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A pesquisa qualitativa

Enfoques epistemológicos e metodológicos

Jean Poupart
Jean-Pierre Deslauriers
Lionel-H. Groulx
Anne Laperriere
R?bert Mayer
Alva ro Pires

Tradução de Ana Cristina Arantes Nasser

• EDITORA
Y VOZES
Petrópolis
COLEÇÃO SOCIOLOGIA
Coordenador: Brasílio Sallum jr. - Universidade de São Paulo

Comissão editorial:
Gabriel Cohn - Universidade de São Paulo
Irlys Barreira - Universidade Federal do Ceará
JOSé Ricardo Ramalho - Universidade Federal do Rio de Janeiro
Marcelo Ridenti - Universidade Estadual de Campinas
Otávio Dulci - Universidade Federal de Minas Gerais

- A educação moral - Comportamento em lugares públicos - Notas


Émile Durkheim sobre a organização social dos
- A Pesquisa Qualitativa - Enfoques ajuntamentos
epistemológicos e metodológicos Erving Goffman
VV.AA - A estrutura da ação social- Vols. I e II
- Sociologia ambiental Talcott Parsons
John Hanningan - Ritual de interação - Ensaios sobre o
- O poder em movimento - Movimentos sociais e comportamento face a face
confronto político Erving Goffman
Sidney Tarrow - A negociação da intimidade
- Quatro tradições sociológicas Viviana A. Zelizer
Randall Collins - Sobre fenomenologia e relações sociais
- Introdução à Teoria dos Sistemas Alfred Schutz
Niklas Luhmann - Os quadros da experiência social- Uma
- Sociologia clássica - Marx, Durkheim, Weber perspectiva de .análise
Carlos Eduardo SeU Erving Goffman
- O senso prático
Pierre Bourdieu

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos


e metodológicos / tradução de Ana Cristina
Nasser. 3. ed. - Petrópolis, RJ : Vozes, 2012. -
(Coleção Sociologia)
Título original: La recherche qualitative
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-85-326-3681-2
1. Ciências sociais - Pesquisa - Metodologia
2. Pesquisa qualitativa I. Série.

08-03166 CDD-300.72

Índices para catálogo sistemático:


1. Pesquisa qualitativa: Metodologia:
Ciências sociais 300.72
A entrevista de tipo qualitativo: considerações
epistemológicas. teóricas e metodológicas*
Jean Poupart

" o que é considerado como um dos primeiros manuais de metodologia associa-


: aos trabalhos da Escola de Chicago, Palmer (1928) defende que a possibili-
e de interrogar os atores e utilizá-los enquanto recurso para a compreensão das
lidades sociais constitui uma das grandes vantagens das ciências sociais sobre
:iências da natureza, as quais se interessam por objetos desprovidos de palavra.
- rdando a questão da relação entre conhecimento leigo e conhecimento cientí-
. Bourdieu, Chamboredon e Passeron (1968: 56) defendem o contrário - e isto
.: peito de todas as controvérsias que uma tal afirmação possa levantar -, que
talvez, a maldição das ciências do homem, a de ter relação com um objeto que
-- pois, então, o risco é grande de ver a ciência confundir as interpretações que os
res dão da realidade com a realidade tal e quaL
Esses comentários sobre a entrevista e sobre o estatuto do material coletado
strarn bem toda a ambiguidade ligada ao uso de um dos instrumentos de pes-
a tido como um dos mais frequentemente empregados nas ciências sociais.
__ um lado, as entrevistas constituem uma porta de acesso às realidades sociais,
stando na capacidade de entrar em relação com as outras. Do outro, essas rea-
- des sociais não se deixam facilmente apreender, sendo transmitidas através
[ogo e das questões das interações sociais que a relação de entrevista neces-
lamente implica, assim como do jogo complexo das múltiplas interpretações
uzidas pelos discursos.
Longe de esgotar o conjunto das reflexões concernentes ao uso das entrevistas,
artigo tratará de três temas relativamente ao estatuto da entrevista, temas estes
- sem relação com os aspectos acima mencionados. Primeiramente, examinarei
_ argumentos de ordem epistemológica e ético-política, alegados, comumente,
justificar o recurso à entrevista de tipo qualitativo,já que, para além das ques-
de método, o emprego deste instrumento acarreta diferentes concepções da

- taria de agradecer a meus colaboradores de pesquisa Denis Béliveau, Mylene jaccoud e Míchele
de, e também a Jocelyne Dorion, revisora, por sua ajuda na revisão final deste texto.

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ciência e da pesquisa; para depois, então, deter-me nos argumentos de ordem 1Lt-
todologica. Abordarei de passagem algumas controvérsias suscitadas por esses -
gumentos. Num segundo momento exporei um certo número de princípios
são, em geral, tidos como adquiridos e correntemente associados à "arte" de f -
os outros falarem e de realizar uma entrevista. Aí residirá a oportunidade de abc -
dar as diversas estratégias e os diversos elementos de "encenação", aos quais ree
rem os entrevistadores, com o objetivo, dentre outros, de levar os entrevistad ~
colaborar, e a sentirem-se confiantes e à vontade na situação de entrevista. E
fim, tratarei da importância da questão dos vieses nos debates sobre as entrem
de modo a apontar como algumas tradições metodológícas e epísternológicas
taram resolvê-Ia, ou, ainda, formulá-Ia diferentemente. Esta seção permitirá abc
dar sumariamente um relativo número de dimensões fundamentais, tais com
determinação do contexto na produção do discurso, o papel da subjetividade -
pesquisador no processo de pesquisa e a influência dos processos de transcrição
produção dos relatos etnografícos.

Os argumentos de ordem epistemológica, ético-política e metodológica com


base do recurso à entrevista de tipo qualitativo

Do exame das justificativas habitualmente alegadas pelos pesquisadores


recorrer à entrevista de tipo qualitativo, três tipos de argumentos se destacam,
primeiro é de ordem epistemologica: a entrevista de tipo qualitativo seria nec -
ria, uma vez que uma exploração em profundidade da perspectiva dos atores -
ciais é considerada indispensável para uma exata apreensão e compreensão
condutas sociais. O segundo tipo de argumento é de ordem ética e política: a eu _
vista de tipo qualitativo parece necessária, porque ela abriria a possibilidade
compreender e conhecer internamente os dilemas e questões enfrentados p
atores sociais. Destacam-se, por fim, os argumentos metodológicos: a entrevista
tipo qualitativo se imporia entre as "ferramentas de informação" capazes de
cidar as realidades sociais, mas, principalmente, como instrumento privile .~
de acesso à experiência dos atores. Deve-se certamente observar que esses três .
pos de argumentos se aplicam igualmente ao conjunto dos métodos qualitati 05
abordá-los aqui me parece indispensável para compreender os múltiplos usos
se pretende fazer das entrevistas.

A análise das realidades sociais segundo a perspectiva dos atores sociais


Voltemos primeiramente ao argumento de tipo episternológico. O uso dos
todos qualitativos e da entrevista, em particular, foi e ainda hoje é tido como
meio de dar conta do ponto de vista dos atores sociais e de considerá-lo para co
preender e interpretar as suas realidades. As condutas sociais não poderiam
compreendidas, nem explicadas, fora da perspectiva dos atores sociais. A entre ....:

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seria, assim, indispensável, não somente como método para apreender a expe-
-p cia dos outros, mas, igualmente, como instrumento que permite elucidar suas
ndutas, na medida em que estas só podem ser interpretadas, considerando-se a
'pria perspectiva dos atores, ou seja, o sentido que eles mesmos conferem às
ações. Sabe-se o quanto esse argumento foi fundamental, na sociologia arneri-
, para justificar o recurso aos métodos qualitativos. Dentre os exemplos mais
_ uentemente citados, há, evidentemente, Thomas (1923), em razão da impor-
- cia que ele atribui à consideração da maneira pela qual os atores definem sua si-
ção. Deve-se também mencionar Mead (1934) e Blumer (1969) e, em sua linha-
, os interacionistas, que também insistem na necessidade de explorar o sentido
os atores dão às suas ações. Poder-se-ia, por fim, acrescentar os etnornetodolo-
,já que eles buscam, no prolongamento dos trabalhos de Garfinkel (1967),
ender as categorias do senso comum e explorar a maneira como os atores
traem sua realidade, ao longo de suas atividades cotidianas.
Essa posição episternológica encontra sua contrapartida no plano metcdológi-
Para apreender as realidades segundo o ponto de vista dos atores sociais, é pre-
_ ainda um método que o permita. É com base em tal argumento que os sociólo-
_ s da Escola de Chicago, e, em sua continuidade, os interacionistas justificam o
urso aos métodos qualitativos (POUPART, 1979-1980). Assim, conforme o su-
Park (cf. BRESLAU, 1988) e Becker e Geer (1957), misturar-se às atívida-
- cotidianas dos atores, com a ajuda da observação participante, constitui o me-
• meio de perceber suas práticas e interações, como também de ínterroga-los
te a ação. Por sua vez, Thomas preconizava analisar a correspondência priva-
autobiografias e os diários íntimos, insistindo no fato de que estes materiais
rem menos risco de ser "contaminados" pelo pesquisador - conduta esta que,
~do ele, permite assim apreender diferentes dimensões, como as atitudes e os
res. Finalmente, há uma opinião amplamente divulga da na maioria das tradi-
sociológicas, segundo a qual o recurso às entrevistas, malgrado seus limites,
. ua sendo um dos melhores meios para apreender o sentido que os atores dão
suas condutas (os comportamentos não falam por si mesmos), a maneira como
e representam o mundo e como eles vivem sua situação, com os atores sendo
_ s como aqueles em melhor posição para falar disso.
Esse primeiro tipo de justificativa está na origem de diferentes indagações e
ovérsias, que não podem ser abstraídas a partir do momento em que se julga
sário realizar entrevistas e se pergunta seriamente o que se busca e o que é
5ÍVel dizer e fazer com o material de entrevista - uma questão que se coloca,
-"entemente, mesmo para aqueles que se esquecem de propô-Ia. Um dos temas
ebate - no momento, eu deixo de lado o tema preliminar da dificuldade e da
ibilidade de reconstituir, utilizando as entrevistas, o ponto de vista ou a expe-
- ia dos atores - gira precisamente em torno da questão de saber se os pontos de
dos atores são unicamente coisas a descrever e a explicar, sem relação de cau-
, de direta com suas próprias condutas. Correntes como estas, que invocam a

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fenomenologia, têm razão em defender que as condutas sociais não são some
condicionadas pelo exterior por uma série de de terminantes sociais, e que é pre
so necessariamente interpretá-Ias à luz da perspectiva dos atores, justificando, ~
sim, o recurso aos métodos qualitativos?
Isso nos leva ao debate tradicional entre as perspectivas subjetivistas e objeti
tas nas ciências sociais; debate travado diferentemente, segundo as tradições teóz
cas, ainda que uma tendência forte, ao longo das últimas décadas, tenha sido, cera
mente, a de dizer que seria preciso unir essas perspectivas, o que impediria de cri
falsas dicotomias'. Por outro lado, é importante notar que as posições não são, -
vez, tão categóricas como se o pretende. Assim, censuraram-se, por vezes, os int
cionistas de não se interessarem senão em evidenciar a perspectiva dos atores'
quanto, na realidade, eles também insistem na importância do papel do contexto s -
cial- por exemplo, uma instituição ou os grupos de pertencimento - na construçã
do sentido e na formação das trajetórias sociais. É assim que, em suas pesquisas
pectivas sobre a carreira moral do doente mental e sobre os fumantes de maco
Goffman (1961) e Becker (1963) tentaram descrever a maneira como as experiê
cias sociais são marcadas, simultaneamente, pelas interpretações que os atores -
sobre elas e pelas coerções que o meio lhes impõe. Em contrapartida, reprovou -
Bourdieu por adotar um modelo de análise muito focado sobre os de terminantes
ciais, não levando suficientemente em conta a perspectiva dos atores, enquanto
tenta, de fato, reconciliar as abordagens objetivista e subjetivista, por meio de s
noção de habitus (cf., entre outros, BOURDIEU, 1992).
Outra controvérsia de natureza epistemológica que desperta o interesse
perspectiva dos atores: qual reconhecimento atribuir ao saber leigo, em relação
saber científico? Trata-se aí de uma questão que surgiu desde que se coletam
poimentos, pois, por meio destes, os atores fornecem seguramente interpretaçê
de sua experiência e do universo que os cerca. Além de suas próprias interpre
ções, o pesquisador se encontra, portanto, diante não de uma, mas de várias in;
pretações de uma mesma realidade, já que cada pessoa ou grupo é capaz de r

uma interpretação diferente sobre ela. Qual crédito, então, atribuir a essas difer
tes versões da realidade, e em virtude de quais critérios ou de quais princípios
versões ditas científicas, ou algumas delas, deveriam sobrepor-se às outras?
A esse respeito, ao menos três posições distintas se destacam, posições
que eu me contento em apresentar aqui, sumariamente'. Uma primeira se insc
na corrente do pós-positivismo, e a obra de Bourdieu, Chamboredon e Passer

1. Para um exemplo, entre outros, deste tipo de posição, cf, Berthelot (1990).
2. Para uma apresentação das posições epistemológicas positivista, pós-positivísta, construti -
crítica, cf. o excelente artigo de Guba e Lincoln (1994). Como Álvaro Pires me fazia observar, as
ções epístemologicas, principalmente a pós-posítivista e a construtivista, não são sempre tão ra -
mente distintas, na prática, como se as apresenta habitualmente, indo, assim, os pesquisadores, -
quentemente, de uma perspectiva à outra.

