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Franca
2023
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1. INTRODUÇÃO
Desde que os primeiros poços de petróleo foram descobertos pelos sauditas, logo
após a formação do reino, a região passou a receber novos olhares de várias partes do
mundo. Àquela época, o golfo era grande produtor de pérolas, e os lucros decorrentes dessa
exploração eram convertidos na manutenção de exércitos e administração dos estados,
principalmente. Anos depois, Catar e Emirados Árabes Unidos também tiveram acesso ao
ouro negro e passaram a investir não só em sua exploração, mas também na dinamização da
economia, logo após suas independências de Londres, na década de 70.
1
A respeito da moral vitoriana, informações extraídas da seguinte bibliografia: SAYLES, Sequareah. That
Awkward Moment When: An Explanation of How Britain Made the Modern Arab World Homophobic. 2015.
Monografia (Bacharelado em Estudos Internacionais) - University of Mississippi. 2015
3
Segundo Edward Said (1996), cientista político de origem palestina, "a relação entre
o Ocidente e o Oriente é uma relação de poder, de dominação, de graus variados de uma
complexa hegemonia” (p. 17). Com isso, podemos conferir que na verdade o Oriente não era
tão estranho aos olhos das elites europeias. Sendo povos majoritariamente muçulmanos, a
estrutura política e social destas nações sempre tendeu a seguir as leis corânicas, baseadas
também em uma herança judaico-cristã.
Não obstante, espera-se que o ciclo do petróleo tenha seu fim, assim como o fora
com as exportações de pérolas. Com isso, as ricas monarquias pérsicas têm empreendido em
uma diversificação econômica massiva, e um dos seus maiores focos é o futebol.
Proprietários de grandes clubes europeus e americanos, os árabes vêm marcando presença
nos eventos que mais atraem atenção mundial, onde através de união e fraternidade, pessoas
do mundo todo param para ver a bola rolar nos gramados financiados pelo ouro dos sheiks.
Para embasar este debate, o artigo estará baseado no conceito trabalhado por
Alexander Wendt em sua obra “A anarquia é o que os Estados fazem dela”, um dos pilares
para a teoria construtivista das Relações Internacionais, que tem forte ligação com o tema a
ser desenvolvido, cujo entendimento leva à compreensão de que as pretensões dos atores
envolvidos são simplesmente ter reconhecimento. Ainda que sejam geograficamente
pequenos ou pouco populosos, são geopoliticamente estratégicos, por isso têm o que
reivindicar, e essas reivindicações vêm sendo uma relação de dois lados. Legitimação, ser
reconhecido e ter seu lugar no sistema internacional é o que move as inovações
sociopolíticas dos países do Golfo.
Sendo assim, o objetivo geral deste artigo será exatamente analisar de que forma o
futebol vem se consolidando nas nações árabes do Golfo Pérsico para difundir o tal poder
brando destes países e como este esporte tem acelerado a luta pelos direitos humanos nos
mesmos, realizando um paralelo entre o passado e presente dos atores envolvidos, sob a
ótica de Wendt.
Também com o escopo de aproximar a pesquisa com seu objeto de análise, o artigo
optou por sua condução através da junção de procedimentos metodológicos quantitativos e
qualitativos, com abordagem sistemática e avaliação crítica da bibliografia e demais
5
referenciais teóricos e análise de dados estatísticos referentes à situação estudada, que serão
subdivididos em dois principais eixos temáticos: a busca por reconhecimento internacional
dos países do Golfo Pérsico além de meros exportadores de petróleo; e o papel feminino na
luta pelos direitos humanos nos países analisados.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. “Somos muito mais que poços de petróleo no meio do deserto”
2
COPA, Copa Além da. O futebol como vitrine para as ditaduras do Oriente Médio. Ludopédio, São Paulo, v.
143, n. 5, 2021.
