a equivalência
de figuras de estilo e desenhos, para compreender como a história se
desenrola perante nós, actantes, arquitectos e utilizadores. É nesse
sentido que (Herman, Narrative Theory and the Cognitive Sciences,
2003) fala sobre a narrativa para apreender o mundo.
195
vivido. Esta circunstância lembra-nos a fenomenologia, uma
experiência de um corpo vivo, em movimento. Também nos recorda
da noção de intertextualidade e metáfora de Derrida, bem como das
representações de formações discursivas em (Foucault, As Palavras e
as Coisas. Uma arqueologia das ciências humanas, 1991), enquanto
trabalhamos com artefactos da memória.
196
ilusão epistemológica, como uma ficção ou um projecto. A narrativa
actua como construtora de ordem, ordenando o que não está
relacionado e o heterogéneo, enquanto oferece uma possibilidade de
configuração e reconfiguração criativa de acontecimentos dispersos,
numa história coerente, percebida no tempo humano, como assinala
(Umbelino, 2011).
197
e significado narrativo na experiência – ‘construtivismo narrativo’.
Esta última possibilidade não tem significado narrativo na sua
essência.
246 A expressão do autor é ‘designer with words’, contudo como a tradução mais próxima
do sentido da arte edificatória é arquitecto, optámos por essa grafia.
247 Imerso na pesquisa narrativa (Clandinin & Connelly, 2004).
198
um enredo literário linear, aproxima o conhecimento anterior,
acessível no espírito (pela razão), pré-concebido tal como (Cusa, De
La Docte Ignorance, 1930) defendeu; com disciplinas (Eriksen, 2001),
desenho, matemática, música, como se a forma narrativa retórica
usada pelo autor implícito, na criação de uma ficção que ordena
particularidades, pudesse unificar o pensamento teorético e uma
prática metodológica, escondida como estrutura para dar sentido à
teoria da ‘mente divina’.
Pensamento narrativo
A lógica das narrativas pode ser complexa. Como vimos, as narrativas
são interpretações pessoais de experiências, através das quais ou
percebemos o significado narrativo (Carr, 1986), ou impomos o
significado narrativo (White, 1981). Esta distinção permite separar o
199
‘realismo narrativo’ da primeira opção do ‘construtivismo narrativo’ da
segunda. No caso vertente da arquitectura escrita e construída,
estamos perante ‘realismo narrativo’ já que o significado narrativo não
é prescrito ou denotado noutro registo narrativo.
200
forma à visão do mundo humanista. Esta nova forma a pesquisa
narrativa tomou forma suportada nas virtudes da retórica de Cícero,
do orador centrado nas particularidades, nas coisas e na sua apreensão
pelos sentidos, que se transforma para dar lugar a novas teorias
organizadas no conceito de ‘rinascita’ (Kristeller, 1988).
251 Este raciocínio pode ser ilustrado pelo uso de histórias paralelas desenhadas num livro
de leis canónicas ‘The Smithfield Decretals’ do séc. XIV que (Carruthers, The Book of
Memory. A Study of Memory in Medieval Culture, 2005), identifica como um artefacto
de memória, menos importante que a história primária.
201
nossa prática pode ser experimentada como os artefactos físicos
(edifícios, desenhos, modelos), reproduzíveis, acessíveis ao público,
existem como histórias externas, opostas a histórias internas que são
virtuais, recontáveis, privadas e não relacionadas com o tempo,
fugazes. Histórias internas e externas seguem assim o caminho cíclico,
da interiorização de histórias externas, significando que são
compreendidas, circunscritas, ligadas, para a exteriorização de histórias
internas, quando são adaptadas, orientadas, executadas, como (Jahn,
2003) refere, a partir da lógica de uma experiência estruturada como
actante.
202
anterior, para dar sentido, interpretar o que na realidade não sabemos.
E como actantes, transmitimos essa experiência de forma a ultrapassar
a perda de memória quando tentamos dar significado ao que
transmitimos no suporte que criamos. Note-se que para compreender
este campo dialógico, com aspectos em pólos opostos, é necessário
compreender a narratividade e as diferentes formas de suportar
narrativas, que geram elas próprias uma origem para o desenho e são
concepções narrativas. Neste campo, (Ricoeur, Architecture et
narrativité, 1998) liga a narratividade e a arquitectura com a tese
ambivalente de uma analogia entre o tempo da história e o espaço
construído252, tornando a edificação e a história fundadas no mesmo
campo de experiência antropológico e fenomenológico. Neste sentido,
desenhar através de narrativas e formas narrativas de desenhar podem
ser complementares253. A nossa reconstrução confronta o
conhecimento anterior, colocando em diálogo as diferenças para
construir uma nova ordem numa nova estrutura que será o cenário do
mundo habitado. A pesquisa pelo desenho narrativo é por isso
importante para revelar novas ligações de um conhecimento
esquecido, para criar um novo suporte para o novo conhecimento que
emerge de novos métodos254, e que liga métodos particulares de cada
disciplina. É por esta razão que olhamos para o renascimento como o
203
renascimento olhava para a antiguidade, para revelar as ligações
anteriores entre as narrativas e a arquitectura, revelando a transição do
conhecimento escolástico para o humanismo, com a manutenção da
memória através dos méritos da linguagem retórica como sustenta
(Carruthers, The Craft of Thought. Meditation, Rhetoric, and the
Making of Images, 400-1200, 2006).
204
acontecimentos críticos, a sequência, cenário e significado na
experiência, são assim a base da criação255.
205
defendeu; e na nossa leitura, equivale a ‘narrar’ pela forma como
organiza particularidades prévias, para um desenlace257.
257 Segundo a noção de que a estrutura prevalece de forma a organizar o heterogêneo num
corpo bem composto.
258 Formulado no Homem de Vitrúvio.
259 Através da ideia concebida no espírito, pela razão, do arquitecto divino.
260 Concebido como uma arte arquitectónica, (Cusa, De la Pensée [De Mente], 1983), XIII.
206
1983) VIII, próxima do modelo de arte infinita, princípio e fim,
medida, verdade, perfeição, de acordo com o paradigma da beleza
divina, o que não existe, mas existiu. Neste sentido, a linguagem
narrativa não autoriza apenas um novo mundo, mas transporta
consigo um novo mundo, na sua forma e na estrutura, como
conhecimento e ‘ars’.
Desenho narrativo
O texto foi usado para prescrever o que se deve construir e como se
deve construir. De acordo uma leitura possível de Vitrúvio, o texto
pode ser entendido como orientação para desenhar um edifício de
acordo com o modelo, com regras formativas e juízos, como refere
(Markus & Cameron, 2002). O texto de Alberti ‘De re aedificatoria’,
contudo, é uma narrativa daquilo que ainda não existe construído, mas
que tem uma estrutura interna de uma história como uma prática
207
criativa. Assim, o texto muda o uso da forma prescritiva de ‘como
construir’ para uma explicação estruturada de ‘porque construímos’.
