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Os efeitos da Arteterapia no desenvolvimento imagético-simbólico de

sujeitos com Transtorno do Espectro Autista


Débora Mara Pereira
Mariana Queiroz Orrico de Azevedo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Arte-educação e educação especial
Comunicação oral

Resumo: Os sujeitos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) gera, em


algumas pessoas, a curiosidade em saber o que estão pensando, em
desvendar o seu mundo e descobrir sua mente. Para percorrer com alguma
liberdade no campo complexo desse “mundo enigmático” do TEA, exploramos
a Arteterapia vinculada à arte-educação, como ferramenta organizadora do
corpo e do mundo, capaz de auxiliar o processo de elaboração e compreensão
de diferentes linguagens por indivíduos com TEA (ROCHA, 1997). O presente
estudo teve como objetivo descrever o processo arteterapêutico desenvolvido
por indivíduos com TEA, bem como verificar os efeitos dos recursos
arteterapêuticos no processo criativo e expressivo (oral, corporal e plástico)
desses participantes. Trata-se de um relato de experiência de caráter
qualitativo. Para análise das expressões criativas dos sujeitos tomou-se como
referência a abordagem Junguiana. Os participantes deste estudo foram um
grupo de adolescentes e adultos (4) com TEA inseridos em uma sala de aula
de Educação Especial de uma instituição filantrópica. Foram exploradas três
vivências que contemplaram técnicas expressivas diferentes: música,
máscaras e barro. Os resultados sugerem que os recursos arteterapêuticos
impactaram substancialmente na expressividade oral, corporal e plástica de
indivíduos com TEA, favorecendo as relações inter e intra pessoais desses
sujeitos no contexto vivencial.
Palavras-chaves: Arteterapia, TEA, Educação Especial.

Introdução

Os sujeitos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) gera, em algumas


pessoas, a curiosidade em saber o que estão pensando, em desvendar o seu
mundo e descobrir sua mente. Tal indiscrição é ocasionada pelos
comportamentos atípicos manifestados por esse indivíduo, bem como pelo
significado da palavra autismo que, segundo Lira (2004), tem origem na palavra
grega “autos”, que significa “si mesmo”.
Há algo no comportamento autista que sugere o isolamento e a solidão
que não tem a ver com estar apenas fisicamente, mas com estar mentalmente
(RIVIÈRE, 2004). Esse isolamento mental ocasiona a dificuldade em
estabelecer relações com o outro, implicando numa noção de sujeito complexo.
A compreensão do autismo como um estado de “alienamento” ou “fuga
da realidade” pode ser atribuído ao fato dessa população apresentar precárias
habilidades metacognitivas (WALTER; NUNES, 2008). Esse fenômeno,
denominado “cegueira mental” ou “Teoria da mente” insuficiente (WILLIAMS;
WRIGHT, 2008) impossibilitam o indivíduo de adequadamente compreender o
ponto de vista, as idéias e sentimentos do outro bem como de si mesmo.
Além disso, o desenvolvimento precário das habilidades simbólicas,
assim como os transtornos na capacidade intersubjetiva e mentalista são
comuns entre indivíduos com TEA (RIVIÉRE, 2004). Tais características levam
esses indivíduos a atendimentos voltados para o tratamento, reabilitação,
profissionalização e educação, mais precisamente para o desenvolvimento de
habilidades acadêmicas, deixando de lado a educação do Ser, que se
preocupa com o desenvolvimento sócio emocional, com o despertar do seu
mundo interior. De acordo com Hall e Vernon (2005), a energia de pessoas
introvertidas como os autistas segue de forma mais natural em direção a seu
mundo subjetivo, daí o perigo delas imergirem demasiadamente em seus
mundos interiores, perdendo o contato com o ambiente externo.
Para percorrer com alguma liberdade no campo complexo desse “mundo
enigmático” do TEA, não apenas para decifrá-lo, mas principalmente para fazê-
lo viver, trazemos à tona a Arteterapia como possibilitadora do “fazer Ser e
Viver” à medida que abre as portas da percepção, organizadora do corpo e do
mundo, bem como auxilia no processo de elaboração e compreensão da
linguagem (KANNER; ROCHA, 1997). Sendo assim, Arteterapia é uma prática
terapêutica que trabalha com a intersecção de vários saberes, como educação,
saúde, arte e ciência, buscando resgatar a dimensão integral do homem
(OSÓRIO, 1998).
A experiência do trabalho com Arteterapia proporciona a possibilidade
de reconstrução e de integração de uma personalidade, contribuindo como
procedimento prático e, apoiando num referencial teórico de
suporte, permite à aquisição da autonomia, como objetivo ou
meta para melhora da vida humana. Pois ao ser possível
integrar, pela atuação consciente, o resultado do criado com a
temática emocional oculta na representação apresentada, o
sujeito adquire a condição de transcender as suas vivênciais
imediatas, experimentando novos sentimentos, e
disponibilizando-se para novas oportunidades”
(URRUTIGARAY, 2006, p.18).