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1 métier de sociologue (1968) me parece ser uma boa expressão. Para esses auto-
_ , as interpretações que os atores sociais dão de sua própria realidade não devem
confundidas com "a realidade tal qual ela é". O fato de que os atores sejam dire-
ente implicados essas realidades não é, em si, uma garantia da exatidão de suas
erpretações. Bem ao contrário, isso pode obstaculizar os verdadeiros determi-
- tes de suas condutas. Nesse sentido, o conhecimento científico é superior às
!Xplicações originárias dos atores, pelo fato de que ainda que ele mesmo continue
do uma construção da realidade, ele é, todavia, o resultado de um esforço siste-
--tico da parte do pesquisador para romper com os pressupostos do senso co-
e com aqueles da ciência estabelecida, e também para elaborar interpreta-
que se baseiam em construções teóricas submetidas não apenas à crítica, mas
"" lmente à prova da verificação empírica. No mesmo veio, algumas interpreta-
científicas são mais plausíveis ou, em todo caso, "menos falsas" do que outras,
estarem mais em desacordo com as explicações originárias, e serem mais con-
;> tes teoricamente falando, e mais fundamentadas empirícamente'.
Contrariamente a essa posição, citemos os argumentos apresentados por al-
pós-estruturalistas, como Clough (1992). Definindo-se como feminista, ela
-;> de que as interpretações da realidade elaboradas tanto pelos atores sociais
o pelos cientistas, são relatos, histórias que apresentam versões diferentes da
::::i:!dade.Para a autora, estas histórias, que se pretendem "descrições realistas" da rea-
". e, não são, de fato, senão projeções desta realidade, sem verdadeira relação
ela. O desejo de uns e de outros de apresentar a reahd:ade. sob a lOTma de um
to realista responde a necessidades de ordem psíquica". Para Clough, as di-
eriças, em termos da credibilidade, entre a versão dada pelos cientistas sobre o
do das pessoas pesquisadas e a versão destas últimas, e entre o fato de que as
retações dos primeiros têm mais chance de se impor incontestavelmente do
as dos segundos, devem-se mais à posição social privilegiada dos cientistas
e à superioridade de seu saber.
ma terceira posição, similar ao pós-modernismo, defende que os pesquísado-
T

deveriam, em seus relatórios etnogrãficos, não só tratar as pessoas como sujei-

exemplos de crítica em relação ao ponto de vista pós-positívista, cf o artigo de Finger (1989)


=lente introdução de Dumont e Gagnon (1973), ao número da revista Recherches sociographi-
:!edicado ao vivido. Interrogando-se sobre os critérios da superioridade do conhecimento cien-
em relação ao conhecimento ordinário, e criticando as correntes sociológicas que explicam o
rora da experiência dos atores, Dumont e Gagnon insistem na importãncia de instituir uma so-
_. que seja capaz, ao mesmo tempo, de considerar e de superar o ponto de vista dos atores. Este
de vista se une à terceira posição, apresentada nos próximos parágrafos.
"':" posição provoca vivas controvérsias, particularmente no interior da corrente feminista. Cf., 50-
~ > o debate entre Clough (1993) e Smith (1993), no qual Clough critica a abordagem do stand-
::e Smith, visando reproduzir a experiência dos atores, no caso, a experiência das mulheres, privi-
seu ponto de vista. Por sua vez, Smith censura Clough de negar qualquer relação entre discur-
~ idade, e de não conceber outra realidade do que a própria realidade dos discursos.

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tos capazes de analisar sua própria situação, mas igualmente produzir análises -
"múltiplas vozes"; isto é, análises em que o ponto de vista dos diferentes atores
participam da pesquisa se encontre expresso. Em lugar de dar uma versão ú
sobre a realidade dos outros buscando se impor, as análises deveriam ser ores
do de uma construção mútua, o produto de um diálogo entre o pesquisador e
pessoas pesquisadas. As interpretações seriam, desde então, o fruto de um acor;
entre pesquisadores e participantes da pesquisa. Este ponto de vista não é m
distante daquele defendido por alguns praticantes da pesquisa-ação e por alg
feministas", os quais avaliam que é preciso visar à produção de um saber que
moniza as interpretações dos atores com as dos pesquisadores.

Denunciar os preconceitos, as práticas discriminatórias e as iniquidades

Ao argumento de ordem epistemológica, invocado para defender o recu


entrevistas de tipo qualitativo, soma-se o argumento de ordem ética e po
Como a entrevista permite uma exploração em profundidade das condições de
dos atores, ela é vista como um instrumento privilegiado para denunciar, de-
tro, os preconceitos sociais, as práticas discriminatórias ou de exclusão, e as
quidades, de que podem se tornar objeto certos grupos considerados como --
rentes", "desviantes", ou "marginais" (doentes mentais, homossexuais, de
tos, consumidores de droga, sem teto, etc.), algumas minorias étnicas, ou, .
as "vítimas" de todas as espécies, tais como as de Aids e de violência conjugal :::
dentemente, a pesquisa qualitativa está longe de ter o monopólio da crítica s
da denúncia das situações de opressão. Falar no número de pobres, ou de d -
pregados, pode também ser tão capital quanto descrever suas dificuldades co
nas. O recurso à entrevista em profundidade comportaria, contudo, a vantaz
permitir não apenas evidenciar o que essas pessoas vivenciam no cotidiano.
igualmente dar-lhes a palavra e compensar, como já o sugeria Becker, em 196:-
ausência ou sua falta de poder na sociedade.
La mísere du monde, sob a direção de Bourdieu (l993b), não constitui -
um dos inúmeros exemplos desse tipo de argumentação. Aliás, Bourdieu (L;-
em "Comprenàre", considera as entrevistas como um meio de delimitar a co -
social dos outros, aqui entendido no duplo sentido de apreender satisfatoriaraza
e de explicar a experiência de outrem. Para Bourdieu, as entrevistas pe
compreender "a miséria do mundo", não apenas a miséria dos que se batem

s. Para uma apresentação da corrente da pesquisa-ação, cf. Groulx (1997) e Mayer (1997). -
sínteses dos trabalhos feministas, cf., entre outros, Cook e Fonow (1986), Harding (198, •
son (1994).
6. Gouldner (1968) criticou intensamente esta posição de Becker, defendendo, entre outro
que o pesquisador não deve se ater à análise do ponto de vista dos underdogs, mas examinar _
mente o dos grupos em situação de poder. Essas duas perspectivas não me parecem irreconcíhz

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pobreza, mas também a miséria daqueles que, ocupando um lugar invejável no
lano social, nem por isso estão menos em uma situação desvalorizada em relação
o seu próprio grupo. Entretanto, é nas correntes críticas e feministas que mais se
encontra afirmada a ideia de que o pesquisador deve mostrar mais do que empatia
- verdadeiramente se envolver em relação às pessoas pesquisadas; em suma, aban-
::onar a posição de falsa neutralidade exigida pela ciência positiva?
Entretanto, cabe enfatizar que essa atitude empática e engajada frente às con-
ições de existência dos desfavorecidos e dos oprimidos deve-se, primeiramente, à
__ientação do pesquisador, mesmo que os métodos qualitativos sejam considera-
particularmente propícios para enfatizar a sua experiência, sobretudo pela
- odução de textos que lhe conferem verdadeiramente a palavra". Se, em princípio
menos, a maioria das pesquisas baseadas nas entrevistas de tipo qualitativo se
ibui o objetivo de dar satisfatoriamente conta da experiência e do ponto de vista
entrevistados, e, assim, demonstrar, nesse sentido, a maior empatia possível,
zumas não se propõem como missão defender a causa das pessoas interessadas,
mesmo descrever, se for esse o caso, os aspectos difíceis de sua vida. Os méto-
- qualitativos são, geralmente, utilizados corno métodos "de investigação", en-
_ outros, e não é inútil lembrar que, sob a capa da simpatia e da empatia, as pes-
_ i as, de qualquer natureza que sejam, podem servir de pretexto, conscienternen-

ou não, para o exercício de um maior controle sobre as populações pesquisadas.


=-Leproblema é bem conhecido na antropologia, na qual se denunciaram tanto os
cos de etnocentrismo do pesquisador quanto a maneira como esta disciplina
- e servir, historicamente, a objetivos colonizadores (cf., por exemplo, Vidich e
9
an, 1994 ). Poder-se-ia igualmente citar o exemplo da criminologia de inspira-
- positivista, na qual, sob a aparência de uma certa forma de humanismo, houve
_dência a adotar uma atitude, por natureza, moralizadora e corretiva em relação
- desviantes'".
Essa prenoção ou essa ausência de posicionamento, em alguns pesquisadores,
canto a uma conduta permitindo descrever e dar conta dos dilemas e das preocu-

a um exemplo de uma semelhante posição nas correntes feministas e críticas, cf. o standpoint de
- .sock (1983) e de Smith (1987,1992).
Com isto, eu quero dizer que não basta citar os entrevistados para se gabar de uma atitude empãtí-
em relação a eles, mesmo que isso seja um início.
-a antropologia, como em outras disciplinas, denunciou-se igualmente o perigo contrário: o de
ízar demais os modos de vida ou os pontos de vista autóctones (going native), o que poderia não
;;;:xnte apresentar o risco de acarretar um efeito contrário àquele buscado e desservir aos interesses
grupos, como também prejudicar a objetivação de suas condições de existência e constituir
- outra forma de paternalismo ou de colonialismo.
_.o contexto da análise dos desviantes, Matza (1969) enfatiza a dificuldade de adotar uma abor-
que, evitando cair nas imperfeições da criminologia positivista, favoreceria a empatia e perrni-
. denunciar as práticas discriminatórias em relação aos "desviantes", sem, contudo, negar as si-
ões problemáticas ligadas à própria experiência das atividades socialmente reprovadas.

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pações específicas de determinados grupos, assim como das discriminações d!
toda ordem das quais eles são vítimas, suscitam, evidentemente, diversas questões
Limito-me, aqui, a enfatizar algumas delas. Assim, além da questão abordada, mas
acima, de saber se a empatia, e mesmo o envolvimento, em relação aos grupos pe::;-
quisados, favorece, ou, ao contrário, impede a objetivação de suas condições
existência, pode-se perguntar o que acontece quando o pesquisador abraça u
opinião diferente daquela das pessoas ou de determinados grupos envolvidos
processo de pesquisa. Para resolver essa dificuldade, basta apresentar todos
pontos de vista contrários, com o objetivo de relativizar mais o ponto de vista -
cada um, incluindo o do pesquisador? Deve-se, além disso, limitar as pesquisas ~
grupos pelos quais nutre-se um mínimo de simpatia ou de empatia? A questãc
pertinente, sobretudo porque alguns avaliam que ao se pretender denunciar as-
tuações de opressão e de discriminação seria preferível tomar como objeto de es
do os grupos no poder, considerados "responsáveis" por essas situações. As cc
vicções do pesquisador influem, portanto, em suas atitudes em relação aos gru
pesquisados, o que, diga-se, reflete na maneira como são produzidos os dados.

Uma ferramenta de informação sobre as entidades sociais e um instrumento


privilegiado de exploração do vivido dos atores sociais

Além das justificativas de ordem episternológica e ético-política, dois argumer:


tos de ordem metodológica são, geralmente, alegados para legitimar a entrevista
tipo qualitativo, podendo ser invocados, simultaneamente, em uma mesma pesq:::
sa. O primeiro, válido igualmente para a entrevista estruturada, é o de que a entrevs-
ta de tipo qualitativo constituiria um meio eficaz para, apesar de toda a ambigui
da expressão, "coletar informações" sobre as estruturas e o funcionamento de
grupo, uma instituição, ou, mais globalmente, uma formação social determinada
Na falta de outras fontes de dados, tais como a análise documental e a observação-
reta, ou ainda, paralelamente a elas, o entrevistado é visto como um informar
te-chave, capaz precisamente de "informar" não só sobre as suas próprias praticas
as suas próprias maneiras de pensar, mas também - na medida em que ele é consi
rado como "representativo" de seu grupo ou de uma fração dele - sobre os dive
componentes de sua sociedade e sobre seus diferentes meios de pertencimento .. --:
ta última acepção, o informante é tido como uma testemunha privilegiada, um --
servador, de certa forma, de sua sociedade, com base em quem um outro obs
dor, o pesquisador, pode tentar ver e reconstituir a realidade".