208
condições da sua execução, dirigem-se ao fenómeno da edificação, de
forma que para compreender o desenho através da narrativa, é
necessário preencher o espaço vazio entre a história e a edificação.
Este preenchimento obtém-se pelo ordenamento da transição da
história para a lógica, do concreto para um abstrato, das narrativas das
culturas literárias263.
209
qualidades narrativas. Assim, as narrativas nos desenhos transportam
duas paisagens diferentes. Estados psicológicos dos protagonistas,
como um observador omnisciente da paisagem, despreocupado com a
forma como as coisas são percebidas mas com a acção e, por outro
lado, um observador preocupado e valorizando o ‘Eu’ numa paisagem
para a consciência.
264 E de acordo com (Feldman, Bruner, Renderer, & Spitzer, 1990), pode ser um fenómeno
estritamente linguístico, devido ao uso de dispositivos linguisticos como a metáfora,
metonímia, sinedoque e ironia, que transportam um ponto de vista pesosal sobre um
acontecimento, e atribuem intencionalidade com o mecanismo da analogia de indícios.
210
uma arte perfeita com a ajuda da ciência. É neste sentido que Vasari
valoriza o trabalho de Alberti, com resultados na arquitectura,
perspectiva e na pintura durante o tempo de vida do autor, denotando
as influências dos escritos265. Destes escritos, faz parte a narrativa ‘De
re aedificatoria’, que reúne, argumenta e propõe um novo
conhecimento de porque é que edificamos, recorrendo à invenção de
meios narrativos, por exemplo na forma de uma tipotectura com o
uso de letras e símbolos aplicados à arquitectura. É esta invenção que
é integrada na expressão gráfica da arquitectura. Nesta narrativa, o
conceito de ‘lineamentis’266 prescreve a Arte Edificatória, é análogo a
‘narrar’, o processo de ordenar particularidades no ‘edifício mental’, tal
como existe na mente e incluindo outro conhecimento para uma vida
agradável e feliz, sem negar o ordenamento de linhas e ângulos,
‘lineamenta’
265 Melhor conhecidos do que o restante trabalho: ‘E vedesi per il vero quanto a lo
accrescere la fama et il nome, che fra tutte le cose gli sctenho de ritti sono e di maggior
forza e di maggior vita; atteso che i libri agevolmente vanno per tutto, e per tutto si
acquistan fede; purché e' siano veritieri e senza menzogne’. (Vasari, 1550).
266 Traduzido para um termo em desuso in (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 2011),
como delineamento, mas preciso e próximo do pensamento de Alberti, na acepção do
tradutor.
211
das versões francesas267. Neste contexto, a construção passará a
depender de dois factores, dois tipos de conhecimento autónomos e
independentes. Por um lado, o conhecimento e a experiência, como
denota a referência a mestres de obras, e por outro os tratados teóricos,
diversos manuais práticos sobretudo italianos que começaram a ser
traduzidos em português, permeando a circulação de outros,
revelando o humanismo que gradualmente faz emergir a figura de
Arquitecto Real268. Neste contexto de interesse pela cultura
arquitectónica teórica italiana têm particular importância as obras
teóricas, a prosa narrativa e os debuxos, dos primeiros arquitectos que se
destacaram dos mestres de obras, Francisco de Holanda (1517-1584) e
António Rodrigues (c. 1525-1590), no reinado de D. João III (n. 1502,
r. 1521-1557).
267 Este último, manual das medidas do romano redigido como um diálogo clássico será
segundo (Ruão, 2006), o intermediário da revolução serliana.
268 Os dois tratados, de Vitrúvio e de Alberti, têm recepção contemporânea na cultura do
Quattrocento, apesar de 15 séculos de distância. Note-se que o humanismo recuperou os
modelos literários da antiguidade greco-romana, com o objectivo de restaurar o latim
clássico. Na recuperação destes modelos encontramos a tradição ciceroniana segundo a
qual se recuperava o conhecimento que afecta a condição humana e promove o
aperfeiçoamento espiritual do homem, o conhecimento humanista. Neste sentido os dois
tratados são contemporâneos, apesar do hiato temporal (Payne, 1999). Não obstante a
recuperação do latim, Alberti proporá em 1437-1441 as Regole della volgar lingua fiorentina
(Regras da língua vulgar de Florença), também designada Grammatichetta Vaticana. No
contexto nacional a recepção e divulgação dos dois tratados ocorre quase um século
depois.
269 Nomeado por André de Resende como o Apelles Lusitano.
212
contemporâneos270. Foi um artista de corte, enviado a Itália271, com o
enquadramento mítico da bolsa régia, para conhecer as novas
fortificações militares. Ao voltar, trouxe desenhos, apontamentos e
ensinamentos do renascimento italiano, dando nota da riqueza cultural
que vivenciou através do tratado Da pintura antiga (1548)272 , contendo
na segunda parte os celebres Diálogos de Roma. Escreveu ainda outras
obras como Da fabrica que falece ha cidade de Lisboa e Da Sciencia do desegno
(1571). Reuniu os desenhos da viagem no Álbum das antigualhas e
realizou outro volume com desenhos posteriores, que toma as
histórias bíblicas como referentes estéticos, desenhando os episódios
em cenários arquitectónicos, na obra De aetatibus Mundi imagines273.
Nestas obras segue o espírito do tempo e os ensinamentos italianos,
escrevendo de forma retórica, com referências a autores antigos como
270 Holanda recém voltado de Itália, refere que a Fortaleza de Mazagão é de sua autoria.
Contudo, o projecto de Holanda era, segundo (Moreira, A Arquitectura do
Renascimento no sul de Portugal. A encomenda régia entre o Moderno e o Romano,
1991), inexequível. Os desenhos que serviram para a construção devem-se ao engenheiro
italiano de tradição albertiana, Benedetto da Ravena (act. 1510-55), em 1541, por não
existir ninguém qualificado em Portugal.
271 Enviado a Itália de 1537-38 a 1540, para contactar com a antiga ‘sapientia’ do ‘studia
humanitas’, onde aprendeu a estética naturalista e privou com grandes artistas como
Michelangelo Buonarroti.
272 Presumivelmente, o mais antigo escrito sobre arte, anterior a Vasari que no entanto cita
com o valor explicativo.
273 Nesta obra, Holanda procurará intelectualizar a geometria, tornando-a arquitectura,
procurando exprimir leis gerais do universo, com um princípio analógico de
transferência. A leitura feita é semelhante à que William Blake (1757-1827) fará como
observa (Deswarte, Deux artistes mystiques du XVI siècle; Francisco de Holanda et Jean
Duvet, 1983), onde as formas do neo-platonismo são contrárias a explicações ou
configurações figuradas próprias das metáforas analógicas.