Portanto, os recursos arteterapêuticos e suas múltiplas linguagens


tornam-se instrumentos fundamentais para pessoas com TEA, pois oferece a
elas novas formas de perceber e atuar no mundo, novas linguagens, ou seja,
passa a existir um indivíduo no Autismo à medida que se dá “voz” a ele. Logo,
passa a se existir um discurso, e mais ainda, uma forma alternativa de
expressar aquilo que é indizível.
Nesse contexto a Arteterapia se apresenta como uma área de
conhecimento humano permeada por imagens, símbolos e significados que
possibilita o desenvolvimento da linguagem não verbal, da expressividade, da
espontaneidade e da criatividade por meio dos recursos da arte poucos
explorados na educação especial.
À vista disso, o papel do Arteterapêuta no contexto da Educação
Especial é despertar o potencial criativo inerente a todo ser humano na busca
de romper barreiras, que devido às especificidades dos sujeitos com TEA,
parecem ser intransponíveis, porém, podem ser superadas e expressas em
ações no cotidiano (COSTA, 2010).
Segundo Read (1976), a arte na educação inclusiva e especial vem
remover barreiras à aprendizagem junto aos indivíduos com deficiência, pois
funciona como forma de redescoberta, pelo educador e pelo aluno, já que
ambos apresentam intenções próprias de interação e compreensão mútua,
emergindo conteúdos internos que produzem novas potencialidades. Emerge
nesse contexto o diálogo da Arteteterapia com a arte-educação uma vez que,
ambas tem como objetivo a aprendizagem do ser em sua forma mais profunda,
seja quanto ao desenvolvimento mental, emocional ou cognitivo em seus
contextos de trabalho. O arteterapeuta no contexto da educação especial, por
exemplo, pode despertar o prazer de fruir, conhecer e vivenciar
comportamentos que poderão ser significativos para o educando e modificar
suas relações na escola.
Desta maneira, a Arteterapia se apresenta como promissora no
desenvolvimento integral de pessoas com TEA, favorecendo a expressão dos
sentimentos e a reorganização interna desses indivíduos. Alguns estudos
nacionais (SILVERIO, 2011; VALLADARES, 2008; SANTOS, 2015) que tratam da
Arteterapia com pessoas com TEA revelam contribuições significativas neste
campo. De forma geral, os resultados das pesquisas supracitadas apontaram
que a Arteterapia facilitou o processo de expressão e de novas formas de
linguagem, pela comunicação não verbal, bem como desenvolveram nos
participantes o potencial criativo, a autonomia, autoexpressão, imaginação e
espontaneidade.
Diante deste apanhado teórico, este artigo incide sobre o Transtorno do
Espectro Autista como temática alvo, assim como contributo da Arteterapia, na
perspectiva da arte-educação, nas relações inter e intra pessoais de sujeitos
nessa condição.
Objetivos
O presente estudo teve como objetivo geral descrever os efeitos dos
recursos arteterapêuticos nos processos inter e intra pessoais dos indivíduos
com TEA. Em termos específicos, descrever o processo arteterapêutico
desenvolvido pelos participantes, bem como os efeitos dos recursos
arteterapêuticos no processo criativo e expressivo, oral, corporal e plástico de
indivíduos com TEA.
Metodologia
O presente estudo é um relato de experiência de caráter qualitativo. A
pesquisa qualitativa envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no
contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o
processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos
participantes (LÜDCKE E ANDRÉ, 1986).
Utilizará ainda um delineamento de pesquisa pré-experimental
intrasujeito na qual serão descritos e analisados os efeitos dos recursos
arteterapêuticos nas relações inter e intra pessoais dos indivíduos com
Transtorno do Espectro Autista.
A amostra deste estudo será não-probalística, uma vez que se está
selecionando os participantes de forma não randômica, ou seja, os sujeitos
serão escolhidos por suas características e não por sorteio (LANKSHEAR,
KNOBEL, 2008).
Para análise das expressões criativas dos participantes tomou-se como
referencial teórico a abordagem Junguiana a qual parte da premissa que os
indivíduos, no curso natural de suas vidas, em seus processos de
autoconhecimento e transformação, são orientados por símbolos. Estes
emanam do self, centro de saúde, equilíbrio e harmonia, representando para
cada um o potencial mais pleno, a totalidade da psique, a essência de cada
um. Na vida, o self através de seus símbolos, precisa ser reconhecido,
compreendido e respeitado (PHILLIPINI, 2004).
Participantes
Os participantes deste estudo foram um grupo de adolescentes e adultos
