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não se fazem perguntas sobre questões de saúde a quem não é médico (não

mesmo?). Ora, o professor de português é alvo de numerosas perguntas. Nas


escolas, as perguntas podem ser dos alunos ou dos colegas de outras áreas. Mas
mesmo ao professor de português não se faz qualquer pergunta. Tenho certeza
Faculdade de Letras – Semestre: 01/2016 – Data: 08/03/2016
de que raramente alguém quer saber se tal palavra é um substantivo ou um
Disciplina: Gramática tradicional: morfossintaxe (LET 202)
a
Professora: M Glenda Milanio – Turma: M4 (sala CAD2/C304) advérbio, ou se “aguardente” se forma por aglutinação ou por justaposição (acho
até que as pessoas se interessam mais pela coisa, no caso...).
TEXTO 1: PARA QUE SERVE UMA GRAMÁTICA?
Quando há perguntas sobre questões de linguagem, elas invariavelmente se
destinam a resolver dúvidas sobre a correção, tal como é representada
Você aí, que teve aulas de gramática às pampas, já precisou dela na sua vida? A socialmente. Isto quer dizer que as pessoas querem saber se podem ou não
maioria das pessoas, confrontadas com a pergunta acima, provavelmente utilizar determinadas construções (seja uma palavra – como “imexível” –, seja
responderia que não. O interessante, no entanto, não é que a maioria das uma concordância, seja uma opção ortográfica). Ninguém quer saber se há uma
pessoas, simplesmente, responderia que não. O mais espantoso é que isso regra que legisla sobre concordância quando o sujeito é composto e posposto. O
ocorreria também com a maioria dos professores de português. Pode ser, no que as pessoas perguntam são coisas como: “você, que é professor de português,
entanto, que a resposta esteja equivocada. Seria uma resposta simplista a uma me diga se posso escrever isso ou aquilo, com base na gramática” ou “como é
pergunta simplificada. O possível engano decorre do fato de que temos o hábito que se pronuncia: “obêso” ou “obéso”?”
de considerar que uma gramática é uma obra ou um discurso uniforme, quando,
Nem sempre o que ocorre na vida cotidiana é um critério interessante para
de fato, ela se compõe de coisas variadas. Seria necessário, então, explicitar
definir o que é desejável que se faça na escola – nas escolas de todos os níveis.
diferenças. Quero falar hoje de pelo menos uma distinção importante.
Por exemplo, seria estranho (diante do que a história nos ensina, se a
Uma gramática decente (mesmo que apenas normativa e parcial, mas decente) considerarmos) deixar de fazer pesquisa básica só porque os resultados que um
contém sempre temas diversos. Fala de vícios e de figuras de linguagem, fornece dia talvez advirão dela não são ainda objeto de desejo ou de demanda do
normas de análise, arrisca palpites sobre a relação da língua com o mundo, além mercado. Mas, no caso da linguagem, parece que os problemas reais que os
de conter listas de construções aceitáveis e inaceitáveis e coletivos esotéricos. cidadãos enfrentam (por boas ou más razões) e as questões concretas que
Sem falar que toma como objeto diversos níveis, da escrita alfabética às regras da propõem indicam o caminho que a escola deveria seguir: o que ela deve fazer é
poesia... Isso para ficar no que mais obviamente se pode perceber à primeira permitir o domínio do padrão, da escrita, e não se dedicar às análises. Estas são
leitura. para os interessados.

Provavelmente, na vida real, não se fazem perguntas sobre gramática a quem (POSSENTI, Sírio. A cor da língua e outras croniquinhas de linguista. Campinas, SP:
não é professor de português, ou de línguas, de forma mais geral, assim como Mercado de Letras: ALB, 2001, p. 981-82)

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