11. Para reflexões acerca dos níveis de realidade possíveis, ou não, de apreender pelas entrevistas
contexto das histórias de vida, cf. Gagnon e jean (1975), Bertaux (1986) e Peneff (1990).
12. Para uma apresentação em língua francesa da noção de informante-chave, cf. o artigo clás .
Tremblay (1968). Para uma análise das dificuldades que a questão dos informantes propõe, cí, ';"
now (1977).

222
Presente tanto na antropologia quanto na sociologia, essa concepção positivis-
do entrevistado, considerado como um informante-chave permitindo descrever
que se passa em uma sociedade, está longe de ter unanimidade entre as diversas
dições teóricas e episternológicas. Certamente, reconhece-se, amiúde, que os
trevistados são os melhor colocados para falar sobre o que pensam, sentem, e,
em certa medida, fazem; em suma, para descrever sua experiência. Porém, não há
oncordãncia sobre o crédito a ser dado ao informante; isto é, sobre a possibilidade
- que ele possa fornecer informações confiáveis, ou informações, simplesmente,
~re o funcionamento passado ou presente de um grupo, de uma organização, ou
- uma sociedade. Segundo as perspectivas adotadas, essas informações são consi-
- adas ou como transmitidas, ou como reconstruídas, ou ainda, como oriundas
- ponto de vista dos informantes. Assim, na perspectiva positivista, os "infor-
zantes" seriam semelhantes a câmeras que permitem reconstituir a realidade pelo
amento dos ângulos de vista (confrontação dos depoimentos e das fontes); daí
etando a necessidade de tomar um certo número de precauções técnicas, tais
o a seleção judiciosa dos informantes. Em contra partida, na concepção COllS-
ztívista, os "informantes" agem como intérpretes, apresentando diferentes re-
truções parciais e parcelares da realidade (cf., por exemplo, CLIFFORD,
- 6); enquanto o pesquisador também procede à sua própria reconstrução da
eira pela qual os primeiros reconstroem a realidade. De acordo com uma ter-
~ perspectiva, finalmente, os "informantes, e, na sequência, os pesquisadores,
- vistos como novidadeiros que, dando às "informações" a aparência de um rela-
realista, criariam e moldariam a realidade, assim como no cinema e na literatu-
- perspectiva esta adotada principalmente por Clough (1992), e por ela qualifi-
de pós-estruturalista".
O segundo argumento de ordem metodológica, invocado, mais frequentemen-
:?Majustificar o recurso à entrevista de tipo qualitativo, concerne à eficácia deste
do, quando se trata de dar conta do ponto de vista dos atores. Esse argumen-
retoma, de fato, as principais vantagens associadas a essa técnica de entre-
. as quais já haviam sido apontadas desde a virada dos anos 1930, no âmbito

s: i, ainda, as posições são, certamente, mais nuançadas e mais ambíguas do que eu as apresen-
-ssím, a perspectiva positivista considera que as "informações" podem ser deturpadas pelo ponto
_ do informante, mas este limite aparece como em parte superável pelo cruzamento dos pontos
e das fontes. Para os que são constru tivistas, mesmo defendendo que a realidade não pode ser
- uma reconstrução parcial e parcelar, alguns avaliam que há, todavia, melhores reconstruções
outras, aproximando-se, assim, daquilo que eu descrevi como uma posição pós-positivista
e o estatuto ambíguo que alguns construtivistas conferem à realidade, cf., entre outros, o artigo
::: lgar e Pawluch, 1985). Enfim, voltando à posição de Clough (1992), caberia, provavelmente,
lar se ela própria não adota um estilo realista, procurando dizer como as coisas ocorrem na
e, quando ela pretende desconstruir o modo como as produções científicas apresentam uma
- realista da realidade.

223
dos trabalhos de Palmer (1928) e de Roethlisberger e Dickson (194314). Eu
contentarei, aqui, em sintetiza-los, tomando como ponto de referência a entrevisr
não dirigida, esta forma de entrevista na qual o entrevistado r, depois de ter da
uma instrução inicial, visando nortear o entrevistado sobre o tema da pesquí
confere-lhe o máximo de liberdade no que diz respeito à maneira de tratar o assuz-
to, e tenta orientar seus relances sobre as dimensões abordadas pelo interlocut
(MICHELAT, 1975; GHIGLIONE &: MATALON, 1978). Mesmo não sendo a
utilizada, a entrevista não dirigida me parece a que melhor ilustra os princípi
subjacentes às entrevistas de tipo qualitativo.
Segundo a opinião dos pesquisadores no qualitativo - opiniões compar .
das, em certa medida, pelos partidários da entrevista estruturada -, a entrevis
não dirigi da apresenta inicialmente a vantagem de se basear adequadamente
realidade do entrevistado. Gozando de um máximo de liberdade para se expr
sobre o ou os temas da pesquisa, ele é mais capaz de fazê-Io segundo suas própr;
categorias e sua própria linguagem. Esta primeira vantagem é, em geral, ales
por oposição ao questionário e à entrevista estruturada, estratégias que com
tam - e isto mesmo quando o pesquisador faz uma investigação preliminar e t
previamente seu instrumento - riscos de pré-estruturação do discurso, elev
em razão da forma predeterminada das questões e das respostas.
Contudo, tendo em conta os próprios limites da não diretivídade", o pesq '-
dor não elimina totalmente os riscos de pré-estruturação do discurso do en
vistado, ao optar pela entrevista não dirigida. No entanto, de acordo com Rog
(1945), a entrevista não dirigida reduz até um certo ponto esses riscos, na m
em que ela permite que os entrevistados falem o mais livremente possível
do-lhes a escolha dos assuntos que eles julgam pertinentes. O papel do entrevi
dor consiste simplesmente em facilitar, por suas atitudes e suas intervenções.c
vre expressão dos pontos de vista. Na concepção rogeriana da entrevista c -
transposta ao domínio da investigação sociológica - concepção retomada,
outros, por Merton e Kendall (1946) -, o entrevistado é considerado capaz d
plorar, em grande parte por si mesmo, as dimensões de sua experiência, por
to, evidentemente, ele aceite jogar o jogo, e a entrevista toque seu universo
tencial e o entrevistador saiba lhe fornecer a oportunidade para isso.

14. Neste capítulo, a literatura recente sobre as vantagens da entrevista de tipo qualitativo r
suficientemente repetitiva em relação ao que escreveram Palmer (1928), Roethlisberger e .
(1943), Rogers (1945), Merton e Kendall (1946) e Grawitz (1969). Nesta seção, eu me baseei r
palmente nestes últimos autores. Para outros exemplos de trabalhos apresentando uma arb
ção relativamente semelhante, nos anos 1970, d. Lofland (971), Schatzman e Strauss _--
Spradley (1979), além de Michelat (1975) e de Ghiglione e Matalon (1978), já citados neste
Para uma apresentação mais detalhada dos trabalhos de Palmer (1928) e de Roethlisberger e D::
(1943), cf Poupart (1993).
15. Cf. a terceira seção do presente artigo, concernente às críticas à entrevista não dirigida e _
vista padronizada.

224
A entrevista não dirigi da é também vista - e eis aí uma segunda vantagem, ge-
ente alegada - como uma forma de enriquecer o material de análise e o con-
-do da pesquisa. Isso é verdade na medida em que a flexibilidade do método -
_ e deixa o entrevistado livre para abordar os assuntos que ele julga pertinentes -
orece a emergência de dimensões novas não imaginadas, de início, pelo pesqui-
or. Aqui, ainda, a vantagem é geralmente enfatizada em relação aos limites
íerentes ao questionário ou à entrevista estruturada (ROETHUSBERGER E
_ CKSON, 1943; MICHELAT, 1975), ressaltando-se que, nestes últimos casos,
do o conteúdo do material pesquisado inteira ou parcialmente fixado de ante-
-:0, o entrevistado não tem, então, a escolha das questões abordadas, bem como o
- rio conteúdo de suas respostas já é fortemente estruturado, uma vez que estas
em necessariamente inserir-se nas categorias delimitadas de início. Somente as
tões abertas conferem uma certa liberdade de resposta ao entrevistado, mas
pre dentro dos limites impostos pelo problema. Esta estratégia pressupõe que
-; quisador já tenha delimitado senão todas as dimensões possíveis da experiên-
dos entrevistados, pelo menos as mais essenciais, mesmo na hipótese, evidente-
te, de um bom conhecimento anterior do campo". Em outras palavras, se o
tionário pode contribuir para o aparte de novos conhecimentos, estes neces-
- mente gravitam em torno das dimensões já inclusas no questionário, enquan-
- entrevista não dirigi da favorece, graças à abertura do método, o afluxo de in-
ações novas, que podem ser de terminantes para a compreensão do universo
entrevistado e do objeto pesquisado.
Terceira vantagem, a entrevista não dirigida ofereceria a possibilidade de ex-
~ r mais em profundidade as diferentes facetas da experiência do entrevistado.
o grau de liberdade dado ao entrevistado, o aprofundamento constitui, aliás,
rorme Grawitz (1969), a grande característica da entrevista de tipo qualitativo,
zem que a expressão "entrevista em profundidade" (depth interview) seja, ge-
ente, empregada como sinônimo. Certamente, nenhuma forma de entrevista
:..~apreender a totalidade de uma experiência, nem mesmo a entrevista que se
.onga par várias seções, como no caso, às vezes, das histórias de vida; contudo,
trevista não dirigida permitiria vasculhar mais a fundo a experiência do entre-
do, já que ela visa, principalmente com a ajuda das técnicas da reformulação,
a descrever detalhadamente as dimensões abordadas. Além disso, o entrevis-
gozaria habitualmente de mais tempo para se expressar. Nesse sentido, uma
entrevista se definiria como aquela em que o entrevistado fala sobre o que é
deiramente importante para ele, e em que o pesquisador obtém uma certa sa-
ção dos temas tratados .
.Ainda que menos frequentemente mencionada, uma quarta vantagem merece
pontada: a entrevista não dirigida possibilitaria uma melhor exposição da ex-

- bre os limites da pré-investígação como etapa preparatória à entrevista estruturada e como meio
remediar a falta de conhecimentos do pesquisador, cf. a crítica de Cicourel (1964: 72-104).

225
periência do entrevistado. Efetivamente, além de trazer informações concernentes
às suas características, como o sexo, a idade, o pertencimento étnico ou de classe.
de possibilitar indagar de maneira mais ou menos direta sobre sua trajetória socia...
de modo a melhor compreender e situar o seu discurso", a entrevista não dirigi
se prestaria a uma exploração em profundidade do contexto de vida e do meio
pertencimento do entrevistado, resultando em um material que permite mais ade-
quadamente circunscrever sua experiência e seu ponto de vista, bem como evid --
cia-los. Ainda graças à sua flexibilidade, o método também permitiria ao entrevis-
tado estabelecer as ligações que ele julga úteis entre os diversos elementos de
vida. Por exemplo, em uma pesquisa sobre o desemprego, ele poderia se exp .
sobre a maneira pela qual esta condição transforma, ou não, as suas relações con;
trabalho, a família e os amigos.
Enfim, as entrevistas de tipo qualitativo são vistas como mais apropriadas
pesquisa de determinados grupos ou objetos. Assim, para tomar dois exemp,
clássicos, não se vê como, armado de questionário, Becker (1963) teria podido
lizar satisfatoriamente seu estudo sobre os fumantes de maconha, e Whyte (19.!.::
por sua vez, a pesquisa Street Comer Socíety. Da mesma forma, parece difícil fazer
análise das aspirações de carreira, como no caso de minha investigação sobre 0 <:

gadores de hockey (POUPART, 1978), sem adotar uma estratégia de entrevista .


tipo retrospectivo, permitindo retraçar no tempo as várias fases de envolvim
do indivíduo em sua atividade.
Deve-se dizer, no entanto, que, apesar das vantagens que nela geralmen
reconhece, a entrevista não dirigida é alvo de algumas críticas sobre as quais r -
narei mais adiante. Além disso, não se deveria pensar que há unanimidade entre
defensores do qualitativo sobre o que é uma entrevista de tipo qualitativo e sob.
que implica a sua conduta. À parte o fato de que subsiste uma certa impre --
quanto à definição de entrevista de tipo qualitativo, e que, atrás deste rótulo,
Ia-se uma variedade de práticas, a própria noção de não diretividade e a maneira
aplicá-Ia suscitam algumas divergências. Assim, segundo o ideal rogeriano
trevistador deveria orientar o menos possível as falas do entrevistado. Co
anos de intervalo, Palmer (1928) e Bourdieu (1993a) avaliam, de sua parte,
entrevistador deve estabelecer um compromisso entre a não diretividade e
certa orientação a dar à entrevista, em função do objeto pesquisado. Ado -
uma lógica muito próxima aos métodos quantitativos, Patton (1980) e Burz
(1984) entendem, por sua vez, que uma maior não diretividade prejudica a e
ralização dos resultados, tornando mais difíceis as comparações entre as en _
tas. Este ponto de vista parece, contudo, bastante contestável, na medida eIL.
ele equivale a restringir a generalização à produção de um material padroniza

17. No contexto da não diretividade (cf., por exemplo, MERTON &: KENDALL, 1946), r
da-se coletar este gênero de informação no fim da entrevista, de modo a não envolvê-Ia numa
mica de perguntas e respostas, para não suscitar uma atitude passiva no entrevistado.