com Transtorno do Espectro Autista. Inicialmente, o grupo teve a composição
de cinco membros (4 homens e 1 mulher), com idades entre 12 a 30 anos,
concluindo apenas com a participação de 3 componentes masculinos.
Os critérios de seleção dos participantes foram fazerem parte do grupo
de adolescentes ou adultos da instituição que apresentassem linguagem e
comunicação verbal, bem como estarem incluído no espectro do autismo. Era
um grupo do tipo fechado, pois não havia rotatividade de participantes, no
entanto, dois deles se ausentaram devido ao início das aulas e a dificuldade
para locomover-se até a instituição.
Os sujeitos receberam nomes fictícios de acordo com as características
mais evidentes percebidas em cada indivíduo ao longo do processo: Sorriso,
Ti, Avião, Mapa e Arco-Íris.
Sorriso é um adulto com 31 anos que apresenta linguagem e
comunicação verbal, no entanto, costuma falar num tom de voz baixo e
ecolálico, ou seja, repetia palavras ditas pelo outro ou a última palavra de uma
pergunta (SMITH, 2008). Apresenta movimentos estereotipados com as mãos,
esfregando-as e durante as sessões emitia sorrisos constantes que parecia, às
vezes, não ter relação com as situações ocorridas no setting terapêutico.
Mapa é um adulto com 20 anos que apresenta linguagem e
comunicação verbal, é pouco participativo durante as sessões, introspectivo e
com linguagem pouco expressiva, pois apresenta dificuldade em articular sua
boca para falar as palavras. Além disso, apresenta comportamentos
autoagressivos, como por exemplo, batendo em sua cabeça e agredindo seu
rosto. A agressividade, em condições normais, é um símbolo da sombra, do
lado desconhecido da personalidade e que deseja reconhecimento.
Arco-Íris é um adulto com 25 anos que gosta de conversar bastante e é
muito criativo em suas produções. Gosta muito da música “Trem fantasma”
(Xuxa), pois falava bastante dela em algumas situações diversas em que foi
trabalhada.Apresentou marcas expressivas nos pulsos que denunciavam sua
autoagressão em casa, fato relatado pela mãe numa conversa informal.
Contudo, ele não manifestou tal comportamento no setting terapêutico.
Apresentou uma ligação simbólica com o Arco-íris, uma vez que em suas
produções criativas, expressou sucessivas vezes o desenho desse símbolo.
Ti é um adulto com 17 anos que apresenta linguagem e comunicação
não-verbal, é pouco criativo e apresenta dificuldade em se expressar
espontaneamente através das diversas modalidades de linguagem
expressivas. Apresentava movimentos e sons estereotipados, emite alguns
sons durante as sessões arteterapêuticas, denotando tentativas de
comunicação. O nome fictício deste participante deriva de vocalizações que
denotam o som “Ti”.
Já Avião é uma menina com linguagem e comunicação verbal que tem
interesse restrito por aviões e helicópteros. É bastante afetiva com as
coordenadoras e o grupo. Apresentava alguns movimentos estereotipados e
emissão de sons em alguns momentos da sessão. Em geral, se interessava
pelas propostas arteterapêuticas e participava espontaneamente. Porém
necessitava de estímulos verbais para evitar sua dispersão com estímulos
ambientais como o movimento e barulho do ventilador. Gostava de tirar
fotografias de objetos do setting terapêutico, como o ventilador.
Vale salientar que nenhum participante usa medicamentos que possam
interferir em seus comportamentos e produções.
Lócus da pesquisa
O estudo foi conduzido em uma sala de aula de uma instituição
filantrópica de Educação Especial que atende pessoas com Transtorno do
Espectro Autista e outros transtornos do desenvolvimento.
As vivências e produções criativas realizadas neste espaço,
compartilhado com outras atividades desenvolvidas na instituição, foi
organizado a fim de criar um setting terapêutico diferenciado dos outros
cômodos da instituição.
O estabelecimento, situado em um bairro de classe média da cidade de
Natal/RN, desenvolvia programas de capacitação, amparo, adaptação e
inclusão social dos sujeitos atendidos e de suas famílias.
Materiais
Os materiais utilizados foram uma câmera fotográfica, filmadora,
aparelho de som, DVD, CDs com músicas diversas, notebook, retroprojetor e
diversos recursos artísticos.
Na concepção de Pain e Jarreau (2001), a escolha dos materiais e
técnicas devem ser direcionadas pelas necessidades da pessoa, a cada
momento de sua história, isto é, deve priorizar as capacidades plásticas e de
concentração do sujeito, sua idade, seu ritmo pessoal, suas necessidades
sinestésicas, sua atividade de ideação e suas possibilidades de aprendizagem.