213
Quintiliano e Demóstenes274, entre outros, para reforçar o ponto de
vista perante os interlocutores. Esta forma de expor conceitos, inclui o
uso de analogias entre as artes, como a analogia no segundo diálogo,
entre a poesia e a pintura275 , dizendo que os poetas fazem com
palavras o que os pintores (e arquitectos) fazem com a matéria. Os
poetas contam e os pintores expressam e declaram, os primeiros para
satisfazer a audição e os últimos a visão276. A presença de elementos
retóricos na pintura relaciona-se com a poesia, fazendo a analogia com
as artes e criando a analogia entre o desenho (ou pintura) e o discurso,
rivalizando uma com a outra arte. Isto traduz para o desenho a
responsabilidade para ser histórico, para ilustrar, ou mostrar, tornando
clara a narrativa subjacente de uma forma didáctica dando a
compreender, como podemos ver em (Holanda, Livro das Idades,
1983)277 . Note-se a oposição entre ´disegno interno’ de Alberti ou a
‘Idea’ de Holanda, em relação ao ‘disegno esterno’, a manifestação
gráfica e a coisa real construída.
274 Estas são também referências de Alberti, o que denota a riqueza da fonte do humanismo
Italiano.
275 Seguindo a expressão de Horácio ‘ut pictura poiesis’.
276 Esta analogia entre as artes transfere saber entre as duas manifestações e coloca-as numa
posição dialógica.
277 Com estes desenhos, Holanda é considerado o primeiro teórico moderno a apresentar a
Idea neoplatónica na teoria da arte, como sustenta (Di Stefano, 2004), desenhando sob a
chave hermeneutica do Timeu de Platão, uma interpretação estética da Grande Narrativa,
esquecida até às imagens de W. Blake no séc. XIX.
214
desenhos e numa memória descritiva, Holanda motivado por um ideal
utópico e trágico, na qualidade de auto-intitulado o último dos arquitectos,
propõe ao rei D. Sebastião (n. 1554, r. 1557-1578), um conjunto de
edificações com vista à criação de uma capital monumental, imaginada
à semelhança da mítica Jerusalém e patente na imagética vitruviana da
personificação alegórica de Lisboa. As edificações propostas incluem
as edificações notáveis, religiosas e civis, mas sobretudo as militares,
recordando a viagem para Itália onde tomou contacto com várias
fortificações ditas modernas278. Nos desenhos de arquitectura e nos
textos está patente a importância dada ao espaço público e à simbólica
da cidade, simultaneamente construção física e relação cívica, onde a
afirmação do poder real é tida como uma necessidade de imagem e de
valorização das artes equiparando Portugal às restantes nações
europeias, sobretudo Itália. De igual modo são valorizadas as
características utilitárias e pragmáticas desta arquitectura, seguindo
indicações normativas.
278 Note-se que estas fortificações modernas estão igualmente patentes no livro IV do
tratado de Serlio, publicado em 1537.
279 Esta obra apresenta o contraste entre a experiência da cultura humanista e a arte
Portuguesa no séc. XVI, onde faltavam edifícios funcionais, higiénicos e representativos.
280 O que faz falta, como algo negativo.
215
Pese embora a proximidade de Alberti, é a influência de Vitrúvio que
se observa em Da pintura antiga, onde Holanda indica as disciplinas que
o pintor deve conhecer, reportando-se ao paradigma vitruviano282.
Merece especial referência o facto de Holanda se ter considerado
entre os arquitectos e não os pintores, dando conta da pintura
arquitecta, e neste texto ter feito o elogio à poesia dizendo que o pintor
saberá assim todas as fabulas da poesia, porque debaixo da sua discreta ficção esta
escondida muita razão e verdade, na tradição de Horácio que permeava a
cultura do humanismo. É assim que se opõe o artista arquitecto ao
arquitector, mestre responsável pela construção da edificação e
especialista em matérias construtivas, mas desconhecedor da essência
do desenho.
281 Este confronto centra-se na transição entre o antigo e o novo mundo, visto através do
conhecimento ordenado narrativamente, através da capacidade para contar histórias,
interpretar ou reproduzir, que Holanda valorizava, para revelar o enredo que ultrapassa o
tempo como uma história ancestral contada para educar e deleite.
282 As referências a Vitrúvio são constantes na sua obra como observa Deswarte revelando
o seu conhecimento prévio, embora desconhecendo as obras de Alberti, nomeadamente
Da pittura a que faz referência breve.
283 António Rodrigues foi moço de estribeira enviado em 1547 à obra de Tomar como
mensageiro especializado, denotando o crescente interesse do rei nessa obra. Em 1564,
como refere Moreira (1991), tornou-se mestre de obras reais.
216
manual de fortificação e a segunda versão já destinado a publicação e com
prólogo, preposiçois mathematicas. Este documento manuscrito onde se
intercalam texto com quatro mãos diferentes, e desenhos, apresenta-se
incompleto, e com correcções que indiciam a sua divulgação e o seu
carácter didáctico284 . É redigido à semelhança de outros tratados
italianos, na forma clássica de narrativa com referências a Vetrúvyo,
Arquymedes, e Pytagoras, e Dedalo, sem se afastar da temática expressa na
tratadística anterior de pendor militar, como a problemática da
edificação e do seu local e a sua materialidade, a profissão de
arquitecto e a sua formação, pese embora a substituição da grafia de
arquitecto por fortificador. No final, apresentam-se de uma forma mais
completa, os capítulos referentes à geometria euclidiana e à
perspectiva, tal como enunciados por Serlio, reiterando a semelhança a
um manual didáctico que aborda as matérias e problemas mais difíceis,
incluindo a exemplificação com a utilização de desenhos de baluartes à
italiana. O texto alude ao paradigma vitruviano do arquitecto e à
importância da arquitectura na fortificação do mundo, tal como
fizeram os romanos, senhores do mundo. O elogio ao arquitecto reflecte
o enunciado vitruviano, pela exigência de um saber teórico prático
pondo em obra o discurso que entende a materialidade necessária, sendo tal
discurso resultado do tempo e da propriedade das coisas necessárias à
construção, incluindo a necessidade de dominar a língua latina,
matemática e aritmética, geometria, para que consiga prever o edifício
antes de o realizar materialmente, com controlo de custo285 . Tal como
284 É plausível que este tratado fosse usado no ensino de matemática e arquitectura na
‘Escola de moços fidalgos do Paço da Ribeira’, no tempo de D. Sebastião.
285 Em seguida, avançam-se os conhecimentos necessários, a eleição do sítio, coisas que o
regem e o que tem de bom, o ar e a sua propriedade, a água e a sua propriedade, o que
tem de ter o arquitecto, (fortificar com terra, propriedades da cal), propriedades do barro
217
(Moreira, A Arquitectura do Renascimento no sul de Portugal. A
encomenda régia entre o Moderno e o Romano, 1991) (Moreira, Um
Tratado Português de Arquitectura do século XVI (1576-1579), 1982)
refere, este tratado assume assim um cariz didáctico, insensível a
considerações de outra ordem que não a pura utilidade e a economia,
na forma de um manual sistematizador de construção barata. Também
na perspectiva de (Ruão, 2006), trata-se por isso de um manual de
construção que não usa os conhecimentos mais recentes relativos as
fortificações, podendo ser visto como uma versão de tratados diversos
de Cataneo e Serlio286 com fragmentos vertidos para português.
para tijolo, o tempo e a feitura do edifício, o tempo conveniente para se poder edificar
(as propriedades da Madeira).
