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Quando tudo se encaixa 1


Planejamento rigoroso, padronização de procedimentos e algumas novas
tecnologias podem garantir uma obra enxuta, rentável e sem desperdício. O
canteiro do Caesar Towers Nações Unidas, em São Paulo, prova que repensar a
maneira de construir é o caminho mais curto para obter qualidade sem estourar
os custos.

“Não é possível falar em projeto executivo ou mesmo em anteprojeto sem conhecer o


sistema construtivo da empresa. A obra deve ser o local em que um sistema de
execução é colocado em prática e não desenvolvido de forma aleatória.” A frase do
arquiteto Gianfranco Vannucchi, um dos autores do projeto arquitetônico do flat Caesar
Towers Nações Unidas, na zona sul de São Paulo, resume bem o novo estilo de
trabalhar de algumas constr utoras paulistas. Atuando há cerca de nove anos como
incorporadora e sete como construtora, a Inpar está na linha de frente dessas
empresas que, cada uma ao seu modo, estão desenvolvendo uma forma particular e
racionalizada de construir.

Pode parecer que a empresa tenha que lançar mão de técnicas mirabolantes ou
tecnologias de outro planeta para chegar lá. Nada disso. O segredo é integrar a
utilização de diferentes técnicas e materiais construtivos, obtendo um conjunto
racionalizado. Mas como? O caminho mais curto, mostra a experiência dessas
empresas, passa pela formulação e aplicação de um padrão construtivo. A Inpar forma
grupos de desenvolvimento tecnológico responsáveis por áreas diversas, como
canteiros de obras, estruturas, vedações e acabamentos, impermeabilização,
instalações prediais, projetos, segurança do trabalho e informatização.

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Texto extraído da revista Técnhe 37 – nov/dez – 1998 – p. 28-32
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Esses comitês são formados por engenheiros, arquitetos e profissionais de diferentes
níveis hierárquicos da empresa e desenvolvem novas soluções e procedimentos
padronizados para a construtora. Duas vezes por ano, é feita uma sessão de
homologação das propostas. Trata-se de algo semelhante ao trabalho de normalização
realizado pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), porém, sem as
dificuldades enfrentadas por essa entidade, em especial no que se refere ao setor da
construção civil. Homologados, os procedimentos passam a ser obrigatórios nos
canteiros da Inpar. “Na obra, quero engenheiro na frente de trabalho e não bolando ou
improvisando nada. Ninguém precisa inventar a roda duas vezes”, afirma o diretor-
técnico da Inpar, Luiz Henrique Ceotto.

Padronização de procedimentos

O resultado é visível a olho nu. As obras da Inpar possuem, em linhas gerais, a mesma
cara (veja ilustração), com algumas diferenciações próprias de cada empreendimento.
Alguns exemplos: todos os canteiros trabalham com grua para transporte de materiais,
a menos que isso não seja viável do ponto de vista técnico. Ninguém entra no
almoxarifado a não ser o almoxarife ou o ajudante. Nenhum operário pode entrar com
um saco de cimento nas costas, visto que o transporte vertical é todo feito pela grua,
que descarrega o material dentro do almoxarifado, em um pequeno cercado. Essa área
é toda aberta, protegida apenas por um alambrado telescópico, que pode ser
reaproveitado em outros canteiros. “Isso obriga o funcionário a manter tudo limpo e
organizado. Fica tudo visível”, afirma Ceotto. O transporte horizontal é inteiramente
paletizado.

