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Gostaria de compartilhar esse subcapítulo de um livro que estou lendo com vocês

porque como historiador passei 4 anos na faculdade e 4 anos sendo professor de ensino
médio e fundamental e já vi e li diversas expicações sobre a importância de se estudar
História, entretanto a melhor explicação que recebi até hoje está contida nesse texto.
Espero que ao ler o texto vocês tenha a curiosidade em se estudar história aguçada.
Abraços - Gigante No Mic.

UMA BREVE HISTÓRIA DOS GRAMADOS


(Texto retirado do livro Homo Deus. (pg. 66/72) Autor: Yuval Noah Harari)

Se a história não segue regras estáveis, e se não somos capazes de predizer seu
curso futuro, por que estudá-la? Parece, frequentemente, que o principal objetivo da
ciência é predizer o futuro - espera-se que os meteorologista prevejam se o tempo
amanhã será de chuva ou de sol; os economistas deveriam saber se a desvalorização da
moeda evitará ou precipitará uma crise econômica; bons médicos deveriam antecipar se
a quimioterapia ou a radioterapia terão mais sucesso na cura do câncer de pulmão. Da
mesma forma, pede-se a historiadores que examinem as ações de nossos antepassados
para que possamos repetis suas decisões sensatas e evitar seus erros. Mas quase nunca
as coisas funcionam assim simplesmente porque o presente é muito diferente do
passado. É perda de tempo estudar as táticas de Aníbal na Segunda Guerra Púnica para
aplicá-las na Terceira Guerra Mundial. O que funcionou bem nas batalhas de cavalaria
não será necessariamente muito útil na guerra cibernética.
Entretanto, ciência não diz respeito só à previsão do futuro. Estudiosos em todos
campos buscam ampliar nossos horizontes e com isso abrem à nossa frente um futuro
novo e desconhecido. Isso é especialmente verdadeiro no que diz respeito à história.
Embora historiadores ocasionalmente arrisquem fazer profecias (sem muito sucesso), o
estudo da história visa acima de tudo nos tornar cientes de possibilidades que talvez não
levássemos em consideração. Historiadores estudam o passado não para poder
repeti-lo, e sim para poder se libertar dele.
Cada um de nós e todos nós nascemos numa determinada realidade histórica,
governada por normas e valores específicos e conduzida por um sistema econômico e
político ímpar. Vemos essa realidade como fato consumado e achamos natural,
inevitável e imutável. Esquecemos que nosso mundo foi criado numa cadeia de ventos
acidental e que a história configurou não apenas a tecnologia, a política e a sociedade,
mas também nossos pensamentos, temores e sonhos. A mão fria do passado emerge do
túmulo de nossos ancestrais, nos agarra pelo pescoço e nos força a olhar na direção de
um único futuro. Sentimos essa construção desde o momento em que nascemos, e
assim presumimos, que ela é parte natural e inescapável do que somos. Portanto,
raramente tentamos nos livrar dela para antever futuros alternativos.
O estudo da história tem o objetivo de nos livrar dessa submissão ao passado.
Ele nos permite voltar a cabeça para mais de uma direção e começar a perceber
possibilidades inimagináveis para nossos antepassados. Ao observar a cadeia acidental
de eventos que nos trouxe até aqui, nos damos conta de como nossos pensamentos e
sonhos ganharam forma - e podemos começar a pensar e sonhar de modo diferente. O
estudo da história não dirá qual deve ser nossa escolha, mas ao menos nos dará mais
opções.
Movimentos que buscar o mundo frequentemente começam com a reescrita da
história, permitindo reimaginar o futuro. Se você quer que trabalhadores façam uma
greve geral, que as mulheres assumam que são donas do próprio corpo ou que minorias
oprimidas exijam direitos políticos - o primeiro passa é recontar sua história. A nova
história vai explicar que "nossa situação atual não é nem natural nem eterna. As coisas
uma vez já foram diferentes. O mundo injusto que conhecemos hoje foi criado apenas
por uma série de eventos ocasionais. Se agirmos com sabedoria, poderemos mudar este
mundo e criar um muito melhor". É por isso que marxistas recontam a história do
capitalismo, que feministas estudam a formação das sociedades patriarcais e que
afro-americanos rememoram os horrores do tráfico negreiro. O objetivo não é
perpetuar o passado, e sim libertar-se dele.
O que é verdadeiro para as grandes revoluções sociais é igualmente verdadeiro
para o micronível da vida cotidiana. Um jovem casal que constrói para si uma casa nova
talvez peça ao arquiteto um lindo gramado no jardim da frente. Por que um gramado?
"Porque gramados são bonitos", é a possível resposta. Mas por que eles acham isso?
Porque existe uma história por trás desse desejo.
Os caçadores-coletores da Idade da Pedra não plantavam gramados na entrada
de suas cavernas. Nenhuma pradaria verde dava boas-vindas a quem visitava a Acrópole
de Atenas, o Capitólio em Roma, o templo Judaico em Jerusalém, ou a cidade Proibida
em Beijing. A ideia de criar um gramado na entrada da residências privadas e edificações
públicas nasceu nos castelos aristocratas franceses e ingleses no final da Idade Média.
No início da era moderna, esse costume enraizou-se e tornou-se uma marca registrada
da nobreza.
Gramados bem cuidados exigiam terra e muito trabalho, particularmente antes
de haver cortadores de grama e irrigadores de água automáticos. E, em troca, não