286 Lembramos que Serlio citou Alberti, e por essa via António Rodrigues poderá ter
conhecido o tratado de Alberti.
287 Veja-se a argumentação de (Ruão, 2006).
218
seria de esperar de alguém formado em Itália, com os maiores avanços
na arte de fortificação.
219
Tratado Português de Arquitectura do século XVI (1576-1579), 1982),
sem os avanços recentes em fortificações290 .
Estruturas de conhecimento
O panorama de interesse pela cultura teórica e pelo ensino da ciência,
do humanismo, introduz a ideia da concepção arquitectónica como
blocos de relações, de afectos e perceptos na linguagem de Alberti,
como forma de auto-sustentação onde se misturam a linguagem
discursiva e não discursiva, o ilustrativo e o narrativo. Assim,
questiona-se a prevalência da narrativa no texto, a narrativa na imagem
e a narrativa na arquitectura. O que podemos ler nos tratados são
narrativas estruturais, entre escrita com referências a outros autores e
mitos e, a presunção de diálogo simulando a relação com os sentidos,
na experiência concreta. Ao mesmo tempo surgem conceitos como o
limite, a arquitectura do espaço, a comunidade, denotando o forte
poder existencialista das narrativas que prevalecem mesmo quando
não são experienciadas e interpretadas. Ainda que sejam narrativas
indocumentadas, a arquitectura apresenta-se ‘utilíssima e
extremamente agradável ao género humano’ (Alberti L. B., Da Arte
Edificatória, 2011), pp. 137, preserva a narrativa da arte edificatória de
um lugar, tecendo o suporte para que a vida seja vivida de uma forma
agradável e feliz como nos diz Alberti.
290 Note-se que para além dos desenhos de Holanda e as páginas atribuídas a Rodrigues,
não existem desenhos conhecidos, ou planos, neste período do inicio do Renascimento
em Portugal, no reinado de D. João III.
220
partilhando com Nicolau de Cusa as principais especulações
matemático-filosóficas presentes nos seus tratados teóricos. Deve-se a
Nicolau de Cusa, na sua universalidade, no pensamento teológico e
filosófico, a formulação em termos filosóficos do conceito de espaço
como quantidade contínua291. Este conceito será, como refere (Panofsky,
1969), necessário ao aparecimento da teoria renascentista de espaço
(arquitectónico), da arte mais socialmente enraizada.
221
autonomia da eternidade do espírito. Considerando, assim, a teoria do
conhecimento em Nicolau de Cusa, mens e mesura (pensamento e
medir) são termos da mesma família de onde resulta a concepção
fundamental e universal do medir como acto racional de um espírito que
mede. Esta perspectiva ontológica e a interdependência dos termos faz
relacionar também a cosmologia e cosmografia matemáticas como
teorias do mundo natural e envolvente, que envolve para unificar294 e,
que suscitam a separação do sujeito e objecto295. É pelo entendimento
metafísico desta natureza naturante que se percebe pelos sentidos,
objectivando o ordenamento e as forças, do mundo sensível, para o
elevar pela acção do pensamento, para representar a perfeição do
absoluto, parte do todo, que surge o conceito cosmológico de
uniformidade296.
222
contorno, e à fundação da obra na materialidade fruto da experiência.
Permanecendo o todo operatório e controlado através do diagrama,
debuxo297, delineado quando desaparecem os dados figurativos do
lineamentis albertiano. Este conceito é crucial no início do renascimento
já que, como Vasari explicou, valoriza o ‘disegno interno’ e ‘idea’
como ‘natura naturans’. O conceito é assim comparável com a
corporalidade da criação natural, com ossos e painéis. Opõe-se ao
modelo, domínio abstrato, porque é simultaneamente a figura e a
simetria mental fundada na imaterialidade da arquitectura perfeita. Ou
seja, segue o plano de criação de Cusa, de Deus ‘in Terris’ , imitando e
ultrapassando a ideia estética metafisica, enquanto reúne ‘lineamenta’ e
matéria, uma ficção do que parece existir mas não tem lugar. A ideia
da analogia entre as artes e a arquitectura como uma criação artificial,
que rivaliza com a criação divina através das proporções (analogias)
musicais298 está, por isso, fundada na reflexão da harmonia que o
criador trabalha a partir do modelo. Neste plano de criação humanista,
quando são feitos julgamentos sobre a beleza, a razão segue a
faculdade ‘inscrita no espírito’ e a beleza é o resultado da consonância
das partes ditada pela ‘concinnitas’, a regra absoluta e fundamental na
‘natureza’299 . Assim a criação liga ‘ratio’ e ‘oratio’300, raciocínio e
223
discurso, ‘lineamentis’ concebido no espírito, o desenho interno numa
certa ordem e a expressão sem o recurso ao material.
224
perseguir a harmonia e a elocução de um discurso Ciceroniano301. A
estranheza desta semelhança pode ser lida no texto de Alberti, tal
como escreveu na abertura, no Prólogo, ‘muitos e variadas artes, que
ajudam a fazer (...) a vida mais agradável e alegre’302, enquanto segue
os conselhos de Aristóteles e de outras autoridades para compreender
a concepção da arquitectura e desenvolver o ornamento retórico na
composição303. Para além das características narrativas do tratado,
trata-se de um texto proto-científico, como refere (Eriksen, 2001), e
uma abstração conceptual, como refere (Kruft, 1994), que favorece o
entendimento através da investigação e experimentação enquanto cita
autores antigos e evoca o que era conhecido, como ‘realismo
narrativo’304.
225
próprio de expressão. Mas, porque existem relações dialógicas que dão
forma ao espaço construído, a arquitectura narrativa, por oposição à
que é desprovida de artifícios narrativos, como hipótese, estrutura
forças mais do que captar formas, razão pela qual não é figurativa,
mas formativa de um conteúdo expresso, muitas vezes de outras
disciplinas, abordado de uma forma análoga. A tarefa da arquitectura é
decompor e recompor305 o que se sabe para tornar expresso esse
conteúdo306 , de tornar visível o que não é, na relação próxima com as
sensações e com o tempo entendido como duração e movimento307.