Seguem-se as modalidades expressivas mais utilizadas no processo


arteterapêutico deste estudo, com seus materiais utilizados:
- Desenho: giz de cera, lápis de cor, giz colorido, pincel atômico, pastel oleoso,
canetas hidrográficas, papéis diversos brancos e coloridos (chamex, sulfite,
canson, cartolina, camurça, E.V.A, etc);
- Pintura: cola colorida, cola, suportes de diversos tipo: papel, tecido e isopor;
pincéis chato e redondo, pote para água, água e trapos.
- Colagem/Recorte: jornal, linhas coloridas, papéis com cores e texturas
diversos (cartolina, camurça, etc.), retalhos de tecido, tesoura, cola, fita
adesiva, fios, durex.
- Modelagem: barro
Instrumentos

Foram utilizados como instrumento de análise de dados, fotografias das


produções, filmagens de algumas sessões e registros diários de campo sobre as
vivências.

Procedimentos
De acordo com Valladares (2008), o processo de Arteterapia abrange
sucessivas fases as quais utilizamos como referência. Sendo assim nosso
estudo foi executado em 5 etapas:
Etapa 1- Visita a instituição
Houve um conversa inicial com as coordenadoras e responsáveis pela
instituição sobre a proposta de estágio para conclusão do Curso de Pós
graduação em Arteterapia e Educação do Ser. Tendo uma boa receptividade e
aceitação da proposta, houve a observação da estrutura física do espaço, bem
como o levantamento dos possíveis participantes que se enquadrariam nos
critérios de inclusão supracitados. Foram fornecidos por elas, os contatos dos
pais dos sujeitos para marcar uma reunião.
Etapa 2- Contrato de Trabalho
Marcado a reunião com as mães dos sujeitos, numa roda de conversa,
relatamos sobre a Arteterapia e nossa proposta de trabalho. Indicamos também
o horário das sessões, considerando os compromissos profissionais das
estagiárias. Logo, todas as mães mostraram disponibilidade e interesse em
seus filhos se beneficiarem do nosso estudo. Tendo em vista outros trabalhos
já realizados na instituição pelas estagiárias, as mães autorizaram
informalmente a publicação de fotos e dados dos participantes da referida
pesquisa. Em seguida, as coordenadoras assinaram o termo de consentimento
da instituição. Nesta etapa foram estabelecidos o cronograma inicial com datas
e horários das sessões. Desta forma, os encontros aconteceram, inicialmente,
duas vezes por semana e, a posteriori, uma vez, às quintas-feiras, com
duração de duas horas no turno matutino.
Etapa 3- Entrevista
Foram realizadas entrevistas informais com as mães dos participantes
sobre o quadro clínico, comportamental, familiar e tipo de atendimentos que os
filhos recebem.
Etapa 4- Preparação do setting terapêutico
De acordo com Valladares (2005) a adequação do setting terapêutico e