226
Também não há concordância entre os pesquisadores sobre a própria natureza
_ intervenções no contexto de uma entrevista de tipo qualitativo. A título de
plo, alguns consideram que, com um tipo particular de entrevistados, uma
ta benevolente é insuficiente para produzir um material válido, entendendo
daí não resulta senão um material estereotipado ou superficial (PENEFF,
-';.-). Segundo eles, convém, então, precipitar as coisas, fazer-se de advogado do
,como o sugerem Schatzman e Strauss (1973). Ainda que nem todos adotem
opinião, uma espécie de confrontação do entrevistado é, assim, preconizada,
de encontro às atitudes habitualmente julgadas aceitáveis, tanto no contexto
- entrevistas de tipo qualitativo (MERTON &:. KENDALL, 1946) quanto no das
vistas de tipo quantitativo". Vê-se, portanto, que por trás dessas múltiplas
s de conceber a conduta ideal de uma entrevista encontram-se concepções
erentes, seja no que se refere à boa forma de realizar as entrevistas, ou quanto às
ações a estabelecer com as pessoas entrevistadas.

cípios e estratégias subjacentes à arte de fazer falar o outro

_ ão é raro ouvir dizer que dirigir uma entrevista é uma arte. Ainda que exis-
divergências sobre o que implica essa arte, não resta dúvida de que a entrevis-
?Ouco importa sua forma, sempre foi considerada como um meio adequado
levar uma pessoa a dizer o que pensa, a descrever o que viveu ou o que viu, ou
- o de que foi testemunha. Há, certamente, uma espécie de convicção de base,
~e, idealmente, uma boa entrevista deveria permitir que o entrevistado se re-
r> satisfatoriamente, e que aquilo que ele diz seja considerado, segundo as posi-
epistemológicas dos pesquisadores, como uma história verdadeira, uma re-
strução da realidade ou uma mera encenação da mesma.
:::m torno desse objetivo fundamental de "bem fazer falar os outros", organi-
se um conjunto de princípios e de estratégias, dos quais alguns foram decodi-
cos nos manuais de metodologia e outros permaneceram, pode-se dizer, impli-
ente. Baseando-me na literatura metodologica sobre as entrevistas e em mi-
?rópria experiência de pesquisa, descreverei alguns desses princípios e algu-
essas estratégias, explicitando, porém, que minha intenção aqui não é a de
~nunciar sobre sua legitimidade. Com efeito, adotando um procedimento se-
te ao de Silverman (1973), que se interessou pelas representações, tanto
entrevístadores quanto dos entrevistados, sobre a maneira pela qual uma en-
zsta deveria se desenrolar, eu me empenharei mais em evidenciar e em des-
ir, de certa forma, um determinado número de ideias e de táticas geralmen-
ciadas a uma entrevista considerada bem-sucedida.

- -opósito da neutralidade do entrevistador, comumente desejada no âmbito das entrevistas es-


~::::rdas, cf o que dizem a respeito Blondiaux (1991), assim como Fontana e Frey (1994).

227
No contexto das entrevistas, particularmente de tipo qualitativo, um deter
nado número de princípios - que são, em geral, tidos como adquiridos, no senti -
etnornetodológico do termo - são, de fato, comumente alegados, com o objetivo
fazer com que o entrevistado possa verdadeiramente dar conta de sua visão ou
sua experiência: obter a melhor colaboração do entrevistado; colocá-lo o mais
vontade possível na situação de entrevista; ganhar sua confiança e, enfim, f~
com que ele fale espontaneamente e aceite se envolver. A aplicação desses prin
pios, que tentam, ao menos em parte, reproduzir as condições de uma relação -
familiaridade e de cumplicidade entre as pessoas, evidentemente só ocorre por
a relação de entrevista põe em contato pessoas que habitualmente não se co
cem e que nem sempre têm muitas coisas em comum. Além disso, essa rela -
pressupõe um contexto de interações com o qual a maioria dos entrevistados
pouco familiarizada, sem contar que essas interações se desenvolvem, em g
em um lapso de tempo relativamente curto.

Obter a colaboração do entrevistado

Um primeiro princípio, tido como fundamental na arte de bem fazer falar


outros, refere-se à importância de obter a colaboraçâo do entrevistado. Para q::;
entrevista seja válida, entendida no sentido de produção de um discurso que _
mais verdadeiro e o mais aprofundado possível, considera-se essencial que o e
vistado aceite verdadeiramente cooperar, jogar o jogo, não apenas consentin
entrevista, mas também dizendo o que pensa, no decorrer da mesma.
Em teoria, o referido princípio parece evidente. Na prática, contudo, obt
cooperação do entrevistado não é coisa simples. Primeiramente, como fazer
que ele aceite ser indagado e, particularmente, como vencer as múltiplas resis;
cias que ele poderia manifestar - tais como a falta de tempo e de interesse, o
mento de servir de cobaia, o temor de ver invadida a sua intimidade, de não
altura, ou de sofrer consequências negativas por causa da entrevista -, e que
riam traduzir-se numa recusa ou numa desistência? Depois, mesmo que o r·

vistado consinta na entrevista, como saber se ele quer verdadeiramente cola


Quais são, além disso, as razões que o levam a aceitar? Sabe-se que os entrevis:
podem se submeter às entrevistas por motivos que, à primeira vista, têm pou
às vezes mesmo nada a ver com o tema da pesquisa, tais como a polidez, avo
de prestar serviço, o medo de represálias, a esperança de retirar delas um ben -
qualquer (por exemplo, uma vantagem monetária ou profissional), ou ainda
sejo de fazer como os outros, ou de simplesmente passar o tempo. Essas di"
considerações capazes de motivar a aceitação de uma entrevista não invalidar; .
si o conteúdo do discurso que o entrevistado estabelecerá. Ao contrário, elas
importantes para esclarecê-lo. Por exemplo, para um detento, o fato de co

228
::uma entrevista para ocupar o tempo, ou para encontrar pessoas de fora da prisão,
~ muito sobre as condições de sua detenção".
Essa colaboração dos entrevistados, tida como necessária, requer, evidentemen-
-" várias negociações, que podem ocorrer tanto antes quanto durante a entrevis-
....:.(CUNNINGHAM-BURLEY, 1985). Certamente, a colaboração dos entrevista-
.: nunca é definitivamente adquirida, e eles podem manifestar suas reticências por
=cio de diferentes sinais de impaciência, tais como consultar seus relógios, ou per-
pntar ao entrevistador se ainda restam muitos outros pontos a abordar. Essas nego-
ções implicam também uma questão de estatuto, pois os entrevistados, como os
~evistadores, podem estar em situação de poder, uns em relação aos outros.
Para levar as pessoas solicitadas a colaborar na pesquisa, os entrevistadores re-
rrem a várias estratégias. A mais comum consiste em tentar, num primeiro mo-
- nto, convencê-Ias do interesse e da utilidade da investigação, defendendo, por
zxemplo, que esta permitirá fazer avançar os conhecimentos, fazer valer uma cau-
ou ainda, expressar os seus pontos de vista sobre o tema da pesquisa. Uma vez
_ e os interesses e os enfoques dos entrevistados e dos entrevista dores raramente
: idênticos, pode-se bem imaginar que essa estratégia nem sempre é suficiente. Os
evistadores apostam, portanto, em outros "recursos", que, sendo totalmente ex-
mores à natureza mesma da pesquisa, podem revelar-se determinantes para garan-
_ a cooperação dos entrevistados. É este o caso, sobretudo quando eles fazem inter-
a rede social e se apoiam sobre os laços de reciprocidade, tais como as considera-
de amizade, familiares ou profissionais, para o recrutamento de determinados
zzrrevistados. Na falta de tais laços de reciprocidade, alguns entrevistadores tentam
_iá-Ios, fazendo-se aceitar no meio pesquisado, ou estabelecendo relações de amiza-
- com membros da comunidade, como no caso das pesquisas clássicas de Whyte
_ 3) e de Liebow (1967). Se as condições não o permitem, como quando há so-
te um único encontro com o entrevistado, os entrevista dores tentarão estabe-
cer tais laços, durante a entrevista, através de atitudes como a escuta e a empatia.
_fim, não é raro que os entrevistadores apelem para a autoridade de um terceiro,
levar os eventuais entrevistados a participarem da entrevista, por exemplo,
iando-se em uma organização para investigar seus membros, ou tirando provei-
da credibilidade de uma pessoa, para solicitar a de uma outra.
Evidentemente, essas várias estratégias suscitam, no plano ético, um conjunto
questões, principalmente no que diz respeito às abordagens que podem ser acei-
eis para solicitar a colaboração dos entrevistados e para a existência de uma re-
_ ocidade autêntica entre os entrevistadores e os entrevistados. Por outro lado,
princípio da colaboração parece se impor para que o entrevistado possa dizer
deiramente o que pensa, ele levanta, na prática, várias indagações em termos
valor dos dados. Em primeiro lugar, como saber se o entrevistado coopera real-

- ~ta última observação se baseia em um comentário de Michele Lalonde.

229
mente? Esta colaboração é, em geral, tida como adquirida, pelo simples fato de qill
os entrevistados aceitam falar. Além disso, salvo as recusas diretas, os entrevista-
dores são nisso frequentemente reduzidos, como nas conversas comuns, a se re-
meter a alguns indícios, tais como as atitudes dos entrevistados, durante a entr -
vista; indícios estes, por outro lado, difíceis de perceber e que, em geral, perman -
cem implícitos. A seguir, qual é o grau de colaboração julgado suficiente para qce
os dados coletados sejam considerados como válidos? Se as recusas em respond
a algumas questões, ou as reticências em colaborar, da parte dos entrevistados, -
em si reveladoras", e se, além do mais, os entrevistadores esperam, geralmen '"
compensar a falta de cooperação de uns, por uma maior cooperação de outros, ;:
é menos verdade que o nível de colaboração do entrevistado não é simples de avir
ar e coloca mais globalmente a questão da relação que o pesquisador estabel
com o grupo das pessoas pesquisadas, e do efeito que isto pode ter, ainda aqui,
bre a produção dos dados.

Colocar o entrevistado à vontade por elementos de encenação

Um segundo princípio considerado indispensável à fala do entrevistado se. -


fere à convicção de que ele só chegará de fato a se expressar bem, se ele estiver v -
dadeiramente à vontade na situação de entrevista. Sendo esta uma situação
tanto artificial, considera-se que o pesquisador deve tentar reconfortar seu inter: -
cutor, partindo, ainda aqui, da ideia de que quanto mais ele ficar à vontade,
ele falará com facilidade e abordará questões que lhe são significativas.
Para chegar a isso, os entrevistadores farão intervir, de modo mais ou me
consciente, o que se poderia denominar, segundo a fórmula de Goffman (1973).
elementos de encenação da entrevista. Efetivamente, podem-se designar dessa f
ma as várias disposições tomadas pelos entrevistadores com o objetivo de ~
com que os entrevistados esqueçam tudo o que, no contexto da entrevista, p --
obstaculizar a enunciação de seus discursos, ou, melhor ainda, com a intenção -
proporcionar um ambiente favorável à confidência. Certamente, o sucesso e a
gem de manobra dos entrevistadores nessa encenação dependem das situações
das pessoas envolvidas, e em particular da reação dos entrevistados, tanto é que;
ralmente se aconselha aos entrevistadores para que façam o máximo para criar
ambiente e um contexto favoráveis à entrevista.
Entre esses vários elementos de encenação figura, primeiramente, a escolha-
momento mais propício à entrevista, de modo que o entrevistado e o entrevis '
se sintam verdadeiramente disponíveis, e o primeiro tenha tempo suficiente
se expressar. Outro elemento de representação: encontrar o lugar mais favo á
ao adequado desenvolvimento da entrevista. Sugere-se, assim, que se realize a

20. Ver Pollak (1986) sobre a importância para o pesquisador de se indagar sobre as reticências-
entrevistados em falar, ou ainda, sobre o sentido de seu silêncio sobre determinadas questões.