226
acontecimentos críticos e outros, na lógica do discurso, na unidade
figurativa tornada espaço probabilístico e de experiência, na imanência
de outro mundo. Os traços, porque são intencionais, são
representativos e assim ilustrativos e narrativos. São significantes,
estímulos de sensações, como será a obra, simulações que
transportamos, da leitura dos paradigmas limite, porta, vazio,
orientando a vontade do quadro ao olhar, da óptica à perspectiva, a
conquista intelectual do renascimento. O diagrama temporal, com
vários momentos, reúne a geometria ou ossatura e os estímulos ou
sensações espaciais. O diagrama constrói a tecitura, é o
entrelaçamento entre o perene da geometria e o efémero
fenomenológico, entre o abstracto suficiente e o concreto insuficiente
de onde emerge a interpretação. A operação que relaciona a geometria
com o sensível traduz a figura do actante, simultaneamente receptor
de estímulos e transformador do cenário que habita, reúne sensações e
duração no facto vivenciável. A primeira, a geometria interioriza o
movimento e o olhar que a produz num pequeno número de linhas,
formas e volumes, ângulos e posições, enquanto a segunda, as
sensações, retomam a analogia com o corpo, em movimentos
expressivos e paralinguísticos.
o som numa forma visual abstracta, numa experiência pictural. Ao realizar o diagrama
com a constituição da forma facto, produz-se o conjunto visual.
309 Toma forma em termos de simetria, ‘sequentia’, enquadramento, enredo e figuras
discursivas, para além das metáforas arquitectónicas.
227
partir do interior das relações espaciais para dar forma à experiência
como interpretação do texto que articula o princípio com o fim, a
parte com a fórmula Aristotélica do todo, e que dá sentido à
experiência com a ‘compreensão’ como o texto permite ‘ver’310. A
simetria e a repetição (dentro dos diferentes processos de
compreensão e de visão), cria um padrão que reforça a unidade do
todo, como uma composição com leis e sistemas de significação para
comunicar a ideia do criador. Esta prática introduz novo
conhecimento na arquitectura, um ‘construtivismo narrativo’ do
enredo para o espaço, o que torna necessário identificar a arquitectura
do texto como ponto de partida para impor ordem na composição,
para tornar o discordante concordante. Também compara a lógica
temporal das projecções narrativas, no texto, com a nossa experiência
temporal do espaço, a nossa experiência fenomenológica, numa
tentativa para ligar o espaço onde nos movemos e o tempo desse
movimento.
310 Por exemplo, como Alberti refere no Livro I, ‘a cidade é como uma grande casa, e a casa
é como uma pequena cidade’.
228
menor número de vezes, dada a especificidade com que são usadas. O
uso de analogias tem maior incidência nos livros I – O Delineamento,
no livro III – A Construção e no livro V – Edifícios para fins
particulares.
O uso que Alberti faz das analogias afasta-se das teorias medievais
sobre o uso de analogias. Com efeito, no que diz respeito ao discurso
lógico, o uso de palavras por Alberti assume mais do que um
significado, assumem a polissemia e quando não existe palavra
adequada para a narrativa, é criada uma nova. No que diz respeito à
teologia, veja-se a ambiguidade com que Alberti fala dos antigos e dos
deuses e ao mesmo tempo admite formas construídas de templos
pagãos e uma forma de cristianismo primitivo, respeitando os diversos
dogmas. E, finalmente, no que diz respeito à metafísica, observamos
que Alberti ultrapassa o problema da interdependência entre as partes
discursivas com a criação da analogia do todo com as partes, do muito
pequeno com o muito grande, de uma forma de simetria, para de uma
forma circular abarcar toda a criação. Esta circularidade inscreve-se na
noção da criação a partir da ‘imitação’ do divino, ou seja da
semelhança entre o criador e a obra criada.
311 Ver (Ashworth, Medieval Theories of Analogy, 2013) e (Ashworth, Signification and
Modes of Signifying in Thirteenth-Century Logic: A Preface to Aquinas on Analogy,
1991).
229
um termo pelo apelo a uma similaridade com outro termo; noutros
casos o termo tem uma conotação teológica, de participação com a
perfeição divina, relacionando seres inferiores e superiores; o termo
grego para analogia foi algumas vezes traduzido para latim como
‘proportio’ ou ‘proportionalitas’, referindo-se à comparação entre duas
proporções312; o termo ‘analogia’ cedo aparece relacionado, em latim,
com a palavra ‘ambíguo’, e daí equivoco (intencional)313.
230
teorias que procuravam responder aos problemas, da linguagem, em
três áreas: lógica, teologia, e metafísica. No que diz respeito à lógica, a
preocupação centrava-se na utilização de palavras com mais de um
sentido, quer relacionados quer completamente diferentes. Para a
teologia, a preocupação centrava-se na utilização de palavras
referentes ao transcendente, a Deus, pondo em oposição o espiritual e
o mundo dos sentidos. Finalmente, para a metafísica, a preocupação
centrava-se no discurso sobre a realidade, nomeadamente no discurso
substancial e o discurso acidental, o criador e o criado, quando são
interdependentes.
316 Segundo a doutrina, a realidade tem uma leitura horizontal, substanciada e acidental, e
vertical com o criador, Deus, e os seres criados, e estes dois eixos estão relacionados
analogicamente.
231
relações317, chamada analogia de proporcionalidade; relação entre uma
coisa primária e uma secundária318, chamada analogia de atribuição; e
o terceiro tipo de analogia, usada sobretudo por teólogos, apelava para
a relação entre o criador e as criaturas criadas319, chamada analogia de
imitação e participação. Dos três tipos é a analogia de atribuição, que
tem maior discussão no período medieval.
317 No sentido original, do grego. Por exemplo, principio relacionado com um ponto ou
nascente, porque um ponto relaciona-se com uma linha como uma nascente com um rio.
318As qualidades atribuídas a um objecto, como por exemplo ‘saudável’, são atribuídas a
tudo o que contribui para a saúde e àqueles que pela contribuição desses objectos,
emanam saúde. Notamos nesta atribuição que as qualidades designadas do primeiro não
são iguais às qualidades designadas do segundo, só o criador é igual a si próprio. Em
rigor, devemos assim comparar a relação entre o primeiro termo e as suas propriedades
e a relação do segundo termo e as suas propriedades, segundo a noção causal da
similitude (passiva ou activa, de carácter ontológico, unívoco ou não unívoco, segundo S.
Tomás de Aquino), tal como Deus é uma causa analógica que subjaz a toda a linguagem
analógica.
319 As criaturas têm as qualidades do criador, por que imitam ou refletem o criador.
320 Esta discussão continua até ao tempo de Descartes.
232
analogia de proporcionalidade e analogia de atribuição. Com efeito, as
analogias com a natureza natural, edifício-corpo, corpo-animal, corpo-
completo, enquadram-se nas analogias de atribuição, já que se atribui
através dos conceitos apresentados na narrativa, as características da
natureza primeira, nas formas vivas reconhecíveis, à arquitectura
secundária construída. Esta é uma analogia complexa, já que para lá da
imediatez visual com que se apresenta, implica reconhecer no objecto
primário, as características que estarão no objecto secundário, de uma
forma visual comparável ou de uma forma conceptual.