acolhimento do arteterapeuta, permitem que a energia psíquica traduza-se em
concretude através das produções expressivas diversas,e que, a cada
transformação dos materiais, analogicamente, aconteçam transformações em
nível psíquico.
Sendo assim, buscamos preparar um espaço que oferecesse segurança
e receptividade, um ambiente estimulador da experimentação expressiva, do
comportamento criativo, de ousadias e inovações nos modos de ser.(
VALLADARES, 2005) O espaço era bem claro e iluminado, limpo, arejado,
organizado, com luz natural; contendo duas mesas coletivas, cinco cadeiras,
um banheiro, uma bancada com pia para lavar os materiais, janelas amplas,
um armário e pastas para guardar os materiais produzidos pelos participantes,
bem como os materiais múltiplos para uso nas sessões.

Etapa 5- Conectando os dois mundos


Nesta etapa trata-se da conexão da arteterapia (sessões) com os
indivíduos com TEA na qual selecionamos três vivências que contemplaram
técnicas expressivas diferentes:

a) Música
b) Máscaras
c) O Barro

De forma geral, as sessões foram desenvolvidas com atividades de


aquecimento liberadoras de tensões com o intuito de criar um clima permissivo
e alegre, através de atividades de relaxamento, técnicas de respiração,
movimentos corporais espontâneos e conscientes, estimulação vocal,
imaginação ativa, dramatização, brincadeiras, entre outros. Durante as sessões
utilizou-se músicas instrumentais de fundo, afim de estimular o contato com o
seu EU e o aprofundamento emocional dos indivíduos.

Etapa 6- Coleta de dados


Na coleta dos dados, fez o uso de técnicas de observação direta e participante,
objetivando analisar a relação que os participantes estabeleceram com os materiais ao
utilizá-los como forma de expressão dos seus conteúdos internos (intra pessoal), e as
relações entre eles (inter pessoal), assim como o processo criativo, as
expressividades oral, corporal e plástica dos indivíduos.

Resultados e discussões
a) Música
Objetivo: desenvolver a expressão rítmica, sonora e corporal.
Partindo do pressuposto que música é vibração e que o universo é
constituído por vibrações, acreditamos que o som e o silêncio são vibrações
que se apresentam como expressão criadora e criativa com possibilidades
terapêuticas.
Numa linguagem Junguiana, podemos traçar um paralelo entre
as vibrações que constituem o ser e os padrões arquetípicos,
que são estruturas psíquicas comuns a todos os indivíduos e
que se manifestam simbolicamente. São individuais porque
trazem um padrão vibratório intrínseco ao ser humano, e
coletivo porque nos fazem vibrar em ressonância com o
universo e com todos os indivíduos. São criadores em virtude
do seu caráter simbólico e criativos na sua forma expressiva (
VICTORIO, 2008, p. 20).