230
::evista na casa do entrevistado, em seu local de trabalho, ou em espaços sernipú-
= icos, para desorientá-lo o menos possível em relação aos seus hábitos de vida, e
Iocá-lo numa situação delicada, evitando, por exemplo, fazer uma entrevista
_ m uma pessoa sindicalizada, nos escritórios reservados aos patrões. Recomen-
za-se, igualmente, escolher um local calmo, em que os riscos de que elementos ex-
os venham prejudicar o andamento da entrevista sejam menores.
Da mesma forma, o entrevistador se esforçará em reduzir o efeito possivelmente
ativo dos instrumentos de registro e se contentará com que os entrevistados pos-
, na medida do possível, esquecer a sua presença. Se ele desejar utilizar o grava-
--cr ele deverá, digamos, fazê-lo com o máximo de discrição, flexibilidade e eficácia,
_sezundo um ritual que não atrapalhe demasiadamente o desenvolvimento da en-
__ . ta. Nos casos em que ele proceda tomando notas, toda uma série de habilidades
ão consideradas necessárias para fazer com que este meio de registro seja sufi-
temente confiável e perturbe o menos possível a entrevista em curso".
Mas, os elementos de encenação da entrevista não se restringem apenas às
tões concernentes ao momento, lugar e técnicas de registro. Efetivamente,
elhar-se-a os entrevistadores a também levar em conta aspectos, como o ves-
zrio. Partindo da ideia de que mesmo os detalhes mais anódinos podem criar
distância e que toda reunião social comporta suas convenções, recornen-
e-ã adotar uma indumentária "adaptada" às circunstâncias da entrevista, de
0, por exemplo, a atenuar as diferenças de posição social, sem, para tanto, che-
a camuflá-Ias.
Por fim, uma dimensão fundamental da encenação da entrevista concerne ao
se considera ser o papel que o entrevistador é obrigado a desempenhar. Mes-
sem sempre haver, como já o vimos, concordância sobre as atitudes que ele
adotar durante a entrevista, ele deveria, segundo as regras geralmente preco-
s, esforçar-se em colocar o entrevistado à vontade e encoraja-lo a falar, dan-
-- e provas, de sua parte, de um máximo de escuta, empatia e interesse pelo que
último diz. Ele também deveria evitar interromper o entrevistado, fazer julga-
'os sobre aquilo que ele lhe revela, e, evidentemente, abster-se de argumentar
ele, ou de contesta-lo. Para além dos conselhos, inúmeras vezes, repetidos, no
se refere ao papel que deveria cumprir o entrevistador, há também, como o ob-

- maioria dos manuais de metodologia (cf., por exemplo, LOFLAND, 1971) compara as vantagens
. 'as da utilização do gravador e das anotações. Eles também dão conselhos sobre a maneira de
- bem essas técnicas. Sem nos determos nessas questões, observemos, contudo, que, cada vez
recomenda-se o emprego do vídeo, que permitiria dar melhor conta da forma como as interações
..,.-,-.....,..jf,.,ic são capazes de influir na produção do discurso. Alguns se opõem ao uso do vídeo, enfati-
:> efeito que este pode ter sobre o entrevístado; efeito que poderia, certamente, variar conforme
rpamento seja familiar, ou não, ao entrevistado. É possível que a aparição do gravador tenha le-
outrora, o mesmo tipo de objeção, o que não impediu que seu uso se difundisse.

231
serva Silverman (1973), várias expectativas implícitas quanto à maneira pela q
deve se desenrolar a entrevista, e à utilização que poderá ser feita do que nela f -
dito. Assim, a maioria das pessoas entrevistadas supõe que seja o entrevistad
quem propõe as questões, e elas se limitam habitualmente a respondê-Ias. AI-
disso, elas presumem que seja o entrevistado quem inicia e finaliza a entrevista.
elas lhe delegam o cuidado de depois interpretar suas falas e de fazer bom uso d -
Ias, introduzindo desta forma, como o ressalta Silverman, uma assimetria na re
ção entre o entrevistador e o entrevistado.

Ganhar a confiança do entrevistado

De uma forma geral, considera-se que não basta convencer uma pessoa a p
cipar da pesquisa, e nem criar um contexto que lhe permita estar à vontade na --
tuação de entrevista. É ainda preciso que ela se sinta suficientemente confi
para aceitar "verdadeiramente falar", outro princípio considerado primordial pa:
o êxito da entrevista.
Aqui, ainda, os entrevista dores recorrem, com maior ou menor sucesso, a dil
rentes estratégias, visando tranquilizar os entrevistados quanto às suas boas ino
ções e quanto ao uso que será feito de suas palavras. Primeiramente, eles se ap~ -
sam - ainda que este não seja o caso em todas as pesquisas - em garantir aos en
vistados o anonimato, de modo que estes não tenham a temer pelas eventuais
sequências de seus depoimentos. Em seguida, eles tentam convencê-los de _
"neutralidade", insistindo, por exemplo, no fato de que sua pesquisa é "inde
dente", principalmente dos grupos e das organizações das quais os entrevista
poderiam depender, ou com as quais eles poderiam ter um conflito de interess
Os entrevistadores também podem ser levados a aplacar os receios de seus inter
cutores quanto à utilização que poderá ser feita de suas falas, assegurando-Ihes
estas serão apresentadas corretamente e de forma anônima. Assim como é o
nas entrevistas de tipo clínico, eles também se esforçam pela manifestação da esc
ta, da empatia e do interesse, em estabelecer, durante a entrevista, uma relação
lorosa, também ela capaz de contribuir para suscitar a confiança do entrevis -
Enfim, para favorecer o estabelecimento de uma boa relação com os entrevis
dos, os entrevistadores dobram-se às regras elementares de sociabilidade, -
como aceitar uma bebida, ou dispor de tempo para falar de uma coisa e outra.
tes que a entrevista comece. Esta última dimensão, que passa geralmente desa
cebida, requer o conhecimento implícito das convenções sociais e a capacidade
se acomodar a elas. Ela ilustra bem em que a realização de entrevistas pres5t!::-
que os entrevistadores recorram ao conjunto de suas competências sociais, CO-
objetivo de estabelecer relações com os outros.

232
Levar o entrevistado a tomar a iniciativa do relato e a se envolver

Dois outros princípios são comumente associados ao sucesso de uma entrevista.


O primeiro consiste em tentar levar o entrevistado a tomar a iniciativa do relato. Tal
_rincípio se baseia na ideia de que quanto mais o discurso é espontâneo, menos ele
podera ser maculado pelo do pesquisador, permitindo assim a aproximação ao ideal
pesquisado, o de um discurso "verdadeiro". Eu terei oportunidade de voltar mais de-
ralhadamente a esse assunto, um pouco mais adiante. Para facilitar a espontaneida-
::e, vários procedimentos suscitados pelas regras da não diretividade são preconiza-
zos: evitar interromper o entrevistado, enquanto ele fala (ROETHUSBERGER &:.
:JICKSON, 1943); respeitar os momentos de silêncio, de modo que ele possa enca-
::'earas ideias por si mesmo, se necessário"; utilizar as técnicas da reformulação com
objetivo de lhe explicitar ou esclarecer os temas abordados.
O segundo princípio visa favorecer o maior envolvimento possível do entrevis-
:ado. Segundo Michelat (1975), o discurso mais significativo é aquele no qual o
trevistado se envolve mais, ou, em outras palavras, aquele em que ele se refere o
=wis possível ao seu próprio vivido. No contexto, por exemplo, das pesquisas re-
uvas a temas como a família, o trabalho e o lazer, a entrevista será considerada
mo "melhor", e as falas do entrevistado como mais reveladoras, se ele abordar
ses temas de uma maneira mais pessoal e falar mais particularmente de sua famí-
_de seu trabalho e de seus lazeres, na condição, evidentemente, de que essas di-
zzensões façam sentido para ele. Esse princípio, baseado em Rogers e transposto da
rrevista clínica, coloca, entretanto, um certo número de dificuldades, já que ele
_uivale ou poderia equivaler a restringir exclusivamente aos discursos nos quais
indivíduos "se envolvem", aqueles discursos que são socialmente significativos.
As referidas observações sobre os princípios e as estratégias, amiúde tidas
mo essenciais à realização de entrevistas, são, sem dúvida, suficientes para ilus-
alguns paradoxos da entrevista de pesquisa: primeiramente, o da elaboração
- um instrumento que, no plano técnico, pretende-se o mais rigoroso e o mais
- ientífico" possível, mas que, ao mesmo tempo, busca reproduzir, do melhor
o, as condições das trocas "naturais" e "espontâneas". Paradoxo também de
instrumento que, para além das técnicas de conduta de entrevista utilizadas,
ta tanto nos fatos quanto nas "competências sociais" do entrevistador, no sen-
fenomenológico do termo, tais como a capacidade de estabelecer relações, de
. r mão, se necessário, de seus "recursos sociais e culturais", para favorecer a
boração dos entrevistados, e de se adaptar às diversas imposições e ao caráter
zstavel da situação de entrevista.

Sobre os diferentes tipos de silêncio, cf. Legras (1971).

233
Reflexões sobre os vieses e a construção social dos discursos

Na concepção corrente e positivista de entrevista, o entrevistado é visto como


detentor de uma verdade: a sua, evidentemente, mas também, por meio da sua, a
de seu grupo ou a de sua comunidade. Segundo essa concepção, é possível apreen-
der essa verdade essencialmente pela utilização correta dos instrumentos adequa-
dos. Se, nessa ótica, o objetivo da entrevista parece claro - a saber, o de apreender-
verdadeira experiência e o verdadeiro ponto de vista do entrevistado -, a forma d
alcançá-Ia o é menos, conforme o atestam os múltiplos questionamentos de qu
essa técnica se tornou objeto. Como superar, efetivamente, os diversos obstácul -
que se interpõem a essa busca e conquista da verdade? Particularmente, como fa-
zer com que esse dispositivo de pesquisa permita atingir os objetivos da pesqui -
sem falsear a própria natureza das narrativas coletadas? Se, como muitos o afir-
mam, a entrevista constitui uma forma de interação social ultrapassando o ãmbi
estrito das trocas verbais, como impedir - e seria possível impedir - que esta formz
de interação não acabe contaminando os dados produzidos? Em suma, como o
Blondiaux (1991), a propósito dos dilemas enfrentados pelos sondadores de op-
nião entre 1935 e 1950, quanto à validade de seu instrumento, como estar certo .
que o que diz o entrevistado, ao longo de uma entrevista, reflete verdadeirame -.
o que ele pensa ou o que ele sente, e como estar seguro de que seu discurso nãc
um artefato da situação de pesquisa?
Ainda que em diferentes graus, conforme as épocas, essa questão relativa
vieses capazes de perverter a entrevista não deixou de preocupar os pesquisado -
Pode-se dizer, efetivamente, que uma boa parte das reflexões em torno da cien " -
cidade desse método dizia e ainda diz respeito a essa questão. Desde os anos 19:'
autores como Palmer (1928), Roethlisberger e Dickson (1943) interrogaram
sobre o modo como os dois principais tipos de entrevistas, as entrevistas padro -
zadas ou estruturadas, de um lado, e as entrevistas qualitativas, de outro, po "-
alterar a natureza do que era dito, e se perguntavam qual desses tipos era capaz
melhor dar conta do ponto de vista dos entrevistados. Nos anos 1940 e 1950,
balhos importantes, como os de Hyman et al. (1954), foram realizados com o o~_
tivo de medir o efeito que podia ter a relação entrevistador-entrevistado sob
conteúdo do discurso produzido, e também de encontrar, como se verá mais -
ante, soluções para os diversos problemas levantados pela existência de viés. '-
que um bom número dos "fatores" capazes de alterar o material proveniente de
trevistas já tenha sido ressaltado desde os anos 1950, a reflexão sobre os vi -
prosseguiu, com a diferença essencial entre o período dos 25 últimos anos e 05;:
ríodos precedentes residindo, talvez, menos na precisão do inventário dos "
do que na mudança de perspectiva frente a essa questão.
Com efeito, é possível destacar duas tendências na maneira de consid
questão dos vieses. A primeira dominou até o final dos anos 1960 e se articula a
concepção positivista da ciência. Ela tenta resolver a questão dos vieses, tr

234
para tanto, soluções fundamentalmente técnicas. A segunda tendência apareceu nos
anos 1970 e se baseia em perspectivas mais construtivistas, tais como o interacionis-
mo simbólico e a etnometodologia, assim como nas reflexões oriundas, mais recen-
temente, das correntes feminista, pós-estruturalista e pós-moderna. Ela trata, dife-
rentemente, a questão dos vieses, indagando sobre a maneira pela qual, até o mo-
mento, haviam sido considerados alguns tipos de vieses, tais como a subjetividade
do pesquisador, e, sobretudo, prestando uma maior atenção à forma pela qual os dis-
cursos são socialmente construídos. Enquanto a primeira tendência reside na busca
de um discurso "verdadeiro", isento de viés e a salvo de todas as influências contex-
tuais; a segunda pretende, preferencialmente, mostrar que os discursos são indisso-
ciáveis de seu contexto de produção e de enunciação.