233
referência da capacidade generativa do primeiro termo e embora se
multipliquem exemplos, reduz a aplicabilidade, já que apresentam
como agente causal um-para-o-outro. Finalmente, no último caso,
com as ilustrações, voltamos a muitos resultados para um saber,
portanto à capacidade generativa das proposições.
321 Note-se que estes desenvolvimentos não estão na origem relacionados com a edificação,
mas com o poder e o exercício do poder através da linguagem e como suporte para a
tomada de decisão.
322 Regra geral, estes argumentos pertencem à categoria de raciocínio indutivo, já que as
suas conclusões não podem ser deduzidas com certeza, mas apenas se suportam num
grau aproximado, possível, de certeza. São inferências que expandem o conhecimento
face à incerteza, como refere (Holland, Holyoak, Nisbett, & Thagard, 1986) e que, no
limite, podem ser demonstradas com plausibilidade. Por vezes esta é a única forma de
justificar uma hipótese, já que o método analógico centrado no ‘Eu’ permite a
interpretação e daí a interpretação. Por exemplo: rectângulos e caixas – se estabelecermos
234
que este tipo de raciocínio é usado para persuadir os ouvintes /
leitores. Note-se que este tipo de raciocínio é tão importante para o
homem quanto misterioso quando usado em contextos de resolução
de problemas. Pode-se argumentar que sem este tipo de raciocínio,
alguns ‘saltos’ criativos não seriam possíveis323, já que de forma
dedutiva não se atingiria a mesma resolução324, não se criaria
conhecimento novo através da experiência que o raciocínio analógico
permite antever. Esta forma de raciocínio presente na obra de Alberti
e que atravessa o renascimento325, regista enunciados como uma
imposição, convenção, de linguagem secundária que opera conceitos
naturais e universais, com a mesma recepção por todas as pessoas,
sem envolver processo de decisão. Nestes, a noção de ‘significatio’ lat.
(significação) era mais importante que significar326. Para S. Tomás de
Aquino, o significado era um termo de concepção do intelecto de uma
coisa significada, enquanto a coisa significada era a natureza material
do objecto, referente que contém as características. Veja-se o exemplo
que caracteriza o raciocínio: 1) A (edificação) é similar a alguns
que de todos os rectângulos com um perímetro fixo, o quadrado é o que tem maior área,
então por analogia, conjecturamos que de todas as caixas com a mesma área de
superfície, o cubo será o sólido com maior volume, ver (Bartha, 2013).
323 Daí a presença na heurística como ajuda para a descoberta que na contemporaneidade é
usada nas pesquisas de Inteligência Artificial; o uso em processos justificativos e em
processos programáticos (por exemplo em ambientes pedagógicos), como podemos ler
em (Hofstadter, Epilogue: Analogy as the Core of Cognition, 2001) e (Hofstadter, Fluid
Concepts and Creative Analogies, 1995).
324 Note-se que este raciocínio é usado desde a antiguidade no meio filosófico e científico.
325 No séc. XIV a importância da linguagem mental sobrepõe-se à linguagem falada e os
conceitos como parte desta linguagem mental (da razão) era vistos como portadores de
significado.
326 Um termo significa quando funciona como um signo, representando ou dar a conhecer
algo para além dele próprio.
235
aspectos conhecidos de B (corpo-completo); 2) A (edificação) tem
outras características adicionais C (matéria, suportes); 3) então, D
(templo) tens algumas características de C (ossatura) ou outros
similares a C’ (pele)327. Este é o tipo de raciocínio um-para-um, mas as
relações podem ser mais complexas, como verificamos no Quadro 5 –
Raciocínio analógico., pp. 257.
236
Os critérios que guiam estas investigações podem, assim, ajudar a compreender o uso de
processos analógicos no passado, como por exemplo: 1) quanto mais similaridades entre
dois domínios, mais forte será a analogia; 2) o contrário também é verdadeiro, quando
mais diferenças, mais fraca será a analogia; 3) quanto menos soubermos sobre os
domínios, mais fraca será a analogia; 4) quanto mais fraca for a conclusão, mais plausível
será a analogia; 5) as analogias que envolvem relações causais são mais plausíveis que as
que não envolvem; 6) analogias estruturais são mais fortes que aquelas que se baseiam
em similaridades superficiais; 7) deve ser considerada a relevância das diferenças e
similaridades para as conclusões (para a analogia hipotética); 8) analogias múltiplas
suportando a mesma conclusão fazem o argumento mais forte. Para um maior
desenvolvimento desta temática, no presente, ver Mill 1843/1930; Keynes 1921;
Robinson 1930; Stebbing 1933; Copi and Cohen 2005; Moore and Parker 1998; Woods,
Irvine, and Walton 2004.
237
Conclusão
A lógica das narrativas pode ser complexa, devido a interpretações
idiossincráticas e ao movimento entre o significado intrínseco das
narrativas e o significado imposto. As narrativas criam a ilusão do
conhecimento, reúnem tempo e experiência, uma ‘cronotopia’ na
forma de uma ficção. A lógica cognitiva das narrativas, procedente de
narrativas exteriores tangíveis e presentes em vários suportes, como
textos, desenhos e edifícios, é um campo de investigação que floresce
na procura do conhecimento paradigmático. O conhecimento
narrativo, por outro lado, dirige-se às histórias interiores presentes
naqueles suportes, na forma de estímulos que iludem a perda de
memória. Estas histórias são guardadas na memória e na imaginação,
recordações e sonhos, e são traduzidas na nossa prática, como no
renascimento, através de metáforas e analogias, num ciclo
existencialista de nomeação e domínio sobre o desconhecido através
da criação face à natureza, histórias internas face a histórias externas.
238
A concepção arquitectónica depende das narrativas e a recepção da
arquitectura análoga às narrativas resultantes da construção de
imagens mentais. A arquitectura subdivide o mundo das histórias em
dois componentes básicos: o espaço de acção que representa o lugar
‘interior’, representa o paradigma de espaço encerrado, limitado,
imóvel, casa e, por outro lado, o espaços de acção que encena o
‘exterior’ e representa a abertura, a mobilidade e o encontro. Nestes
espaços, os equilíbrios harmoniosos não fazem parte da sua
caracterização, apenas existem na imaginação, falta-lhes o espaço
empírico, são utopias construídas pelo espírito, como paisagem para a
consciência. Estes espaços análogos são também espaços de variação,
com imagens discordantes que permanecem em harmonia ainda que
implicitamente estejam em conflito. Por isso, esta forma não pode ser
objecto de hermenêutica. Em vez disso, o poder desta forma de
pesquisa, habilita-nos a fazer juízos sobre a cultura narrativa, já que
permite retomar formas externas e psicológicas de conflito e
equilíbrio. Esta forma de relação, esquematizada com fenómenos
como ritmo, regularidade, métrica e padrões, demonstra a pertinência
das visões do mundo nos acontecimentos críticos, concretos, da
narrativa.