Assim, as vivências desenvolvidas durante o processo arteterapêutico


buscou interagir a música com as imagens produzidas dos participantes. Desse
modo, a relação sinestésica entre som, imagem e movimento remete à unidade
dos sentidos, quanto à possibilidade de integração, autoconhecimento,
segurança e equilíbrio dos indivíduos (SOUZA, 2009).
A proposta inicial da vivência foi que com os olhos vendados os
participantes deveriam ouvir músicas de vários ritmos e fazer movimentos com
o corpo deixando-os livres para sentir esse momento e elaborar os movimentos
que seus corpos gostariam de fazer em cada música ouvida.
Durante a vivência os participantes demonstraram insegurança para se
movimentar. Eles ficavam mais parados do que em movimento e quando
estimulados a caminhar pelo setting terapêutico eles ficavam receosos dando
pequenos passos e parando. Contudo, gradativamente, através de estímulos
musicais conseguiram ampliar seus movimentos.
Em seguida, foi solicitado que os participantes expressassem
plasticamente como seus corpos se apresentavam naquele momento. As
figuras abaixo mostram duas produções criativas realizadas por Mapa e
Sorriso, em situações diferentes que foram trabalhadas com a música. A figura
1 diz respeito a uma produção realizada em outra sessão, com os olhos
abertos, no período inicial das sessões arteterapêuticas, mas que
contemplaram a música e dança também. Já a figura 2 foi realizada nesta
etapa, de olhos vendados.

Figura 1. Produção de Mapa Figura 2. Produção com


com os olhos abertos. os olhos vendados

Podemos observar que a figura 1 foi produzida com pouca riqueza de


detalhes, com os olhos abertos demonstrando pouco interesse em realizar a
proposta. E a figura 2 demonstra mais expressividade e mais elementos
simbólicos. A imagem corporal parece está em movimento. A seta em amarelo
sinaliza a possível imagem de um rosto em sofrimento. A imagem foi produzida
num momento em que o participante estava bastante angustiado com os olhos
vendados e ao som de alguns ritmos musicais que o desagradam, fato
observado ao longo do processo. Ao realizar a produção, Mapa emitia alguns
sons de ansiedade que denotavam angústia, mas foi tranquilizado pelas
condutoras. Na figura 1, a representação de seu corpo, aliás, dois corpos,
estão pouco definidos, sem movimentos e pouco expressivo. As produções de
Sorriso também expressaram uma evolução na consciência corporal, conforme
as imagens a seguir.
Figura 3- Produção de Sorriso Figura 4- Produção de
com os olhos abertos. Sorriso de olhos vendados