produziam nada que tivesse valor material. Nem mesmo podiam servir de pasto porque
os animais comeriam e esmagariam a grama. Camponeses pobres não poderiam se
permitir desperdiçar em gramados um terreno precioso, tampouco seu tempo.
Portanto, a despojada relva na entrada dos castelos representava um sinal de status
inconfundível. Ela proclama ostensivamente a todo passante: "Sou tão rico e poderoso,
tenho tantos acres e servos que posso me permitir essa extravagância verde". Quanto
maior e mais bem-arranjado o gramado, mais poderosa a dinastia. Quem fosse visitar
um duque e visse que seu gramado estava em mau estado saberia que se tratava de um
nobre em dificuldades.
O precioso gramado era muitas vezes o cenário para importantes comemorações
e eventos sociais, e em todas as outras ocasiões o acesso a ele era rigorosamente
proibido. Até hoje, em inúmeros palácios, prédios governamentais e lugares públicos,
um aviso severo anuncia: "É proibido pisar na grama". Em Oxford, onde estudei, o pátio
era todos formado por um grande e atraente gramado, sobre o qual só era permitido
caminhar ou sentar num único dia do ano. Em qualquer outro dia, ai do pobre estudante
cujo pé profanasse a santa relva.
Palácios reais e castelos ducais fizeram do gramado um símbolo de autoridade.
No final da era moderna, quando reis eram derrubados e duques guilhotinados, os
novos presidentes e primeiros-ministros conservaram os gramados. Parlamentos, cortes
supremas, residências presidenciais e outros edifícios públicos cada vez mais
proclamavam seu poder em uma fileira após a outra de bem cuidados canteiros verdes.
Simultaneamente, os gramados conquistaram o mundo dos esportes. durante milhares
de anos os humanos praticaram jogos em quase todo tipo de terreno imaginável, do
gelo ao deserto. Mas, nos últimos dois séculos, os jogos realmente importantes - como
futebol e no tênis - são disputados em gramados. Contanto, é claro, que se tenha
dinheiro. Nas favelas do Rio de Janeiro, a futura geração do futebol brasileiro chuta
arremedos de bolas na areia e na sujeira. Contudo, em bairros abastados, filhos de gente
rica se divertem em gramados meticulosamente tratados.
Foi assim que os humanos estabeleceram uma identificação entre gramados e
poder políticos, status social e riqueza econômica. Não é de admirar que no século XIX a
burguesia em ascensão tenha adotado o gramado entusiasticamente. No início, somente
banqueiros, advogados e industriais podiam permitir tais luxos em suas residências.
Mas, quando a Revolução Industrial aumentou a presença da classe média e fez
surgirem o cortador de grama e os aspersor automático de água, milhões de famílias
puderam permitir-se ter um relvado em casa. Nos subúrbios americanos, gramados
limpos e bem cuidados deixaram de ser luxo de gente rica e passaram a ser vistos como
uma necessidade da classe média.
Foi então que um novo rito foi acrescentado à liturgia suburbana. Após os
serviços da manhã de domingo na igreja, muita gente, com devoção, vai aparar seus
gramados. Caminhando pelas ruas, você rapidamente verifica qual a riqueza e a situação
de cada família pelo tamanho e pela qualidade de seu gramado. Não há sinal mais claro
de que algo vai mal com os Jones do que um gramado negligenciado no jardim da
frente. A grama é atualmente, depois do milho e do trigo, o cultivo mais disseminado
nos Estados Unidos, e a indústria dos gramados (plantas, esterco, cortadores de grama,
aspersores, jardineiros) fatura bilhões de dólares a cada ano.
O gramado não é uma mania restrita a europeus e americanos. Até mesmo
pessoas que nunca vistaram o vale do Loire podem ver presidentes dos Estados Unidos
fazendo discursos no gramado da Casa Branca, jogos de futebol importantes sendo
disputados em estádios verdes, e Homer e Bart Simpson discutindo de quem é a vez de
cortar a grama. Pessoas no mundo todo associam gramados com poder, dinheiro e
prestígio. Por essa razão, o gramado se espalhou em todas as direções e está pronto
para conquistar o coração do mundo muçulmano. O recém-construído Museu de Arte
Islâmica no Qatar é ladeado por magníficos gramados cuja origem remonta muito mais à
Versalhes de Luís XIV do que à Bagda de Harun al-Rashid. Foram projetados e
construídos por uma companhia americana, e seus mais de 100 mil metros quadrados
de grama - no meio do deserto da Árabia - exigem uma quantidade imensa de água
fresca todos os dias para continuarem verdes. Nos subúrbios de Doha e de Dubai,
famílias de classe média orgulham-se de seus gramados. Não fossem as túnicas brancas
e os hijabs pretos, poderíamos facilmente pensar que estamos no Meio-Oeste
americano e não no Oriente Médio.
Depois de ler essa breve história dos gramados, quando você planejar a casa do
seus sonhos, pense duas vezes antes de escolher ter um gramado em seu jardim. Claro
que você ainda é livre para fazê-lo. Mas também é livre para espantar a carga cultural
que lhe foi legada por duques europeus, magnatas capitalistas e os Simpsons - e
imaginar um jardim de pedras japonês, ou alguma criação completamente nova. Este é o
melhor motivo para estudar história: não para poder predizer o futuro, e sim para se
libertar do passado e imaginar destinos alternativos. É óbvio que não seria uma
liberdade total - não há como evitar sermos moldados pelo passado -, mas alguma
liberdade é melhor do que nenhuma.

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