_-\reflexão em torno da questão dos vieses


Evidentemente, não é o caso de apresentar, aqui, o conjunto das pesquisas re-
:erentes aos vieses possíveis na entrevista. Excetuando os trabalhos clássicos de
Hyman et al. (1954), existe uma literatura abundante sobre esse assunto (KANDEL,
=-972;GHIGLIONE &: MATALON, 1978; MISHLER, 1986; BLONDIAUX, 1991). Eu
e contentarei em fazer um breve chamado concernente à natureza desses vieses,
zom o objetivo de esclarecer o modo como se tentou resolvê-los.

Os diferentes tipos de vieses


Esquematicamente, é possível destacar três tipos de vieses: os vieses ligados
dispositivo de investigação, os vieses associados à relação entrevistador-entre-
stado e à sua respectiva situação social, e, por fim, os vieses referentes ao contex-
- de pesquisa. Os vieses possivelmente devidos ao dispositivo de investigação re-
tem às deformações que poderiam engendrar, por exemplo, a maneira de inda-
(o conteúdo e a forma das questões), as técnicas de registro dos dados (anota-
- , gravador, vídeo), ou as circunstãncias de tempo e de lugar nas quais se efe-
u a investigação. Este primeiro tipo de viés se refere, portanto, em boa parte,
que eu denominei, anteriormente, de elementos de encenação da entrevista.
-=--es vieses são suficientemente conhecidos, para que eu não tenha de me deter
- es; eu me limitarei a sublinhar que não é absolutamente fácil avaliar seus efei-
s. na prática.
_ o que diz respeito aos vieses que poderiam ser atribuíveis ao entrevistador,
dizer que muito se indagou sobre as consequências que podiam ter sobre o
evistado as suas intervenções, tanto verbais quanto não verbais, tais como os
-hum", os meneios de cabeça, os sorrisos, as diferentes posturas corporais, e
o as suas atitudes ao longo da entrevista, como a existência ou a falta de inte-
esse manifestado em relação ao relato do entrevistado. Também muito se questio-
~ obre o efeito que podiam produzir seus pressupostos quanto ao objeto de es-

235
tudo, ou às pessoas concernidas, tanto em sua maneira de colocar as questões.
como na forma de interpretar as respostas. De modo mais geral ainda, pergun-
tou-se qual peso podiam ter a sua situação e as suas diversas características so-
ciais - idade, sexo, etnia, classe social, e outras -, as quais são capazes de se revelar
por meio de vários indícios, tais como a aparência física, a linguagem e a posição
social ocupada. Kandel (1972) lembra, com razão, como já no início dos ano:
1940, Katz (1941) havia mostrado que as respostas dos entrevistados podiam va-
riar consideravelmente, segundo as características do entrevistador.
Dessa lista não exaustiva dos vários elementos que, em relação ao entrevista-
dor, são capazes de influenciar o discurso do entrevistado, vamos nos deter no últi-
mo aspecto apontado, o das características sociais do entrevistador e dos efeit s
que elas podem ter quanto ao conteúdo da entrevista, independentemente da vo
tade do entrevistador, ou de sua competência técnica. Essa questão sempre ocu
com efeito, o topo da cena.
Para minimizar as distâncias entre os discursos imputáveis às diferenças de ~
tuação e de posição sociais, pensou-se, primeiramente, em aplicar o princípio
maior homologia possível entre os entrevistadores e os entrevistados. Tratava--
digamos, de selecionar os entrevistadores em função das características princípe,
do grupo pesquisado. Assim, parecia preferível que mulheres fossem pesquisa'
por mulheres, jovens por jovens, autóctones por autóctones, pobres por pobr.
etc., em razão de uma maior proximidade de linguagem, de cultura e de preocupa-
ções. Acreditava-se que uma maior proximidade não somente reduziria os .
de intrusão de viés, de incompreensão e de etnocentrismo, mas também faria c
que o entrevistado fosse ainda mais longe na exploração de seu vivido.
Levado ao extremo, esse ponto de vista reafirma que um pesquisador só é r
mente habilitado a pesquisar os grupos com os quais ele tem um máximo de si
tudes sociais, o que invalida, de pronto, um bom número de estudos passados e
centes. Na prática, entretanto, bem poucos pesquisadores adotam uma posiçãc -
radical. Em verdade, a proximidade devida a um mesmo pertencimento sociai,
adquirida no campo de pesquisa, é, em geral, percebida, como urna condição
favorece uma boa compreensão do grupo pesquisado. Em contrapartida,
igualmente vista como capaz de constituir um obstáculo, na medida em que
demasiada familiaridade com o grupo poderia impedir o pesquisador de to
distância necessária para reconsiderar as evidências ou as racionalizações próp
ao grupo. Nesse sentido, para um pesquisador, o fato de pertencer a um outro z
po do que aquele pesquisado poderia ser um trunfo precioso, uma vez que is;
cilitaria levar em consideração as diferenças culturais e sociais de cada um.. -
real reciprocidade das perspectivas só seria, no entanto, possível, caso o pesc:-=:;~
dor fosse bastante próximo ao grupo pesquisado.
Concluindo, não há regras simples, no que diz respeito a essa questão -
mologia entre entrevistador e entrevistado. Mesmo que não seja fácil define

236
ção de quais critérios se deva constituir essa homologia, e que uma homologia
leita seja dificilmente imaginável, ela não impede que as questões de estatuto
am intervir, a não ser precisamente pelo fato de que os estatutos relativamente
- ticos possam fazer com que algumas realidades sejam tidas como adquiridas.
-:.2m disso, há algumas vantagens em combinar os estatutos, apresentando, ao
zzsmo tempo, as similitudes e as diferenças com o grupo pesquisado. Chapoulie
.:» 4) lembra ainda que Hughes sugeria aos seus alunos que pesquisassem os gru-
- - aos quais eles estivessem naturalmente afiliados, aproveitando o distancia-
to que lhes oferecia a sua condição de estudante. E, para tentar objetivar me-
- r a situação desses grupos, Hughes apostava em outra coisa além da proximida-
social, preconizando, sobretudo, o recurso às ferramentas conceituais, ao méto-
comparativo e à capacidade reflexiva do pesquisador.
Em resumo, as intervenções, as atitudes e as características do entrevistador
- capazes de marcar as falas do entrevistado. Da mesma forma, a percepção que o
evistador tem da posição social do entrevistado pode igualmente influir sobre
-- réplicas, e, mais globalmente, sobre a natureza de suas interpretações. Quanto
entrevistado, é importante observar que, apesar do que se tende muito frequen-
ente a crer, ele tem apenas um papel passivo e reacional na situação de entrevis-
Corno o dão a entender várias análises, seu discurso pode ser fortemente influen-
'0 não só pela representação que ele constrói sobre o que é o entrevistador, e so-

_o que ele busca saber, mas também pela percepção que ele tem do grupo que re-
nta este último (CHABROL, 1982), ou dos outros atores presentes na pesquisa,
'os pontos de vista são, provavelmente, diferentes do seu. Em outras palavras, a
tégia de argumentação do entrevistado pode ser forjada tanto em função do en-
ístador, como de terceiras pessoas imaginadas ou reais. Assim, em uma investi-
-o sobre as condições de encarceramento, alguns de tentos podem denunciar o
ionamento das prisões, na esperança de serem ouvidos por meio da pesquisa e
_. e seus pontos de vista possam favorecer algumas mudanças.
Este último aspecto possibilita introduzir o terceiro tipo de viés, referente ao
zexto da pesquisa e às suas repercussões possíveis, tanto nos discursos dos en-
. tados, como nos dos entrevistadores. Para tomar o exemplo dos entrevista-
s, sabe-se que suas percepções dos enfoques que uma pesquisa representa para
- são passíveis de afetar suficientemente o que eles podem dizer, ou decidir não
. Em sua investigação junto a um grupo de trabalhadores, Roethlisberger e
- on (1943) já colocavam a possibilidade de que seus sujeitos pudessem men-
:?Drtemor de represálias, e também calar acerca de sua apreciação real sobre o
ionamento da empresa que os empregava. Entre os pesquisadores tradicionais
dos à pesquisa de um discurso "verdadeiro", que dá conta do que realmente
- o entrevistado, a preocupação principal parece precisamente ser a de detec-
~ "fatores" que podem levar este último a modificar, conscientemente ou não,
discurso, e a de descobrir se ele disse mesmo a verdade. Em resumo, seria pre-
não somente tentar inserir o entrevistado em um contexto que lhe permitisse

237
dizer abertamente o que pensa, e, melhor ainda, tudo o que pensa, como tam
procurar, por diferentes procedimentos, revelar se ele mente, ou verificar se o
ele diz corresponde verdadeiramente à realidade tal qual ela é. Essa preocupaçã
existe tanto entre os adeptos da entrevista padronizada (BLONDIAUX, 19~=-
quanto entre os defensores da entrevista qualitativa, como o atestam, aliás, os ar:::-
gos de Dean e Whyte (1958) e de Becker (1958) sobre a confiabilidade dos de
mentos das pessoas pesquisadas.

Reprodução do contexto do laboratório em oposição à coleta de discursos


turais"
Uma vez delimitados os vieses geralmente associados às entrevistas de p
sa, como se tentou remediá-los? Na perspectiva de inspiração positivista, as
ções consideradas tomaram duas direções opostas. Os partidários da entrevista
dronizada esforçaram-se em criar condições que lhes permitissem realizar e
vistas em um contexto que se aproximasse o mais possível daquele que caract
as experiências de laboratório. Os pesquisadores no qualitativo tentaram, ao
trário, realizar suas entrevistas em condições semelhantes àquelas que existem
situações naturais, devendo os depoimentos colhidos aproximar-se, assim, das
ias espontâneas, como é o caso nas conversas comuns.
Como o en.GÜ=.1XL Cko 1.J.,::/Cl (19M), B\.?'·i.l.~hü~t -a\..\l,:}~5),Mi.s'n\er(l~
Blondiaux (1991), a propósito das pesquisas que se inserem na linha dos trab ':'
de Hyman et al., durante os anos 1950, pensou-se que a melhor solução para
tornar os riscos que representavam os vieses consistia em reproduzir um m
de prática da entrevista que se assemelhasse o mais possível ao contexto do ia
tório. Para tanto, duas estratégias foram consideradas. Primeiramente, buscou
padronizar as condições de pesquisa, com o cuidado, por exemplo, de que as
trevistas fossem realizadas em um local idêntico e conforme a mesma fo
contato ou a mesma técnica de registro dos dados. Essa padronização das téc
tinha por função garantir o exercício de um melhor controle sobre as "variá
capazes de alterar o teor dos discursos. Na referida lógica, torna-se totalmente
traindicado entrevistar uma pessoa na presença de uma outra. As entrevistas
grupo são também imediatamente excluídas, na medida em que fica difícil
precisamente o efeito que isso possa ter, e, ainda, que se complicam proporcio
mente as comparações eventuais entre as entrevistas.
A segunda estratégia preconizada foi a de padronizar as intervenções do -
vistador, tanto no que diz respeito à forma e ao conteúdo das perguntas, quan
que se refere à maneira de coligir as respostas. Com as perguntas e as respostas -
do estruturadas previamente, pensava-se em conter a subjetividade do entrevis -
e ímpedi-lo de se entregar a improvisações e interpretações duvidosas, dimin
proporcionalmente os riscos de ingerência e de deformação. Os partidários da
vista padronizada estavam conscientes de que uma tal padronização compo