Podemos observar que na figura 4 a imagem corporal de Sorriso está


mais estruturada em relação a figura 3. Percebemos que o desenho com os
olhos abertos, na imagem 3, a sua imagem corporal tem poucas curvas,
movimento e expressividade. Seu corpo aparece fragmentado e sem definição,
porém apresentou elementos como o sol, nuvens e vento. Já na figura 4, de
olhos vendados, a imagem reproduzida evidencia um maior movimento dado
pelas curvas feitas sobrepostas, a leveza dos movimentos. O corpo aparece
melhor estruturado uma vez que os membros do seu corpo estão mais
definidos, como a cabeça, a percepção do pescoço, peitoral e braços que
parecem ter movimentos.
Diante do exposto, o trabalho sonoro e imagético proporcionou aos
participantes o desenvolvimento da expressão rítmica, sonora e corporal a
partir do momento em que demos oportunidade de apenas fazê-los aprender a
ouvir, sentir e criar, pois com os olhos vendados pode-se ampliar a capacidade
de percepção dos sons e as sensações provocadas por ele (NÓBREGA, 2005).
Essas sensações foram materializadas em forma de imagens
transpondo para o papel aquilo que estavam sentindo em seu corpo ao ouvir
diversas modalidades de música, pois segundo Ponty (1996), o corpo não é
apenas um objeto entre todos os outros objetos, ele é um objeto sensível a
todos os outros, que ressoa para todos os sons, que fornece às palavras e às
imagens a sua significação primordial através da maneira pela qual ele as
acolhe.
b) Máscaras
Objetivo: explorar a sombra e a persona dos participantes.
Segundo Jung ( 1984) o termo "persona" é derivado da palavra latina equivalente
a máscara, está relacionado com as palavras "pessoa" e "personalidade". A nossa
persona é a forma como nos apresentamos ao mundo, é o caráter que assumimos e
através dela nós nos relacionamos com os outros. A persona inclui nossos papéis
sociais, o tipo de roupa que escolhemos para usar e nosso estilo de expressão pessoal
também conhecida como "arquétipo da conformidade", serve para proteger o ego e a
psique das diversas forças e atitudes sociais que nos invadem.
A sombra é o centro do inconsciente pessoal, o núcleo do material que foi
reprimido da consciência. A sombra inclui aquelas tendências, desejos, memórias e
experiências que são rejeitadas pelo indivíduo como incompatíveis com a persona e
contrárias aos padrões e ideais sociais. Ela representa aquilo que consideramos inferior
em nossa personalidade e também aquilo que negligenciamos e nunca desenvolvemos
em nós mesmos ( CHOPRA, 2010).
Inicialmente, houve um momento reflexivo sobre atitudes que temos
vontade de fazer, mas temos medo ou vergonha de agirmos e por isto nos
escondemos atrás de nossas máscaras. Partindo disto, pedimos que criassem
suas máscaras de acordo com o que sentiam no momento, e em seguida que
se libertassem corporalmente através da variedade de músicas tocadas as
quais a maioria eram agitadas, a fim de provocar comportamentos mais
expressivos, tendo em vista que seus comportamentos são de extrema
passividade bem como são constantemente vigiados e regulados pelos
familiares.
Assim, todos produziram suas máscaras utilizando os materiais
(cartolina de diversas cores – azul, vermelho, preto, amarelo e azul, cola
colorida, panos, gliter, entre outros) com espontaneidade e criatividade, com
exceção de Mapa que mostrou-se introspectivo, desinteressado e com pouca
criação. Todos escolheram a cor preta para criação de suas máscaras,
conforme a figura 2. Dentro da simbologia das cores, o Preto, pode ser
representado como uma capa de aço, onde aquilo que está dentro não sai e
aquilo que está fora não entra. Na psicologia das cores, o Preto representa o
poder, a modernidade , formalidade, morte, medo, anonimato, raiva, mistério.

Figura 5- Vivências das máscaras

Através da vivência com as máscaras, os participantes puderam expressar


livremente, sem julgamento social, as suas tendências, impulsos, desejos e experiências
que são constantemente reprimidos pela própria persona, uma vez que foram contrárias
aos padrões e ideias sociais. Cada um criou sua máscara de acordo com seu
pensamento, sensação, sentimento e intuição provocadas pelos estímulos musicais e
narrativos das coordenadoras. Vale destacar a atuação de Arco-íris que no momento
das vivências com as músicas, ele revelou uma performance fascinante,
principalmente na canção “Trem fantasma”, da cantora XUXA, que denota um
conteúdo lúdico e de medo. Sua expressão corporal chamou atenção de todos,
estava num momento de catarse total, de entrega, de libertação, palavras que
resumem suas ações.

b) O Barro

Objetivo: trabalhar a autoexpressão, autoconhecimento, desenvolver a


criatividade e facilitar a conexão com o mundo interno.
O trabalho com o barro mobiliza sensações, sentimentos e
imagens, trazendo a possibilidade de uma nova descoberta,
um resgate, um ressignificar da própria história. Um
desbloqueio, um esclarecimento, um alívio! (CHIESA, 2004,
p.19).

