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Darraðarljóð (A canção das lanças) é um poema éddico anônimo, integrante da saga de Njál (datado

do século XI), mas se refere a um acontecimento histórico, a batalha de Clontarf (travada em 1014,
próxima a Dublin, Irlanda, entre tropas irlandesas e escandinavas). O poema foi composto na
métrica éddica fornyrðislag pouco depois da batalha, ainda sob a influência das suas impressões
diretas. É possível que o escaldo tenha sido associado aos condes das Órcades. Para alguns, o
poema originalmente se refere a outra batalha irlandesa. De acordo com o texto prosaico que
acompanha o poema, doze viajantes avistaram 12 nornas, mas apenas seis foram nomeadas, tecendo
o destino os guerreiros na batalha, em um tear composto de entranhas, caveiras, lanças e espadas. O
escritor da saga equivocou-se com o título do poema, criando um personagem que é citado no
prólogo em prosa (Dörruð), mas Darraðar é o genitivo de darrað (um heiti para lança) e não um
suposto nome próprio. Para outros, Dörruðr refere-se a um epíteto para Odin, o deus da lança,
diretamente relacionado às atividades das valquírias. O termo geirfljóða (estrofe 10), moças da
lança, reflete esse aspecto diretamente relacionado com o simbolismo da principal arma do deus
Odin, Gungnir. Além de instrumento ofensivo nas lutas, a lança é utilizada pelas guerreiras deste
poema como instrumento para tecer um pano feito com partes de pessoas mortas – ligada
essencialmente a uma concepção de destino e de morte bélica. É com esta arma que as valquírias
tecem o porvir dos eleitos, ao mesmo tempo que protegem os reis e heróis em situação de perigo.
Enquanto alguns mitólogos percebem uma influência do cristianismo e da poesia anglo-saxã na
composição do poema, como Holtsmark, outros são unânimes em reforçar uma objetiva conexão
com a tradição de deusas da morte dos irlandeses, como Morrigan. De uma perspectiva mais ampla,
o pesquisador Matthias Egeler comparou a figura dos demônios irlandeses Bodb com as valquírias,
os vultures celtiberos, o etrusco Vanth, demônios romanos e as sirenes gregas, concluindo que a
antiga demonologia europeia possuía padrões muito familiares, indicando conexões históricas,
culturais ou geográficas entre os mundos nórdico, céltico e mediterrâneo, ou, ainda, que todas essas
regiões tiveram uma raiz histórica em comum, no quesito da imagem literária dos demônios das
batalhas.

A canção das lanças, tradução de Yuri Fabri Venâncio:


[1.] Ao longe é lançada como aviso
sobre os caídos em batalha,
a nuvem de cordames do tear;
chove sangue;
das lanças surge
agora o tecido cinza;
tecido de guerreiros
que as amigas entrelaçam
com tramas vermelhas,
amigas do assassino de Randvér.
[2.] Tecido feito
de entranhas
e retesado
por crânios de homens;
lanças ensanguentadas
como varas do tear,
hastes guarnecidas com ferro,
e flechas passadas como lançadeiras,
com espadas golpeamos
esse tecido da vitória.
[3.] Com espadas desembainhadas
vão tecendo Hildr,
Hjörthrimul,
Sanngrithr e Svipul;
lanças irão se partir,
escudos irão se romper,
o Cachoro Encouraçado irá
bustos abocanhar.
[4.] Tecemos e tecemos
a trama das lanças,
que outrora
o jovem rei possuía;
Avante e avante
lancemo-nos dentre guerreiros,
onde nossos amigos
pancadas dividem.
[5.] Tecemos e tecemos
a trama das lanças,
e doravante
o soberano seguimos;
Lá vêm
Gunnr e Göndul,
os escudos ensanguentados
que protegem o rei.
[6.] Tecemos e tecemos
a trama das lanças,
onde homens em prontidão
avançam os estandartes;
não deixemos
o soberano perecer;
as valkyrias escolhem
os caídos em campo de batalha.
[7.] Esses homens,
que dantes distantes
cabos habitavam,
irão terras dominar,
eu canto ao poderoso rei
a morte certa;
perfurado por lanças
já sucumbe o jarl.
[8.] E os irlandeses irão
sofrer de desgosto,
já que jamais será
esquecido pelos homens;
agora a trama está tecida,
e o campo de batalha, vermelho;
por todas as terras chegarão
terríveis notícias sobre os derrotados.
[9.] Agora é assustador
olhar para os lados;
nuvens ensanguentadas
movimentam-se no céu;
e o ar vai se pintando
com o sangue dos vencidos
durante a cantoria
das mulheres agressoras
[10.] Bem recitamos
muitas canções de vitória
sobre o jovem rei;
cantemos à sorte dele!
E aquele que escuta
a canção das mulheres de lanças
há de aprendê-la
para aos homens narrar.
[11.] Em disparada
cavalgamos deste lugar
montadas em pelo
e com espadas em mãos.

Langer, Johnni. Dicionário de mitologia nórdica . Hedra. Edição do Kindle.

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