238
zsco de deformar o ponto de vista do entrevistado, mas acreditavam ser possível re-
'-10 por meio de uma pré-investigação e de um pré-teste. Eles avaliavam, sobre-
_ o, que esse inconveniente era amplamente compensado pelas vantagens que a
rlronização devia proporcionar no plano da generalização dos resultados".
Comentando os trabalhos de Hyman et al. (1954), que ele julga representati-
cs de tal posição, Cicourel (1964) considera que adotar o referido modelo equiva-
exatamente a querer substituir o entrevistado r por um autômato capaz de "inte-
=..-ões"uniformes com os entrevistados. Segundo esse modelo ideal, o entrevista-
-:TI" deve sempre formular as perguntas da mesma maneira, para que os entrevista-

reajam a um mesmo estímulo, e também deve ser capaz de reagir uniformemen-


às respostas destes últimos, para evitar que as mesmas sejam deturpadas por suas
-prias interpretações. Uma semelhante intenção remete, segundo Blondiaux (1991),
__ erer fazer uma ciência sem atores.
Por sua vez, os pesquisadores que privilegiam as entrevistas de tipo qualitativo
_ - eram resolver o problema dos vieses seguindo uma perspectiva oposta. A fim
reproduzir o mais integral e fielmente possível o ponto de vista dos atores, esses
resquisadores alegam dois princípios fundamentais. Eles apostam, em primeiro
~r, na superioridade dos discursos coletados em seu contexto natural. Por aí,
reconhecem as condições que mais se aproximam daquelas da vida cotidiana
entrevistados, de modo que os artifícios da situação de pesquisa sejam ate-
dos e estes últimos se sintam o mais à vontade possível. As "conversas natu-
~ ,tal como se desenvolvem no dia a dia (PALMER, 1928), ou ainda as conver-
colhidas ao vivo, no contexto da observação in situ (BECKER &:. GEER, 1957,
- ), são por muitos consideradas como superiores. Segundo Becker e Geer, a
zservação in situ permite ao pesquisador, sobretudo, indagar os atores sobre o
_ "eles estão fazendo ou dizendo, apenas observando diretamente as condutas.
~ra sob esse ângulo, a situação ideal seria aquela em que os atores envolvidos, ao
tomado conhecimento dos interesses do pesquisador, aceitam colaborar es-
ntaneamente, explicando o mais sinceramente possível aquilo que está aconte-
o. Nessa perspectiva, e contrariamente ao que é preconizado na abordagem
da à padronização, entrevistar uma pessoa na presença de uma terceira, por
plo, um cônjuge, ou ainda, como o aponta Burgess (1984), fazer entrevistas
~po, não são mais situações vistas como inapropriadas, pois elas são propícias
=?Osde interações difíceis de apreender diferentemente.

_;0 debate que tradicionalmente opôs os partidários dos métodos qualitativos aos do quantitativo,
últimos admitem, habitualmente, que o qualitativo possibilita alcançar mais facilmente um con-
- mais "rico" e mais próximo ao vivido dos atores, assim como os primeiros admitem igualmente
tagens de uma certa padronização. As principais discordâncias concernem mais à questão de sa-
se é preciso reservar unicamente às abordagens padronizadas a possibilidade de fazer generaliza-
e de verificar teorias. Para um exemplo clássico do debate em torno dessa questão, nos anos 1960,
como da posição adotada por alguns defensores do qualitativo, cf. Glaser e Strauss (1967).

239
o segundo princípio é o da superioridade dos discursos "espontâneos".
relaçâo aos discursos suscitados pelo pesquisador. Para autores como Pa
(1928), Becker e Geer (1957), assim como Schatzman e Strauss (1973), o disc
mais verdadeiro continua sendo aquele menos afetado pelas intervenções do =-
quísador". A situação ideal seria, ainda aqui, aquela em que os atores pesqui .:
conscientes dos interesses de pesquisa do pesquisador, ou, melhor ainda, inc
cientes desses interesses para evitar a pré-estruturação de seu discurso, co
riam em narrar o mais espontaneamente possível a sua experiência. Na falta de _
der encontrar "espontaneamente essa espontaneidade", buscou-se, então, r _
duzi-la pelo dispositivo de investigação, sobretudo pela forma de indagaçã
efetivamente, sobre essa intenção de limitar os efeitos das intervenções do -
vistador sobre o entrevistado, que Rogers (1945) se baseia para justificar o r
à entrevista não dirigida no contexto das investigações nas ciências sociais.
nhecendo simplesmente que essa forma de interação não é em si naturaL
Em suma, tanto do lado quantitativo como do qualitativo, buscou-se res.:::
o problema dos vieses na entrevista. Porém, quer se tratasse de reproduzir
texto de laboratório, ou, ao contrário, de obter o discurso mais "natural" pos
as soluções consideradas por uns e outros permanecem, em primeiro lugar, e
de tudo, de ordem técnica.

Os mitos da padronização e da não diretividade

A partir dos anos 1970, e, sobretudo, nos anos 1980, tanto a padroniza
quanto a não diretividade foram objeto de severas críticas, aparecendo definia
mente como mitos: mito, primeiramente, no que se refere à possibilidade de
gir, na prática, a perfeita padronização ou a perfeita não diretividade; mito, ez;
guida, quanto à sua capacidade de resolver a questão dos vieses. Num p .
momento, enfatizarei, principalmente, as críticas de ordem metodológica . --
contra a padronização e a não diretividade, para, num segundo momento, a --
à crítica que, no plano episternológico, pode ser formulada em relação à pe
va positivista sobre a questão dos vieses.

As críticas endereça das à padronização


Por ser, na prática, difícil, e mesmo impossível de atingir, o ideal da padro
ção foi frequentemente desacreditado, muitos o vendo mais como um mito d _

24. Em vista disso, Palmer (1928) considerava que mais valia intervir de uma maneira não veriJ::
quase não verbal, como por meneios de cabeça, sorrisos, "hum-huns", do que verbalmente;
intervenções do primeiro tipo vistas como menos capazes de influenciar as falas do entrevis
já apontei, anteriormente, que as próprias atitudes não verbais do entrevistador são amiúde
radas como uma fonte de viés.

240
mo uma realidade. Em uma obra na qual critica os pressupostos da entrevista
dronizada, Mishler (1986) resume várias pesquisas precisamente voltadas a
ostrar a existência de importantes desigualdades na forma de realizar as entrevis-
- , seja entre diferentes entrevistadores, ou em um mesmo. Malgrado os esforços
preendidos para eliminá-Ias, investindo, por exemplo, em uma melhor forma-
-o dos entrevistadores, parece difícil, senão impossível, segundo Míshler, supri-
mi-las totalmente.
A própria padronização também pode ser fonte de vieses. Estes podem ser in-
zroduzídos durante a análise, por exemplo, com a omissão de tudo o que não se in-
sere nas categorias estabelecidas previamente, ou com a enorme importância atri-
ída à busca de constantes. Lévy (1974) aponta, nesse sentido, a tendência nas
ilises de conteúdo convencionais, baseadas em Berelson, em enfatizar as "regu-
.ai.dades", ocultando, assim, o que é considerado como "irregularidades", bem
mo tudo o que parece atípico. Esses vieses imputáveis à padronização podem
zualmente se produzir durante a coleta dos dados, pelo fato de que uma aborda-
.?m padronizada corre o risco de não ter suficientemente em conta particularida-
próprias às situações e às pessoas. Piaget já havia pressentido esse problema.
_-- im, desde os anos 1920, como o reportam Ghiglione e Matalon (1978: 74), ele
~ via proposto um método clínico no qual preconizava "uma atitude do experi-
zaentador que não fosse inteiramente padronizada, mas que buscasse se adaptar a
da sujeito, adotando, na medida do possível, seus conceitos e sua representação
.: situação; portanto, uma atitude radicalmente oposta à padronização dos testes
_ dos procedimentos experimentais". Riscos de deformações devidas à padroni-
zação também surgem no caso das pesquisas qualitativas, quando os entrevistado-
devem se submeter às instruções padronizadas de tomada de contato com os
trevistados e de início de entrevista. A esse respeito, Palmer (1928) avaliava ser
rreferível modificar e adaptar tais instruções, em funçâo das particularidades e ca-
. terísticas dos grupos ou das pessoas pesquisadas",
A crítica mais importante a respeito da padronização concerne, no entanto, à
possibilidade de esta eliminar o que, na perspectiva positivista, denomina-se os
- eitos do contexto". Baseando-se em uma perspectiva interacionista e etnorne-
ológíca, Cicourel (1964,1987) e Mishler (1986) insistem, ambos, na maneira
mo o contexto impregna o conteúdo das perguntas e das respostas, e isto mesmo

-. Professor convidado para um de meus seminários, Christian Debuyst, da Escola de Criminologia


.:...-;Jniversidade Católica de Louvain, trazia o exemplo dos testes de inteligência para apontar os li-
da padronização. Para evitar os riscos de viés e permitir a comparação, esses testes deveriam ser
administrados da mesma forma. Ora, o que fazer quando o técnico se dá conta de que o indíví-
ao qual ele aplicou o teste compreende mal as instruções, ou não se sente ã vontade? Ele deve
. icar sua abordagem, de modo a garantir que este último faça o teste no melhor de suas capaci-
, ou ele deve se prender às instruções estabelecidas? Nesta última eventualidade, ele não corre-
risco de introduzir um viés, na medida em que os resultados do teste decorreriam tanto da forma
o este é administrado, quanto das capacidades da pessoa em questão?

241
no âmbito da entrevista padronizada. Cicourel, por exemplo, argumenta que
numa entrevista estruturada, a natureza das intervenções, tanto da parte do entre-
vistador quanto da do entrevistado, deve-se ao modo como se organiza a totalidade
da entrevista. Assim, não se pode isolar o jogo das perguntas e das respostas, da to-
talidade das trocas verbais e não verbais durante a entrevista, assim como, mais
globalmente, do contexto social particular no qual esta se desenvolve. Baseada
construtivismo, essa crítica será retomada mais adiante, a propósito dos limites
posição positivista concernente aos vieses.

As críticas endereçadas à não diretividade


Se a padronização foi objeto de virulentas críticas, a não diretividade tampo' -
co escapou delas". Assim como ocorreu em relação à padronização, alguns apon'"O.-
ram, primeiramente, que a perfeita não diretividade é apenas um mito. De fato é
pesquisador quem define o tema ou os temas da entrevista. Além disso, apesar
princípios professados, não é sempre confortável para um pesquisador ater-se ex-
clusivamente aos temas introduzidos, na sequência, pelo entrevistado. Mais -
damentalmente ainda, as intervenções do entrevistador correm, apesar de tudo.
risco de serem marca das por suas próprias preocupações e pressupostos. Não
do que no caso da padronização, a formação dos entrevistadores e a autocrítica:::
podem unicamente garantir que essa imperfeição possa ser evitada.
Por outro lado, a entrevista não dirigi da não é tão neutra como bem se o
fazer crer. Basta ter praticado pouco que seja essa técnica, para se dar conta de
a despeito das precauções tomadas para que cada um se sinta à vontade, esse _
de entrevista cria uma situação que está longe de ser sempre percebida como
ral pelo entrevistado, e, até certo ponto, pelo entrevistador. Assim, o entrevis --
pode se sentir coagido a falar, sem contar, por outro lado, o leque de reações poss
veis a esse gênero de abordagem, reações que variam conforme os indivíduo ~
grupos sociais, em virtude, principalmente, como o apontam Schatzman e S
(195527), de uma relação diferente com a linguagem. Além disso, a entrevista a;
dirigida raramente corresponde à imagem que os entrevístados fazem de uma
trevista de pesquisa. Como estes últimos, geralmente, esperam que se lhes pr =
nham questões, o entrevistador se encontra amiúde na obrigação de fazer es
cimentos quanto ao gênero de entrevista esperado. Enfim, mesmo as reto a-:
aparentemente mais neutras, isto é, aquelas que visam essencialmente que o e:r::::::
vistado explicite ou esclareça o que disse, podem influir em seu discurso. _-
sentido, Blanchet (1987) mostra bem como as variações na própria forma das

26. Para exemplos de crítica à não diretividade, cf. Bourdieu, Chamboredon e Passeron (196 ,_ -r-
chet (1982) e Chabrol (1988).
27. Cf. a apresentação e a tradução desse texto em Bourdieu, Chamboredon e Passeron _
222-237).

242
formulações conduzem o entrevistado a modificar sensivelmente o conteúdo de
seu discurso, assim como seu grau de envolvimento em seu relato.
A crítica mais severa em relação à entrevista não dirigida foi formulada por
Kandel (1972). Ela argumenta, efetivamente, que esta forma de entrevista não
?<Jdeimpedir o jogo dos vários componentes da interação envolvidos na situação
::e pesquisa, tais como as intervenções não verbais do entrevistador, ou ainda, as
pectivas percepções do entrevistador e do entrevistado, em função de suas ca-
:acterísticas sociais reais ou presumidas. Se a entrevista não dirigi da é menos pas-
~el de produzir um material que constituiria o fato do pesquisador, isso não im-
~e a intervenção de outras dimensões, independentemente da boa vontade e da
mpetência do entrevistador.