Todos os procedimentos de transporte, disposições do canteiro, medidas de segurança


são padronizados e constam de cadernos específicos aprovados pelo Comitê de
Homologação da Inpar. Até a comunicação visual tem que ser a mesma em todos as
obras. “Se eu chegar a algum ponto do canteiro e um cartaz não estiver fixado no local
previsto, pode esperar que lá vem bronca”, avisa Ceotto. Cronograma em dia, custos
dentro do previsto e redução do desperdício são alguns dos benefícios trazidos por
esse trabalho.
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O flat Caesar Towers Nações Unidas é um bom exemplo de como a racionalização dos
procedimentos e o planejamento detalhado da obra podem dar certo. Erguido em um
terreno de 1.575 m2 na rua Fernando Moreira, na Chácara Santo Antônio, o edifício de
15 pavimentos, térreo com mezanino e três subsolos começou a ser construído em
outubro do ano passado e tem entrega prevista para julho de 1999. O empreendimento,
um flat para executivos, terá 146 unidades de 26 m2 e 24 unidades VIP com 39 m2.
Além dos benefícios em termos de qualidade e segurança do trabalho (veja box),
segundo cálculos da Inpar, os custos da obra são pelo menos 8% menores que num
canteiro tradicional.

As diferenças com outras obras começam logo na entrada do canteiro. Dois painéis
com reproduções de obras de arte, fruto de um convênio entre a Inpar e o Museu de
Arte Contemporânea, estão presos ao tapume de obras e chamam a atenção dos
visitantes do canteiro e até dos pedestres e motoristas que transitam por ali. Também
desperta a curiosidade o número reduzido de operários no canteiro de obras. Menos de
80 trabalhadores estão erguendo os 11.350 m2 de área construída da torre.

Eliminação das interfaces

O sistema construtivo da Inpar contribui para a redução no número de trabalhadores.


Uma das metas da construtora é tentar eliminar o máximo possível de interfaces entre
as diversas etapas construtivas. Isso quer dizer que cada etapa é cumprida de uma
vez; não são tocadas várias frentes de trabalho ao mesmo tempo. Qual é a vantagem
disso? Os custos com encanadores e eletricistas enquanto a equipe está trabalhando
na estrutur a, por exemplo, deixam de existir. “Em um modelo tradicional, esses
profissionais permaneceriam no canteiro durante quase toda a construção. No nosso
caso, tal período fica restrito a menos de oito meses”, explica Alexandre Moura,
gerente coordenador de obras da Inpar.

Para permitir que tudo se encaixe, no entanto, são necessários alguns ajustes. Para
“desvincular” as etapas de estrutura e fechamento da execução das instalações
hidráulicas, a opção pelo sistema PEX de tubos de polietileno reticulado foi
fundamental. Só depois que a estrutura está de pé e as paredes externas de
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fechamento são executadas é que começa a montagem das instalações hidráulicas. A
flexibilidade dos tubos e o número reduzido de conexões facilita o trabalho, que é feito
ponto por ponto, ou seja, da prumada até o ponto de saída d’água. Apesar da
necessidade de cortar paredes para permitir a passagem das tubulações, segundo a
equipe técnica da obra, o resultado final será compensador. Detalhe: atrás do chuveiro
de cada unidade será instalado um shaft visitável.

A parte elétrica segue o mesmo conceito. Uma prumada geral de alimentação com
barramentos blindados vai distribuir a energia para os pavimentos. Nas unidades, a
fiação ficará embutida entre o forro e a laje superior ou nas paredes de gesso
acartonado. Nada de quebra-quebra. Outro aspecto interessante em relação à parte
elétrica será o processo de medição. A recém-privatizada Eletropaulo Metropolitana,
responsável pelo fornecimento de energia na Grande São Paulo, fará a medição de
consumo na portaria do prédio por uma central de dados. Um sensor em cada unidade
vai informar o consumo de cada apartamento para a central. O sistema de medição
remota vai substituir centenas de relógios e permitir à Eletropaulo um trabalho mais
rápido e s eguro.

A eliminação das interfaces promovida pela Inpar diminui os custos fixos com
empreiteiros e facilita a fiscalização. Tal procedimento chega a ser vital para uma
construtora que terceiriza quase todos os serviços para empresas subcontratadas. “É
preciso mexer no processo construtivo para facilitar o controle”, afirma o engenheiro
Flávio Rios Vieira Lino, responsável pela obra do Caesar Towers Nações Unidas.