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Também com o objetivo de impulsionar a sua influência frente aos países do Golfo e
ao mundo, o Catar, detentor do maior PIB per capita do mundo (US$139 milhões) tornou-se
o anfitrião da Copa FIFA 2022 frente a escândalos de corrupção e violação de direitos
trabalhistas, tudo sob o intuito de fazer frente aos gigantes sauditas e emiratis, já na frente de
consolidarem se como grandes financiadores do futebol. O soft power que vem sendo
apresentado a Doha dá-se principalmente por meio do esporte, com a compra de times
gigantes do futebol europeu, recrutamento de jogadores e transferência às suas terras de
torneios importantes, como ciclismo e atletismo. Além disso, o país tenta ao máximo se
aproximar dos padrões ocidentais de liberdade e igualdade, com promoção de educação,
cultura, entretenimento e liberdade de imprensa.
Sendo assim, observa-se como os últimos anos têm mostrado um avanço na paixão
árabe pelo futebol e como este exercício é bem visto pela elite pérsica. Na região, ele é “a
única instituição que pode rivalizar – ao evocar tanta paixão – com a religião, permitindo ao
esporte ser um espaço de realização, ou também influenciar sentimentos”.3 Ainda assim,
faz-se necessário entender por que o futebol está ligado à busca por reconhecimento das
nações do Golfo e por que isto é tão importante no contexto internacional.
Simples. Um país que tenha seu poder e sua influência comentados pelo mundo,
sobretudo pelo núcleo capitalista-ocidental, pode atrair muito mais do que apenas turistas. No
caso da Arábia Saudita, a busca por esse poder é justificada também pela necessidade de
manter-se à frente de seu rival ideológico e religioso, a República Islâmica do Irã, a qual há
3
RAMOS, João. Futebol no Oriente Médio a caminho da Copa em 2022. Ceiri News. São Paulo, 4 junho 2019.
1ed. Disponível em https://ceiri.news/futebol-no-oriente-medio-a-caminho-da-copa-em-2022/. Acesso em 16
dez. 2021.
4
Alexander Wendt (Mainz, 1958) é um cientista político e importante estudioso das teorias construtivistas nas
Relações Internacionais.
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muito tempo tem travado uma verdadeira guerra fria na luta pela hegemonia no Oriente
Médio e no mundo islâmico como um todo entre as duas vertentes com maior número de
seguidores. Ainda que as relações entre os dois atores tenham apresentado avanços positivos
nas últimas semanas, o objetivo saudita mantém-se o mesmo.
Já nos casos do Catar e dos EAU5, essa atual luta por identidade é também
contextualizada por estarem no meio do conflito ideológico de seus vizinhos nas ferventes
águas do Golfo Pérsico. Há nesses Estados o desejo de firmar suas existências à companhia
das demais nações, e para que isso ocorra, existem condições, imposições e expectativas que
todo o mundo faz sobre um ator que almeja status, que queira “subir na vida”, ou fugir da
periferia capitalista.
[...] O status determina quem obtém o quê, quando e em que condições. Como
percepções mantidas coletivamente, essas visões ajudam a esclarecer os direitos,
obrigações e padrões de deferência que um estado pode antecipar, bem como as
expectativas existentes em termos de comportamento em relação aos estados
dominantes ou subordinados6.
5
Emirados Árabes Unidos
6
PINTO, Vania Carvalho. Sinalização de status: Emirados Árabes Unidos e direitos das mulheres. Scielo Brasil.
2019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cint/a/DCg3nR7Yr9d8LF4qbrjNB5v/?lang=en#. Acesso em 16 dez
2021.
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Como já mencionado, por muitos anos à mulher muçulmana foram destinadas três
funções básicas e obrigatórias: filha, esposa e mãe. Bem como nas outras sociedades, todas as
inovações que chegavam do Ocidente não lhes eram permitidas, como passeios em shopping
centers, idas aos cinemas e até o consumo de músicas e produções do Oeste foram muito bem
restringidas. Conforme o relato em muitas das fontes analisadas, a presença feminina era rara
até em teatros e mesquitas, onde, na maioria das vezes, elas só poderiam entrar se
acompanhadas de um tutor do sexo masculino, podendo ser até um parente mais novo.