_-o entrevista como discurso socialmente construido

A observação de Kandel (1972) possibilita introduzir diretamente a crítica


=: istemológica construída relativamente ao ponto de vista positivista sobre os vie-
_ , segundo o qual, deve-se visar à produção de um discurso depurado de todas as
:::illuênciascontextuais, e então buscar reproduzir o verdadeiro ponto de vista dos
~trevistados, eliminando, por precauções técnicas, principalmente na escolha do
=?O de entrevista, essas influências ditas exteriores e vistas como fontes potenciais
-=- viés. A própria ideia de que é possível fazer com que o contexto não intervenha
::....nenhuma forma na produção dos dados e no discurso mantido pelo entrevista-
- foi fortemente contestada a partir dos anos 1970, entre outros, por autores de
íentação construtivista. A fim de dar conta de seus pontos de vista, retomarei
cui os argumentos alegados por Pfohl (1978), no que se refere ao modo como as
resquisas de orientação positivista tentaram resolver a questão dos vieses capazes
- falsear os diagnósticos profissionais. Essa crítica me parece perfeitamente trans-
- rtável para o âmbito das entrevistas.
Com base numa perspectiva etnometodológica, Pfohl analisa, primeiramente,
considerações e os mecanismos que podem intervir na construção dos diagnós-
s, tais como os jogos de poder entre profissionais, o sistema de categorias utili-
::::clopara reconstruir os casos, a maneira como se formulam os diagnósticos para
_._ a aparência da objetividade e para garantir que eles sejam aceitos pelas instân-
-- decisórias. Em resumo, Pfohl busca mostrar a influência do que, numa pers-
uva positivista, seria considerado como vieses a eliminar, os quais, acredita-se,
~edem de decidir sobre a natureza real dos casos. Ele considera, no entanto, que
_rotalmente ilusório querer suprimir o jogo das interações e relações sociais que
zzrvêrnna constituição dos diagnósticos, já que ele é inerente ao próprio proces-
do diagnóstico. Segundo Pfohl, todo diagnóstico é uma construção social, não
ente porque pressupõe o recurso a um sistema de categorias, mas também por-
toma forma por meio do jogo e das questões das múltiplas interações sociais
o>

:::priasao contexto particular no qual ele é produzido.

243
Uma tal constatação pode facilmente ser transposta para a análise das entrevis-
tas. Aliás, a partir de pouco mais de duas décadas, observa-se uma nítida tendência
a dizer que os discursos são inseparáveis de seu contexto de produção e de enun-
ciação. Sem invalidar totalmente as reflexões anteriores, em matéria de viés, esse
corrente de pensamento acarretou uma importante mudança de perspectiva. E
lugar de buscar eliminar os "efeitos do contexto" (MISHLER, 1986), empenha-
doravante, em evidenciar e compreender a maneira como o contexto impregna ::
discursos e os diversos componentes capazes de atuar em sua construção socia...
Tendo já parcialmente tratado desta questão, em outro momento (POUPART, 1993
contentar-rne-ei, aqui, em apontar alguns elementos reveladores da mudanç
ocorrida mais tarde, tanto na maneira como se coloca a questão dos vieses, como
olhar referente à construção social dos discursos.
Primeiramente, em lugar de se centrarem na questão dos vieses, os autor -
preferem insistir nas condições de produção do discurso. Assim, em um númer
especial da revista Connexions (1974), autores como Lévy e também Ramognin ~
Canto-Klein se indagam sobre a maneira como os discursos são marcados e COlE-
truídos pelo contexto sócio-histórico no qual ocorre a investigação, bem como
Ias condições particulares ligadas ao dispositivo de pesquisa, tais como as técni
de coleta e de análise dos dados, a relação entrevistador-entrevistado, e o quadr
institucional em que se desenvolve a pesquisa". Evidentemente, esses autores -
propõem suprimir as condições de produção do discurso, mas sim torná-los
consideração no procedimento de pesquisa e de análise dos dados.
Apresentemos um exemplo relativamente conhecido dessas condições de pr:--
dução do discurso. Quando os pesquisadores formulam e realizam um projeto
pesquisa, eles se dão conta, até certo ponto, dos múltiplos públicos aos quais se dir.
gem, como os financiadores, o grupo de parceiros e o grupo das pessoas pesqui -
das, mas também das reações que seus trabalhos poderiam eventualmente provo
Assim, a natureza das falas coletadas - derivando tanto das questões que se terá a
ditado ser conveniente colocar, como daquelas que se terá omitido, voluntariamen.,
ou não - e a interpretação que se fará dessas falas correm o risco, inevitavelmente.
trazer a marca da leitura que os pesquisadores fazem dos enfoques de sua pesquis
Cabe, portanto, reconhecer que os discursos produzidos pelas entrevistas devem -
analisados tanto à luz dos enfoques dados pelos entrevistados, aos quais eu fiz al :
anteriormente, quanto à luz dos enfoques dados pelos pesquisadores. É nesse se -
do que, sob uma perspectiva de autocrítica, os pesquisadores são convidados a m -
trar mais transparência quanto às influências que eles próprios sofrem.
A reconsideração da forma como tradicionalmente se aborda a questão do \ .
também pode ser percebida na posição que algumas correntes de pesquisa, com

28. Encontram-se reflexões semelhantes na antropologia, por exemplo. Cf., principalmente, Clíff
e Marcus (1986).

244
~> inismo, conferem à subjetividade no processo de conhecimento". Segundo a
ncepção positivista da ciência, deve-se excluir todo elemento de subjetividade
- parte do pesquisador, para chegar a um conhecimento objetivo da realidade.
-mda que, mais uma vez, pareça em vão pensar que o pesquisador possa se abstra-
_ enquanto ator social, sua subjetividade é doravante compreendida tanto como
a contribuição, quanto como um obstáculo à objetivação dos fenômenos.
-uma perspectiva feminista, Smith (1987, 1992), por exemplo, considera que o
·-0 de ela mesma ser uma mulher e ter vivido experiências próprias às mulheres
e ser um trunfo, mais do que um inconveniente, quando se trata de compreen-
o que podem viver outras mulheres, com a condição de manter, todavia, uma
itude reflexiva sobre os limites de sua própria visão. Devault (1993) se filia a essa
~ ia, quando ela descreve as vantagens apresentadas pelo fato de que as mulheres
iam pesquisadas por outras mulheres".
Outro aspecto da mudança: uma atenção maior é conferida ao papel dos pro-
os discursivos empregados nas trocas verbais e ao papel do entrevistador na
ópria produção do discurso. Em suas análises sobre as conversações, os etnome-
ologistas evidenciaram bem o fato de que estas não se desenvolvem ao acaso e
em um determinado número de regras". Assim, além das convenções que re-
os inícios e finais de conversa, as trocas entre os interlocutores são guiadas
_uma espécie de fio do discurso, em que, tal como o vimos com Cicourel, as in-
::-enções de um não se compreendem senão em relação com as intervenções do
o. Para Mishler (1986), o discurso produzido pelas entrevistas deve ser consi-
do como uma coconstrução da qual participam o entrevistador e o entrevista-
sendo o sentido das perguntas e das respostas mútua e contextualmente cons-
- o por um e pelo outro (cf. tb. BLANCHET, 1989). Visto sob esse ângulo, o pa-
no entrevistador não se limita unicamente a fazer falar os outros, como amiú-
se o imagina, mas é central na própria produção dos dados.
Enfim, depois de uma dezena de anos, os trabalhos na antropologia (CLIF-
- _:lU) &: MARCUS, 1986) e na sociologia (VAN MAANEN, 1988) se preocupam
mostrar que os discursos são socialmente construídos por meio da escrita e da
crica utilizadas pelos pesquisadores em seus relatórios etnograficos. Sob a in-
;; cia da semiótica, do pós-estruturalismo e do pós-modernismo, esses traba-
- defendem, como já me referi, que os textos de pesquisa são formas de relatos
. obedecendo a diversas convenções de escrita (VAN MAANEN, 1988), bus-
dar conta da experiência das pessoas e dos grupos pesquisados. Adotando

::: bre a evolução da noção de subjetividade e a atual forma de considerá-Ia, cf. Jansen e Peshkin
.1). Cf. tb. o artigo de Della Bernardina (1989).
Como o argumenta Harding (1987), isso não significa, consequentemente, que apenas as mulhe-
am fazer pesquisas sob uma perspectiva feminista.
?ara uma apresentação simples, em língua francesa, dessa corrente, cf. Bachman, Lindenfeld e Si-
. (1981: 141-178).

245
uma retórica própria às ciências sociais, os pesquisadores tentam, através d
relatos, convencer o leitor da justeza de sua interpretação, bem como impor a s
própria visão da realidade.
Essa corrente de reflexão suscita, no entanto, controvérsias, pois não há a
lutamente acordo sobre a questão de saber se os textos etnográficos podem,
não, reproduzir a experiência dos atores. Alguns, como Clifford (986) ou -
Maanen (988), tentam tomar distância em relação ao ponto de vista positivis;
que acredita na possibilidade de reproduzir a experiência tal qual ela é. Eles --
consideram os textos dos pesquisadores como traduções da realidade, avaliare,
preferencialmente que eles só podem ser versões parciais e parcelares dessa r
dade. No mesmo sentido, Denzin (1994) argumenta, por sua vez, que não pode
ver senão múltiplas versões da realidade, segundo a perspectiva teórica e epist
lógica adotada. Outros, como Clough (1992), que eu já havia mencionado, ado
uma posição extrema e recusam a própria existência de uma correspondência p -
vel entre os relatos dos pesquisadores e a experiência dos atores. Além de S
(1993), autores como Atkinson e Hammersley (1994), e Altheide e]ohnson (1 _
reconhecem, de sua parte, a contribuição da corrente pós-moderna, quando ela
ma atenção para a importãncia de considerar devidamente o papel do proces
escrita e da retórica na exposição que os pesquisadores fazem da realidade,
como a necessidade de examinar a maneira como os cientistas buscam, por mei
seus textos, impor e apresentar uma imagem de uma ciência objetiva. Eles te
contudo, que essa corrente vá muito longe, ao considerar os textos de pesquisa ~
tamente sob o ângulo de uma produção textual e negar qualquer fundamento
procedimentos que visam dar conta da experiência dos atores.

Conclusão

Neste capítulo, apresentei os argumentos clássicos alegados para justifi


recurso às entrevistas de tipo qualitativo; tentei "desconstruir" os princípio s-

estratégias geralmente associadas ao êxito de uma entrevista; e discorri sol ~_


evolução dos debates em torno da questão dos vieses. Com isso, pretendi nem -
to mostrar que o uso desse instrumento ultrapassa, como sabemos, as dime --
exclusivamente técnicas, quanto insistir nas diversas indagações de ordem e :....
mológica, teórica e metodológíca, suscitadas por sua utilização. Dentre essas -
gações, vimos, por exemplo, que se a entrevista qualitativa é geralmente consi '
da como uma via de acesso privilegiado para apreender o ponto de vista e a
riência dos atores, não há necessariamente concordância sobre o que a análise
seus discursos permite dizer a propósito das realidades sociais, nem sobre o
pesquisadores devem fazer socialmente com os depoimentos colhidos.
Para terminar, eu gostaria de voltar a duas reflexões atuais concernentes
tatuto das entrevistas, e que me parecem fecundas. Primeiramente, os text s
últimos anos enfatizam preferencialmente o papel dos pesquisadores na pro

246
- s relatos. O material produzido pela entrevista é, assim, considerado por alguns
mo uma coconstrução da qual tomam parte tanto o entrevistador quanto o en-
-- . tado. O modo como os relatórios de pesquisa descrevem a experiência dos
es é também considerado como largamente dependente da orientação dos pes-
- dores, dos enfoques e dos processos de escrita empregados. A relação entre o
::.:zem os entrevistados e o que se pretende que eles digam não é, portanto, tão
, ,ou, preferindo-se, é ainda mais complexa do que se tinha tendência a crer,
__ entemente.
:=m seguida, sob a influência principalmente das correntes feminista e pós-
CITIla, um bom número de pesquisadores insiste na importãncia de dar ainda
- espaço aos diversos pontos de vista dos atores sociais, nos relatórios de pes-
Eles também insistem na necessidade de tomar partido dos grupos pesquisa-
Essas ideias, evidentemente, não são totalmente novas. Vimos que diferentes
ições no interior dos métodos qualitativos já insistiam nesses aspectos. Mani-
do um interesse marcante por essas questões, essas correntes obrigam, con-
- . os pesquisadores a refletir e a tomar claramente posição quanto ao sentido
eles atribuem ao seu procedimento.

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