Gerenciamento e controle

O gerenciamento dos subcontratados é prioritário para a Inpar. Cada empreiteiro


possui uma ficha de avaliação que começa a ser preenchida logo no primeiro contato.
A construtora visita obras de outros clientes, checa se os operários são registrados e
avalia a situação geral da empresa. Em seguida, é promovida uma concorrência. Se o
empreiteiro vencê-la, é novamente avaliado e começa a passar por auditorias mensais.
Cada empresa recebe uma pontua-ção de 0 a 100. A partir do terceiro mês, é
estabelecida uma nota de corte de 60 pontos. Se não alcançar esse patamar, o
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subcontratado é dispensado. De 60 a 80, a empresa passa por ações corretivas. Se
receber mais de 80 pontos, significa que a empreiteira está atendendo às expectativas
da construtora.

Até mesmo o trabalho de execução da estrutura foi terceirizado no Caesar Towers


Nações Unidas. Foram empregadas lajes planas nervuradas com vigas somente no
perímetro externo da edificação – as peças estruturais têm 25 MPa até o segundo
pavimento e 20 MPa dali para cima. De acordo com o calculista Nelson Kazuo Sato, da
SRTC, responsável pelo projeto estrutural, a opção pela laje plana era mais viável do
ponto de vista econômico e técnico, devido ao uso de paredes de gesso acartonado.
“Além disso, as nervuras permitem economia de concreto e aliviam as cargas nas
fundações”, afirma Sato. Sapatas diretas executadas entre 0,80 cm e 0,90 cm de
profundidade compõem as fundações. “Estamos praticamente na rocha”, revela o
engenheiro Lino, da Inpar.

A execução da fachada também segue o conceito de eliminação de interfaces. Para


não prejudicar o trabalho de impermeabilização da cobertura, visto que a superfície
deve estar selada antes da instalação das paredes de gesso acartonado para evitar
problemas com a umidade, o sistema de amarração dos balancins foi modificado. O
equipamento será fixado na plat ibanda (último peitoril), projetada previamente para
suportar tal solicitação. “Desvinculando a impermeabilização da execução da fachada,
tocamos as duas frentes”, explica o engenheiro Moura, da Inpar.

Como as paredes de gesso acartonado não podem ser instaladas com os vãos das
janelas abertos, a fachada, que mistura pele de vidro com painéis de alumínio da
Alucobond, será executada em panos horizontais e não verticais. Serão fechados
“anéis” em volta dos andares, eliminando os vãos das janelas e liberando a instalação
dos painéis de gesso.

Parte do programa de gestão da qualidade da empresa, esse trabalho da Inpar deve


habilitá-la para obter a certificação ISO 9001 no final do ano que vem. De acordo com
Ceotto, a maioria dos funcionários nem sabe disso. “Nã o considero a certificação um
objetivo, mas fruto de um trabalho”, avalia o diretor-técnico. O resultado desse esforço,
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pelo menos do ponto de vista financeiro, pode não exibir resultados fantásticos por
enquanto. Com o aumento da competitividade na construção, porém, tais melhorias em
termos de qualidade e produtividade serão fundamentais. Como deixa claro o exemplo
da Inpar, cada empresa precisa trilhar um caminho próprio.

SEGURAÇA PRIORITÁRIA

Dos diversos comitês de desenvolvimento tecnológico criados pela Inpar para a padronização dos
procedimentos nos canteiros, o único que conta com a coordenação do diretor de Construção, Luiz Henrique
Ceotto, é o de segurança da obra. Não é à toa. O cumprimento das determinações da NR-18 (Norma Regu-
lamentadora no 18 do Ministério do Trabalho) é considerado prioritário pela empresa. Com 24 obras na cidade
de São Paulo, entre edificações residenciais, comerciais e flats, a Inpar ainda não conseguiu zerar o índice de
acidentes em seus canteiros, mas vem reduzindo o número de ocorrências a cada ano.