Todavia, como o ocorrido no próprio Ocidente, foi preciso muito sangue ser
derramado para que o panorama político mudasse os padrões misóginos das sociedades
euro-americanas como um todo8. A globalização forçou muitos países a reverem constituições
e condutas contrárias ao ético e correto para as potências dominantes, e isso tem causado
árduos conflitos, principalmente com as classes mais conservadores. E é neste cenário de
modernizações compulsórias que a mulher passa a ganhar um novo papel no mundo: de
revolucionária.
7
N., Juliana. Os direitos das mulheres no Oriente Médio. Studybay. 2018. Disponível em
https://mystudybay.com.br/blog/os-direitos-das-mulheres-no-oriente-medio/?ref=1d10f08780 852c55. Acesso
em 15 dez. 2021.
8
A luta por Direitos Humanos e, sobretudo, Direitos da Mulher e da Menina, não é uma luta endêmica, mas
usam-se as revoluções iluministas do século XVIII como marco histórico de como esta pauta ganhou força.
Estando, consequentemente, alinhada ao Ocidente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada
pela ONU em 1948, inspirada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de cunho misógino,
aprovada durante a Revolução Francesa, em 26 de agosto de 1789. Na sequência, Marie Gouze publica em 1791
o que chamou de Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, o que a teria conduzido à sua morte.
9
CARVALHO, Luan de. “As pessoas não aceitam o jogo”: confira algumas das dificuldades do futebol feminino
no mundo árabe. Torcedores.com. 11 junho 2019. 1ed. Disponível em
9
https://www.torcedores.com/noticias/2019/06/as-pessoas-nao-aceitam-o-jogo-confira-algumas
-dificuldades-do-futebol-feminino-em-paises-arabes. Acesso em 16 dez. 2021.
10
A título de exemplo, uma reportagem da revista Veja apresenta a repressão de muitos Estados árabes contra
ativistas dos Direitos Humanos, sobretudo os direitos femininos, a exemplo do Reino da Arábia Saudita.
Disponível em https://veja.abril.com.br/mundo/arabia-saudita-prende-oito-ativistas-dos-direitos-das-mulheres/.
Acesso em 16 dez 2021.
11
Emir é nome dado ao chefe de um emirado, manifestação política presente em alguns países árabes como os
EAU.
12
Abstendo-se de aprovar a Declaração Universal dos Humanos (DUDH), no âmbito da ONU em 1948, muitas
pátrias predominantemente muçulmanas assinaram em 1990 a Declaração do Cairo (ou Declaração dos Direitos
Humanos no Islã), onde rechaçavam qualquer manifestação de discrimiação, sobretudo, a de gênero. Em seu
sexto artigo, foi dedicada uma série de direitos e igualdades às quais as mulheres islâmicas possuíam, mas na
prática os abusos e submissões ainda eram fatos culturais muito fortes a serem quebrados com um simples
tratado.
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quer alterar. Ainda que não sejam os seus pontos fortes, a participação feminina nas políticas
emirati, catariana e saudita e seu engajamento na construção de um ideal mais igualitário é
uma das maiores ambições desses governos na atualidade.
Neste contexto, a federação saudita de futebol anunciou em 2021 que formaria uma
seleção da modalidade exclusiva para mulheres, marcando mais um avanço fundamental na
conquista de direitos civis por este grupo. “A criação do campeonato é, de acordo com a
federação, “um momento importante” e faz parte de um programa de apoio ao futebol
feminino, num período em que o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman pretende mostrar
maior abertura do país”.13
Vê-se, então, que é possível analisar como a modernização social árabe vem sendo
turbinada pelo esporte, algo muito mais intenso que se enraizou nas famílias, ao ponto de
permitir uma verdadeira revolução em códigos sociais-religiosos que foram o cerne da
sociedade por séculos. Claramente, a luta não para por aí, mas é notável como a autonomia e
liberdade feminina vem impondo o seu lugar no mundo árabe.