239
prova do final, e da finalidade, da narrativa é o momento, a força que
se encontra no sucesso de um fim agradável e feliz. O nosso agrado
por estes desenvolvimentos reside na atribuição de valores ao
mundo329 da história, de características do mundo exterior. Ou seja,
pela construção do mundo como um todo completo, o leitor religa os
acontecimentos mentalmente para construir a totalidade no enredo
linear, onde os acontecimentos são conformados pela necessidade de
bom desenlace. Já (Aristóteles, Poética, 2011) pp. 63, fala da
importância da estrutura para atingir o belo e a ordem.
329 O que implica também a aceitação de outros programas, como aqueles que limitam a
liberdade, ou a modelam.
240
escolhendo uma ou outra, introduz-se a opção por uma visão do
mundo (moderno ou tradicional).
241
na visão do mundo renascentista que se inaugura a visão moderna do
mundo em redes.
242
textos para serem lidos, diálogos com referências em autores antigos
redescobertos, tornam-se o suporte da forma retórica que permite ver
através do texto, ampliando a imaginação. A retórica tornou-se uma
característica da dimensão narrativa da arquitectura, interessada em
palavras, na tipotectura, usando um método ficcional para ordenar
particularidades do mundo das essências para o mundo da expressão.
Esta condição, embora menos relevante que o conhecimento, tornou-
se determinante para a linguagem arquitectónica, tornando a retórica
um discurso possível, longe de ideal, mediando entre múltiplos
conhecimentos referenciados.
243
(conhecida através de Serlio) e a de Vitrúvio, focando-se na razão de
construir e valorizando a arquitectura como meio performativo. O
tratado atribuído a Rodrigues tem um carácter prático, segue a ideia de
‘De Architectura’ suportada em desenhos narrativos e reflectindo o
paradigma Vitruviano de como construir, traduzido em forças que dão
forma à arquitectura, enquanto a matemática reflete a geometria
Euclidiana exposta por Serlio.
330 A analogia entre A e B é uma estrutura que preserva a função de correlação entre os
elementos de A com os elementos análogos de B. Entre os dois estabelece-se uma
inferência analógica reveladora de isomorfismos ou analogias perfeitas por oposição aos
homomorfismos, ou isomorfismos parciais. Estabelece-se assim uma certa evidência que
se impõe imediatamente sem necessidade de longa aprendizagem, recorrendo aos
sentidos e à experiência anterior para relações directas entre as coisas.
331 Veja-se Carruthers (2005, 2006), sobre a arte da memória, na transição da idade medieval
para a idade moderna.
244
paradigmático e paradoxal que não se opõe à analogia mas que a toma
como objecto, expressando o análogo como objecto, resultando numa
forma polissémica332 .
332 Note-se que no tratado que serve de referência à nova teoria da concepção, De Re
aedificatoria, Alberti se refere a analogias desde o corpo completo (animal) à música e à
escrita.
245
pelo Cristianismo (Ruão, 2006). É neste contexto que a autoridade de
Vitrúvio é recuperada, após a sua re-descoberta, recuperando o
estatuto social do arquitecto moderno, personagem da arte liberal que
edifica o espaço social, verdadeiro criador da ordem e de uma ideia
mentale albertiana, plasmada pela prática do debuxo. As questões
teóricas tornam-se assim o objecto da produção literária e do ensino
da arquitectura, superando Vitrúvio, embora não totalmente como
demonstra o mote da encomenda feita a Alberti para anotar o tratado
anterior. Enquanto se considera Vitrúvio como o tratado que aborda
como fazer a edificação, o novo tratado, tomando Alberti como
percursor da teoria da arquitectura333 aborda porquê fazer, excluindo a
dimensão prática do corpo do texto, mas abordando-o noutras obras,
como por exemplo em Ex ludis rerum mathematicarum334, o primeiro
destinado a ser lido e transmitido a quem encomenda, e por quem
concebe, o segundo com regras precisas úteis para a prática do
desenho.
246
a emergência dos méritos retóricos. Desenho e ideia são assim
tomados como base comum para a arte e as ciências não pictóricas,
uma projecção universal de uma segunda natureza, ‘natura naturans’.
247
248
PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO
249
250
ANEXOS
251
Modernidade)(28)
maio)1453)
1400 1410 1420 1430 1440 1450 1460 1470 1480 1490 1500
Ciclo-Manuelino-(1490F1530)-in-Pereira-1992
Alberti)(1404:1472)
De-re-aedificatoria--libri-decem)(1442:
1452);)ed.)(1486),)em)latim
Della%famiglia%
Sta.-Maria-Novella-(1456F70),-Florença
(1432)
Capela-Rucellai- SS.-Annunziata-
Della%Pittura%(1435) Palazzo-Rucellai-(c.-1445F51),-Florença
(1467)-,-Florença (c.1470),-Florença
De%Statua%(1438)
Grammatichetta%Vaticana%–%Regole%della% Igreja-de-San-Andrea-
André)de)Resende)(1500:1573))
volgar%lingua%fiorentina-(1437F1441). (c.-1470),-Mantua
Tempio-Malatestiano-(1447F50),-Rimini San-Sebastiano-(1460F70),-Mantua
Antonio)Averlino)(Filarete),)(c.)1400:c.)1465)
Codex%
Magliabechianus%II,%
I,%140-(1461F1464),-
em-lingua-volgare
Cesare)Cesariano)(1476/78:1453)
Sebastiano)Serlio)(1475:1553/55)-F-as-ilustrações-tomam-tanta-importância-como-o-texto,-no-apelo-ao-sentido-da-vista-(represe
ortogonais-e-perspectiva-na-mesma-representação)
Iacomo)Barozzi)da)Vignola)(1507:1573))F-250-edições-do-conjun
da-arquitectura-antiga,-mas-a-sua-interpretação.-Canone-com-a-
modo-de-calculo,-do-geral-para-o-particular.-Abordagem-pragmá
Nicolau)de)Cusa)(1401:1464)
1510 1520 1530 1540 1550 1560 1570 1580 1590 1600 1610
Renascimento'/'Maneirismo'(1520P1600)
Ciclo'Manuelino'(1490P1530)'in'Pereira'1992 Estilo'Chão'(1580P1680)
lição#dos#moços#fidalgos aula#da#esfera
Primeira'edição'
Segunda'edição'de'
traduzida'em'língua'
Cosimo'Bartoli,'em'
florentina,'de'
italiano,'com'
Giorgio'Vasari,'
ilustrações'(1565)
Florença'1550
Francisco%de%Holanda%(151771584)
Da#Fábrica#que#
Falece#à#Cidade#de#
Lisboa,'1571'
(tratado,'concepção'
militar,'em'linha'
com'Vitrúvio)
António%Rodrigues%(c.%152571590)
Tratado'de'
Arquitectura'(1576)
André%de%Resende%(150071573)%
1º'tradução'
impressa'de'Vitruvio'
para'italiano'(1521),'
depois'de'Fra'
Giocondo'(1433P
1515)
rações'tomam'tanta'importância'como'o'texto,'no'apelo'ao'sentido'da'vista'(representações'concretas'e'informativas,'recorrendo'a'projecções'
entação)
Tutte#l'opere#
publicação'parcial' livro'III,'publicação' livro'IV,'publicação' publicação'parcial'
d'architettura#et#
(1517) parcial'(1537) parcial'(1540) (1575)
prospettiva#(1619),'
Iacomo%Barozzi%da%Vignola%(150771573)%P'250'edições'do'conjunto'de'directivas'para'uma'construção'correcta,'em'imagens.'As'regras'compiladas'já'não'aborda'o'estudo'
da'arquitectura'antiga,'mas'a'sua'interpretação.'Canone'com'a'teoria'das'proporções'visando'a'aplicabilidade'prática'(préPbarroco).'Aplicação'do'cálculo,'invertendo'o'
modo'de'calculo,'do'geral'para'o'particular.'Abordagem'pragmática'que'introduz'o'módulo'como'medida'absoluta
Regola#delli#cinqui#
ordini#d'architettura#
(1562),'Roma
Daniele%Barbaro%(1513?%151471570)'P'nobre'intelectual,'escreveu'um'tratado'de'perspectiva'e'foi'um'mecenas'de'Palladio'(villa'Barbaro'em'Maser'(c.'