Sendo assim, foi proposto um trabalho com barro explorando os quatro


reinos, mineral, vegetal, animal, o humano. O primeiro diálogo é o encontro
com a experimentação do barro. O segundo momento é de transformação do
material em mineral, depois um vegetal, um animal irracional e por fim, a
construção do último elemento da evolução da Terra, o ser racional o Homem,
também considerado por construção do eu (MENEZES FILHO, 2011).
No início do processo criativo, os participantes mostraram-se receosos
ao manipular o barro, no entanto, aos poucos foram experimentando com
espontaneidade e satisfação o material. Alguns símbolos foram surgindo ao
longo do processo criativo, como por exemplo, a figura masculina em que o
participante destacou o órgão genital masculino (Figura 6) trazendo a tona
aspectos da sexualidade. A imagem de animais como o boi e uma cobra (figura
7), um urso (Figura 8) e algo não explicitado por um dos sujeitos (Figura 9),
também, estiveram presentes nas produções criativas dos participantes.
Percebemos que houve uma dificuldade dos participantes em produzir
simbolicamente os quatro reinos, mostrando a necessidade de permanecer
experimentando o material livremente.

Figura 6- Produção final de Figura 7- Produção final de


Sorriso. Mapa, o boi.
Figura 8- Produção final de Figura 9- Produção final de Tí
Arco-íris, o urso.

Dessa maneira, os símbolos trazidos pelos participantes receberam um


nome dado por eles e possui um núcleo de significado invariável, o qual
determina sua aparência, apenas a princípio, mas nunca concretamente, pois
uma imagem primordial só pode ser determinada quanto ao seu conteúdo, no
caso de tornar-se consciente e, portanto, preenchida com o material da
experiência consciente (JUNG, 2008).
Consideramos que a vivência com o barro foi um momento de
comportamentos inicialmente de rejeição ao material, mas que ao longo do
processo foi tornando-se prazeroso permitindo aos sujeitos que se
transformassem e liberassem as energias bloqueadas. Essa rejeição inicial foi
evidenciada com maior intensidade por um dos participantes que demonstrou
no momento da produção comportamentos autoagressivos ocasionados,
possivelmente, pelo material que iria manusear e assim sujar-se, bem como
pelo interesse em realizar outra atividade que estava sendo feita por ele no
momento anterior a sessão arteterapêutica.
Conclusões
Os dados deste artigo reveleram que pessoas com Transtorno do
Espectro Autista são sujeitos que pensam, sentem, (re) criam, transformam,
interagem e agem sobre o mundo. Os recursos arteterapêuticos ofereceram
possibilidades de autoexpressão e comunicação simbólica destes sujeitos,
permitindo a melhor compreensão das suas demandas inter e intrapessoal.
Foram possibilitadas oportunidades de livre expressão de seus
sentimentos, tensões, angústias, atitudes e autonomia, reorganizando o meio
interno dos envolvidos. Foi estimulada a imaginação, o movimento criativo, o
autoconhecimento, através de recursos musicais, sensoriais, lúdicos e sinestésicos,
resgatando seus potenciais desconhecidos ou inativados sobre a arte e estabelecendo a
inter relação do grupo. Esse percurso criativo foi marcado por símbolos que
assinalam e informam sobre os níveis de individualização de cada um. Desta
maneira a Arteterapia pode estabelecer conexão com o universo autista.

Portanto, a Arteterapia na Educação Especial possibilita a utilização de uma


comunicação não verbal em que os alunos no espectro autista podem se conectar com
seu mundo próprio e externalizar suas emoções, sentimentos, construir conhecimentos,
assim como interagir de forma mais consciente com as pessoas e o ambiente que os
cercam.

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