3. CONCLUSÃO
Segundo as pesquisas realizadas pela página Our World in Data, a evolução dos
debates sobre direitos humanos e consequentemente os progressos observados nessa área
13
Mulheres da Arábia Saudita vão ter um campeonato de futebol. Público: Comunicação Social. Lisboa, 13
novembro 2021. Disponível em
https://www.publico.pt/2021/11/13/desporto/noticia/mulheres-arabia-saudita-vao-campeonato -futebol-1984856.
Acesso em 17 dez. 2021.
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por vários países do Oriente Médio são distintos. Em uma escala que varia de -4 a 4,
sendo o menor número correspondente ao país com as menores taxas de respeito aos
direitos humanos, o Reino da Arábia Saudita apresentou, em 2007, uma taxa de -0,68, ao
passo que em 2017, ou seja, sob o passar de 10 anos, seu desempenho foi de -1. Os
Emirados Árabes Unidos seguiram o mesmo avanço (ou retrocesso) que os vizinhos
sauditas, respectivamente nos mesmos anos 1,16 e 0,21. Por sua vez, o Estado do Catar
saltou da marca de 1,58 para 1,67 uma década depois.
Esses dados nos mostram claramente que, à medida onde estes Estados buscam
uma melhor configuração na organização política internacional por meio de maior
participação feminina nas decisões nacionais e também com seu acesso ao lazer, outros
direitos de inúmeros outros grupos continuaram a ser desrespeitados, como é o caso de
imigrantes, homossexuais ou minorias religiosas.
Pudemos concluir neste artigo então que o chamado soft power árabe tem marcado
presença nos mais marcantes cenários das sociedades arábicas às margens do Golfo
Pérsico. Esta compra e venda de direitos básicos à natureza humana garantem uma
abertura “lenta, gradual e segura”14 que aos poucos vai se aproximando dos padrões
impostos pelos “democratas liberais” do Ocidente e proporciona maior conforto e
liberdade às minorias sócio-políticas das ditaduras ou “semidemocracias” do Oriente.
Como consequência, o direito ao lazer tem estado em pauta nos grandes salões de
decisões políticas por todo o globo e está frente caracteriza uma medida criativa de
preponderância regional e acirramento das disputas e da forte concorrência entre as
nações-irmãs de origem árabe. Destarte, esses gigantes do petróleo não intencionam
apenas ter os nomes de suas grandes empresas aeronáuticas ou hoteleiras estampadas nas
camisas dos times internacionais mais bem destacados, mas trazer à sua realidade, um
pouco da diversão e entretenimento que essas pessoas desfrutam.
A sociedade árabe está mudando, ao seu tempo, tendo a figura da mulher árabe
como protagonista nesta verdadeira revolução, da mesma forma que a ocidental também
está mudando, ainda que em um ritmo diferenciado, mas tudo e todos nos seus tempos.
Logo a Política e as Relaçoes Internacionais também estão se adaptando aos novos
integrantes, com o Direito Constitucional também se encaixando às exigências.
14
Alegoria ao slogan utilizado pelo presidente do Brasil, Ernesto Geisel, em 1974, sob contexto de ditadura
militar no país. O uso no texto tem objetivo de mostrar como as monarquias autocráticas do Golfo Pérsico têm
avançado na consolidação de direitos humanos (a alguns grupos específicos) e como isso pode conduzi-los a
uma maior democratização política e social ao longo dos anos, um processo que também é feito de forma lenta,
gradual e que deve ser realizado de forma segura, a fim de englobar todos os setores da sociedade que tenham
direitos ameaçados.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO, Luan de. “As pessoas não aceitam o jogo”: confira algumas das dificuldades do
futebol feminino no mundo árabe. Torcedores.com. 11 junho 2019. 1ed. Disponível em
https://www.torcedores.com/noticias/2019/06/as-pessoas-nao-aceitam-o-jogo-confira-algumas
-dificuldades-do-futebol-feminino-em-paises-arabes. Acesso em 16 dez. 2021.
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2021.
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do que os vizinhos árabes. GZH: Viagem. Porto Alegre, 13 julho 2018. 1ed. Disponível em
https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/viagem/noticia/2018/07/pais-da-proxima-cop
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13
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