A empresa, que conta com a consultoria de José Carlos de Arruda Sampaio, da JDL Qualidade, Produtividade e
Segurança do Trabalho, possui um caderno que padroniza todos os detalhes sobre uniformes, EPIs
(Equipamentos de Proteção Individual), bandejas, balancins e entelamento de fachada, proteção de taludes,
passarelas, lajes em execução ou concretadas, escadaria, poço de elevador, shafts e vazios de laje. As
informações e especificações contidas ali devem ser seguidas à risca.

Em cada obra, a equipe técnica elabora um projeto de canteiro com base nos quesitos da NR-18 e nas
necessidades de estoque, entrada e saída de materiais e áreas de vivência. “Primeiro montamos a fábrica para
depois executar a obra”, explica Alexandre Moura, gerente-coordenador de obras da Inpar, destacando que
acaba direcionando as frentes de serviço para atender aos itens da norma. O PCMAT (Programa de Condições
e Meio Ambiente do Trabalho), um dos itens mais importantes da NR-18, é levado a sério e nele são levantadas
todas as áreas de risco e as medidas e proteções para prevenir acidentes.

Para quem acredita que os custos com o cumprimento da NR-18 são exorbitantes, aí vai o recado. Na
construção do flat Caesar Towers Nações Unidas, em São Paulo, a Inpar não vai gastar mais do que 2% do
custo total da obra com segurança. Além de oferecer banheiros, vestiários, armários em número suficiente,
refeitório e área de vivência, a empresa se preocupa em mudar a mentalidade dos operários em relação à
organização e à limpeza. Cartazes são espalhados pelos canteiros lembrando ao trabalhador os cuidados que
precisam ser tomados em cada situação de trabalho. Segundo Ceotto, todos os manuais da construtora serão
transformados em filmes para ser exibidos aos operários em todas as obras da empresa.
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CHÃO DE ESTRELAS

A rede de hotéis Caesar Towers, cuja composição acionária é de 80% para a empresária Chieko Aoki e 20%
para a Funcef, o fundo de pensão dos funcionários da Caixa Econômica Federal, deve operar mais 44
empreendimentos de três, quatro e cinco estrelas até o ano 2003 no Brasil. Cerca de nove mil apartamentos
vão entrar em operação nos próximos três anos. Os investimentos nesses empreendimentos que levam a
marca Caesar Towers devem superar a marca de um bilhão de dólares e serão realizados por empresas,
fundos de pensão e investidores.

O Caesar Towers Nações Unidas, cujo empreendimento deve consumir cerca de 17 milhões de reais, faz parte
desse pacotão e vem sendo bancado pelos próprios investidores, que compraram todas as unidades
disponíveis no primeiro final de semana de comercialização do flat, incorporado pela Inpar. Voltado para
executivos que possuem negócios com as empresas sediadas na avenida Engenheiro Luiz Carlos Berrini e na
marginal do rio Pinheiros, zona sul de São Paulo, o empreendimento de quatro estrelas terá 146 unidades de
26 m2 e 24 unidades VIP com 39 m2. Deve estar pronto em julho do ano que vem.

Ficha técnica: Construção e incorporação: Inpar; administração e operação: Caesar


Towers; projeto arquitetônico: Königsberger Vannucchi Arquitetos Associados; projeto
estrutural: SRTC; projeto de instalações: Prolux; projeto de paisagismo: Benedito
Abbud; projeto de ar -condicionado: Masterplan; projeto de fundações: Portela Allarcon;
execução da estrutura: Qualy; blocos: ST; elevadores: Fujitec; concreto: Holdercim; aço
cortado e dobrado: Imperatriz; tela metálica: Gerdau; fôrmas trepantes para poço do
elevador: Pashal; shafts: Plásticos Guarulhos; escoramentos: Peri; caixilharia: YKK.

REPORTAGEM de Eric Cozza

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