1560P70),'experiencias'na'câmara'escura),'Paolo'Veronese'(serliana…)
tradução'impressa'
de'Vitruvio'para'
encontro'com'
italiano'(1556),'
Bartolomeu'dos'
Veneza.'Com'
Mártires
desenhos'de'
Palladio
Andrea%Palladio%(150871580)'P'ilustrações'rigorosas,'planta,'corte'e'alçado.'Projecções'ortogonais.'Ilustra'o'tratado'com'projectos'pessoais.'O'valor'do'exemplo,'funda'as'
normas'válidas'para'tratados'posteriores
I#quattro#libri#
dell'architettura#
(1570),'Veneza
Vincenzo%Scamozzi%(154871616)%P'projecto,'instancia'mediadora,'ideia'conceito'mental.'Noção'do'cosmos'criado'por'Deus'e'ordenado''segundo'leis'matemáticas'e'
geométricas
L'idea#della#
architettura#
universale#(1615),'
Veneza
253
Tipos de Conhecimento
Conhecimento paradigmático Conhecimento narrativo
Conceitos Enredo das histórias
Quantificável Evocativo de emoções várias
Racional Experiência analógica
Diferentes tipos de narrativa
Análise de narrativas Análise narrativa
Recolha de histórias Descrição de acontecimentos
Reconfiguração de eventos pelo enredo;
Extracção de temas; taxonomia;
história (s) (ex: histórica, caso de estudo,
personagens; cenários
biográfica, …)
Movimento das histórias para os elementos
Movimento dos elementos para as histórias
comuns
Procedimentos empregues nos dois tipos de pesquisa narrativa
Usa histórias Usa o enredo narrativo
O resultado da análise é uma história (ex:
Usa análise paradigmática da informação
relato histórico, uma história de um
(sincrónica – sem a dimensão histórica, ou
episódio de vida). O objectivo do
diacrónica – contendo informação da
pesquisador é configurar os elementos
sequência – principio, meio e fim –
numa história e dar sentido aos contributos.
resultados, sendo diferente da mera
Implica descobrir o enredo (razão) que liga
sequência de acontecimentos, crónica ou
as partes num desenvolvimento temporal…
relato)
culminante…
É suportada em vários registos. A informação não está geralmente na forma
Documentos escritos, autobiografias, na de uma história, a informação vem de várias
oralidade, que recapitula e reconstitui a fontes (entrevistas, documentos e
experiência na forma de uma história observação)
Pode ensinar como se conta uma história –
O objectivo é produzir as histórias que
em parte, repertório cognitivo,
transparecem da pesquisa
comunicando, fazendo sentido
Processo etnográfico de recolha de Os elementos necessários são descrições
informação, O processo é empregue não diacrónicas de acontecimentos. A
apenas para descobrir e descrever as informação que é recolhida depende do
categorias que identificam ocorrências foco da pesquisa que deve ser sempre
particulares na informação, mas também balizada no tempo,… revelando a
para dar conta de relações entre categorias. idiossincrasia e a complexidade particular
Constrói uma matriz de análise Constrói uma história
É um processo de síntese do todo,
É um processo separativo do todo
retrospectivo
254
Quadro 3 - Estrutura básica para a
metodologia de pesquisa sobre a análise
narrativa. (Webster e Mertova 2007:105).
255
O ornamento de edifícios públicos profanos
O ornamento de edifícios sagrados
O restauro de obras
O delineamento
Do ornamento
A construção
Os materiais
REF.
VIII
VII
IX
VI
IV
III
X
V
II
I
Natureza natural Cap. 5 Cap. 2 Cap. 17 Cap. 10 Cap. 4 Cap. 5 Cap. 8 Cap. 3 8
Cap. 2;
Edifício-corpo Cap. 12 Cap. 17 Cap. 5 Cap. 6 Cap. 7 7
Cap. 9
Corpo-animal Cap. 5 Cap. 13 Cap. 5 3
Cap. 1;
Corpo-completo Cap. 10; Cap. 12 4
Cap. 14
Natureza naturante
Cap. 5;
Todo-partes Cap. 2 Cap. 5 Cap. 16 5
Cap. 12
Área-região Cap. 7 Cap. 4 2
Linha-arco; recta-corda; flecha Cap. 7 1
Cap. 2;
Casa-cidade Cap. 9 Cap. 5; 4
Cap. 14
Cap. 6;
Edifícios pequenos- edifícios grandes 2
Cap. 7
Portas-janelas Cap. 12 1
Arco - arco Cap. 5 Cap. 7 2
Cap. 6;
Arco-arquitrave 2
Cap. 12
Madeira-pedra Cap. 12 1
Cidade-plantação (temporário-
Cap. 10 1
permanente)
A=B (pensamento sobre igualdades) Cap. 5 1
Analogia cultural Cap. 2 1
Fórum-anfiteatro Cap. 6 1
Analogia para-científica Cap. 7 1
Casa-templo Cap. 3 1
Harmonia-música Cap. 5 1
Ilustrações
Peixe-barco Cap. 12 1
Ser vivo-máquina Cap. 8 1
Edifício-uso Cap. 7 1
Conhecimento-livro Cap. 4 1
REF. 9 1 9 1 9 6 3 6 5 4
Quadro 4 – Analogias na De re
aedificatoria.
256
A
B
Edificação (dos
Palácio (actual)
Antigos)
Similaridades conhecidas
Tem cobertura e
<vertical>
257
258
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